rbso 126_completo assedio moral no trabalho

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REVISTA BRASILEIRA DE SAÚDE OCUPACIONAL RBSO Vol.37 • nº 126 jul/dez 2012 ISSN 0303 - 7657 RBSO Dossiê Assédio moral no trabalho Bullying at work

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Assédio Moral no Trabalho

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  • REVISTA BRASILEIRA DE

    SADEOCUPACIONALRBSO

    Vol.37 n 126jul/dez 2012

    ISSN 0303 - 7657

    RBSODossi

    Assdio moral no trabalho

    Bullying at work

  • Presidenta da RepblicaDilma Rousseff

    Ministro do Trabalho e EmpregoCarlos Daudt Brizola

    FUNDACENTRO

    PresidenteEduardo de Azeredo Costa

    Diretor Executivo SubstitutoRogrio Galvo da Silva

    Diretor TcnicoDomingos Lino

    Diretora de Administrao e Finanas SubstitutaSolange Silva Nascimento

    M I N I S T R I ODO TRABALHO E EMPREGO

    FUNDACENTROFUNDAO JORGE DUPRAT FIGUEIREDODE SEGURANA E MEDICINA DO TRABALHO

    www.fundacentro.gov.br

  • Editores CientficosEduardo Algranti Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilJos Maral Jackson Filho Fundacentro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

    Editor ExecutivoEduardo Garcia Garcia Fundacentro, So Paulo-SP, Brasil

    Editores AssociadosAndra Maria Silveira UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilCarlos Machado de Freitas Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, BrasilClaudia Carla Gronchi Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilIrlon de ngelo da Cunha Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilJos Prado Alves Filho Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilMarco Antonio Bussacos Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilMarcia Hespanhol Bernardo PUC, Campinas-SP, BrasilMina Kato Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRita de Cssia Pereira Fernandes UFBA Salvador-BA, BrasilRodolfo Andrade de Gouveia Vilela USP, So Paulo-SP, BrasilRogrio Galvo da Silva Fundacentro, So Paulo-SP, BrasilRose Aylce Oliveira Leite Museu Paraense Emlio Geldi, Belm-PA, Brasil

    Editores do Dossi TemticoAngelo Soares editor convidadoJuliana Andrade Oliveira editora convidadaJos Maral Jackson Filho editor cientfico

    Conselho EditorialAda vila Assuno UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilAlain Garrigou Universit Bordeaux 1, Gradignan, FranaAngelo Soares Universit du Qubec, Montreal, CanadCarlos Minayo Gomez Fiocruz, Rio de Janeiro-RJ, BrasilDalila Andrade de Oliveira UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilFrancisco de Paula Antunes Lima UFMG, Belo Horizonte-MG, BrasilIldeberto Muniz de Almeida Unesp, Botucatu-SP, BrasilLeny Sato USP, So Paulo-SP, BrasilMrio Csar Ferreira UnB, Braslia-DF, BrasilRaquel Maria Rigotto UFC, Fortaleza-CE, BrasilRegina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel UECE/Unifor, Fortaleza-CE, BrasilRenato Rocha Lieber Unesp, Guaratinguet-SP, BrasilSelma Borghi Venco Unicamp, Campinas-SP, BrasilVilma Sousa Santana UFBA, Salvador-BA, BrasilVictor Wnsch Filho USP, So Paulo-SP, Brasil

    Secretaria ExecutivaElena RiedererKarla MachadoVagner Souza Silva

    Reviso de textosKarina Penariol Sanches (portugus)Elena Riederer (ingls)Mina Kato (ingls)Normalizao bibliogrficaSrgio CosmanoAlda Melnia CsarVagner Souza SilvaMaria Aparecida GiovanelliProduo editorialGlaucia FernandesKarina Penariol SanchesBeatriz Taroni de Aguiar (estagiria)Gisele AlmeidaMarcos RogeriDistribuio Servio de Documentao e Biblioteca da FundacentroSuporte em informtica Servio de informtica da FundacentroDigitalizao da coleo da RBSOElisabeth RossiIndexao CAB Abstracts Directory of Open Access Journals DOAJ Global Health International Occupational Safety and Health Information Centre /

    International Labor Organization CIS/ILO Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade

    Lilacs Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina y el Caribe, Espaa y

    Portugal Redalyc Red Panamericana de Informacin en Salud Ambiental / Biblioteca

    Virtual en Desarrollo Sostenible y Salud Ambiental Repidisca/BVSDE

    Scientific Electronic Library Online SciELO Sistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas

    de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal LatindexCopyrightOs direitos autorais dos artigos publicados na Revista Brasileira de Sade Ocupacional pertencem Fundacentro e abrangem as publi-caes impressa, em formato eletrnico ou outra mdia. A reproduo total ou parcial dos artigos publicados permitida mediante meno obrigatria da fonte e desde que no se destine a fins comerciais.

    Poltica Editorial

    A RBSO o peridico cientfico da Fundacentro publicado desde 1973. Com frequncia semestral, destina-se difuso de artigos originais de pesquisas sobre Segurana e Sade do Trabalhador (SST) cujo contedo venha a contribuir para o entendi-mento e a melhoria das condies de trabalho, para a preveno de acidentes e doenas do trabalho e para subsidiar a discusso e a definio de polticas pblicas relacionadas ao tema.

    A RBSO publica artigos originais inditos de relevncia cientfica no campo da SST. Com carter multidisciplinar, a revista cobre os vrios aspectos da SST nos diversos setores econmicos do mundo do trabalho, formal e informal: relao sade-trabalho; aspectos conceituais e anlises de acidentes do trabalho; anlise de riscos, gesto de riscos e sistemas de gesto em SST; epide-miologia, etiologia, nexo causal das doenas do trabalho; exposio a substncias qumicas e toxicologia; relao entre sade dos trabalhadores e meio ambiente; educao e ensino em SST; comportamento no trabalho e suas dimenses fisiolgicas, psicolgicas e sociais; sade mental e trabalho; problemas musculoesquelticos, distrbios do comportamento e suas associaes aos aspectos organizacionais e reestruturao produtiva; estudo das profisses e das prticas profissionais em SST; organizao dos servios de sade e segurana no trabalho nas empresas e no sistema pblico; regulamentao, legislao, inspeo do trabalho; aspectos sociais, organizacionais e polticos da sade e segurana no trabalho, entre outros.

    A revista visa, tambm, incrementar o debate tcnico-cientfico entre pesquisadores, educadores, legisladores e profissionais do campo da SST. Nesse sentido, busca-se agregar contedos atuais e diversificados na composio de cada nmero publicado, trazendo tambm, sempre que oportuno, contribuies sistematizadas em temas especficos.

    O ttulo abreviado da revista Rev. bras. Sade ocup.

    Informaes sobre a revista, instrues aos autores e acesso eletrnico aos artigos em: www.fundacentro.gov.br/rbso www.scielo.br/rbso

  • Sumrio

    A determinao / produo dos agravos sade dos trabalhadores e seu enfrentamento: uma questo estritamente tcnica?Jos Maral Jackson Filho

    Assdio moral no trabalho

    Assdio moral no trabalhoAngelo Soares, Juliana Andrade Oliveira

    O assdio moral na perspectiva de bancriosLena Rodrigues Soares, Wilza Vieira Villela

    Processo de vulnerabilizao e danos ao ofcio: a Modernizao do Trabalho em questoSabine Fortino

    Predomnio da gesto e violncia simblicaJean-Luc Metzger, Salvatore Maugeri, Marie Benedetto-Meyer

    Preveno e combate ao assdio moral entre servidores pblicos do estado do Cear Rachel de Aquino Cmara, Regina Heloisa Maciel, Rosemary Cavalcante Gonalves

    E se o assdio no fosse moral? Perspectivas de anlise de conflitos inter-pessoais em situaes de trabalhoCarlos Eduardo Carrusca Vieira, Francisco de Paula Antunes Lima, Maria Elizabeth Antunes Lima

    Intervenes em assdio moral no trabalho: uma reviso da literaturaDbora Miriam Raab Glina, Lis Andreia Soboll

    As origens do conceito de assdio moral no trabalhoAngelo Soares

    Gesto como doena social: ideologia, poder gerencialista e fragmen-tao socialMaria Regina Cariello Moraes

    inerente ao trabalho em sade o adoecimento de seu trabalhador? Tullio Cezar de Aguiar Brotto, Maristela Dalbello-Araujo

    Trabalho e sade mental dos profissionais da Estratgia Sade da Famlia em um municpio do Estado da Bahia, BrasilGabriella Ben Barbosa, Anna Karlla Sampaio Correia, Luciana de Matos Mota Oliveira, Viviane do Carmo Santos, Sandra Mrcia da Silva Ferreira, Davi Flix Martins Jnior, Carlito Lopes Nascimento Sobrinho

    Sade, subjetividade e trabalho: o enfoque clnico e de gneroJussara Cruz de Brito, Mary Yale Neves, Simone Santos Oliveira, Lucia Rotenberg

    Epilepsia e Previdncia Social: a deciso mdico-pericialLisiane Seguti Ferreira, Dario Pallhares, Vladimir Ferreira Seguti, Marlia Gava, Antnio Carlos Estima Marasciulo

    Artigos 203

    RBSO Vol.37 n 126jul/dez 2012Editorial 193

    Dossi temtico

    Apresentao 195

    Ensaio 256

    Reviso 269

    Nota tcnica 284

    Resenha 287

    306

    213

    225

    243

    316

    Artigos 290

    Ensaio 330

    Tema livre

  • RBSOVol.37 n 126jul/dez 2012Facing causation/production of injuries to Workers health: a strictly

    technical issue?Jos Maral Jackson Filho

    Bullying at work

    Bullying at workAngelo Soares, Juliana Andrade Oliveira

    Bank workers perspectives on bullyingLena Rodrigues Soares, Wilza Vieira Villela

    Vulnerabilization process and damages to the profession: the Work Modernization in question

    Sabine Fortino

    Management predominance and symbolic violenceJean-Luc Metzger, Salvatore Maugeri, Marie Benedetto-Meyer

    Prevention of bullying at work in a public organization of the State of Cear, Brazil

    Rachel de Aquino Cmara, Regina Heloisa Maciel, Rosemary Cavalcante Gonalves

    What if bullying at work wasnt moral? Interpersonal conflict analysis in working situations

    Carlos Eduardo Carrusca Vieira, Francisco de Paula Antunes Lima, Maria Elizabeth Antunes Lima

    Bullying at work interventions: a literature reviewDbora Miriam Raab Glina, Lis Andreia Soboll

    The origins of the concept of bullying at workAngelo Soares

    Gesto como doena social: ideologia, poder gerencialista e fragmentao social

    Maria Regina Cariello Moraes

    Is health workers sickening inherent to their work? Tullio Cezar de Aguiar Brotto, Maristela Dalbello-Araujo

    Mental health and work of Family Health Strategy professionals from a municipal district of Bahia State, Brazil

    Gabriella Ben Barbosa, Anna Karlla Sampaio Correia, Luciana de Matos Mota Oliveira, Viviane do Carmo Santos, Sandra Mrcia da Silva Ferreira, Davi Flix Martins Jnior, Carlito Lopes Nascimento Sobrinho

    Health, subjectivity and work: the clinical and gender approachesJussara Cruz de Brito, Mary Yale Neves, Simone Santos Oliveira, Lucia Rotenberg

    Epilepsy and Social Security: the medical decision making on disability compensation

    Lisiane Seguti Ferreira, Dario Pallhares, Vladimir Ferreira Seguti, Marlia Gava, Antnio Carlos Estima Marasciulo

    193 Editorial

    203 Articles

    290 Articles

    225

    213

    243

    306

    316

    195 Presentation

    256 Essay

    Dossier

    269 Review

    287 Book review

    284 Technical note

    Contents

    330 Essay

    Assorted topics

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 193-194, 2012 193

    Editorial

    A determinao/produo dos agravos sade dostrabalhadores e seu enfrentamento: uma questo estritamente tcnica?

    Facing causation/production of injuries to Workers health: a strictly technical issue?

    Jos Maral Jackson Filho1

    A preveno aos agravos relacionados ao trabalho depende, so-bretudo, da margem de ao de que dispem, e s quais se dispem, os atores sociais para agir sobre os determinantes das condies de trabalho, isto , sobre os fatores que as produzem colocando em risco os trabalhadores (WOODING; LEVENSTEIN, 1999).

    Tradicionalmente, observa-se certa tendncia no mbito da Sa-de e Segurana do Trabalho (SST) a se restringir aos fatores prxi-mos aos agravos, baseados em perspectiva de racionalidade tcni-ca (SCHON, 1983). Os problemas so considerados e tratados sob o prisma tcnico, cabendo, portanto, aos especialistas resolv-los no escopo de sua especialidade.

    No entanto, os limites e a insuficincia desta perspectiva j foram demonstrados para vrios problemas do campo, como o caso exem-plar da utilizao dos agrotxicos e de seus efeitos sade dos traba-lhadores. Embora o uso indiscriminado de produtos e os problemas de sade resultem de escolhas polticas ligadas ao desenvolvimento agrrio (ALVES FILHO, 2002; FIRPO; SOARES, 2012) e de gesto e organizao da produo agrcola, a perspectiva predominante de defender tecnicamente a ideia da aplicao segura e do uso de equi-pamentos de proteo individual, transferindo a responsabilidadeda segurana aos trabalhadores, a despeito da insuficincia de tais medidas, uma vez que o propsito intrnseco de sua atividade con-taminar seu prprio ambiente de trabalho (GARCIA, 2001).

    Qual explicao? A hegemonia da racionalidade tcnica na lide com os problemas de SST, de se focar nos fatores micro prximos gerao dos agravos, influencia a forma de pensar e de agir das ins-tituies (DOUGLAS, 1986), impedindo qualquer associao com os determinantes macro dos problemas, ou seja, os polticos, econ-micos, organizacionais e gerenciais que influenciam e determinam as escolhas tcnicas e o funcionamento dos sistemas produtivos.

    A questo do assdio moral, objeto do dossi temtico que compe este nmero, no foge a esta regra: procura-se, de modo geral, achar e punir os assediadores para buscar a compensao dos danos na jus-tia. Embora os trabalhadores, vtimas de assdio, possam ter certa compensao, a judicializao e a psicologizao do problema pouco contribuem com a preveno, ou seja, com a ao sobre os deter-minantes organizacionais e gerenciais que produzem modalidadesde relao social inaceitveis no seio das corporaes (VIEIRA et al., neste nmero).

    1 Editor cientfico da RBSO. Fundacentro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 193-194, 2012194

    A importncia deste dossi (Assdio moral no trabalho) publicado pela Revista Brasileira de Sade Ocu-pacional (RBSO) se deve contribuio de vrios textos que mostram no apenas a importncia de desvelar e enfrentar as condies organizacionais e gerencias que favorecem/propiciam a ocorrncia, no seio das empresas, de formas de violncia, entre elas as de assdio, mas tambm desenvolvem novos referenciais tericos e metodolgicos para se pensar e enfrentar o problema.

    Nesse sentido, a perspectiva que nos abre a Sociologia da Gesto (MAUGERIT et al., neste nmero), em especial, ao explicitar as relaes entre gesto e violncia, parece fundamental para lidar e enfrentar, por meio de nova categoria para pensar e agir nas diversas dimenses tcnica, econmica, social e poltica , os pro-blemas contemporneos que envolvem as relaes entre trabalho e sade em consonncia com os princpios norteadores da Sade do Trabalhador (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997).

    Referncias

    ALVES FILHO, J. P. Uso de agrotxicos no Brasil. Controle social e interesses corporativos. So Paulo: Annablume; Fapesp, 2002.

    DOUGL AS, M. How institutions think. Syracuse, N.Y.: Syracuse University Press, 1986.

    FIRPO, M.; SOARES, W. L. Modelo de desenvolvimento, agrotxicos e sade: um panorama da realidade agrcola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inovadora. Revista Brasileira de Sade Ocupacional, So Paulo, v. 37, n. 125, p. 17-50, 2012.

    GARCIA, E. G. Segurana e sade no trabalho rural: a questo dos agrotxicos. So Paulo: Fundacentro, 2001.

    MINAYO-GOMEZ, C.; THEDIM-COSTA, S. M. F. A construo do campo da sade do trabalhador: percurso e dilemas. Cadernos de Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 13, supl. 2, p. 21-32, 1997.

    SCHON, D.A. The reflective practitioner. How professionals think in action. New York: Basic Books, 1983.

    WOODING, J.; LEVENSTEIN, C. The point of production. New York: The Guilford Press, 1999.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 195-202, 2012 195

    Apresentao

    Assdio moral no trabalho

    Bullying at work

    Angelo Soares1

    Juliana Andrade Oliveira2

    1 Editor convidado. Membro do Conselho Editorial da RBSO. Professor no Departe-ment dOrganisation et Ressources Humai-nes cole des Sciences de la Gestion Universit du Qubec Montral UQAM, Montreal, Canad.2 Editora convidada. Tecnologista do Servio de Ergonomia da Fundacentro, So Paulo, SP, Brasil.

    Contato:

    Angelo Soares

    E-mail:

    [email protected]

    O assdio moral no trabalho: uma breve introduo

    O assdio moral no trabalho um problema organizacional que, nas ltimas dcadas, tem tomado propores importantes nas organi-zaes contemporneas e tornou-se um tpico essencial para a sade de trabalhadoras e trabalhadores. O tema tem sido analisado utili-zando-se diferentes abordagens, diferentes ngulos de anlise, dife-rentes metodologias, e os artigos presentes neste nmero da RBSO representam essa diversidade.

    Na literatura cientfica, a primeira tentativa de definio feita por Brodsky (1976), que define o assdio moral como sendo:

    [...] tentativas, repetidas e obstinadas, de uma pessoa para atormentar, quebrar a resistncia, frustrar ou obter uma reao do outro. um trata-mento que, com persistncia, provoca, pressiona, amedronta, intimida ou incomoda outra pessoa. (p. 2)

    Leymann (1996) define o assdio moral como sendo uma suces-so de proposies e gestos hostis que isoladamente podem parecer insignificantes, mas cuja repetio constante provoca efeitos perni-ciosos. Nesta definio, podemos observar uma caracterstica impor-tante do assdio moral, isto , quando analisamos separadamente cada um dos gestos que o compem, corremos o risco de banalizar esta forma de violncia, pois, se cada gesto pode nos parecer inofen-sivo, a sinergia e os resultados da combinao repetida destes gestos vo produzir efeitos destruidores que acabam por quebrar psicolo-gicamente a pessoa que foi o alvo do assdio.

    Na Frana, Hirigoyen (1998) define o assdio moral como sendo:

    [...] toda conduta abusiva que se manifesta por comportamentos, pala-vras, atos, gestos e escritos que podem atingir a personalidade, a dig-nidade ou a integridade fsica ou psquica de uma pessoa, colocar em perigo o trabalho desta pessoa ou degradar o clima de trabalho. (p. 55)

    Esse primeiro livro de Marie-France Hirigoyen3 catalisou um gran-de movimento social na Frana que culminou com a criao e a aprova-o de uma lei que criminaliza e sanciona o assdio moral no trabalho.

    Frequncia e durao

    As definies do assdio moral vo enfatizar alguns aspectos que diferenciam esta forma de violncia de outras. O assdio moral um processo dinmico que se desenvolve no tempo e no qual a frequn-cia e a durao assumem papel importante.

    3 Ver tambm seu segundo livro que trata especificamente do assdio moral no trabalho (HIRIGOYEN, 2001).

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 195-202, 2012196

    Desta forma, eventos isolados ou um s gesto geralmente no so considerados como assdio moral. Todavia, esse critrio deve ser observado com certo cuidado. Einarssen et al. (2011) chamam a ateno para o fato de que nem todos os gestos associados ao assdio moral so de natureza episdica. Por exemplo, um rumor pode cir-cular e destruir ou ameaar a carreira ou a reputao da vtima e no necessita de se repetir semanalmente. Os mesmos autores ainda do o exemplo de pessoas que so colocadas em salas isoladas, sem janelas, sem compu-tadores, sem telefones e muitas vezes sem tarefas a serem realizadas. Na Frana, esse fenmeno foi investigado e analisado por Lhuillier (2002), que examina a excluso fsica, nas organizaes, daqueles que so considerados como inteis (porque muitas vezes tm mais idade ou problemas de sade) ou porque incomodam. Nestes casos, o assdio um estado permanente ao invs de uma srie de eventos ou gestos episdicos.

    A durao tambm tem colocado algumas questes importantes. Por quanto tempo essa violncia deve existir para ser considerada como assdio moral? Ou quanto tempo at que se manifestem os efeitos negativos para a sade das pessoas que foram alvo desta forma de violncia? Muitos pesquisadores estabelecem um perodo de seis meses para que se considere assdio moral, fazendo uma referncia ao trabalho de Leymann (1997). importante salientar que limitar o assdio a esse espao temporal um erro, pois o prprio Leymann, nesse documento, ressalta o carter arbitrrio desses seis meses. O autor indica que se trata apenas de uma operacionalizao estatstica do conceito de assdio.

    Assim, ao mesmo tempo em que a frequncia e a durao do assdio moral so dimenses importantes a serem consideradas, elas devem ser tratadas com cuidado e, considerando-se a prpria dinmica que pode existir entre essas duas dimenses, por exemplo, se os gestos do assdio acontecem diariamente, talvez aps um ms os efeitos sobre a sade j possam ser observados (BEALE, 2001; ZAPF et al., 2003; TEHRANI, 2012). Pesquisas sobre essas questes ainda so incipientes, como mostram Glina e Soboll neste dossi.

    A intencionalidade do assdio

    Outro aspecto importante a questo da intencionalidade do assdio moral. As definies de assdio moral no incluem a intencionalidade, pois o assediador nem sempre tem a inteno de assediar, mas, com ou sem inteno, essa violncia pode existir e causar dano. Hoel, Rayner e Cooper (1999) discutindo a questo da in-tencionalidade, mostram que praticamente impossvel verificar sua presena ou no. Verdasca (2010) tambm salienta que a intencionalidade pode no estar presente, contudo, se ela for percebida pela vtima, isso pode in-terferir na sua capacidade de identificar um comportamento como sendo ou no assdio moral. A incluso deste aspecto na prpria definio no adequada dada a dificuldade de constituio de prova.

    O gnero do assdio moral

    Um aspecto quase no considerado nos artigos que formam este nmero da RBSO sobre assdio moral, mas que julgamos importante mencionar, a questo do gnero do assdio moral.

    Embora na literatura ainda no haja um consenso sobre o efeito da varivel gnero sobre o assdio moral, quando se tenta responder questo de quem mais assediado, homens ou mulheres, vrios autores identificam a existncia de uma diviso sexual no assdio moral. Um desses aspectos a frequncia dos gestos que compem o assdio, que parece ser mais elevada para as mulheres (LEYMANN, 1996; SEMAT, 2000). Enquanto a maioria dos homens declara ser assediado uma vez por semana, as mulheres indicam ser assediadas quase cotidiana-mente. Hirigoyen (2001) considera que os gestos que compem o assdio das mulheres so diferentes quando comparados aos gestos que formam o assdio dos homens. A mesma autora indica tambm que muitas vezes o assdio sexual e o assdio moral podem coexistir. Nossas prprias pesquisas tambm indicam no somente essas diferenas de gnero nos gestos do assdio moral, mas tambm de idade (SOARES, 2006a, 2006b, 2007).

    Outros estudos mostram que no existem diferenas entre quem mais assediado: homens ou mulheres (QUINE, 2001; VARTIA, 1996; VARTIA; HYYTI, 2002). Em nossas pesquisas tambm no encontramos essas diferenas (SOARES, 2002, 2004).

    Salin (2001), analisando profissionais da gesto na Finlndia, encontrou diferenas na prevalncia e na forma do assdio moral. O estudo mostra que no s as mulheres so mais assediadas que os homens, como tambm so obrigadas a trabalhar abaixo do seu nvel de competncias profissionais. Elas so mais expostas a fofocas, assim como mais ostracizadas. As mulheres tambm so mais assediadas pelos subordinados com-parativamente aos homens.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 195-202, 2012 197

    Consequncias do assdio moral para a organizao

    Para as organizaes, as consequncias do assdio moral so desastrosas em termos de eficincia e eficcia organizacionais, produtividade e lucratividade de vrias maneiras: a princpio, com a perda de tempo, pois en-quanto se assedia no se trabalha. Somem-se a isso os gastos elevados incorridos com absentesmo (KIVIMAKI; ELOVAINIO; VAHTERA, 2000; NAMIE, 2007), perda de produtividade (RAYNER, 2006), rotao da mo de obra (GARDNER; JOHNSON, 2001; NAMIE, 2003), presentesmo, custos associados dotao do pessoal, aos prmios das aplices de seguro, dentre outros gastos (GARDNER; JOHNSON, 2001; MACINTOSH, 2005).

    Dois aspectos ainda merecem ateno: o custo associado aos processos por assdio moral (GARDNER; JOHNSON, 2001; RAYNER, 2006) e o impacto negativo na imagem da organizao proveniente da publicida-de negativa de casos de assdio moral. Essa imagem negativa pode tornar difcil a dotao do pessoal, assim como as relaes com a clientela (RAYNER, 2006). Assim, para as organizaes, o assdio moral tambm um desastre, a nosso ver, ainda hoje subestimado pela administrao das organizaes.

    Consequncias do assdio moral para o indivduo

    As consequncias do assdio moral para a sade da trabalhadora/do trabalhador so devastadoras. O assdio moral tem sido considerado como um dos mais importantes estressores nas organizaes contemporneas. Hoel e Cooper (2000) mostram que as vtimas de assdio moral possuem uma degradao em termos de sade fsica e mental quando comparadas com as testemunhas ou os colegas que nunca foram o alvo de assdio moral.

    Vtimas de assdio moral mostram um nmero maior de queixas psicossomticas: dores de cabea, dor de estmago, insnia e tontura (MOAYED et al., 2006; YILDIRIM; YILDIRIM, 2007). Hansen et al. (2006) encon-traram em sua pesquisa que as vtimas de assdio moral tinham um maior nvel de sintomas de depresso, de ansiedade, de afetividade negativa comparativamente as no vtimas de assdio. Neste estudo, foi utilizada a medida da concentrao do cortisol na saliva, que era menor na hora do despertar para as vtimas.

    Hogh et al. (2012) vo refinar esses resultados demonstrando que o impacto para sade mental depende dos gestos associados ao assdio moral: isolamento social, assdio direto, intimidao e atos relacionados ao trabalho. O maior impacto para a sade mental est associado aos atos relacionados ao trabalho.

    Kivimaki et al. (2003), em um dos poucos estudos longitudinais sobre assdio moral, estabelecem forte associa-o entre essa violncia e a depresso. Quanto maior a durao do assdio, maior o risco de depresso. Assim, o as-sdio moral seria um fator etiolgico para problemas de sade mental. Alm disso, os autores estabelecem, apenas parcialmente, que as vtimas de assdio moral esto expostas a um maior risco de doena cardiovascular. O excesso de peso foi identificado como um fator que interfere na relao entre o assdio moral e doena cardiovascular.

    Em um estudo longitudinal, Vartia (2003) indica tambm uma correlao entre o assdio moral e a incidncia de doena cardiovascular e de depresso. Seus resultados sugerem que o bem-estar psicolgico no s das vtimas, mas tambm das testemunhas era inferior quando comparado aos que nunca viveram o assdio. Quine (2001), estudando enfermeiras no Reino Unido, tambm verificou sintomas de depresso assim como uma baixa satis-fao profissional associados ao assdio moral no trabalho. Niedhammer, David e Degioanni (2006), na Frana,tambm estabelecem que, quanto maior a exposio ao assdio moral, maior o risco de sintomas depressivos.

    Um aspecto importante merece destaque: alguns estudos indicam que nem todos os gestos constitutivos do assdio moral produzem os mesmos efeitos na sade das pessoas (EINARSEN; RAKNES 1997; ZAPF et al., 2003).

    O estresse ps-traumtico e o assdio moral no trabalho

    Segundo o DSM-IV,4 o estresse ps-traumtico um estado causado por um evento incomum que inclui uma real ameaa para vida ou para a integridade fsica de uma pessoa. Este estado vivido como um medo intenso, um estado de terror e impotncia. Seus sintomas principais so: problemas de memria, dificuldade de concentrao, sentimento de insegurana, dificuldade para dormir, despertar prematuro, pesadelos etc.

    4 Diagnostic and statistical manual of mental disorders DSM (Manual diagnstico e estatstico de transtornos mentais). Trata-se de um livro publicado pela Associao Americana de Psiquiatria onde so listadas diferentes categorias de transtornos mentais e critrios para diagnostic-los. Presentemente a ltima edio a IV. A edio V est em discusso. Deve-se salientar que existe um enorme debate com relao ao contedo desse livro.

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 195-202, 2012198

    Vrios estudos tm apontado como consequncia do assdio moral a presena de sintomas associados ao estresse ps-traumtico. Os primeiros estudos que estabeleceram essa associao so os de Leymann (1996) e Leymann e Gustafsson (1996). Esses autores compararam 64 vtimas de assdio moral, que procuraram uma clnica para tratamento de trauma, com outros indivduos que desenvolveram um estresse ps-traumtico aps viver situaes traumticas. Os autores concluem que as vtimas de assdio moral apresentam um nvel de estresse muito elevado e que a intensidade do estresse ps-traumtico comparvel ao das vtimas de es-tupro, em termos de ansiedade, deteriorao, impotncia e dor psicolgica.

    Ainda nesse estudo, Leymann e Gustafsson (1996) ressaltam um aspecto importante: o estado de estresse ps-traumtico, em uma fase crnica, pode mudar traos da personalidade da pessoa que foi o alvo de as-sdio moral, podendo levar a um estado depressivo ou obsessional. Trata-se de um dado muito importante, pois, quando encontramos uma pessoa que vive ou viveu o assdio moral, ela pode j estar em um estado de estresse ps-traumtico e ter tido traos de sua personalidade alterados. Desta forma, todas tentativas de se identificar traos de personalidade da pessoa-alvo de um assdio moral so, a princpio, problemticas, pois no se pode estabelecer se tais traos j foram ou no modificados pelo estresse ps-traumtico.

    A maioria dos indivduos que vive um estresse ps-traumtico tenta evitar tudo aquilo que possa lembrar o assdio, e desenvolve vrias estratgias de evitao do problema. Entretanto, apesar de todas essas estratgias, os indivduos revivem essa histria de maneira repetida atravs de pesadelos e pensamentos intrusivos. Ainda no estudo realizado por Leymann e Gustafsson (1996), 81% das pessoas que sofreram assdio moral viviam pensamentos intrusivos pelo menos uma vez por semana e 67% viviam altos nveis de evitao do problema.

    Mikkelsen e Einarsen (2002) realizaram um estudo com professores, enfermeiras e representantes sindi-cais. De 118 vtimas de assdio moral, 30% tinham sintomas de estresse ps-traumtico, segundo a escala Post-Traumatic Diagnostic Scale (PDS), de Foa (1995). Os resultados tambm mostram que o fato de viver o assdio no momento da pesquisa ou de t-lo vivido, bem como a sua durao tambm influenciam no nvel dos sintomas de estresse ps-traumtico.

    Tehrani (2004) realizou um estudo com 165 profissionais da rea de sade. Os resultados mostram que 40% tinham vivido assdio moral nos ltimos dois anos e, destes, 44% apresentavam sintomas de estresse ps-traumtico.

    Finalmente, Matthiesen e Einarsen (2004) realizaram uma pesquisa com 102 indivduos-alvos de assdio mo-ral no trabalho que tinham procurado ajuda em uma organizao que dava suporte a vtimas de assdio moral na Noruega. Os resultados mostram que 60% e 70% viviam sintomas severos de estresse e de estresse ps-traumtico

    Embora utilizando escalas diferentes, diferentes estudos, em diferentes sociedades, tm demonstrado uma correlao entre assdio moral e sintomas de estresse ps-traumtico.

    Suicdio e assdio moral

    Na literatura sobre assdio moral, Leymann (1990) indica que o suicdio pode ser uma das consequn-cias dessa forma de violncia. Pompili et al. (2008), na Itlia, indicam que as vtimas de assdio moral no trabalho tm um maior risco de suicdio. Esse risco estaria associado ao desespero, raiva e impulsividade engendrados pelo assdio moral. Os autores sugerem que as vtimas sejam avaliadas a fim de verificar a presena de ideao suicida.

    A partir de dois estudos realizados no Quebec, Soares (2011) indica que, quando o indivduo vive o ass-dio moral, a ideao suicida est mais presente. A durao e a frequncia do assdio parecem influenciar na apario dessa ideao.

    Na Itlia, Balducci, Alfano e Fraccaroli (2009) encontram uma correlao entre assdio moral e ideao suicida e sintomas de depresso. Os autores afirmam que a relao entre o assdio moral e a ideao suicida mediada apenas parcialmente pela depresso. Sete entre os 107 participantes nesse estudo indicaram j ter feito uma tentativa de suicdio.

    Finalmente, Yildirim e Yildirim (2007), em um estudo sobre enfermeiras na Turquia, indicam que 10% dos participantes j tinham pensado em se suicidar.

    A evidncia emprica existente sobre assdio moral no trabalho mostra que, nas ltimas duas dcadas, houve um enorme progresso com um volume importante de publicaes. Embora esses estudos tenham utili-zado definies e metodologias diferentes, em pases diversos, o assdio moral constitui um fator gerador de

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    problemas de sade fsica e mental nas organizaes contemporneas que merecem ser melhor compreendi-dos para que possamos agir de maneira mais proativa na sua preveno.

    Os trabalhos que compem o dossi

    O conjunto de artigos do dossi mostra uma pluralidade de setores de atividade: bancos, vigilncia privada, servio pblico administrativo, servio pblico-privado no setor de transportes, o que ajuda a quebrar o mito de que o assdio moral um problema especfico de determinadas atividades ou de atividades precarizadas.

    O artigo de Soares e Villela, Assdio moral na perspectiva de bancrios, abre este dossi abordando o as-sdio moral em bancrios, categoria profissional que teve particular aumento dos casos de afastamentos do trabalho por transtornos mentais (SOBOLL, 2008) aps passar por processos de reestruturaes produtivas. Preenchendo uma lacuna da literatura, as autoras realisaram um estudo de caso de assdio moral em um ban-co na regio Norte do pas, investigando como funcionrios entendiam este problema, tanto aqueles que se sentiam vtimas, como aqueles que reconheceram o assdio moral vivido pelo colega de trabalho.

    Fortino, em Processo de vulnerabilizao e danos ao ofcio: a modernizao do trabalho em questo, estuda um caso exemplar sobre como uma organizao pode, justamente em um processo de modernizao como o de lean production, destituir de sentido o trabalho daqueles que realizam a atividade fim de uma empresa. A autora estuda o trabalho dos funcionrios de empresa de trens de Paris condutores, vendedores da bilheteria, agentes de recepo, at s funes de escritrio , mostrando que, quando a empresa busca apenas o prisma [...] da performance e o da rentabilidade econmica aplicada nas relaes de servio e at mesmo do servio pblico o sentido do trabalho que afetado (p. 213). Um forte exemplo a situao de um trabalhador da bilheteria que pressionado a fazer com que os clientes no o procurem e comprem seus bilhetes sozinhos em mquinas. Com isso, o prprio trabalhador ajuda a eliminar seu prprio posto de trabalho, vendo-se exposto ao paradoxo de trabalhar bem para o lucro, mas mal para o cliente e tambm para si mesmo, o que o coloca em um conflito subjetivo, uma situao de precariedade subjetiva (p. 213).

    A organizao do trabalho apareceu claramente como categoria fundamental aos estudos do assdio moral no trabalho. Neste sentido, a gesto que a coordena e que permite o afloramento deste tipo de violncia assun-to tambm relevante neste dossi. Metzger, Maugeri e Benedetto-Meyer, em Predomnio da gesto e violncia simblica, aprofundam a anlise da violncia do trabalho argumentando pela necessidade de relacion-la a processos sociais mais amplos, como o da dinmica de gestionarizao. A gesto, sendo um conjunto de princpios de ao apresentados como racionalmente fundados, reputados por otimizar a utilizao dos recursos para economizar e/ou acumular capital (p. 227), pode ser aplicada como uma lgica, ao mesmo tempo em que como uma ideologia, que incide em outros domnios da vida. A explicao sociolgica desta dinmica e da sua produo de violncia fortalecida pela anlise de dois casos: o trabalho nas centrais de teleatendimento e a implementao de um dispositivo de gesto total, o Balanced Scorecard, em uma multinacional (p. 225). Os autores classificam trs nveis de gesto nos quais a violncia no trabalho pode se manifestar. Um primeiro e mais amplo resultante de transformaes macropolticas que tornam incontornveis a introduo e a renovao dos dispositivos de gesto (p. 225); um segundo, no qual se aplicam os dispositivos necessrios para cumprir com as determinaes macro-polticas; e um terceiro nvel, o da violncia simblica, no qual a gesto violenta no percebida como violenta, mas como natural, dando suporte s prticas das diferentes categorias de ator que exercem atos de gesto violenta (p. 225). Com isso, os autores explicam quais fatores podem fazer uma organizao praticar polticas de gesto que resultem em atos de violncia no trabalho, como o assdio moral.

    Embora no se dirijam diretamente questo do assdio moral, tanto Fortino, como Metzger, Maugeri e Benedetto-Meyer tratam de como se produz o solo frtil para este tipo de violncia.

    Cmara, Maciel e Gonalves, em Preveno e combate ao assdio moral entre servidores pblicos do estado do Cear, apresentam uma experincia de preveno do assdio moral no funcionalismo pblico. O artigo relata a instalao de uma Comisso Setorial dedicada ao assunto constituda pelos prprios servidores pblicos daquele estado. As autoras descrevem os princpios que nortearam a instalao da comisso, comentam seu funcionamento e alguns de seus resultados. Para isso, usam a metodologia qualitativa e quantitativa de anlise de entrevistas com servidores que compuseram a comisso e a elaborao de um discurso do sujeito coletivo com os resultados en-contrados. Desta forma, oferecem-se uma importante fonte de informaes sobre a prtica da preveno do assdio moral ao buscar as compreenses dos prprios servidores acerca do assdio moral e suas motivaes para compor a comisso e driblarem os desafios de conciliar estes trabalhos com suas atividades normais de trabalho.

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    O ensaio de Vieira, Lima e Lima, E se o assdio no fosse moral? Perspectivas de anlise de conflitos interpes-soais em situaes de trabalho, um exemplo de como o dossi reflete as mltiplas abordagens tericas que tm se delineado em torno do tema. luz de uma crtica acerca das abordagens individualistas sobre assdio moral, que veem no conceito de personalidade uma chave central de anlise, Vieira, Lima e Lima analisam um caso de assdio moral no setor da vigilncia privada. No entanto, os autores no veem como sada enfatizar a fora das instituies sociais na causalidade de um assdio moral. Seria preciso um mergulho no estudo da realidade da prpria atividade de trabalho para compreender que o assdio moral ocorre dentro de um contexto mais amplo, o da organizao de trabalho, esta sim compreendida tambm como uma categoria analtica central.

    Em Intervenes em assdio moral no trabalho: uma reviso da literatura, Glina e Soboll fazem uma siste-matizao das propostas de interveno e preveno presentes nas bibliografias nacional e internacional sobre assdio moral no trabalho entre 2009 e 2010. Considerando que o assdio moral, assim como demais formas de violncias no trabalho, so fenmenos multidimensionais, as autoras defendem que a preveno/interven-o deveria ter um enfoque mais amplo, incluindo o indivduo, o trabalho, atividades em nvel organizacional e social (p. 273). Desta forma, destacam em sua reviso trs nveis de atuao: nvel 1: indivduos envolvidos diretamente assediado(s) e assediador(es); nvel 2: grupo, equipe e colegas (interface indivduo/organiza-o); nvel 3: organizaes (p. 273). Os pontos fundamentais so apresentados de forma prtica para o leitor que busca conhecimento aplicado. Como no h ainda, no Brasil, anlises sobre atuaes bem-sucedidasem intervenes sobre assdio moral, as autoras prestam uma inestimvel contribuio no avano sobre as tcnicas aplicveis a este problema, fazendo deste artigo uma leitura obrigatria para pesquisadores e demais profissionais brasileiros que atuem na extino do assdio moral.

    A obra de Vincente Gaulejac (2007), A gesto como doena social, constitui uma referncia de base em dois artigos deste dossi, o de Fortino e o de Metzger, Maugeri e Benedetto-Meyer, e criticada por outro, o de Vieira, Lima e Lima. A obra recebe tambm uma resenha, de Moraes, que avalia a sua contribuio sociolgica para o debate.

    Muito h ainda que ser discutido sobre assdio moral no Brasil, sociedade historicamente marcada por servilidade, patrimonialismo, preconceitos de cor e de gnero, manifestados em diversos mbitos da vida social, como a famlia e o trabalho (SOUZA, 2006). Como salientam Glina e Soboll, no se pode esquecer ainda, que o assdio moral no trabalho fruto de um momento histrico e de um contexto social e econmico, definidores da forma de organizao do trabalho e do desenho das relaes humanas neste contexto (p. 279). No um acaso o fato deste dossi contar com apenas seis artigos, sendo destes apenas quatro brasileiros. Isto significa que h muito ainda por ser feito neste tema no Brasil.

    O crescimento econmico aliado modernizao da gesto como um fim em si mesmo no se traduzem bem-estar ao menos para os seus trabalhadores. A literatura aqui apresentada demonstra que, ao contrrio, ele tem levado ao sofrimento. O assdio moral um doloroso efeito colateral e um alerta, infelizmente ainda silencioso, de que o benefcio de poucos nunca poder levar o bem-estar para todos.

    Boa leitura!

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    Artigo

    O assdio moral na perspectiva de bancrios

    Bank workers perspectives on bullying

    Lena Rodrigues Soares

    Wilza Vieira Villela

    Psicloga. Mestre em Sade Coletiva pela Universidade Federal de So Paulo. So Paulo, SP, Brasil.

    Mdica Livre Docente. Docente do Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva da Universidade Federal de So Paulo, So Paulo, SP, Brasil.

    Trabalho baseado na dissertao de mestrado Assdio moral na perspectiva dos bancrios de autoria de Lena Rodri-gues Soares, sob orientao de Wilza Vieira Villela, defendida em dezembro de 2011 no Programa de Ps-gradua-o em Sade Coletiva da Universidade Federal de So Paulo.

    O trabalho no foi subvencionado e no apresenta conflitos de interes-se. Foi parcialmente apresentado na modalidade apresentao oral na Conferncia Internacional sobre Assdio Moral e outras Manifestaes de Violncia no Trabalho: tica e Digni-dade dos Trabalhadores, realizada no Rio de Janeiro, em 2010.

    Contato:

    Lena Rodrigues Soares

    Email:

    [email protected]

    Recebido: 30/05/2011

    Revisado: 24/03/2012

    Aprovado: 18/09/2012

    Resumo

    Este artigo discute o assdio moral nas instituies bancrias, tomando por base uma discusso conceitual do tema e um estudo emprico desenvolvido com funcionrios de um banco da regio Norte do Brasil. Tendo em vista uma delimitao terico-conceitual, apresenta, com base em estudiosos consagra-dos na literatura, breve histrico da discusso sobre o fenmeno, bem como definies e caractersticas que o distinguem de outros conflitos recorrentes em ambientes de trabalho. Discute tambm o papel das organizaes de tra-balho quanto ao assdio. Apresenta ainda resultados de pesquisa realizada em agncias bancrias durante os meses de julho, agosto e setembro de 2010 por meio de entrevistas individuais semiestruturadas, aplicadas a 37 volun-trios que exerciam diferentes cargos nessas agncias. Foi possvel identificar que o assdio moral, como forma de violncia, um fenmeno reconhecido pelos bancrios em seu ambiente de trabalho e que, em geral, os sujeitos associam o assdio moral forma de gesto por presso, focada em metas, produo e competitividade. Os resultados tambm incitam a reflexo de que necessrio tratar o assdio moral em uma perspectiva coletiva, como uma questo social, e no individual.

    Palavras-chave: violncia no trabalho; assdio moral; sade do trabalho; ins-tituies bancrias.

    Abstract

    This paper discusses bullying in banks. It is based on a conceptual discussion of the topic and on an empirical study conducted with employees of a bank from the Northern region of Brazil. Based on a theoretical and conceptual delineation and on the work of renowned scholars, it presents a brief historical discussion of the phenomenon, definitions and characteristics that distinguish bullying from other recurring conflicts in the workplace. It also discusses the role of work organizations regarding bullying. The paper presents the results of a research carried out in bank agencies from July to September 2010, through individual semi-structured interviews conducted with thirty-seven volunteers who occupied different positions in these agencies. It was possible to identify that bullying at work, as a type of violence, is a phenomenon identified by bank workers in their work environment. In general, they associate bullying to management by pressure, which is focused on goals, production and competitiveness. The results encourage the reflection on the necessity to deal with bullying at work as social problem, in a collective perspective, not just as an individual question.

    Keywords: violence at work; bullying; workers welfare; banks.

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    Introduo

    Humilhaes, ameaas, abusos de poder, agres-ses verbais, sabotagens de instrumentos de traba-lho e injrias compem o cenrio de hostilidade no trabalho, uma violncia multiforme, onipresente, que ronda a jornada do trabalhador. Nesse cen-rio, h uma forma de violncia que nem sempre percebida como tal, mas que tambm causa sofri-mento e faz adoecer: o assdio moral. Trata-se de uma das expresses mais recentes da violncia no trabalho, que se caracteriza por atos que minimi-zam, desvalorizam e agridem o ser humano. Esses atos podem concretizar-se por meio de palavras, gestos, atitudes, falta de atitudes, entre outros. Um ato isolado no pode ser considerado assdio, mas sim sua repetio ou ocorrncia sistemtica. uma conduta que atinge a integridade do trabalhador, desgastando-o moral e psicologicamente, poden-do lev-lo a somatizaes que desestabilizam sua sade fsica e psicolgica. O assdio moral tambm pode degradar e prejudicar o clima e o ambiente de trabalho, colocando em risco o emprego e a identi-dade do trabalhador.

    Embora a violncia no trabalho seja um proble-ma antigo, visto que maus-tratos, perseguies e ultrajes so praticados desde o incio das relaes trabalhistas, o assdio moral ainda um fenmeno pouco conhecido, que s passou a ganhar impor-tncia e a constar da pauta das pesquisas acad-micas por volta da dcada 80 do sculo XX, antes mesmo de ser nomeado, no mbito dos estudos acerca da violncia no trabalho, sobretudo na Eu-ropa, na esfera dos estudos em Psicologia. Os estu-dos sobre o assunto s se intensificaram nas duas ltimas dcadas (SOBOLL, 2008b).

    O aumento do nmero de afastamentos do tra-balho causado por problemas psquicos favoreceu a visibilidade das prticas do assdio moral. Na esfera internacional, constatou-se um crescimento signifi-cativo dos problemas de sade mental e um aumento considervel de pedidos de aposentadoria por inca-pacidade, assim como de gastos com tratamentos de enfermidades mentais: uma, em cada dez pessoas,sofre de ansiedade, cansao e depresso, o que, em alguns casos, leva ao desemprego e hospitalizao (SCANFONE; TEODSIO, 2004, p. 77). Os dados co-mentados por esses autores, resultados de uma pes-quisa realizada em 2000 pela Organizao Interna-cional do Trabalho (OIT), na Alemanha, nos Estados Unidos, na Finlndia, na Polnia e no Reino Unido, revelam a gravidade da situao.

    As estatsticas brasileiras fornecidas pelo Ins-tituto Nacional de Seguridade Social (INSS), em 2002, comprovam que os problemas de sade

    mental justificam quase 50% dos afastamentos por mais de 15 dias no trabalho, sendo a depresso o principal motivo (SOBOLL, 2008b). Dados impor-tantes foram fornecidos pela pesquisa desenvolvi-da por Margarida Barreto, realizada em 2000 com o Sindicato dos Trabalhadores das Indstrias Qumi-cas, Plsticas, Farmacuticas e Cosmticos de So Paulo envolvendo trabalhadores de 97 empresas. Com um corpus de 2.072 pessoas (1.311 homens e 761 mulheres), essa pesquisa revelou que, do total das pessoas entrevistadas, 42% haviam vivenciado humilhaes, constrangimentos e situaes vexa-trias repetitivas no local de trabalho, impostas pelo superior hierrquico, forando-os, frequen-temente, a desistir do emprego (BARRETO, 2002). Esses nmeros demonstram tratar-se de um tema atual, novo e de relevncia para a pesquisa sobre violncia no trabalho e que ainda carece de estu-dos mais detalhados.

    Partindo-se do pressuposto de que o trabalha-dor bancrio uma das categorias profissionais que mais sofreu com as mudanas decorrentes da reestruturao produtiva (MACIEL et al., 2007), realizou-se um estudo exploratrio com o objetivo de identificar como os funcionrios de um banco da regio Norte concebem o assdio moral.

    Mtodos

    O trabalho est estruturado em duas grandes par-tes: a primeira, em que se delineia um breve histrico da discusso sobre o assdio, seus precursores, defi-nies e caractersticas que o distinguem de outros conflitos recorrentes em ambientes de trabalho com base em tericos consagrados na literatura, como Leymann (1996), Dejours (2006), Barreto (2005, 2006), Hirigoyen (2006, 2008), Freitas, Heloani e Barreto (2008), Soboll (2008); e a segunda parte, em que so descritos os elementos da pesquisa empri-ca (coleta de dados, instrumentos e procedimentos da pesquisa) e apresentadas as interpretaes dos dados obtidos.

    Trata-se de uma investigao de natureza quali-tativa, na qual se adotou a entrevista como mtodo de coleta de dados, procurando-se descrever, anali-sar e interpretar as percepes dos sujeitos que par-ticiparam da pesquisa com base em seus depoimen-tos e experincias, priorizando-se o significado que do ao assdio.

    A coleta de dados foi realizada durante os meses de julho, agosto e setembro de 2010, consistindo em entrevistas individuais, semiestruturadas, rea-lizadas pela pesquisadora em local escolhido pelos sujeitos da pesquisa na sede da associao dos

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    funcionrios do banco, no sindicado dos bancrios, no prprio banco ou mesmo em suas residncias.

    Foram entrevistados 37 voluntrios, 17 homens e 20 mulheres, entre 21 e 63 anos de idade. A tcnica para a constituio do universo de sujeitos pesqui-sados foi a de indicaes sucessivas entre os partici-pantes (bola de neve), em que para cada entrevistado perguntava-se se poderia indicar algum conhecido para participar da pesquisa. Portanto, no houve uma escolha dos sujeitos a serem entrevistados. Esse n-mero foi suficiente para a identificao de recorrn-cias de informaes no que concerne percepo que os sujeitos tm de assdio. Como o objetivo central da pesquisa foi identificar como os bancrios concebem o assdio moral, no foi necessrio recorrer a instru-mentos para diagnosticar casos de assdio moral. Pro-curou-se descrever, analisar e interpretar as percep-es dos sujeitos que participaram da pesquisa com base em seus depoimentos e experincias. A anlise dos dados partiu das entrevistas transcritas que, aps a adoo de nomes fictcios para no identificar os en-trevistados, foram ordenadas e categorizadas segundo as concepes mais recorrentes apresentadas pelos entrevistados. Em seguida, procedeu-se interpreta-o dos depoimentos de forma a ressaltar as concep-es encontradas, estabelecendo-se correlaes com as questes tericas destacadas na literatura.

    Este estudo foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa do Hospital So Paulo, Universidade Federal de So Paulo (CEP 0397/10).

    Resultados e discusso

    Assdio moral: breve histrico, conceituao e carac-tersticas

    A abordagem analtica do assdio moral tem como precursores autores voltados para a discusso do sofrimento no trabalho, como Heinz Leymann (1996). Tomando por base o termo mobbing utilizado por Peter-Paul Heinemann, em 1960, para designar condutas agressivas adotadas por grupos de crian-as nas escolas, Leymann constata que esse tipo de ao tambm ocorria nas empresas suecas, atingindo 3,5% dos assalariados.

    Heinz Leymann (1996), apesar de nunca ter usa-do o rtulo assdio moral, inaugurou o campo de estudos sobre esse tipo de violncia. Desenvolve e aprofunda seus estudos usando tambm o termo psi-coterror (terror psicolgico) para designar o processo de perseguio, violncia e excluso de um trabalha-dor por outro ou pelo grupo, ou ainda de superiores hierrquicos sobre subordinados e de subordinados sobre superiores hierrquicos no ambiente de traba-lho. Em seu livro Mobbing La perscution au travail,

    originalmente publicado em 1993, o autor reflete sobre as situaes ocorridas no ambiente de traba-lho que impem ao indivduo danos psquicos e f-sicos, tais como confrontos, maus-tratos, desprezo, agresses frequentes. Sem usar a expresso assdio moral, acaba por definir a violncia no trabalho como um comportamento abusivo que se revela por meio de palavras, atos, gestos, escritos unilaterais de modo a atingir a personalidade, a dignidade, a inte-gridade fsica e psquica de uma pessoa, colocando em risco seu emprego ou deteriorando o clima de trabalho (LEYMANN, 1996).

    Pouco depois do trabalho seminal de Leymann, Christophe Dejours, na Frana, reflete sobre a identi-dade e o sofrimento no trabalho, assim como a respei-to da naturalizao do sofrimento do outro e a bana-lizao da injustia social, aprofundando os estudos acerca dos efeitos da organizao do trabalho sobre a sade mental dos trabalhadores (DEJOURS, 2006).

    Apesar de no utilizar explicitamente a expresso assdio moral, em seu livro Souffrance en France: la banalisation de linjustice sociale, publicado em 1998, Dejours apresenta uma definio daquilo que ele denomina males do trabalho muito prxima do que outros autores entendem por assdio moral. Para ele, os males do trabalho consistem em ameaas, chantagens e insinuaes contra os trabalhadores para desestabiliz-los psicologicamente e induzi-los ao erro para, em seguida, usar esse erro como pretex-to para a demisso. Quanto conduta das empresas, Dejours (2006) destaca a perseguio queles que no colaboram, que so deixados de lado ou transferidos para um setor execrvel, ou ainda colocados diante de condies insuficientes para realizar e cumprir a contento suas tarefas. As ideias de Dejours, embora sem o rtulo assdio moral, mantm profundas re-laes com o tema e certamente contriburam para fazer avanar as reflexes acerca do assunto.

    Marie-France Hirigoyen criou a expresso as-sdio moral para retratar a violncia perversa no mundo do trabalho. Foi ela quem apresentou a pri-meira definio do termo (HIRIGOYEN, 2006):

    [...] o assdio moral no trabalho definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, compor-tamento, atitude...) que atente, por sua repetio ou sistematizao, contra a dignidade ou integridade psquica ou fsica de uma pessoa, ameaando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. (p. 17)

    Para Hirigoyen, importante distinguir assdio moral violncia que destri psiquicamente e se repete no tempo da violncia do cotidiano, a que qualquer um est exposto e que procede do mau hu-mor, do nervosismo e da impacincia. O que diferen-cia essas duas formas de violncia a repetio, a insistncia e a sistematicidade. Para ela, assim como para Leymann (1996), um ato isolado no profun-

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    damente grave, o que constitui problema o efeito cumulativo, que gera nas vtimas sentimentos de re-jeio, desprezo e humilhao (HIRIGOYEN, 2006).

    Hirigoyen (2006) observa que o ambiente organi-zacional marcado por circunstncias que podem ser confundidas com assdio. Por isso importante distinguir as prticas de assdio propriamente dito das situaes de estresse, conflito, gesto por inj-ria, agresses pontuais, ms condies de trabalho e imposies profissionais.

    Segundo Hirigoyen (2006), as empresas esto tor-nando-se cada vez mais exigentes e duras, cobrando mais e mais de seus trabalhadores. Para isso, recor-rem gesto por presso, que acaba conduzindo ao estresse. Entretanto, segundo ela, na gesto por presso, no existe intencionalidade maldosa, seu objetivo melhorar o desempenho, e no destruir:

    No assdio moral, o alvo o prprio indivduo, com um interesse mais ou menos consciente de prejudi-c-lo. No se trata de melhorar a produtividade ou otimizar os resultados, mas de se livrar de uma pes-soa porque, de uma maneira ou de outra, ela incomo-da. (HIRIGOYEN, 2006, p. 23)

    J a gesto por injria consiste no comportamen-to de gestores despreparados que submetem seus funcionrios a violncias, insultos, presses e des-respeito. O que diferenciaria esse tipo de gesto do assdio moral o fato de ser uma violncia percebi-da por todos, enquanto o assdio moral tende a ser uma violncia velada. Quanto s agresses pontuais, embora no deixem de ser violncia, so atitudes momentneas, espordicas; j o assdio praticado sistemtica e repetidamente. No que tange s ms condies de trabalho, o fator que as diferenciaria do assdio moral a intencionalidade. O fato de se trabalhar em um espao sem condies adequadas ou de se ter sobrecarga de trabalho no pode ser considerado assdio moral, a no ser que um nico trabalhador seja submetido a essas condies delibe-radamente (HIRIGOYEN, 2006).

    Em relao s imposies profissionais, im-portante, segundo a autora, ter a conscincia de que avaliaes, crticas construtivas, transferncias, mu-danas de funo e outras atitudes, quando ocorrem de forma respeitosa, sem o propsito de perseguio ou represlia, no podem ser consideradas assdio moral. J metas impossveis que levam os trabalha-dores a um estado de presso que afeta sua sade, tornando-se abusivas, enquadram-se na definio de assdio (HIRIGOYEN, 2006).

    Assim, concebendo o fenmeno como uma vio-lncia que acontece geralmente de modo velado, com intencionalidade maldosa, de modo repetido e sistemtico sob a forma de diferentes atitudes hostis que afetam a sade dos trabalhadores e de-

    gradam o clima no ambiente de trabalho, Hirigoyen no apenas inaugura a expresso assdio moral, como tambm abre caminho para diversas pesqui-sas sobre o assunto.

    No Brasil, Margarida Barreto utiliza e difunde a expresso assdio moral aps realizar uma pesqui-sa, entre 1996 e 2000, junto a mais de 2 mil trabalha-dores de 97 empresas dos setores qumico, farma-cutico e similares da regio da Grande So Paulo. Para ela, toda vez que o trabalhador est sujeito, em sua jornada de trabalho, a humilhaes e a constran-gimentos, impostos, em geral, por superiores, de for-ma sistemtica e prolongada, ele est vivenciando uma situao de assdio moral. Ressalta ainda que as situaes de assdio acabam por desestabilizar a relao do trabalhador com o ambiente de trabalho e a organizao, podendo lev-lo a renunciar ao em-prego (BARRETO, 2005).

    Margarida Barreto (2005) situa o assdio moral no mbito de uma relao de poder, como uma forma de poder coercitivo, que sustentado pela humilhao, pelo medo e silncio. Nessa relao, predominam, entre os lderes, atitudes de fuga e, entre os pares, pactos de tolerncia e silncio, evitando-se explica-es ou solues para o problema. A autora recusa as simplificaes do assdio segundo as quais o fe-nmeno resultaria da ao de um indivduo perver-so, e resgata a responsabilidade das empresas. Para ela, as instituies reforam, fortalecem e produzem perfis assediadores de acordo com seus interesses e objetivos.

    Maria Ester de Freitas (2001) procura contextuali-zar o fenmeno do assdio moral na esfera organiza-cional e caracterizar essa prtica. Em seu artigo, inti-tulado Assdio moral e assdio sexual: faces do poder perverso nas organizaes, a autora afirma que:

    [Em nosso cotidiano], podemos defrontar-nos com si-tuaes que nos minam as foras e que podem arre-bentar-nos; tais situaes constituem verdadeiros as-sassinatos psquicos, porm apresentam-se como uma violncia indireta, em relao qual muitos de ns, sob o pretexto da tolerncia, nos tornamos complacentes, indiferentes e omissos. No nosso dia-a-dia, no ou-samos falar de perversidade; no entanto as agresses reanimam um processo inconsciente de destruio psicolgica constitudo de procedimentos hostis, evi-dentes ou escondido, de um ou vrios indivduos sobre o outro, na forma de palavras insignificantes, aluses, sugestes e no ditos, que efetivamente podem deses-tabilizar algum ou mesmo destru-lo, sem que os que o cercam intervenham. (FREITAS, 2001, p. 9)

    Maria Ester de Freitas (2001) tambm identifica a repetio e a sistematicidade como traos do ass-dio e refora que, se as primeiras manifestaes de hostilidade no forem combatidas ou denunciadas, diante do silncio da pessoa face ao abuso de poder, as desqualificaes e as agresses reproduzir-se-o,

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    e a pessoa ser acuada, inferiorizada, submetida re-gularmente a manobras hostis e degradantes.

    Roberto Heloani (2003, p. 58) discute as espe-cificidades da violncia no trabalho, focalizando a prtica do assdio moral como uma forma particu-lar de violncia, sutil e perniciosa; uma forma de violncia que gera vtimas entre indivduos, grupos e organizaes. A descrio apresentada por Helo-ani mostra que o assdio moral caracteriza-se por um processo disciplinador em que se procura anu-lar a vontade daquele que, para o agressor, apresen-ta-se como ameaa.

    Do mesmo modo que os autores que o precede-ram, Heloani (2003) observa que o assdio moral no um processo explcito, escancarado; ao contrrio, muitas vezes quase imperceptvel, por isso ele o qualifica como uma violncia invisvel, caracteriza-da pela intencionalidade:

    Consiste na constante e deliberada desqualificao da vtima, levando-a a uma posio de fragilidade, com o intuito de neutraliz-la em termos de poder. Trata-se,portanto, de um processo disciplinador, no qual se busca anular a vontade daquele que, para o agres-sor, talvez se apresente como ameaa. (HELOANI,2003, p. 59)

    Heloani (2003) constri uma conceituao con-sensual para o assdio moral incluindo os aspectos j estabelecidos por outros autores, como a repetiti-vidade os comportamentos hostis devem repetir-sepor um longo perodo; a intencionalidade as con-dutas hostis so deliberadamente dirigidas a uma pessoa ou a um grupo com o propsito de o prejudicar e enfraquecer suas possibilidades de ao, obrigan-do ao desligamento do trabalho; e a circunscrio espacial as aes de assdio ocorrem no ambien-te de trabalho, entre pessoas que pertencem a uma mesma organizao. A reflexo de Heloani (2003) tambm aponta para o assdio moral no como um fenmeno de natureza individual, decorrente das inter-relaes pessoais, mas sim como um fenmeno complexo com dimenses sociais, organizacionais e macroeconmicas.

    Lis Soboll (2008a) situa o assdio moral no mbi-to da violncia psicolgica, considerando que pode ser mais perigoso do que a violncia fsica, por cau-sar danos, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento fsico, mental, espiritual, psicolgico e social da v-tima. Para a autora, esse tipo de violncia pode ser encontrado em qualquer ambiente organizacional e ocorre com mais frequncia do que a violncia fsi-ca, embora seja mais difcil de ser identificado.

    Segundo Soboll (2008a), a violncia psicolgica tem recebido cada vez mais a ateno de estudiosos epesquisadores em virtude de sua repercusso no mundo do trabalho. Do mesmo modo, cada vez mais

    se tem discutido a violncia no trabalho em suas di-versas manifestaes, como ameaas, intimidaes, omisses, humilhaes, perseguies, assdio orga-nizacional e assdio moral, entre outras.

    Soboll (2008b) considera o assdio moral um tipo grave de violncia no trabalho. Concordando com os demais autores j apresentados, ela o define como:

    [...] um conjunto de comportamentos hostis, repeti-tivos e prolongados, que, articulados, se configuram como armadilhas. Estas so elaboradas intencional-mente, com a finalidade de minimizar os espaos de ao, pressionando a pessoa de tal maneira que se torna insustentvel a sua permanncia num projeto, num setor ou na empresa, podendo levar a pedidos de afastamento, transferncias ou desligamento, com possveis repercusses para a sade e para sua vida, profissional e social. (p. 34-35)

    Soboll acredita que a prtica do assedio moral nociva tanto para as relaes de trabalho, quanto para o clima organizacional. As demais pessoas do grupo de trabalho passam a viver em constante esta-do de alerta por temor de ser a prxima vtima. O as-sdio moral, segundo ela, teria desse modo um efeito de estratgia de gesto para todo o coletivo, favore-cendo a submisso e inibindo questionamentos em virtude do predomnio do medo (SOBOLL, 2008b).

    Como se pde constatar, so diversas as concep-es de assdio moral de acordo com os diferentes pesquisadores do tema. Embora possamos identi-ficar inmeros pontos em comum, muitas carac-tersticas semelhantes, cada pesquisador descreve comportamentos tpicos de assdio conforme sua perspectiva de anlise e conforme o contexto social no qual est inserido.

    O contexto do trabalho bancrio

    Por que os bancrios?

    Dentre as categorias profissionais que tm sido alvo de mudanas decorrentes da reestruturao produtiva, destaca-se a dos bancrios. As mudanas ocorridas nas ltimas dcadas acabaram por trazer profundas transformaes no trabalho e no contexto do trabalho bancrio, provocando o aparecimento de queixas de assdio moral e consequncias srias para a sade de alguns trabalhadores, tais como a depresso e o suicdio (MACIEL et al., 2007). Hoje,a jornada de trabalho do bancrio mais longa, so muitas as metas a serem cumpridas, grande a pres-so pela produo e h um controle estrito sobre o tempo de trabalho dos funcionrios.

    O bancrio vive uma transformao que o coloca frente a frente s novas formas de organizao do trabalho e sofre as consequncias disto: um maior nmero de afastamentos do trabalho por LER (Le-ses por Esforos Repetitivos), estresse decorrente do trabalho e sofrimento mental [...]. Diante desse

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    quadro, pode-se supor que a prevalncia do assdio moral no trabalho na categoria bancria seja elevada. (MACIEL et al., 2007, p. 119-120)3

    Soboll (2008a) fortalece essa argumentao ao afirmar que, no trabalho bancrio, existe uma pres-so para executar mal seu trabalho, o prprio siste-ma exerce essa presso, que se torna evidente na fa-bricao de nmeros, em condutas antiticas com clientes e com colegas de trabalho, no uso da violn-cia organizacional como estratgia de gerenciamento de equipes.

    Maciel et al. (2007), ao considerarem a ocorrn-cia de situaes constrangedoras que duraram at seis meses em uma frequncia semanal, constataram que 7,97% dos bancrios haviam sido assediados:

    [...] uma prevalncia igual ou mais baixa do que a en-contrada em amostras europias, como por exemplo, as encontradas por Hoel et al. (2001) e Vartia (1996), de aproximadamente 10%. (MACIEL et al., 2007, p. 125)

    Esses autores levam em conta tambm as diferentes condies de trabalho da categoria bancria no Brasil e na Europa. As condies brasileiras, dadas as limita-es socioeconmicas, so piores. Acrescentam ainda:

    Einarsen e Skogstad (1996) atentam para a impor-tncia de se diferenciar entre comportamentos nega-tivos que so tolerados e comportamentos que no so tolerados, bem como entre situaes que podem ser administradas e situaes onde as vtimas tm dificuldade para se defender. Um estudo mais apro-fundado sobre como os bancrios percebem os dife-rentes tipos de situaes constrangedoras pode ser produtivo para uma melhor compreenso do assdio moral na sua relao com os componentes culturais da organizao. (MACIEL et al., 2007, p. 125)

    De acordo com o levantamento realizado pelo INSS em 2002, os trabalhadores da categoria bancria:

    [...] respondem por 55% dos casos de afastamento por Leso por esforo repetitivo e distrbio osteo-muscular relacionado ao trabalho (LER/DORT), 93% por ansiedade e 94% por depresso. Os trans-tornos mentais so apontados como a segunda cau-sa de afastamento do trabalho na categoria banc-ria. (SOBOLL, 2008a, p. 154-155)

    Pesquisa recentemente realizada pela Confedera-o Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), em 2011, revelou que o assdio moral aco-mete 66% dos bancrios no Brasil, segundo divulgado pela Folha de So Paulo (BASLIO, 2011). Nessa pes-quisa, com base na consulta a 27.644 trabalhadores bancrios, constatou-se que as principais queixas so cobrana abusiva, humilhao e falta de reconhe-cimento, como afirma ao jornal Juvandia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancrios de So Paulo.

    Por um lado, os bancrios so suscetveis a viven-ciar situaes de assdio por terem sido muito afe-tados pelas mudanas decorrentes da reestruturao produtiva. Por outro lado, ainda so poucos os dados sobre a ocorrncia de assdio moral com essa catego-ria na regio Norte, o que demostra a importncia de pesquisas nessa esfera, uma vez que as informaes divulgadas com maior frequncia mapeiam as pr-ticas de assdio entre os bancrios no Brasil de um modo geral.

    O entendimento dos bancrios

    O assdio , via de regra, percebido como um mo-vimento descendente e como uma estratgia usada para se alcanar o cumprimento de metas, que se caracteriza por condutas agressivas e causa transtor-nos psicolgicos. Em geral, os sujeitos entrevistados associam, em suas falas, as condutas de assdio gesto por presso, identificando como traos mais marcantes desse fenmeno a cobrana, a imposio, e a ameaa para o alcance de resultados.

    As respostas s perguntas Voc j ouviu falar de assdio moral? e O que voc sabe a respeito do assunto? permitiram-nos identificar suas percep-es e as condutas reconhecidas por eles como ti-picamente caractersticas de assdio. Nas falas abai-xo aparece a ideia de que o assdio uma forma de violncia que consiste em atitudes de cobrana para o cumprimento de metas e na imposio por parte de um superior dirigidas a um subordinado, capazes de provocar transtornos psicolgicos.

    Sobre assdio moral, eu acho que aquela, no va-mos dizer uma cobrana, mas aquela imposio rea-lizada pelo empregador, de forma que chega a ser uma agresso moral, psicolgica, para alcanar um resultado determinado pelo prprio empregador, de maneira que essa cobrana, essa manifestao que o empregador causa sobre o empregado, causa algum tipo de transtorno, algum prejuzo de maneira psico-lgica. Ela no feita s pelo empregador, mas sim por uma pessoa que possa ser um superior tambm [...]. (Fbio, 29 anos, 8 anos de banco)

    No dia a dia tem mais a questo do atingimento de metas, que muito acentuada a cobrana. E a aca-ba configurando assdio moral aquela perseguio de tem que bater a meta, se voc no bater porque um incompetente... (Marlia, 63 anos, 30 anos de banco)

    Sabe o que acontece? Os bancos estabeleceram essa questo de metas, tudo voc tem que atingir meta. Meta pra dar lucro, ento, essas metas, a, o cara que te fiscaliza, ele j tem que ter esse perfil [de assedia-dor] pra ele poder conseguir, dentre os comandados dele, atingir a meta da agncia [...] fazer o que tem que ser feito, pra satisfazer o leo [a diretoria], seno

    3 Na verdade, essa suposio tem sido confirmada por pesquisas sobre o assdio no meio bancrio, como a recentemente realizada pela Confe-derao Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf).

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    ele perde o cargo dele. Ainda tem isso... (Manuela, 53 anos, 33 anos de banco)

    Minha percepo que muito decorrente da com-petio entre as empresas por atingimento de metas, ento, normalmente, os prepostos da empresa utili-zam desse instrumento [o assdio] como forma de coao pra atingir esses objetivos. (Marcus, 56 anos, 34 anos de banco)

    Vinte dos 37 sujeitos entrevistados apontam, em suas falas, a sistematicidade ou a intencionalidade maldosa como traos indicadores de uma situao de assdio, conforme descrito por Leymann (1996), Hirigoyen (2006), Freitas (2001), Barreto (2006), Heloani (2003), Soboll (2008a, 2008b). Muitos re-correram a palavras e expresses em um contexto lingustico que evidencia a ideia de que o assdio no existe sem sistematicidade: uma prtica em que tem de haver certa reincidncia, [o assdio] requer frequncia, ele pressupe repetio, no s uma vez, so vrios acontecimentos, era uma coisa que era diria. Da mesma forma, em relao ao critrio de intencionalidade maldosa, os sujeitos da pesquisa, em sua maioria, reconhecem tratar-se de uma violncia que presume o propsito cons-ciente de pratic-la. Esse entendimento verbali-zado de diferentes maneiras pelos sujeitos: [o as-sdio uma prtica em que] outra pessoa tenta te diminuir, te prejudicar, [o assdio] pressupe a intencionalidade, deliberado [...], voc quer que a outra pessoa se sinta isolada, afastada, humilha-da, bem direcionado, ele age intencionalmen-te. Os sujeitos tm conscincia de que esse tipo de comportamento no uma reao impulsiva, ocasional, diante de um problema vivenciado no trabalho, eles reconhecem um comportamento vo-luntrio, que surge da vontade do assediador de causar dano a uma determinada pessoa, por isso se reproduz reiteradamente. As falas abaixo ilustram essa percepo:

    Eu entendo que uma prtica em que tem que haver certa reincidncia, em que h uma relao de traba-lho e uma outra pessoa tenta te diminuir, te preju-dicar, e voc se sente, constrangido, em situaes constrangedoras, mas que requer uma prtica, como eu posso dizer, uma frequncia, foi o que ficou mais claro pra mim, agora o que complicado o como se provar e como ter certeza que realmente isso um assdio moral? (Lia, 30 anos, 1 ano de banco)

    [O assdio moral] Ele pressupe a repetio, a inten-cionalidade, deliberado, n, uma coisa que voc quer que aquela pessoa se sinta isolada, afastada, humilhada... Ento, uma coisa que vai quanto mais acontecendo, no um momento apenas. (Eva, 46 anos, 26 anos de banco)

    J o aspecto velado, insidioso, implcito, apon-tado por alguns tericos como um trao do assdio (HELOANI, 2003; HIRIGOYEN, 2006) pouco iden-tificado nas falas dos sujeitos. No so raros os su-

    jeitos que, ao contrrio, referem ofensas explcitas e agresses verbais na presena de colegas, ameaas abertas e gritos mesmo.

    Teve um problema l, que ns vivenciamos, que um funcionrio foi mandado pra biblioteca, um enge-nheiro agrnomo, foi o primeiro colocado no concur-so do Banco [...], por essa pessoa, porque ela tinha uma certa, uma certa, digamos, eu no sei a palavra exata, mas era bem vista pelo gerente, entendeu? En-to, ela era uma pessoa da confiana do gerente e ela conseguiu levar uma situao que aconteceu na sala contra esse funcionrio. E ele foi isolado na biblio-teca, ele no saiu pra denunciar, ele simplesmente se debruou nos livros, ele estava numa biblioteca e estudou, passou noutro concurso e hoje t bem em outro rgo, em outra instituio, entendeu? E tudo isso aconteceu com a mesma pessoa, e nunca nin-gum fez nada e no vai fazer [...]. (In, 50 anos, 14 anos de banco)

    Encontramos tambm depoimentos que referem o isolamento e a recusa de comunicao como con-dutas do assdio, aes identificadas por Leymann (1996), Dejours (2006), Hirigoyen (2006), Freitas (2001) em suas descries. In relata um caso de as-sdio em que um colega foi colocado em um setor isolado, completamente distante de suas possibili-dades de trabalho, fora do seu campo de atuao/formao, como uma estratgia para privar-lhe do apoio social e, desse modo, dificultar uma possvel reao. J o depoimento de Rodrigo conta de sua vi-vncia de assediado: o gerente no lhe dirigia a pala-vra, ignorava sua presena, a ponto de lev-lo a dizer eu no existia.

    Eu tava me matando por dentro em funo de ter que encarar o gerente todos os dias e me sentir ignorado pelo processo, nem um bom dia, nem boa tarde, nem uma dvida que ele tivesse, ele podia pisar nos calos, l, mas ele no consultava comigo, eu no existia. (Rodrigo, 40 anos, 8 anos de banco)

    Mais frequentes ainda so as falas que identifi-cam a humilhao, o desrespeito, a dominao, a violncia, a desestabilizao, a perseguio, o adoe-cimento como traos caractersticos do assdio dis-cutidos por muitos tericos, como Leymann (1996), Dejours (2006), Hirigoyen (2006), Freitas (2001), Bar-reto (2006), Heloani (2003), Soboll (2008a, 2008b).

    Hoje o assdio, no meu entendimento, so essas for-mas que voc tem, violncia fsica, mental, emocio-nal, instrumentos que te levem tua desestabiliza-o psicolgica dentro do ambiente de trabalho e que com certeza vai refletir na tua vida particular. (Jonas, 48 anos, ex-bancrio)

    Bom, assdio moral uma, vamos dizer, uma ao, normalmente de um empregador, ou outra pessoa em que promove diminuio, digamos assim, da outra, n? Isso pode acontecer a partir de palavras e atos tambm, aquele que humilha, que diminui realmente a pessoa como pessoa. Isso um assdio moral a meu ver. (Lcio, 57 anos, 34 anos de banco)

  • Rev. bras. Sade ocup., So Paulo, 37 (126): 203-212, 2012210

    [Assdio moral] so todas aquelas situaes viven-ciadas por qualquer pessoa, situaes humilhantes, constrangedoras, pela qual a pessoa pode passar em determinado tempo e que de repente comea a cau-sar certos danos naquela pessoa, n? No s de che-fia pra empregado, pode ser de empregado pra che-fia, de colega pra colega... E hoje muito comum... Aqui tem muitos casos de colegas que se afastam por problemas de chefia mesmo, que pega muito no p, que humilha, chama de burro, marca, marca mesmo aquele funcionrio o tempo todo. (Cris, 41 anos, 10 anos de banco)

    O assdio moral uma prtica comum no ambiente de trabalho em que os superiores hierrquicos fazem com que seus subordinados se sintam humilhados, rebaixados, submetidos a uma situao vexatria, hu-milhante, se sintam mal. (Alice, 28 anos, sindicalista)

    No cenrio de uma instituio financeira cercado de competitividade, focado em lucros e resultados, com os valores humanos postos em segundo plano, o assdio moral passa a ser utilizado como uma ferra-menta para disciplinar as pessoas da organizao ou como um modo deliberado de exercer o poder com o propsito de atingir os objetivos do banco, como ates-tam alguns depoimentos dos sujeitos pesquisados:

    Teve um fato que eu presenciei de um colega que tava sendo perseguido, n? O gerente todo dia vinha cobrar dele coisas que ele no tinha como dar conta e, por exemplo, o gerente queria que ele aprovasse a todo custo o cadastro de cliente, e ele no pode-ria fazer isso porque muitas vezes tinha erros, fal-tavam documentos, e, como o gerente queria bater metas, eu presenciei brigas, o gerente gritando com ele e tudo mais, desrespeitando o rapaz, falando at em dizer que ia mandar botar ele disposio [...] (Wilson, 49 anos, 26 anos de banco)

    Ela procurou utilizar o poder que o cargo dela dava pra ela e persuadiu outras pessoas de outros rgos pra realmente me impedir de conseguir aquilo que eu objetivava. E a primeira coisa que ela colocou foi que ela s me liberava pra fazer o curso se colocasse outra pessoa no meu lugar com o meu mesmo nvel de qualificao, coisa que era impossvel no banco [...]. Ela me agredia muito verbalmente, na frente de todo mundo, toda vez que eu tentava me colocar, e tudo o que eu fazia, todas as minhas, as minhas, [pausa], os meus trabalhos, sempre que ela me via assim me respondia com uma certa agresso, n? Ela procurava at me induzir ao erro pra tentar me punir de alguma forma [...]. Eu me via preterida de todo o jeito, o meu trabalho no tinha visibilidade, sempre eram as mesmas coisas, era assim, passar fax. Eu fui contratada no banco como economista, n? E era sempre assim, passar fax, mandar fax pra algu-ma instituio pedindo alguma documentao, n? A, esse fax, ela virava de cabea pra baixo dizendo sempre que estava errado a maneira que eu estava escrevendo, querendo sempre menosprezar o meu conhecimento. (In, 50 anos, 14 anos de banco)

    Eu vi colegas perdendo a gratificao, que pra mim pode ser uma forma de assdio moral, n? A pessoa perder a sua funo porque foi contrrio a uma de-ciso do chefe que achava que no era aquilo, que

    poderia tomar uma outra deciso, que poderia com-prometer at a instituio... A, o chefe encara aquilo como um desrespeito, porque ele uma autoridade... Ento, um desrespeito e acaba prejudicando, trans-ferindo a pessoa sem funo nenhuma e a pessoa acaba ficando deprimida. Teve colegas que tiveram que se afastar do trabalho, passaram um bom tempo afastados por problemas depressivos, ocasionados por isso, por afastamento, ser transferido de uma rea porque voc entrou em conflito com o chefe [...]. (Sofia, 47 anos, 14 anos de banco)

    Buscando sintetizar o conjunto das falas dos entre-vistados em relao ao modo como concebem o ass-dio moral, observa-se que 19 sujeitos o definem como uma forma de coao, presso, imposio ou ameaa sofrida por um funcionrio com o intuito de lev-lo a realizar uma tarefa com a qual no concorda, ou que est alm de sua capacidade, ou fora da sua rea de atuao, ou ainda em prol de metas e resultados do banco, podendo haver intencionalidade maldosa:

    Mas a gente sempre cobrado pra vender produto [...] sabe, aquela cobrana incessante [...]. Na rea que trabalho, tem esse tipo de coisa, que eu acho que uma forma de assdio, porque, por exemplo, eu sou caixa, no sou vendedora, no fui contratada pelo banco pra vender produto, e eu acho que tudo que foge quilo que voc tem como seu servio um as-