revista justiça & cidadania

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Edição 68 - Março 2006

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2 • JUSTIÇA & CIDADANIA • MARÇO 2006

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2006 MARÇO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3

CONSELHO EDITORIAL

ORPHEU SANTOS SALLESEDITOR

TIAGO SANTOS SALLESDIRETOR EXECUTIVO

EDISON TORRESDIRETOR DE REDAÇÃO

JORGE LUIZ COSTA PEREIRADIRETOR DE MARKETING

DAVID RIBEIRO SANTOS SALLESSECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DEBORA OIGMANEDITOR DE ARTE

SIMONE MACHADOREVISÃO

VINÍCIUS GONÇALVESEXPEDIÇÃO E ASSINATURA

CLEONICE DE MELOASSISTENTE DE EXPEDIÇÃO

EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIAAV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLICEP: 20020-100. RIO DE JANEIROTEL/FAX (21) 2240-0429CNPJ: 03.338.235/0001-86

SUCURSAIS

SÃO PAULOORPHEU SALLES JUNIORAV. PAULISTA, 1765/13°ANDARCEP: 01311-200. SÃO PAULOTEL.(11) 3266-6611

FORTALEZACARLOS MOURARUA JOAQUIM FERREIRA Nº 1200BAIRRO LAGOA REDONDA.FORTALEZA-CETEL(85) 3476-2518 / 8829-6363

PORTO ALEGREDARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102ED.PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP 90010 272TEL (51) 3211 5344

BRASÍLIAARNALDO GOMESSCN - Q.1 - BLOCO E Ed. CENTRAL PARKFONES: (61) 3327-1228 / 29

CORRESPONDENTEARMANDO CARDOSOTEL (61) 9968 - 5926

[email protected]

ISSN 1807-779X

SUMÁRIO

EDITORIAL

A CAUSA DA jUSTIçA A fAvOR DO pOvO bRASILEIRO

UM NOvO jUDICIÁRIO

pARADOXO AMbIENTAL

A IMpORTÂNCIA DA REGIÃO AMAZÔNICA

A DISpLICÊNCIA E A IMpRUDÊNCIA NO bRASIL

ESTATUTO DO IDOSO

vERTICALIZAçÃO E OpORTUNISMO

ESCULHAMbAçÃO HORIZONTAL

O MODELO jUDICIÁRIO bRASILEIRO

MEDIDAS pROvISÓRIAS

EMpRESA MANTÉM LIvRE ATIvIDADE ECONÔMICA

fÓRUM

ALvARO MAIRINk DA COSTA

ANDRÉ fONTES

ANTONIO CARLOS MARTINS SOARES

ANTÔNIO SOUZA pRUDENTE

ARNALDO ESTEvES LIMA

AURÉLIO wANDER bASTOS

bERNARDO CAbRAL

CARLOS ANTÔNIO NAvEGA

CARLOS AyRES bRITTO

CARLOS MÁRIO vELLOSO

DARCI NORTE REbELO

DENISE fROSSARD

EDSON CARvALHO vIDIGAL

ELLIS HERMyDIO fIGUEIRA

fERNANDO NEvES

fRANCISCO vIANA

fRANCISCO pEçANHA MARTINS

fRANCISCO vIANA

fREDERICO jOSÉ GUEIROS

HUMbERTO GOMES DE bARROS

IvES GANDRA MARTINS

jOSÉ AUGUSTO DELGADO

jOSÉ EDUARDO CARREIRA ALvIM

LUIS fELIpE SALOMÃO

MANOEL CARpENA AMORIM

MARCO AURÉLIO DE fARIAS MELLO

MAURICIO DINEpI

MAXIMINO GONçALvES fONTES

MIGUEL pACHÁ

NEy pRADO

pAULO fREITAS bARATA

SEbASTIÃO AMOÊDO

THIAGO RIbAS fILHO

EDIÇÃO 68 • marÇO DE 2006

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Foto: Jorge Campos/ ACS/ STJ

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vARIAçõES SObRE ÉTICA E CULTURA

A RETOMADA DO pLANEjAMENTO NO SETOR ELÉTRICO

SOCIEDADE ESTÁ MAIS pREpARADA pARA vOTAR EM 2006

DA INTERvENçÃO E LIQUIDAçÃO EXTRAjUDICIAL “pOR EXTENSÃO”

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EDIT

ORI

AL CÂMARA DOS DEpUTADOS EM DECOMpOSIçÃO

Na edição de janeiro último o nosso editorial abordou o tema: “Congresso Nacional em desmoralização”, com o qual, e o terrível libelo

e exemplificante verrina, denunciamos as continuadas práticas do nauseabundo tráfico de votos, escabroso favorecimento mercantilizado através de propinas e deslavada corrupção, além de acentuar as debochadas confissões de deputados feitas publicamente pela televisão, deixando a população atônita e revoltada com tanta safadeza.

No mesmo editorial denunciamos o corporativismo execrável, inocentando parlamentares comprovadamente corruptos, confessos e indignos do mandato popular, fazendo com que a população se sentisse frustrada e fraudada com tanta escroqueria, e conseqüentemente provocando, além da repugnância pelos escabrosos atos de desfaçatez, a efetiva demonstração que a maioria não estava honrando a representação popular que jurou cumprir.

O chamamento cívico do referido editorial – considerando que a Revista é enviada regularmente e sem qualquer ônus, desde sua

ilustração: Debora Oigman

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fundação em junho de 1999, aos 513 deputados e 81 senadores -, objetivava a conscientização da obrigação do dever, além do cumprimento e respeito aos princípios morais, éticos e de dignidade que o mandato impõe e exige dos mandatários, os quais, na ocasião da posse na Câmara dos Deputados, juraram obedecer e cumprir.

Entretanto, lamentavelmente, enquanto uma parcela minoritária dos deputados recusava receber e outros procederam a devolução do malfadado subsídio, a maioria deles, demonstrando efetivo desprezo aos princípios da moralidade pública, além de desconsiderarem a repulsa da opinião popular ficaram com ouvidos moucos, não se abalando aos efeitos e sentido da rudeza do causticante libelo.

Infelizmente, o que era previsível e se tentava evitar aconteceu. Na fatídica data de 8 de março, a Câmara se aviltou, se desmereceu e entrou em decomposição; dois dos comprovados deputados e confessos delinqüentes da honra, da ética, da dignidade e do pudor, foram absolvidos pela maioria escandalosamente corporativista.

Com tristeza o apelo final do citado editorial Orpheu Santos Salles

Diretor-Editor

foi em vão: defender a honra do mandato ou cair na infamante desmoralização. A Câmara lamentavelmente optou pelo pior.

No entanto, há que ressalvar aqueles dignos e honrados deputados, que não se curvaram ao compadrio e votaram com honra , respeito à Instituição, preservando a moral e a dignidade do mandato.

Apesar disso, do asco e da podridão produzida na fatídica sessão, não é de se desesperar, de se desiludir, pois nem tudo está perdido. Restam cerca de 200 deputados que nos deixam a esperança da reversão da triste e lamentável situação. Existe, ainda, uma tênue luz no fim do túnel, que fatalmente acontecerá nas eleições de 1º de outubro, quando os eleitores por certo praticarão pelo voto a expulsória dessa maioria desprezível que envergonha a Câmara dos Deputados.

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CAP

A

O ministro Edson Vidigal está deixando no início de abril a presidência do Superior Tribunal de Justiça após

cumprir os dois anos de mandato regimental.Quando assumiu em abril de 2004, o ministro Vidigal

apresentou o seu programa para cumprir no biênio administrativo. Agora, às vésperas de passar o cargo, ele fez

A CAUSA DA JUSTIÇA A FAvOR

DO pOvO bRASILEIRO

Mais uma vez utilizamos da capa da Revista para homenagear e dar reconhecimento público a um autêntico varão do Judiciário. Trata-se do ministro Edson Vidigal.

A homenagem e a exaltação da figura extraordinária de homem público, experimentado vitorioso e exímio político, que as circunstâncias levou para a Magistratura, onde a par da inteligência e aprimorada cultura, revelou-se um jurista de escol, além de grande e consagrado administrador, como demonstrado no último ano de sua gestão na presidência do Tribunal.

Com o afastamento e pedido da aposentadoria do ministro Edson Vidigal do Superior Tribunal de Justiça, para se dedicar a afazeres condizentes ao seu passado de lutas em favor da democracia, a Magistratura perde um magnífico jurista, porém, em compensação, a política ganha com o seu retorno uma personalidade devotada, de passado irrepreensível, comprovadamente ético, digno e dotado de rígidos princípios morais, um ganho também para a Nação, que hoje, mais do que nunca, se ressente diante dos péssimos exemplos de indignidade e corrupção que campeiam livres e despudoramente no meio político.

Portanto, honrarias merecidas ao bravo guerreiro.

durante sessão plenária da Corte Especial que aconteceu em fevereiro, um relato das atividades afirmando que “nada aconteceu por acaso, os objetivos foram definidos e a meta para garantir anualmente 100% de recursos para os projetos estratégicos foi plenamente alcançada e, em dois anos foram investidos dois bilhões de reais para esses projetos”.

HONRA AO MÉRITONota do Editor

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bALANçO GERAL

Disse o ministro Edson Vidigal:

“Registro, apenas, que nos últimos dois anos foram julgados mais de meio milhão de processos, exatamente 512 mil 737 processos. Em 2004 foram julgados 241 mil 309 processos, com incremento de 11% em relação ao ano de 2003. Em 2005 o número de processos julgados aumentou para 271 mil 428 processos em comparação a 2004. A produtividade cresceu em 12,48%; portanto, a nossa produtividade no biênio 2004 a 2005 foi de 23,48%. No ano de 2004 a média de processos julgados por relator foi de 8 mil 452 processos. Em 2003 foram 7 mil 689 processos, o que significou o aumento de 10%, ou mais 763 processos por relator. Já em 2005 houve novo recorde de 9 mil 376 processos por relator, com aumento de 10,93%, ou seja, cada relator julgou, portanto, o equivalente a 900 processos a mais.

No cômputo do biênio, a produtividade de cada relator foi de 20,93%. O incremento da produção foi de 38% em relação à média de julgados nos últimos cinco anos.

O apoio à atividade judicante é digna de nota, ou seja, 99,80% dos processos julgados em sessão foram publicados em 2005; apesar do crescente aumento da demanda, correspondente a 13,14% a mais do que a média dos últimos cinco anos, o número de feitos em tramitação foi reduzido a 19%; passou-se uma década desde que a produção de julgados nos últimos dois anos – 2004 a 2005 – foi superior à demanda.

É com orgulho que informamos que a relação entre processos julgados e distribuídos foi de 105% em 2005; dos processos recursais baixados nos últimos doze meses 70% tramitaram em até 180 dias; no início de 2004 apenas 50% dos processos correram nesse prazo; o processamento iniciado no Superior Tribunal de Justiça atualmente está atualizado, e a distribuição se faz rigorosamente em dia, como exigência determinada pela Emenda Constitucional nº 45, e muito antes dessa determinação já trabalhávamos com esses prazos; as providências tomadas de imediato no início desta administração por certo contribuíram para o desempenho histórico aqui demonstrado, entre essas a dupla jornada de trabalho, a distribuição remota dos processos, três vezes ao dia, o aumento do quadro de pessoal e apoio aos gabinetes dos Senhores Ministros com maior número de assessores e chefes de gabinete e o novo desenho da estrutura administrativa. Se eliminamos o indesejável estoque correspondente ao montante de 45 mil processos à espera de distribuição, que se acumulavam ano após ano, com a tarefa empreendida, em apenas três meses, após o esforço admirável dos servidores, os gabinetes das Senhoras Ministras e dos Senhores Ministros ficaram momentaneamente sobrecarregados; portanto, nada mais acertado que se desse prioridade aos gabinetes destinando-se a essas unidades as vagas decorrentes do aumento do quadro

de servidores, e, em conseqüência, criou-se nova estrutura de funções nos respectivos gabinetes melhor adequada ao apoio da atividade judicante”.

META ALCANçADA

“Nada ocorreu por acaso. Objetivos foram definidos, metas foram traçadas e desenhou-se um Planejamento Estratégico com metodologia avançada para analisar, apontar e prever pontos críticos, contornar obstáculos e quantificar cada uma das etapas. Ao STJ é imprescindível uma diretoria administrativa fundamentada em critérios científicos.

A meta de garantir anualmente 100% de recursos para os projetos estratégicos foi plenamente alcançada. Todos os projetos, nada menos do que 30 deles, foram atendidos em suas necessidades orçamentárias.

Em dois anos foram investidos 2 bilhões de reais para esses projetos.

No outro lado da balança, economizamos em reajuste de contratos 1 milhão e duzentos mil reais, redirecionando-os ao atendimento de nossas necessidades com a realização, entre outras ações e serviços prestados, de mais de 10 mil metros quadrados em obras, reforma e adaptação, que resgataram o projeto de Oscar Niemeyer em sua integralidade; o pouco que ainda resta completar decerto será feito pela próxima administração, porquanto recursos nesse sentido já estão devidamente alocados na previsão orçamentária para este ano no Orçamento Geral da União. Quando houve necessidade de amoldá-las, representantes do seu escritório de arquitetura aprovaram e acompanharam cada uma das etapas por mínimas que fossem as alterações realizadas no prédio.

Empenhei-me na criação e no aperfeiçoamento de condições cada vez melhores para que as Senhoras e os Senhores Ministros viessem a exercer a prestação jurisdicional sem descuidar do ambiente de trabalho adequado, seguro e confortável para nossos leais e dedicados servidores.

Idosos e portadores de necessidades especiais igualmente receberam nossa atenção e respeito com as obras que lhes foram destinadas com exclusividade.

A prestação jurisdicional agora e nos próximos tempos implica também treinamento dos servidores. A meta prevista foi alcançada. Em 2005, ampliamos para 40 horas o treinamento por servidor, resultando em 104 mil horas de capacitação. Acrescente-se a esse esforço a oferta de 38 bolsas de pós-graduação.

Em 2006, serão 80 bolsas de pós-graduação abrindo novas oportunidades para servidores em diversas áreas do STJ.

Não visamos unicamente a quantidade, mas a qualidade do conhecimento. Por meio do programa Educação Corporativa, da Secretaria de Recursos Humanos, haverá um acompanhamento personalizado, integrando-se ensino e a metodologia ao talento e ao desenvolvimento da competência do servidor”.

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ApOIO A UM pROGRAMA

“O Tribunal se mantém aberto à sociedade, oferecendo 40 bolsas para estagiários no sistema de cotas para afro-descendentes. Mais de uma centena de estudantes de Direito de todo o Brasil, em regime de estágio não remunerado, nos períodos de recesso, estiveram no STJ nos últimos dois anos. Estudantes de Direito aprenderam in loco a estrutura e o funcionamento de uma Corte Superior. Aproveito para agradecer às Senhoras Ministras e aos Senhores Ministros que receberam os estudantes, pois o estágio é limitado pelo número de vagas oferecidas pelos Ministros, e a procura transcendeu as nossas expectativas.

Assim, agradecemos aos Srs. Ministros Ari Pargendler, por ter oferecido duas vagas; César Asfor Rocha, duas vagas; à Sra. Ministra Eliana Calmon; aos Srs. Ministros Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Hélio Quaglia Barbosa, Jorge Scartezzini, José Delgado, Luiz Fux, Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Francisco Peçanha Martins, que ofereceu 7 vagas em seu gabinete.

Agradecemos, portanto, a todos, pelo apoio a esse programa, que é da maior importância para a formação dos futuros operadores do Direito nos Estados brasileiros.

Investimos na melhoria das condições dos operadores do Direito. Lançamos a segunda edição do ‘Guia do Advogado’; reformamos e ampliamos as dependências da Sala dos Advogados. Em resposta, a pesquisa feita na internet registrou-se 250 mil votos com aprovação de 73,53% de satisfação pelos serviços prestados.

O destaque foi a ‘Certidão de Andamento On Line’, mais conhecida como ‘certidão de pé’. Os advogados votaram com satisfação de 80%. Se antes a certidão de andamento era obtida no prazo de três dias, em pessoa, hoje basta um clique no computador via internet. Em alguns segundos, temos eficácia, economia de tempo e dinheiro para os advogados e as partes.

Há mais conquistas a registrar no campo tecnológico. Nos próximos dias inauguraremos duas importantes novidades.

A primeira é o ‘Catálogo de Questões Jurídicas’. Trata-se de um instrumento aparentemente simples. Digo aparente porque subsiste neste projeto toda uma complexidade de informações e de engenharia informática nos bastidores. É um catálogo informatizado, contendo questões jurídicas já apreciadas pelos Ministros, interligado à base de jurisprudência do STJ.

O sistema auxiliará os Gabinetes dos Ministros na identificação de precedentes, tornando mais ágil a elaboração de decisões.

Sem qualquer custo adicional, o software foi desenvolvido pela própria equipe de informática do STJ, em parceria com uma Comissão Especial integrada por servidores de diversas áreas do STJ e dos assessores dos Gabinetes dos Srs. Ministros Franciulli Netto e Castro Meira.

A segunda é um projeto especial que coloca em versão digital mais acessível 1 milhão e 300 mil Acórdãos e Decisões do STJ. Esse projeto complementa e amplia as bases de dados da Revista Eletrônica de Jurisprudência e das Decisões Monocráticas.

O acesso simplificado às Decisões e aos Acórdãos constitui mais um instrumento de apoio à missão do STJ de uniformização da interpretação das normas infraconstitucionais.

É um avanço considerável. Os usuários agora terão maior facilidade em conhecer a jurisprudência do STJ, aproximando mais a Justiça da sociedade”.

pOLíTICA DE COMUNICAçÃO

“No plano estratégico de aproximação da Justiça com a sociedade, a Comunicação Social desempenhou um papel inestimável. A rapidez, o volume e a precisão das notícias inseridas pelo Núcleo de Editoria e Imprensa no site do STJ ajudaram a melhor informar a mídia de todo o País sobre as decisões e ações desta Corte.

Por essa razão, em 2005, o índice apurado de notícias

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neutras ou positivas na mídia impressa em todo o território nacional manteve-se em patamar elevado: 99%, sem nenhum custo financeiro para o Superior Tribunal de Justiça.

Ainda assim trabalhou-se no aperfeiçoamento na Comunicação Interna, intensificando-se a comunicação pela Rádio Comunitária STJ e pela intranet via tv com o noticiário “Fique por Dentro” direcionado a construir maior coesão entre os servidores e os Senhores Ministros.

O servidor, que antes sentia carência de informação em seu ambiente de trabalho, percebeu e aprovou as mudanças. Um novo “Jornal Mural”, extremamente criativo, veicula informações atualizadas todas as semanas além de promover a integração entre servidores e visitantes. O jornal interno ‘Informe-se’, em novo design, com textos atraentes e custo beneficio inteligente em sua confecção, é distribuído gratuitamente nas dependências do STJ e, em domicílio, a mais 4 mil e 500 assinantes.

Estamos trabalhando um projeto de ‘Política de Comunicação’, resultante dos estudos de uma comissão especial que reuniu os profissionais de comunicação social do STJ com o apoio da Secretaria de Recursos Humanos e do Núcleo de Planejamento Estratégico. A etapa em curso é uma pesquisa em nível nacional para identificar até que ponto o cidadão brasileiro conhece o Poder Judiciário, em especial o STJ. A pesquisa foi minuciosamente analisada para servir não só para um projeto de Comunicação Social, assentado em modelo científico, mas para todo o STJ.

No cenário internacional, o STJ prosseguiu em 2005 com sua participação ativa no debate e intercâmbio de informações sobre temas conexos ao Poder Judiciário mundial, em especial aos relacionados com a formação e capacitação de magistrados, informatização da Justiça, crime organizado, lavagem de dinheiro, direitos humanos e enfrentamento da morosidade judicial.

No próximo mês de março, no período de 27 a 31, estaremos recepcionando, aqui no STJ, a Sessão Extraordinária da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em cooperação com a

Presidência da República e com o Ministério das Relações Exteriores.

Empenhamo-nos, e continuamos empenhados, pela aprovação do Plano de Cargos e Salários, atentos e conscientes de sua importância e necessidade para atender às expectativas dos servidores na justa melhoria de sua remuneração.

Em futuro breve, assistiremos a aplicação plena da Certificação Digital. Falta-nos pouco, apenas a ordenação legal. O Projeto já foi aprovado na CCJ do Plenário do Senado e já está a caminho da Câmara. Nestes últimos dois anos, foram integralmente desenvolvidas as especificações técnicas e normativas que nos competiam.

Uma vez eliminados os obstáculos legais, alcançaremos rapidamente a total Integração de Dados entre os órgãos do Poder Judiciário. Ainda é um sonho, mas não um sonho impossível, o dia em que o trâmite processual entre os tribunais será realizado de forma totalmente virtual.

Senhoras Ministras e Senhores Ministros, agradeço o apoio, o estímulo e a colaboração que nunca me faltaram neste breve período, prestes a encerrar, em que temos trabalhado, Ministros, administração, Secretários, Diretores, dirigentes e servidores de todos os escalões, com entusiasmo e afinco no honorável encargo de presidir o Superior Tribunal de Justiça, suportando incompreensões, desafiando incompreensões, as mais díspares e nos mais diversos momentos, mas sempre com os olhos voltados para o amanhã e a certeza de que quando se trabalha certo, pensando no Brasil, pensando na sociedade, nenhum desafio, nenhum obstáculo se torna intransponível, mas é vencível, porque a causa é sempre a melhor: a causa da Justiça a favor do povo brasileiro.

A missão de fazer a Justiça no Brasil não terminou, jamais terminará.

Peço vênia para encerrar, citando as palavras do poeta Jorge Luiz Borges, que refletem o que eu penso, o que eu sinto:

“A tarefa que empreendo é ilimitadae há de acompanhar-me até o fimnão menos misteriosa que o universo e que eu, o aprendiz’”.

“SE ANTES A CERTIDãO DE ANDAmENTO ERA ObTIDA NO

PRAzO DE TRêS DIAS, Em PESSOA, hOJE bASTA Um CLIqUE NO

COmPUTADOR vIA INTERNET.”

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C omo já se consolidou na tradição deste Tribunal Superior Eleitoral, o momento de sucessão presidencial é talvez o mais oportuno para prestar a devida homenagem àqueles que, ao deixarem o

cargo, fecham um ciclo de plena dedicação ao desenvolvimento

Em seu discurso de posse, o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar mendes, afirmou que, após um ano de autocrítica a

respeito das práticas político-eleitorais, a sociedade brasileira estará mais preparada para o pleito de 2006.

“SOCIEDADE ESTÁ mAIS PREPARADA pARA vOTAR EM 2006”

ministro do STFGilmar mendes

de nossa Justiça Eleitoral e, dessa forma, ao aperfeiçoamento da democracia brasileira. Aproveito a oportunidade para tecer a merecida homenagem ao ministro Carlos Velloso, a quem sucedo na Presidência desta Casa, e o faço também a todos os ex-presidentes.

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A Constituição de 1988, aprovada num contexto econômico e social difícil, faz uma clara opção pela democracia e uma sonora declaração em favor da superação das desigualdades sociais e regionais. No plano eleitoral, além de uma ampla liberdade na criação de partidos, amplia-se o direito ao voto, que passa a ser exercido, facultativamente, pelo analfabeto e pelo jovem maior de 16 e menor de 18 anos.

O modelo eleitoral fixado manteve, para as eleições parlamentares, o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que corresponde à prática brasileira desde 1932. O mandato parlamentar que resulta desse sistema afigura-se muito mais fruto do desempenho e do esforço do candidato do que da atividade partidária. Trata-se, como destacado por Scott Mainwaring, de sistema que somente se desenvolveu no Brasil e na Finlândia.

A ampla liberdade partidária, por sua vez, promoveu uma proliferação de partidos, dificultando as possibilidades de articulação política e importando em prejuízos para a densidade programática. Tal aspecto - o modelo da lista aberta - tem conseqüência sobre a disciplina interna das legendas, que se tornam, quase inevitavelmente, reféns dos personalismos dos candidatos que as integram. Mainwaring chega a afirmar que vários aspectos da legislação eleitoral brasileira não têm - ou têm pouco - paralelo no mundo, e nenhuma outra democracia dá aos políticos tanta autonomia vis-à-vis seus partidos.

Apesar de tudo, não se pode afirmar que o caráter fragmentário do sistema partidário tenha importado em prejuízos absolutos ou radicais à democracia brasileira.

Essa, aliás, é uma das preocupações de Adam Przeworski, que considera temerária uma combinação de presidencialismo com a inexistência de um único partido majoritário, chegando a afirmar, com base em elementos probabilísticos, que tal sistema teria expectativa de vida de apenas 15 anos.

Talvez o próprio caráter analítico da Constituição, a obrigar os Governos a cultivarem uma maioria apta a votar emendas (3/5 de votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal), tenha produzido uma singularidade em nosso sistema presidencialista. De fato, não obstante a pluralidade de partidos e a inexistência de um único partido majoritário, o fato é que têm se formado, em todos os Governos, grandes blocos parlamentares com algum grau de coesão, a permitir a implementação dos projetos políticos decorrentes das eleições presidenciais.

Assim, é possível observar que, desde a Constituição de 1988, o Brasil tem passado por uma rica e singular experiência em termos de desenvolvimento político, dentro de paradigmas democráticos.

Eleições regulares e isentas de distorções e fraudes nos planos municipais, estaduais e federal têm marcado a experiência do Brasil democrático. Realizaram-se quatro eleições diretas para Presidente da República em pleitos absolutamente isentos de qualquer suspeita, devidamente supervisionados pela Justiça Eleitoral. As eleições presidenciais diretas de 1989 foram as

primeiras realizadas desde o ocaso da democracia em 1964 (a última eleição presidencial havia sido em 1960).

Em 2002, pela primeira vez, desde 1988, configurou-se situação de típica alternância de Poder, com a assunção da Presidência da República pelo então Chefe do maior partido de oposição.

E, certamente, a Justiça Eleitoral tem dado uma decisiva contribuição para a realização desse processo eleitoral em condições de plena normalidade institucional e num ambiente amplamente democrático, esforçando-se para coibir os abusos do poder político e econômico e para modernizar e tornar mais célere o processo de votação, de apuração de votos e de legitimação dos eleitos.

“ASSIm, é POSSívEL ObSERvAR qUE, DESDE A CONSTITUIÇãO

DE 1988, O bRASIL TEm PASSADO POR UmA RICA E SINGULAR ExPERIêNCIA Em TERmOS DE

DESENvOLvImENTO POLíTICO, DENTRO DE PARADIGmAS

DEmOCRÁTICOS.”

Somos, hoje, uma nação democrática de cento e vinte milhões de eleitores, distribuídos em um território de mais de oito milhões e meio de quilômetros, e cujo resultado das eleições gerais pode ser obtido, não obstante o cumprimento dos prazos da legislação eleitoral, em menos de 24 horas.

Com isso, não se pode esquecer que, até pouco tempo, a Justiça Eleitoral centrava seus esforços no combate às fraudes no processo de votação, realizadas com base em cédulas de papel e no escrutínio à mão humana. Hoje, praticamente não há mais processos sobre registro de variação nominal ou sobre recontagem.

O processo eletrônico de votação está consolidado e constitui um signo de modernidade da nossa democracia.

Subsiste, ainda, o desafio de atualização e modernização do sistema político-partidário, que, também no âmbito da Justiça Eleitoral, impõe novas reflexões e práticas também no que concerne ao financiamento dos partidos e aos gastos nas campanhas eleitorais.

Afigura-se inegável que há algum tempo o sistema político-partidário vem apresentando significativos déficits e emitindo sinais de exaustão.

No ano passado, o país mergulhou numa das maiores crises éticas e políticas de sua história republicana, crise esta

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Page 12: Revista Justiça & Cidadania

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que revelou algumas das graves mazelas do sistema político-partidário brasileiro, e que torna imperiosa a sua imediata revisão. De tudo que foi revelado, tem-se como extremamente grave o aparelhamento das estruturas estatais para fins político-partidários e a apropriação de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos.

A crise tornou, porém, evidente, para todos e para a Justiça Eleitoral em especial, a necessidade de um novo sistema de controle do financiamento dos partidos e de gastos no processo eleitoral.

Não há negar - e a experiência das democracias tradicionais o confirma - que a questão do financiamento dos partidos políticos e gastos das campanhas eleitorais não diz respeito apenas a um processo eleitoral hígido e equânime. Em verdade, tem-se aqui um dos elementos basilares da própria democracia moderna. Daí a necessidade de que se implementem as reformas institucionais reclamadas, com vistas a superar déficits graves, capazes até mesmo de comprometer o notável e histórico processo democrático vivido sob a Constituição de 1988.

Se, da perspectiva da Justiça eleitoral, afigura-se necessário proceder à adequada fiscalização do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e dar continuidade ao aprimoramento contra o abuso do poder político e econômico, sob as mais diversas formas, não se pode olvidar, igualmente, a necessidade de que se implementem as reformas institucionais capazes de superar as deficiências há muito detectadas no sistema político-eleitoral.

Essa é uma tarefa de todos! Hão de ser envidados esforços para a expansão do modelo

democrático estabelecido em 1988. E o quadro formal da democracia conta com uma vantagem específica entre nós, que é a inexistência de adversários radicais ao modelo.

Não tenho dúvida de que, a partir da Carta de 1988, estão presentes aquelas condições que Robert Dahl enuncia como pressupostos para que seja atingida a democracia plena, dentre as quais ressalto a existência de uma cultura política e de convicções democráticas .

Há uma convicção no modelo democrático, e as vias

“À JUSTIÇA ELEITORAL CAbE CORRESPONDER AOS ANSEIOS DESSA SOCIEDADE

POLITICAmENTE mAIS INFORmADA E ESCLARECIDA.

OS DESAFIOS qUE SE ImPõEm SERãO, CERTAmENTE, mAIS

COmPLExOS, TíPICOS DE UmA SOCIEDADE TAmbém COmPLExA

E PLURAL.”

democráticas de conciliação têm-se mostrado mais lucrativas que o conflito e a ruptura. Crises políticas e econômicas graves têm sido equacionadas dentro dos marcos institucionais previamente estabelecidos. Um impeachment presidencial e inúmeras crises políticas e econômicas desenvolveram-se e foram superadas sob a disciplina constitucional, sem qualquer contestação ou reclamo relevante.

Os problemas decorrentes da crise recente a que me referi têm sido arrostados com base nos modelos institucionais previstos na Constituição.

Urge, porém, que a reforma política há muito discutida caminhe no sentido de fortalecer as instituições democráticas e reforçar a importância do exercício da cidadania e a legitimidade dos mandatos conquistados pelo voto. É preciso encontrar um modelo político-eleitoral adequado à maturidade da prática democrática que vimos desenvolvendo ao longo desses anos. É preciso superar o subdesenvolvimento que marca as relações partidárias e proceder às reformas e revisões necessárias.

Portanto, ao fazer este balanço dos fatos que conformaram a vida político-eleitoral nestes últimos 17 anos, temos um saldo positivo. Vivenciamos o período de estabilidade institucional mais longo de nossa história republicana. Em termos de tradição democrática, só temos a comemorar. E a Constituição de 1988 abre-nos, nesse sentido, um espaço para “um quantum de utopia”, na medida em que, ao incorporar tanto o “princípio-responsabilidade” (Hans Jonas) como o “princípio-esperança” (Ernst Bloch), permite que nossa evolução constitucional ocorra entre a ratio e a emotio.

Apesar de seu inegável caráter analítico, a Carta Política de 1988 constitui uma ordem jurídica fundamental de um processo público livre, caracterizando-se, nos termos de Häberle , como uma “constituição aberta”, que torna possível a “sociedade aberta” de Popper, ou uma “constituição suave” (mitte), no conceito de Zagrebelsky, “que permite, dentro dos limites constitucionais, tanto a espontaneidade da vida social como a competição para assumir a direção política, condições para a sobrevivência de uma sociedade pluralista e democrática”.

Nesse ambiente de ampla publicidade (Öffentlichkeit), as perspectivas de futuro hão de ser promissoras se soubermos dar respostas aos desafios e incongruências há muito identificados. Após um ano de autocrítica a respeito das práticas político-eleitorais, a sociedade brasileira certamente estará mais preparada para o pleito eleitoral de 2006.

À Justiça Eleitoral cabe corresponder aos anseios dessa sociedade politicamente mais informada e esclarecida. Os desafios que se impõem serão, certamente, mais complexos, típicos de uma sociedade também complexa e plural.

À frente do Tribunal Superior Eleitoral, como seu Presidente, incumbo-me da honrosa missão de dar continuidade ao profícuo trabalho realizado por meus antecessores, dentre os quais ressalto a figura do ministro Carlos Velloso, a quem sucedo na Presidência desta Casa.”

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q uanto mais se examina a realidade atual da Máxima Corte Brasileira, mais clara fica a impressão de que, nada obstante o valor de seus 11 integrantes, não tem condições de prestar,

em seu mais relevante papel, a jurisdição constitucional necessária para dar estabilidade às instituições.

A iniciativa do presidente Jobim para facilitar os julgamentos, com a introdução da pauta temática, não solucionou a grande questão de não respeito à ordem do dia, sobre ter agravado o problema de espera de possível escolha do tema para julgamento dos recursos ou das ações originárias que chegam ao Supremo.

À evidência, a tentativa do ministro Nelson Jobim foi louvável, embora insuficiente, merecendo, a meu ver, para 2006, reexame da validade de sua continuação.

Os problemas estruturais da Suprema Corte, todavia, remanescem. Há medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade que aguardam entrada em pauta há quase 5 anos e, à nitidez, o simples fato de haver um pedido de liminar, em tese, significa que a questão foi considerada de relevância e urgência.

Por outro lado, questões que deveriam não subir a Suprema Corte, por falta de transcendência, continuam a subir, à falta de norma impeditiva, com o que, ao receber mais de 100.000 processos por ano, a Suprema Corte fica entulhada, atolada e sufocada de ações, perdendo-se, muitas vezes, a perspectiva dos julgamentos mais importantes, com o que, não poucas vezes, questões sem transcendência alguma ganham preferência em relação a questões mais relevantes como, por exemplo, às que questionam a constitucionalidade das Leis complementar nº104 (norma anti-elisão) e nº105 (sigilo bancário), as quais aguardam que o ministro relator coloque em pauta o processo cautelar suscitado há quase 5 anos.

Pessoalmente, estou convencido que a Suprema Corte não pode ser um Tribunal híbrido (constitucional e de administração de justiça). Terá que ser apenas uma Corte Constitucional. Volto à tese que defendi em 1987 no livro “Roteiro para uma Constituição” (Editora Forense), nela propunha um Triplo Poder Judiciário, com: 1) uma Corte Constitucional, que seria a Suprema Corte; 2) com a Administração de justiça em 2 instâncias de julgamento e um Tribunal Uniformizador de Jurisprudência (STJ e TST); 3) e um Poder Responsabilizador, guindando-se o

Um NOvO jUDICIÁRIO

Tribunal de Contas a este nível, com a escolha de seus ministros realizada nos mesmos moldes daqueles do Poder Judiciário.

Se não repensarmos o Poder Judiciário brasileiro, nada obstante ser o melhor Poder da República e constituído pelos mais preparados homens públicos, continuará sendo considerado um dos entraves da não evolução nacional, pois em nenhum dos países desenvolvidos as questões judiciárias duram tanto tempo, trazendo uma permanente insegurança e incerteza sobre as decisões definitivas.

Nova legislação sobre normas processuais, simplificando-se os ritos procedimentais, compactando-se o processo de conhecimento e execução num único processo, redefinição de competências dos Tribunais, além de apenas permitir que ao STJ e TST subam questões de evidente transcendência nacional, transformando-se ainda o Supremo em Corte Constitucional, que é sua inequívoca vocação, talvez sejam alguns dos pontos fundamentais a serem repensados para tornar melhor, o mais lento dos três Poderes, não por culpa de seus magistrados, mas da legislação vigente.

Ives Gandra da Silva martins

Advogado e membro do Conselho Editorial

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N a magnífica revista Brasilis de novembro/dezembro de 2005, Ubiratan Borges de Macedo publica corajoso artigo denunciando a ausência de Ética no pensamento brasileiro.

Faz ele um confronto entre a bibliografia mexicana e a brasileira sobre o assunto, mostrando que, ante a nossa omissão, na primeira figuram nada menos de três manuais: o de Eduardo García Maynez, de excepcional orientação axiológica, o de José Ruben Sanabria, de fundação tomista, e o de Francisco Larroyo, de formação neokantiana, todos em sucessivas edições, sem falar na “Ética” de A. Sánchez Vásquez, muito conhecida entre nós.

Segundo Ubiratan, em nossa cultura filosófica prevalecem estudos de caráter científico ou epistemológico, quando não estéticos e metafísicos, havendo um vazio no tocante à Ética ou à Moral.

Não há dúvida de que inexistem, no Brasil, monografias

ou manuais específicos sobre a Ética ou a Moral, não obstante se reconheça universalmente a fundamental importância de ambas no plano filosófico.

Talvez haja exagero na posição de Ubiratan, pois problemas éticos são entre nós versados em obras ou cursos de caráter geral.

No que se refere ao autor do presente artigo, não se poderá dizer que não tenha dado a devida atenção à Ética em dezenas de seus livros. Posso mesmo dizer que, desde minhas primeiras obras, tive sempre plena consciência do significado da Ética no domínio da Filosofia, situando-a no ápice das pesquisas, dedicando-lhe mesmo títulos extensos em meus estudos.

Observo em primeiro lugar que tem sido, por mais de um autor, observada a diferença, entre nós, entre a Ética de perfil tomista - durante longo tempo dominante - e a resultante, por exemplo, da posição científica do positivismo, para a

vARIAÇõES SObRE ÉTICA E CULTURA miguel Reale

Jurista e membro da Academia de Letras

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qual a hegemonia da ciência positiva exige uma Ética de base experiencial ou pragmática.

Por outro lado, não deixa de haver referências às mudanças verificadas no tratamento da Ética em razão de alterações como as do neokantismo ou de compreensão da história no envolver das civilizações.

Além disso, quando se escreve uma monografia específica, como é o caso de minha tese sobre fundamentos do Direito, impõe-se de per si a necessidade de estudo de Ética, sobretudo quando se chega ao tema das relações e diferenças entre Moral e Direito. Como se vê, os estudos atuais sobre Ética

não ficaram confinados nos livros dedicados exclusivamente a ela.

Para dar apenas um exemplo, lembro que na referida obra Fundamentos do Direito, cuja primeira edição é de 1940, estudo a Ética kantista de Del Vecchio e a de Stammler, mostrando as diferenças entre eles. A seguir, analiso a Ética positivista dos sociologistas, como é o caso de Duguit. A seguir, dedico minha atenção à Ética fundada nos valores, ou seja, na Axiologia etc.

Não é possível olvidar estudos dessa natureza quando se pretende saber se no Brasil a Ética é efetivamente ausente.

Permanecendo no estudo de minha posição, meu ponto de partida fundamental foi a de Max Scheler, com sua obra básica “Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik” (O Formalismo na Ética e uma Ética Material dos Valores, 1913-1916). Partindo dela foi que evoluí no sentido da Ética como momento essencial da cultura.

Minha posição ética se situa no culturalismo, a partir da idéia de pessoa. Não é demais lembrar esses pontos com base no que escrevi sobretudo em meus livros Filosofia do Direito e Introdução à Filosofia.

Falar em Ética é falar em intersubjetividade, entre correlação de formas de trabalho, como bem soube dizer Einstein em 1953: “Todos nós somos alimentados e obrigados pelo trabalho de outros homens e devemos pagar honestamente por ele, não apenas com o trabalho escolhido para nossa satisfação íntima, mas com o trabalho que, segundo a opinião geral, os sirva” (Albert Einstein: O Lado Humano. Rápidas visões colhidas de seus arquivos, de Helen Dukas e Banesh Hoffmann, trad. de Lucy de Lima Coimbra, Ed. UnB, 1984, pág. 48).

Há, assim, uma compreensão ética do trabalho que é, ao mesmo tempo, ética da cultura, entendendo-se aquele como fonte de vida em comunidade, dando-lhe o sentido e a medida.

Não se pense que nesse tópico Einstein empregue o advérbio “honestamente” sem lhe dar todo o peso de seu significado, pois de outras afirmações deixadas pelo autor da teoria geral da relatividade resulta a sua compreensão moral do trabalho, não em termos de produtividade (campo em que capitalistas e comunistas se encontram, embora sob diversas óticas), mas em termos de serviço devido à comunidade. Nessa compreensão ética do trabalho, entendido como fonte de cultura e, por conseguinte, de deveres para com a comunidade, se insere também um novo entendimento da pedagogia e do “direito à educação”.

Como temos tantas vezes afirmado, a Moral como expressão normativa dos valores da subjetividade é a fonte primordial de toda vida ética, sendo, concomitantemente, o seu ponto culminante. Em nenhuma parte da Filosofia, mais do que nesta, as distinções de caráter didático albergam tamanho risco de comprometer a unidade essencial do tema, levando a divorciar o valor moral como revelação do espírito na autoconsciência de sua autonomia, dos campos de ação em que esse poder criador ou nomotético se desenvolve, dando nascimento às “formas éticas” de vida, que são tanto as costumeiras como as jurídicas ou as políticas.

A eticidade da cultura se revela, pois, sob vários enfoques. Em primeiro lugar, toda e qualquer objetivação do espírito (entendido o termo “objetivação” em sua acepção mais ampla, quer como ato de perceber ou pensar objetos, quer como ato de realizar objetos e objetivos) pressupõe uma relação entre um “eu” e “outro eu”, ou seja, a “intersubjetividade”. Desse modo, na raiz de toda instauração de um bem de cultura há uma relação inter homines, que exige a formulação de uma norma ou medida que atribua a cada um o que é seu.

Eis aí como se coloca a concepção da Ética no culturalismo, de modo a se poder falar em Ética da Cultura. Pode-se discordar dessa compreensão da matéria, mas não é possível ignorá-la quando se pretende saber se inexiste no País trabalho específico sobre Ética.

“NãO hÁ DúvIDA DE qUE INExISTEm, NO bRASIL,

mONOGRAFIAS OU mANUAIS ESPECíFICOS

SObRE A éTICA OU A mORAL, NãO ObSTANTE

SE RECONhEÇA UNIvERSALmENTE

A FUNDAmENTAL ImPORTâNCIA DE AmbAS NO PLANO

FILOSóFICO.”

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PARADOxO AMbIENTAL Jerson Kelman

Diretor-Geral da Aneel

“NãO hÁ SOLUÇãO mÁGICA PARA SE ObTER ENERGIA bARATA E CEm POR CENTO LImPA. A bUSCA DESSA UTóPICA ALTERNATIvA TEm PARALISADO AS DECISõES E CAUSADO Um

CUSTO ECONômICO E AmbIENTAL mUITO ELEvADO.”

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O licenciamento ambiental de novas usinas hidráulicas tem ocorrido em doses homeopáticas, a despeito dos esforços dos ministérios de Minas e Energia e do

Meio Ambiente. Depois de muito empenho, foi possível disponibilizar, para o leilão realizado em dezembro de 2005, apenas nove empreendimentos, quando a meta original era 17. E para piorar a situação, a Justiça concedeu duas liminares na última hora, restando para o leilão apenas sete locais aptos a sediar a construção de novas usinas.

O rigor ambiental dos órgãos licenciadores, do Ministério Público e da Justiça, bem como os interesses específicos contemplados na legislação, têm provocado um paradoxo ambiental: é burocraticamente mais simples produzir energia elétrica no Brasil queimando derivados de petróleo ou carvão, que contribuem para o efeito estufa, do que utilizando água. Isso porque tem sido mais fácil conseguir licença ambiental e menos provável a ocorrência de entraves jurídicos para uma usina térmica do que para uma hidráulica, e, adicionalmente, as usinas a carvão competem em condições muito favoráveis, como se não existisse o custo de extração do carvão (na realidade esse custo é rateado entre os consumidores).

O paradoxo pode ser observado no referido leilão: as usinas hidráulicas venderam 47% da energia total (265 milhões de MWh) para contratos de 30 anos ao preço médio de R$ 114,23 por MWh, e as usinas térmicas, 53% (299 milhões de MWh) para contratos de 15 anos ao preço médio de R$ 123,80. Isso num país que utilizou menos de 30% de seu potencial hidráulico, enquanto na Europa e nos Estados Unidos já foram utilizados mais de 70%.

Não se trata de defender uma matriz de energia elétrica baseada cem por cento em fonte hídrica. Não seria prudente “colocar todos os ovos numa mesma cesta’’. Por outro lado, poucos especialistas, tanto em energia como em meio ambiente, defenderiam a repartição observada no leilão (47% versus 53%). Se o resultado tivesse sido mais compatível com a experiência brasileira, por exemplo, 80% versus 20%, o consumidor teria economizado, ao longo dos anos, cerca de R$ 1,8 bilhão. O suficiente, por exemplo, para construir cem mil casas populares. Além disso, deixariam de ser lançados na atmosfera, a cada ano, cerca de 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

As liminares que retiraram os empreendimentos de Dardanelos (MT) e Mauá (PR) do leilão causaram, sob o ponto de vista econômico, um prejuízo aos consumidores de energia, ricos e pobres, equivalente ao pagamento à vista, em dezembro de 2005, respectivamente, de R$ 82 milhões e de R$ 108 milhões (adotando taxa anual de desconto de 6%). Os juízes que concedem liminares dessa natureza são em geral bombardeados com informações e argumentos daqueles que se opõem às obras porque não aceitam a agressão ao meio ambiente ou porque se solidarizam com os membros da comunidade que teriam que mudar de domicílio, e às vezes de profissão, para viabilizar o enchimento do reservatório.

Trata-se de legítimos interesses de natureza local que devem

“é bUROCRATICAmENTE mAIS SImPLES PRODUzIR

ENERGIA ELéTRICA NO bRASIL qUEImANDO DERIvADOS DE PETRóLEO OU CARvãO, qUE CONTRIbUEm PARA O EFEITO ESTUFA, DO qUE UTILIzANDO

ÁGUA.”ser considerados e respeitados. Há, no entanto, dois outros aspectos de natureza global que têm sido freqüentemente ignorados: primeiro, o direito de a grande maioria silenciosa de consumidores brasileiros em ter energia mais barata possível e, segundo, o direito de uma maioria ainda mais abrangente, formada por toda a humanidade, em ter a atmosfera limpa e livre do efeito estufa.

Não há solução mágica para se obter energia barata e cem por cento limpa. A busca dessa utópica alternativa tem paralisado as decisões e causado um custo econômico e ambiental muito elevado. É preciso que a sociedade exija do Executivo, Legislativo e Judiciário uma visão que equilibre o interesse local, que tende a se opor a novas usinas hidráulicas, com o global, que tende a defendê-las. Essa visão é pré-requisito para a tomada de decisões que conciliem meio ambiente, crescimento econômico e justiça social.

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A RETOmADA DO PLANEJAmENTO NO SETOR ELÉTRICO

Presidente da Eletrobrás Aloisio vasconcelos

N os últimos tempos, a palavra racionamento não tem saído das bocas dos pessimistas de plantão. A história de que o país não terá energia suficiente para bancar o crescimento

da economia vem sendo repetida, de forma exaustiva, por alguns agentes do setor elétrico. É claro que, como todos que não desejam ver mais uma vez interrompido, como em 2001, o nosso desenvolvimento social e econômico – estimado em aproximadamente 4% nos próximos anos – nos preocupamos com o abastecimento de energia elétrica. Esse é um ponto fundamental. Porém, o cenário atual é completamente diferente daquele que experimentamos há quatro anos. Hoje, temos o governo federal novamente com as rédeas da área energética, atitude traduzida principalmente pela existência de um planejamento que o setor deixou de ter durante os oito anos do governo anterior.

Atualmente, é difícil imaginar que possamos ter um outro racionamento. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) está subsidiando o Ministério de Minas e Energia (MME) com dados e informações para o desenvolvimento do setor e a integração das fontes da nossa matriz energética. O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) vem acompanhando as condições de atendimento e está de olho no equilíbrio entre a oferta e a demanda. E vários outros organismos, como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), estão trabalhando para afastar este risco. Mas não era muito complicado, em 2001, constatar que o país poderia passar por uma grave crise de energia, como de fato ocorreu. Naquela época, não existia um planejamento das atividades do setor energético.

O Grupo Eletrobrás teve sob sua responsabilidade, até 1999, o planejamento da expansão do setor. A empresa executou com sucesso esta tarefa por meio do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos, conhecido como GCPS. Com a decisão da privatização de suas controladas, o Sistema Eletrobrás foi enfraquecido. Na época, dizia-se que a esfera federal voltaria a assumir sua responsabilidade de elaborar os planejamentos indicativos da expansão da geração e os planejamentos determinativos de algumas obras de transmissão.

Mas as coisas não funcionaram assim. À beira do racionamento de energia, o setor teve que lidar com um comitê que raramente se reunia, além de um governo que apenas indicava, sem determinar a seqüência de projetos necessários para garantir o crescimento da demanda, e não definia os agentes responsáveis por sua implantação. O planejamento energético acabou sendo direcionado aos agentes de mercado e as empresas do Grupo Eletrobrás acabaram relegadas a um segundo plano, sendo proibidas de desempenhar suas funções de indução do desenvolvimento do setor elétrico.

Hoje, como o principal agente do governo no setor elétrico, o Grupo Eletrobrás retomou sua posição de investidor, não sendo obrigado a bancar empreendimentos dos segmentos de geração e transmissão que, de acordo com suas estratégias, não trouxerem uma taxa de retorno adequada. No último leilão de transmissão, arrematamos, sozinhos e/ou em consórcio, três lotes de linhas de transmissão, num total de 1.018 km de extensão e investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhão. Apesar das previsões contrárias, o Grupo Eletrobrás também pôde compartilhar do sucesso de leilão de energia nova, realizado em 16 de dezembro passado. As empresas do

“APESAR DAS PREvISõES CONTRÁRIAS, O GRUPO

ELETRObRÁS TAmbém PôDE COmPARTILhAR DO SUCESSO

DE LEILãO DE ENERGIA NOvA, REALIzADO Em 16 DE

DEzEmbRO PASSADO.”

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O Brasil sofreu uma crise de energia elétrica entre os anos de 2001 e 2002. O racionamento durou nove meses e o seu fim foi comemorado pela população, embora o preço pago pelos problemas energéticos tenha sido salgado. As empresas cobraram compensações pela queda no faturamento em 2001, justamente porque a população poupou energia e reduziu o valor das contas de luz, principal fonte de receita das companhias.

O presidente da Eletrobrás, Aluízio Vasconcelos, revela que atualmente “é difícil imaginar que possamos ter um outro racionamento porque o cenário atual é completamente diferente daquele que experimentamos há quatro anos”.

Naquela ocasião o governo tomou as seguintes medidas com relação ao programa de racionamento de energia:

16 de maio de 2001 O governo federal divulga pacote de medidas que entra em vigor imediatamente . Proíbe o fornecimento de energia para iluminação de jogos de qualquer modalidade esportiva, de fachadas de prédios públicos, monumentos, chafarizes e propagandas luminosas, assim como shows, circos e parques de diversão. O painel luminoso do Conjunto Nacional foi apagado. . Determina que as concessionárias de energia diminuam a iluminação pública nas ruas, avenidas, praças e estradas em 35%.

. Decide que shows, circos e parques de diversão que recebiam energia provisória têm que usar geradores próprios. . Proíbe novas ligações de empresas ao sistema de fornecimento de energia. Só valem os contratos já existentes. 1º de junho Começa a economia de energia para, indústrias — metas de 15% a 25% —, empresas estatais (até 35%) e serviço público (35%). 4 de junho Começa o racionamento de 20% nas residências e no comércio. 22 de novembro O coordenador da Câmara de Gestão da Crise de Energia, Pedro Parente, reduz a meta residencial de 20% para 7% nas cidades turísticas do Centro-Oeste e Sudeste, 12% no Nordeste, e 5% no Norte. Todas as capitais foram incluídas na medida que entrou em vigor em dezembro. 15 de janeiro de 2002 Parente decide liberar a iluminação pública do racionamento. A medida entrou em vigor no último dia 24. Fevereiro O governo anuncia, no dia 19, a data do fim do racionamento.

A CriSE DE ENErGiA DE 2001

Grupo conseguiram cumprir o papel de garantidora do abastecimento de energia, obtendo a concessão das usinas Simplício, Paulistas e Passo São João. Em parceria com a Neoenergia e a Cemig, a Eletrobrás também irá construir a usina de Baguari.

Agora, as nossas controladas se preparam para buscar

recursos para o andamento das obras, que irão gerar mais de 600 MW de energia nova. Temos certeza que, em 2006 e nos anos futuros, nossas empresas, em parceria com a iniciativa privada, e comandadas por um ministério forte e atuante, irão garantir a energia para o desenvolvimento sólido do setor elétrico e para o crescimento tranqüilo do país.

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A Região Amazônica Brasileira é a maior reserva mundial de floresta tropical úmida. Esta condição faz com que o Brasil detenha riquezas estratégicas na atual economia globalizada: minerais, madeira, biodiversidade, condições

de lazer especiais, sem contar o mineral talvez mais precioso no século XXI que é a água, hoje definida como recurso hídrico.

Se considerarmos que dispõe ela de 8% da reserva hídrica mundial, vamos perceber que, em nível mundial, alcança a importância anteriormente referida. Em nível local, uma malha hidroviária que permite o desenvolvimento da Amazônia utilizando o transporte mais barato que existe. Os recursos hídricos amazônicos ainda permitem aproveitamento energético de grande significado pelas vazões existentes da ordem de milhares de metros cúbicos por segundo. Sem futurologia é possível vislumbrar a exportação de água para outras áreas áridas do mundo num cenário que se desenha próximo.

Vale salientar que o Presidente da República ao sancionar a

A ImPORTâNCIA DA REGIÃO AMAZÔNICA

membro do Conselho Editorialbernardo Cabral

“SEm FUTUROLOGIA é POSSívEL vISLUmbRAR A

ExPORTAÇãO DE ÁGUA PARA OUTRAS

ÁREAS ÁRIDAS DO mUNDO NUm CENÁRIO

qUE SE DESENhA PRóxImO.”

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Lei nº 9433, de 1997, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabelece o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e a Lei nº 9984 de 2000, que cria a Agência Nacional de Águas – ANA, institucionalizou a participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e nos Comitês de Bacias Hidrográficas, resultando daí a absoluta necessidade da população participar dos benefícios e das decisões da administração da água no país. Basta lembrar que o Código de Águas de 1934 não pode ser aplicado na sua plenitude por falta dos mecanismos hoje existentes.

Destaco, nesse passo, a importância dos recursos hídricos da Região Amazônica no relacionamento entre as nações sul americanas, iniciativa do Brasil, através da visão do chanceler Azeredo da Silveira, quando, em 1978, foi firmado o Tratado de Cooperação Amazônica – TCA, com os Países Amazônicos (Guiana, Suriname, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil e Guiana Francesa) com o nítido objetivo de alcançar o desenvolvimento sustentável da Região. Importante salientar que esse Tratado foi considerado exemplar no Seminário sobre Diplomacia Ambiental realizado em 1982, na Irlanda, promovido pelas Nações Unidas. Daí se pode afirmar que o bom gerenciamento dos recursos hídricos representará a sustentabilidade da região, naturalmente passando pela gestão do uso do solo.

Ora, a atuação brasileira nas Comissões dos países do Tratado de Cooperação Amazônica, permitiu que o Brasil assumisse a liderança do processo, tendo iniciado a parte prática do Tratado com a realização do I Seminário Internacional de Hidrologia e Climatologia da Região Amazônica, em julho de 1984, em Manaus.

A partir daí, ficou patente que o uso dos recursos hídricos da Região Amazônica para a geração de energia passou a contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população e das economias locais, eis que sem energia não há condições de desenvolvimento, não se podendo perder de vista, por outro lado, que a utilização de energia deve ser efetivada com baixos impactos ambientais negativos, eis que a região é muito sensível, sob o ponto de vista ecológico.

Por essa razão, prevenir é menos dispendioso que remediar, além de mais inteligente, o que torna fundamental que cada vez mais sejam conhecidos os nossos fenômenos hidrológicos, a fim de que se possa desenvolver tecnologia adequada à nossa realidade.

Por fim, impende colocar em relevo que o desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos está atrelado ao da região, razão pela qual a responsabilidade da Agência Nacional de Águas é grande em termos de sustentabilidade da região. Todavia, não será difícil de se alcançar o objetivo desejado se funcionarem regularmente os Comitês de Bacia, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e, sobretudo, a consciência pela população da riqueza de que dispõe a Amazônia.

A hora é esta: a importância da região amazônica não pode ser adiada.

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Agora que o Governo resolveu oficializar o desmembramento da Amazônia, oferecendo terra sagrada a quem “pagar mais”, temos que voltar ao assunto, e com urgência. Para isso,

nada melhor do que lembrar, repetir e republicar o que alguns bravos militares que conhecem a Amazônia a fundo falaram, escreveram, protestaram revoltados.

Peço que se leia com atenção o que o Coronel Figueiredo lembrou na ABI, mostrando como o mundo inteiro está esperando ganhar o Prêmio Nobel da Cobiça com o nosso território. E nós, ouvindo calados, com exceção de algumas vozes.

A DISPLICêNCIA E ImPRUDêNCIA NO bRASILA Amazônia cobiçada (de fora) totalmente abandonada (de dentro)

Jornalistahélio Fernandes

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1981“A Amazônia é um patrimônio da humanidade. A posse

desse imenso território pelo Brasil, Venezuela, Peru, Colômbia e Equador é meramente circunstancial”.

Conselho Mundial das Igrejas Cristãs

1983“Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas

dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios, suas fábricas”.

Margareth Thatcher, ex-primeira-ministra da Grã-Bretanha

1989“Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia

não é deles, mas de todos nós”.Albert (AL) Gore, ex-vice-presidente dos Estados

Unidos.“ O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a

Amazônia”.François Mitterrand, ex-presidente da França

1992“As nações desenvolvidas devem estender o domínio

dali ao que é comum de todos no mundo. As campanhas ecológicas internacionais sobre a região amazônica estão deixando a fase propagandística para dar início imediato a uma fase operativa que pode definitivamente ensejar intervenções militares diretas sobre a região”.

John Major, ex-primeiro-ministro da Grã Bretanha.

1994 “Os países industrializados não poderão viver da maneira

como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não renováveis do planeta. Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidos de consecução de seus intentos”.

Henry Kissinger, ex-secretário de Estado dos E.U.A.

1996 “Atualmente avançamos em um ampla gama de

políticas, negociações e tratados de colaboração com programas das Nações Unidas, diplomacia bilateral e regional de distribuição de ajuda humanitária aos países necessitados e crescente participação da CIA em atividades de inteligência ambiental”.

Madeleine Albright, ex-secretária de Estado dos E.U.A.

1998 “ Caso o Brasil resolva fazer um uso da Amazônia que ponha

em risco o meio ambiente dos Estados Unidos, temos de estar prontos para interromper este processo imediatamente”.

General Patrick Hugles, Che do Orgão Central de Informações das Forças Armadas dos E.U.A.

2005“ A Amazônia e as outras florestas tropicais do planeta

deveriam ser consideradas bens públicos mundiais e submetidas à gestão coletiva, ou seja, gestão de comunidades internacionais”.

Pascal Lamy, comissário da União Européias na Organização das Nações Unidas

Tudo que está publicado foi dito com bravura e competência pelo Coronel Figueiredo na ABI. Não pedi autorização a ele, ao jornalista Mauricio Azedo, nem a ninguém, porque a luta não é individual e sim coletiva. Só com esforço redobrado, triplicado e atento podemos sair vitoriosos.

Não custa repetir Charles Dickens em 1911: “Sou antiimperialista e apaixonado pela paz. Mas irei à guerra se invadirem o meu país”.

“(...) A LUTA NãO é INDIvIDUAL E SIm COLETIvA. Só COm ESFORÇO

REDObRADO, TRIPLICADO E ATENTO PODEmOS SAIR vITORIOSOS.”

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C umprindo os desígnios do art. 230 da Constituição Federal, a Lei Federal nº 10.741 de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso) estabeleceu absoluta prioridade à pessoa idosa, no que se refere à

“efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (art. 3º, caput), representando, assim, uma importante conquista democrática, vindo ao encontro dos anseios populares por uma sociedade brasileira mais justa e fraterna.

Dentre os inúmeros direitos fundamentais e sociais consagrados no Estatuto do Idoso, merece destaque aquele

ESTATUTO DO IDOSOA Gratuidade nos transportes públicos do município

do Rio de Janeiro e a Lei Federal nº 10.741/2003

contido em seu art. 39, §1º, que reafirma o mencionado no §2º do citado art. 230 da Constituição Federal, regulamentando a aquisição do benefício assistencial da gratuidade nos transportes públicos por indivíduos com mais de sessenta e cinco anos.

É esse, exatamente, o tema sobre o qual se debruça o presente artigo, que tem por escopo traçar breves comentários acerca da controversa influência desse novo diploma legal sobre o sistema de bilhetagem eletrônica instituído no Município do Rio de Janeiro através da Lei nº 3.167 de 27 de dezembro de 2000, regulamentado pelo Decreto nº 19.936 de 22 de maio de 2001 (versando, ambos, sobre as gratuidades estatuídas no art. 401 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro).

Advogadomarcus vinícius de Albuquerque Portella

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Tal referenciada controvérsia gira em torno da forma de acesso ao benefício de isenção tarifária para usuários idosos que, pela dicção do §1º do art. 39 do Estatuto do Idoso, necessitam simplesmente apresentar “qualquer documento pessoal que faça prova de sua idade”, como o documento de identificação civil, enquanto a legislação municipal exige a apresentação do cartão magnético denominado Rio Card para o exercício das gratuidades em âmbito local, inclusive para os maiores de sessenta e cinco anos (art. 12 da Lei nº 3.167/2000 e art. 6º do Decreto nº 19.936/2001).

Esse aparente conflito entre normas (federal e municipal), no entanto, não resiste a uma análise mais detida acerca da competência legislativa dos entes da Federação envolvidos, sendo certo que a melhor interpretação ruma no sentido da coexistência entre ambas, sem atrair a conclusão de que a legislação municipal estaria derrogada, ou que a lei federal comportaria dispositivos inconstitucionais. É o que se passa a expor.

Em primeiro lugar, deve-se rechaçar a idéia de hierarquia entre normas federais e municipais pois que uma norma não sobrepuja a outra, tendo cada qual o seu escopo e limite de eficácia determinado pela competência legislativa, fixada em sede constitucional, e que tem por finalidade precípua promover a harmonia entre os entes políticos, inseridos em um modelo federalista como o brasileiro.

No caso da gratuidade em transportes públicos no Município do Rio de Janeiro, a Lei nº 3.167/2000 e o Decreto nº 19.936/2001 foram editados com lastro nos arts. 24, §1º e 30, inciso II e V da Constituição Federal, que fixam a competência legislativa da municipalidade para organizar os serviços públicos que executa, notadamente os de caráter essencial (per si, ou em regime de concessão/permissão).

À União, cabe tão-somente a edição de normas gerais sobre transportes e assistência social (gratuidade), sendo-lhe vedado imiscuir-se em questões operacionais locais, descendo a pormenores quanto à forma de acesso gratuito nos transportes públicos de passageiros em âmbito municipal.

Ou seja, é do legislativo municipal o papel de estabelecer as formas e critérios operacionais para o exercício da isenção tarifária no transporte público local, dentre os quais para as pessoas idosas, desde que atendidos os desideratos constitucionais e, agora, a orientação (genérica) estabelecida na Lei nº 10.741/2003.

Nesse ponto, torna-se assaz relevante consignar o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto julga por norma geral, ressaltando que se trata de um “conceito ainda em construção”. Para o mestre administrativista, norma geral seria uma categoria nomológica que, na experiência federalista, é deferida à União para “legislar em nível de maior abstração e generalidade sobre os mesmos assuntos sobre os quais também atribui aos Estados (e o Distrito Federal) competência para legislar em nível de maior concreção e particularização”.

Ou seja, norma geral é o lineamento fundamental acerca

de determinada matéria, responsável por conferir-lhe plano, orientação e estrutura, vinculando, nesse aspecto, todos os entes federativos, sendo-lhe vedado, no entanto, pormenorizar a matéria, eis que se trata do campo de atuação das normas provenientes do legislativo estadual, municipal e distrital.

Alice Gonzales Borges, em pertinente comentário acerca do papel da norma geral no plano legislativo de um Estado, reforça a conclusão de que a sua ocorrência vincula-se à “especial sistemática de um Estado Federativo, onde as ordens federadas guardam uma relativa autonomia normativa”.

Portanto, chega-se à conclusão de que a norma geral só têm razão de existir quando a Constituição Federal estabelecer uma competência legislativa concorrente limitada, ficando responsável pelo papel de conferir lógica sistemática entre as normas relacionadas a uma determinada matéria. Estaria ela, a norma geral, mais próxima do conceito de princípios, cumprindo uma função construtiva e conectiva sem, no entanto, negar-se a existência de uma eficácia própria, plena, mormente quando o ente federativo, responsável pela edição da norma mais específica, omitir-se, quedar-se inerte.

À toda evidência, não é essa a hipótese, haja vista que, antes mesmo da promulgação da Lei Federal nº 10.741/2003, norma geral no que concerne ao direito assistencial da gratuidade no transporte público (entre outros pontos), o Município do Rio de Janeiro já havia editado a Lei nº 3.167/2000 e o Decreto nº 19.936/2001.

Em realidade, não é possível classificar o Estatuto do Idoso, integralmente, como uma norma geral, já que a determinados dispositivos descerem a detalhes e minúcias incompatíveis com a generalidade exigida por essa modalidade normativa.

Esse é exatamente o caso do §1º do a seu art. 39, que regula a forma de aquisição e exercício da gratuidade nos transportes públicos por usuários maiores de sessenta e cinco anos, mediante a simples apresentação de documento de identificação civil. Obviamente, tal regra não representa uma orientação geral, nem ao menos contribui para a coerência da matéria assistência social à pessoa idosa. Trata-se de mero

(...) é DO LEGISLATIvO mUNICIPAL O PAPEL DE

ESTAbELECER AS FORmAS E CRITéRIOS OPERACIONAIS

PARA O ExERCíCIO DA ISENÇãO TARIFÁRIA NO

TRANSPORTE PúbLICO LOCAL, DENTRE OS qUAIS PARA AS PESSOAS IDOSAS (...)

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detalhe operacional, podendo variar de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade local (município).

Sendo assim, dada a natureza específica da norma, uma vez que não pode ser imposta aos demais entes federativos, sob pena de infringência dos já mencionados arts. 24, §1º e 30, II e V da Constituição Federal (e, por conseguinte, do pacto federativo), a sua aplicabilidade fica restrita aos serviços públicos de transporte prestados pela União, isto é, apenas as linhas interestaduais e internacionais.

Em segundo lugar, vale destacar que o Estatuto do Idoso só pode ser classificado como lei federal, vinculando-se apenas à esfera deste ente da Federação (em contraposição às leis nacionais, que a todos os entes federativos vincula, de maneira integral), estejamos tratando de suas normas genéricas (norteadoras da atividade legislativa municipal e estadual), ou das normas com conteúdo mais específico (direcionadas à aplicação em âmbito federal).

Esta distinção, entre lei nacional e lei federal, foi criada pela doutrina do direito tributário, conforme registra Miguel Reale Júnior no parecer datado de 29 de julho de 2005, no qual foram abordados inúmeros pontos controvertidos da Lei Federal nº 10.741/2003.

Para o ilustre jurista, “a Lei Nacional constitui categoria jurídico-positiva muito mais ampla do que a lei federal, vigorando em todo o território nacional, vinculando todos os sujeitos à sua soberania, sejam quais forem as qualidades outras das pessoas que não a de súditos do Estado Brasileiro, enquanto essa – a Lei Federal – é apenas a editada no campo próprio da União, similarmente àquelas que, por editadas nos campos próprios dos Estados e dos Municípios, se dizem, respectivamente, leis estaduais e leis municipais. O que ocorre é uma distinção no âmbito de incidência de cada uma das espécies legislativas citadas e não nos níveis hierárquicos, uma vez que não há ‘hierarquia’ entre,

v.g., leis federais e leis estaduais. Verifica-se somente diversidade no campo da aplicabilidade da norma.”.

Como se vê, de maneira alguma poderá a Lei nº 10.741/2003 ser confundida com o que a doutrina denomina por lei nacional, que tem como exemplo o Código Civil e Processual Civil, com eficácia plena para todo território nacional e cumprimento obrigatório pelos demais entes da federação (estados, municípios e Distrito Federal).

Sob esse prisma, portanto, nota-se que o Estatuto do Idoso foi editado com dupla eficácia: atua como norma geral quando se trata daquelas normas com elevada abstração, com evidente função delineadora de um sistema, norteadora do legislador municipal, estadual e Distrital; mas é também lei federal quando se tratam daquelas normas de caráter mais específico (com maior detalhamento, procedimentais, p.e.).

Dessa forma, a teor da legislação federal e municipal, conclui-se que a apresentação do cartão Rio Card é requisito imprescindível para o exercício, por parte das pessoas idosas, da gratuidade nos transportes públicos de passageiros estabelecida no âmbito do Município do Rio de Janeiro.

Não se trata de medida discriminatória, como poderiam alegar alguns. Muito pelo contrário, na medida em que o acesso gratuito por parte dos beneficiários da isenção tarifária, em todas as modalidades (não só os idosos, mas também estudantes, deficientes físicos e doentes crônicos), dá-se exatamente da mesma forma – mediante a apresentação do cartão magnético Rio Card, cuja expedição é gratuita, por força de lei.

De igual sorte, não há que se cogitar de mácula ao princípio constitucional da isonomia, quer na sua feição formal, quer na sua conformação material, como bem leciona Maximino Gonçalves Fontes Neto, em seu valioso trabalho acerca da Lei nº 10.741/2003, que em muito se apoia o presente artigo: “Realmente, o direito à gratuidade independe de instrumento, pois a sua fonte formal é a lei em exame.

“é NOTóRIO, INCLUSIvE, qUE O ADvENTO DO RIO CARD vEm COmbATENDO, COm ENORmE SUCESSO, A bURLA AO SISTEmA DE

GRATUIDADES, FATO CORRIqUEIRO qUANDO DA UTILIzAÇãO DO JÁ ObSOLETO vALE TRANSPORTE.”

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No entanto, haverá situações, como ocorre na bilhetagem eletrônica, em que se tornará indispensável portar cartão magnético para ultrapassar o obstáculo da catraca, como ocorre com todos os usuários pagantes e também com os demais beneficiários de gratuidades. Aqui, portanto, não há qualquer discriminação, pois todos os usuários – pagantes e não pagantes – se submetem ao mesmo mecanismo, sendo pois todos tratados, materialmente, de forma igual.”.

Dessa forma, sem estar de posse do referido cartão, mesmo que o usuário comprove ser detentor do direito à isenção de tarifa (através de documentação civil), ao menos no âmbito do Município do Rio de Janeiro, não poderá ele ingressar gratuitamente em transportes coletivos, a rigor do art. 12 da Lei nº 3.167/2000 e do art. 6º do Decreto nº 19.936/2001, ambos, como se viu, com eficácia plena e respaldada na Constituição Federal.

Pois bem, através do presente trabalho, procurou-se dissipar a idéia de revogação (ou mesmo de derrogação) da legislação municipal em que se respalda a bilhetagem eletrônica no Município do Rio de Janeiro, em virtude do art. 39, §2º da recém promulgada Lei Federal nº 10.741/2003, que instituiu o Estatuto do Idoso, mostrando que ambas devem coexistir, com plena eficácia, e que o conflito aparente resolve-se através da repartição de competências legislativas, matéria esta com sede constitucional.

Ao tentar fazer valer, nos transportes municipais, a norma contida no art. 39, §2º da Lei nº 10.741/2003 (ingresso gratuito mediante a simples apresentação de carteira de identificação), aí mesmo é que se promoverá tratamento anti-isonômico, haja vista o retorno daquela situação constrangedora de acesso pela porta de saída e permanência em assentos segregados durante a viagem.

Vale mencionar, por derradeiro, que a bilhetagem eletrônica promoveu uma efetiva melhoria no que se refere à comodidade dos seus usuários, notadamente os beneficiários

de gratuidades (sobretudo os idosos), que muitas vezes sentiam-se constrangidos por serem obrigados a ingressar pela porta de saída, ou terem que viajar em bancos dispostos antes da roleta, segregados do resto dos passageiros. É notório, inclusive, que o advento do Rio Card vem combatendo, com enorme sucesso, a burla ao sistema de gratuidades, fato corriqueiro quando da utilização do já obsoleto vale transporte.

Houve, portanto, um incremento de eficiência na tutela do interesse coletivo, mediante a integração tarifária entre os modais rodoviário, ferroviário, metroviário e aquaviário; o cadastramento dos usuários beneficiários e o acompanhamento estatístico do impacto contábil das isenções, permitindo, com isso, uma criteriosa fixação tarifária que a todos os usuários pagantes irá aproveitar, tudo isso apoiado na mencionada legislação municipal (Lei nº 3.167/2000 e Decreto nº 19.936/2001).

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Edição, Malheiros, São Paulo: 1997.

bIbLIOGRAFIA

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Até meados do Século XX, as atividades bancárias resumiam-se a operações de depósitos e de empréstimo – outros produtos e serviços quase inexistiam – e o Brasil adotava o modelo bancário

europeu, trazido pelo governo imperial.Em 1945, devido as grandes transformações

provocadas pela euforia do pós-guerra, o sistema bancário no Brasil, ainda que de forma incipiente, começou a

DA INTERvENÇãO E LIqUIDAÇãO ExTRAJUDICIAL “pOR EXTENSÃO”

evoluir e foi criada a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), com a finalidade de exercer o controle monetário e preparar a organização de um banco central no país. Cabia à SUMOC a responsabilidade de fixar os percentuais de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, as taxas de redesconto e da assistência financeira de liquidez, bem como os juros sobre os depósitos bancários. Além disso, supervisionava a atuação das instituições

Advogado.membro da Academia brasileira de

Direito Processual Civil.

Fernando Orotavo Neto

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financeiras, orientava a política cambial e representava o País junto a organismos internacionais.

Somente em 31 de dezembro de 1964, com o advento da promulgação da Lei de Reforma Bancária (Lei nº 4.595/64), é que foi criado o Conselho Monetário Nacional, em substituição à SUMOC (art. 2º), e o Banco Central do Brasil (art. 1º, I). E somente um ano após, em 1965, 20 anos depois da criação da SUMOC, foi promulgada a Lei nº 4.728, visando a disciplinar o mercado de capitais e estabelecer medidas para o seu desenvolvimento.

Essas leis, que vigem até hoje, foram as grandes responsáveis pela reforma estrutural por que passou o sistema bancário brasileiro, assim como pelo relevo e importância que as instituições financeiras assumiram no cenário econômico nacional. Para exemplificar essa situação, basta dizer que, além da tradicional função de prestador de serviço, com o desenvolvimento do sistema financeiro nacional, já na década de 60, o Governo passou a utilizar a estrutura operacional dos bancos para arrecadação de impostos, taxas de serviços e pagamentos de benefícios, substituindo, naturalmente, as coletorias e postos de recebimento, que consumiam vultosos recursos públicos. Fazendo as vezes de intermediário entre o órgão público e o contribuinte os bancos contribuíram para minorar, tremendamente, o alto custo social do vetusto sistema de arrecadação oficial.

Constituído pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S/A, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, e pelas demais instituições financeiras públicas e privadas, pode-se conceituar o Sistema Financeiro Nacional como “o conjunto de instituições que se dedicam, de alguma forma, ao trabalho de propiciar condições satisfatórias para a manutenção de um fluxo de recursos entre poupadores e investidores” (Eduardo Fortuna, Mercado de Capitais – Produtos e Serviços, Qualitymark, 2001, pág. 17); sendo o mercado financeiro e de capitais – onde se processam as operações financeiras - o seu elemento dinâmico, pois é nele e através dele que o poupador, investidor, pessoa física ou jurídica, ao aplicar seus recursos disponíveis, promove o milagroso processo de crescimento econômico, multiplicando a moeda, fomentando a produção e gerando empregos.

Parte importante desse processo de desenvolvimento econômico – e não por outro motivo – a lei 4.595/64, no seu art. 17, caput, não se furtou a definir e caracterizar as instituições financeiras, em razão da atividade que exercem, equiparando à elas, no seu parágrafo único, para efeito da legislação vigorante, as pessoas físicas que exerçam as mesmas atividades, de forma permanente ou eventual:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas físicas e jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

A lei nº 4.595/64 também não se esqueceu de incluir no rol das instituições financeiras as sociedades que praticam atividade assemelhada ou relacionada, como se infere da atenta leitura do seu artigo 18, § 1º:

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º. Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento ou investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei, no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer outra forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Segundo o Manual de Normas e Instruções, preparado e editado pelo Banco Central do Brasil, o qual estabelece

“ART. 18. AS INSTITUIÇõES FINANCEIRAS

SOmENTE PODERãO FUNCIONAR NO PAíS

mEDIANTE PRévIA AUTORIzAÇãO DO bANCO

CENTRAL DO bRASIL OU DECRETO

DO PODER ExECUTIvO, qUANDO FOREm ESTRANGEIRAS.”

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as normas operacionais das instituições financeiras, pode-se elencar um extenso rol de instituições financeiras, a saber: Bancos Comerciais, Caixa Econômica, Bancos Cooperativos, Cooperativas de Crédito, Bancos Múltiplos, Bancos de Desenvolvimento, Bancos de Investimento, Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento – Financeiras, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, Agências de Fomento, Associações de Poupança e Empréstimo, Sociedades de Crédito Imobiliário, Companhias Hipotecárias, Sociedades Corretoras de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários – CCVM, Sociedades Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários – DTVM, Agentes Autônomos de Investimento, Seguradoras, Corretoras de Seguros, Entidades Abertas de Previdência Privada, Entidades Fechadas de Previdência Privada, Sociedades de Capitalização e Sociedades de Arrendamento Mercantil.

No intuito de colimar a realização do seu objeto, os bancos, principalmente, desempenham uma série de atividades negociais, chamadas operações bancárias, se exercidas em relação a seus clientes, e interbancárias, se realizadas em relação a outras instituições financeiras. Quando processadas no mercado financeiro – idéia dinâmica de Sistema Financeiro Nacional, como já se viu – essas operações são comumente chamadas de operações financeiras ou operações bancárias do tipo financeiro.

Todas essas operações, como ensina Nelson Abrão, “se caracterizam por terem conteúdo econômico e por serem praticadas em massa. O conteúdo econômico se revela pelo fato de promoverem a circulação de riqueza, estando nele ínsitos os elementos organização e habitualidade ou reiteração” (Direito Bancário, Saraiva, São Paulo, 2000, 6ª Edição, pág. 43).

A melhor doutrina classifica as operações bancárias em essenciais, ou fundamentais e acessórias. Na primeira categoria, os bancos efetuam operações de crédito (o depósito, o redesconto, a conta corrente, o empréstimo, o desconto, a

antecipação, a abertura de crédito etc), na segunda o banco presta serviço bancário a favor do público (serviços bancários em geral) e na terceira ele presta serviços conexos à atividade bancária (custódia de valores, o serviço de cofres de segurança, a cobrança de títulos, a prestação de informações etc).

Ouça-se a lição de Giuseppe Ferri (Manuale di Diritto Commerciale, Turim, 1971, p. 680): “A atividade atual dos bancos resulta de uma dúplice categoria de operações: aquelas essenciais à função que é própria dos bancos (exercício do crédito), e que consistem, de um lado, na coleta dos capitais junto aos poupadores (operações passivas) e, de outro lado, na distribuição de capitais (operações ativas); aquelas que consistem na prestação de determinados serviços (chamados serviços bancários) a favor do público e que, não obstante a notabilíssima relevância assumida na prática, econômica e juridicamente desempenham uma função apenas acessória e complementar”.

Em complemento, aduz Giacomo Molle (Contratti Bancari, Milão, 1973, págs. 24/25): “Devemos porém distinguir entre os contratos bancários aqueles que são típicos da empresa bancária e aqueles que tal não são, não obstante conexos com a atividade profissional dela (as chamadas operações acessórias). Vem, assim, a campo a distinção feita há tempo pela doutrina entre operações bancárias típicas e operações bancárias acessórias”.

No que tange, especificamente ao mercado de capitais brasileiro, várias são as operações financeiras que um banco ou instituição financeira pode efetuar no mercado bancário (relação instituição financeira-cliente) e interbancário (instituição financeira-instituição financeira), sendo oportuno destacar os seguintes produtos de captação que lastreiam as operações dessa espécie, dentre outros:

. No mercado interbancário: CDI (Certificado de Depósito Bancário); CDI-Reserva; Interbancário em Moeda Estrangeira – Dólar;

. No mercado bancário: CDB; RDB; CDB-Over; CDB-Rural; CDB com Taxa Flutuante; CD - Cédulas de Debêntures; LC - Letras de Câmbio; LH – Letras Hipotecárias; LI-Letras Imobiliárias; DRA-Depósito a Prazo de Reaplicação Automática; TDE – Títulos de Desenvolvimento Econômico; CCB-Cédula de Crédito Bancário; Título de Crédito Industrial ou Comercial; CH-Cédula Hipotecária; CD-Certificados de Depósito Cambial; Bônus/Eurobônus; Operações Compromissadas de 30 dias; Overgold; Mútuo de Ativos Financeiros (operações passivas) e Hot Money; Contas Garantidas/Cheques Especiais; Crédito Rotativo (CABCR); Descontos de Títulos (NP/Duplicatas; Financiamento de Tributos e Tarifas Públicas; Empréstimos para capital de giro; Contratos de Mútuo; Vendor Finance; Compror; Aluguel de Export Notes, Crédito Direto ao Consumidor – CDC; CDC com Interveniência – CDCI; Crédito Diretíssimo – CD; Crédito Automático por cheque; Operações de Penhor; Cessão de Créditos; Assunção de Dívida; Fundo de Aval; Garantias de Empréstimos (operações ativas).

Dadas a multiplicidade, peculiaridade e complexidade

“(...) OS bANCOS, PRINCIPALmENTE, DESEmPENhAm

UmA SéRIE DE ATIvIDADES NEGOCIAIS, ChAmADAS

OPERAÇõES bANCÁRIAS, SE ExERCIDAS Em RELAÇãO A SEUS CLIENTES, E INTERbANCÁRIAS, SE REALIzADAS Em RELAÇãO

A OUTRAS INSTITUIÇõES FINANCEIRAS.”

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dessas operações, que num mundo extremamente globalizado se realizam eletronicamente, por mero impulso no computador, afetando a uma grande gama de investidores privados e/ou institucionais indistintamente, tornando sobremaneira dinâmico e volatil o próprio mercado financeiro e de capitais, é que as instituições financeiras, em geral, bem como as pessoas físicas e jurídicas a ela equiparadas, estão sujeitas à fiscalização direta e indireta do Banco Central do Brasil, podendo a autarquia, inclusive, promover ingerência no domínio econômico, para nelas decretar a intervenção ou liquidação extrajudicial, com a finalidade de garantir e assegurar a estabilidade, liquidez e solvência do Sistema Financeiro Nacional, evitando o que se convencionou designar por risco sistêmico ou efeito dominó, sempre que se encontrarem presentes os pressupostos legais objetivos e subjetivos que autorizem a edição do correspondente ato administrativo (arts. 2º e 15 da Lei nº 6.024/74).

Esta ressalva é muito importante porque deixa claro que, tanto a intervenção como a liquidação extrajudicial, embora constituam regimes especiais (extraordinários) de administração compulsória, decretados e efetuados pelo Banco Central do Brasil (art. 1º da Lei nº 6.024/74), que conduzem à suspensão das atividades negociais da empresa, bem como à destituição de seus dirigentes, em verdade, são atos administrativos resultantes do poder vinculado da administração pública, conquanto nele se contenha parcela de discricionariedade, inerente a todo e qualquer ato administrativo.

Abra-se aqui um parêntese para deixar registrado que, enquanto por meio da intervenção extrajudicial, medida administrativa mais branda, se visa à retomada das atividades negociais da empresa, através de seu saneamento financeiro, a liquidação extrajudicial difere desta por constituir medida mais grave, que importa no afastamento definitivo da companhia do mercado financeiro e de capitais, mediante sua extinção pura ou mudança do seu objetivo social, para dele excluir as atividades próprias das instituições financeiras.

Exatamente porque a liquidação extrajudicial tem por finalidade “arrecadar o ativo patrimonial da empresa e pagar os seus credores” (e muitas vezes isso não é possível, haja vista a prévia transferência dos recursos que integravam o acervo dela para terceiras empresas, coligadas, formal ou informalmente) que o art. 51, parágrafo único da Lei nº 6.024/74, autoriza o Banco Central do Brasil a estender às pessoas jurídicas que com a instituição financeira mantinham vínculo de interesses ou integração de atividades, idêntico regime, tornando os seu administradores sujeito aos preceitos desta mesma lei. Confira-se o teor da norma:

Art. 51. Com o objetivo de preservar os interesses da poupança popular e a integridade do acervo das entidades submetidas a intervenção ou a liquidação extrajudicial, o Banco Central do Brasil poderá estabelecer idêntico regime para as pessoas jurídicas que com elas tenham integração de atividade ou vínculo de interesses, ficando os seus administradores sujeitos aos preceitos desta lei.

parágrafo Único. Verifica-se a integração de atividade ou vínculo de interesse, quando as pessoas jurídicas referidas neste artigo, forem devedoras da sociedade sob intervenção ou submetida à liquidação extrajudicial, ou quando seus sócios ou acionistas participarem do capital desta em importância superior a 10% (dez por cento) ou sejam cônjuges, ou parentes até o segundo grau, consangüíneos ou afins, de seus diretores ou membros dos conselhos, consultivo, administrativo, fiscal ou semelhantes.

A intervenção ou liquidação extrajudicial “por extensão” tem por objetivo, assim, preservar os interesses da poupança popular (credores da instituição) e a integridade do acervo da entidade intervinda ou liquidanda, impedindo que os seus administradores desviem por meios fraudulentos os recursos financeiros da instituição (bens, direitos e títulos, que constituem o seu acervo) para outras empresas.

Há quem defenda a tese de que uma empresa “não financeira” não pode ser submetida aos regimes especiais aludidos, já que à lei se sujeitam apenas as instituições financeiras (art. 1º da Lei nº 6.024/74). No nosso modo de entender, esta avaliação é, entretanto, bastante simplista e inopiosa.

Em socorro da nossa tese, há de se trazer, primeiro, o argumento de que, ao referir-se a pessoas jurídicas (art. 51, caput), o legislador não fez qualquer distinção quanto ao fato de elas serem financeiras ou não. E se o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo, ainda a mais quando o seu comando é claro (et in claris cessat interpretatio).

Em segundo lugar, é imperioso verificar que se a intenção do legislador ordinário fosse a de submeter ao regime de intervenção e liquidação extrajudicial apenas as instituições financeiras, não precisaria ele ter se preocupado em normatizar a situação in abstracto regulada por meio do art. 51. Bastaria que aplicassem os artigos 2º e 15º da Lei de Liquidações tal qual foram redigidos, os quais já submetem as instituições financeiras aos regimes especiais. É de obviedade explícita que

“hÁ qUEm DEFENDA A TESE DE qUE UmA EmPRESA

“NãO FINANCEIRA” NãO PODE SER SUbmETIDA AOS REGImES ESPECIAIS ALUDIDOS, JÁ qUE À LEI SE SUJEITAm APENAS AS INSTITUIÇõES FINANCEIRAS (ART. 1º DA LEI Nº 6.024/74).”

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a intenção do legislador não foi a de tornar o art. 51 letra morta.

Sendo assim, se a hipótese prevista no art. 51 da Lei nº 6.24/74 não for aplicável a toda e qualquer pessoa jurídica que se encontra na situação nele prevista, bastará ao administrador temerário que, na iminência da quebra, transfira os ativos da instituição financeira para uma empresa não-financeira, para com isso conseguir fraudar a arrecadação dos ativos e o pagamento dos credores, fugindo, destarte, dos efeitos que a lei produz em relação às empresas submetidas aos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial e aos seus ex-administradores e controladores.

É evidente que se os ativos da massa intervinda ou liquidanda foram transferidos ou desviados para outras pessoas jurídicas, coligadas, formal ou informalmente, o único jeito de preservar a poupança popular e o acervo das entidades (vraiment, a principal garantia dos credores) é arrecadar os bens das empresas para os quais eles foram transferidos e integrados, mediante a necessária ingerência sobre o acervo delas, por meio da “extensão” do regime especial decretado.

A nosso entendimento, não só empresas não-financeiras que se encontrarem na situação prevista no art. 51 da lei nº 6.024/74 sujeitam-se à extensão do regime, como a integração de atividade ou vínculo de interesses sugerido pela norma é meramente exemplificativa, de sorte que outras hipóteses podem atrair a aplicação da lei, desde que a decretação da intervenção ou liquidação extrajudicial “por extensão” seja necessária para preservar os interesses da poupança popular e a integridade do acervo das entidades intervindas, quando passará o Banco Central do Brasil a ter o dever de decretá-la, e não a mera faculdade; podendo o juiz, inclusive, no legítimo exercício do controle da legalidade do ato administrativo, suprir a vontade defeituosa da autarquia (por omissão) e determinar a prática do ato.

A explicação jurídica é bem simples: como as leis são normas jurídicas abstratas que vinculam as pessoas a elas sujeitas, ou, na feliz expressão de Vicente Ráo[1], “norma geral de direito formulada e promulgada, por modo autêntico, pelo órgão da autoridade soberana e feita valer pela proteção-coerção exercida pelo Estado”, a argúcia humana, não raramente sabedora de quem são os seus destinatários, cria, de antemão, meios oblíquos para fugir ao seu comando, quando este se lhe apresenta desfavorável.

Essa conduta é de certa forma facilitada, pela impossibilidade de o legislador prever todas as situações concretas que devem ser consideradas pela norma abstratamente formulada. No mercado financeiro e de capitais atual, essa constatação ganha contornos ainda mais sérios e graves. Em virtude da sua natureza dinâmica e ágil, nem sempre o legislador consegue acompanhar, passo a passo, a criação de novos produtos e serviços, exigência da constante evolução tecnológica.

Desta impossibilidade – de indicação, na letra da lei, de todas as hipóteses que exigem a sua submissão – resulta como imperiosa a adoção de um mecanismo hermenêutico que deixe de privilegiar a letra da lei (verbum legis) em benefício do seu espírito, da sua ratio, em suma e em síntese, da sua vontade (voluntas legis): a interpretação extensiva.

Nesse sentido, Carlos Maximiliano explica que deve-se optar pela interpretação extensiva quando a fórmula positiva “disse menos do que pretendeu exprimir (minus dixit quam voluit)”, para, logo então, concluir que “não se trata de defeitos de expressão, nem da capacidade verbal dos redatores do texto. Por mais opulenta que seja a língua e mais hábil quem a maneja, não é possível cristalizar numa fórmula perfeita tudo o que se deva enquadrar em determinada norma jurídica” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Freitas Bastos, 1951, 5ª Edição, págs. 243-244).

Não se trata, aqui, de professar a tese de que o juiz possa fazer as vezes do legislador, mas sim de propugnar pela aplicação da lei, sempre e sempre, atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (LICC, art. 5º). Convém ouvir Candido Rangel Dinamarco[2] quando leciona que “mesmo não sendo o juiz equiparado ao legislador, o seu momento de decisão é um momento valorativo e, por isso, é preciso que ele valore os fatos e as situações trazidas a julgamento de acordo com os reais sentimentos de justiça correntes na sociedade de que faz parte e dos quais ele é legítimo canal de comunicação com as situações concretas deduzidas em juízo. Ele tem na lei o seu limite, não competindo ao Poder Judiciário impor os seus próprios critérios de justiça e de eqüidade, mas esses limites têm valor relativo, a saber: sempre que os textos comportem mais de uma interpretação razoável, é dever do juiz optar pela que melhor satisfaça ao sentimento social de justiça, do qual ele é portador (ainda que as palavras da lei ou a mens legislatoris possam insinuar solução diversa”.

Ressalte-se que, embora prevendo sanção específica para determinadas hipóteses – integração de atividade ou vínculo de interesses – o objetivo do art. 51, parágrafo único, da Lei nº 6.024/74 é proibir o desvio de recursos da instituição intervinda ou liquidanda para terceiras empresas em prejuízo da poupança popular e da integridade do acervo das mesmas. Se se admitisse que a norma é inaplicável quando, por outros meios que não os nela previstos, pudesse o (ex) administrador e controlador obter os resultados que ela proíbe, então, perderia ela completamente a sua razão de ser e de existir, desviando-se do espírito que ditou a sua instituição e convertendo-se em arma letal, perversamente usada contra os credores, quando tudo o que pretendeu a lei foi ampará-los.

Não é só. Normas manifestamente assemelhadas (e.g.: art. 34 da Lei nº 4.595/64; art. 17 da Lei nº 7.492/86 e art. 117 da Lei das S/A), possuem escopo igual àquele preconizado no artigo 51 da Lei nº 6.024/74 - proibir o administrador de instituição financeira de desviar os

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recursos da instituição para terceiras pessoas sobre as quais exerça ingerência direta, seja por vínculo de natureza emocional ou profissional – razão pela qual devem ser também interpretadas e aplicadas sistematicamente, e não de maneira desvinculada do ordenamento jurídico no qual se inserem.

Convenha-se, então, que o fato dessas não normas não terem previsto as hipóteses especificadas no art. 51 da lei nº 6.024/74, mas sim outras, não pode constituir óbice legítimo à incidência daquela, dada, principalmente, a natureza imperativa, cogente, de ordem pública, de que todas elas se revestem.

Sobre o tema, leciona Mosset Iturraspe[3]:“Es necesario dotar a la norma del máximo de eficacia;

en particular cuando en la vigencia de sus mandamientos se encuentram interessados aspectos fundamentales de la convivencia, de la vida en comunidad, que hacen al orden politico, al social o al economico (orden publico); o bien que refierem a criterios morales considerados vigentes e imprescindibles (buenas costumes)”.

Esta lição constitui premissa de outra, não menos importante, afirmada pelo mesmo autor:

“Tendremos ocasión de senãlar que cuando una norma prohibe un negocio juridico, veda en rigor una finalidad, un resultado práctico en los terrenos jurídico y económico; vale decir, en consecuencia, que en punto a la prohibicion es indiferente que el resultado proscripto se persiga de una manera directa o indirecta; que se busque por medio del negocio que aparece mencionado o bien por outro negocio distinto, que permita arribar a un resultado análago”.

Regis Fichtner Pereira[4], em trabalho que o levou a obter o grau de mestre em direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), comunga desse mesmo entendimento, e ensina:

“Estando prevista sanção para determinado comportamento produtor de certo resultado, em razão da

verificação desse resultado, parece lógico que o atingimento deste mesmo resultado por outros meios, mesmo que não explicitamente proibidos, ou até mesmo à primeira vista permitidos, acarretará ipso facto o fenômeno da incidência da norma proibitiva sobre o caso concreto.

A aplicação da norma cogente a todos os fatos que venham a permitir o atingimento de resultados por ela proibidos é uma exigência da própria lógica jurídica e possibilita que se evite o surgimento de contradições internas dentro do sistema. Trata-se de um imperativo de justiça a contribuir com a aplicação harmônica e isonômica do direito.”

Conclui-se, portanto, que sempre que operações bancárias não usuais, simuladas, fraudulentas (ainda que formalmente lícitas), de qualquer espécie ou natureza, forem praticadas por instituições financeiras, com vistas à beneficiar terceiras empresas (financeiras ou não) em detrimento da sociedade intervinda e liquidanda, com prejuízo para a poupança popular e para seus acervos próprios, terá o banco Central do Brasil o dever legal de submeter as empresas beneficiárias, tenham ou não vinculação de interesses ou integração de atividades, à idêntico regime, “por extensão”.

“NãO SE TRATA, AqUI, DE PROFESSAR A TESE DE qUE O JUIz POSSA FAzER AS vEzES

DO LEGISLADOR, mAS SIm DE PROPUGNAR PELA APLICAÇãO

DA LEI, SEmPRE E SEmPRE, ATENDENDO AOS FINS SOCIAIS

A qUE ELA SE DIRIGE E ÀS ExIGêNCIAS DO bEm COmUm

(LICC, ART. 5º).”

1 O Direito e a Vida dos Direitos, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, 5ª edição, págs. 281-282.

2 A Instrumentalidade do Processo, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1987, p. 452, verb. nº 49.

3 Negocios Simulados, Fraudulentos y Fiduciarios, Ediar Sociedad Anonima Editora, 1975, págs. 11 e 17.

4 A Fraude à lei, Renovar, Rio de Janeiro, 1994, p. 13.

bIbLIOGRAFIA

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N a minha tese de doutorado, intitulada Formação Eleitoral do Estado Brasileiro pude verificar que a história do nosso direito eleitoral se pauta por duas variáveis, que, juridicamente, viciam

o sistema eleitoral: as normas eleitorais brasileiras são casuístas e as leis eleitorais destinam-se a manter no governo os governantes. Estas duas “desviantes” comprometem o princípio da representatividade e, ao mesmo tempo distorcem o princípio da governabilidade. No primeiro caso, fica sempre demonstrado que as normas eleitorais não têm continuidade e, nem ao menos, tem durabilidade quando interrompem os interesses dos fatores reais de poder. No segundo caso, como força propositiva de normas está sempre vinculada aos que governam ou que se articulam majoritariamente para governar são atropeladas na sua vigência ou eficácia por mecanismos revogatórios ou interpretativos.

Neste sentido, os fundamentos eleitorais do estado brasileiro, mais traduzem o legalismo casuísta, comprometido com o jogo das circunstâncias, do que a legitimidade indispensável à construção da representatividade política. Este fenômeno, não se restringe às movimentações do Parlamento nos períodos de fortalecimento democrático, nem muito menos às manipulações executivas nos períodos autoritários. Por isto, o casuísmo e o governismo não são fenômenos específicos dos períodos autoritários de nossa história, nem muito menos dos períodos de pleno funcionamento democrático. Mudam-se, é verdade, os atores; nos períodos autoritários manipulam as normas eleitorais os governantes executivos e nos períodos parlamentares, a força partidária majoritária ou o bloco majoritário. É claro, que, havendo sintonia entre os governantes executivos e as forças majoritárias, qualquer alternância na composição do poder é

vERTICALIzAÇãO E OPORTUNISmOAurélio Wander bastos

Advogado Conselheiro da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro

“(...)NãO TEmOS, PROPRIAmENTE, NO bRASIL,

Um ESTADO DE DIREITO DEmOCRÁTICO, mAS Um ESTADO POLíTICO

DEmOCRÁTICO, ONDE, mAIS vALEm AS CIRCUNSTâNCIAS

DETERmINANTES DO PODER DO qUE A SEGURANÇA JURíDICA.”

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vERTICALIzAÇãO E OPORTUNISmO praticamente impossível e os elegíveis de oposição restringem-se a minorias residuais.

No fundo, esta pragmática da vida eleitoral brasileira traduz um oportunismo crônico, desviando a representatividade das expectativas da população e provocando um desencontro entre o Estado e a sociedade, por um lado, mas demonstrando também, por outro, que, mais valem as regras imprescindíveis à sobrevivência do “estado de sempre” do que as regras eleitorais necessárias à construção da legitimidade democrática. Neste sentido, não temos, propriamente, no Brasil, um estado de direito democrático, mas um estado político democrático, onde, mais valem as circunstâncias determinantes do poder do que a segurança jurídica. Este não é um fenômeno recente, comprometido com o estado autoritário de 1964/1988 ou com o estado democrático de 1988/2006, mas é um fenômeno que perpassa o Império, na forma do poder moderador, da mesma forma, a primeira república, com as normas eleitorais oligárquicas e o período democrático liberal, que foi violado pelo Código Eleitoral de 1965 com todas as suas “destempéries prorrogativas”.

Diferentemente, dos países de tradições democráticas, em que as leis eleitorais procuram preservar a tradição representativa, no Brasil, os movimentos de mudanças tem sido pontuais: inegibilidades, de acordo com as preocupações de exclusão eleitoral; sublegendas partidárias, de acordo com o interesse do partido majoritário; cláusulas de reservas, para assegurar maiorias; voto majoritário, para desviar-se da pressão proporcional; voto proporcional para inviabilizar a representação comunitária e sucessivamente outros tantos institutos que são utilizados ao sabor do momento e na forma dos interesses determinantes das expectativas político-partidária. A legislação eleitoral, por conseguinte, nem ao menos é uma legislação partidária, mas uma legislação destinada a formar as maiorias que atendam aos fatores reais de poder, quase sempre grupos econômicos comprometidos com políticas econômicas comprometidas com o establichement burocrático. Neste quadro, os tribunais eleitorais não têm alternativa se não decidir conforme as normas disponibilizadas para a navegação.

Nestes últimos anos, na vigência de normas constitucionais vazias, a colmatação das lacunas ficou à deriva, a sabor do casuísmo governista, desde que obtenha a maioria no Congresso. A “verticalização”, neologismo lingüístico de grande significância eleitoral, foi criado hà cerca de três anos e meio passados, na prática interpretativa, como uma forma de traduzir a força centralizadora dos partidos majoritários federais, que, no tempo presente, criou o neologismo “desverticalização” como forma de traduzir a força descentralizadora dos partidos majoritários nos estados ou mesmo nos municípios. No fundo, o que se verifica é o velho oportunismo de manter no governo os governantes, pois, em 2002 a força política federal para eleições executivas estava nos partidos dos trabalhadores de Lula, (Petula). Em 2006, todavia, a força política

descentralizadora está no PMDB, o grande partido de força estadual, o que traduz o regionalismo crescente em relação ao federalismo em crise. Todavia, nada disto seria absurdo, se efetivamente, estivessem os legisladores buscando ampliar os espaços de representatividade, mas não, o que se busca é ampliar o governismo casuísta.

A questão central é que, a discussão da “verticalização” eleitoral, ou seja, as alianças federais devem se repetir em nível estadual, como forma de preservar o federalismo, tem a sua contrapartida na “desverticalização” eleitoral, ou seja, as alianças federais não têm qualquer determinância sobre as alianças estaduais. Este quadro confuso, que se desenvolve através de interpretações abertas da Constituição, onde as palavras estão a serviços do intérprete, instaura um ambiente político onde os interresses dirigidos da União não convergem com os interesses abertos dos estados, e, nem muito menos, os interesses dirigidos de cada estado convergem com os interesses abertos da União, assim como a imprescindibilidade da coerência ideológica não é relevante nas alianças eleitorais e os programas partidários são verdadeiros espantalhos nas composições de interesses.

Como se não fosse suficiente, o desencontro federativo provocado pelo oportunismo eleitoral, o próprio texto constitucional, no seu dúbio sentido, ou melhor, no seu sentido vazio, está posto numa rota conflitiva entre a redação originária da Constituição e a redação derivada da Emenda promulgada. O Tribunal Superior Eleitoral, na antevéspera da promulgação da Emenda da “desverticalização,” entendeu que valia a regra da “verticalização”, mas, promulgada a Emenda Constitucional, entendeu o Congresso que prevalece a regra da “desverticalização”, que está agora suscetível de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, provocado pela Ordem dos Advogados, cujo Presidente ministro Nelson Jobim construiu juridicamente a tese da “verticalização”, no Tribunal Eleitoral.

Finalmente, não há como desconhecer, que estamos diante de um quadro crescente de avarias na coerência jurídica do sistema eleitoral, que podem ter significativos efeitos sobre a legitimidade representativa do Poder Executivo e do Poder Legislativo nas próximas eleições. A regra da “desverticalização” é a regra da oposição regionalmente majoritária que pode conduzir à Presidência da República, mas a regra da “verticalização” é a regra do partido no poder federal e do partido no poder paulista (PSDB), em colidência, todavia, com as certezas presidenciais do PMDB, regionalmente majoritário. Está com o Supremo Tribunal Federal, os destinos, senão do Legislativo, do Poder Executivo, exceto, se a intelligentzia política tiver a inteligência de que a vitória eleitoral presidencial poderá ser o reflexo de uma aliança do Petula com o partido majoritário paulista, o que é impossível, ou, dele mesmo com o PMDB,o que é muito provável, desde que renuncie à sua premunição presidencial, ou do PSDB com o PMDB, o que não é de todo impossível devido ao franco desgaste das forças governamentais executivas.

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Tenho um amigo na Suíça, advogado em Zurique, que adora o Brasil. Nasceu e vive na zona alemã, mas, depois de várias viagens para cá, conseguiu falar um pouco de português, com pesado sotaque,

mas fala. Incapaz de falar alemão, invejo o português do meu amigo e acho deliciosos alguns termos que ele usa para elogiar nosso País. É verdade. Ele gosta mesmo de nós. É verdade e incrível, porque vive em Zurique,

a cidade considerada melhor do mundo, onde tudo funciona, violência zero, comércio fantástico, museus, civilização em todos os níveis e nos mínimos detalhes, políticos honestos. Até a Fifa tem sede naquela cidade, não digo maravilhosa porque o título é do Rio de Janeiro. Um dia perguntei ao meu amigo suíço porque ele gostava tanto do Brasil. A resposta foi surpreendente: Pelo esculhambaçon! Adorro o esculhambaçom brrasileirro.

ESCULhAmbAÇãO HORIZONTALSaulo Ramos

Advogado e ex-ministro da Justiça

“A TURmA DA ESPERTEzA POLíTICA,

PARA ATENDER À vONTADE DO ATUAL DONO DO PODER, O PRESIDENTE LULA,

qUE NãO qUER SAbER DA vERTICALIzAÇãO,

INvENTOU ESSA FORmA mAROTA.”fo

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Quando o Congresso aprovou o fim da verticalização lembrei-me do amigo suíço, que irá enriquecer a coletânea de casos do Brasil e que ele conta, com ênfase, no seu clube, nas reuniões sociais e, de vez em quando, em entrevistas para a televisão. Por causa disso, entrevista para a TV suíça, ele me telefonou perguntando o que era verticalização, expliquei: é uma exigência que obriga os partidos políticos a repetir nos estados a mesma coligação que fizerem para as eleições presidenciais. Assim, se um partido qualquer apóia um candidato a presidente da República, não poderá apoiar, nos estados, candidato a governador que não seja do mesmo partido ou da mesma coligação partidária na esfera federal. Depois de concordarmos que essa disciplina seria, ao menos nas aparências, uma forma de prestigiar os programas dos partidos políticos, que presumivelmente se coligam em função de idéias e projetos. E concluímos que outras ligações nos estados, diferentes, demonstrariam a inexistência de programas nas propostas partidárias, ou, no mínimo, ausência de seriedade em seus discursos programáticos.

Obrigatoriedade

A obrigatoriedade de verticalização surgiu de interpretação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em fevereiro de 2002, sobre a Lei 9504/97, que disciplina as eleições. O TSE considerou inconstitucional artigo da lei que tratava do tema e a medida continua em vigor, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) não admitiu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), apresentada contra a interpretação. O Governo da época, Fernando Henrique, tinha interesse na verticalização e o TSE, presidido pelo ministro Nelson Jobim, interpretou a lei de acordo com a vontade política do então detentor do poder. Em fevereiro de 2002, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), baixou norma estabelecendo que os partidos não podiam fazer, nos estados, coligação diferente da realizada em nível federal. Por uma emenda constitucional (PEC 548/02), votada agora em dezembro do ano passado, o Congresso acabou com a verticalização, isto é, passou a permitir coligações livres nos estados, independentemente da coligação federal. Difícil é explicar o porquê de uma alteração constitucional para anular uma interpretação judicial de lei ordinária. Bastaria uma nova lei permitindo a liberdade dos acertos e pronto. Ocorre que a Constituição tem um artigo, o 16, que dispõe: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1(um) ano da data de sua vigência.” A turma da esperteza política, para atender à vontade do atual dono do poder, o presidente Lula, que não quer saber da verticalização, inventou essa forma marota. Constituição proíbe a alteração através de lei, a lei eleitoral, ordinária. Mas no próprio texto da Constituição a alteração pode ser feita, porque a norma constitucional não está sujeita à vedação de disposição da mesma hierarquia. Enfim, no entender deles,

Constituição não é lei, embora seja chamada de Lei Magna. A Ordem dos Advogados do Brasil parece que irá ao Supremo Tribunal Federal propor uma ação de inconstitucionalidade contra a Constituição. Vai invocar Otto Bachoff, um jurista alemão, que criou a doutrina das nulidades constitucionais pela inconstitucionalidade na própria Constituição ou contra seus princípios fundamentais, inclusive a alma da nacionalidade. Por exemplo: seriam inconstitucionais emendas que autorizassem a pena de morte, a discriminação de qualquer espécie, ou que, se coragem houvesse, proibisse no Brasil o carnaval e o futebol. Seriam contra os princípios fundantes do Estado de Direito e do povo brasileiro. Contra a alma da Constituição.

fábio Comparato Fábio Konder Comparato, eterno sonhador e petista

de carteirinha, vai além e afirma que, aos olhos do povo, essa questão das coligações partidárias não tem qualquer sentido. “As coligações são feitas pelos partidos sem consulta ao povo e obedecem unicamente a interesses próprios, o que mostra que os partidos políticos não têm qualquer conteúdo ideológico programático.” Os congressistas, espertíssimos, resolveram aprovar uma lei de cosméticos para maquiar as próximas eleições, proibindo showmícios, duplas sertanejas, filmes em cenários externos, para desviar a atenção do respeitável público do principal: o fim da verticalização. No ano passado, sob a trombeta de Roberto Jefferson, o País ficou sabendo que correu muito dinheiro para pagar deputados, seus votos, seus apoios ao governo, tudo explicado como dívidas de campanha eleitoral pagas pelo caixa 2, o que, na moralidade desses políticos, seria legítimo e ético, a despeito de ser “coisa de bandido” como disse o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, contrariando seu chefe, o presidente Lula, que declarou tratar-se de coisa comum a todos os partidos políticos. Com esse caldo de cultura, a emenda constitucional remete esses políticos e esses partidos (e alguns bandidos) para o vale-tudo nas próximas eleições, com casamentos duvidosos, concubinatos adulterinos, amigação passageira, uma ficação geral. Vamos ver o que resolverá o Supremo Tribunal Federal sobre a anuidade da alteração no sistema eleitoral. Se não vale quando efetuada por lei e vale quando feita por emenda constitucional, ou se não vale de jeito algum. A OAB ingressando com a ação direta de inconstitucionalidade deverá pensar bem na efervescência política que borbulha no Supremo. O julgamento seria mais tranqüilo depois da anunciada saída de Nelson Jobim, co-responsável pela verticalização. No seu modo de pensar, se ele fez tem o direito de desfazer. É bom esperar. Ou cantar o samba de Vinícius: “se era para desfazer, por que é que fez?” Ou, ainda, lembrar do meu amigo, advogado suíço: Adorro o esculhambaçon brrasileiro.

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Até recentemente a imprensa brasileira dedicava pouco espaço ao Poder Judiciário. Isso mudou e hoje são freqüentes as matérias jornalísticas enfocando aspectos do sistema judiciário, mas

quase que invariavelmente para denunciar falhas, falar de corrupção e mostrar que os juízes e tribunais estão longe de ser um modelo de perfeição. Muitas vezes esses críticos valem-se maliciosamente de manifestações, que constituem louvável inovação, de associações de juízes ou mesmo de órgãos do Judiciário reconhecendo existirem deficiências na organização e no funcionamento do Judiciário, chegando a denunciar a existência de vícios que comprometem a imagem de independência, imparcialidade e rigor moral que devem ser as qualidades básicas dos juízes de todos os níveis. Na realidade, qualquer pessoa que tenha conhecimento direto do sistema judiciário sabe que ele tem falhas que devem ser corrigidas. Sabe também que entre os membros do Judiciário existem muitos que são contrários ao reconhecimento dessas falhas, sendo contrários ao debate público de propostas de aperfeiçoamento, por entenderem que tal publicidade compromete a autoridade do Judiciário e a imagem dos juízes.

Alguns pontos positivos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, nos últimos anos surgiram movimentos de juízes que reconhecem a necessidade de aperfeiçoamento e trabalham por isso, devendo-se notar que essa movimentação, que sofreu forte resistência no âmbito do Judiciário, vem

O mODELO jUDICIÁRIO bRASILEIRODalmo de Abreu Dallari

Jurista

“A PARTIR DA CONSTITUIÇãO DE 1988 AUmENTOU A PROCURA DE PROTEÇãO JUDICIAL, O qUE FOI mOTIvADO PELOS NOvOS

DIREITOS CONSAGRADOS E PELA EFICÁCIA DAS NORmAS

SObRE DIREITOS FUNDAmENTAIS, bEm COmO PELA CRIAÇãO DE NOvOS mEIOS DE ACESSO AO

JUDICIÁRIO.”

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ganhando adeptos. Entre outros avanços importantes, verifica-se que muitos integrantes ativos desses movimentos, que no início congregavam quase que exclusivamente juízes de primeira instância, estão chegando aos tribunais, sendo promovidos por antigüidade ou merecimento. Desse modo estão conquistando posições nas cúpulas dirigentes e deixando patente que os juízes considerados rebeldes por reconhecerem falhas e quererem o aperfeiçoamento não estão excluídos das promoções. Assim, pois, há um movimento renovador que vem de dentro do próprio Judiciário. A par disso, embora pareça incoerente, muitas críticas que aparecem na imprensa decorrem do fato de que os juízes e tribunais estão decidindo com mais independência, fugindo do estrito legalismo formal e mostrando preocupação com a Justiça. Essa orientação vem contrariando privilégios elitistas mas dá efetividade a direitos econômicos, sociais e culturais que antes figuravam na Constituição e nas leis e jamais saiam do papel. Isso desagrada os privilegiados tradicionais, que por sua condição econômica têm acesso fácil aos grandes veículos da imprensa e se valem disso para tentar desmoralizar e intimidar os juízes, querendo forçá-los a voltar à atitude de acomodação, de respeito reverencial perante os fraudadores de luxo e de estrito apego à letra da lei, mesmo que injusta e contrária aos princípios constitucionais.

Para quem, por ignorância ou má fé, só vê e apregoa aspectos negativos do sistema judiciário brasileiro, é bom saber que, em decorrência de um gravíssimo erro judiciário recente, identificado como ‘’caso Outreau’’ (os franceses pronunciam Utrô) um dos mais eminente magistrados da França, Jean-François Burgelin, apresentou sugestões para aperfeiçoamento do sistema judiciário francês, incluindo várias que coincidem com o que já existe no Brasil. Assim é que ele sugere a extinção do Juiz de Instrução, magistrado que dirige os inquéritos policiais, determina prisões e buscas domiciliares, ouve sozinho acusados e testemunhas. Sugere, também, a separação das carreiras da magistratura e do Ministério Público, que na França estão concentradas numa carreira comum, com a agravante de que lá o ministro da Justiça é o superior hierárquico dos magistrados que agem como Ministério Público. Além disso, sugere que em todos os inquéritos que possam prejudicar direitos seja admitida, desde o início, a presença de um advogado. Tudo isso já ocorre no Brasil.

Não há dúvida de que o sistema judiciário brasileiro pode e deve ser aperfeiçoado, mas é necessário que haja boa fé nas críticas ao Judiciário, buscando-se serenamente a identificação de suas falhas. A partir da Constituição de 1988 aumentou a procura de proteção judicial, o que foi motivado pelos novos direitos consagrados e pela eficácia das normas sobre direitos fundamentais, bem como pela criação de novos meios de acesso ao Judiciário. Isso traz dificuldades mas é bom, impondo-se o reconhecimento de que, ao contrário de serem despesas supérfluas, os gastos com o aperfeiçoamento do sistema judiciário enquadram-se no atendimento de necessidades essenciais do povo.

“NãO hÁ DúvIDA DE qUE O SISTEmA JUDICIÁRIO

bRASILEIRO PODE E DEvE SER APERFEIÇOADO, mAS é

NECESSÁRIO qUE hAJA bOA Fé NAS CRíTICAS AO JUDICIÁRIO, bUSCANDO-SE SERENAmENTE

A IDENTIFICAÇãO DE SUAS FALhAS.”

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INTRODUçÃO

O instituto das medidas provisórias, nos moldes estabelecidos pelo art. 62 da Constituição Federal de 1988, não pode ser considerado uma inovação. Na realidade, este instituto, entre outras inspirações, teve origem na tradição autoritária do decreto-lei ― verdadeira herança do Estado-Novo getulista, repelida pelos constituintes de 1946 como um ranço totalitário, e novamente introduzida no ordenamento jurídico pátrio pelo regime militar de 1964 ― e na tradição parlamentarista, especialmente a vivida na Itália pós- guerra, em cuja Constituição se estatuiu os decretti leggi, com vistas a suprir a fragilidade dos chefes de governo ante a instabilidade política presente no parlamento.

mEDIDAS PROvISóRIASAdvogado

bruno Calfat

“(...) O PODER ExECUTIvO COmETE ExCESSOS, AGINDO INTEIRAmENTE À mARGEm DOS LImITES TRAÇADOS NA CARTA POLíTICA, SOb A FALSA JUSTIFICATIvA DE qUE A ADOÇãO DAS mEDIDAS PROvISóRIAS SERIAm NECESSÁRIAS À ExECUÇãO DE

POLíTICAS DE GOvERNO.”

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AS MEDIDAS pROvISÓRIAS E A CONSTITUIçÃO DE 1988

Delineadas, então, algumas das principais fontes das medidas provisórias, cabe-nos analisar a aplicação e a utilização das medidas provisórias no modelo constitucional brasileiro.

Para melhor compreensão desse tópico, como bem leciona o professor Ivo Dantas, em obra especifica sobre a matéria, o instituto é mais fruto de acordos e concessões políticas na formação de nosso sistema de freios e contrapesos do que da formulação teórica de nossos constitucionalistas (Aspectos Jurídicos das Medidas Provisórias, Ivo Dantas, Ed. Ciência Jurídica Ltda, p. 48).

Por isso, não raras vezes, o Poder Executivo comete excessos, agindo inteiramente à margem dos limites traçados na Carta Política, sob a falsa justificativa de que a adoção das medidas provisórias seriam necessárias à execução de políticas de governo.

Nesse sentido, deve ser consignado que existem requisitos formais indispensáveis à edição das medidas provisórias pelo Presidente da República, traduzidos pela urgência e a relevância do tema versado no caso concreto, que não podem ser discricionariamente violados.

COMpETÊNCIA ANÔMALA

Aliás, a competência atribuída ao chefe do Poder Executivo para legislar é anômala, impondo-se prudência e comedimento na implementação das medidas provisórias, sob pena de, ao se tornarem instrumentos ordinários de substituição da atividade legislativa, ocasionarem, conforme as judiciosas palavras do eminente min. Celso de Mello em voto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 1.687-0: “a instauração de uma práxis degenerativa do próprio sistema constitucional, eis que, ao minimizar indevidamente a importância político-institucional do Poder Legislativo, suprime a possibilidade de prévia discussão parlamentar de matérias ordinariamente sujeitas ao poder decisório do Congresso Nacional”. Da mesma forma, pela lucidez, merece destaque a autorizada voz do min. Sepúlveda Pertence, no voto que proferiu nos autos da ADIN 1675-1: “Não obstante o coeficiente de discricionaridade de que se revestem, os conceitos de relevância e urgência, a cuja concorrência fica subordinado, no art. 62 da Constituição, o poder de baixar medidas provisórias, tem limites mínimos determináveis, abaixo dos quais será possível identificar a ilegitimidade do edito: a dificuldade está em demarcá-los, em cada caso, sem invadir a área de livre opção política dos demais poderes”.

Portanto, afigura-se fundamental a fiscalização do Poder Executivo, para que as medidas provisórias, alternativa

legislativa excepcional de que dispõe o Poder Executivo, não sejam transformadas em prática useira e vezeira, criando-se uma situação esdrúxula e indesejável de desequilíbrio entre os Poderes da República, decorrente da usurpação de competência do Poder Legislativo.

MEDIDAS pRÓvISÓRIAS pOLÊMICAS OUINCONSTITUCIONAIS?

O título deste tópico estimula o leitor a uma rápida reflexão: as medidas provisórias que estão sendo expedidas pelos governos recentes do Brasil são apenas polêmicas, ou seriam inconstitucionais?

Sem apresentar uma resposta categórica, certamente imprestável pelo seu caráter genérico, as considerações que serão feitas a seguir levarão a uma percepção real do cenário atual. Com efeito, a despeito dos critérios legais que norteiam o instituto das medidas provisórias, os abusos são freqüentes. Apenas a título de ilustração, vale a pena recordar, da era Collor ao governo Lula, o confisco de ativos bancários realizado por intermédio da Medida Provisória nº168 de 1990; a majoração de impostos trazida na MP nº 35 de 2003; a regulação de vale-transporte da MP nº 2.165-36 de 2001; e outras teratologias de igual jaez, valendo destacar por todas, tamanha a sua repercussão no meio jurídico, o caso da Medida Provisória nº 198, de 1990, que determinou a suspensão da concessão de liminares em mandados de segurança que versassem sobre certos temas de direito econômico, afrontando direitos constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos (C.F., art. 5º, inciso LXIX).

Exatamente por episódios como os retratados no parágrafo anterior, tornou-se impositiva a promulgação da Emenda Constitucional nº 32 de 2001, que impôs limitações materiais à edição de medidas provisórias, restringindo substancialmente o seu alcance, como se vê das disposições contidas no § 1º do art. 62 da Constituição federal.

CONCLUSÃO

Conquanto não se tenha pretendido aprofundar a discussão acerca das medidas provisórias, fácil é perceber que dois aspectos delas são essenciais: bem manejadas pelo chefe do Poder Executivo, elas constituem instrumento ágil e eficaz, apto a compor e solucionar questões urgentes e relevantes para a coletividade; já a aplicação descriteriosa das medidas provisórias, apenas contribui para o descrédito do Poder Executivo e a exacerbação dos conflitos entre os Poderes da República, gerando um quadro propício a confrontos de toda ordem, que só servem para criar instabilidades políticas e econômicas.

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EMENTA

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. INDÚSTRIA DE TABACOS. DECRETO-LEI 1593/77 COM A REDAÇãO DADA PELA LEI 9.822/99. INCONSTITUCIONALIDADE.

A Constituição Federal de 1988 no seu art. 170 prescreve os princípios regentes da ordem econômica, fundada expressamente na livre iniciativa, e a todos assegurando o livre exercício de qualquer atividade econômica independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos expressos em lei.

Dívida tributária deve ser cobrada na forma da lei através da Execução Fiscal.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não admtir imposição de restrições, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção, por inviabilizar o livre exercício da atividade econômica.

O Decreto-lei 1593/77 não foi recepcionado pela vigente Constituição Federal, porque se contrapõe ao disposto no seu art. 170.

Procedência dos pedidos, para assegurar a autora o direito de continuar funcionando.

SENTENçA

RELATÓRIO

AMERICAN VIRGÍNIA INDÚSTRIA, COMÉRCIO, IMPORTAÇãO E EXPORTAÇãO DE TABACOS LTDA, devidamente qualificada na petição inicial, propôs a presente demanda do rito ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em face da UNIãO FEDERAL, objetivando assegurar o direito ao livre exercício da atividade econômica lícita, afastando a aplicabilidade do disposto no art. 2º, inciso II do Decreto-lei nº 1.593/77, com a redação dada pela Lei nº 9.822/99, que autoriza o cancelamento de registro especial, declarando, ainda, a inexistência de relação jurídica que permita à ré a cassar os dois registros especiais da autora, bem como, declarar a inexistência de relação

jurídica entre a pessoa jurídica (autora) e a pessoa física do sócio.

Alega que é empresa do ramo de tabaco, autorizada a fabricar, comercializar, importar e exportar produtos derivados do tabaco, com capital 100% nacional, atuante no mercado de tabaco, desde meados do ano de 1996, sendo que, para o exercício dessa atividade, exige-se pelo Decreto-lei nº 1.593/77 o registro especial a ser concedido pela Secretaria da Receita Federal. Sustenta que o ato configurador do justo receio da aplicação da mencionada lei decorre da intimação feita pela Delegacia da Receita Federal, datada de 1º de setembro de 2005, pela qual a autora foi compelida a regularizar a situação fiscal em relação ao disposto na Representação Fiscal que deu origem ao PA nº 10735.002379/2005-74, no prazo de dez (10) dias, sob pena de cancelamento do registro especial, com fundamento no art. 2º, inciso II do Decreto-Lei nº 1.593/77, motivo pelo qual ajuizou ação cautelar, sob o nº 2005.5110005830-5, distribuída a este Juízo.

A América Virginia Indústria, Comércio, Importação e Exportação de Tabacos Ltda. propôs recurso contra a União Federal. O juiz federal Dr. Sidney Monteiro Peres proferiu sentença cujo texto segue abaixo:

SENTENÇA ASSEGURA EmPRESA DO RAmO DE TAbACO A mANTER LIvRE ATIvIDADE ECONÔMICA

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Diz ainda, que o dispositivo supramencionado do Decreto-lei, já indicado, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e que a sua inconstitucionalidade já foi reconhecida pelos nossos Tribunais Federais.

O pedido veio instruído com os documentos essenciais à propositura da ação (fls. 48/1.508).

Decisão deste Juízo, indeferindo o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, uma vez que foi deferida a liminar na ação cautelar e prolatada a sentença de mérito, julgando procedente o pedido (fls. 1.511).

Citada, a União Federal contestou o pedido, argüindo, preliminarmente, a litispendência, e requerendo, no mérito, a sua improcedência (fls. 1.514/1.530).

Réplica (fls. 1.551/1.573). A peça veio instruída com documentos (fls. 1.574/1.639).

Providências preliminares a tempo e modo.É o relatório com a síntese das principais ocorrências

processuais.

DECIDO

fundamentaçãoO processo encontra-se suficientemente instruído,

possibilitando o seu julgamento, por dispensar a produção de qualquer prova ulterior, enquadrando-se a hipótese na fase de julgamento antecipado da lide, prevista no art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

preliminarmentePrima facie, rejeito a preliminar de litispendência. Nas palavras do ilustre processualista Moacyr Amaral

Santos, “litispendência significa lide pendente em juízo. Proposta a ação, pela qual o autor formula uma pretensão, e citado o réu, configura-se uma lide pendente de decisão. As partes estarão sujeitas ao processo e ao que nele for decidido. Dessa sujeição das partes ao processo resulta o princípio da unicidade da relação processual pelo qual se vedam dois processos sobre a mesma lide, entre as mesmas partes. E se vedam a fim de evitar sentenças contraditórias”.

Assim, a litispendência ocorre sempre que se propõe ação idêntica a outra que já esteja em curso. Configurar-se-á, pois, sempre que o autor, invocando o mesmo fato, deduzir contra o réu o mesmo pedido já formulado em outra ação, pendente de decisão judicial. Desse modo, ambas as ações deverão ter as mesmas partes; a mesma causa de pedir, tanto próxima quanto remota; e o mesmo pedido, mediato e imediato.

A ré, em sua peça de bloqueio, alegou a litispendência em razão da impetração de Mandado de Segurança, autuado sob o nº 2005.34.00.027391-4, em curso na 9ª Vara Federal do Distrito Federal. No caso sub examine, não ocorreu a

litispendência. Nesta demanda do rito ordinário, postula-se que a ré, Fazenda Nacional, abstenha-se de proceder ao cancelamento do registro especial, bem como, declare-se a inexistência de relação jurídica entre a pessoa jurídica (autora) e a pessoa física do sócio, enquanto no indigitado mandado de segurança, impetrado em face do Coordenador-Geral de Fiscalização Tributária da Receita Federal, alega-se justo receio de que ocorra violação de seus direitos com o cancelamento do aludido registro, disposto na legislação infraconstitucional pertinente. Este foi, inclusive, o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal, na decisão monocrática proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº 2005.02.01.012734-8, colacionada aos autos da ação cautelar, às fls. 623/625.

No tocante à alegação de litispendência em relação às demais ações, não merece prosperar, também, vez que a ré, em sua peça de resistência, não juntou aos autos cópias das petições iniciais das referidas ações.

Por outro lado, para que não haja qualquer dúvida, a autora juntou aos autos cópia da sentença homologatória de desistência do Mandado de Segurança ajuizado na 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Sendo assim, encontrando-se presentes as condições da ação e os pressupostos processuais necessários ao desenvolvimento válido e regular do processo, passo a analisar o mérito da presente demanda.

NO MÉRITOA controvérsia que constitui o objeto desta demanda

é – a rigor, matéria de Direito e de Fato, este provado documentalmente, consistindo a sua solução na inteligência dada aos preceitos constitucionais e legais, na espécie, considerados violados.

Com efeito, a autora objetiva provimento jurisdicional, no sentido de assegurar o direito ao livre exercício da atividade econômica lícita, afastando a aplicabilidade do disposto no art. 2º, inciso II do Decreto-lei nº 1.593/77, com a redação dada pela Lei nº 9.822/99, que autoriza o cancelamento de registro especial, bem como, objetiva a declaração de inexistência de relação jurídica entre a pessoa jurídica (autora) e a pessoa física do sócio.

No presente caso, a autora se insurge em razão da intimação oportunizada, no prazo de 10 (dez) dias, para que ela regularizasse sua situação fiscal em relação ao disposto na Representação Fiscal que originou o processo administrativo nº 10735.002379/2005-74 ou apresentasse seus esclarecimentos cabíveis, sob pena de cancelamento do registro especial de fabricante de cigarros, conforme o disposto no art. 2º do Decreto-lei nº 1.593/77, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Para tanto, alega que não houve recepção do dispositivo supramencionado, tratando-se, ainda, de inconstitucionalidade material e de forma de cobrança indireta de tributos, completamente repudiada pelos Tribunais Superiores.

Ora, a questão do caso em tela, tal como ventilada, é

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bem clara. O entendimento da autora é dissonante com a exigência, disposta no Decreto-lei nº 1.593/77, do prévio registro especial perante a Secretaria da Receita Federal, condicionante para que a autora possa exercer a sua atividade econômica: fabricação e comercialização de cigarros, dentre outros, conforme se depreende do objeto social (contrato social, às fls. 51 e 55), o que contraria a ordem constitucional vigente.

Com efeito, no caso dos fabricantes de cigarro, o registro especial é exigido pelo Decreto-lei nº 1.593/77, dele decorrendo a constatação de que o registro se constitui em verdadeira condição para o exercício da atividade econômica ligada à fabricação e comercialização de cigarros, porque, sem ele, não se fornecem os selos de controle e, sem selagem, os produtos sequer podem sair dos estabelecimentos industriais, ou a estes equiparados, muito menos serem vendidos, expostos à venda ou, mesmo, mantidos em depósito, o que acarretará, inegavelmente, o fechamento da sociedade empresária. Desta forma, não se pode olvidar que tal registro tem natureza de verdadeira autorização, concedida pelo Estado, para que as empresas que fabricam e comercializam cigarros possam funcionar.

Contudo, o art. 170, da Constituição da República, prescreve os princípios regentes da ordem econômica, fundada expressamente na livre iniciativa (caput) e a todos assegurando o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos expressos em lei. Tal exceção não contempla o dispositivo do Decreto-lei nº 1.593/77.

Neste passo, extravasar esses limites, importa em negação ao princípio da livre iniciativa. Neste sentido, trago à colação o elucidativo aresto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, verbis:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. INDÚSTRIA CIGARREIRA. REGISTRO ESPECIAL. DECRETO-LEI 1.593/77. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. Não é lícito à lei fazer depender de autorização de órgão público atividades não sujeitas à exploração pelo Estado nem a uma especial regulação por parte do Poder de Polícia.

2. É inconstitucional o Decreto-lei 1.593/77 na parte em que condiciona o funcionamento das fábricas de cigarros a prévio registro especial, a ser efetuado pela Secretaria da Receita Federal, em razão de evidente colisão com o cânone do art. 170, parágrafo único.

3. Apelação e remessa desprovidas”.(AMS 94.01.00235-5/DF; Relator Juiz José Henrique

Guaracy Rebêlo (Conv.); Primeira Turma Suplementar; DJ Data 25.02.2002; pág. 104)

Em adição, cabe sopesar que a Constituição Federal (art. 170) estabelece que a atividade econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A Constituição Federal, ao proclamar o princípio da livre iniciativa como fundamento da ordem econômica, atribui à iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços. A livre iniciativa, dessa forma, constitui a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva, porque a Constituição determina que “(...) a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (...)” (art. 173).

Assim, por exemplo, a tentativa da ré, no caso em questão, de impor que o sujeito passivo da obrigação tributária quite qualquer débito, que aquela considere existente, através de expedientes administrativos, que impeçam o seu regular funcionamento, viola direitos consagrados pela Constituição Federal brasileira.

Remeta-se, por seu turno, à lição do eminente Professor Ives Gandra Martins, “in” Repertório IOB de jurisprudência, ementa nº 1/2555:

(...) “Por outro lado, o art. 170, parágrafo único, interdita

a criação de obstáculos ao exercício de qualquer atividade, ofertando, no máximo à lei, condições de capacitação.

Ora, as sanções impostas administrativamente representam verdadeira vedação ao exercício de qualquer atividade às pessoas elencadas na lista da ‘opinião oficial’. A Receita Federal violenta o art. 170, parágrafo único, representando o Decreto referido, clara, cristalina, indiscutível e inequívoca inconstitucionalidade à luz da Carta Máxima”.

Seguindo a linha de raciocínio acima exposta, ensina o Prof. José Afonso Da Silva, que:

“A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar, quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar, significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art.1o, IV).”

Não pode assim, a Administração Pública, pretender impedir o exercício de atividade econômica por razões outras que não a estritamente ligadas à própria qualificação profissional. Pelo que, deve ser imediatamente afastada a pretensão do ente tributante, de ingressar naquela seara.

O Supremo Tribunal Federal, analisando questão que envolvia a discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em

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lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminava, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita, DECIDIU serem indevidas tais sanções políticas ou indiretas em matéria tributária.

Na ocasião, foi posto em destaque o exame da legitimidade constitucional de exigência estatal que erigiu a prévia satisfação de débito tributário em requisito necessário à outorga, pelo Poder Público, de autorização para a impressão de documentos fiscais. Assim, ficou consignada a ementa do RE 37.4981-RS, julgamento 28/03/2005, cujo relator foi o ministro Celso De Mello, verbis:

EMENTA: “Sanções políticas no direito tributário. Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo Estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao “substantive due process of law”. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 – RTJ 173/807-808 – RTJ 178/22-24). O poder de tributar – que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte – “não pode chegar à desmedida do poder de destruir” (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do “Estatuto Constitucional do Contribuinte”. Recurso Extraordinário conhecido e provido”.

As chamadas sanções políticas, para HUGO DE BRITO MACHADO (Sanções Políticas no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. nº 30. p. 46/47), correspondem às restrições ou proibições impostas ao contribuinte como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de tributação; a recusa de autorização para imprimir notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão e até o cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro, entre muitos outros.

Procede anotar, com base no entendimento do ministro Celso De Mello, acima, já exposto, que o Supremo Tribunal

Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro - e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel.min. Octavio Gallotti).

O teor destes enunciados sumulares está assim disposto, verbis:

70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

547. Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Nota-se assim, que as chamadas sanções políticas constituem verdadeira afronta ao livre exercício da atividade econômica (art. 170, parágrafo único da CF), bem como a liberdade de exercício profissional (art. 5º, XIII da CF), revelando-se um abuso do poder de tributar, que vem sendo repudiado com todas as forças pelo Supremo Tribunal Federal.

Daí a necessidade de rememorar, sempre, a função tutelar do Poder Judiciário, investido de competência institucional para neutralizar eventuais abusos das entidades governamentais, que, muitas vezes deslembradas da existência, em nosso sistema jurídico, de um “estatuto constitucional do contribuinte”, consubstanciador de direitos e garantias oponíveis ao poder impositivo do Estado (Pet. 1.466/PB, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, in “Informativo STF” nº 125), culminam por asfixiar, arbitrariamente, o sujeito passivo da obrigação tributária, inviabilizando-lhe, injustamente, o exercício de atividades legítimas.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, em face do conteúdo evidentemente arbitrário da exigência estatal ora questionada, o fato de que, especialmente quando se tratar de matéria tributária, impõe-se, ao Estado, no processo de elaboração das leis, a observância do necessário coeficiente de razoabilidade, pois, como se sabe, todas as normas emanadas do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do “substantive due process of law” (CF, art. 5º, LIV), eis que, no tema em questão, o postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 160/140-141 – RTJ 178/22-24, v.g.):

“O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade

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legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público”.

Enfim, sempre que houver a possibilidade de se impor medida menos gravosa à esfera jurídica do indivíduo infrator, cujo efeito seja semelhante àquele decorrente da aplicação de sanção mais limitadora, deve o Estado optar pela primeira, por exigência do princípio da proporcionalidade em seu aspecto necessidade.

DA NÃO RECEpçÃO DO DISpOSITIvO DO DECRETO-LEI Nº 1.593/77 (art. 2º, inciso II)

Com efeito, todas as leis ordinárias e demais normas infraconstitucionais derivam a sua validade na própria Constituição. “O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma” (Teoria Pura do Direito – Hans Kelsen). Com o surgimento de nova ordem constitucional, as leis ordinárias perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição anterior ao mesmo tempo que recebem novo suporte, expresso ou tácito, na Constituição nova. Este é o fenômeno da recepção. Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com elas compatíveis, dando-lhes validade.

Em sendo incompatível com a nova ordem constitucional, ocorre o fenômeno da não recepção, cessando a sua eficácia, uma vez que incompatível com seu fundamento de validade.

Assim, entendo que o dispositivo do Decreto-lei nº 1.593/77, suso mencionado, combatido pela autora, não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente, pois viola, inegavelmente, o livre exercício da atividade econômica, consubstanciado no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, exemplo de sanção tributária claramente desproporcional em sentido estrito é a interdição de estabelecimento comercial ou industrial motivada pela impontualidade do sujeito passivo tributário relativamente ao cumprimento de seus deveres tributários. Embora contumaz devedor tributário, um sujeito passivo jamais pode ver aniquilado completamente o seu direito à livre iniciativa em razão do descumprimento do dever de recolher os tributos por ele devidos aos cofres públicos. O Estado deve responder à impontualidade do sujeito passivo com o lançamento e a execução céleres dos tributos que entende devidos, jamais com o fechamento da unidade econômica.

Ademais, no caso em tela, conforme já fundamentado na ação cautelar nº 2005.5110005830-5, em sentença por mim prolatada, a cessação da atividade econômica da sociedade empresária poderá prejudicar 780 (setecentos e oitenta) empregados com carteira assinada e 1.697 (um mil e seiscentos e noventa e sete), ligados a seus revendedores, e sem falar no abalo familiar, e com a relevante função social que possui na cidade de Duque de Caxias – RJ.

O povo necessita de empregos para que com os salários

possam satisfazer suas necessidades. O governo, por sua vez, necessita de tributos e também de empregos. Sem tributos, a máquina administrativa não funciona, e sem empregos para o povo, o governo tem que investir ainda mais para evitar as privações daquele.

Ora, uma sociedade empresária fechada significa desemprego e não arrecadação de tributos, dentre outras péssimas conseqüências. Nesta ordem, vem a tendência da diminuição da coercibilidade, visando à recuperação da empresa, conforme um processo pré-estabelecido pela lei. Este é o escopo com a nova lei de falências.

Inquestionável é a importância de uma empresa para a economia de uma sociedade, sendo que, nos dias atuais, grande parte dos empregos e da produção das riquezas são criadas pela atuação das empresas no contexto regional e mundial.

Tal importância da empresa na economia foi notada pelo Direito Falimentar, detectado que a liquidação de uma empresa provocaria graves conseqüências para a sociedade e o Estado, o Direito Falimentar foi chamado a auxiliar de alguma forma para possibilitar que a empresa fosse mantida em atividade através da elaboração de um plano hábil a reerguê-la economicamente. É a diretriz do Princípio da preservação da Empresa.

No tocante ao pedido de declaração de inexistência de relação jurídica entre a pessoa jurídica (autora) e a pessoa física do sócio, o mesmo merece prosperar. Conforme fls. 56, do contrato social colacionado aos autos, há cláusula consignando que os sócios não respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais.

Não há que se falar, no presente caso, na teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa (teoria que teve origem na jurisprudência norte-americana, lá denominada disregard of legal entity ou lifting the corporate veil), no presente caso, a incidir responsabilidade patrimonial à pessoa física do sócio. Ela não encontra guarida no Direito Tributário.

O Código de Defesa do Consumidor prevê, para o direito do consumidor, hipótese expressa de autorização para desconsideração da personalidade jurídica da empresa (art. 28), quando haja abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação do estatuto ou contrato social, e, nos casos de má administração, falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da empresa, desde que, em todos os casos, haja detrimento do consumidor. Vale dizer, a personalidade jurídica da sociedade pode ser desconsiderada, quando for obstáculo para o ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Não é a hipótese dos autos.

Por sua vez, o art. 50, do novel Código Civil, assim dispõe: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam

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estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

Podemos identificar, rapidamente, do exposto, três grandes princípios que devem nortear a aplicação da desconsideração: a) utilização abusiva da pessoa jurídica, no sentido de que a mesma sirva de meio, intencionalmente, para escapar à obrigação legal ou contratual, ou mesmo fraudar terceiros; b) necessidade de se impedir violação de normas de direitos societários; e c) evidência de que a sociedade é apenas um alter ego de comerciante em nome individual, ou seja, pessoa física que age em proveito próprio por meio da pessoa jurídica. Também, não é o caso dos autos.

Desse modo, em outros ramos do Direito, a falta de norma legal expressa poderá ser causa de impedimento da aplicação da desconsideração, como é o caso do Direito Tributário, por exemplo.

O nosso ordenamento jurídico pátrio, por muito tempo, consagrou a doutrina da personificação da sociedade, segundo a qual, a partir do registro do ato constitutivo da sociedade, esta passa a ser uma unidade autônoma inobstante formada por várias pessoas físicas, de forma que a característica principal da pessoa jurídica reside, exatamente, na independência entre e ela e seus componentes, conforme o tradicional princípio da “universitas distat a singulis.” Daí porque, estabelecia o “caput” do art. 20 do Código Civil Brasileiro, de 1916, que:”as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros.”

Decerto, a personalidade da pessoa jurídica não constitui um direito absoluto, por estar sujeita à teoria da fraude contra credores e abuso de direito. Foi para coibir a excessiva personalização das pessoas jurídicas, potencialmente acobertadoras dos abusos e irregularidades perpetradas pelas pessoas dos sócios, que o mundo jurídico elaborou teorias como a da despersonalização da pessoa jurídica.

É relevante registrar o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho: “O instituto da pessoa jurídica e, especialmente, o princípio da autonomia patrimonial representam elementos típicos de um direito inserido no sistema de livre iniciativa, de importância basilar para a ordem jurídica do capitalismo. Todavia, essa autonomia patrimonial pode dar ensejo à realização de fraudes, em prejuízo de credores ou de objetivo fixado por lei. Em tais casos, a teoria da desconsideração suspende a eficácia episódica do ato constitutivo da pessoa jurídica, para fins de responsabilizar direta e pessoalmente aquele que perpetrou um ato fraudulento ou abusivo de sua autonomia patrimonial”. No meu entender, entretanto, não vislumbro qualquer ato fraudulento ou abusivo de autonomia patrimonial a ensejar responsabilidade patrimonial da pessoa física do sócio.

Isto porque, a se estabelecer essa teoria está, na verdade, tornando ilimitada a responsabilidade dos sócios (que, neste caso, é limitada, consoante fls. 56) ou acionistas das sociedades para com as dívidas destas, já que a simples ausência de patrimônio da sociedade poderá gerar o alcance do patrimônio dos sócios. E como não poderia deixar de ser,

tornar a responsabilidade dos sócios ilimitada, principalmente em sociedades para cujos sócios a lei expressamente atribui limitação ao montante investido, acarretará um custo social imensamente maior do que o prejuízo causado aos credores da sociedade, ainda que trabalhistas, que não tiverem seus créditos honrados, quando do insucesso desta.

Por derradeiro, devo dizer que a Fazenda Pública Federal, por seus nobres e cultos Procuradores da Fazenda, deve agilizar com a maior rapidez possível as Ações de Execução Fiscal que diz haver sido propostas em face da autora, penhorando bens e os levando a leilões ou praça, a fim de receber os seus créditos.

Tudo isto analisado e sopesado, a conclusão é pelo acolhimento dos pedidos.

Com estas considerações, dispendidas fundamentalmente ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, nada mais, a meu sentir, precisa ser acrescentado.

DISpOSITIvODo quanto ficou exposto, JULGO PROCEDENTES OS

PEDIDOS, para o fim especial de afastar a aplicabilidade do art. 2º, inciso. II do Decreto-lei nº 1.593/77, com a redação dada pela Lei nº 9.822/99, uma vez que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, assegurando à autora o direito de sua livre atividade econômica, entendimento este já explicitado na ação cautelar nº 2005.5110005830-5, em sentença por mim prolatada, e, para declarar a inexistência de relação jurídica entre a pessoa jurídica (autora) e a pessoa física do sócio, na forma da fundamentação supra.

Declaro extinto o processo com julgamento do mérito, na forma do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (hum mil reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

Custas ex lege.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São João de Meriti - RJ, 25 de janeiro de 2006.

SÍDNEY MONTEIRO PERES Juiz Federal Titular da 4ª Vara

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Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região participaram no início do mês de fevereiro passado do Seminário “Atividades dos Tribunais do Rio de Janeiro – Retrospectivas 2005 e Perspectivas 2006”, que se realizou no município fluminense de Mangaratiba, patrocinado pela Petrobras e organizado pela Happy Hours Eventos.

O evento foi aberto com a palestra do Presidente da AMAERJ, juiz Cláudio dell’Orto que reafirmou a importância da integração entre as justiças estadual e federal numa troca de experiências que possa aprimorar ainda mais o serviço jurisdicional do cidadão.

Participaram, também, como palestrantes pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, seu Presidente, desembargador Sérgio Cavallieri Filho; o Corregedor-Geral desembargador Manoel Carpena Amorim e o Coordenador do Juizado Especial, juiz de Direito Eduardo Oberg. Pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, palestraram o Corregedor-Geral, desembargador Joaquim Antonio Castro Aguiar; o Coordenador do Juizados Especiais, desembargador Antonio Cruz Netto e o Diretor da EMARF, desembargador Benedito Gonçalves.

SEmINÁRIO: “ATIvIDADES DOS TRIbUNAIS

DO RIO DE jANEIRO”

Da esquerda para a direita: Almir Costa, Diretor da happy hour Eventos Jurídicos; Desembargador manoel Carpena Amorim, Corregedor-Geral do TJ/RJ; Desembargador Sérgio Cavallieri Filho, Presidente do TJ/RJ; Juiz Cláudio dell’Orto, Presidente da AmAERJ; Desembargador benedito Gonçalves, Diretor da EmARF; Dr. Nelson Ramalho, Gerente Jurídico do Coorporativo PETRObRAS.

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justiça integradaEntrevista Cláudio dell’Orto, Presidente da AmAERJ

Qual é a principal finalidade desse evento? Sobretudo, a integração entre a justiça estadual e a justiça federal. O Judiciário é único. Os juízes devem ter essa consciência e

permanecer unidos para a melhoria da atividade jurisdicional. Se não tivermos essa coesão na magistratura, podemos criar pólos de ruptura que vão acabar fragmentando e enfraquecendo o Poder Judiciário de modo geral. É importante dar oportunidade para todos terem maior conhecimento das atividades das diversas esferas de atuação da justiça. A sociedade cobra um Judiciário cada vez mais eficiente e nós temos que atender esta demanda. Só assim estaremos cumprindo nossa missão profissional.

Como o Senhor avalia os resultados desse evento?É possível perceber que havia uma série de coisas que não eram conhecidas entre os juizes federais e juizes estaduais.

Percebemos que as apresentações e discussões trouxeram mais clareza a respeito das dificuldades específicas enfrentadas tanto pela Justiça Federal como Estadual. Isso vem reforçar àquele ponto inicial, da importância do conhecimento e integração da magistratura.

O Senhor começou agora o mandato na AMAERj, já tem previsão de outros eventos?Estamos promovendo ciclos de debates institucionais. Vamos discutir a eleição do órgão especial da Justiça Estadual numa

comissão de juizes e desembargadores. Queremos definir também uma resolução para fixar os critérios objetivos para a promoção de juizes por merecimento. Acreditamos que a magistratura deve estar envolvida na discussão da reforma política porque é a própria reforma do Estado. Por isso estamos discutindo uma proposta para criar um centro de pesquisa e estudos para discussão do assunto. Nosso sistema de representação democrática passa por um controle do próprio Poder Legislativo que está interessado, evidentemente, na eleição. Assim, o Judiciário não tem contribuído com a experiência acumulada de tanto tempo de justiça eleitoral. Precisamos levar ao legislativo e ao executivo nossas propostas com relação, por exemplo, ao financiamento de campanha, à fiscalização, e tantos outros temas em que temos contribuições a dar.

presidente, a justiça do Rio é tida como a mais rápida do brasil. Há como melhorar ainda mais?

É sempre possível melhorar ainda mais. Nossa meta agora é a melhora, principalmente, no primeiro grau. O projeto não é milagroso, mas estamos fazendo um choque de gestão em todas aquelas varas onde ainda a efetividade não é o ideal. A 13a Vara, por exemplo, tem sido um parâmetro de eficiência para nós. Queremos que todas alcancem o mesmo patamar.

Uma das regras na administração pública diz que não basta fazer, tem que mostrar que fez. Como tem sido a comunicação do Tribunal com a sociedade?

Nem sempre nós temos a oportunidade de dizer o que fazemos. A melhor maneira de comunicação seria a imprensa, mas ela não quer saber do que está bom, só do que está errado. Tentamos, então, utilizar outros meios. Temos feito encontros com a comunidade de vários municípios e todos os meses, mostramos nossas realizações em reuniões. A melhor comunicação, no entanto, é o trabalho. Costumo dizer que a gente faz e depois os outros falam. Na medida em que a eficiência é percebida, as pessoas falam. Ontem, por exemplo, estivemos em Araruama, onde o prefeito, o

presidente da Câmara, e o presidente da OAB deram depoimentos elogiosos sobre o funcionamento da justiça. Foi gratificante. É importante que a comunidade e seus representantes sintam a mudança.

A melhor comunicação é o trabalhoEntrevista Sergio Cavallieri, Presidente do TJ/RJ

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“justiça: última esperança”, último artigo de Luiz Adolfo pinheiro

F oi o seu último trabalho jornalístico o artigo “Justiça: última esperança”, publicado em nossa edição de janeiro passado. No início ele diz: “a máquina judiciária é lenta e ladrões de galinha estão atrás das grades, enquanto

gatunos do tesouro desfrutam da impunidade”. Mas, depois de uma breve análise sobre a máquina judiciária, ele termina afirmando: “Fiquemos com o fato auspicioso de que a justiça, com todas as suas falhas, ainda é motivo de esperança de um povo cada dia mais apreensivo com seu destino e desencantado com o que vê a sua volta”.

O autor, o jornalista e escritor Luiz Adolfo Pinheiro, faleceu no final de fevereiro em Brasília. Mineiro da cidade de Prados, Luiz Adolfo ocupava o cargo de chefe da Assessoria de Comunicação Social do Superior Tribunal de Justiça e era um dos principais auxiliares do ministro Edson Vidigal.

Ministro barros Monteiro assumirá presidência do STj

O ministro Rafael de Barros Monteiro Filho que foi eleito para presidir o Superior Tribunal de Justiça no biênio 2006-2008, tomará posse no próximo dia 5 de abril substituindo o ministro Edson Vidigal que

conclui o mandato iniciado em 2004.Para a vice-presidência do órgão, o pleno do STJ elegeu o

ministro Francisco Peçanha Martins que também ocupará a vice-presidência do Conselho da Justiça Federal.

Agradecendo aos seus pares pela escolha, disse o novo presidente do STJ:

“Estou feliz com a dignidade a que me alçam, mas, ao mesmo tempo, preocupado com o encargo que estou a assumir. Renovo, primeiramente, aos caros ministros, os agradecimentos pela honra inexcedível concedida a um magistrado de carreira, que aqui aportou em 1989 e teve como único intento o de continuar prestando serviços à sociedade brasileira. E este é meu único objetivo neste instante, uma vez que, em virtude da humildade, não cultivo aspirações maiores, de qualquer ordem que seja. Cabe-me apresentar oportunamente os projetos de gestão, no que conto com a prestigiosa colaboração de todos os eminentes pares. Nesse ponto, estou convencido de que devamos todos, ministros e servidores da Casa, sem exceção, reunir todos os esforços possíveis para que o tribunal continue a prestar a jurisdição exigida pela comunidade, não só na quantidade necessária, haja vista o volume de serviços submetidos à apreciação desta Casa, mas, sobretudo, com a alta qualidade nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça”.

O ministro Barros Monteiro concluiu falando da linha de gestão a ser adotada na próxima administração do Tribunal: “A própria entrega da prestação jurisdicional constitui a maior preocupação do Poder Judiciário nos dias atuais, e esta Corte não pode transigir a esta regra, dado o número extraordinário de feitos que diuturnamente chegam à sua apreciação. Face isso, é preciso simplificar os procedimentos com o uso eficiente de tecnologia informática, sem prejuízo das modificações legislativas necessárias”.

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