retórica, filosofia, democracia

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´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´«A Retórica é uma invenção grega. Não caiu do céu, mas nasceu e desenvolveu-se num contexto muito preciso, o das instituições políticas e, particularmente, judiciárias, de certas cidades gregas» F. Desbordes, la rhétorique antique, Paris, Hachette, 1996, pp 9 e11 DEFINIÇÃO ATUAL DE RETÓRICA Começamos por dar uma definição atual de Retórica: «Arte de bem falar, de mostrar eloquência diante de um público com a finalidade de obter a sua adesão à nossa causa. Ela inclui a persuasão e a vontade de agradar: tudo depende (...) da causa, do que motiva alguém a dirigir-se a outrem. A retórica possui um carácter argumentativo que está presente desde o início pois justificamos uma tese com argumentos mas o adversário faz o mesmo: neste caso, a retórica não se distingue em nada da argumentação. (...).”. (...). Para os antigos, a retórica englobava tanto a arte de bem falar - ou eloquência - como o estudo do discurso ou as técnicas de persuasão até mesmo de manipulação» Michel Meyer, Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução. Lisboa. Ed.70.1997 ORIGEM ETIMOLÓGICA 1

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Retórica, Filosofia, Democracia

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Page 1: Retórica, Filosofia, Democracia

´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´«A Retórica é uma invenção grega.

Não caiu do céu, mas nasceu e desenvolveu-se num contexto muito

preciso, o das instituições políticas e, particularmente, judiciárias,

de certas cidades gregas»

F. Desbordes, la rhétorique antique, Paris, Hachette, 1996, pp

9 e11

DEFINIÇÃO ATUAL DE RETÓRICA

Começamos por dar uma definição atual de Retórica: «Arte de

bem falar, de mostrar eloquência diante de um público com a

finalidade de obter a sua adesão à nossa causa. Ela inclui a

persuasão e a vontade de agradar: tudo depende (...) da causa, do

que motiva alguém a dirigir-se a outrem. A retórica possui um

carácter argumentativo que está presente desde o início pois

justificamos uma tese com argumentos mas o adversário faz o

mesmo: neste caso, a retórica não se distingue em nada da

argumentação. (...).”. (...). Para os antigos, a retórica englobava

tanto a arte de bem falar - ou eloquência - como o estudo do

discurso ou as técnicas de persuasão até mesmo de manipulação»

Michel Meyer, Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução.

Lisboa. Ed.70.1997

ORIGEM ETIMOLÓGICA

Retórica (do latim rhetorica, originado no grego ῥητορικὴ τέχνη

[rhêtorikê], literalmente a «arte/técnica de bem falar», do substantivo

rhêtôr, «orador») é a arte de usar uma linguagem para comunicar de

forma eficaz e persuasiva.

No entanto, a retórica nem sempre teve esta conotação, pois foi

sendo aperfeiçoada ao longo dos tempos. Na parte do nosso trabalho,

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Page 2: Retórica, Filosofia, Democracia

vamos revisitar os tempos em que os Sofistas, Platão e Aristóteles

viveram, e qual foi o respetivo contributo da civilização clássica e de

outras para esta matéria.

CONTEXTUALIZAÇÃO

A retórica teria nascido no século V a.C., na Sicília, e foi

introduzida em Atenas pelo sofista Górgias, desenvolvendo-se nos

círculos políticos e judiciais da Grécia antiga. Originalmente visava

persuadir uma audiência dos mais diversos assuntos, mas acabou por

tornar-se sinónimo da arte de bem falar, o que opôs os sofistas ao

filósofo Sócrates e seus discípulos. Aristóteles, na obra "Retórica",

lançou as bases para sistematizar o seu estudo, identificando-a como

um dos elementos chave da filosofia, junto com a lógica e a dialética.

A retórica foi uma das três artes liberais ensinadas nas universidades

da Idade Média, constituindo o "trivium", junto com a lógica e a

gramática. Até ao século XIX foi uma parte central da educação

ocidental, preenchendo a necessidade de treinar oradores e

escritores para convencer audiências mediante Argumentos.

A retórica apela à audiência em três frentes: logos, pathos e

ethos. A elaboração do discurso e sua exposição exigem atenção a

cinco dimensões que se complementam (os cinco cânones ou

momentos da retórica): inventio ou invenção, a escolha dos

conteúdos do discurso; dispositio ou disposição, organização dos

conteúdos num todo estruturado; elocutio ou elocução, a expressão

adequada dos conteúdos; memoria, a memorização do discurso e

pronuntiatio ou acção, sobre a declamação do discurso, onde a

modulação da voz e gestos devem estar em consonância com o

conteúdo (este 5º momento nem sempre é considerado).

A retórica é uma ciência (no sentido de um estudo estruturado)

e uma arte (no sentido de uma prática assente numa experiência,

com uma técnica).

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Page 3: Retórica, Filosofia, Democracia

No início, a retórica ocupava-se do discurso político falado, a

oratória, antes de se alargar a textos escritos e, em especial, aos

literários, disciplina hoje chamada "estilística". A oratória é um dos

meios pelos quais se manifesta a retórica, mas não o único. A

retórica, enquanto método de persuasão, pode se manifestar por todo

e qualquer meio de comunicação.

QUAL A RELAÇÃO ENTRE FILOSOFIA DEMOCRACIA E

RETÓRICA?

A Retórica floresceu na antiga Grécia, ligada à Democracia e

em particular à necessidade de preparar os cidadãos para uma

intervenção ativa no governo da cidade.

A Democracia ateniense, devido ao espírito de competição

política e judiciária exigia uma preparação intelectual muito

completa dos cidadãos. Este facto influenciou decisivamente o

desenvolvimento da educação.

"Rector" era a palavra grega que significava "orador", o político.

No início esta não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e

de persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua

criação é atribuída a Córax e Tísis (V a.C.), tendo sido desenvolvida

pelos sofistas que a ensinaram como verdadeiros mestres.

Os sofistas adquiriram durante o século V a.C., grande prestígio

como professores de Retórica. O termo grego sofista designa homem

hábil ou sábio em qualquer assunto, significa mestre da sabedoria.

Eram professores que ensinavam por todas as partes da Grécia.

Numa época em que a democracia grega exigia a confrontação

pública dos cidadãos para resolverem os seus problemas comerciais e

jurídicos, os sofistas ensinavam, em troca de uma remuneração, a

persuasão e a retórica. Vindos de toda a parte do mundo grego, os

sofistas (mestres de sabedoria), dedicam-se a fazer conferências e a

dar aulas nas várias cidades-estado, sem se fixarem em nenhuma.

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Page 4: Retórica, Filosofia, Democracia

Atenas é todavia a cidade onde mais afluem, onde no século V a. C.

adquirem um enorme prestígio. Aproveitam as ocasiões em que

existe grandes aglomerações de cidadãos, para exibirem os seus

dotes retóricos e saber, ensinando nomeadamente a arte da retórica.

O seu ensino é, portanto, itinerante, mas também remunerado.

Entre estes destacam-se Górgias e Protágoras. Os sofistas

adquiriram durante o século V a.C., grande prestígio como

professores de Retórica. A Retórica era antes de mais o discurso do

Poder ou dos que aspiravam a exercê-lo. "O orador, escreve Chaim

Perelman, educava os seus discípulos para a vida ativa na cidade:

propunha-se formar homens políticos ponderados, capazes de

intervir de forma eficaz tanto nas deliberações políticas como numa

acção judicial, aptos, se necessário, a exaltar os ideais e as

aspirações que deviam inspirar e orientar a acção do povo.". O

discurso retórico visava a acção, por isso se propõe persuadir,

convencer os que escutam da justeza das posições do orador. Este

primado da acção leva a maioria dos sofistas, a desprezarem o

conhecimento daquilo que discutiam, contentando-se com simples

opiniões, concentrado a sua atenção nas técnicas de persuasão.

A partir de Platão (429-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.),

sofista passa a designar aquele que usa argumentos aparentemente

válidos para enganar os outros – sofismas – e, consequentemente,

passa a ter uma conotação pejorativa.

Todavia, convém realçar a indubitável contributo positivo dos

sofistas (entre os quais Protágoras, Crítias, Hípias e Górgias) para o

desenvolvimento do ensino em geral e do pensamento filosófico em

particular:

Os sofistas promoveram a viragem, na história da filosofia,

dos temas ligados à Natureza (aos quais se dedicaram os filósofos

pré-socráticos) para o tema do Homem (antropologia) e com eles

levantaram-se as primeiras questões da filosofia da linguagem. 4

Page 5: Retórica, Filosofia, Democracia

Contribuíram para a fundação da Paideia, fonte da formação

e cultura ocidentais.

Inauguraram o estatuto social de profissional do saber:

ensinavam de terra em terra diversas matérias (da gramática às

matemáticas), cobrando honorários, motivo pela qual foram

fortemente criticados.

Impulsionaram o ensino da retórica, nomeadamente da areté

política: ela constitui a base da preparação dos jovens para a vida

pública e política. Os sofistas ensinam a argumentar ,a discursar, a

persuadir e convencer, por forma a que os jovens possam cumprir

as exigências da cidadania e enveredar pela carreira política.

A METODOLOGIA E O CONTRIBUTO DOS SOFISTAS

A metodologia mais utilizada pelos sofistas é a Antilogia.

Acreditavam ser possível defender dois argumentos contraditórios e

incentivavam os seus alunos a defenderem o mais fraco. A retórica

foi um instrumento de poder na democracia ateniense e, desde

muito cedo, os sofistas reconheceram que mais importante do que

um conteúdo de um discurso é o uso que se faz das palavras, de

forma a convencer os ouvintes.

Neste sentido, a verdade dos discursos é a verdade que serve

o homem concreto. É a verdade relativa.

É de Protágoras a frase que coloca o homem no meio das

preocupações: "o homem é a medida de todas as coisas". Esta frase

quer dizer que não há um mundo objetivo desvinculado dos sujeitos

que conhecem o mundo. Se num dado momento, para um indivíduo,

o tempo está quente, o tempo está quente; mas, se para um outro

está frio, o tempo está frio. Disso se conclui que não uma

objetividade a respeito do tempo. Deste modo, a ‘ verdade sobre o

tempo é relativa a cada sujeito. Isso é chamado de relativismo.

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Page 6: Retórica, Filosofia, Democracia

Afirmam saber de tudo. «Hípias Menor» de Platão, é o melhor

exemplo deste saber enciclopédico. Tudo o que leva consigo é obra

das suas mãos, desde o anel que cinzelara ao manto que tecera,

aos poemas que escreveu e que transporta. É esta educação

completa que pretendem transmitir aos jovens, preparando-os para

ocuparem altos cargos na cidade (Polis).

Apesar da diversidade dos métodos de educação e saberes

dos sofistas, estes podem ser agrupados nos seguintes tipos

fundamentais:

Cultura - Os sofistas defendem abertamente o valor

formativo da cultura (Padeia), que não se resume à soma de

noções, nem tão pouco ao processo da sua aquisição. A sua

educação visa a formação do homem como um ser concreto,

membro de um povo e parte de um dado ambiente social. A

educação torna-se a segunda natureza do homem. Deste modo, os

sofistas afastam-se da tradição aristocrática, ligada à afirmação de

fatores inatos. Os sofistas manifestam frequentemente uma visão

otimista do homem, segundo a qual este possui uma inclinação

natural para o bem. Protágoras foi um defensor desta posição.

Cultura Geral- Este ensino compreendia o estudo da

Aritmética, Geometria, Astronomia e Música. Estas matérias

remontavam a um modelo de educação pitagórico, vindo a

constituir mais tarde, na Idade Média, o célebre Quadrivium das

sete Artes Liberais.

Formação Política -Este ensino orientava-se para uma visão

mais prática, procurando corresponder às exigências estritas da

atividade política. Constava das seguintes disciplinas: Gramática,

Dialética e Retórica. A arte da Dialética, transforma-se numa arte de

manipulação de ideias, através da qual o orador procura defender

uma dada posição, mesmo que a mesma seja a pior de todas. A

retórica era a arte de persuadir, independentemente das razões 6

Page 7: Retórica, Filosofia, Democracia

adotadas. Levado até ao exagero, este tipo de ensino, desacreditará

os sofistas na Antiguidade Clássica.

Convenção. Partindo de uma conceção relativista do

conhecimento, negam igualmente a universalidade da Verdade.

Esta não passa para alguns sofistas de uma convenção.

"Pois que tais coisas parecem justas e belas a cada cidade, são-no

também para ela, enquanto creia em tais". Platão, Teeteto, 167

"Afirmo que o justo não é mais do que o útil ao mais forte..., isto é,

em todos os Estados o justo é sempre... aquilo que convém ao

governo constituído." Platão, República, 338

Esta posição traduz-se em muitos sofistas na afirmação do direito

do mais forte em governar os mais fracos (cfr. Platão, Górgias, 482-

484).

Outros ainda, partindo da ideia da Lei como convenção, sustentam

que esta provoca desigualdades entre os homens, iguais por

natureza:

"Ó, homens aqui presentes! Creio-vos a todos unidos parentes e

concidadãos, não por lei, porque o semelhante é por natureza

parente do seu semelhante. A lei, como tirana dos homens, em

muitas coisas emprega a violência contra a natureza". Discurso de

Hípias, em Platão, Protágora,337.

Antifonte de Atenas (sofista) , formulando uma antinomia entre

natureza e lei humana, proclamou a igualdade entre os bárbaros e

os gregos (Helenos), sendo mesmo crível que tenha defendido a

igualdade entre cidadãos e escravos.

"Parece a alguns que... somente por lei (convenção) seria um

escravo e o outro livre, mas por natureza não haveria

absolutamente diferença de sorte. Por isso não seria justo, pois é

obra da violência". Aristóteles, Política, I, 3,1253.7

Page 8: Retórica, Filosofia, Democracia

Relativismo- Constatando a influência dos fatores sociais na

formação dos homens e na modelação dos seus comportamentos, a

existência de uma pluralidade de culturas e modos de pensar, os

sofistas acabam por defender a relatividade de todo o

conhecimento e dos valores, negando a sua universalidade.

Protágoras dizia que o homem é a medida de todas as coisas

o que significa que o que parece a cada um também o é para ele

com certeza". Aristóteles. Met.XI, 6,1062.

Partindo deste princípio, acabam por afirmar a identidade

entre o verdadeiro e o falso. "Sobre cada argumento podem-se

adiantar dois discursos em perfeita antítese entre si", Fragmento.

de Protágoras, em Diógenes de Laércio, IX, 50.

"Se todas as opiniões e todas as aparências são verdadeiras,

conclui-se necessariamente que cada uma é verdadeira e falsa ao

mesmo tempo. Visto que, frequentemente, surgem, entre os

homens, opiniões contrárias, e cremos que se engana quem não

pensa como nós, é obvio que existe e não existe ao mesmo tempo a

mesma coisa. Admitindo isto, deve-se também admitir que todas as

opiniões são verdadeiras. (...)

Se as coisas são como afirma Protágoras, será verdade o que

quer que se diga". Aristóteles. Met.IV,5,1009.

A POSIÇÃO DE SÓCRATES E PLATÃO

Foi sobretudo contra este ensino que se opuseram Sócrates e

Platão. Ambos sustentaram que a Retórica era a negação da própria

Filosofia. Platão, no Górgias e no Fedro, estabelece uma distinção

clara entre um discurso argumentativo dos sofistas que através da

persuasão procura a manipulação dos cidadãos, e o discurso

argumentativo dos filósofos que procuram atingir a verdade através

do diálogo, pois só esta importa.

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Page 9: Retórica, Filosofia, Democracia

A retórica dos sofistas é, deste modo, fortemente criticada por

Sócrates e Platão e, por isso, é preterida relativamente à dialética.

Para estes filósofos, a dialética é sinónimo de filosofia, o método

mais eficaz de aproximação entre as ideias particulares e as ideias

universais ou puras; é a técnica de perguntar, responder e refutar.

Eles consideram que é apenas através do diálogo, que o filósofo

deve procurar atingir o verdadeiro conhecimento, partindo do

mundo sensível e chegando ao mundo das ideias. Pela

decomposição e investigação racional de um conceito chega-se a

uma síntese, que também deve ser examinada, num processo

infinito que busca a verdade.

Em contraposição à retórica dos Sofistas, a Filosofia, pelo

contrário, surge como um discurso que apela à razão não á emoção.

Esta é aliás a condição primeira para que a Verdade possa ser

comunicada. Não se trata de convencer ninguém, mas de comunicar

ou demonstrar algo que se pressupõe já adquirido - a Verdade de que

o filósofo é detentor.

O CONTRIBUTO DE ARISTÓTELES

Aristóteles, procurou um meio caminho entre Platão e o

Sofistas, encarando a Retórica como um arte que visava descobrir os

meios de persuasão possíveis para os vários argumentos. O seu

objetivo é o de obter uma comunicação mais eficaz para o Saber que

é pressuposto como adquirido.

Aristóteles foi o primeiro filósofo a expor uma teoria da

argumentação, nos Tópicos e na Retórica, procurando um meio

caminho entre Platão e o Sofistas, encarando a Retórica como um

arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis para os

vários argumentos. O seu objetivo é o de obter uma comunicação

mais eficaz para o Saber que é pressuposto como adquirido. A

retórica, torna-se numa arte de falar de modo a persuadir e a

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Page 10: Retórica, Filosofia, Democracia

convencer diversos auditórios de que uma dada opinião é preferível

à sua rival.

BIOGRAFIA BREVE

Aristóteles nasceu em Estagira, no norte da Grécia, em 384

a.C., e morreu na ilha de Eboea em 322 a.C. Aluno de Platão na

Academia, fundador de sua própria escola - o Liceu - e tutor de

Alexandre, o Grande, Aristóteles foi a primeira pessoa a dar

importância ao estudo sistemático das diversas disciplinas das

artes e ciências que surgiam como entidades separadas pela

primeira vez no século IV a.C., inclusive no que diz respeito à

definição dos conceitos básicos e das relações entre cada uma.

A RETÓRICADE ARISTÓTELES NOCONTEXTO GREGO.

Quando Aristóteles entrou para a Academia Platónica, foi

incumbido de dar uma parte das aulas, o curso de Retórica. Sendo

a Retórica — curso que ele dava — a ciência teorética que

investiga a arte da persuasão, ele foi um dos primeiros a fazer

dela uma especulação teórica. Até então a Retórica era apenas

transmitida como técnica, como prática, e alguns demoravam a

vida inteira para dominar esta arte, que era a chave das ambições

políticas. Aristóteles domina-a prontamente e começa a especular

teoricamente. Isto consiste em perguntar: "Porque é que o

argumento persuasivo é persuasivo?" e mesmo: "Porque é que um

argumento logicamente fraco ou absurdo convence as pessoas, e

outro que é razoável não as convence?".

Aristóteles começa por examinar a Retórica, exatamente

como Sócrates havia feito. Sócrates via que os oradores, políticos,

conseguiam persuadir as pessoas às vezes de coisas

perfeitamente absurdas. Sócrates limitou-se a demonstrar que

essas ideias eram absurdas, por mais persuasivas que

10

Page 11: Retórica, Filosofia, Democracia

parecessem. Aristóteles dá, na juventude, um contributo

pertinente na explicação da matéria em análise. Começa a

investigar as causas dessa caracter persuasivo, e formula a

ciência da Retórica como uma verdadeira Psicologia da

Comunicação. Ora, conhecendo por um lado a técnica, e já tendo,

por outro, algumas ideias científicas sobre o fenómeno da

persuasão, Aristóteles não sabia apenas produzir argumentos

persuasivos, mas também conhecia os princípios teóricos em que

se baseava a persuasão dos adversários. Isto significa que, com

vinte e poucos anos, ele tinha-se tornado uma espécie de terror

dos retóricos, pois desmontava todos os argumentos deles com

muita facilidade. Aristóteles sintetizou, muito jovem, os dois

papéis que mais tarde seriam denominados retor e retórico: o

praticante da arte, o homem que escreve ou fala bem e o cientista

que estuda e formula a teoria da Retórica.

A RETÓRICA DE ARISTÓTELES…

Com Aristóteles, a Retórica torna-se uma disciplina muito

importante de entre outras. Ele foi o primeiro filósofo a expor uma

teoria da argumentação, nos Tópicos e na Retórica, procurando

uma síntese entre Platão e os Sofistas, encarando a Retórica como

uma arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis

para os vários argumentos. Assim, esta pode ser deliberativa, se o

auditório tiver que julgar uma ação futura; judicial, se o auditório

tiver que julgar uma ação passada; e, epidítica se o auditório não

tiver que julgar acções passadas nem futuras.

O seu objetivo é o de obter uma comunicação mais eficaz para

o Saber que é pressuposto como adquirido. A retórica, torna-se

numa arte de falar de modo a persuadir e a convencer diversos

auditórios de que uma dada opinião é preferível à sua rival. É

neste contexto que surge o contexto de recepção: conjunto de

opiniões, valores e juízos que um auditório partilha e que serão

11

Page 12: Retórica, Filosofia, Democracia

fundamentais na recepção do argumento, determinando a sua

aceitação, a sua rejeição ou o seu grau de adesão.

Sendo baseada em critérios dialéticos, esta retórica torna-se a

técnica de argumentação do verosímil, uma vez que as teses

colocam-se como discutíveis no seio dos debates públicos.

Qualquer um, pode apresentar contra-argumentos à tese do

orador, que é forçado a apresentar novos argumentos a fim de a

manter credível.

Outra característica da retórica de Aristóteles e também muito

importante, é a de que nela se pode distinguir três domínios:

retórica, moral e verdade e que o bom ou mau uso da retórica, ou

seja, o uso da arte do bem falar para defender argumentos

verdadeiros ou falsos, depende única e exclusivamente da ética

de quem assim procede, isto é, da prioridade de valores morais

que cada um vai estabelecendo ao longo da sua vida. Quer dizer

que a retórica em si, não é boa nem má, o seu uso é que a torna

boa ou má. Portanto, é uma ilusão pensar que a má retórica não

tem sentido; se o homem é livre de se exprimir, são as suas

intenções que determinarão o tipo de uso que fará da palavra.

Em suma, e tal como afirma Aristóteles: “A retórica não é

meramente uma arte de persuasão, mas antes uma faculdade de

descobrir especulativamente o que, caso a caso, pode servir para

persuadir”. A retórica de Aristóteles apresenta-se como retórica de

raciocínio, por oposição a uma retórica das paixões.

RETÓRICA E DIALÉTICA

Para Aristóteles, a retórica e a dialética são duas disciplinas

limítrofes. Ambas partem do verosímil e nenhuma depende da

ciência (objetividade da demonstração). Segundo o filósofo:

«A retórica é a outra face da dialética; pois ambas se ocupam

de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e 12

Page 13: Retórica, Filosofia, Democracia

não correspondem a nenhuma ciência em particular. De facto,

todas as pessoas de alguma maneira participam de uma e de

outra, pois todas elas tentam em certa medida questionar e

sustentar um argumento, defender-se ou acusar".

No entanto, distinguem-se no modo como se empregam. A

retórica preocupa-se com a persuasão, enquanto a dialética se

preocupa em produzir conhecimentos gerais.

Aristóteles define a dialética como a lógica do provável, do

processo racional que não pode ser demonstrado. "Provável é o

que parece aceitável a todos, ou à maioria, ou aos mais

conhecidos e ilustres", diz o filósofo.

CURIOSIDADES

A RETÓRICA DE ARISTÓTELES:

Retórica é um texto de Aristóteles. É composto por três livros (I:

1354a - 1377b, II: 1377b - 1403a, III: 1403a - 1420a) e não

existem dúvidas acerca da autenticidade da obra.

OBJETIVOS DA OBRA:

O objetivo de Aristóteles com sua Retórica é dar um

tratamento eminentemente filosófico ao tema em oposição ao

tratamento descuidado que os retores e sofistas daquele tempo

davam ao tema. De modo mais específico, muitos acreditam que a

reflexão aristotélica sobre o tema foi uma resposta à conceção

retórica de Isócrates de Atenas. Ao contrário de Platão, que no

diálogo Górgias condena a retórica e no diálogo Fedro subordina a

retórica à filosofia, a investigação aristotélica acerca da retórica —

mesmo que eminentemente filosófica — procura conferir

autonomia para a técnica retórica, desvinculando-a da vigilância

da filosofia (coisa que Platão discordava por considerar a retórica

eticamente perigosa).

13

Page 14: Retórica, Filosofia, Democracia

RESUMO DA OBRA:

No livro I, Aristóteles analisa e fundamenta os três géneros

retóricos: o deliberativo (que procura persuadir ou dissuadir), o

judiciário (que acusa ou defende) e o epidítico (que elogia ou

censura). Além disso, argumentos em favor da utilidade da

retórica são apresentados bem como uma análise da natureza da

prova retórica que é o entimema, um silogismo derivado;

No livro II, o plano emocional é analisado em sua relação com

a recepção do discurso retórico. Uma série de elementos, como a

ira, amizade, confiança, vergonha e seus contrários são

analisados, bem como o carácter dos homens (por ex: o carácter

dos jovens, o carácter dos ricos). Neste livro, também volta-se a

analisar as formas de argumentação, são apresentados uma série

de tópicos argumentativos, o uso de máximas na argumentação e

o uso dos entimemas;

No livro III, o estilo e a composição do discurso retórico são

analisados. Além de elementos como clareza, correção gramatical

e ritmo, o uso da metáfora e as partes que compõem um discurso

também estão presentes neste livro.

Com esta obra, Aristóteles lança as bases da retórica ocidental.

Teoricamente, a evolução da retórica ao longo dos séculos

representou muito mais um aperfeiçoamento da reflexão

aristotélica sobre o tema do que construções verdadeiramente

originais.

É neste quadro definido por Aristóteles que a Retórica irá

evoluir, confinando-se à uma arte de compor discursos que

primavam pela sua organização e beleza (estética), desvalorizando-

se a dimensão argumentativa cultivada pelos sofistas.

Esta arte conheceu um grande desenvolvimento na época

helenística.

14

Page 15: Retórica, Filosofia, Democracia

A RETÓRICA NA CULTURA ROMANA

Em Roma, Cícero (político e brilhante orador, do séc. I a. C),

sistematizou os fundamentos da retórica, em duas obras

fundamentais De Oratore e Orator. Cícero considerou-a uma

verdadeira ciência, cujo exercício exige uma enorme cultura. O

objetivo do orador era provar, agradar e comover. A retórica divide-

se então em várias, culminando neste período com Quintiliano (séc.I

d.C), cuja única obra que chegou até nós se chama justamente

Institutio Oratória. A Retórica torna-se durante o Império Romano

em Oratória, ou seja, na arte de falar bem.

A VIA SEGUIDA DURANTE A IDADE MÉDIA E NO

RENASCIMENTO

Durante a Idade Média, a argumentação adquiriu enorme

divulgação, nomeadamente entre os clérigos, ocupando um lugar

central na educação (fazia parte do Trivium).

RETÓRICA NA IDADE MODERNA

Na Idade Moderna, a retórica continuou a desfrutar ainda de

algum prestígio nos países católicos, recorde-se a este respeito o

notável orador que foi Padre António Vieira. A tendência do tempo

era todavia outra. A Retórica como arte argumentativa começou a

ser completamente desacreditada. Descartes reafirma o primado

das evidências sobre os argumentos verosímeis. Na mesma linha,

se desenvolve o discurso científico. Não se trata de convencer

ninguém, mas de demonstrar com "factos", "dados", "provas" a

Verdade (única e irrefutável).

A REABILITAÇÂO DA RETÓRICA COMO TEORIA DA

ARGUMENTAÇÂO NO SÉCULO XX

No século XX a Retórica volta a ser retomada, em consequência

da generalização das teses relativistas e o descrédito das ideologias.

15

Page 16: Retórica, Filosofia, Democracia

A "Verdade" que os filósofos afirmavam, não pode ser mais admitida

como um ponto de partida para qualquer discussão. Antes de a poder

afirmar o que quer que seja como verdadeiro, o filósofo deve procurar

a adesão de um dado auditório para as suas posições. Todas as

filosofias não passam de opiniões plausíveis que devem ser

continuamente demonstradas através de argumentos também eles

meramente plausíveis. Neste sentido, toda a filosofia é um espaço

sempre em aberto e susceptível de continuas revisões.

A REDESCOBERTA DO VALOR FILOSÓFICO DA RETÓRICA

ANTIGA

O CONTRIBUTO DE CHAIM PERELMAN

A IMPORTÂNCIA DA RETÓRICA PARA O PENSAMENTO

CONTEMPORÂNEO

Perelman toma partido no debate secular que opôs a Filosofia

à retórica.

Filósofos racionalistas como Platão, Descartes e Kant,

opuseram a procura da verdade, tarefa atribuída à Filosofia, às

técnicas dos retóricos e dos sofistas. Estes eram acusados de

admitirem opiniões variadas e enganadoras.

No entender de Perelman para se poder assegurar que as

teses defendidas pelos filósofos não são meras opiniões incertas e

falaciosas mas verdades indiscutíveis, é preciso que elas beneficiem

de um fundamento sólido e indiscutível, de uma intuição evidente

que garanta a verdade do que é percebido como evidente.

Uma argumentação nunca é capaz de proporcionar a

evidência e não está em questão argumentar contra o que é

evidente, a menos que a evidência seja contestada. É o que já tinha

notado Aristóteles, que reconhece ser indispensável recorrer aos

raciocínios dialéticos quando os primeiros princípios de uma ciência

que normalmente se impõem por si mesmos são contestados. 16

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Todos os que creem poder determinar a verdade

independentemente da argumentação menosprezam a retórica que

se refere a opiniões. Mas se não admitirmos a possibilidade de

fundamentar as teses filosóficas com base em intuições evidentes

então será necessário recorrer a técnicas argumentativas para as

defender. A nova retórica, torna-se um instrumento indispensável á

filosofia isto porque a argumentação é essencialmente diálogo,

comunicação e discussão.

No entanto convém sublinhar que as estratégias

argumentativas parecem estar nitidamente secundarizadas, face às

técnicas de persuasão usadas pelos novos meios de comunicação

de massas, como a publicidade ou a televisão.

http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/filosofia/filosofia_trabalhos/retoricaaristotelica.htm

http://afilosofia.no.sapo.pt/11filosret.htm#sintese

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ret%C3%B3rica#Os_Sofistas

Filosofia 11º Ano, Razão e Diálogo, páginas 130 a 146, Porto Editora, J.

Neves Vicente

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