rodrigo borges

Upload: rosabiog

Post on 18-Oct-2015

40 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botnica Tropical

    Estudos Etnobotnicos na Comunidade Caiara Martim de S, APA de Cairuu, Paraty, RJ.

    Rodrigo Borges

    2007

  • Borges, Rodrigo B732a Estudos Etnobotnicos na Comunidade Caiara Martim de S,

    APA de Cairuu, Paraty, RJ / Rodrigo Borges. Rio de Janeiro, 2007. xvi, 51 f. : il.

    Dissertao (mestrado) Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro/Escola Nacional de Botnica Tropical, 2007.

    Orientadora: Ariane Luna Peixoto. Bibliografia.

    1. Etnobotnica. 2. Plantas teis. 3. Conservao da natureza. 4.Mata Atlntica. 5. Conhecimento Caiara. 6. Parati (RJ). 7. Rio de Janeiro (Estado). I. Ttulo. II. Escola Nacional de Botnica Tropical.

    CDD 581.63

  • Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro Escola Nacional de Botnica Tropical

    Estudos Etnobotnicos na Comunidade Caiara Martim de S, APA de Cairuu, Paraty, RJ.

    Rodrigo Borges

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Botnica da Escola Nacional de Botnica Tropical, do Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Botnica.

    Orientadora: Ariane Luna Peixoto

    Rio de Janeiro 2007

  • Estudos Etnobotnicos na Comunidade Caiara Martim de S, APA de Cairuu, Paraty, RJ.

    Rodrigo Borges

    Dissertao submetida ao corpo docente da Escola Nacional de Botnica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro - JBRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do grau de Mestre.

    Aprovada por:

    Prof. Dr. Ariane Luna Peixoto (orientadora)

    Prof. Dr. Margarete Emmerich

    Prof. Dr. Regina Helena Posch Andreata

    em 27/02/ 2007.

    Rio de Janeiro 2007

  • A Odaniza, Antnio e Rafael.

  • O problema no apenas proteger recursos e lugares, mas valorizar a essncia do homem

    Milton Santos.

    No fundo, os mltiplos problemas da cincia so problemas do homem. David Hume.

  • Agradecimentos Dr. Ariane Luna Peixoto, minha orientadora, pela generosidade, estmulo ao trabalho

    e sabedoria com que me acompanhou no percurso da pesquisa; Aos professores da Escola Nacional de Botnica Tropical, dos quais tive o privilgio de

    ter sido aluno;

    Ao programa de Ps-Graduao em Botnica da Escola Nacional de Botnica Tropical, Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro pela oportunidade de realizao

    do trabalho; Secretaria da ENBT, em especial a Ablio e Mrcia por todo o apoio logstico nesses

    anos;

    comunidade caiara de Martim de S: Seu Maneco, Dona Lourena, Dona Capitulina, Paulo Henrique, Zani, Pedro, Joelma, Marcos, Cidinalva, Cludio, Luciana e Llian, que me acolheram e compartilharam comigo momentos de suas vidas naquele cenrio esplndido;

    Professora Dr. Luci de Senna-Valle, do departamento de botnica do Museu Nacional, UFRJ, por me auxiliar durante o perodo de aperfeioamento em etnobotnica no ano de 2004;

    Professora Dr. Regina Helena Postch Andreata pelas valiosas sugestes durante a avaliao da pr-dissertao;

    Aos companheiros do Museu Nacional: Ivone, Dbora, Maria, Mono, Brbara, Rosngela, Marcelo, Monique, Verinha, Margarete, Eugnia, Ivete, Agnaldo e Lus;

    Ao Marcelo da Costa Souza (Marcelinho) pela incalculvel ajuda na marcao da parcela, coleta e identificao das plantas. Valeu irmo!

    Aos especialistas do Jardim Botnico do Rio de Janeiro que identificaram o material botnico: Adriana Quintella Lobo, Alexandre Quinet, ngela Studart da Fonseca Vaz, Ariane Luna Peixoto, Bruno C. Kurtz, Cyl Farney C. de S, Elsie Franklin Guimares, Ins Machline Silva, Jos Fernando Baumgratz, Luciana F. G. Silva, Marcelo da Costa Souza e

    Ronaldo Marquete; Aos professores da graduao Marisa Boscacci Marques, Domingos Svio Nunes,

    Rosemeri S. Moro, Ademir J. Rosso e Olavo M. Ayres pelos ensinamentos;

  • Aos funcionrios do IBAMA em Paraty, Ney, Jlio, Tani, Seu Lus, Pedro, Zez e Regina por facilitarem minhas estadas em Paraty ao ceder o alojamento.

    Aos companheiros de mestrado e de laboratrio em especial Arno e Mnica, Felipe, Ins e Rbia pelos bons momentos de Jardim Botnico...

    sangha do Templo Zen de Copacabana por momentos marcantes da vida em comunidade: Clio e Cntia, Srgio Amaral, Artur e Jaquinha, Fabiana, Casaverde e Marcos;

    Ao Artur Amaral pela companhia na casa Zen e por toda a ajuda na edio das imagens do trabalho;

    Aos meus queridos pais Antonio e Odaniza, por sempre terem me apoiado nos estudos; Ao Rafael, meu irmo e amigo em todas as horas; toda minha famlia: Alcio, Tereza, Marize, Altair, Edson, Magnlia, Michele e

    Anderson pelo carinho e afeto, mesmo que de longe; Aos amigos distantes: Marcio, tila, Pablo, Romildo, Murilo, Iris, Ju Fabris e Margot

    pelo incentivo e tantas histrias na poca da graduao na Universidade Estadual de Ponta

    Grossa, Paran; Maria Otvia S. Crepaldi, minha amiga e parceira, pela leitura crtica do texto,

    sugestes, por compartilhar experincias, ideais e amor.

  • Resumo

    A praia Martim de S localiza-se na Reserva Ecolgica da Juatinga e na APA de Cairuu, municpio de Paraty, RJ. Nessa praia de cerca de 500 m de extenso moram 30 pessoas em oito casas. Vivem de pesca artesanal, agricultura de subsistncia, coleta de frutos nos ecossistemas locais e, mais recentemente, do turismo. So todos, de alguma maneira, aparentados, tendo o Sr. Manoel dos Remdios (Seu Maneco) como patriarca. Afirmam-se caiaras e, nas palavras deles caiaras so os que sabem caar, pescar e roar. Na rea onde vivem no h luz eltrica, nem telefonia fixa ou mvel. No h escola ou igreja. No h recolhimento de lixo. Uma pequena mercearia para venda de utenslios e alimentos foi aberta em 2005 junto casa de Seu Maneco. O objetivo deste trabalho foi estudar o conhecimento etnobotnico dos moradores locais, tentando responder as seguintes questes: a comunidade caiara Martim de S detm informaes sobre as plantas locais? Quais plantas so utilizadas pela comunidade? Como o conhecimento tradicional est distribudo entre os moradores em relao idade e gnero? O trabalho de campo foi desenvolvido de maio de 2005 a maio de 2006, quando foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 10 pessoas (cinco homens e cinco mulheres) com idades entre 21 e 63 anos. Utilizou-se tambm a tcnica caminhando na floresta com os homens. Nessas caminhadas eles foram entrevistados sobre os nomes e os usos das espcies. Os informantes foram entrevistados individualmente para evitar que as suas respostas fossem influenciadas pelas respostas de outro informante. As mesmas plantas foram mostradas para todos os informantes. Coletou-se 73 espcies pertencentes a 30 famlias botnicas que foram ordenadas nas seguintes categorias de uso: construo (40), alimentar (24), medicinal (11) ornamental (2) e lenha (1). As trs espcies mais citadas foram: Sloanea obtusifolia (Moric.) K. Schum. (Sapopema), Scherolobium denudatum Vogel (Ing-ferro) e Balizia pedicelaris (DC.) Barneby & Grimes (Timbuba), com 13, 12 e 11 citaes respectivamente. Os homens fizeram mais citaes de espcies e de usos nas categorias construo e alimentar; j as mulheres nas categorias medicinal e alimentar. Entre os informantes do gnero masculino observa-se que os mais idosos (35 65 anos) citaram maior nmero de espcies e usos para as plantas do que os mais jovens (20 34 anos) exceo de Paulo Henrique com 26 anos e 71 citaes. Entre as mulheres ocorreu fato semelhante: as mais idosas tm maior conhecimento sobre as plantas do local com exceo de Zani com 21 anos e 26 citaes. Os moradores ainda empregam o conhecimento tradicional em atividades do seu cotidiano, como o cultivo de mandioca, cultivo e coleta de frutos e fabricao de utenslios e canoas para a pesca. Em feriados prolongados trabalham no atendimento aos turistas que procuram o lugar para acampar, e esto obtendo algum ganho econmico com isso. Aparentemente esto conseguindo aliar as atividades tradicionais nova atividade. Tentam cuidar do lixo deixado pelos visitantes, e transportam at Paraty, o lixo reciclvel para despejo. Como a rea ainda no tem plano de manejo implementado, ficam desamparados legalmente e questes como limitao do nmero de turistas que freqentam o local e mesmo a segurana dos moradores fica fragilizada. Embora haja um forte sentimento verbalizado de diferentes maneiras sobre a importncia de conservar o ambiente onde vivem a noo do compromisso de governo com as UCs no parece compreendida por eles. importante que o saber dos moradores seja incorporado na elaborao dos planos de manejo e estratgias de conservao da biodiversidade in situ das UCs e da cultura tradicional caiara, j que as diversidades biolgica e cultural esto ameaadas na regio da Floresta Atlntica pela reduo das

  • atividades em agricultura e crescimento de atividades relacionadas ao turismo. Mas importante tambm que os moradores se apropriem do conhecimento sobre as UCs na qual vivem e ajudam a preserv-las.

    Palavras-chave: Etnobotnica, Plantas teis, Conservao da Natureza, Mata Atlntica, Conhecimento Caiara.

  • Abstract

    Martim de S beach is located in the Ecological Reserve of Juatinga and in APA of Cairuu, municipal district of Paraty, RJ. In that beach about 500 m of extension 30 people live in eight homes. They live of craft fishing, subsistence agriculture, collection of fruits in the local ecosystems and, more recently, of the tourism. All are, somehow, kindred, tends Mr. Manoel dos Remdios (Mr. Maneco) as patriarch. They are affirmed caiaras and, in their words caiaras are "the one that know hunt, to fish and to clear." In the area where they live there is no electric light, nor telephony fastens or piece of furniture. There is no school or church. There is no garbage withdrawal. A small grocery store for sale of utensils and foods was opened in 2005 close to the house of Mr. Maneco. The objective of this work was to study the local residents' ethnobotanical knowledge, trying to answer the following subjects: Does the caiaras of Martim de S stops information on the local plants? Which plants are used by the community? How is the traditional knowledge distributed among the residents in relation to the age and gender? The field work was developed of May 2005 to May 2006, when semi-structured interviews were accomplished with 10 people (five men and five women) with ages between 21 and 63 years. It was also used the technique "walking in the woods" with the men. In those walks they were interviewed on the names and the uses of the species. The informers were interviewed individually to avoid that their answers were influenced by the answers of another informer. The same plants were shown for all the informers. It was collected 73 species belonging to 30 botanical families that were ordered in the following use categories: construction (40), food (24), medicinal (11) ornamental (2) and firewood (1). The three species more mentioned were: Sloanea obtusifolia (Moric.) K. Schum. (Sapopema), Scherolobium denudatum Vogel (Ing-ferro) and Balizia pedicelaris (DC.) Barneby & Grimes (Timbuba), with 13, 12 and 11 citations respectively. The men made more citations of species and of uses in the categories construction and food; already the women in the medicinal and food categories. Among the informers of the masculine gender it is observed that the more seniors (35 65 years) mentioned larger number of species and uses for the plants than the more youths (20 34 years) except Paulo Henrique with 26 years and 71 citations. Enter the women happened similar fact: the more seniors have larger knowledge on the plants of the place except for Zani with 21 years and 26 citations. The residents still use the traditional knowledge in activities of they daily one, as the cassava cultivation, cultivation and collection of fruits and production of utensils and canoes for the fishing. In lingering holidays they work in the service to the tourists that seek the place to camp, and they are obtaining some economical earnings with that. Seemingly they are getting to ally the traditional activities to the new activity. They try to take care of the garbage left by the "visitors", and they transport Paraty even, the recyclable garbage for spilling. As the area still doesn't have management plan implemented, they are abandoned legally and subjects as limitation of the number of tourists that frequent the place and even the residents' safety is threatened. Although there is a fort verbalized feeling in different ways on the importance of conserving the environment where they live, the notion of government's commitment with UCs is not understood by them. It is important that the residents' knowledge be incorporated in the elaboration of the management plans and strategies of conservation of the biodiversity in situ of UCs and of the caiaras traditional culture, since the biological and cultural diversities are threatened in the area of the Atlantic Forest by the reduction of the activities in agriculture and growth of activities related to the tourism. But

  • it is important also that the residents appropriate of the knowledge on UCs in the which they live and help to preserve them.

    Key-words: Ethnobotanic, Useful plants, Nature conservation, Atlantic Rain Forest, Caiara knowledge.

  • Sumrio Pgina

    1. Introduo...................................................................................................................... 01 2. Material e Mtodos........................................................................................................ 08 2.1 rea de estudo.................................................................................................. 08 2.2 A Comunidade de Martim de S...................................................................... 13 2.3 Etnobotnica..................................................................................................... 16 3. Resultados e discusso.................................................................................................. 19 3.1 Histrico da Comunidade Martim de S.......................................................... 19 3.2 Modo de vida e economia de subsistncia....................................................... 23 3.3 Os informantes e seu saber sobre as plantas.................................................... 25 3.4 Os hbitos e as partes vegetais mais utilizadas................................................ 31 3.5 Origem e localizao das plantas na comunidade............................................ 32 3.6 Categorias de uso............................................................................................. 33 3.7 Valor de uso (VU)........................................................................................... 36 3.8 ndice de Shannon-Wiever.............................................................................. 37 4. Concluses..................................................................................................................... 40

    5. Referncias Bibliogrficas............................................................................................. 42

  • ndice de figuras Pgina

    Figura 1: Mapa do Estado do Rio de Janeiro destacando a regio de Paraty....................... 9

    Figura 2: Mapa do municpio de Paraty, RJ, ressaltando as Unidades de Conservao

    locais: o Parque Nacional da Serra da Bocaina, a rea de Proteo Ambiental de Cairuu e a Reserva Ecolgica da Juatinga. O crculo preto destaca a praia Martim de

    S.......................................................................................................................................... 9

    Figura 3: Vista panormica da praia Martim de S, Paraty, RJ......................................... 10

    Figura 4: Exemplo de placa encontrada na rea de camping em Martim de S, Paraty, RJ........................................................................................................................................ 11

    Figura 5: Croqui da praia de Martim de S, Paraty, RJ, assinalando o porto na localidade Saco das Anchovas, as casas dos moradores locais, as casas de farinha e a rea onde foi efetuado o inventrio florstico.......................................................................................... 15

    Figura 6 (a-homens; b-mulheres): Distribuio do nmero de citaes, idade e gnero por informante na comunidade caiara da Praia de Martim de S, Paraty, RJ....................................................................................................................................... 26

    Figura 7: Distribuio do nmero de citaes das espcies mais representativas indicadas pelos caiaras da Praia Martim de S, Paraty, RJ.............................................................. 31

    Figura 8: Hbitos de plantas utilizadas pela comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem............................................................................................... 31

    Figura 9: Partes das plantas utilizadas pela comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem............................................................................................... 32

  • Figura 10: Origem das plantas utilizadas na comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem............................................................................................... 33

    Figura 11: Localizao das plantas utilizadas na comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem............................................................................................... 33

    Figura 12: Distribuio das etnoespcies nas cinco categorias de uso para os caiaras da

    praia Martim de S, Paraty, RJ........................................................................................... 35

    Figura 13: Distribuio dos valores de uso (VU) para as 73 espcies citadas como teis pelos caiaras da Praia Martim de S, Paraty, RJ.............................................................. 36

  • ndice de tabelas e Anexos Pgina

    Tabela 1. Relao das espcies vegetais utilizadas pela comunidade caiara de Martim de S, Paraty, RJ, em ordem alfabtica de famlias botnicas acompanhadas pelos nomes populares, categorias de uso (cat), valores de uso (VU), origem e local de coleta (O/loc) e parte utilizada (par). (al = alimentar, co = construo/tecnologia, le = lenha, me = medicinal e or = ornamental, hbito (hab) ab = arbusto, av = rvore, hb = herbcea e li = liana, m = mata, q = quintal e r = restinga, cau = caule, cas = casca, esp = espata, fo = folhas, fr = fruto

    e ra = raiz). * = vi de vivo. (?) = plantas cuja origem no pode ser determinada.............. 27

    Tabela 2: Famlias botnicas com maiores nmeros de espcies citadas como teis para a comunidade caiara de Martim de S, Paraty, RJ.............................................................. 30

    Tabela 3: Categorias de usos das espcies de plantas indicadas como teis pela comunidade Martim de S, Paraty, RJ.................................................................................................... 34

    Tabela 4. Comparao de informaes compiladas de estudos realizados em ecossistemas

    costeiros brasileiros indicando fonte, local de realizao do estudo, Veg=tipo de vegetao, Abr=abrangncia do estudo (nmero de categorias de uso), N. Inf.=nmero de informantes, N. Esp=nmero de espcies citadas, N. cit=nmero de citaes, H- ndice de Shannon-Wiever (B.10 base 10, B.e-base. ( R - restinga; Ma - mata atlntica; C - reas cultivadas ou roas; (-) indica ausncia de informao)..................................................................... 38

    Anexos

    Anexo 1 Questionrio preliminar para obteno de dados etnobotnicos.......... 47 Anexo 2 Registros fotogrficos de Martim de S, Paraty, RJ............................. 49 Anexo 3 Registros fotogrficos de Martim de S, Paraty, RJ............................. 50 Anexo 4 Registros fotogrficos na comunidade Martim de S, Paraty, RJ........ 51

  • 1

    Introduo A partir do final do sculo XIX surge uma cincia interdisciplinar que combina Botnica e a Antropologia, a qual se nomeou Etnobotnica. O termo foi cunhado pelo norte-americano J.W. Harshberger com a publicao, em 1896, do artigo intitulado The purposes of ethno-botany e era inicialmente compreendida apenas como o uso de plantas pelo homem primitivo (Albuquerque, 2002). A etnobotnica se estabelece no escopo mais amplo da etnobiologia que compreende o estudo dos sistemas de classificao do mundo vivo por qualquer cultura como afirma Posey (1987): a etnobiologia essencialmente o estudo das conceituaes desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia. Em outras palavras, o estudo do papel da natureza no sistema de crenas e de adaptao do homem a determinados ambientes. Dessa forma, a etnobotnica tem como objetivo a busca do saber botnico tradicional relacionado aos recursos da flora (Guarim Neto et al. 2000). Os etnobotnicos em seus primeiros estudos catalogaram as formas de uso de plantas pelas pessoas (Prance, 1991). Berlin (1973) define trs reas de estudo da etnobotnica: a da classificao, que se preocupa em estudar os princpios que dividem os organismos em classes, a da nomenclatura, em que so estudados os princpios lingsticos para nomear as classes folk e a da identificao, que estuda a relao entre caracteres dos organismos e sua classificao. Os estudos de etnobotnica em geral incluem levantamentos de espcies e etnoespcies e tm contribudo para planos de conservao e manejo de ecossistemas (Prance, 1995). Segundo Begossi (1993) a rea de etnobotnica aquela que se concentra o maior nmero de trabalhos de etnocincia, especialmente a etnofarmacologia que estuda os remdios usados pelas populaes tradicionais. senso comum na literatura conservacionista que os povos indgenas e comunidades tradicionais tm conhecimento dos usos para quase todas as plantas da floresta e que esse um caminho para entender quo proveitoso pode ser a conservao das florestas tropicais (Prance, 1991). Diegues & Arruda (2001) salientam a importncia da contribuio que os estudos em etnobotnica tm trazido na medida em que buscam descobrir a lgica subjacente ao conhecimento humano do mundo natural, as taxonomias e as classificaes totalizadoras. Para esses autores conhecimento tradicional pode ser definido como o saber e o saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural gerados no mbito da sociedade no-urbana/industrial e transmitido oralmente de gerao a gerao.

  • 2

    A coleta de dados etnobotnicos envolve uma gama de informaes a respeito de como as comunidades locais se relacionam com o meio ambiente. So obtidos de muitas formas: coleta de plantas, execuo de entrevistas, anlises de laboratrio, registros fotogrficos, depoimentos de vida, entre outros (Martin, 1995). Para Prance, 1991 o inventrio florstico um estgio bsico necessrio para fornecer informaes que sustentam o desenvolvimento da anlise etnobotnica. importante obter tanto dados quantitativos quanto qualitativos para se estudar o conhecimento etnobotnico e utilizar-se deles no manejo e conservao dos recursos naturais, principalmente dentro de remanescentes florestais importantes para a conservao (Hanazaki et al. 2000).

    O territrio brasileiro apresenta uma das maiores diversidades biolgica e cultural do planeta. Conta com mais de 500 reas indgenas reconhecidas pelo Estado, alm de diversos grupos de populaes rurais no-indgenas espalhadas pelo litoral e pelo interior, incluindo caiaras, ribeirinhos, caboclos, quilombolas, agricultores migrantes, entre outros (Diegues & Arruda, 2001).

    O termo caiara tem origem no vocbulo tupi-guarani ca-iara (Sampaio apud Adams, 2000), primeiramente utilizado para designar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias e o cerco feito com galhos de rvores fincados no cho para cercar o peixe dentro da gua. Com o passar dos anos passou a ser o nome dado s palhoas construdas nas praias para abrigar canoas e utenslios dos pescadores e, mais recentemente, para identificar os indivduos e/ou comunidades das reas costeiras dos atuais Estados do Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e norte de Santa Catarina. Tm modo de vida baseada no extrativismo vegetal, na agricultura itinerante, pesca e no artesanato (Diegues & Arruda, 2001).

    A literatura sobre comunidades caiaras extensa. Adams (2000) em sua dissertao de mestrado levantou 180 publicaes sobre comunidades caiaras desde 1943 at 2000, sendo que 35 % desses estudos foram publicados na dcada de 90.

    Diegues & Arruda (2001) mostram, em seu levantamento de referncias bibliogrficas sobre os caiaras, que o extrativismo a atividade mais realizada por essas comunidades sendo assinalado em 63% do total de 104 trabalhos publicados. O extrativismo caiara feito no mar e esturios, onde se pesca e coleta crustceos e moluscos, e nas restingas e matas onde um grande nmero de espcies de plantas utilizado para uso domstico e comercial. Entre os trabalhos citados acima apenas 15% foram desenvolvidos no Estado do Rio de Janeiro (Diegues, 2003).

  • 3

    Estudos desenvolvidos no litoral dos Estados de So Paulo e do Rio de Janeiro nos ltimos dez anos foram selecionados para o estabelecimento de comparaes sobre o conhecimento e as formas de uso de plantas por comunidades de pescadores, bem como as espcies vegetais comuns ao presente estudo. Algumas consideraes sobre esses trabalhos so feitas abaixo.

    Figueiredo et al. (1997) trabalharam com a comunidade caiara de Calhaus (ilha de Jaguanum) localizada na baa de Sepetiba, RJ. Conduziram entrevistas com os adultos sobre os usos de plantas e compararam a diversidade do uso de plantas medicinais com a de outras comunidades insulares da baa de Sepetiba.

    Rossato et al. (1999) estudaram o uso de plantas em cinco comunidades caiaras no litoral do Estado de So Paulo (Praia do Puruba, Serto do Puruba, Casa de Farinha, Picinguaba e Ilha Vitria) e compararam as citaes de plantas medicinais entre as comunidades da costa e das ilhas.

    Hanazaki et al. (2000), conduziram estudos etnobotnicos em duas comunidades caiaras no litoral do Estado de So Paulo (Ponta do Almada e Praia de Cambur) focalizando nos usos de plantas. Os moradores das comunidades estudadas dependem da vegetao nativa em mais da metade das espcies conhecidas e usadas. Na faixa terrestre da Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo (RESEX) localizada no municpio de Arraial do Cabo, regio de Cabo Frio, RJ, Fonseca-Kruel & Peixoto (2004) inventariaram as espcies vegetais usadas, associando este conhecimento s tradies locais.

    Garrote (2004) caracterizou e analisou 19 quintais caiaras na comunidade do Saco do Mamangu, Paraty, RJ, dos pontos de vista social, econmico e etnoecolgico. Nesses quintais foram encontradas 347 espcies de plantas, com uma mdia de 64 espcies por quintal distribudas em trs estratos: o estrato herbceo com predomnio de plantas ornamentais; o estrato arbustivo com espcies destinadas principalmente a alimentao e o estrato arbreo, composto por espcies frutferas e nativas. A comunidade caiara de Martim de S, na qual se realizou a presente pesquisa foi estudada por duas pesquisadoras: Sinay (2002) buscou compreender o processo de adaptao da comunidade ao ecoturismo e compreender a identidade cultural da comunidade como bem patrimonial e como elemento de risco no planejamento dessa atividade. A comunidade de Martim de S foi escolhida por residir em um local onde o ecoturismo estava apenas comeando. Esse fato permitiu autora refletir sobre as conseqncias de tal atividade. Utilizou-se de tcnicas como a observao participante e

  • 4

    entrevistas estruturadas com a finalidade de caracterizar a comunidade local e os turistas. A autora argumenta que apesar de Martim de S estar inserida nos limites de duas Unidades de Conservao (UC), est sobre forte ameaa de degradao ambiental devido a especulao imobiliria incentivada pelo crescimento do fluxo turstico sem planejamento e facilitado pela falta de fiscalizao dos rgos ambientais responsveis por essas reas.

    Cavalieri (2003) trabalhou o processo de reclassificao da Reserva Ecolgica da Juatinga prevista pela lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC) em 2000. Segundo a autora, as comunidades da REJ vivenciaram, da dcada de 50 at a dcada de 80, uma forte especulao imobiliria e a chegada de grileiros. A partir da dcada de 90, somados aos problemas fundirios surgiram conflitos ambientais devido criao dessa UC de natureza non edificandi. Atualmente, alm dos desdobramentos da chegada dos grileiros, dos turistas e da UC, os moradores enfrentam o desafio de continuar na sua terra por meio da reclassificao da REJ.

    A Floresta Atlntica brasileira um dos ambientes naturais mais ameaados do mundo. Esta floresta cobre as terras altas e baixas ao longo da costa brasileira tornando-a o quarto hotspot mais importante em termos de biodiversidade do mundo (Myers et al., 2000). Foi explorada primeiramente para a extrao de madeiras de lei, depois para agricultura, especialmente para as culturas de cana-de-acar e caf e, mais recentemente, muitas reas foram convertidas em pasto (Moraes et al., 2002).

    As interferncias e modificaes realizadas na Floresta Atlntica ao longo dos anos repercutiram de maneira drstica em sua riqueza e diversidade florstica, promovendo o desaparecimento de inmeras espcies e ambientes sem iguais (Lima et. al., 2002). A vegetao remanescente representa cerca de 7,5% da floresta original, que foi estimada em aproximadamente 1.227.600 km2 (Myers et al., 2000).

    Durante a dcada de 1950 comeam a surgir no Brasil alguns movimentos sociais e organizaes voltadas para a conservao, como a Fundao Brasileira para a Conservao da Natureza (FBCN) composta por profissionais predominantemente das Cincias Naturais influenciados pela idia preservacionista norte-americana vigente na poca para a criao de parques e reservas. Essa idia abrangia trs objetivos principais: recreao e deleite das populaes urbanas, educao ambiental e pesquisa (Diegues, 2001).

  • 5

    Ao final da dcada de 60 o governo militar, por conta de polticas autoritrias e modernizantes decidiu estabelecer uma indstria pesqueira moderna que superasse, naquela poca, a participao da pesca artesanal. Essas empresas estavam interessadas na explorao de produtos nobres para a exportao, como o camaro e a lagosta, pois haviam recebido grandes investimentos provenientes dos incentivos fiscais e precisavam de retorno rpido. A devastao dos recursos pela pesca industrial gerou conflitos com as embarcaes da pesca artesanal e seus sistemas de manejo tradicional, provocando em muitos casos perda de equipamentos de pesca e mortes (Diegues, 2001).

    Associado a isso ocorreu uma forte expanso turstica e imobiliria no Estado do Rio de Janeiro, em grande parte pela abertura e pavimentao da estrada BR-101, no trecho Rio-Santos. A estrada no alcanou todas as localidades de Paraty, mas a vinda dos turistas e grileiros lanou as comunidades tradicionais num universo distinto daquele vivido pelas geraes anteriores. Os moradores que trabalhavam na terra utilizando-a como espaos de recursos naturais de uso comum conheceram nessa poca os processos de reintegrao de posse, as aes demarcatrias e as fraudes de cartrio para consolidar a propriedade da terra. Tais processos foram e continuam sendo movidos pelos recm-chegados proprietrios (Cavalieri, 2003). Garrote (2004) verificou que os grupos familiares de Saco do Mamangu, Paraty, RJ perderam a mobilidade interna e os territrios comuns da regio e associou esse fato ao processo de abertura da estrada BR-101(Rio-Santos) e criao de UCs na regio como medida de proteo do local.

    Muitos conflitos foram gerados pela compra de ttulos de posse de terra. Um exemplo foi a aquisio da Praia de Trindade, Paraty, RJ por uma empresa canadense com o objetivo de instalar um complexo turstico no local. O estabelecimento se concretizou, mesmo com a mobilizao dos moradores locais no favorveis a tal empreendimento, que hoje se encontram em uma pequena regio do seu territrio tradicional (Diegues, 2001).

    Outro exemplo aconteceu na Praia do Sono, Paraty, RJ, onde se encontra o condomnio Laranjeiras, um dos mais ricos do pas (Cavalieri, 2003). Para acessar o antigo cais tradicional de cinco comunidades costeiras, os moradores do entorno so obrigados a portar crach de identificao e s podem acess-lo com a presena do grupo de seguranas do condomnio. Os moradores so levados de carro da portaria do condomnio at o cais apenas quando os seguranas se certificam, por rdio, que o barco usado em seu transporte at Paraty se encontra ancorado. Portanto o acesso martimo

  • 6

    rigorosamente controlado. Uma caminhada at Paraty por terra implica em uma a cinco horas conforme a localizao da comunidade (Cavalieri, 2003).

    As Unidades de Conservao, no mbito do domnio federal, so regulamentadas pela lei 9.985 de 18 de julho de 2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao. A maior parte das UCs brasileiras (federais, estaduais ou municipais) foram selecionadas com o interesse em preservar reas de notvel beleza cnica, proteger animais ameaados de extino, proteger mananciais hdricos, entre outros. O processo de criao de UCs no Brasil ainda realizado atravs de aes desconectadas entre as administraes municipais, estaduais e federais (Lima et al., 2002).

    A maior parte das UCs criadas no pas de proteo integral e exclui a participao das populaes que ali vivem na gesto das unidades. Isso se reflete na estratgia de conservao utilizada pelas instituies oficiais no Brasil, que ainda prioriza atitudes influenciadas por idias preservacionistas norte-americanas (partindo da premissa que a natureza selvagem intocada e intocvel e impensvel que uma unidade de conservao pudesse proteger alm da diversidade biolgica, a diversidade cultural) sem considerar a possibilidade do manejo sustentado dos recursos florestais como forma de valorizar e conservar tais recursos. Em conseqncia, o conhecimento dessas populaes fica desconsiderado embora seja de fundamental importncia para o manejo dessas unidades (Diegues, 2001).

    O territrio do Estado do Rio de Janeiro ocupa uma rea de 43.650 km2. Estima-se que poca do descobrimento, a Mata Atlntica cobria cerca de 98% do seu territrio (Instituto Estadual de Florestas, 2006). Segundo a mesma fonte, estudo da Comisso para o Tombamento do Sistema Serra do Mar/Mata Atlntica em 1990 estimou a cobertura florestal em 6.907 km2, ou seja, 15,95% da rea do Estado. O conhecimento tradicional pode fornecer informaes muito teis no planejamento de um desenvolvimento participativo de unidades de conservao com sustentabilidade (Hanazaki, 2002). Alguns autores argumentam que o conhecimento tradicional pode complementar o conhecimento cientfico ao fornecer experincias prticas pela vivncia nos ecossistemas e, por conseguinte, responder a mudanas nestes ecossistemas (Berkes et al. 1998, Hanazaki, 2002).

    As diversidades biolgica e cultural esto geralmente combinadas. Nas reas tropicais do mundo onde h grandes concentraes de espcies, encontra-se com freqncia uma grande diversidade cultural. O isolamento geogrfico por complexos

  • 7

    sistemas fluviais e cadeias de montanhas que propiciam a especiao biolgica tambm favorece a diferenciao de culturas humanas (Primack & Rodrigues, 2001). O resguardo dessas culturas tradicionais dentro de seu ambiente natural oferece oportunidade para se alcanar o duplo objetivo de proteger a diversidade biolgica e preservar a diversidade cultural, que representam um dos mais valiosos recursos da civilizao humana ao fornecer uma viso singular de filosofia, religio, arte, manejo de recursos e psicologia (Denslow & Padoch, 1988 apud Primack & Rodrigues, 2001). Considerando que a comunidade caiara de Martim de S habita uma UC de uso sustentvel e apresenta conflito na questo da posse de terra; vive numa regio apontada como de alta diversidade biolgica; encontra-se afastada de um centro urbano, cujo deslocamento at ele dificultado por longas caminhadas ou uso de barcos, o estudo proposto partiu da hiptese de encontrar na comunidade um elevado conhecimento sobre as plantas locais. As perguntas que orientaram esse estudo foram: a comunidade caiara Martim de S detm informaes sobre as plantas locais? Quais plantas so utilizadas pela comunidade? Como o conhecimento tradicional est distribudo entre os moradores em relao idade e gnero? Qual o sentimento da comunidade em relao UC? E conservao da biodiversidade?

  • 8

    Material e Mtodos rea de estudo Esse estudo foi desenvolvido na comunidade caiara de Martim de S, no litoral sul do estado do Rio de Janeiro. A Praia de Martim de S localiza-se na regio da rea de Proteo Ambiental (APA) de Cairuu, nos limites da Reserva Ecolgica da Juatinga. A APA de Cairuu est localizada no extremo sul do municpio de Paraty-RJ entre as coordenadas 232204 - 231330" latitude Sul e 454324" - 444234 longitude Oeste (Figuras 1 e 2). Ocupa na parte continental uma rea de 33,800 ha, alm de uma parte insular com 63 ilhas. Seus limites a noroeste so o afluente do Rio Corisco e o Rio Mateus Nunes at a sua foz junto cidade de Paraty; ao norte, a leste e ao sul limitada pela baa da Ilha Grande e Oceano Atlntico e a oeste pela Serra do Mar (Marques et al., 1997). Sobrepe-se parcialmente ao Parque Nacional da Serra da Bocaina, e abrange totalmente a Reserva Ecolgica da Juatinga que tem uma rea de 8.000 ha e est includa no bioma Mata Atlntica. Existem dois tipos de rios na rea: os de plancie que penetram relativamente pouco na serra e os da faixa serrana que desenvolvem seus cursos em grande parte na montanha. De modo geral os cursos so de pequena extenso em virtude das condies de saltos e corredeiras do relevo. Os rios da APA que se destacam so o Perequ-A, Parati-Mirim, Corisco e Mambucaba (o mais extenso). H quedas d'guas com mais de 15 metros de altura como a de Bananal situada no curso do Perequ-Au. As linhas de cumeada predominante, os cursos dos rios, as amplas enseadas e as principais escarpas litorneas esto orientadas segundo a estrutura geolgica da regio SW NE (Marques, 1997). A parte da Serra do Mar que forma o bordo ocidental apresenta altitudes variveis entre 800 a 1.200 metros, atingindo mais de 2.000 metros nos pontos culminantes (Marques, 1997). Seu aspecto de uma imponente barreira montanhosa, disposta de modo aparentemente paralelo linha da costa e com acentuada declividade.

    De acordo com a carta geolgica do Estado do Rio de Janeiro - DRM-RJ, predominam solos do tipo podzlico com suas variantes nas reas de maiores altitudes e encostas, sendo mais observado o tipo latossolo amarelo-litossol. Na faixa litornea predominam os solos hidromrficos.

    O clima da regio tem caractersticas tropicais midos (supermido), Af na Classificao de Kppen, com pouco ou nenhum dficit de gua, mesotrmico, com temperaturas mdias anuais volta de 26C e 27C. No h perodo seco definido e a umidade relativa do ar permanece em torno de 80% durante o ano todo (FIDERJ, 1978).

  • 9

  • 10

    A vegetao predominante da regio pertence ao domnio da Floresta Ombrfila Densa (Veloso et al., 1991). Na regio ocorrem subtipos vegetacionais como a floresta de restinga e manguezais. A floresta chega em vrios pontos at prximo estreita faixa arenosa da praia caracterizando a tpica vegetao de influncia marinha. Por toda regio encontra-se tambm vegetao antropicamente alterada em diferentes estgios sucessionais como campos de ocupao agropecuria, capoeiras e vegetao secundria (Marques et al., 1997).

    A comunidade de Martim de S localiza-se em uma pequena praia de cerca de 500 m de extenso, numa regio declarada em 1991 como Patrimnio Natural da Humanidade e, mais tarde, Reserva da Biosfera (Figuras 3 e 4).

    Figura 3: Vista panormica da praia de Martim de S, Paraty, RJ.

    A regio onde se localiza a comunidade Martim de S possui relevo bastante

    acidentado e circundada por montanhas. O litoral rochoso e favorece a chegada da floresta at o limite com o mar.

  • 11

    Figura 4: Exemplo de placa encontrada na rea de camping em Martim de S, Paraty, RJ.

    A praia de Martim de S, com cerca de 500 m de comprimento, precedida por um trecho de restinga em processo de regenerao. Entre a restinga e a cadeia montanhosa existe uma rea plana onde esto construdas quatro residncias prximas umas das outras. O espao entre elas mantido limpo pelos moradores.

    Caminhando aproximadamente meia hora no sentido SW encontram-se as outras quatro residncias no local denominado pelos moradores de Saco das Anchovas. nesse lugar que os moradores da comunidade tm um per para atracar os barcos e canoas. Essas casas so construdas em uma encosta ngreme, diferente do que se encontra no outro lado da comunidade. Ambos grupos de casas ficam contornados por vegetao arbrea.

    A APA de Cairuu uma UC federal de uso sustentvel criada pelo decreto n. 89.242 de 27 de dezembro de 1983 que tem como principal objetivo assegurar a proteo do ambiente natural, que abriga espcies raras e ameaadas de extino, paisagens de grande beleza cnica, sistemas hidrolgicos da regio e as comunidades caiaras integradas nesse ecossistema.

    A Reserva Ecolgica da Juatinga (REJ) uma UC estadual, criada pelo decreto n. 17.981 de 30 de outubro de 1992 e tem como objetivo preservar o ecossistema local, composto por costes rochosos, remanescentes florestais de Mata Atlntica, restingas e mangues que, em conjunto com o mar, ao fundo, forma cenrio de notvel beleza,

  • 12

    apresentando peculiaridades no encontradas em outras regies do Estado, alm de fomentar a cultura caiara local, compatibilizando a utilizao dos recursos naturais com os

    preceitos conservacionistas estabelecidos neste Decreto atravs do desenvolvimento de programa de Educao Ambiental especfico atravs da Fundao Instituto Estadual de Florestas. (grifo nosso).

    O Instituto Estadual de Floresta (IEF) o rgo responsvel pela gesto da REJ e se fez presente em Paraty a partir da metade da dcada de 90, dispondo de um funcionrio. A REJ abrange uma rea de 8.000 ha. Abriga doze ncleos de ocupao de comunidades caiaras nas seguintes localidades: Saco do Mamangu, Praia Grande da Cajaba, Martim de S, Itaoca, Calhaus, Pouso, Juatinga, Cairuu das Pedras, Ponta Negra, Sono, Antigos e Antiguinhos. Os

    moradores so em sua maioria aparentada, distribuem-se em trechos ao longo do litoral e vivem de pesca artesanal, agricultura de subsistncia e mais recentemente do turismo que vem sendo o

    causador de um processo de descaracterizao cultural (Garrote, 2004). Os ncleos se relacionam entre si e usam a cidade de Paraty como centro de comrcio e servios, apesar da precariedade de acesso a p por trilhas ou barcos.

    Em 1998 foi assinado um convnio pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA), pela Prefeitura de Paraty, o IEF/RJ e a ONG SOS Mata Atlntica para a elaborao de um plano de gesto emergencial para a APA e a REJ. Durante a elaborao do Plano de Gesto pela SOS Mata Atlntica e seus parceiros governamentais o Congresso Nacional votou a lei federal do SNUC, aprovada em 2000.

    Nesse momento surgiu um novo problema: a Reserva Ecolgica da Juatinga precisaria ser reclassificada por no constar no SNUC. Iniciou-se ento um debate envolvendo muitos

    sujeitos com percepes e interesses diferentes e por muitas vezes antagnicos. A Reserva Ecolgica virou palco das mais acirradas discusses ambientalistas contando com a presena de proprietrios (entre eles alguns reconhecidos como grileiros pelo Ministrio Pblico), ONGs, Poder Pblico (representado por diversas secretarias), comunidade local, sociedade civil interessada na explorao turstica e Universidades (Laboratrio de Geografia Agrria da USP, Nupaub, Lastrop / Esalq e UFRJ ) (Cavalieri, 2003).

    Em abril de 2001 foi realizada a Oficina de Planejamento Participativo na Igreja Santa Rita em Paraty, promovida pela SOS Mata Atlntica, com o intuito de discutir a reclassificao da Reserva. O grupo era composto pelos moradores da Juatinga e por

  • 13

    alguns membros de Universidades e ONGs. Nesta reunio o grupo optou pela categoria Reserva de Desenvolvimento Sustentvel levando em conta ser do grupo de uso

    sustentvel, ter conselho deliberativo, ter um mosaico de terras e a forma como os moradores so apresentados no texto do SNUC. Esta resoluo tomada pelo grupo foi incorporada numa verso do Plano de Manejo. Esta reunio contou tambm com a presena do administrador da Reserva da Juatinga (Cavalieri, 2003). De acordo com o art. 27 do SNUC (2000) todas as UCs devem preparar um Plano de Manejo que um documento tcnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservao, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da rea e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantao das estruturas fsicas necessrias gesto da unidade. De acordo com o pargrafo 2., na elaborao, atualizao e implementao do

    Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentvel, das reas de Proteo Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das reas de Relevante Interesse Ecolgico, ser assegurada a ampla participao da populao residente (grifo nosso) (SNUC, 2004). Em outras palavras, o plano de manejo de uma UC de uso sustentvel deve ser elaborado em parceria com as populaes residentes no local de modo a assegurar sua participao na gesto, conservao e benefcios decorrentes dessas reas protegidas.

    A comunidade de Martim de S Antes de iniciar-se a pesquisa conversou-se com o diretor da APA de Cairuu

    IBAMA em Paraty, Dr. Ney Pinto Frana, a respeito das possibilidades de se trabalhar com etnobotnica em uma comunidade daquele litoral. Dr. Ney mostrou nessa conversa um mapa da APA de Cairuu e destacou as comunidades mais interessantes para um estudo

    desse tipo. Buscando encontrar um elevado conhecimento etnobotnico, optou-se pela comunidade de Martim de S, j que esta se acha bem afastada do principal centro urbano (Paraty) e em uma regio apontada como de alta diversidade biolgica (Marques, 1997). Aps essa etapa planejou-se uma visita comunidade para explicitar as intenes de trabalho naquele lugar. No dia 5 de maio de 2005 partiu-se do cais de Paraty utilizando como meio de transporte um barco e aps duas horas, desembarcou-se na praia Pouso da Cajaba.

  • 14

    Dessa praia, seguiu-se caminhando em direo a Martim de S, por uma hora e meia, em trilha, e chegou-se casa do Sr. Manoel dos Remdios (Seu Maneco), apontado como lder local, pelo diretor da APA de Cairuu. Depois de instalado em uma barraca de acampamento, com a permisso do Seu Maneco, conversou-se com ele a respeito da possibilidade de desenvolvimento da pesquisa envolvendo a comunidade e uma rea de floresta prxima as suas casas.

    No dia 6 de maio de 2005 foi possvel reunir os moradores locais na casa do Seu Maneco e fazer uma apresentao oral sobre a inteno da pesquisa. A apresentao foi feita em linguagem clara e acessvel sobre o objetivo da pesquisa, a metodologia a ser utilizada, a sua durao e o tempo que o pesquisador permaneceria ali em cada visita. Esclareceu-se

    tambm o vnculo de estudante de mestrado junto Escola Nacional de Botnica Tropical do Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro.

    A comunidade foi informada que o conhecimento obtido na floresta e junto comunidade seria organizado em forma de uma dissertao de mestrado e, possivelmente, publicado em uma revista cientfica. Que se pretendia tambm levar para a comunidade este mesmo conhecimento sistematizado para com ela compartilhar. A pesquisa envolveria apenas a comunidade de Martim de S e um trecho de floresta atlntica utilizado pelos moradores. Foi informada tambm sobre o oramento que se dispunha para a execuo da pesquisa e que no se pretendia obter nenhum lucro econmico. Foi esclarecido com veemncia, o direito da comunidade de no partilhar o seu saber em caso de no querer compartilh-lo.

    No dia 30 de setembro de 2005 foi apresentado comunidade um termo de anuncia para a realizao da pesquisa que foi firmado de livre vontade pelo Sr. Manoel, considerado e

    aceito como liderana local, e pelo pesquisador Rodrigo Borges, bilogo e responsvel tcnico pela pesquisa, com concordncia verbal dos moradores locais. Esse termo de anuncia juntamente com o projeto de pesquisa e outros documentos foram encaminhados ao Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico (CGEN) e ao IBAMA, rgos dos quais se obteve as licenas para pesquisa com comunidade tradicional e coleta de exemplares.

    Os moradores se afirmam caiaras ou aqueles que sabem caar, pescar e roar (palavras de Seu Maneco), e admitem que a denominao foi trazida pelas pessoas de fora. A comunidade engloba 30 pessoas que residem em oito casas, sendo que quatro casas localizam-se na praia de Martim de S e as outras quatro em Saco das Anchovas, a prxima

  • 15

    localidade no sentido SW a aproximadamente meia hora de caminhada. Segundo os moradores Saco das Anchovas pertence a Martim de S. No existem cercas ao redor das

    casas e as trilhas abertas na mata permitem o acesso a elas. Todas as casas so construdas com a frente voltada para o mar e protegidas do vento pela vegetao da orla da praia (Figura 5).

    A organizao social da comunidade baseada no grupo familiar, unidade bsica e vital de existncia. As mulheres so mes de famlia, trabalhadoras do lar e da roa. O papel delas de extrema importncia para a manuteno do grupo domstico, sua reproduo, produo e sobrevivncia. So responsveis pelo preparo dos alimentos, produo de farinha de mandioca, abastecimento de lenha, cuidado com pequenos animais de criao (patos, galinhas) e a criao dos filhos. Os homens so encarregados das atividades de caa e pesca, derrubada e queimada da mata para o estabelecimento de roas,

    construo das moradias, construo e conduo de canoas e barcos, e manuteno da

  • 16

    limpeza dos quintais para recepo de turistas, comumente exercida em Martim de S. Essas caractersticas esto, de modo geral, de acordo com as descries de Adams (2000) para as comunidades caiaras presentes na Mata Atlntica.

    Etnobotnica Os trabalhos de campo foram realizados entre maio de 2005 e maio de 2006 em cinco viagens praia de Martim de S. Cada viagem teve a durao de sete dias, somando 35 dias em campo para coleta de dados e dos espcimes vegetais. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com dez informantes, sendo cinco homens e cinco mulheres, utilizando um elenco bsico de perguntas (Anexo 1) com cada informante em suas residncias. De cada unidade familiar entrevistou-se pelo menos um adulto. Para elaborao do questionrio vrias literaturas foram consultadas e optou-se por

    fazer uma adaptao das questes presentes nos trabalhos de Camargo (2003) e Cunningham (2000), de modo a interlig-los. A primeira autora trata do estudo de plantas medicinais e exibe um maior refinamento nessas questes, enquanto o segundo autor detalha melhor os dados pessoais e de uso de recursos madeirveis. Para obteno dos dados etnobotnicos dos usos das espcies empregou-se a tcnica caminhando na floresta (Alexiades, 1996), contando para tal com a colaborao de cinco homens. Tal mtodo foi aplicado em um trecho delimitado da floresta, onde se realizou um inventrio florstico e fitossociolgico, visando conhecer parte da flora local e no trecho de

    floresta que liga Martim de S a Saco das Anchovas. Esta tcnica consiste em entrevistas realizadas no campo com um informante, coletando amostras botnicas e informaes sobre

    os diferentes usos das plantas. Nestas caminhadas os informantes foram entrevistados e as mesmas plantas foram mostradas para outros informantes (Alexiades, 1996). Os informantes foram entrevistados individualmente como recomendado por

    Phillips & Gentry (1993a) para evitar que as respostas fossem influenciadas por outro informante. As plantas citadas nas entrevistas foram coletadas na floresta, nos quintais ao

    redor das residncias dos informantes e duas espcies na restinga limtrofe aos quintais na Praia de Martim de S. Empregou-se ainda a tcnica artefato-entrevista (Albuquerque & Lucena, 2004), na qual se coletam informaes sobre o material vegetal do qual so feitos diferentes

  • 17

    objetos encontrados na comunidade e, conhecendo-se o nome vulgar, coleta-se a amostra botnica e aps confirm-la com os informantes, a identifica. Esta tcnica foi empregada

    individualmente com todos os informantes. As amostras botnicas coletadas foram prensadas e ordenadas em jornais, e

    preservadas com lcool 92,8 em sacos plsticos vedados durante o perodo de permanncia no campo (Mori et al., 1989). Aps cada um dos perodos no campo as amostras foram secas em estufa de lmpadas incandescentes no Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro. A identificao botnica at o nvel hierrquico mais excludente foi realizada utilizando-se literatura especializada e comparando-se as amostras com as depositadas no herbrio do Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro. Para

    algumas famlias, a identificao taxonmica foi feita ou confirmada pelos especialistas do Instituto de Pesquisas JBRJ e de outras instituies sediadas no Rio de Janeiro. Os

    exemplares herborizados, frteis ou com pouca representao na coleo, foram depositados no herbrio do Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro (RB). As plantas foram classificadas seguindo-se o APG II (2003). A grafia dos binmios cientficos foi conferida em revises taxonmicas recentes e/ou utilizando a base de dados Trpicos, verso on line. Os nomes dos autores dos txons encontram-se abreviados segundo Brummitt & Powel (1992).

    Alm dos questionrios e das planilhas para anotao do inventrio, a caderneta de coleta e o dirio de campo foram utilizados para anotaes diversas, de modo a evitar perda

    de informaes. Utilizou-se cmara digital Sony DSC P-72 para registros visuais. Optou-se por no se gravar as entrevistas j que uma tentativa foi feita e o informante se sentiu desconfortvel com o uso do equipamento. Os dados obtidos em campo foram sintetizados em planilhas e a partir da ordenao dos mesmos procederam-se diferentes anlises. Para determinar as espcies mais importantes foram calculados o Valor de Uso para

    Espcie (Phillips & Gentry 1993a e 1993b), atravs da qual se obtm um valor de uso da espcie por cada informante (a), e posteriormente o valor de uso da espcie (b):

    a) VUis = Uis / nis , onde Uis o nmero de usos mencionados em cada evento pelo informante i para a espcie s e nis o numero de eventos por espcie s com o informante i.

    b) VUs = UVis / ns Onde ns igual ao nmero de informantes entrevistados para a espcie s.

  • 18

    Calculou-se tambm o ndice de Shannon-Wiever com intuito de comparar os dados dessa pesquisa com resultados oriundos de pesquisas etnobotnicas realizadas em diferentes

    comunidades costeiras do litoral sudeste brasileiro (Figueiredo et al., 1997; Rossato et al., 1999; Hanazaki et al., 2000; Fonserca-Kruel & Peixoto, 2004). Esse ndice baseado na idia de que a diversidade de um sistema natural pode ser medida como informao contida em uma mensagem (Begossi, 1996). O clculo foi feito atravs da frmula H= - pi log pi (base 10 e base e), sendo pi a proporo de indivduos das i espcies, ou seja, o nmero de citaes ou informantes por espcie (Magurran, 1988).

  • 19

    Resultados e discusso Histrico da Comunidade Martim de S O relato do histrico da comunidade Martim de S foi embasado nas anotaes de relatos orais feitos diretamente pelos membros da comunidade ao pesquisador e nos trabalhos de Cavalieri (2002) e Sinay (2002). O Seu Maneco mora na da praia de Martim de S h geraes e ele tem satisfao em falar sobre esse assunto. Os demais membros da comunidade, a maior parte aparentada, de modo geral repetem esse comportamento. A esse respeito ele comenta em entrevista a Cavalieri (2002) (manteve-se a formatao da autora):

    Lcia: Em toda rea, o senhor o nico morador daqui? Maneco: , em toda rea do Martim de S. L no Cairuu tudo da famlia, meus filho mora na Anchova, tudo da famlia. Lcia: O seu av daqui, seu pai, o senhor, seus filhos... Maneco: Todos, meu av morreu com 95 anos, alcancei ele morando em Martim de S. Quando me entendi por gente, ele estava morando ali do lado da minha casa (...). Naquela poca era incomodado pelo servio dele mesmo (risadas), que mais nada ele era incomodado. Num vinha ningum, no chegava ningum, o velho se quisesse ver algum tinha que ir pro Pouso, Ponta Negra, Sono. [praias prximas] Lcia: O que vocs compravam, Seu Maneco; o que o av de vocs comprava?

    Maneco: Ele, mala pena, comprava o sabo, a querosene e o sal, que o resto ele colhia da roa e o vesturio que de primeira custava a estragar, n? E o vesturio, duas mudas de roupa, j tinha roupa de demais. Hoje a pessoa com dez, 12 diz que no tm roupa [risadas]. Naquele tempo duas mudas de roupa, uma limpa e outra no corpo, j tinha roupa.

    Em 1998, uma famlia fluminense (os Pacheco) entrou com uma ao possessria contra Seu Maneco no Frum de Paraty. Foi apenas uma notificao judicial num primeiro momento. Seu Maneco no tinha advogado e perdeu o prazo da contra-notificao. Aps

  • 20

    um ano e um dia a famlia pediu a reintegrao de posse da rea atravs do processo n 4782/99 (Cavalieri, 2003). Essa histria antiga e remonta aos tempos do pai do Seu Maneco, Seu Roque Fermiano. De maneira muito resumida, Seu Maneco e Dona Lourena (sua esposa) contaram como tudo comeou a Lcia Cavalieri, que devido ao iletramento do casal escreveu o texto que se segue. De igual forma essa histria foi contada durante o presente estudo.

    O Pacheco chegou turistando e perguntou quem era o dono. O pai do seu Maneco, conhecido como seu Roque Caador, disse que era de uma viva do Rio de Janeiro.

    Aps mais ou menos duas semanas voltou o Pacheco, dizendo que havia comprado as terras e pediu para que seu Roque mostrasse os rumos [os limites] da Fazenda. Seu Roque mostrou: do Morro do Valo com divisa no Rio Bull (meio da Sumaca) at a vertente do Diogo.

    Pacheco diz ao seu Roque que ele poderia ficar na terra tranqilo e trouxe um pessoal de fora, de Minas, de Nova Iguau para trabalhar. Ele enganava o pessoal dizendo que era uma fazenda bem bonita, perto da cidade, que era s atravessar um rio que era cheio de peixe. Os camaradas chegavam em Paraty de noite e pegavam o barco, o mais barato j tratado pelo Pacheco, e eram trazidos para Martim de S. Eles chegavam putos da vida, se tivessem pistola atiravam no Pacheco.

    Em Martim de S, a fazenda comeou a se desenvolver vendendo carvo e madeira para Paraty e Mangaratiba. Eles desmatavam tudo. Eram de 15 a 25 homens que ganhavam o suficiente para pagar a cachaa e o ranchinho [comida e outras necessidades bsicas] no armazm [hoje, casa do seu Maneco].

    Seu Roque trabalhou por mais ou menos 20 anos tomando conta da fazenda. Antes da chegada dos Pachecos, Seu Roque e sua famlia plantavam banana na

  • 21

    vargem, faziam farinha para vender no Pouso - vila bem povoada na poca - e criavam porcos e galinhas que tambm vendiam.

    Seu Maneco foi nascido nos Antigos, porque no havia parteira no local, veio mamando ainda para Martim de S assim que D. Capitulina, sua me, saiu do resguardo. Casou-se e trouxe a mulher, D. Lorena, para morar l e tiveram os seis primeiros filhos [Camuzinho, Pedro, Paulinho, j morto picado por cobra, Marco, Cida e Teresa].

    O trabalho na fazenda era difcil. Os camaradas trabalhavam o dia inteiro furando pedra, se fosse dura eram trs palmos, trs palmos e meio, se fosse tbua mole era quatro palmos e meio, derrubavam mato, faziam carvo e serravam madeira. O Pacheco no se ausentava mais de uma semana, contava quanto cada um tinha trabalhado e pagava por quinzena, acertava a conta, descontava a comida e a cachaa do armazm. Os barracos para morar, os camaradas que faziam. De primeiro havia um feitor que andava armado e era muito sisudo, vigiava, era o administrador. Depois, seu Maneco passou a tomar conta do servio. Todos os camaradas se davam bem com ele por conta da sua seriedade e educao. A comida era preparada por D. Capitulina, esposa de seu Roque. Quando o Pacheco estava na fazenda, ele mesmo colocava a comida numa lata de banha de cco, marmita de levar na roa. As pores eram bem tabeladas [controladas]. Seu Roque e a famlia sentiam pena de to pouca comida. Quando Pacheco estava ausente, D. Capitulina enchia as marmitas oferecendo farinha e peixe. Estes eram ofertados de corao por seu Roque, que fazia a farinha e pegava peixe na praia e no era pago por isso pelo Pacheco. Fazia mesmo por costume e por pena do pessoal. Seu Maneco trabalhava das sete s 16 horas no servio da madeira e depois abria o armazm e trabalhava at as 23 horas vendendo comida e cachaa para os trabalhadores e moradores do Pouso e do Cairuu. Os trabalhadores gastavam todo o salrio no armazm.

  • 22

    Desde garotinho seu Maneco trabalhava, no tinha escola, desde que comeou a andar j ia buscar gua, carregar lenha. Segundo ele: um bom pai coloca no servio cedo e no deixa rola [solto].

    A presso para seu Roque sair aumentou, ele ficou imprensado [sem condies de dar continuidade ao modo de vida]. O Pacheco exigiu a meia, na entrada eles no fizeram isto. Seu Roque se aborreceu e seu Maneco com pena acompanhou o coroa para o Cairuu. A fazenda ficou abandonada. Antes de morrer, Pacheco procurou no Saco das Anchovas e pediu pro seu Roque e seu Maneco voltarem para Martim j que eles que eram os moradores quando ele comprou e eles no aceitaram. Por todo o tempo continuaram cuidando dos ps de fruta que estavam ali plantados.

    Passou muito tempo no Cairuu at que Seu Maneco, ouvindo a insistncia da D. Lorena, que pedia para a famlia voltar para Martim - ali eles tinham casa, eles tinham tido os primeiros filhos, tinham roa cedeu. Seu Maneco e a famlia voltaram ento com o casal derradeiro, Paulo Henrique e Bia.

    Nesse tempo o Clvis [um dos filhos do Pacheco que havia falecido] foi em Martim trs vezes quando seu Maneco j tinha limpado tudo, por duas vezes conversou que no tinha como pagar o salrio, mas que ele podia morar o tempo da vida que quisesse, por ele estava bem colocado. Ele queria fazer com ns o mesmo que o pai deles havia feito com meu pai.

    Seu Maneco reformou a casa, fez mais um quarto, banheiro, um puxado, cozinha, casa de farinha, cho, as telhas foram lavadas uma por uma, comprou telha nova para o quarto, construiu banheiro, abriu o caminho pro mar que estava fechado. Plantou mandioca na vargem, abacaxi, banana, abacate laranja, construiu a pinguela, plantou batata doce e inhame.

  • 23

    E assim estavam vivendo com o trabalho da roa e da pesca at que os filhos do Pacheco reapareceram (1998), agradeceram Seu Maneco por ter cuidado da fazenda e solicitaram que ele e a famlia sassem de Martim de S.

    Aps vrias batalhas judiciais no processo n 1999.041.000015-3 (possvel de ser acessado via internet atravs desse nmero), tanto em primeira quanto em segunda instncias, bem como junto aos Tribunais Superiores, foi confirmada em todos os graus de jurisdio a deciso de manter liminarmente Seu Maneco na posse da terra enquanto no h uma deciso final (Cavalieri, 2003). Para Adams (2002) a nica forma de contribuir para que os caiaras construam sua prpria identidade e garantam seus direitos devolvendo a eles sua histria, no s como forma de proteg-los da manipulao externa, mas como forma de ressaltar sua importncia

    na construo da paisagem natural. Seu Maneco participou em 2003 da mesa redonda Modos de vida tradicionais no II Simpsio Nacional de Geografia Agrria / I Simpsio Internacional de Geografia Agrria realizado na Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP - Presidente Prudente), promovido atravs dos Programas de Ps-Graduao em Geografia dessa instituio e Ps-Graduao em Geografia Humana da Universidade de So Paulo, fornecendo o depoimento O modo de vida tradicional do caiara, onde conta, de maneira anloga entrevista acima, sua histria de vida em Martim de S e os problemas

    enfrentados em relao posse de terra. Tal depoimento encontra-se publicado no livro: O Campo no Sculo XXI: territrio de vida, de luta e de construo da justia social.

    Modo de vida e economia de subsistncia Na rea onde vive a comunidade caiara Martim de S no h luz eltrica nem

    telefonia fixa ou mvel. No h escola e igreja. O pequeno turismo que ocorre a partir da dcada de 90, imps adaptaes ao modo de vida dos moradores em pocas de feriados prolongados. Uma pequena mercearia foi aberta no ano de 2005, junto casa do Seu Maneco, para venda de utenslios e alimentos aos turistas que freqentam a rea para acampar. No h recolhimento de lixo por parte da prefeitura de Paraty nem pelos rgos

  • 24

    gestores da rea. Atualmente vivem nesse local 30 pessoas entre homens, mulheres, jovens e crianas.

    A agricultura de subsistncia realizada pelos atuais moradores da comunidade de Martim de S foi desestimulada com a criao da REJ, mantendo-se apenas o cultivo de roas de mandioca. As roas esto localizadas prximas as suas casas e so mantidas comunitariamente. Sinay (2002) em seu estudo, verificou que do incio da dcada de 90 at o carnaval de 1999 o nmero de turistas nas altas temporadas no era grande nessa praia, influenciado pela dificuldade de acesso ao local, que feito por barcos saindo de Paraty e Paraty-Mirim com destino Praia de Pouso da Cajaba, onde comea a trilha de mais de uma hora de caminhada com destino a essa praia, ou do condomnio Laranjeiras que tem acesso restrito, como mencionado anteriormente. Alm da dificuldade de acesso, a autora tambm constatou que o fluxo turstico foi pequeno naquele perodo devido ao tipo de

    propaganda sobre o local que acontece predominantemente boca-a-boca (98 % dos casos). A partir de 2000, em feriados prolongados, houve um aumento de 200 % no fluxo de turistas que procuram a praia para acampar chegando ao limite mximo de 240 barracas no carnaval de 2001. Ao caracterizar o turista que freqenta o local a autora expe que a faixa etria est concentrada entre 15 e 30 anos e so, predominantemente, estudantes dos Estados do Rio de Janeiro (72%), So Paulo (17 %) e outros (11%), com idades entre 15 e 30 anos e pouca renda. Entre os entrevistados, 42% so estudantes de graduao. O aumento do turismo na comunidade de Martim de S provocou mudanas no seu

    cotidiano, nas relaes familiares, notadamente no que diz respeito s funes relacionadas aos papis desempenhados por homens e mulheres, em sua economia e nas representaes

    referentes natureza (Sinay, 2002). Nas viagens de campo realizadas em janeiro e maro de 2006, observaram-se

    turistas acampados em rea prxima s casas dos moradores da comunidade Martim de S.

    Nesses perodos, alm das suas tarefas do cotidiano, as mulheres serviram refeies a alguns turistas enquanto os homens aumentavam a quantidade de pescado para fazer parte

    das refeies. No final desse perodo, o lixo reciclvel deixado pelos turistas foi recolhido pelos membros da comunidade, e levado de barco para Paraty pelo Seu Maneco. O lixo orgnico foi recolhido e enterrado em local prprio.

  • 25

    Embora o turismo tenha aumentado na comunidade, Saco das Anchovas no o lugar mais procurado pelos excursionistas. Como o local tem porto e passagem para

    outras localidades da REJ, os caminhantes permanecem apenas algumas horas nessa localidade para pedir informaes referentes s trilhas existentes aos moradores locais (informantes desse estudo).

    Os informantes e seu saber sobre as plantas Foram entrevistados dez informantes sendo cinco homens e cinco mulheres com idades entre 21 e 63 anos. A Figura 6 (a, b) apresenta a distribuio de idade e gneros e nmero de citaes de usos de plantas por cada informante. Entre os informantes do gnero

    masculino (Figura 6 a) observa-se que os mais idosos (40 65 anos) citaram maior nmero de espcies e usos para as plantas do que os mais jovens (20 39 anos), exceo de Paulo Henrique com 26 anos e 70 citaes.

    Entre as mulheres (Figura 6 b) ocorreu fato semelhante: as mais idosas tm maior conhecimento sobre as plantas do local exceo de Zani (com 21 anos) esposa de Paulo Henrique. Pode-se inferir que Paulo Henrique e Zani embora sejam os informantes mais novos a participarem das entrevistas, destacaram-se no conhecimento de plantas em relao aos outros informantes por residirem prximo casa de Seu Maneco e Dona Lourena, os que demonstraram deter maior saber sobre as plantas e seus usos.

    As entrevistas com os moradores mais idosos revelaram que eles tm um vasto

    saber sobre plantas tais como pocas de florao e frutificao, vinculao delas a um determinado tpico fisionmico (restinga, floresta, roa/quintal) e tambm sobre outros fenmenos da natureza tais como direo dos ventos, mars, localizao de acidentes geogrficos e este saber vivenciado na comunidade.

    Phillips & Gentry (1993a) e Hanazaki et al. (2000) informam que de maneira geral os mais idosos conhecem uma diversidade maior de plantas teis, saber que foi acumulado ao longo de suas vidas. Hanazaki et al. (2000) afirmam que os homens tendem a conhecer mais plantas nativas utilizadas para construes/tecnologias e as mulheres a ter um conhecimento maior sobre plantas medicinais em termos da quantidade e da multiplicidade de citaes. A pesquisa realizada na comunidade Martim de S confirmou essas informaes.

  • 26

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    M anoel PauloHenrique

    Pedro M arcos Cludio

    nmero de citaes idade (homens)a

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    Lourena Zani Joelma Cidinalva Luciana

    nmero de citaes idade (mulheres)b

    Figura 6 (a-homens; b-mulheres): Distribuio do nmero de citaes, idade e gnero por informante na comunidade caiara da Praia de Martim de S, Paraty, RJ.

    Os caiaras usam plantas nativas e exticas para alimentao, construo de casas e canoas, para medicamentos, ornamentao e lenha. As entrevistas revelaram um total de 73 espcies citadas como teis pelos informantes, pertencentes a 57 gneros e 30 famlias botnicas. Os respectivos nomes cientficos e locais, bem como as categorias de uso, os valores de uso, o local onde foram coletadas e a parte utilizada encontram-se na Tabela 1.

  • 27

    Tabela 1. Relao das espcies vegetais utilizadas pela comunidade caiara de Martim de S, Paraty, RJ, em ordem alfabtica de famlias botnicas acompanhadas pelos nomes populares, categorias de uso (cat), hbito (hab), valores de uso (VU), origem e local de coleta (O/loc) e parte utilizada (par). (al = alimentar, co = construo/tecnologia, le = lenha, me = medicinal e or = ornamental, ab = arbusto, av = rvore, hb = herbcea e li = liana, n = nativa, e = extica, m = mata, q = quintal e r = restinga, cau = caule, cas = casca, esp = espata, fo = folhas, fr = fruto e ra = raiz). * = vi de vivo. (?) = plantas cuja origem no pode ser determinada.

    Famlia/Nome cientfico Nome popular Cat Hab VU O/Loc Par AMARANTHACEAE

    Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze Pfaffia paniculata (Mart.) O. Kuntze

    Estomalina

    Terranicina

    me

    me

    hb

    hb

    0,3

    0,7

    eq

    eq

    fo

    fo

    ANACARDIACEAE Mangifera indica L.

    Manga

    al

    av

    0,1

    eq

    fr

    ANNONACEAE Rollinea sericea R.E.Fr.

    Casca-preta

    co

    av

    0,2

    nm

    cau

    APOCYNACEAE

    Aspidosperma polyneuron Mull. Arg.

    Peroba

    co

    av

    0,7

    nm

    cau

    ARACEAE Heteropsis cf. rigidifolia Engl.

    Cip-timupeba-chato

    co

    li

    0,2

    nm

    cau

    ARECACEAE Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret Attalea dubia (Mart.) Burret Cocos nucifera L. Euterpe edulis Mart. Syagrus pseudococus (Raddi) Glassman

    Air*

    Indai*

    Cco*

    Palmito-jussara* Pati*

    al

    or

    al

    al

    or

    ab ab

    ab

    av

    av

    0,4 0,2

    0,4

    1,0 0,2

    nm

    nm

    eq

    nm

    nm

    cau

    esp

    fr

    cau

    esp

    ASTERACEAE Vernonia condensata Baker

    Boldo-folha-fina

    me

    hb

    0,6

    eq

    fo

    BIGNONIACEAE Jacaranda caroba DC. Tabebuia cassinoides (Lam.) DC. Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo Tabebuia serratifolia (Vahl.) Nicholson

    Carobinha

    Cacheta

    Ip-roxo

    Ip-amarelo

    co

    co

    me/co

    co

    av

    av

    av

    av

    0,2

    0,5 0,8

    0,5

    nm

    nm

    nm

    nm

    cau

    cau

    cas/cau

    cau

    BROMELIACEAE Ananas comusus (L.) Merr.

    Abacaxi*

    al

    hb

    0,4

    nq

    fr

    CARICACEAE Carica papaya L.

    Mamo

    al

    ab

    0,2

    eq

    fr

    CHENOPODIACEAE Chenopodium ambrosioides L.

    Erva-de-santa-maria

    me

    hb

    0,7

    eq

    fo

  • 28

    Tabela 1 continuao

    Famlia/Nome cientfico Nome popular Cat Hab VU O/Loc Par CRASSULACEAE

    Kalanchoe brasiliensis Camb.

    Saio

    me

    hb

    0,2

    eq

    fo

    ELAEOCARPACEAE Sloanea monosperma Vell.

    Sapopema

    co

    av

    1,3

    nm

    cau

    ERYTRHXYLACEAE Erythroxylum vacciniifolium Mart.

    Pimentinha

    le

    av

    0,2

    nm

    cau

    EUPHORBIACEAE

    Hyeronima alchorneoides Allemo Jatropha sp. Manihot esculenta Crantz Pausandra morisiana (Casar.) Radlk.

    Aricurana

    Nogra

    Mandioca*

    Guac

    co

    co

    al

    co

    av

    av

    hb

    av

    0,7

    0,2 1,0

    0,5

    nm

    ?q

    eq

    nm

    cau

    cau

    ra

    cau

    FABACEAE Balizia pedicelaris (DC.) Barneby & Grimes Hymenaea courbaril L. Inga laurina (Sw.) Willd. Inga sessilis (Vell.) Mart. Machaerium nictitans (Vell.) Benth. Sclerolobium denudatum Vogel Stryphnodendron polyphyllum Mart.

    Timbuba

    Jata

    Ing-macaco

    Ing-da-capoeira Bico-de-pato

    Ing-ferro

    Canafixa

    co

    co

    co

    al

    co

    co

    co

    av

    av

    av

    av

    av

    av

    av

    1,1

    0,3

    0,6 0,4 0,3

    1,2

    0,2

    nm

    nm

    nm

    nq

    nm

    nm

    nm

    cau

    cau

    cau

    fr

    cau

    cau

    cau

    LAURACEAE Aniba firmula (Nees et Mart.) Mez Ocotea sp.

    Ocotea elegans Mez Persea americana Mill.

    Urbanodendron bahiense (Meisn.) Rohwer

    Canela-amarela

    Canela-preta

    Canela

    Abacate Canela-folha-mida

    co

    co

    co

    al

    co

    av

    av

    av

    av

    av

    0,2

    0,2

    0,2

    1,0 0,2

    nm

    ?m

    nm

    eq

    nm

    cau

    cau

    cau

    fr

    cau

    LECYTHIDACEAE Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze Couratari pyramidata (Vell.) R. Knuth Lecythis pisonis Camb.

    Jequitib

    Canudo-de-pito Sapucaia

    co

    co

    co

    av

    av

    av

    0,7

    0,2 0,3

    nm

    nm

    nm

    cau

    cau

    cau

    MELASTOMATACEAE Miconia albicans (Sw.) Triana Miconia cinnamomifolia (Jacq.) Triana Tibouchina sp.

    Choro

    Jacatiro

    Tingicuia

    co

    co

    co

    ab

    av

    av

    0,2

    0,3 0,4

    nm

    nm

    ?m

    cau

    cau

    cau

    MELIACEAE Cedrela fissilis Vell.

    Cedro

    co

    av

    0,7

    nm

    cau

  • 29

    Tabela 1 continuao

    Famlia/Nome cientfico Nome popular Cat Hab VU O/Loc Par MORACEAE

    Artocarpus integrifolia Lf.

    Jaca

    al

    av

    0,4

    eq

    fr

    MUSACEAE Musa sp.

    Banana*

    al

    ab

    1,0

    eq

    fr

    MYRISTICACEAE Virola bicuhyba (Schott) Warb. Virola oleifera (Schott) A.C.Sm.

    Bicuba-folha-larga

    Bicuba-folha-em-ramo

    co

    co

    av

    av

    0,2

    0,2

    nm

    nm

    cau

    cau

    MYRSINACEAE Rapanea ferruginea (Ruiz & Pav.) Mez

    Capororoca

    co

    av

    0,2

    nm

    cau

    MYRTACEAE Calyptranthes clusiifolia (Miq.) O. Berg Eugenia brasiliensis Lam. Eugenia sulcata Spring et Martius

    Eugenia uniflora L. Plinia edulis (Vell.) Sobral Plinia glomerata (O. Berg) Amshoff Plinia trunciflora (O. Berg) Kausel Psidium cattleianum Sabine Psidium guajava L. Syzygium cumini (L.) Skeels

    Araarana-folha-mida

    Grumixama-folha-larga Grumixama-folha-mida

    Pitanga

    Araarana-folha-larga

    Cambuc Jaboticaba

    Ara

    Goiaba

    Jamelo

    co

    co

    co

    al/me

    co

    al

    al

    al

    al

    al

    av

    av

    av

    av

    ab

    av

    av

    ab

    ab

    av

    0,3

    0,2 0,2

    0,7

    0,2

    0,4 0,4

    0,4

    0,3

    0,4

    nm

    nm

    nq

    nq

    nm

    nr

    nq

    nr

    nq

    eq

    cau

    cau

    cau

    fr/fo

    cau

    fr

    fr

    fr

    fr

    fr

    POACEAE Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. Imperata brasiliensis Trin. Merostachys ternata Nees

    Capim-limo

    Sap

    Bambu-taquara

    me

    co

    co

    hb

    hb

    ab

    0,7

    0,1

    0,7

    eq

    nq

    nq

    fo

    fo

    cau

    RUTACEAE

    Citrus aurantium L.

    Citrus limon (L.) Burm. f. Citrus sinensis (L.) Osbeck Citrus sp.

    Laranja-da-terra Limo

    Laranja Lima

    al/me

    al

    al/me al

    av

    av

    av

    av

    0,9 0,3

    0,9 0,3

    eq

    eq

    eq

    eq

    fr/fo

    fr

    fr/fo fr

    SAPINDACEAE Cupania vernalis Cambess

    Arco-de-peneira

    co

    av

    0,2

    nm

    cau

    SOLANACEAE Capsicum baccatum L. Capsicum baccatum L. Capsicum chinense Jacq.

    Pimenta-comari

    Pimenta-unha-de-velha

    Pimenta-de-cheiro

    al

    al

    al

    hb

    hb

    hb

    0,6 0,2

    0,6

    eq

    eq

    eq

    fr

    fr

    fr

  • 30

    Tabela 1 continuao

    Famlia/Nome cientfico Nome popular Cat Hab VU O/Loc Par VERBENACEAE

    Aloysia gratissima (Gillies & Hook) Tronc. Citharexylum myrianthum Cham.

    Novalgina-em-folhas

    Tarum

    me

    co

    hb

    av

    0,6 0,1

    eq

    nm

    fo

    cau

    A comunidade fez 331 citaes das 73 espcies teis durante as entrevistas, englobadas em 30 famlias. As espcies mais citadas e os respectivos nmeros de citaes esto destacadas na Figura 7. As famlias botnicas com maior nmero de espcies citadas

    como teis foram Myrtaceae (10 espcies), Fabaceae (7 espcies), Arecaceae (5 espcies), Lauraceae (5 espcies), Euphobiaceae (4 espcies), Rutaceae (4 espcies) e Bignoniaceae (4 espcies). Foram indicadas pela maioria dos informantes nas entrevistas e apresentam usos mltiplos (Tabela 2).

    Fonseca-Kruel & Peixoto (2004) tambm encontraram o maior nmero de citaes pertencentes famlia Myrtaceae. As dez espcies mais citadas e os respectivos nmeros de citaes esto destacados na Figura 7

    Tabela 2: Famlias botnicas com maiores nmeros de espcies citadas como teis para a comunidade caiara de Martim de S, Paraty, RJ.

    Famlia N de espcies

    Famlia N de espcies

    Myrtaceae 10 Anacardiaceae 1 Fabaceae 7 Caricaceae 1 Arecaceae 5 Annonaceae 1 Lauraceae 5 Araceae 1 Euphorbiaceae 4 Bromeliaceae 1 Rutaceae 4 Chenopodiaceae 1 Bignoniaceae 4 Crassulaceae 1 Melastomataceae 3 Elaeocarpaceae 1 Poaceae 3 Meliaceae 1 Solanaceae 3 Moraceae 1 Asteraceae 2 Musaceae 1 Erythroxylaceae 2 Myrsinaceae 1 Lecythidaceae 2 Rubiaceae 1 Myristicaceae 2 Sapindaceae 1 Verbenaceae 2 Amaranthaceae 1

  • 31

    13

    12

    11

    10

    10

    10

    10

    9

    9

    8

    0 5 10 15

    Sloanea obtusifolia

    Sclerolobium denudatum

    Balizia pedicellaris

    Euterpe edulis

    Manihot esculenta

    Persea americana

    Musa sp.

    Citrus sinensis

    Citrus aurantium

    Tabebuia heptaphylla

    Figura 7: Distribuio do nmero de citaes das espcies mais representativas indicadas pelos caiaras da Praia Martim de S, Paraty, RJ.

    Os hbitos e as partes vegetais mais utilizadas As rvores so os recursos vegetais mais conhecidos e utilizados pela comunidade de Martim de S, perfazendo um total de 48 espcies correspondentes a 67,5% das plantas citadas (Figura 8). A comunidade utiliza os caules para construes, fabricao de canoas e remos e muitas espcies com esse hbito so utilizadas em sua alimentao (Figura 9).

    13,65

    17,5

    1,35

    67,5%

    arbreo

    arbustivo

    herbceo

    liana

    Figura 8: Hbitos de plantas utilizadas pela comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem.

  • 32

    52%

    2%

    13%

    31%

    1%1%

    casca

    caule

    espata

    folhas

    fruto

    raiz

    Figura 9: Partes das plantas utilizadas pela comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem.

    Entre as partes mais utilizadas dos vegetais pela comunidade destacam-se os caules com 52% (38 espcies), os frutos com 31 % (23 espcies), as folhas com 13% (11 espcies), a espata com 2% (2 espcies), a casca com 1% (1 espcie) e a raiz com 1% (1 espcie). Embora alguns itens alimentares como arroz e feijo sejam adquiridos na cidade de Paraty, a comunidade ainda depende das plantas nativas locais e daquelas dos quintais e

    roas como fonte de alimentao. Garrote (2004) em seu estudo no Saco do Mamangu verificou que o aumento da dependncia de itens alimentcios comprados na cidade somou

    60,2% do total de alimentos citados nas entrevistas que realizou embora os quintais da comunidade sejam ricos em diversidade.

    Origem e localizao das plantas na comunidade A maioria das plantas citadas como teis nativa, correspondendo a 74% do total (Figura 10). As plantas exticas correspondem a 23% e 3% esto identificadas em nvel de gnero (4 espcies) o que impossibilitou a busca da procedncia. Com relao localizao das plantas os informantes citaram e reconheceram 42 espcies teis na mata

    adjacente s suas casas; 28 espcies no quintal em redor de suas casas e trs espcies na restinga de Martim de S (Figura 11).

  • 33

    23%

    74%

    3%

    exticas

    nativas

    sem determinaoespecfica

    Figura 10: Origem das plantas utilizadas na comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem.

    55%42%

    3%

    mata

    quintal

    restinga

    Figura 11: Localizao das plantas utilizadas na comunidade caiara da praia Martim de S, Paraty, RJ, em porcentagem.

    Categorias de uso Durante as entrevistas foram levantados 29 usos diferentes para as espcies que foram ordenadas em cinco categorias de uso distintas: alimentar, construo/tecnologia,

    lenha, medicinal e ornamental (Tabela 3). A Figura 12 mostra que 40 etnoespcies (51,2%) esto na categoria construo/tecnologia, seguida por 24 (30,7%) na categoria alimentar, 11 (14,1%) na categoria medicinal, duas na categoria ornamental (2,5%) e uma (1,5%) na categoria lenha. A categoria de uso com o maior nmero de citaes construo com destaque para sapopema (Sloanea obtusifolia), ing-ferro (Sclerolobium denudatum) e timbuba (Balizia

  • 34

    pedicelaris) com 13, 12 e 11 citaes, respectivamente. As trs espcies so utilizadas para a fabricao de canoas e no esteio de construes. O cedro (Cedrela fissilis) e o jequitib (Cariniana estrellensis) tambm so utilizados na construo de canoas. Ainda em relao s espcies utilizadas para a construo de canoas e utenslios para a pesca, o ip-roxo (Tabebuia heptaphylla) e o ip-amarelo (Tabebuia serratifolia) so utilizados no desdobro de tbuas para barcos, pois pode molhar.

    Tabela 3: Categorias de usos das espcies de plantas indicadas como teis pela comunidade Martim de S, Paraty, RJ.

    Alimentar condimento alimentar; palmito comido cru ou cozido; frutos comidos crus; raiz alimentar.

    Lenha madeira forte para lenha.

    Medicinal ch calmante; ch para diarria; ch para dor de cabea; ch para febre; ch para gripes e resfriados; macerado para dor de estmago; macerado para o fgado; macerado com sal para vermes.

    Ornamental ornamento de parede.

    Construo/tecnologia armao das paredes da casa; caibros para telhados; cobertura em geral; construo de cabos de ferramentas; construo de canoas; construo de cercas; esteio; fabricao de remos; fabricao de tipiti; tbuas para barcos; tbuas para paredes; tbuas para portas; tintura e verniz para redes de pesca; troncos usados na construo do porto (per); varal para escorrer gua das redes de pesca.

  • 35

    40

    24

    11

    2 1

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    Construotecnologia

    Alimentar Medicinal Ornamental Lenha

    N de espcies

    Figura 12: Distribuio das etnoespcies nas cinco categorias de uso para os caiaras da praia Martim de S, Paraty, RJ.

    Para a fabricao de remos as espcies preferidas so o guac (Pausandra morisiana) e a cacheta (Tabebuia cassinoides). A quaresma ou tingicuia (Tibouchina sp.) empregada para tingir e impermeabilizar redes de pesca e melhorar a resistncia ao ataque dos peixes quando utilizadas. Essas plantas so importantes na cultura e tradio da comunidade caiara de Martim de S e os processos de uso popular esto difundidos entre todos os homens. A categoria de uso que teve o segundo maior nmero de citaes foi alimentar com destaque para abacate (Persea americana), banana (Musa sp.), mandioca (Manihot esculenta) e palmito (Euterpe edulis), mencionados por todos os entrevistados. Nessa categoria os recursos mais utilizados so frutos (85,7%), palmito (9,5%) e uma raiz, a mandioca (4,7%). A mandioca (Manihot esculenta) foi citada em todas as entrevistas. Trs reas na comunidade so destinadas para seu cultivo, realizado no regime roa de coivara, nome regional dado prtica agrcola constituda de roa e queima. A mandioca usada principalmente na fabricao de farinha nas chamadas casas de farinha, locais onde se processa o produto com mo de obra de toda unidade familiar. Na categoria medicinal as folhas so os recursos mais utilizados. As plantas

    medicinais so importantes para os moradores embora no tenham sidos relatados muitos casos de doena nas entrevistas. As folhas da pitanga (Eugenia uniflora), da laranja (Citrus sinensis) e da laranja-da-terra (Citrus aurantium) so utilizadas na forma de ch, separadas

  • 36

    ou combinadas, para gripes, resfriados e dores de garganta principalmente para as crianas que so, na comunidade, as mais suscetveis a essas enfermidades. A erva-de-santa-maria

    (Chenopodium ambrosioides) empregada como vermfugo tambm, predominantemente, para as crianas. As folhas da novalgina-em-folhas (Aloysia gratissima) so usadas para qualquer dor no corpo, febre e dor de cabea.

    Apenas a espcie pimentinha (Erythroxylum vacciniifolium) foi citada pelos informantes da comunidade para uso como lenha.

    Valor de uso (VU) A maioria das espcies (50%) apresenta VU entre 0,1 e 0,3 (Figura 13). Valores altos esto concentrados em poucas espcies. O VU mdio de 0,45. As espcies com maiores VUs so Sloanea obtusifolia (sapopema) seguida por Sclerolobium denudatum (ing-ferro), Balizia pedicelaris (timbuba), Euterpe edulis (palmito), Manihot esculenta (mandioca), Persea americana (abacate) e Musa sp (banana).

    0%

    10