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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.079 - RS (2010/0183260-5) RECORRENTE : JUAREZ GIONGO ADVOGADO : PATRÍCIA SCHERER GIONGO E OUTRO(S) RECORRIDO : MARLENE KAMMER ADVOGADO : ADALBERTO FERREIRA GOMES E OUTRO(S) INTERES. : SEGURADORA GRALHA AZUL RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por JUAREZ GIONGO com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/RS. Ação (e-STJ fls. 02/11): de indenização por danos materiais e compensação por danos morais e estéticos cumulada com pedido de lucros cessantes ajuizada por MARLENE KAMMER em face do recorrente e de SEGURADORA GRALHA AZUL, em virtude de acidente automobilístico sofrido no dia 21 de julho de 1998 quando trafegava com sua motocicleta na avenida Senador Alberto Pasqualini, na cidade de Lajeado/RS. Relata que teve sua frente abruptamente cortada por um automóvel, registrado junto ao órgão de trânsito em nome de Diebens Leasing S/A, conduzido por JUAREZ GIONGO, ora recorrente. Aduz que conduzia sua motocicleta em baixa velocidade pela direita da pista quando foi surpreendida pelo carro conduzido pelo réu, que, sem dar sinal indicativo de que pretendia converter à direita, assim o fez. Assevera que pela rapidez e imprevisibilidade da manobra, não teve tempo suficiente parar frear, vindo a colidir com o automóvel e ato contínuo, a ser jogada com brutalidade contra um poste e o cordão da calçada. Alega que, apesar de trafegar em baixa velocidade e usar capacete no momento do acidente, sofreu, além de danos materiais, inúmeras lesões corporais, Documento: 14284231 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 17

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PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA.CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SEM HABILITAÇÃO E DE CHINELOS.ANÁLISE DA SITUAÇÃO FÁTICA RELATIVA AO ACIDENTE QUE EXCLUI A CONCORRÊNCIA DE CULPAS. DANO MATERIAL. NÃO LIMITAÇÃO DAS CIRURGIAS. VIOLAÇÃO DO ART. 946 DO CC. INOCORRÊNCIA. FATOS NOVOS. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS.RECUPERAÇÃO INTEGRAL DO DANO. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. MINORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIADA SÚMULA 7/STJ. CONDENAÇÃO. DANO MORAL. MONTANTE INFERIOR AO POSTULADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA. SÚMULA 326/STJ. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃORECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.079 - RS (2010/0183260-5)

RECORRENTE : JUAREZ GIONGO ADVOGADO : PATRÍCIA SCHERER GIONGO E OUTRO(S)RECORRIDO : MARLENE KAMMER ADVOGADO : ADALBERTO FERREIRA GOMES E OUTRO(S)INTERES. : SEGURADORA GRALHA AZUL

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por JUAREZ GIONGO com

fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão

proferido pelo TJ/RS.

Ação (e-STJ fls. 02/11): de indenização por danos materiais e

compensação por danos morais e estéticos cumulada com pedido de lucros

cessantes ajuizada por MARLENE KAMMER em face do recorrente e de

SEGURADORA GRALHA AZUL, em virtude de acidente automobilístico

sofrido no dia 21 de julho de 1998 quando trafegava com sua motocicleta na

avenida Senador Alberto Pasqualini, na cidade de Lajeado/RS. Relata que teve

sua frente abruptamente cortada por um automóvel, registrado junto ao órgão de

trânsito em nome de Diebens Leasing S/A, conduzido por JUAREZ GIONGO, ora

recorrente.

Aduz que conduzia sua motocicleta em baixa velocidade pela direita

da pista quando foi surpreendida pelo carro conduzido pelo réu, que, sem dar sinal

indicativo de que pretendia converter à direita, assim o fez. Assevera que pela

rapidez e imprevisibilidade da manobra, não teve tempo suficiente parar frear,

vindo a colidir com o automóvel e ato contínuo, a ser jogada com brutalidade

contra um poste e o cordão da calçada.

Alega que, apesar de trafegar em baixa velocidade e usar capacete no

momento do acidente, sofreu, além de danos materiais, inúmeras lesões corporais, Documento: 14284231 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 de 17

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que lhe acarretaram incapacidade para o trabalho. Entre as lesões sofridas, relata a

perda de parte da língua e de oito dentes, fratura no nariz – em razão do que se

submeteu a três cirurgias – e traumatismo na coluna vertebral, que embora

aparentemente recuperada, é responsável por fortes dores na coluna, o que, a seu

ver, seria indicativo de sequelas.

Sustenta que a culpa pelo acidente teria sido exclusivamente do réu,

que estaria conduzindo seu veículo em velocidade acima da permitida e não teria

adotado as cautelas necessárias para realizar a conversão à esquerda, motivo pelo

qual deve ser condenado ao pagamento de indenização pelos danos materiais

causados na motocicleta, bem como todas as despesas – futuras e as já efetuadas –

com tratamento médico e medicamentos e à compensação pelos danos morais e

estéticos sofridos.

Sentença (e-STJ fls. 657/685): afastou a preliminar de falta de

interesse de agir arguida pela SEGURADORA GRALHA AZUL. Ainda, julgou

procedente o pedido de denunciação à lide dessa última, para condená-la a

ressarcir ao denunciante, nos limites estabelecidos na apólice, a todo o

quantitativo que vier a desembolsar em decorrência da presente sentença e julgou

parcialmente procedente o pedido inicial para condenar o recorrente ao

pagamento:

a) a título de danos materiais, todas as despesas que vierem a ser demonstradas pela demandante em futura liquidação de sentença decorrentes do fato descrito nos autos – incluídas eventuais despesas médicas e cirúrgicas que ainda se fizerem necessárias para a adequada recuperação da autora -, com correção monetária dos valores, pelo IGP-M, a contar do desembolso, e juros de 0,5% ao mês desde a data do fato – ante o enunciado da súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça – e de 1% ao mês a contar da vigência do atual diploma civil;

b) a título de danos estéticos, quantia equivalente a R$80.000,00 (oitenta mil reais) pelos danos estéticos sofridos, que deverá ser atualizada monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros de 1% ao mês a contar desta data;

c) a título de danos morais, valor equivalente a R$120.000,00 (cento e vinte mil reais), que deverá ser atualizado monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros de 1% ao mês a contar desta data;

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d) a título de lucros cessantes, correspondentes aos meses em que a requerente esteve desempregada – de dezembro de 1998 a setembro de 1999 -, no valor de R$ 217,00 (duzentos e dezessete reais) mensais, os quais deverão ser acrescidos corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros de 0,55 ao mês, a contar da data em que seriam devidos; sendo que os juros deverão incidir no percentual de 1% ao mês a contar da data em que passou a viger o atual Código Civil.

Acórdão (e-STJ fls. 788/803): o TJ/RS deu parcial provimento ao

recurso de apelação interposto por JUAREZ GIONGO (e-STJ fls. 696/729) para

minorar o montante arbitrado a título de compensação pelos danos morais e

estéticos sofridos para R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$30.000,00 (trinta

mil reais), respectivamente, e para condenar a litisdenunciada SEGURADORA

GRALHA AZUL a arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais da lide

secundária. Ao recurso de apelação da litisdenunciada (e-STJ fls. 730/745), o

TJ/RS também deu parcial provimento para reduzir o quantum compensatório dos

danos morais e estéticos. O acórdão foi assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO.

Hipótese em que o réu não logrou demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora (art. 333, II, do Código de Processo Civil).

Verbas indenizatórias por danos morais e por danos estéticos minoradas.A seguradora deve arcar com as verbas sucumbenciais da lide secundária

quanto oferece resistência à denunciação.Os danos morais e os danos estéticos são espécies de danos

corporais/pessoais.APELO DO RÉU CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO EM PARTE.

APELO DA LITISDENUNCIADA PROVIDO EM PARTE. UNÂNIME.

Embargos de declaração de SEGURADORA GRALHA AZUL

S/A (e-STJ fls. 807/809): foi rejeitado às fls. 846/851 (e-STJ).

Embargos de declaração de MARLENE KAMMER (e-STJ fls.

811/812): foi rejeitado às fls. 852/854 (e-STJ).

Embargos de declaração de JUAREZ GIONGO (e-STJ fls.

815/820): foi rejeitado às fls. 856/961 (e-STJ).Documento: 14284231 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 17

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Recurso especial (e-STJ fls. 870/904): interposto com base nas

alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, aponta, além de divergência

jurisprudencial no tocante ao arbitramento dos danos morais e estéticos e da verba

honorária, ofensa aos seguintes dispositivos de lei:

(i) art. 535 do CPC, por negativa de prestação jurisdicional;

(ii) art. 946 do CC, porquanto o TJ/RS deveria ter limitado o valor e a

quantidade das cirurgias a que a autora será submetida;

(iii) art. 20, §3º, e 21 do CPC, haja vista que o redimensionamento

dos ônus sucumbenciais deveria ter sido consequência da redução pelo Colegiado

do montante fixado pelo juízo de 1º grau de jurisdição a título de danos morais e

estéticos;

(iv) art. 333, II, CPC e art. 29, IX, do Código de Trânsito, porquanto

o Tribunal de origem entendeu ter havido culpa exclusiva do recorrente por esse

não ter comprovado fato modificativo ou impeditivo do direito da recorrida, não

obstante ter restado demonstrado que a autora conduzia sua motocicleta de

chinelos e sem portar carteira de habilitação e que teria ultrapassado pela direita.

Juízo de admissibilidade (e-STJ fls. 930/935): após a apresentação

das contrarrazões (e-STJ fls. 923/928), o apelo não foi admitido na origem (e-STJ

fls. 485/487). Para melhor análise da controvérsia, dei, no entanto, provimento ao

agravo de instrumento nº 1.309.320/RS (e-STJ fl. 965).

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.219.079 - RS (2010/0183260-5) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHIRECORRENTE : JUAREZ GIONGO ADVOGADO : PATRÍCIA SCHERER GIONGO E OUTRO(S)RECORRIDO : MARLENE KAMMER ADVOGADO : ADALBERTO FERREIRA GOMES E OUTRO(S)INTERES. : SEGURADORA GRALHA AZUL

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

I – Da delimitação da controvérsia

Cinge-se a controvérsia, em síntese, a determinar se: (i) nesta

demanda a condução de motocicleta, pela vítima, usando chinelos e sem carteira

de habilitação devem ser consideradas como concausas do acidente, a justificar a

sua culpa concorrente; (ii) a não limitação das cirurgias a que a recorrida deverá

ser submetida importa em ofensa à regra contida no art. 946 do CC; e (iii) na

espécie, o valor fixado à título de danos morais e estéticos mostra-se exorbitante,

a justificar a atuação desta Corte na readequação do montante.

II – Do prequestionamento

A matéria jurídica versada no art. 29, IX, do Código de Trânsito não

foi debatida no acórdão recorrido, apesar da interposição de embargos de

declaração, que nem sequer intentou provocar o pronunciamento do TJ/RS a

respeito do mencionado preceito legal. Desse modo, está inviabilizado o

conhecimento do recurso especial à luz desse dispositivo de lei. Incide, na

espécie, a Súmula 356/STF.

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Por outro lado, verifico ter sido prequestionada a matéria referente

aos arts. 20, §3º, 21 e 333, II, do CPC e art. 946 do CC, tidos por violados, a fim

de possibilitar o julgamento da lide.

III – Da negativa de prestação jurisdicional (Violação do art. 535

do CPC)

Segundo alega o recorrente, o TJ/RS, ao rejeitar os embargos de

declaração, teria deixado de sanar omissão existente no acórdão que julgou a

apelação, consistente na ausência de manifestação acerca da “limitação dos gastos

com as cirurgias futuras a serem realizadas e ao não redimensionamento da verba

sucumbencial” (e-STJ fls. 873).

Entretanto, da análise do acórdão recorrido, verifica-se ter o TJ/RS se

manifestado expressamente acerca dessas duas questões, tanto que o art. 946 do

CC e arts. 20, §1º e 21 do CPC, atrelados a essa discussão, foram considerados

prequestionados. Nesse sentido, consignou o aresto recorrido não haver “reparos a

fazer na decisão monocrática no que diz com os danos materiais, pois o réu,

enquanto responsável pela ocorrência do acidente, deverá arcar com futuras

despesas decorrentes de cirurgias e tratamentos em razão do acidente, tendo em

vista o teor dos laudos periciais das fls. 194/205” (e-STJ fl. 797) e “quanto ao

valor da verba honorária da lide principal, esta vai mantida, pois de acordo com o

que dispõe o art. 20, §3º, do CPC” (e-STJ fl. 800).

Novamente, no acórdão que julgou os embargos de declaração

interpostos pelo recorrido, a matéria foi debatida:

Ausente omissão quanto ao limite da condenação para pagamento de despesas com tratamento de saúde e cirurgias, pois consta da fundamentação que o embargante arcará com a indenização das despesas em razão do acidente. Ressalte-se que, se estas perdurarem ad eternum, será por este tempo que o embargante deverá arcar com o pagamento das despesas.

Ainda, quanto ao decaimento da autora em relação à minoração das

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verbas indenizatórias por danos morais e estéticos, não há redimensionamento, a teor da Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça – Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado não implica em sucumbência recíproca. (e-STJ fl. 859)

O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica

obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão

conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a

julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim

com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

Por outro lado, é pacífico o entendimento no STJ de que os embargos

declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento,

são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que

autorizariam a sua interposição. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes

precedentes: AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de

03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir

Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038/DF, 1ª Seção, Rel. Min.

João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007.

Constata-se, em verdade, o inconformismo da recorrente e a tentativa

de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra

viável no contexto do art. 535 do CPC.

Dessa forma, é correta a rejeição dos embargos de declaração, posto

inexistir omissão a ser sanada e, por conseguinte, ausência de ofensa ao art. 535

do CPC.

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IV – Existência de culpa concorrente (Violação do art. 333, II, do

CPC)

Neste ponto, sustenta o recorrente que o acórdão recorrido não

poderia ter desconsiderado a demonstração de que a vítima estaria, no momento

do acidente, conduzindo sua motocicleta sem carteira de habilitação e de chinelos,

além de ter ultrapassado pela direita. Aduz que essas três circunstâncias

caracterizam-se como concausas do evento, as quais não poderiam ser olvidadas

quando se perquiriu acerca da distribuição das responsabilidades pelo resultado.

Considerando-se a impossibilidade de se rever, em sede de recurso

especial, a análise fática procedida pelo Tribunal de origem, deve-se, para a

solução da controvérsia, tomá-la por base. Nesse aspecto, assim restou consignado

no acórdão recorrido:

Segundo a testemunha Fernanda Raquel Hammes (fls. 316/319):Eu vi quando nós tava atravessando ai eu tava de mão dada com o meu guri a minha irmã por que ele eram pequenos ai quando ele veio ele não deu sinal ainda eu xinguei, meu Deus, ele nem deu sinal de luz, ai eu puxei eles pra trás ai quando vi ele já pegou ela de moto daí, ai ela caiu no chão daí, ai ela caiu no chão daí ele subiu um pouco pra cima daí nós socorremo ela lá, daí eu botei as crianças sentadas na calçada e fui socorrer ela. (sic)

Também a testemunha Sueli Teresinha Hammes (fls. 345/347) refere:Eu a minha filha e meu neto e a minha filha pequena nós imos subindo lá pro São Cristóvão pra ir num aniversário, ai quando a gente ia pra atravessar a rua pra pegar a direita ela ia subindo com o moto pra entrar e essa caminhoneta veio em seguida, não deu sinal de luz nem nada, daí atravessou e pegou ela, foi assim, só nós que tava ali que nós também íamos atravessar, que se a gente fosse um pouquinho mais rápido pra atravessar a caminhoneta tinha pegado nós também. (sic)

As declarações prestadas por essas testemunhas perante a autoridade policial (fls. 426/427) condizem com seus depoimentos em juízo.

Por outro lado, a testemunha Silvana Aparecida Machado (fls. 348/358) diz:

É. Eu tava subindo e vi que ela tentou subir, ultrapassar pela direita e aquilo foi muito rápido, bateu e até quando ele parou a

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caminhonete tava dando sinal, por que ele iria subir, ai nisso subiu um rapaz, que eu não me lembro a fisionomia dele, já desceu da moto ligeiro, aquilo foi bem rápido ajudou pôs ela dentro da caminhonete desceram, naquilo eu continuei subindo e ai conversando com a... quando eu cheguei assim como eu conhecia a esposa dele de vista eu fiquei conversando com ele comentando sobre o acident e. (sic)

Todavia, prosseguindo na leitura de tal depoimento, percebe-se que ele se deu de maneira conturbada, com apontamento de algumas contradições, tais como confusão quanto ao local onde moram os réus e como ocorreu o acidente, tendo o magistrado mencionado a possibilidade de acareação, razão pela qual ele deve ser avaliado com cautela.

A testemunha Jorge Luis Lauermann (fls. 359/375) procura descrever o acidente, dando conta de que o apelante ligou o pisca, mas refere que não presenciou o momento em que ele aconteceu. Aliás, estava distante a uma quadra mais ou menos do acidente.

Frise-se que o depoimento do policial que atendeu à ocorrência, Julio César Pinto Soares (fl. 388), dá conta de que ele não esteve presente no momento dos fatos. Com isso, não havendo indicação na comunicação de ocorrência (fl. 15) acerca de quem teria descrito a ele o histórico do acidente, o teor de tal documento não pode ser considerado para fins de prova, pois pode ter sido elaborado com base nas declarações do próprio réu.

As demais testemunhas não presenciaram o acidente.Assim, analisando os depoimentos, tenho que as testemunhas que

referem ter visto o réu utilizando o sinal luminoso para a conversão à direita prestam declarações confusas, apresentando elementos de contradição, enquanto que as testemunhas que referem que a autora foi atingida pelo réu, por este não ter sinalizado a manobra, são claros, com o mesmo teor tanto na fase policial, como em juízo.

Contudo, ainda que não se considere controvertidos os depoimentos prestados, não se pode deixar de levar em conta o próprio depoimento pessoal do réu/apelante, bastante a ensejar, por si só, sua conduta culposa, na medida em que refere que trafegava na Av. Alberto Pasqualini à frente da motocicleta, desconfiando que fosse uma ultrapassagem (fl. 311).

Ademais, refere ter visto a autora trafegando anteriormente ao acidente e que pararam juntos em uma sinaleira.

Da forma como relatado pelo TJ/RS, não há discussão, portando,

sobre as circunstâncias do acidente, ou seja, o recorrente, em uma conversão

desatenta que realizou à direita, atingiu a motocicleta da vítima. Como se vê, não

há comprovação nos autos de que a autora estaria realizando uma ultrapassagem

não permitida (pela direita). Qualquer conclusão em contrário acerca dessa

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circunstância, a qual o recorrente chama de concausa do evento, acarretaria o

revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso

especial (Súmula 07/STJ).

A seguir, tira o acórdão recorrido a seguinte conclusão jurídica:

Acrescente-se que aos veículos maiores é imposto o dever de cuidado em relação aos menores, conforme preceitua o artigo 29, § 2º, do CTB .

De modo que se afigura irrelevante, no caso, se houve sinalização ou não para conversão à direita, o fato é que ressalta nitidamente a manobra desatenta do réu, quando cortou a frente do veículo da autora, haja vista a posição da vítima após a colisão e o ponto da batida no veículo do réu, tendo sido arrancada a sinaleira da parte lateral, perto do pára-lama direito frontal, portanto na frente, embora não admita que tenha dobrado totalmente. E atente-se que a autora trafegava próximo ao acostamento, rente ao cordão da calçada, em linha reta, em baixa velocidade.

Ainda, o fato de a autora trafegar de chinelos e de não possuir habilitação não denotam, por si só, sua culpa no acidente, nem mesmo a culpa concorrente.

Além disso, não há provas de que a autora estivesse trafegando sem o capacete.

Desta feita, a prova aponta para a culpa do réu no evento danoso, não prosperando o apelo neste ponto, uma vez que não logrou comprovar fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito da autora (art. 333, II, do CPC). (sem grifo no original)

Assim colocada a questão, verifica-se que o TJ/RS, na análise dos

fatos, de forma soberana, entendeu que a conduta do réu foi a única causa do

acidente e que o fato de a vítima não estar habilitada para conduzir motocicleta e

estar usando chinelos no momento do acidente não teve a menor influência no

resultado.

Não se está negando que a condução de veículo automotor por pessoa

inabilitada para tanto ou que esteja “usando calçado que não se firme nos pés ou

que comprometa a utilização dos pedais” (art. 252, IV, do Código de Trânsito)

constitua infração ao ordenamento jurídico. Contudo, na hipótese dos autos a

matéria controversa diz respeito a um específico acidente de trânsito que vitimou

a condutora da motocicleta, ora recorrida, e que, conforme delineado pelo

Tribunal de origem, foi causado exclusivamente pela “manobra desatenta do réu” Documento: 14284231 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 0 de 17

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(e-STJ fl. 796).

Diante das ponderações acima vertidas, constata-se que, na hipótese

dos autos, apesar de ter restado comprovado que a vítima conduzia sua

motocicleta usando chinelos e sem portar carteira de habilitação, não restou

assentado nas instâncias ordinárias que esses dois fatores teriam contribuído para

a ocorrência do resultado.

Dessa forma, não tendo os fatos indicado qualquer participação da

vítima no curso do evento danoso, mostra-se escorreita a decisão do TJ/RS em

desconsiderar outras condutas que não apresentaram relevância no curso causal

dos acontecimentos e com isso manter a culpa exclusiva do ora recorrente (REsp

604.758/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, minha relatoria

para o acórdão, DJ de 18/12/2006).

O acórdão recorrido merece, portanto, ser mantido quanto a este

ponto.

V – Da obrigação indeterminada (art. 946 do CC). Despesas

futuras com o tratamento. Liquidação por artigos (art. 475-E do CPC)

O recorrente sustenta, neste ponto, que o acórdão recorrido teria

ofendido a regra disposta no art. 946 do CC, porquanto não houve a limitação das

cirurgias a que a recorrida deverá ser submetida, não obstante terem sido apuradas

nos laudos de fls. 194/205 (correspondente às fls 252/263 – e-STJ).

Eis o teor do mencionado dispositivo de lei:

Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.

Esse preceito de lei, que revela mais abrangência que seu antecessor

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(art. 1.533 do CC/1916) ao considerar também a liquidação das obrigações

contratuais, prevê a apuração das perdas e danos em liquidação, nas hipóteses em

que não for possível ao juiz, com base nos elementos que estiverem nos autos,

fixar o valor desde logo.

Efetivamente, para a apuração do montante da indenização devida,

por vezes há necessidade de se alegar e provar fatos novos, ainda não discutidos

na ação de conhecimento, caso em que se revela adequado o uso da liquidação por

artigos, prevista no art. 475-E do CPC. E parece-me que essa seria exatamente

uma das hipóteses.

Há de se salientar que o fato novo não diz respeito, portanto, ao dano,

cuja existência já foi provada no processo de conhecimento, mas sim à questão da

valoração desse dano. Nesse sentido, oportuno o exemplo trazido por Nelson Nery

Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado e

Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.

727):

Sentença que condena o réu a indenizar os danos decorrentes de acidente, com todas as suas consequências passadas, presentes e futuras. Caso a vítima tenha de submeter-se à nova cirurgia, não descrita na petição inicial da ação de conhecimento como um dos danos já sofridos pelo autor, deverá ser alegada e comprovada em liquidação de sentença, para que seu valor possa integrar o título executivo. Isso não alterará o julgado – alteração proibida pelo CPC 475-G –, porque a sentença declarou a existência do acidente e o réu já foi condenado a indenizar os danos dele decorrentes. O que se prova na liquidação é o fato novo, isto é, que essa cirurgia superveniente é um dos danos de que fala a sentença.

Na hipótese em apreço, na fase instrutória, o Juízo de 1º grau de

jurisdição, a pedido da autora, deferiu a produção de prova pericial médica,

odontológica e psicológica (e-STJ fl. 215). Às fls. 252/263, consta do laudo

pericial apresentado que, para devolver o conjunto estético e reabilitar a vítima

que sofrera os danos, foi indicado como tratamento a necessidade de correções

estéticas no nariz e nas cicatrizes presentes no lábio e no nariz, reposições

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protéticas dos dentes, além de se poder “tentar uma cirurgia para liberação da base

da língua e acompanhamento com fonoaudiólogos”.

Na sentença, o Juízo de primeiro grau incluiu na condenação do réu

ao ressarcimento de “todas as despesas que vierem a ser demonstradas pela

demandante em futura liquidação, decorrentes do fato descrito nos autos” (e-STJ

fl. 672).

Por sua vez, o TJ/RS confirmou a condenação, asseverando que “o

réu, enquanto responsável pela ocorrência do acidente, deverá arcar com futuras

despesas decorrentes de cirurgias e tratamentos em razão do acidente, tendo em

vista o teor dos laudos periciais das fls. 194/205” (e-STJ fl. 797).

Restou, portanto, configurado o dever de cumprir uma obrigação,

ainda que haja impossibilidade de imediata ponderação do efetivo conteúdo

econômico decorrente da procedência do pedido. Muito embora tenha sido

realizado, no curso do processo de conhecimento, três laudos técnicos, as

recomendações neles contidas são indicações de tratamentos, não excluindo

outras que possam vir a ser necessárias para a total recuperação da vítima, a serem

apuradas em liquidação de sentença, o que é perfeitamente possível.

Aliás, uma vez comprovado o dano, mesmo que não constasse

expressamente na sentença a obrigação ao pagamento das despesas até a

convalescença, disso não se desoneraria o réu, haja vista que essa obrigação

decorre da própria lei, a teor do que preceitua o art. 949 do CC: “ No caso de

lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do

tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum

outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. A recuperação pelo dano

sofrido, portanto, há de ser integral, de modo a restabelecer a lesado o estado

anterior à ocorrência do evento danoso (REsp 337.116/SP, 4ª Turma, Rel. Min.

Aldir Passarinho Júnior, DJ de 16/12/2002).

Tanto é assim que se tratando de ação pela qual se busca a reparação Documento: 14284231 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 1 3 de 17

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de danos, é jurisprudência assente na 2ª Seção do STJ que o juiz pode proferir

sentença ilíquida, ainda que o autor formule pedido certo, dada a ulterior

necessidade de se apurar em juízo o efetivo valor do prejuízo. Nesse sentido,

confira-se o seguinte precedente, na parte em que interessa:

Responsabilidade civil. Acidente sofrido por passageiro. Prescrição. Código de Defesa do Consumidor. Fato de terceiro. Liquidação de sentença. Limite temporal do pensionamento. Dano moral. Lucros cessantes. Seguro obrigatório. Precedentes da Corte.

(...)3. Na forma de precedente, nas "ações por ato ilícito, o valor estipulado

na inicial, como estimativa da indenização pleiteada, necessariamente, não constitui certeza do quantum a ressarcir, vez que a obrigação do réu, causador do dano, é de valor abstrato, que depende, quase sempre, de estimativas e de arbitramento judicial. Montante de indenização há de ser apurado mediante liquidação de sentença".

(...)9. Recurso especial conhecido e provido, em parte."(Recurso Especial 174.382, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,

DJ de 13.12.1999)

Dessa forma, não sendo possível determinar em definitivo as

consequências do ato ou fato ilícito, a condenação do recorrido ao ressarcimento

de despesas médicas, ainda que sem quantificação exata, com claro intento de

inclusão de tratamentos futuros necessários à total recuperação, mostra-se em

consonância com a regra prevista no art. 946 do CC, dispositivo de lei tido como

ofendido.

Nesse aspecto, portanto, também não há nada a reformar no acórdão

recorrido.

VI – Da compensação por danos morais e estéticos. Majoração.

Dissídio jurisprudencial.

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O recorrente insurge-se também contra o valor fixado no acórdão

recorrido a título de dano moral e estético, afirmando que seria exorbitante.

Neste caso, cabe ressaltar, que nas hipóteses nas quais a irresignação

dos recorrentes dirigem-se ao valor arbitrado a título de indenização por dano

moral e estético, esta Corte tem afastado o óbice da Súmula 7/STJ apenas quando

o valor fixado destoa daqueles adotados em outros julgados ou revela-se irrisório

ou exagerado, de modo a não atender ao espírito que norteou o legislador na

redação do referido dispositivo legal – assegurar ao lesado a justa reparação pelos

danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Confiram-se, a respeito, os seguintes precedentes:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS. QUANTUM REPARATÓRIO. PENSIONAMENTO. PRECEDENTES DA TURMA. I - Em se tratando de reparação por dano moral, esta Corte, principalmente, por sua Terceira Turma, tem prestigiado, tanto quanto possível, a fixação feita pelas instâncias ordinárias, as quais, com ampla liberdade para apreciar os fatos e mensurar suas repercussões, têm melhores condições de fazê-lo. Destarte, somente quando a quantificação for tão alta que atinja as raias da exorbitância, ou tão baixa que chegue aos níveis da insignificância, é que este Tribunal se sente autorizado a interferir.(...) Recurso não conhecido." (REsp 445.858/SP, Relator Ministro Castro Filho, DJ 19.12.2005)

AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. SÚMULA 54/STJ. DISSÍDIO NOTÓRIO. IMPROVIMENTO.

I. As exigências de natureza formal para o conhecimento do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional devem ser mitigadas quando se cuidar de dissídio notório, manifestamente conhecido do Tribunal.

II. Esta Corte só conhece de valores fixados a título de danos morais e estéticos que destoam razoabilidade, o que não ocorreu no presente caso.

III. Agravos Regimentais improvidos.(AgRg no EDcl no REsp 921.816/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti,

DJe de 01/04/2009)

Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em

Voto-vogal no Resp nº 269.407/RJ,

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(...) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos que ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste Tribunal.

Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais

e estéticos foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao

nível sócio-econômico do recorrente e, ainda, ao porte econômico do recorrido,

orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência,

com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à

realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a

prestação jurisdicional fornecida (REsp 259816/RJ, Rel. Min. Sálvio de

Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).

Na hipótese, observa-se que o valor fixado pelo Tribunal de origem

em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de dano moral e R$ 30.000,00

(trinta mil reais) a título de dano estético, em razão da perda de parte da língua e

de “deformidade no nariz e na boca bem como a perda de oito dentes e

dificuldades também na fala” (e-STJ fl. 799), não é irrisório nem exagerado.

Assim, é de rigor a manutenção do valor da condenação.

Ressalte-se, por oportuno, que a simples existência de julgados em

que a verba indenizatória foi arbitrada em valor inferior ao caso concreto não

autoriza, por si só, o seguimento do recurso, quando verificado que a instância

ordinária, em análise do contexto fático-probatório, fixou a indenização em

quantia que não extrapola o critério de razoabilidade.

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VII – Da verba honorária. Sucumbência recíproca. Da Súmula

83/STJ

Por fim, o TJ/RS, ao decidir que na ação de compensação por dano

moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica

sucumbência recíproca, alinhou-se ao entendimento disposto na Súmula 326 do

STJ.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É como voto.

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