sebenta de bioquímica ii

92
SEBENTA BIOQUÍMICA II BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 2010/2011

Upload: joao-teixeira

Post on 16-Dec-2015

169 views

Category:

Documents


20 download

DESCRIPTION

Sebenta de Bioquímica II do 2º ano da FMUP.

TRANSCRIPT

  • SEBENTA

    BIOQUMICA II

    BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO

    FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

    2010/2011

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    2

    ndice Digesto e absoro de protenas3

    Digesto e absoro de lipdeos...........7

    Sntese de cidos gordos e triacilglicerdeos.11

    Oxidao de cidos gordos.....21

    Metabolismo dos corpos cetnicos...........29

    Lipoprotenas plasmticas......33

    Liplise.......41

    Metabolismo dos triacilglicerdeos........42

    Metabolismo do etanol....45

    Colesterol e sais biliares.......47

    Balano azotado...........54

    Biossntese de aminocidos.....55

    Catabolismo dos aminocidos...63

    Ciclo da ureia........75

    Metabolismo das purinas e pirimidinas...80

    Metabolismo do heme.........90

    Esto includos nesta sebenta resumos relativos s aulas de metabolismo dos lipdeos e

    aminocidos de Bioqumica II da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Desde j

    agradeo a quem me ajudou na elaborao da sebenta, atravs da correco de eventuais erros

    inicialmente presentes, ou atravs de ideias e sugestes.

    Bom trabalho e votos de sucesso nos exames,

    Bernardo M. Sousa Pinto

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    3

    Digesto e absoro de protenas

    As protenas so biomolculas essenciais ao funcionamento do organismo, desempenhando um papel

    vital em termos estruturais, enzimtico e de sinalizao celular. Estas so compostas por 21

    aminocidos standard, podendo estes

    sofrer alteraes, aps a sntese proteica,

    originando aminocidos non-standard.

    Nos peptdeos, os aminocidos esto

    ligados por ligaes peptdicas, ligaes

    amida entre um grupo carboxilo e um

    grupo amina, sendo que essas ligaes tm

    de ser quebradas ao nvel da digesto

    proteica.

    Relativamente aos aminocidos standard

    presentes nas protenas, estes so todos

    de tipo L, com excepo a glicina o

    aminocido mais simples que, como

    apresenta apenas dois carbonos, no tem

    enantimeros. De resto, os aminocidos

    contm todos um grupo carboxilo (-

    COOH), um grupo amina (-NH2) e uma

    cadeia lateral, que muito varivel.

    Digesto de protenas

    A maior parte das protenas por ns ingerida (na carne, peixe, lacticnios, ovos e vegetais) j apresenta

    poucas ligaes acessveis s enzimas que catalisam a hidrlise das ligaes peptdicas, visto que o

    aquecimento dos alimentos (aquando da cozedura) e a aco do cido gstrico, na cavidade estomacal,

    desnatura uma grande quantidade de protenas.

    As proteases (enzimas digestivas proteolticas) so segregadas como zimognios inactivos (um

    zimognio, tambm designado por proenzima, um precursor enzimtico, que se encontra sob a forma

    inactiva e que, para se tornar numa enzima activa, requer uma mudana bioqumica), onde o centro

    activo da enzima se encontra camuflado por uma pequena cadeia peptdica. Esta cadeia removida

    pela hidrlise de uma ligao peptdica

    especfica, levando formao de uma enzima

    activa.

    Existem duas grandes classes de proteases, que

    diferem no tipo de ligaes peptdicas em que

    actuam. As endopeptidases hidrolisam ligaes

    entre aminocidos especficos, sendo as

    primeiras enzimas a actuar. Nesta classe inclui-

    se a pepsina, presente nos sucos gstricos e

    que catalisa a hidrlise de ligaes peptdicas

    adjacentes a metionina, aminocidos de cadeia

    ramificada e aminocidos de cadeia aromtica.

    A pepsina, cuja sntese estimulada pela

    gastrina, segregada sob a forma de

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    4

    pepsinognio (um zimognio), que activado pelo

    cido gstrico e pela prpria pepsina activa (quando

    isto acontece, dizemos que estamos na presena de

    uma autocatlise. Uma autocatlise entendida

    genericamente como um processo, em que o

    produto da reaco catalisa a prpria reaco;

    neste caso, a forma activa da enzima activa a forma

    inactiva). De referir que esta enzima produzida

    pelas clulas principais do estmago (assinaladas

    na imagem da direita com um C) e actua a um pH

    ptimo situado entre 1,5 e 2. Este pH atingido

    graas presena de cido clordrico nos sucos

    gstricos, por aco das clulas parietais do

    estmago (assinaladas na imagem da direita com um P), segundo o processo descrito no esquema

    seguinte:

    A tripsina, a quimotripsina e a elastase so tambm endopeptidases, contudo, estas so segregadas pelo

    pncreas (pelas suas clulas acinares) para o intestino delgado (nomeadamente para o duodeno) e

    actuam a um pH ptimo mais alcalino (rondando os 8-8,5). A tripsina catalisa a hidrlise dos steres de

    lisina e arginina; a quimotripsina, a hidrlise dos steres de aminocidos aromticos e a elastase, a

    hidrlise de steres de pequenos aminocidos alifticos neutrais. A tripsina segregada sob a forma de

    tripsinognio, que activado pela enteropeptidase (tambm designada por enterioquinase), segregada

    pelas clulas epiteliais do duodeno (sendo por isso uma ectohidrlase). A tripsina, por sua vez, activa o

    quimotripsinognio (levando formao de quimotripsina) e a proelastase (em elastase).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    5

    O pH alcalino no duodeno deve-se presena do bicarbonato nos sucos pancreticos e biliar. A

    produo de bicarbontato, nas clulas dos canalculos pancreticos, deve-se dissociao do cido

    carbnico, produzido pela anidrase carbnica. A secretina estimula secreo de bicarbonato e

    produzida pelas clulas endcrinas do epitlio intestinal. Apesar de a secretina estimular tambm a

    secreo de enzimas digestivas, a enzima mais importante neste aspecto a colecistocinina, tambm

    ela sintetizada nas clulas do epitlio intestinal e que adicionalmente tambm estimula a contraco da

    vescula biliar, para se poder dar a libertao da blis no duodeno.

    Relativamente s exopeptidases, estas enzimas catalisam a hidrlise de ligaes peptdicas, nas

    extremidades dos pptidos. As carboxipeptidases, segregadas nos sucos pancreticos, libertam

    aminocidos, a partir do terminal carboxilo, enquanto as aminopeptidases, que podem segregadas

    pelas clulas da mucosa intestinal, ou actuar dentro do entercito, gerando aminocidos livres a partir

    do terminal amina. As procarboxipeptidases e as proaminopeptidases originam, por activao (levada a

    cabo pela tripsina), respectivamente carboxipeptidases e aminopeptidases (as proaminopeptidases s

    geram aminopeptidases, quando actuam fora do entercito).

    J no plo apical das clulas da mucosa intestinal encontramos dipeptidases e tripeptidases, que

    catalisam a hidrlise de dipeptdeos e tripeptdeos, respectivamente, dado estes no serem substratos,

    quer para as carboxipeptidases, quer para as aminopeptidases.

    De referir que as peptidases digestivas no catalisam apenas a hidrlise das protenas que so ingeridas!

    Estas enzimas hidrolisam tambm as protenas presentes nas clulas da mucosa, (de forma a assegurar a

    sua renovao) e a das prprias enzimas digestivas, como j foi referido.

    Absoro de peptdeos

    O produto final da aco das endopeptidases e exopeptidases um conjunto de aminocidos livres,

    dipeptdeos, tripeptdeos e oliogopeptdeos, sendo todos estes produtos absorvidos. Os aminocidos

    livres so, na sua maioria, absorvidos ao nvel do plo apical dos entercitos (cujas microvilosidades

    presentes na membrana so designadas por bordadura em escova), graas a um transportador activo

    dependente de sdio (os aminocidos bsicos so excepo, sendo o seu transporte independente do

    de sdio), sendo o transporte assegurado por uma grande diversidade de transportadores (classificados

    como simporters), de acordo com a cadeia lateral do aminocido em causa (estes tm em conta as suas

    dimenses e o facto de serem cidos, neutros ou bsicos). O transporte aqui diz-se secundrio, porque

    est dependente de um gradiente de sdio criado pela bomba de sdio e potssio (transporte primrio).

    De referir que os diversos aminocidos competem uns com os outros pela absoro e entrada nos

    tecidos. A sada da maior parte dos aminocidos do plo basal dos entercitos feita por uniporters e

    no depende do transporte de outros ies inorgnicos.

    Relativamente aos dipeptdeos e tripeptdeos, estes entram pelo plo apical dos entercitos, atravs do

    transportador PEPT1, um simporter inespecfico, que acopla passagem de di- e tripeptdeos, a

    passagem de protes para o interior dos entercitos. De referir que os protes tm tendncia para

    entrar para o meio intracelular, devido presena de um trocador, que permite a troca de um proto

    que sai dos entercitos, por um io sdio, que entra. No interior dos entercitos, os dipeptdeos e

    tripeptdeos so hidrolisados a aminocidos livres, por peptidases, como j foi referido, entrando depois

    nas clulas hepticas atravs da veia porta.

    Os peptdeos de maiores dimenses podem ser absorvidos intactos, por pinocitose, quer entrando para

    as clulas do epitlio intestinal (absoro transcelular), quer passando por entre estas (absoro

    paracelular).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    6

    A absoro de peptdeos de maiores dimenses um processo mais frequente nos bebs que nos

    indivduos de idade adulta e muitas vezes, as dimenses destes peptdeos so suficientes para

    despoletar a formao de anticorpos, levando ao desenvolvimento de reaces alrgicas a alimentos. A

    maior parte dos peptdeos de grandes dimenses destruda, contudo, parte digerida e uma fraco

    chega ainda intacta corrente sangunea s assim possvel explicar que nos bebs que se alimentam

    do leite materno, ocorra passagem de anticorpos da me para a corrente sangunea do filho.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    7

    Digesto e absoro de lipdeos

    Os lipdeos so um grupo heterogneo de compostos, relativamente insolveis em gua e solveis em

    solventes no polares. Estes desempenham funes ao nvel da regulao trmica, do isolamento

    elctrico dos axnios dos nervos mielinizados, da estrutura de membranas biolgicas e de molculas

    envolvidas na sinalizao. Os lipdeos so armazenados no tecido adiposo, sob a forma de

    triacilglicerdeos, que constituem uma importante fonte de energia.

    Os lipdeos so constitudos por cidos gordos, cadeias de hidrocarbonetos que podem ser saturadas,

    caso no apresentem duplas ligaes, ou insaturadas, caso apresentem uma ou mais duplas ligaes,

    que no caso dos lpidos naturais apresentam-se sempre na configurao cis. As cadeias insaturadas

    tm efeitos mais benficos para a sade que as saturadas, nomeadamente os cidos gordos das sries

    -3 e -6.

    Comportamento dos lipdeos no meio aquoso

    Como j foi referido, os lipdeos so geralmente insolveis em gua, contudo, os fosfolpidos,

    esfingolpidos e os sais biliares apresentam uma parte hidroflica e uma parte hidrofbica, sendo por

    isso consideradas molculas anfipticas. Isto permite que estes lpidos possam estar presentes ou ser

    transportados em meio aquoso.

    Quando temos lipdeos cildricos, como os fosfolpidos, temos a formao de bicamadas, que depois

    originam estruturas esfricas, por presses hidrofbicas. J os lpidos em cunha tendencialmente

    originam micelas,

    nomeadamente, quando se atinge

    uma concentrao de lpidos,

    designada por concentrao

    micelar crtica. Os lipossomas so

    esferas de bicamadas lipdicas,

    que enclausuram parte do meio

    aquoso, podendo ser unilamelares

    ou multilamelares, dependendo

    do nmero de bicamadas que os

    constituem. Por ltimo, as

    emulses so partculas de

    maiores dimenses formadas por

    lpidos no-polares e que esto

    presentes em meio aquoso. Para

    ocorrer a formao de emulses,

    necessria a presena de

    agentes emulsionantes, como

    lipdeos anfipticos.

    Triacilglicerdeos

    Os triacilglicerdeos (tambm designados, de forma menos correcta, por triglicerdeos) so molculas

    compostas por um glicerol e trs cidos gordos (sendo os cidos gordos mais comuns, nos

    triacilglicerdeos ingeridos, o cido oleico, o cido palmtico e o cido linoleico), ligados por ligaes

    ster, sendo lipdeos particularmente importantes. Os monoacilglicerdeos e os diacilglicerdeos so

    igualmente passveis de ser encontrados nos tecidos, contribuindo para a sntese de triacilglicerdeos.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    8

    Os carbonos dos triacilglicerdeos so numerados atravs do sistema sn (stereochemical numbering),

    ou seja, referimo-nos a um dado carbono como sendo o sn-1, sn-2 ou sn-3. Isto porque as enzimas

    distinguem os carbonos, sendo geralmente especficas para um determinado carbono (por exemplo, a

    cnase do glicerol, fosforila o glicerol apenas no sn-3, originando glicerol-3-fosfato).

    Digesto e absoro de triacilglicerdeos

    A nossa alimentao inclui lpidos sob a forma de triacilglicerdeos, colesterol e, em menor

    representatividade, fosfolpidos (nomeadamente a fosfatidilcolina, ou lecitinas molculas formadas

    por glicerol, cidos gordos, fosfato e colina). Encontramos lipdeos em leos animais (nomeadamente os

    leos de peixe, so ricos em cadeias de cidos gordos insaturadas), leos vegetais e na carne. Ao longo

    do processo digestivo, os lpidos so hidrolisados por estrases e emulsionados at formao de

    micelas, forma pela qual estes e as vitaminas lipossolveis (vitaminas A, D, E e K) so absorvidos. De

    referir que, apesar das complicaes que um excesso da ingesto de lpidos pode acarretar, estes so

    necessrios na nossa alimentao, numa concentrao mnima que facilite a absoro das vitaminas

    lipossolveis.

    A hidrlise dos triacilglicerdeos inicia-se ainda na cavidade oral, onde a lipase lingual quebra a ligao

    ster sn-3, levando libertao de cidos gordos livres e 1,2-diacilglicerdeos. Esta enzima segregada

    pelas glndulas de Ebner, localizadas na lngua e o seu pH ptimo situa-se entre o 4,5 e o 5,4. A mesma

    funo desempenhada pela lipase gstrica, segregada pelas clulas principais do estmago e cujo pH

    ptimo se situa entre o 3 e o 6.

    A lipase pancretica libertada ao nvel do intestino delgado e, dado ser uma lipase alcalina, necessita

    da presena de outra protena pancretica, a colipase, de modo a poder levar a cabo a sua actividade (a

    colipase segregada na sua forma inactiva, como pr-colipase e a activao levada a cabo pela

    tripsina). Esta lipase est ento envolvida na hidrlise de ligaes ster primrias (ou seja, nas posies

    1 e 3 dos triacilglicerdeos), levando produo de 2-monoaciglicerdeos e de cidos gordos livres. Os

    2-monoacilglicerdeos podem ser hidrolisados, originando glicerol e cidos gordos, por aco da

    esterase dos steres de colesterol, uma enzima altamente inespecfca. Contudo, isto verifica-se numa

    pequena percentagem de molculas.

    Quer os monoacilglicerdeos, quer os cidos gordos livres so considerados produtos finais principais da

    digesto de triacilglicerdeos, pois os monoacilglicerdeos raramente so completamente hidrolisados

    (menos que 25% destas molculas so completamente hidrolisados em cidos gordos e glicerol).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    9

    A emulso dos lpidos possvel graas aos sais biliares. Estes so produzidos no fgado e armazenam-se

    na vescula biliar, sendo libertados para o intestino delgado. A emulso (diminuio do tamanho das

    gotculas de gordura) ocorrida possvel, graas s lecitinas e colesterol presentes na blis (que so,

    como referido, molculas anfipticas e da poderem actuar como agentes emulsionantes). Como as

    micelas formadas, aquando desta emulso, so solveis (micelas mistas), possvel o seu transporte

    atravs do lmen intestinal (um meio aquoso) e a sua absoro no plo apical das clulas do epitlio

    intestinal (a passagem dos lipdeos para as clulas do entercito faz-se sobretudo sem recorrer a

    transportadores proteicos). Dentro do epitlio intestinal, os 2-monoacilglicerdeos so reacilados,

    originando triacilglicerdeos, atravs da via dos monoacilglicerdeos.

    O glicerol libertado no lmen intestinal no reutilizado, mas passa para a veia porta, enquanto o

    glicerol libertado dentro dos entercitos reutilizado para a sntese de triacilglicerdeos, atravs da via

    dos cidos fosfatdicos. J os sais biliares, que foram necessrios para a emulso dos lpidos, passam

    para o lio, onde so absorvidos na circulao enteroheptica.

    Nas clulas da mucosa intestinal, os cidos gordos de cadeia longa (cidos gordos com mais que dez

    tomos de carbono) so esterificados, originando triacilglicerdeos e, juntamente com outros produtos

    da digesto lipdica, so segregados na corrente linftica, sob a forma de quilomicra (grandes partculas

    lipoproteicas que consistem em triacilglicerdeos, fosfolpidos, colestrol e protenas e que transportam

    os lpidos dos intestinos at aos restantes tecidos do corpo), entrando para a corrente sangunea atravs

    do canal torcico.

    J os cidos gordos de cadeia curta e mdia so principalmente absorvidos ao nvel da veia porta do

    fgado, como cidos gordos livres. Todavia, a presena deste tipo de cidos gordos na dieta rara e eles

    so sobretudo produzidos ao nvel das bactrias da flora intestinal, no clon. Parte dos cidos gordos de

    cadeia curta absorvidos ao nvel do coloncito so utilizados para nutrio da prpria clula, enquanto

    os restantes passam para a corrente sangunea. Pensa-se que os cidos curtos de cadeia curta

    desempenhem um papel importante na preveno do cancro do clon, ao impedir que os colonctios se

    convertam em clulas tumorais.

    Digesto e absoro de colesterdeos e fosfolipdeos

    Na hidrlise de colesterdeos, temos a interveno da estrase dos steres de colesterol, segregada

    pelas clulas acinares do pncreas. Da sua aco resulta a formao de colesterol e cidos gordos,

    contudo, a elevada inespecificidade desta enzima, leva a que esta actue na hidrlise de outros steres e

    das ligaes amida dos esfingolipdeos. O colesterol absorvido, dissolvido em micelas lipdicas e

    esterificado principalmente na mucosa intestinal, antes de ser incorporado em quilomicra. O colesterol

    no-esterificado e outros esteris so transportados activamente para fora das clulas da mucosa at ao

    lmen intestinal. Os esteris e estanis vegetais competem com o colesterol pela esterificao, sendo,

    apesar disso, substratos pobres. Dessa forma, estas substncias reduzem a absoro de colesterol e

    permitem a diminuio dos seus nveis sricos.

    J quanto hidrlise dos fosfolipdeos, esta ocorre por aco da fosfolipase de tipo A2, que catalisa a

    formao de cidos gordos e lisofosfolipdeos (glicerofosfolipdeos, sem cido gordo no segundo

    carbono). A fosfolipase do tipo A2 segregada na sua forma inactiva, como pr-fosfolipase. A activao

    destas substncias levada a cabo, mais uma vez, pela tripsina.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    10

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    11

    Sntese de cidos gordos e triacilglicerdeos

    A lipognese a sntese de novo de cidos gordos, sendo o seu principal precursor, a glicose (embora os

    cidos gordos no sejam substratos gliconeognicos). Apesar de na maior parte dos mamferos a glicose

    ser o principal precursor para a lipognese, nos ruminantes, o principal substrato o acetato. Os cidos

    gordos so sintetizados por um sistema extramitocondrial que responsvel pela sntese de palmitato,

    a partir de acetil-CoA, no citosol. A lipognese ocorre na maioria dos tecidos, incluindo no rim, crebro,

    pulmes, fgado, glndula mamria e tecido adiposo. (sendo particularmente activa nestes trs ltimos

    tecidos). Nos msculos, no ocorre lipognese, devido ausncia do complexo da sntase dos cidos

    gordos (uma das enzimas desta via metablica).

    A lipognese no uma via particularmente importante em condies metablicas normais, visto que

    os glicdeos raramente so convertidos a cidos gordos (preferencialmente ocorre a sua oxidao, ou a

    sntese de glicognio). Porm, aquando de um consumo excessivo de glicdeos (nomeadamente, quando

    temos simultaneamente uma dieta pobre em cidos gordos, ou quando o valor calrico dos glicdeos

    superar os gastos energticos), a lipognese assume-se como uma via metablica de importncia

    considervel.

    Sntese de cidos gordos

    A acetil-CoA, formada a partir do piruvato por aco da desidrognase do piruvato, na matriz

    mitocondrial, o principal substrato para a sntese de cadeias longas de cidos gordos. Como a sntese

    de cidos gordos ocorre no citosol (pois l que esto presentes as suas enzimas) e a membrana

    mitocondrial impermevel acetil-CoA, ocorre a converso da acetil-CoA em citrato, por aco da

    sntase do citrato, sendo este exportado para o citosol. O citrato origina depois acetil-CoA por aco da

    enzima lase do ATP-citrato. De referir que o citrato apenas se encontra disponvel para ser

    transportado para fora da

    mitocndria, quando a

    enzima aconitase (que

    catalisa a sua converso

    em isocitrato, um outro

    intermedirio do ciclo de

    Krebs) j se encontra

    saturada com substrato,

    algo que assegura que o

    citrato apenas utilizado

    para a sntese de cidos

    gordos, quando existe

    excesso de glicdeos.

    No citosol, a acetil-CoA convertida em malonil-CoA, numa reaco de carboxilao catalisada pela

    carboxilase da acetil-CoA, um complexo multiproteico que necessita de biotina. Dessa forma, a reaco

    catalisada pela carboxilase da acetil-CoA (que acarreta o consumo de ATP) envolve dois processos, que

    ocorrem em duas subunidades distintas em primeiro lugar, o bicarbonato cede uma molcula de

    dixido de carbono biotina, numa reaco catalisada pela carboxilase da biotina e, depois, a protena

    de transferncia do carboxilo da biotina, transfere o grupo carboxilo da biotina para a acetil-CoA, de

    modo a ser formada malonil-CoA. De referir que, nos tecidos onde no ocorre lipognese, ou esta

    insignificante, a carboxilase a malonil-CoA sintetizada inibe a oxidao dos cidos gordos.

    1. Metabolismo lipdico

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    12

    A sntese de malonilCoA o primeiro passo da lipognese mas, mesmo em clulas onde a lipognese

    no um processo relevante ou no existe (msculo esqueltico), a carboxlase de acetil-CoA tem um

    papel importante pois o malonil-CoA inibe a oxidao dos cidos gordos.

    A malonil-CoA sofre ento uma srie de reaces catalisadas pela sntase de cidos gordos. O complexo

    da sntase de cidos gordos um polipptido que engloba sete actividades enzimticas. Nas bactrias e

    nas plantas encontramos enzimas separadas, mas nos vertebrados, estas encontram-se todas reunidas

    num complexo multienzmico, o que representa uma vantagem, na medida em que permite a

    compartimentalizao de todos os processos inerentes, bem como a coordenao da sntese de todas as

    enzimas nele presentes, visto as enzimas do complexo serem todas codificadas pelo mesmo gene. A

    sntase de cidos gordos um dmero que apresenta dois monmeros idnticos, cada um com um

    polipptido, que apresenta sete actividades enzimticas. Este complexo requer ainda a presena do

    cido pantotnico, sob a forma de 4-fosfopantetena.

    O ciclo de reaces neste complexo inicia-se com a ligao de uma molcula de acetil-CoA (que funciona

    analogamente a um primer) a um grupo SH de uma cistena de um dos monmeros do complexo,

    numa reaco catalisada pela acetil transacilase. A malonil-CoA, por seu turno, liga-se ao grupo SH

    adjacente na 4-fosfopantetena presente no outro monmero, numa reaco catalisada pela

    transacilase do malonilo e que leva formao da enzima acetil-malonilo.

    O grupo acetilo da acetil-CoA (com dois carbonos) ento transferido para a molcula de actil-malonilo.

    Esta reaco catalisada pela sntase do 3-cetoacilo, formando-se 3-ceto-acil-enzima (aceto-acetil-

    enzima) e ocorrendo uma descarboxilao (correspondente libertao do CO2, que tinha sido usado

    para a carboxilao da acetil-CoA em malonil-CoA) e a desocupao do grupo SH da cistena. A

    descarboxilao funciona como etapa limitante do processo, obrigando ao deslocamento da reaco no

    sentido da sntese de cidos gordos.

    A 3-ceto-acil-enzima ento reduzida, por aco da redtase do 3-cetoacilo a D-3-hidroxi-acil-enzima,

    o que ocorre com concomitante oxidao do NADPH. Segue-se uma desidratao desta molcula

    catalisada pela enzima hidratase e que leva formao de 2-enoil-enzima e uma nova reduo a 2-

    enoil-enzima convertida, por aco da redtase do enolo em acil-enzima. Esta reduo envolve

    novamente a oxidao do NADPH

    Entretanto, uma nova molcula de malonil-CoA liga-se ao grupo SH da 4-fosfopantena, ocorrendo a

    transferncia do resduo acilo da acil-enzima que esteve a ser formada para o grupo SH da cistena do

    monmero oposto, que se encontra livre (nomeadamente devido reaco catalisada pela sntase do 3-

    cetoacilo). A partir da, a sequncia de aces j referidas, com sucessivas transferncias de grupos

    acetilo, recomea, sendo repetida por mais seis ciclos, at ser obtido um radical acilo com dezasseis

    carbonos, o qual designado por palmitil. Este libertado do complexo enzimtico pela tioesterase

    (tambm designada por deacilase), obtendo-se palmitato livre.

    O palmitato livre deve ento ser activado e convertido em palmitil-CoA, numa reaco catalisada pela

    sinttase da acil-CoA e que envolve gastos de ATP, de forma a poder sofrer esterificao e ser

    incorporado em acilglicerdeos. Em termos de equao geral, para a sntese do palmitato, esta pode ser

    descrita por:

    Na glndula mamria, existe uma tioesterase especfica para os resduos com oito, dez ou doze tomos

    de carbono, que so encontrados nos lpidos do leite.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    13

    O NADPH, essencial para reduzir a 3-ceto-acil-enzima e a 2-enoil-enzima gerado, sobretudo, ao nvel

    da via das pentoses-fosfato, nomeadamente da sua fase irreversvel (por aco das desidrognases da

    glicose-6-fosfato e do 6-fosfogliconato), dado a via das pentoses fosfato se encontrar activa nos

    principais tecidos responsveis pela lipognese (fgado, tecido adiposo e glndula mamria activa) e

    ambos os processos ocorrerem no citoplasma (no existindo membranas, ou outras barreiras,

    impedindo a transferncia do NADPH). Contudo, existem outras fontes de NADPH, nomeadamente a

    enzima mlica (desidrognase do NADP malato), reduz o NADP+ a NADPH, atravs da converso do

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    14

    malato a piruvato. A reaco catalisada

    pela desidrognase do isocitrato

    citoslica (em que o isocitrato

    convertido a -ceto-glutarato com

    concomitante reduo do NADP+ a

    NADPH) tambm uma fonte de

    NADPH, mas apenas tem impacto

    substancial nos ruminantes. Dessa

    forma, a glicose, para alm de ser a

    precursora da lipognese, contribui para

    formao do seu principal agente

    redutor.

    Elongao dos cidos gordos

    So necessrias frequentemente cadeias de cidos gordos com um nmero de carbonos superior a 16

    no crebro, por exemplo, aquando da formao de esfingolipdeos, existe uma grande necessidade de

    cadeias de cidos gordos com 22 e 24 carbonos. Tambm o cido esterico, um dos cidos gordos mais

    abundantes no nosso organismo apresenta um nmero de carbonos superior a 16 (18). O processo de

    elongao (ou sistema microssomal) ento necessrio para que possa ocorrer a formao de cadeias

    de cidos gordos com mais que dezasseis carbonos. Este processo ocorre ao nvel do retculo

    endoplasmtico, sendo o malonil-CoA o dador de grupos acetilo (e, como tal, de carbonos) e o NADPH, o

    agente redutor. As reaces so catalisadas por um conjunto de enzimas, muito similares s que

    sintetizam cidos gordos e que formam um complexo a elongase dos cidos gordos. Contudo, os

    intermedirios deste processo encontram-se como derivados ligados CoA e no ao complexo

    enzimtico em si, como acontecia com a sntese de cidos gordos.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    15

    Sntese de cidos gordos insaturados

    Os cidos gordos insaturados (cidos gordos que contm pelo menos uma ligao dupla) podem ser

    considerados nutricionalmente essenciais, quando no ocorre a sua sntese endgena e, como tal, tm

    de ser obtidos por via da alimentao, ou nutricionalmente no-essenciais, quando possvel a sua

    sntese endgena no organismo. De referir que, nos animais, possvel a introduo de ligaes duplas

    nas posies 4 (s presente ao nvel dos peroxissomas), 5, 6 e 9, mas nunca para alm da posio 9

    (o indica a posio onde existe a ligao dupla, a contar do incio). J nas plantas, possvel a sntese

    de cidos gordos com ligaes duplas nas posies 12 e 15.

    Em termos de ligaes duplas presentes ao nvel dos cidos gordos, estas so sempre do tipo cis-. As de

    tipo trans- resultam da indstria, sendo introduzidas, por exemplo, na sntese da margarina.

    Os cidos gordos monoinsaturados no essenciais so sintetizados em vrios tecidos, nomeadamente

    no fgado, a partir de cidos gordos saturados. A primeira ligao dupla introduzida ao nvel da posio

    9, por um sistema enzimtico a 9 dessaturase, presente ao nvel do retculo endoplasmtico. A 9

    dessaturase catalisa ento a converso de palmitoil-CoA (16 carbonos), ou estearoil-CoA (18 carbonos)

    em palmitoleiol-CoA ou oleoil-CoA respectivamente, com concomitante reduo do oxignio a gua e

    oxidao de NADH ou NADPH a NAD+ ou NADP+. O sistema enzmico da 9 dessaturase inclui uma

    cadeia de oxirredtases, nas quais est presente o citocromo b5.

    A produo de cidos gordos insaturados da famlia 9 (do cido oleico, o cido gordo mais abundante

    dos triacilglicerdeos de um adulto) ento possvel endogenamente, no ocorrendo o mesmo com os

    cidos gordos insaturados das sries 6 (do cido linoleico) e 3, que devem estar presentes na

    alimentao (so cidos gordos insaturados nutricionalmente essenciais). Contudo, possvel converter

    cidos gordos da srie 6 entre si (acontecendo o mesmo com os cidos gordos da srie 3), no

    sendo, todavia, possvel converter cidos gordos da srie 3 em cidos gordos da srie 6 e vice-versa.

    A nomenclatura permite contar qual o primeiro carbono que contm a ligao dupla, comeando no

    ltimo carbono e tem vantagens relativamente nomenclatura clssica, na medida em que, quando

    uma cadeia sofre elongao, contando a partir do princpio, o nmero do carbono com a cadeia dupla

    sofre alteraes, enquanto contando a partir do fim, isso no ocorre.

    J para ocorrer a sntese de cidos gordos poli-insaturados, participam as enzimas 5 dessaturase e 6

    dessaturase, que vo acrescentando ligaes duplas, num sistema complexo, que envolve um misto de

    elongao (catalisada pela enzima elongase) e insaturao (catalisada pelas vrias dessaturases). No

    final, obtemos molculas com vrias ligaes duplas consecutivas interrompidas por grupos metileno

    (formando uma estrutura do gnero CH=CH-CH2-CH=CH).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    16

    Sntese do cido araquidnico

    O cido araquidnico, bem como outros cidos

    gordos polinsaturados com vinte carbonos, um

    precursor de eicosanides, importantes molculas

    sob o ponto de vista farmacolgico e fisiolgico, que

    incluem as prostaglandinas, tromboxanos,

    leucotrienos e lipoxinas e que desempenham papis

    importantes, ao nvel da resposta inflamatria e

    imunitria, sendo tambm mensageiros do sistema

    nervoso central.

    O cido araquidnico pode se formar a partir de um

    fosfolpido, por aco da enzima fosfolipase A2 (a

    fosfolipase A2 citoslica origina o cido

    araquidnico que vai ter fins de sinalizao celular,

    enquanto o cido araquidnico que participa na

    resposta inflamatria tem origem na fosfolipase A2

    secretora), embora tambm possa ser formado a

    partir do cido linoleico (cido gordo da srie 6).

    O cido linoleico, por aco da 6 dessaturase,

    origina cido -linolnico, que depois sofre

    elongao em dois carbonos, por aco da enzima

    elongase, originando cido eicosatrienico, uma

    molcula com vinte carbonos. O cido

    eicosatrienico, por aco da 5 dessaturase fica com

    uma ligao dupla no quinto carbono, originando

    cido araquidnico. Partindo do cido -linolnico

    (estrutura com ligaes duplas nos carbonos nove,

    doze e quinze), possvel a sntese de cido eicosa-

    penta-enico (EPA), atravs de um conjunto de

    reaces similares s de sntese do cido araquidnico.

    Regulao da lipognese

    Dado o excesso de glcidos ser convertido em gordura, que ser fonte de reserva para perodos de

    deficincia calrica, ou fonte energtica para os perodos entre as refeies, no admira que o estado

    nutricional do indivduo seja o principal factor regulador dos nveis de lipognese. Estes so elevados

    num indivduo que ingira uma proporo elevada de glicdeos. Uma maior ingesto de sacarose ou

    frutose contribui tambm para um aumento da lipognese, dado a frutose ser mais rapidamente

    metabolizada que a glicose. Por outro lado, aquando de condies de restrio calrica, de uma

    alimentao com excesso de lpidos, ou de resistncia/deficincia de insulina (como na diabetes

    mellitus), a lipognese inibida.

    A insulina estimula a lipognese, por vrios mecanismos, nomeadamente pelo aumento da actividade

    da carboxlase da acetil-CoA. Por outro lado, esta hormona, ao contribuir para a absoro de glicose

    para dentro das clulas, por exemplo do tecido adiposo, leva a que haja uma maior quantidade, quer de

    piruvato (o que se traduz numa maior quantidade de acetil-CoA, que participa na sntese de cidos

    gordos), quer de glicerol-3-fosfato, essencial para a sntese de triacilglicerol. No tecido adiposo, a

    insulina tem ainda a capacidade de converter a forma inactiva da desidrognase do piruvato (forma

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    17

    fosforilada), na sua forma activa (desfosforilada), o que se traduz numa maior quantidade de acetil-CoA

    formada. Por fim, a insulina, ao diminuir os nveis de cAMP inibe a liplise no tecido adiposo, reduzindo

    a concentrao de cidos gordos livres no plasma e de acil-CoA (um inibidor da lipognese).

    A carboxlase da acetil-CoA activada alostericamente pelo citrato, cuja concentrao elevada, aps a

    ingesto de glicdeos (pois um intermedirio do ciclo de Krebs), sendo por isso um bom indicador da

    concentrao de acetil-CoA (dessa forma, aquando de maiores concentraes de acetil-CoA, temos

    necessariamente maiores concentraes de citrato, que activa a carboxilase da acetil-CoA e, como tal,

    leva a um estmulo da lipognese).

    A insulina activa tambm a sntese de lpidos sem ser de novo, ao contribuir para um aumento da

    transcrio dos genes que codificam dessaturase do estearil-CoA para as enzimas envolvidas no

    processo de elongao e para a acil-transferase do glicerol-3-fosfato (enzima envolvida na sntese de

    triacilglicerdeos).

    J a inactivao da carboxilase da acetil-CoA promovida pela sua fosforilao, bem como por

    molculas de acil-CoA de cadeia longa, o que exemplifica um mecanismo de feedback negativo, pois

    aquando de maiores concentraes de acil-CoA (pelo facto de esta no ainda no ter sido esterificada

    em acilglicerdeos, por causa de maior liplise, ou devido a um maior influxo de cidos gordos livres), a

    sntese de cidos gordos livres reduzida. A carboxilase da acetil-CoA tambm regulada por hormonas

    como a glicagina, a adrenalina e a insulina, atravs de mudanas no seu estado de fosforilao (que se

    repercutem em alteraes do seu estado de activao).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    18

    A acil-CoA tambm um regulador da desidrognase do piruvato, inibindo esta enzima, ao inibir o

    transportador do nucletido de adenina (trocador de ATP/ADP) na membrana mitocondrial. Isto leva a

    um maior rcio entre as concentraes de ATP e ADP na mitocndria, o que leva inactivao da

    desidrognase do piruvato, o que se traduz numa menor quantidade de acetil-CoA produzida (e como

    tal, numa menor disponibilidade desta molcula para a lipognese). Para alm disso, maiores nveis de

    cidos gordos livres levam oxidao de acil-CoA, o que leva a que os rcios de concentraes da acetil-

    CoA/CoA e do NADH/NAD+, aumentem, o que mais uma vez inibe a desidrognase do piruvato.

    Estruturas moleculares dos cidos gordos mais importantes

    Sntese de triacilglicerdeos

    A maior parte dos lipdeos no corpo humano encontram-se sob a forma de acilglicerdeos, sendo que os

    triacilglicerdeos so os principais lipdeos presentes na alimentao e no tecido adiposo (estima-se que

    cerca de 95% dos lipdeos de um indivduo jovem normal se encontrem neste tipo de tecido).

    Os triacilglicerdeos so produzidos a partir do glicerol 3-fosfato, que pode ser sintetizado a partir do

    glicerol, ou a partir da dihidroxiacetona fosfato. O glicerol convertido em sn-glicerol 3-fosfato pela

    cnase do glicerol, com consumo de ATP, no fgado, rim e glndula mamria activa. No msculo e no

    tecido adiposo, a actividade desta enzima baixa, ou mesmo nula e, como tal, o glicerol 3-fosfato

    produzido a partir da dihidroxiacetona fosfato, a partir da desidrognase do glicerol 3-fosfato.

    Ao glicerol-3-fosfato, juntam-se duas molculas de acil-CoA (resultantes da activao de cidos gordos),

    formando fosfatidato (1,2-diacilglicerol fosfato), o que implica duas etapas uma primeira catalisada

    pela acetiltransferase do glicerol 3-fosfato (e que leva formao de lisofosfatidato 1-acilglicerol-3-

    fosfato) e uma segunda catalisada pela acetiltransferase do 1-acilglicerol-3-fosfato.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    19

    O fosfatidato convertido em 1,2-diacilglicerol pela fosftase do fosfatidato, numa reaco que

    envolve a remoo do grupo fosfato e a incorporao de uma molcula de gua. Por sua vez, o 1,2-

    diacilglicerol origina triacilglicerol, por aco da enzima aciltransferase do diacilglicerol (DGAT). Nesta

    ltima reaco, a acil-CoA concomitantemente convertida em CoA, doando um grupo acilo para o

    1,2-diacilglicerol. A reaco convertida pela DGAT a nica que especfica para a sntese de

    triacilglicerdeos e entendida como a etapa limitante deste processo.

    Nas clulas da mucosa intestinal, o 2-monoacilglicerol absorvido ao nvel dos entercitos convertido

    em 1,2-diacilglicerol, por aco da aciltransferase do monoacilglicerol, algo que envolve a transferncia

    de um grupo acilo proveniente da acil-CoA. Posteriormente, o 1,2-diacilglicerol convertido em

    triacilglicerdeos por aco da DGAT. Este conjunto de reaces entendido como a via dos

    monoacilglicerdeos.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    20

    De referir que a maior parte destas enzimas exerce a sua actividade no retculo endoplasmtico, embora

    algumas estejam presentes na mitocndria. A fosfohidrolase do fosfatidato apresenta-se como

    excepo, visto encontrar-se sobretudo, ao nvel do citosol (apesar disso, a sua forma activa est ligada

    membrana biolgica).

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    21

    Oxidao de cidos gordos

    Apesar de os cidos gordos serem sintetizados a partir de acetil-CoA e oxidados a acetil-CoA, a oxidao

    de cidos gordos no o processo inverso da lipognese de novo, mas um processo completamente

    diferente, que ocorre em compartimentos da clula nomeadamente na mitocndria. A ocorrncia de

    processos diferentes em compartimentos celulares diferentes permite que ocorra um controlo

    individual de cada processo, de acordo com as necessidades de cada tecido. Este processo, como o seu

    nome indica, ocorre apenas na presena de oxignio, sendo, por isso, considerado aerbio. De referir

    que a oxidao dos cidos gordos pode ocorrer em todas as clulas, com excepo dos eritrcitos. No

    crebro, contudo, a velocidade de oxidao dos cidos gordos to reduzida, que no tem relevncia

    para a produo de ATP.

    Um aumento da oxidao de cidos gordos um resultado do jejum e/ou da presena de diabetes

    mellitus, o que leva produo de corpos cetnicos no fgado. Os corpos cetnicos so acdicos e,

    quando produzidos em excesso durante longos perodos de tempo, como aquando da diabetes mellitus,

    levam a uma condio de cetoacidose que pode, inclusive, ser fatal. Uma vez que a gliconeognese est

    dependente do processo de oxidao de cidos gordos, problemas neste processo podem levar a

    situaes de hipoglicemia, algo que ocorre aquando de deficincias de carnitina, de enzimas que

    participam neste processo, (tais como a palmitoiltransferase), ou da presena de venenos, como a

    hipoglicina, que inibem a oxidao de cidos gordos.

    Os cidos gordos livres no se encontram esterificados, embora eles nunca se encontrem realmente

    livres, no sentido estrito do termo, visto encontrarem-se ligados a uma binding protein para cidos

    gordos, no meio intracelular; ou ligados a albumina, no plasma sanguneo. Essa ligao permite que no

    se formem agregados de cidos gordos. As cadeias curtas de cidos gordos so mais solveis em gua e

    existem como cidos no-ionizados ou como um anio de cido gordo.

    Activao e transporte de cidos gordos

    Os cidos gordos tm de ser, inicialmente, convertidos para um intermedirio activo, antes de poderem

    ser catabolisados. Esta a nica etapa neste processo, que requer o consumo de ATP (que hidrolisado

    em AMP e pirofosfato), sendo que um cido gordo convertido a acil-CoA (cido gordo activo), por

    aco da sinttase da acil-CoA. Esta reaco fisiologicamente irreversvel porque a pirofosftase

    inorgnica catalisa a imediata hidrlise do pirofosfato, entretanto formado. De referir que, a sinttase

    da acil-CoA encontra-se ao nvel do retculo endoplasmtico, dos peroxissomas e do lado interno da

    membrana externa da mitocndria.

    A acil-CoA de cadeia longa (contrariamente de cadeia curta e mdia) no consegue penetrar na

    membrana interna da mitocndria, onde ocorrer a sua oxidao. Contudo, na presena de carnitina, a

    carnitina-palmitil transferase I, localizada ao nvel da membrana externa mitocondrial, converte as acil-

    CoA de cadeia longa em acilcarnitina. Esta molcula tem a capacidade de atravessar a membrana

    interna da mitocndria, atravs de um antiporter (a translocase da carnitina-acilacarnitina), que acopla

    entrada da acilcarnitina na matriz mitocondrial, a sada de uma molcula de carnitina, sendo ambas

    transportadas a favor do gradiente de concentrao. A acilcarnitina, j na matriz mitocondrial, reage

    com a CoA, libertando carnitina e regenerando a molcula de acil-CoA, numa reaco catalisada pela

    carnitina-palmitil transferase II. De referir que estes processos, so as etapas limitantes do processo de

    oxidao de cidos gordos.

    Em termos bioqumicos, a carnitina uma molcula com sete carbonos que se encontra ao nvel de

    quase todos os tecidos do corpo humano, sendo deveras abundante no msculo esqueltico. Para alm

    da sua obteno por via da dieta, no organismo, ocorre a sua sntese endgena a partir da lisina.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    22

    -oxidao de cidos gordos com nmero par de carbonos

    No processo de -oxidao, dois carbonos de cada vez so

    clivados, de forma a originar molculas de acil-CoA,

    comeando essa clivagem na extremidade carboxilo. A cadeia

    quebrada por entre o segundo e o terceiro carbonos (que

    correspondem respectivamente aos carbonos e ), e da o

    nome -oxidao. As duas unidades de carbono formadas de

    cada vez so unidades de acetil-CoA e, dessa forma, o

    palmitil-CoA forma oito molculas de acetil-CoA (16:2=8).

    As enzimas que participam no processo de -oxidao

    encontram-se ao nvel da matriz mitocondrial sendo

    genericamente designadas por oxidase dos cidos gordos,

    catalisando a converso de acil-CoA em acetil-CoA,

    concomitantemente fosforilao de ADP em ATP.

    A primeira etapa envolve a remoo de dois tomos de hidrognio do segundo e terceiro tomos de

    carbono, numa reaco catalisada pela desidrognase da acil-CoA, formando-se 2-trans-enoil-CoA.

    Este processo requer a presena de FAD, que reduzido e convertido a FADH2.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    23

    A hidratase da 2-trans-enoil-CoA catalisa ento a

    converso de 2-trans-enoil-CoA em 3-hidroxiacil-

    CoA, atravs da adio de uma molcula de gua,

    o que leva saturao da ligao dupla, entretanto

    formada. O 3-hidroxiacil-CoA oxidado no terceiro

    carbono, numa reaco catalisada pela

    desidrognase da L(+)-3-hidroxiacil-CoA,

    formando-se 3-ceto-acil-CoA, numa reaco que

    ocorre com concomitante reduo do NAD+ a

    NADH + H+.

    Por fim, o 3-ceto-acil-CoA clivado na ligao

    entre o segundo e o terceiro carbono, por aco

    da enzima tiolase, o que leva formao de acetil-

    CoA e de uma molcula de acil-CoA, com um

    nmero de carbonos menor em duas unidades

    acil-CoA original. Esta acil-CoA vai sofrer novos

    ciclos de oxidao, originando sucessivas

    molculas de acetil-CoA.

    Apesar de estas enzimas serem referidas

    genericamente no singular, existem vrias

    isoenzimas relativamente a cada enzima, em

    funo, sobretudo, do tamanho das cadeias de

    cidos gordos, nas quais actuam (por exemplo, a

    desidrognase da acil-CoA apresenta quatro

    isoenzimas). Isto particularmente relevante, na

    medida em que existem patologias caracterizadas

    pela deficincia de enzimas que actuam ao nvel de

    um determinado tipo de cadeias de cidos gordos.

    De referir que as isoenzimas que actuam preferencialmente nos cidos gordos de cadeia mais longa,

    encontram-se ao nvel da membrana mitocondrial interna e as que actuam sobretudo em cidos gordos

    de cadeia mais curta, encontram-se ao nvel da matriz mitocondrial. Apesar disso, todas as isoenzimas,

    independentemente do facto de estarem presentes na membrana ou na matriz mitocondrial,

    apresentam o seu centro activo voltado para a matriz.

    Este processo diz-se aerbio, porque o oxignio necessrio para reoxidar o FADH2 e o NADH

    entretanto formados, para que estes possam ser utilizados para oxidar novas cadeias de cidos gordos.

    Os electres do FADH2 so transferidos para a ubiquinona, atravs da aco cataltica sequencial das

    enzimas flavoprotena de transferncia de electres e oxirredtase da flavoprotena de transferncia

    de electres-ubiquinona. Estas enzimas encontram-se respectivamente ao nvel da matriz mitocondrial

    e membrana interna da mitocndria e, tal como a desidrognase da acil-CoA, apresentam o FAD como

    grupo prosttico. Aps reduo da ubiquinona e regenerao do FAD, o ubiquinol formado vai reduzir o

    complexo III, que por sua vez, reduz o complexo IV, o que leva aceitao final dos electres por parte

    do oxignio. J a reoxidao do NADH ocorre por via da actividade dos complexos I, III e IV.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    24

    Balano energtico da -oxidao

    O transporte de electres do FADH2 e do NADH, ao nvel das cadeias respiratrias, leva sntese de

    quatro molculas de ATP, por ciclo. Ora, dado ocorrerem sete ciclos para que ocorra a clivagem total de

    uma molcula de palmitato, temos que se foram 28 mol de ATP, a esse nvel (7 x 4 = 28). Por outro lado,

    so formados 8 mol de acetil-CoA per molcula de palmitato, sendo que cada mol origina 10 mol de ATP

    ao seguir a via do ciclo de Krebs e da fosforilao oxidativa. Dessa forma, temos que a esse nvel so

    gerados 80 mol de ATP (8 x 10 = 80). Somando esses dois valores e subtraindo, as duas ligaes fosfato

    quebradas para que ocorra a activao inicial da oxidao de cidos gordos, obtemos que per mol de

    palmitato oxidado so originados 106 mol de ATP:

    -oxidao de cidos gordos com nmero mpar de carbonos

    Os cidos gordos com um nmero mpar de carbonos so oxidados formando vrias molculas de acetil-

    CoA, at restar apenas um resduo de trs carbonos, o propionil-CoA. O propionil-CoA tambm pode ser

    formado, ao nvel das mitocndrias, por activao do propionato, uma molcula formada por

    fermentao bacteriana ao nvel do clon. O propionil-CoA convertido em metil-malonil-CoA, por

    aco da carboxilase do propionil-CoA. O metil-malonil-CoA convertido a succinil-CoA, um

    intermedirio do ciclo de Krebs, por aco de duas isomerases (que convertem inicialmente o D-metil-

    malonil-CoA em L-metil-malonil-CoA, sendo este ltimo isomerizado a succinil-CoA) e dessa forma, diz-

    se que os cidos gordos com nmero mpar de carbonos so substratos gliconeognicos.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    25

    -oxidao e -oxidao no peroxissoma

    Nos peroxissomas ocorre a -oxidao de cadeias muito longas de cidos gordos, o que leva formao

    de acetil-CoA e H2O2, no sendo gerado ATP. As enzimas necessrias para que ocorra este processo no

    catalisam reaces em cadeias curtas de cidos gordos, terminando a -oxidao de cidos gordos,

    aquando da formao de octanoil-CoA (uma cadeia com oito carbonos ligada a uma molcula de CoA).

    O octanil-CoA continua a sua oxidao na mitocndria.

    O H2O2 (perxido de hidrognio) forma-se no peroxissoma por reduo do oxignio. Esta molcula, por

    sua vez, reduz-se como forma de oxidar o FADH2, produzido ao nvel de uma reaco catalisada por uma

    desidrognase. O facto do perxido de hidrognio ser uma espcie reactiva de oxignio, que leva

    danos celulares, leva presena de uma enzima do proteossoma, a catalase, que catalisa a dismutao

    do perxido em oxignio e gua. J o NADH formado oxidado, ao nvel da mitocndria, embora este

    mecanismo ainda seja pouco conhecido.

    O cido fitnico (que na sua forma activada origina fitanoil-CoA) encontrado na carne de ruminantes e

    em lacticnios e contm um grupo metilo no terceiro

    carbono. Isto impede a aco da desidrognase da

    acil-CoA e leva a que esta molcula tenha que ser

    oxidada em (ao nvel do segundo carbono), nos

    peroxissomas. O fitanoil-CoA convertido a

    pristanil-CoA, que apresenta menos um carbono e o

    grupo metilo ao nvel, j do segundo carbono. Dessa

    forma, como este composto no apresenta o seu

    grupo metilo ao nvel do terceiro carbono, pode ser

    j oxidado pela via de oxidao em .

    Paralelamente a estes processos, no peroxissoma ocorre o encurtamento das cadeias laterais do

    colesterol, para a formao da blis, a sntese de glicerolipdeos, colesterol e dolicol.

    Oxidao em

    No retculo endoplasmtico do fgado e rim, por seu turno, ocorre a oxidao em . Este um processo

    que apresenta pouca relevncia para a oxidao de cidos gordos de cadeia mdia, adquirindo apenas

    particular importncia, aquando de deficincias na -oxidao.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    26

    Aquando deste processo temos a aco de uma oxdase de funo mista, que contm o citocromo P450

    e acrescenta um grupo hidroxilo ao carbono . Segue-se a ocorrncia de duas reaces de oxidao,

    com concomitante reduo do NAD+, catalisadas sequencialmente por uma desidrognase de lcoois e

    por uma desidrognase de aldedos, sendo que os intermedirios entretanto formados neste processo

    no se encontram ligados CoA. Os cidos gordos oxidados em so substratos gliconeognicos,

    porque a partir dos cidos dicarboxlicos que, entretanto se formam, originada succinil-CoA. De referir

    que, aquando de situaes patolgicas a maioria dos cidos dicarboxlicos entretanto formados so

    excretados na urina, servindo como mtodo de diagnstico.

    Oxidao de cidos gordos insaturados

    Os steres de CoA dos cidos gordos insaturados so

    degradados por enzimas, que seriam normalmente

    responsveis pela sua -oxidao at formao de um

    composto 3-cis-enoil-CoA, ou 4-cis-enoil-CoA

    (dependendo do facto das ligaes duplas se encontrarem

    em carbonos mpares ou pares, respectivamente).

    Aquando da gnese de 3-cis-enoil-CoA, esta molcula

    isomerisada pela isomerase 3cis 2-trans-enoil-CoA

    para que ocorra a formao de um composto 2-trans-

    enoil-CoA, que subsequentemente segue a via normal da

    -oxidao dos cidos gordos, sendo alvo da aco da

    hidratase do 2-enoil-CoA.

    J no que concerne formao de 4-cis-enoil-CoA, o

    processo deveras mais complexo. A desidrognase da

    acil-CoA converte este composto em 4-cis-2-trans

    dienoil-CoA. Este composto sofre a aco de uma

    redtase dependente de NADPH, sendo convertido a 3-

    trans enoil-CoA, que por sua vez isomerisado a 2-trans-

    enoil-CoA. Este segue, posteriormente a via normal da -

    oxidao dos cidos gordos. A presena de NADPH resulta

    da actividade da desidrognase do isocitrato

    mitocondrial, que converte o isocitrato em -ceto-

    glutarato e da transhidrognase, uma enzima que catalisa

    a passagem de protes para a matriz mitocondrial, com

    concomitante reduo do NADP+.

    De referir que, a quantidade de ATP formada por mol de

    cidos gordos menor no caso de cidos gordos

    insaturados, do que em cidos gordos saturados, com o

    mesmo nmero de carbonos.

    Patologias associadas oxidao de cidos gordos

    A deficincia de carnitina pode ocorrer sobretudo nos recm-nascidos, devido a uma biossntese

    inadequada desta molcula, ou a problemas renais. Os sintomas desta deficincia incluem a

    hipoglicemia, como consequncia do impedimento da oxidao de cidos gordos e a acumulao

    lipdica, acompanhada por fraqueza muscular. O dfice primrio de carnitina caracteriza-se por

    mutaes no transportador OCTN2, responsvel pela reabsoro de carnitina, ao nvel do rim e pela

    entrada de carnitna nos msculos e corao. Uma mutao neste transportador est asssociada a

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    27

    menor -oxidao nos msculos, fgado e corao. Contudo, a administrao de carnitina revela-se uma

    boa estratgia teraputica para este dfice.

    No que concerne ao dfice secundrio de carnitina, destaque para a deficincia de carnitina-palmitil

    transferase I, que hereditria e afecta apenas o fgado, resultando numa menor oxidao de cidos

    gordos e cetognese, acompanhada de hipoglicemia. J a deficincia de palmitoiltransferase-II da

    carnitna afecta sobretudo o msculo esqueltico e, aquando de casos severos, o fgado. No segundo

    caso, regista-se um aumento da acil-carnitina, mas uma diminuio da carnitina plasmtica, pois a

    carnitina compete com a aclcarnitina pelo transportador OCTN2.

    Medicamentos como o gliburido e o tolbutamido, utilizados no tratamento de diabetes mellitus tipo II,

    reduzem a oxidao de cidos gordos e, consequncia, a hipoglicemia, ao inibir a actividade da

    palmitiltransferase-I da carnitina.

    Defeitos hereditrios nas enzimas da -oxidao e de cetognese levam igualmente a hipoglicemia,

    coma e acumulao de cidos gordos no fgado. Esto descritas deficincias de desidrognase de 3-

    hidroxiacil-CoA, tiolase de 3-cetoacil-CoA e da lase do 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA. De referir que,

    deficincias nas duas ltimas enzimas afectam igualmente a degradao de leucina, um aminocido

    cetognico.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    28

    A doena dos vmitos jamaicanos provocada

    pela ingesto da fruta da rvore akee (Blighia

    sapida), que contm a toxina hipoglicina. Esta

    inibe a desidrognase da acil-CoA para cadeias de

    cidos gordos mdias e curtas, inibindo, dessa

    forma, a -oxidao lipdica e levando a sintomas

    de hipoglicemia. Vrias outras patologias

    associadas -oxidao dos cidos gordos

    encontram-se descritas, estando algumas descritas

    na tabela seguinte.

    Doena Causa Consequncia

    Acidria dicarboxlica Ausncia da desidrognase

    da acil-CoA para cadeias mdias, na mitocndria

    Excreo de cidos -dicarboxlicos com seis e dez carbonos. Sintomas de hipoglicemia

    Doena de Refsum Desordem no metabolismo

    do cido fitnico

    Doena neurolgica caracterizada pela acumulao de cido fitnico Efeitos

    patolgicos nas funes membranares e na expresso gentica

    Sndroma de Zellweger

    Ausncia hereditria de peroxissomas em todos os

    tecidos

    Acumulao de cidos gordos com 26 e 38 carbonos e perda de funes peroxissomais. Normalmente, ocorre a morte do indivduo,

    no primeiro ano de vida.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    29

    Metabolismo dos corpos cetnicos

    Produo de corpos cetnicos

    Aquando de condies metablicas associadas a nveis elevados de cidos gordos, o fgado produz

    elevadas quantidades de acetoacetato e de D-3-hidroxibutirato. O acetoacetato sofre descarboxilaes

    espontneas, at originar acetona. As trs substncias referidas so conhecidas colectivamente como

    sendo corpos cetnicos. A concentrao total de corpos cetnicos no sangue de mamferos num estado

    ps-prandial no excede normalmente os 0,2 mmol/L, excepto nos ruminantes. Contudo, aquando de

    condies de jejum, as suas concentraes aumentam exponencialmente, podendo chegar aos 6

    mmol/L, aquando de um jejum de vrios dias! Quando temos concentraes muito elevadas de corpos

    cetnicos, encontramo-nos num estado designado por cetose.

    O fgado , de facto, o nico tecido que produz corpos cetnicos em quantidade suficiente, para a

    corrente sangunea, visto que os tecidos extra-hepticos utilizam-nos como substratos respiratrios.

    Dessa forma, o fgado exporta dos corpos cetnicos para os tecidos extra-hepticos. No crebro,

    inclusive, o D-3-hidroxibutirato e o acetoacetato so importantes combustveis energticos aquando de

    um estado de jejum.

    As enzimas responsveis pela formao de corpos cetnicos esto associadas, sobretudo, com a

    mitocndria. Duas molculas de acetil-CoA formadas, por -oxidao juntam-se, formando acetoacetil-

    CoA, numa reaco reversvel catalisada pela enzima tiolase. A acetoacetil-CoA pode tambm ser

    resultante directamente da molcula com quatro carbonos formada ao nvel da -oxidao de cidos

    gordos.

    A condensao da acetoacetil-CoA

    com outra molcula de acetil-CoA,

    por aco da sntase do 3-hidroxi-3-

    metilglutaril-CoA leva formao

    de 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA

    (HMG-CoA). A lase do 3-hidroxi-3-

    metilglutaril-CoA leva ento

    expulso de uma molcula de

    acetil-CoA do HMG-CoA, levando

    formao de acetoacetato livre

    (este conjunto de reaces

    designado por ciclo de Lynen). De

    referir que, os tomos de carbono

    presentes na molcula de acetil-

    CoA que se forma, derivam da

    molcula original de aceto-acetil-

    CoA e da a necessidade de ocorrer

    uma adio de acetil-CoA, seguida

    de uma remoo desta mesma

    molcula.

    O acetoacetato entretanto formado

    na sua maioria convertido em 3-

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    30

    hidroxibutirato, numa reaco reversvel, catalisada pela desidrognase do 3-hidroxibutirato. Este o

    corpo cetnico predominante no sangue e na urina, aquando de uma condio de cetose. J a

    converso do acetoacetato em acetona ocorre, como j foi referido, de forma espontnea.

    Enquanto um mecanismo enzimtico activo produz acetoacetato a partir de acetoacetil-CoA, no fgado,

    o acetoacetato no pode ser activado directamente em acetoacetil-CoA, excepto no citosol, onde

    usado como precursor da sntese do colesterol (uma via muito pouco activa). Dessa forma os corpos

    cetnicos no so utilizados como combustveis energticos neste rgo, sendo exportados e

    transportados atravs de simporters proto-monocarboxilatos (da mitocndria para o citosol e do

    citosol para o meio extracelular).

    Catabolismo de corpos cetnicos

    O catabolismo de corpos cetnicos ocorre na

    maioria dos tecidos extra-hepticos, com excepo

    dos eritrcitos, da medula renal e das fibras

    musculares brancas, dado este ser um processo

    estritamente aerbio. Nos tecidos extra-hepticos

    (onde entra por aco de um simporter), o

    acetoacetato activado em acetoacetil-CoA pela

    transferase do succinil-CoA-acetoacetato-CoA

    (enzima que no est presente no fgado), em que a

    CoA transferida do succinil-CoA para formar

    acetoacetil-CoA. Com a adio da CoA, o

    acetoacetil-CoA divide-se em duas molculas de

    acetil-CoA, por aco da tiolase, sendo essas

    molculas oxidadas ao nvel do ciclo de Krebs. J no

    que toca ao D-3-hidroxibutirato, este convertido

    em acetoacetato em tecidos extrahepticos por

    aco da desidrognase do D-3-hidroxibutirato.

    Enquanto o acetoacetato e o D-3-hidroxibutirato

    so prontamente oxidados em tecidos extra-

    hepticos, a acetona dificilmente oxidada in vivo,

    sendo como tal volatizada em grandes quantidades,

    nos pulmes e excretada na urina. Na cetonemia

    moderada, ocorre a perda de corpos cetnicos na

    urina, que representa apenas uma pequena fraco

    da produo e utilizao total de corpos cetnicos.

    Regulao da oxidao de cidos gordos e cetognese

    Aps a absoro por parte do fgado, os cidos gordos livres so, quer -oxidados a CO2, ou a corpos

    cetnicos; ou esterificados a triacilglicerol ou fosfolpidos. A palmitiltransferase-I da carnitina um

    agente regulador da entrada dos cidos gordos na via oxidativa a actividade daquela enzima baixa no

    estado ps-prandial, levando a uma menor oxidao dos cidos gordos, e elevada no estado de jejum,

    levando a uma maior oxidao de cidos gordos. O malonil-CoA, primeiro intermedirio formado no

    processo de sntese de cidos gordos um inibidor da palmitiltransferase-I da carnitina. De referir que,

    os cidos gordos que no seguem a via da -oxidao so esterificados.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    31

    Aquando de um estado de jejum, os cidos gordos livres produzidos, aquando de um estado ps-

    prandial (como resultado da lipognese), nomeadamente a acil-CoA, vo inibir a lipognese (por

    mecanismos de inibio alostrica) e estimular a -oxidao dos cidos gordos (devido ao facto da acil-

    CoA ser substrato da palmitiltransferase-I da carnitina). A acil-CoA inibe a aco da carboxlase da acetil-

    CoA, o que traz por consequncia, uma menor sntese de acetil-CoA e, consequentemente, de malonil-

    CoA. Menores concentraes de malonil-CoA levam a que no ocorra inibio da palmitiltransferase-I da

    carnitina e a que aumente a -oxidao de acil-CoA. Estes eventos so reforados no estado de jejum,

    por um menor rcio [insulina]/[glicagina] e esto tambm dependentes da velocidade de consumo de

    ATP (que se traduz em maiores concentraes de AMP). Isto porque o AMP activa a cnase de protenas

    activadas pelo AMP, que fosforila a carboxilase da acetil-CoA, inibindo-a e levando a uma menor

    produo de malonil-CoA. A diminuio do rcio [insulina]/[glicagina], num estado de jejum contribui

    tambm para a estimulao da cetognese, ao estimular a actividade da sntase de HMG-CoA.

    Por outro lado, quando os nveis de cidos gordos livres sricos esto aumentados, so convertidos mais

    cidos gordos em corpos cetnicos e menos so oxidados, pelo ciclo de Krebs. A acetil-CoA formada

    aquando da -oxidao pode ser oxidada no ciclo de Krebs, ou ser substrato da cetognese e originar

    corpos cetnicos, sendo que a via seguida por este composto determinada de modo a que o total de

    ATP formado por oxidao dos cidos gordos livres seja constante, apesar de variaes na concentrao

    dos nveis sricos de cidos gordos livres. Como a cetognese apenas pode gerar 26 ou 21 mol de ATP

    per mol de palmitato e a -oxidao gera 106 mol, o fgado opta pela cetognese, quando necessria a

    oxidao de cidos gordos, acoplada a menor produo de ATP.

    Uma diminuio nas

    concentraes de

    oxaloacetato, particularmente

    ao nvel da mitocndria, pode

    impedir a metabolizao da

    acetil-CoA, ao nvel do ciclo de

    Krebs e levar a estimulao da

    cetognese. O oxaloacetato

    pode se encontrar em

    menores concentraes,

    devido a um aumento do rcio

    [NADH]/[NAD+]. Este aumento

    provocado, em ltima

    anlise, por uma maior -

    oxidao de cidos gordos, o

    que afecta o equilbrio entre o

    oxaloacetato e o malato e leva

    a uma menor concentrao de

    oxaloacetato.

    Aquando de baixos nveis de

    glicose e estimulao da

    gliconeognese verifica-se a

    mesma situao e da que nos

    indivduos em jejum, ou nos

    indivduos com diabetes

    mellitus, haja uma produo

    excessiva de corpos cetnicos,

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    32

    o que leva ocorrncia de cetoses. A activao da carboxilase do piruvato, que catalisa a converso do

    piruvato a oxaloacetato, por parte da acetil-CoA, em parte alivia este problema, embora no o solucione

    na totalidade.

    Condies de cetose no ocorrem in vivo, a menos que exista um aumento dos nveis de cidos gordos

    livres em circulao, sendo estes originados atravs da liplise dos triacilglicerdeos no tecido adiposo. O

    fgado, quer no estado de jejum, quer no estado normal, extrai cerca de 30% dos cidos gordos livres

    que passam atravs deste rgo e, dessa forma, a uma maior quantidade de cidos gordos livres,

    corresponde uma maior captao destes, ao nvel do fgado.

    Em condies de cetose, a oxidao de corpos cetnicos aumenta at a uma concentrao de 12

    mmol/L, quando ocorre a saturao das enzimas oxidativas. Quando isso ocorre, uma grande proporo

    do consumo de oxignio deve-se oxidao de corpos cetnicos e o indivduo pode inclusive entrar em

    cetoacidose, pois a sntese de corpos cetnicos leva diminuio do pH do plasma sanguneo.

    Regulao por mecanismos de longo prazo

    No que toca regulao por mecanismos de longo prazo, de salientar a regulao da transcrio de

    genes, induzida pela insulina, que no caso de uma situao de baixos nveis desta hormona, fica inibida.

    Desta forma, aquando de uma condio de jejum, ocorre a diminuio da sntese de carboxilase de

    acetil-CoA, dado o SREBP-1c estar diminudo e o ChREBP manter-se fosforilado (o SREBP-1c e o ChREBP

    so molculas, das quais depende o gene que codifica a carboxlase da aceil-CoA, sendo substncias

    reguladas pela insulina).

    Por outro lado, por mecanismos de represso e induo de transcrio gentica, a glicagina activa e a

    insulina inibe a transcrio do gene que codifica a sntese da HMG-CoA.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    33

    Lipoprotenas plasmticas

    Os lipdeos absorvidos a partir da dieta e os lipdeos sintetizados no fgado e no tecido adiposo devem

    ser transportados para os vrios rgos para sua utilizao e armazenamento. Uma vez que os lipdeos

    so insolveis em gua, o seu transporte envolve a associao de lipdeos no-polares (tais como os

    triacilgliceris e os steres de colesteril), com molculas anfipticas (tais como os fosfolipdeos e o

    colesterol) e protenas, de modo a formar, assim, lipoprotenas solveis em gua.

    Lipoprotenas

    As lipoprotenas so constitudas por um ncleo

    lipdico no-polar, constitudo sobretudo por

    triacilglicerdeos e steres de colesterol, e por

    uma camada simples de fosfolipdeos anfipticos

    e molculas de colesterol, orientados de modo a

    que os seus grupos polares (grupos fosfato e

    hidorxilo, respectivamente) estejam voltados

    para o meio exterior que de natureza aquosa. A

    fraco proteica de uma lipoprotena designada

    por apolipoprotena, ou por apoprotena, sendo

    de cerca de 30% a 60% nas HDL e de cerca de 1-2% nos quilomicra. Algumas protenas so integrais, no

    podendo ser removidas das lipoprotenas, enquanto outras so perifricas, sendo livremente

    transferidas para outras lipoprotenas.

    O contedo das lipoprotenas prende-se sobretudo com, quatro classes de lipdeos, nomeadamente

    triacilglicerdeos (c. 16%), fosfolipdeos (c. 30%), colesterol (c. 14%) e steres de colesteril (c. 36%).

    ainda transportada uma pequena percentagem de cidos gordos livres (c. 4%) cidos gordos de cadeia

    longa que no se apresentam esterificados e que constituem o grupo de lipdeos plasmticos mais

    activo, sob o ponto de vista metablico.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    34

    As lipoprotenas so classificadas de acordo com a sua densidade. Uma vez que a gordura menos

    densa que a gua, a densidade de uma lipoprotena diminui, medida que o rcio lipdeos/protenas

    aumenta. Os quilomicra so lipoprotenas derivadas da absoro intestinal do triacilglicerol e de outros

    lipdeos. As VLDL (very low density lipoproteins), tambm designadas por pr--lipoprotenas, derivam

    da exportao de triacilglicerol, por parte do fgado. As LDL (low density lipoproteins), tambm se

    designam por -lipoprotenas, e representam a etapa final do catabolismo das VLDL. J as HDL (high

    density lipoproteins) esto envolvidas no transporte de colesterol e no metabolismo de quilomicra e de

    VLDL. Em termos de dimenses, verifica-se que as lipoprotenas de menor densidade so as de maiores

    dimenses e vice-versa. De referir que, os triacilglicerdeos so os principais lipdeos presentes nos

    quilomicra e nas VLDL, enquanto o colesterol e os fosfolipdeos so os lipdeos predominantes nas LDL e

    HDL, respectivamente. As IDL (intermediate density proteins) e os quilomicra remanescentes so

    lipoprotenas cuja concentrao no plasma sanguneo so muito baixas, dado serem lipoprotenas de

    transio, que surgem no decorrer do metabolismo das restantes.

    Uma ou mais apolipoprotenas esto presentes em cada lipoprotena. As principais apolipoprotenas

    presentes no HDL so as apolipoprotenas A, enquanto no LDL encontramos sobretudo apolipoprotena

    B (B-100), que tambm encontrada no VLDL. Os quilomicra contm uma forma truncada de apo B, a

    apo B-48, que sintetizada no

    intestino, contrariamente B-

    100, que sintetizada no

    fgado. A apo B-100 uma das

    maiores cadeias polipeptdicas

    conhecidas, tendo 4536

    aminocidos e uma massa

    molecular de 550 kDa. A apo B-

    48 constituda por uma

    massa de 48% da B-100, sendo

    formada a partir do mesmo

    mRNA da apo B-100, que sofre

    RNA editing, sendo o codo

    CAA modificado, por aco de

    uma enzima, num codo UAA,

    um codo STOP.

    As apolipoprotenas Apo C-I, Apo C-II e Apo C-III so polipeptdeos de menores dimenses (tendo uma

    massa molecular de 7000-9000 Da) e cuja transferncia livre entre diferentes lipoprotenas possvel e

    comum. J a Apo E encontra-se na VLDL (nas quais constitui entre 5% e 10% das apolipoprotenas

    totais), HDL, quilomicra e remanescentes dos quilomicra.

    Em termos de funes, as apolipoprotenas podem fazer parte da estrutura das lipoprotenas (por

    exemplo, a apo B uma apolipoprotena integral), ser co-factores ou inibidores de enzimas ou actuar

    como ligandos para interaco com os receptores de lipoprotenas, presentes ao nvel das membranas

    celulares. De referir que as funes das apo A-IV e apo D ainda no esto claramente definidas, embora

    se acredite que a apo D desempenhe um importante papel em doenas neurodegenerativas.

    Apolipoprotena Enzima da qual co-factor ou inibidor Receptores qual o qual interage

    Apo A-I Acil-transferase da lecitina-colesterol Receptor das HDL

    Apo A-II Lipase das lipoprotenas

    Apo B-100 Receptor das LDL

    Apo C-I Protena de transferncia de steres de colesteril

    Apo C-II Lipase das lipoprotenas

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    35

    Apo C-III Lipase das lipoprotenas

    Apo E Receptor das LDL e protena relacionada com os receptores de LDL

    Transporte dos cidos gordos livres

    Os cidos gordos livres esto presentes no plasma, devido hidrlise dos triacilglicerdeos no tecido

    adiposo, ou devido aco da lipase das lipoprotenas nos triacilglicerdeos do plasma. Os cidos

    gordos livres nunca so totalmente livres, na medida em que se combinam com a albumina no plasma

    sanguneo, encontrando-se em concentraes que variam entre 0,1 e 2,0 eq/mL de plasma. Esta

    disparidade ocorre, porque, embora os seus nveis sejam baixos no estado ps-prandial, num estado de

    jejum estes aumentam para os 0,7-0,8 eq/mL e podem chegar aos 2 eq/L, quando o indivduo

    apresenta diabetes mellitus no-controlada.

    Os cidos gordos livres so rapidamente removidos do sangue e oxidados (assegurando entre 35 a 50%

    das necessidades energticas em jejum), ou esterificados, formando triacilglicerdeos, fosfolipdeos,

    glicolipdeos ou colesterdeos. Para que se d a entrada de cidos gordos para as clulas, ocorre

    inicialmente dissociao do complexo cido gordo-albumina, na membrana citoplasmtica. A esse nvel,

    os cidos gordos ligam-se a uma

    protena transportadora de cidos

    gordos, que acopla entrada de

    cidos gordos, o transporte de Na+.

    Quando os cidos gordos livres

    entram no citosol, ligam-se-lhes

    binding proteins para cidos

    gordos, cujo papel desempenhado

    no transporte intracelular

    provavelmente similar ao da

    albumina srica no transporte de

    cidos gordos, a nvel extracelular.

    A entrada de cidos gordos livres para os tecidos est directamente relacionada com a concentrao de

    cidos gordos livres presentes no plasma, que, por sua vez, determinada pela velocidade de liplise no

    tecido adiposo. No tecido adiposo, como ocorre favorecimento da sntese da lipase de lipoprotenas, por

    aco da insulina, num estado ps-prandial ocorre um aumento da hidrlise dos triacilglicerdeos

    presentes nos quilomicra. Contudo, como esta hormona tambm estimula a sntese de triacilglicerdeos

    dentro dos adipcitos. J no corao e no msculo esqueltico, a actividade da lipase de lipoprotenas

    aumenta num estado de jejum, e da que ocorra sobretudo hidrlise dos triacilglicerdeos, com

    consequente oxidao dos cidos gordos l presentes.

    Quilomicra

    Os quilomicra so formados ao nvel dos entercitos, transportando triacilglicerdeos e acil-colesterol

    (formado por aco da enzima acil-colesterol-acil-transferase, que transfere um grupo acilo do acil-CoA

    para o colesterol). O acil-colesterol e os triacilglicerdeos so combinados com a apo B-48 e com a apo A,

    atravs da protena microssomtica de transferncia, presente ao nvel do retculo endoplasmtico,

    sendo os quilomicra nascentes expulsos dos entercitos por exocitose. Estes so depois transportados

    pelo sistema linftico, desde o intestino, entrando na corrente sangunea pelo canal torcico.

    Pequenas quantidades de VLDL encontram-se tambm no quilo, mas a maioria do VLDL plasmtico de

    origem heptica. Os quilomicra e as VLDL nascentes (ou seja, na sua fase inicial, ps-secreo) contm

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    36

    pequenas quantidades de apo C e apo E, sendo que adquirem o total destas protenas no plasma

    sanguneo, a partir da HDL em circulao, sofrendo maturao. Como a apo B uma protena integral,

    esta essencial para a formao de quilomicra e VLDL, no circulando entre lipoprotenas. Na verdade,

    em indivduos que padecem de abetalipoproteinemia, uma doena rara, a no se formam lipoprotenas

    contendo apoB e, consequentemente, acumulam-se gotculas lipdicas no fgado e no intestino.

    Embora os quilomicra apenas comecem a aparecer no plasma, uma hora aps a refeio, a sua remoo

    da corrente sangunea rpida, sendo o tempo de semi-desaparecimento menor que uma hora, nos

    seres humanos. Na verdade, as partculas maiores so catabolizadas mais rapidamente que as menores.

    Os cidos gordos que se originam a partir dos triacilglicerdeos dos quilomicra so distribudos,

    sobretudo, para o tecido adiposo, corao e msculo (cerca de 80%), enquanto cerca de 20% vo para o

    fgado. Apesar disso, o fgado no metaboliza, praticamente, os quilomicra nativos nem VLDL e, por isso,

    os cidos gordos presentes no fgado so resultantes do seu metabolismo em tecidos extra-hepticos.

    Os triacilglicerdeos dos quilomicra e das VLDL so hidrolisados pela lipase das lipoprotenas. Esta

    ectohidrolase encontra-se localizada nas paredes dos capilares sanguneos, estando ancorada ao

    endotlio, atravs de cadeias de proteoglicanos de sulfato de heparano, carregadas negativamente. A

    hidrlise dos triacilglicerdeos ocorre, enquanto as lipoprotenas esto ligadas lipase das lipoprotenas,

    no endotlio. O triacilglicerol hidrolizado progressivamente a diacilglicerol, monoacilglicerol e,

    finalmente, cidos gordos e glicerol. Alguns dos cidos gordos livres produzidos voltam para a

    circulao, ligados a albumina, mas a maior parte transportada para os diversos tecidos. De referir

    que, embora, a lipase das lipoprotenas no esteja activa no fgado adulto, nem presente no sangue,

    encontra-se presente ao nvel do corao, tecido adiposo, bao, pulmes, medula renal, artria aorta,

    diafragma e glndula mamria activa. Fosfolipdeos e a apo C-II actuam como co-factores desta enzima,

    enquanto a apo A-II e a apo C-III actuam como inibidores.

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    37

    A aco da lipase das lipoprotenas leva perda de cerca de 90% dos triacilglicerdeos dos quilomicra e

    perda de apo C (que volta para as HDL), mas no de apo E, nem de apo B-48 que ficam retida.

    Formam-se ento quilomicra remanescentes, com cerca de metade do dimetro dos quilomicra que

    lhes deram origem. Estas estruturas so relativamente ricas em colesterol e steres de colesteril (devido

    perda dos triacilglicerdeos) e seguem para o fgado.

    O contedo dos quilomicra remanescentes captado pelo fgado, atravs de um processo de endocitose

    mediada por receptores, processo possvel graas interaco entre a apo-E e o receptor das LDL,

    acreditando-se que a LRP (protena relacionada com o receptor LDL) tambm participe neste processo.

    No fgado encontramos uma enzima particular, a lipase heptica, presente ao nvel da face sinusoidal

    das clulas hepticas e libertada por aco da heparina. Esta lipase heptica no reage propriamente

    com os quilomicra ou com as VLDL (contrariamente lipase das lipoprotenas), estando associada ao

    metabolismo dos quilomicra remanescentes e das HDL. Esta enzima actua como um ligando

    lipoprotena e hidroliza os seus triacilglicerdeos e steres de colesteril.

    Metabolismo das VLDL

    As VLDL so formas de transporte de triacilglicerdeos do fgado para os tecidos extracelulares, sendo

    que os mecanismos de formao e maturao das VLDL e dos quilomicra apresentam inmeras

    semelhanas. Contudo, neste caso a apolipoprotena B integrada a apo B-100. De referir que, as VLDL

    constituem os maiores reservatrios de triacilglicerdeos no plasma sanguneo, mesmo aps a

    ingesto de refeies ricas em lipdeos, sendo que a maior parte dos cidos gordos presentes ao nvel

    desses triacilglicerdeos provm do plasma.

    O receptor das VLDL desempenha um importante papel na distribuio do contedo das VLDL para os

    adipcitos, ao ligar-se s VLDL e aproxim-las da lipase das lipoprotenas, que catalisa a hidrlise dos

    triacilglicerdeos a presentes. De referir que, no tecido adiposo, a insulina a estimula a sntese de lipase

    de lipoprotenas e a sua translocao para a face luminal do endotlio capilar. Nas VLDL tambm se

    formam remanescentes de VLDL, as quais se designam por IDL, ou, alternativamente, por VLDL

    remanescentes.

    As IDL, por sua vez, podem ter dois destinos possveis podem entrar directamente para o fgado,

    atravs do receptor das LDL (ao qual se ligam as apolipoprotenas B-100 e E, presentes na superfcie das

    IDL) e do LRP, ou podem ser convertidas em LDL, cuja nica apolipoprotena a apo B-100, que

    conservada ao longo deste processo. Nos seres humanos, comparativamente a outros mamferos, uma

    grande proporo de IDL origina LDL.

    A LDL formada interage ento com o receptor das LDL, expresso no s ao nvel do fgado, mas tambm

    em vrios tecidos extra-hepticos. Este receptor especfico para a apo E e para apo B-100, no

    interagindo com a apo B-48, pois esta apolipoprotena no apresenta um domnio na extremidade

    carboxilo, contendo o ligando aos receptores das LDL. Os contedos das LDL so ento hidrolisados ao

    nvel dos lisossomas De referir que, cerca de 30% das LDL so degradadas em tecidos extrahepticos,

    contra 70% no fgado.

    No que toca captao das LDL, esta regulada pelo contedo de colesterol da clula. Quanto maior a

    quantidade desta molcula, menor a actividade dos receptores de LDL. Por outro lado, as LDL podem

    ser captadas por Scavenger receptors (ou receptores de limpeza), presentes ao nvel dos macrfagos

    e clulas endoteliais e cuja actividade no depende da quantidade de colesterol das clulas. O facto dos

    macrfagos presentes na tnica ntima das artrias poderem captar uma grande quantidade de

    colesterol proveniente das LDL, independentemente da sua quantidade celular de colesterol, leva a que

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    38

    haja uma co-relao positiva entre a incidncia de aterosclerose coronria e uma maior a concentrao

    celular de colesterol. Por outro lado, deficincias no receptor das LDL esto associadas a

    hipercolesterolemia familiar, uma condio gentica, que leva a um aumento dos nveis sanguneos do

    colesterol LDL e que causa aterosclerose prematura.

    Transporte reverso de colesterol

    A HDL sintetizada e segregada, quer no fgado, quer no intestino, estando envolvida no transporte

    reverso de colesterol (ou seja, de tecidos extra-hepticos para o fgado). Contudo, a apo C e a apo E so

    sintetizadas no fgado e transferidas das HDL hepticas para as HDL intestinais, quando estas ltimas

    entram no plasma sanguneo (as HDL desempenham um importante papel como fornecedoras de apo

    C e apo E, para o metabolismo dos quilomicra e do VLDL).

    As HDL nascentes apresentam bicamadas fosfolipdicas discides, contendo apo A e colesterol livre e

    vo captando colesterol de tecidos extrahepticos, por aco da SR-B1 (tambm designada por

    receptor de limpeza do tipo B1), formando-se HDL3.

    Posteriormente, a enzima aciltransferase de lecitina-colesterol (LCAT), da qual cofactor a apo A-I, liga-

    se bicamada fosfolipdica da HDL3, convertendo os fosfolipdeos da superfcie e o colesterol livre em

    steres de colesteril e em lisolecitina. Os steres de colesteril, dado serem no-polares, deslocam-se

    para o interior da bicamada, que hidrofbico; enquanto a lisolecitina transferida para o plasma,

    onde se liga albumina. Dessa forma, gerada HDL2 - uma HDL mais pequena, de natureza esfrica e

    pseudo-micelar com um ncleo no-polar, coberto por uma camada superficial de lpidos polares e

    apolipoprotenas. Podemos afirmar que o sistema LCAT est, ento, envolvido na remoo do excesso

    de colesterol no esterificiado de lipoprotenas e tecidos. De referir que, em pacientes com deficincia

  • Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II

    39

    de aciltransferase de lecitina-colesterol ou com ictercia obstructiva, as partculas plasmticas de HDL

    so similares s HDL nascentes.

    A HDL2 distribui, ento, selectivamente os steres de colesteril para o fgado, atravs do SR-B1, ou por

    aco das lipases hepticas e endotelial pode ver os seus triacilglicerdeos e fosfolipdeos hidrolisados.

    Estes dois processos levam regenerao de HDL3 (a HDL2 no em si captada, nem hidrolizada, apenas

    os seus contedos), sendo que estas inter-converses entre a HDL2 e a HDL3 formam o chamado ciclo

    das HDL. Associada a estes processos est a libertao de apo A-I livre (pois esta tambm no

    captada), que ao associar-se com quantidades mnimas de fosfolipdeos e colester