regionalização, saúde e abordagem...
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Regionalização, Saúde
e Abordagem Territorial: desafios para a República Federativa do
Brasil
PATRÍCIA TAVARES RIBEIRO
DCS-ENSP-FIOCRUZ
XI Encontro Nacional de Economia da Saúde: Saúde, Desenvolvimento e Território &
VI Encontro de Economia da Saúde da América Latina e Caribe.
São Paulo, setembro de 2014
Premissas
As estratégias políticas nacionais de regionalização
setorial, na trajetória recente do Sistema de Saúde
brasileiro, embora tenham incorporado em sua agenda
temática categorias como articulação (inter)federativa,
território, redes e governança, não romperam os muros
setoriais, e orientam-se por uma visão sistêmica, ainda
desarticulada das dinâmicas territoriais.
Sua normativa e práticas de planejamento mantem-se
orientadas, predominantemente, pela lógica da oferta
de serviços e pela organização de redes homogêneas
no território nacional.
Premissas
Qualquer política pública na atualidade é territorial, no
sentido de expressar o poder exercido por diversos atores
na produção do espaço, seja por meio da prática de
poderes, de políticas, de programas estratégicos, seja pela
impressão de novos usos ao território.
A regionalização da ação estatal na República Federativa
do Brasil, requer, portanto:
a compreensão da natureza federativa do campo de
intervenções das políticas de saúde.
O desenvolvimento da abordagem territorial na
produção de respostas governamentais aos problemas
loco/regionais.
Sobre a natureza federativa do campo
das intervenções setoriais
Desafios das políticas públicas, de abrangência regional, estadual ou
federal no Estado Federativo Brasileiro:
encontrar o equilíbrio entre regulação, responsabilidade e autonomia na
distribuição de atribuições entre os entes federados,
encontrar o melhor arranjo intergovernamental para o seu financiamento.
A repartição de responsabilidades entre União, estados e municípios
requer a compreensão comum de que os recursos e serviços devem
ser planejados, organizados e geridos, em regime de colaboração, por
todos os entes envolvidos, sobretudo nos recortes regionais.
Sobre a natureza federativa do campo
das intervenções setoriais
O financiamento das prioridades regionais deve ser compartilhado
entre os entes federados envolvidos, respeitadas as peculiaridades,
competências específicas e capacidades financeiras de cada um,
em bases solidárias e voltadas para o desenvolvimento loco-
regional.
O arranjo intergovernamental para o financiamento das respostas
regionais exige esforço de superação da posição tradicional de
excessiva dependência dos governos subnacionais aos recursos da
União, considerando: a capacidade de cada ente participar com
recursos próprios no financiamento das mudanças necessárias, a
participação complementar da União e modalidades alternativas
de gestão financeira das inovações.
Sobre a natureza federativa do campo
das intervenções setoriais
A autonomia dos entes federados e a sustentabilidade política e
financeira local das inovações não podem, portanto, ser negligenciadas
no momento de formulação de estratégias e programas nacionais de
reorientação da ação setorial, qualquer que seja a escala de incidência.
A definição do arranjo intergovernamental para o financiamento de
inovações de âmbito regional nas esferas subnacionais de governo
requer ampla interlocução com os demais setores governamentais em
cada ente federado e o acompanhamento permanente de
governadores e prefeitos dos processos de concertação setorial.
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
Geografia política:
compreensão das escalas territoriais sobre as quais incidem as
intervenções governamentais no mundo contemporâneo;
abordagens territoriais para a análise das políticas públicas,
atualizadas com as novas dinâmicas encontradas nos cenários
multiescalares, em rápida transformação, que caracterizam o
espaço público.
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
Conceito de Território (usado):
engloba natureza e sociedade, objetos e ações, formas espaciais
e relações de poder, recursos ambientais e infraestrutura,
interações econômicas, socioambientais, políticas e culturais,
processos, continuidades e descontinuidades, novas escalas,
materialidade e imaterialidade.
O território torna-se uno e múltiplo, singular e plural - e singular no
plural, espaço vivo, abstrato e concreto, concomitantemente
(Saquet, 2007, apud Knopp & Alcoforado, 2010).
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
Território como objeto de políticas públicas:
conteúdo, meio e processo das relações sociais; portador da
história dos diferentes lugares; e, suporte de dinâmicas territoriais
multiescalares, onde várias territorialidades podem ser socialmente
construídas, nos seus diferentes recortes.
Territorialidade, entendida como construção social da realidade
territorial num espaço delimitado, recortado.
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
A Região como objeto das políticas públicas:
campo de práticas, de normas, internas e externas e de valores sociais,
mercadológicos, culturais e políticos, semeado por contradições entre os
os processos institucionais globais e nacionais que nela incidem e as
relações entre os indivíduos e atores sociais que ali vivem, circulam e
interagem; e,
território usado, que assume na atualidade globalizada um novo
funcionamento, resultante das verticalidades e horizontalidades que
acontecem simultaneamente como redes e como espaço de todos.
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
Região :
recorte funcional à dinâmica de cooperação entre atores;
nível de coordenação política;
área prioritária de cooperação intersetorial, em processos
reestruturantes da ação governamental;
espaço potencial de mobilização de esforços colaborativos e de
aprofundamento da democracia;
território onde distintas, e conflitantes, expectativas econômicas,
sociais, políticas, institucionais e individuais constroem novas
territorialidades.
Sobre a abordagem territorial na
produção de respostas regionais
Regionalizar :
produção de um recorte político em um determinado território
(usado), visando a construção de respostas, social e
institucionalmente articuladas, a problemas cuja solução requer
esforços colaborativos e coordenados, dos atores locais.
As Redes como processos políticos
Campos de interações, representam uma construção social de
relações, que se compõem e recompõem em múltiplas possibilidades
de arranjos e negociações, dependendo do potencial de contatos e
fronteiras que os atores sociais envolvidos podem estabelecer.
Processo de comunicação que se estabelece a partir de padrões
normativos para a conduta e padrões de identificação daqueles que a
compõem.
Integram a produção de respostas regionais.
Políticas públicas como redes no
território
Rede urbana: materializa e sintetiza os processos políticos que
impulsionam a dinâmica de inovações tecnológicas, de rearticulações
sociais, de empreendimentos econômicos e de produção
governamental, com impacto direto sobre os resultados ação estatal.
Sua densidade e fluxos variam significativamente nas diferentes regiões e
condicionam o desenvolvimento local e a vida nas cidades.
É preciso, pois, incorporar a dimensão da rede urbana em todas as
políticas (REGIC – IBGE; APLs/BNDES).
Políticas públicas como redes no
território
Redes de atores e de entidades: se mobilizam em torno de um ou
mais problemas de interesse público, formando parcerias entre
diversas instituições públicas e privadas, e dessa forma ampliando
o espaço público e a ruptura com o modelo de provisão estatal
uni-organizacional centralizado (Farah, 2010).
Regionalização da saúde no Brasil
Que problemas a regionalização em
saúde na RFB objetiva resolver?
Problemas relacionados a restrições na provisão de ações de
promoção, proteção e recuperação da saúde, individual e
coletiva, que impactam as condições e oportunidades dos entes
federados atenderem às necessidades locais.
Problemas geradores de iniquidades na aplicação do direito
universal à saúde no território nacional.
Como caracterizar a regionalização da
ação estatal setorial?
Processos políticos, de alcance supramunicipal, organizados para buscar
respostas regionais a problemas de saúde.
Repostas regionais que devem incidir sobre problemas identificados a partir
de necessidades localmente definidas, para que se obtenha efetivas
melhoras nas condições de vida e saúde, em cada lugar, e ganhos de
equidade.
Respostas regionais não circunscritas ao campo de atuação do setor
saúde: combinação de ações de vários setores, governamentais ou não,
que guardem complementariedade entre si ou tenham efeitos sinérgicos.
Como regionalizar?
Planejamento territorial, participativo, que tome como ponto de
partida a situação de saúde que se quer alcançar no futuro de
cada lugar, município, região, estado, e do país, a partir do
reconhecimento da especificidade assumida pelo processo
saúde-doença, e de seus condicionantes, em cada uma das
diferentes escalas do território de incidência das políticas de saúde
no Estado Federativo.
As diferentes modalidades de
regionalização, até mesmo sua
necessidade, dependerão dos
problemas que pretende resolver e do
potencial de cada situação.
(Philippe Mossé, Montreal, 2012)
Obrigada pela atenção.
Anexo
Anos 80 (regionalização na transição democrática)
Perspectiva institucional governamental
Coordenação-integração das
intervenções governamentais (federais,
estaduais e municipais).
Economias de escala na oferta de
serviços de saúde.
Criação de mecanismos de referência e
contra-referência entre unidades e
níveis de complexidade.
Estruturas colegiadas para gestão
interinstitucional (unidades federais,
estaduais e municipais), com
participação da sociedade.
Perspectiva do movimento
político reformista
Diretriz para a organização do
sistema nacional de saúde,
visando a integralidade da
atenção e a equidade no
acesso às ações e serviços.
Anos 90: Sistema Único de Saúde
Estratégias de descentralização priorizaram
institucionalização e fortalecimento da gestão
descentralizada do sistema, sobretudo nos
municípios.
Respostas regionais:
associação intermunicipal no estabelecimento
de consórcios de saúde (sob estímulo do
governo federal);
opção dos governos estaduais de promover
regionalização em sua jurisdição.
Anos 2000: Sistema Único de Saúde
Regionalização evolui de uma perspectiva sistêmica (NOAS
– desenho de sistemas funcionais e resolutivos), para uma
perspectiva federativa (Pacto pela Saúde – colegiados de
gestão regional).
2011 - Contrato Organizativo da Ação Pública (COAP): a
ser firmado entre Ministério da Saúde, governo estadual
(governadores e secretários de saúde) e governos
municipais (prefeitos e seretários) em cada região de
saúde.
Forte indução federal dos processos subnacionais
(normativa baseada em incentivos financeiros, pactuada
entre gestores dos três níveis político-administrativos da
federação e aprovada no Conselho Nacional de Saúde,).
Que problemas a Regionalização
da saúde no Brasil visou responder?
Em que momento estamos?
Buscou responder a necessidades
de... ampliação e equalização do acesso a cuidados adequados para a
proteção, promoção e recuperação da saúde dos cidadãos
brasileiros, onde quer que eles residam;
integração de instituições, unidades e serviços de saúde com distintas
densidades tecnológicas, na conformação de uma rede
hierarquizada de acesso universal, com gestão descentralizada e
compartilhada entre entes federados;
racionalização/otimização de recursos na provisão das ações e
serviços, orientada a ganhos de equidade;
adequação das respostas do SUS à enorme diferenciação de
realidades sanitárias existentes no território nacional.
articulação intergovernamental na produção de respostas regionais.
Alcançou (com variações)
A definição de regiões de saúde em todos os estados.
O estabelecimento de instrumentos de planejamento regional na
gestão descentralizada do SUS.
Arranjos decisórios baseados na concertação política entre os
entes federados.
Avanços no ordenamento do cuidado a partir da organização de
redes assistenciais.
Avanços na interlocução com outros setores de governo.
Alcançou (com variações)
? Redução de desigualdades inter-regionais no acesso ao
cuidado? (Sim, na atenção básica).
? Efetiva participação da sociedade no planejamento regional ?
? Impactos positivos nas condições de saúde local e regional?
(Sim, segundo as informações contidas nos instrumentos de
planejamento – planos estaduais de saúde).
No entanto, desafios importantes
permanecem...(com variações)
Superar a fragmentação do cuidado, em geral, e da insuficiência
da oferta local e regional de serviços.
Adensar a leitura local e regional do processo saúde-doença na
sua especificidade/singularidade.
Identificar as desigualdades expressas em cada lugar e os recursos
existentes para enfrentá-las.
Integrar os instrumentos e práticas de planejamento setorial e usar
produtivamente as informações geradas neste âmbito.
Integrar o planejamento setorial ao planejamento urbano e
regional governamental.
Portanto,
A rede regionalizada e hierarquizada permanece
como ideal...
Por quê?
Duas hipóteses
Pela insuficiente compreensão dos atores setoriais
da natureza federativa do campo de intervenções
públicas setoriais.
Pela ausência da lógica territorial na formulação
das políticas e estratégias.
Por onde avançar?