sebenta de bioquímica ii
DESCRIPTION
Sebenta de Bioquímica II do 2º ano da FMUP.TRANSCRIPT
-
SEBENTA
BIOQUMICA II
BERNARDO MANUEL DE SOUSA PINTO
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
2010/2011
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
2
ndice Digesto e absoro de protenas3
Digesto e absoro de lipdeos...........7
Sntese de cidos gordos e triacilglicerdeos.11
Oxidao de cidos gordos.....21
Metabolismo dos corpos cetnicos...........29
Lipoprotenas plasmticas......33
Liplise.......41
Metabolismo dos triacilglicerdeos........42
Metabolismo do etanol....45
Colesterol e sais biliares.......47
Balano azotado...........54
Biossntese de aminocidos.....55
Catabolismo dos aminocidos...63
Ciclo da ureia........75
Metabolismo das purinas e pirimidinas...80
Metabolismo do heme.........90
Esto includos nesta sebenta resumos relativos s aulas de metabolismo dos lipdeos e
aminocidos de Bioqumica II da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Desde j
agradeo a quem me ajudou na elaborao da sebenta, atravs da correco de eventuais erros
inicialmente presentes, ou atravs de ideias e sugestes.
Bom trabalho e votos de sucesso nos exames,
Bernardo M. Sousa Pinto
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
3
Digesto e absoro de protenas
As protenas so biomolculas essenciais ao funcionamento do organismo, desempenhando um papel
vital em termos estruturais, enzimtico e de sinalizao celular. Estas so compostas por 21
aminocidos standard, podendo estes
sofrer alteraes, aps a sntese proteica,
originando aminocidos non-standard.
Nos peptdeos, os aminocidos esto
ligados por ligaes peptdicas, ligaes
amida entre um grupo carboxilo e um
grupo amina, sendo que essas ligaes tm
de ser quebradas ao nvel da digesto
proteica.
Relativamente aos aminocidos standard
presentes nas protenas, estes so todos
de tipo L, com excepo a glicina o
aminocido mais simples que, como
apresenta apenas dois carbonos, no tem
enantimeros. De resto, os aminocidos
contm todos um grupo carboxilo (-
COOH), um grupo amina (-NH2) e uma
cadeia lateral, que muito varivel.
Digesto de protenas
A maior parte das protenas por ns ingerida (na carne, peixe, lacticnios, ovos e vegetais) j apresenta
poucas ligaes acessveis s enzimas que catalisam a hidrlise das ligaes peptdicas, visto que o
aquecimento dos alimentos (aquando da cozedura) e a aco do cido gstrico, na cavidade estomacal,
desnatura uma grande quantidade de protenas.
As proteases (enzimas digestivas proteolticas) so segregadas como zimognios inactivos (um
zimognio, tambm designado por proenzima, um precursor enzimtico, que se encontra sob a forma
inactiva e que, para se tornar numa enzima activa, requer uma mudana bioqumica), onde o centro
activo da enzima se encontra camuflado por uma pequena cadeia peptdica. Esta cadeia removida
pela hidrlise de uma ligao peptdica
especfica, levando formao de uma enzima
activa.
Existem duas grandes classes de proteases, que
diferem no tipo de ligaes peptdicas em que
actuam. As endopeptidases hidrolisam ligaes
entre aminocidos especficos, sendo as
primeiras enzimas a actuar. Nesta classe inclui-
se a pepsina, presente nos sucos gstricos e
que catalisa a hidrlise de ligaes peptdicas
adjacentes a metionina, aminocidos de cadeia
ramificada e aminocidos de cadeia aromtica.
A pepsina, cuja sntese estimulada pela
gastrina, segregada sob a forma de
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
4
pepsinognio (um zimognio), que activado pelo
cido gstrico e pela prpria pepsina activa (quando
isto acontece, dizemos que estamos na presena de
uma autocatlise. Uma autocatlise entendida
genericamente como um processo, em que o
produto da reaco catalisa a prpria reaco;
neste caso, a forma activa da enzima activa a forma
inactiva). De referir que esta enzima produzida
pelas clulas principais do estmago (assinaladas
na imagem da direita com um C) e actua a um pH
ptimo situado entre 1,5 e 2. Este pH atingido
graas presena de cido clordrico nos sucos
gstricos, por aco das clulas parietais do
estmago (assinaladas na imagem da direita com um P), segundo o processo descrito no esquema
seguinte:
A tripsina, a quimotripsina e a elastase so tambm endopeptidases, contudo, estas so segregadas pelo
pncreas (pelas suas clulas acinares) para o intestino delgado (nomeadamente para o duodeno) e
actuam a um pH ptimo mais alcalino (rondando os 8-8,5). A tripsina catalisa a hidrlise dos steres de
lisina e arginina; a quimotripsina, a hidrlise dos steres de aminocidos aromticos e a elastase, a
hidrlise de steres de pequenos aminocidos alifticos neutrais. A tripsina segregada sob a forma de
tripsinognio, que activado pela enteropeptidase (tambm designada por enterioquinase), segregada
pelas clulas epiteliais do duodeno (sendo por isso uma ectohidrlase). A tripsina, por sua vez, activa o
quimotripsinognio (levando formao de quimotripsina) e a proelastase (em elastase).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
5
O pH alcalino no duodeno deve-se presena do bicarbonato nos sucos pancreticos e biliar. A
produo de bicarbontato, nas clulas dos canalculos pancreticos, deve-se dissociao do cido
carbnico, produzido pela anidrase carbnica. A secretina estimula secreo de bicarbonato e
produzida pelas clulas endcrinas do epitlio intestinal. Apesar de a secretina estimular tambm a
secreo de enzimas digestivas, a enzima mais importante neste aspecto a colecistocinina, tambm
ela sintetizada nas clulas do epitlio intestinal e que adicionalmente tambm estimula a contraco da
vescula biliar, para se poder dar a libertao da blis no duodeno.
Relativamente s exopeptidases, estas enzimas catalisam a hidrlise de ligaes peptdicas, nas
extremidades dos pptidos. As carboxipeptidases, segregadas nos sucos pancreticos, libertam
aminocidos, a partir do terminal carboxilo, enquanto as aminopeptidases, que podem segregadas
pelas clulas da mucosa intestinal, ou actuar dentro do entercito, gerando aminocidos livres a partir
do terminal amina. As procarboxipeptidases e as proaminopeptidases originam, por activao (levada a
cabo pela tripsina), respectivamente carboxipeptidases e aminopeptidases (as proaminopeptidases s
geram aminopeptidases, quando actuam fora do entercito).
J no plo apical das clulas da mucosa intestinal encontramos dipeptidases e tripeptidases, que
catalisam a hidrlise de dipeptdeos e tripeptdeos, respectivamente, dado estes no serem substratos,
quer para as carboxipeptidases, quer para as aminopeptidases.
De referir que as peptidases digestivas no catalisam apenas a hidrlise das protenas que so ingeridas!
Estas enzimas hidrolisam tambm as protenas presentes nas clulas da mucosa, (de forma a assegurar a
sua renovao) e a das prprias enzimas digestivas, como j foi referido.
Absoro de peptdeos
O produto final da aco das endopeptidases e exopeptidases um conjunto de aminocidos livres,
dipeptdeos, tripeptdeos e oliogopeptdeos, sendo todos estes produtos absorvidos. Os aminocidos
livres so, na sua maioria, absorvidos ao nvel do plo apical dos entercitos (cujas microvilosidades
presentes na membrana so designadas por bordadura em escova), graas a um transportador activo
dependente de sdio (os aminocidos bsicos so excepo, sendo o seu transporte independente do
de sdio), sendo o transporte assegurado por uma grande diversidade de transportadores (classificados
como simporters), de acordo com a cadeia lateral do aminocido em causa (estes tm em conta as suas
dimenses e o facto de serem cidos, neutros ou bsicos). O transporte aqui diz-se secundrio, porque
est dependente de um gradiente de sdio criado pela bomba de sdio e potssio (transporte primrio).
De referir que os diversos aminocidos competem uns com os outros pela absoro e entrada nos
tecidos. A sada da maior parte dos aminocidos do plo basal dos entercitos feita por uniporters e
no depende do transporte de outros ies inorgnicos.
Relativamente aos dipeptdeos e tripeptdeos, estes entram pelo plo apical dos entercitos, atravs do
transportador PEPT1, um simporter inespecfico, que acopla passagem de di- e tripeptdeos, a
passagem de protes para o interior dos entercitos. De referir que os protes tm tendncia para
entrar para o meio intracelular, devido presena de um trocador, que permite a troca de um proto
que sai dos entercitos, por um io sdio, que entra. No interior dos entercitos, os dipeptdeos e
tripeptdeos so hidrolisados a aminocidos livres, por peptidases, como j foi referido, entrando depois
nas clulas hepticas atravs da veia porta.
Os peptdeos de maiores dimenses podem ser absorvidos intactos, por pinocitose, quer entrando para
as clulas do epitlio intestinal (absoro transcelular), quer passando por entre estas (absoro
paracelular).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
6
A absoro de peptdeos de maiores dimenses um processo mais frequente nos bebs que nos
indivduos de idade adulta e muitas vezes, as dimenses destes peptdeos so suficientes para
despoletar a formao de anticorpos, levando ao desenvolvimento de reaces alrgicas a alimentos. A
maior parte dos peptdeos de grandes dimenses destruda, contudo, parte digerida e uma fraco
chega ainda intacta corrente sangunea s assim possvel explicar que nos bebs que se alimentam
do leite materno, ocorra passagem de anticorpos da me para a corrente sangunea do filho.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
7
Digesto e absoro de lipdeos
Os lipdeos so um grupo heterogneo de compostos, relativamente insolveis em gua e solveis em
solventes no polares. Estes desempenham funes ao nvel da regulao trmica, do isolamento
elctrico dos axnios dos nervos mielinizados, da estrutura de membranas biolgicas e de molculas
envolvidas na sinalizao. Os lipdeos so armazenados no tecido adiposo, sob a forma de
triacilglicerdeos, que constituem uma importante fonte de energia.
Os lipdeos so constitudos por cidos gordos, cadeias de hidrocarbonetos que podem ser saturadas,
caso no apresentem duplas ligaes, ou insaturadas, caso apresentem uma ou mais duplas ligaes,
que no caso dos lpidos naturais apresentam-se sempre na configurao cis. As cadeias insaturadas
tm efeitos mais benficos para a sade que as saturadas, nomeadamente os cidos gordos das sries
-3 e -6.
Comportamento dos lipdeos no meio aquoso
Como j foi referido, os lipdeos so geralmente insolveis em gua, contudo, os fosfolpidos,
esfingolpidos e os sais biliares apresentam uma parte hidroflica e uma parte hidrofbica, sendo por
isso consideradas molculas anfipticas. Isto permite que estes lpidos possam estar presentes ou ser
transportados em meio aquoso.
Quando temos lipdeos cildricos, como os fosfolpidos, temos a formao de bicamadas, que depois
originam estruturas esfricas, por presses hidrofbicas. J os lpidos em cunha tendencialmente
originam micelas,
nomeadamente, quando se atinge
uma concentrao de lpidos,
designada por concentrao
micelar crtica. Os lipossomas so
esferas de bicamadas lipdicas,
que enclausuram parte do meio
aquoso, podendo ser unilamelares
ou multilamelares, dependendo
do nmero de bicamadas que os
constituem. Por ltimo, as
emulses so partculas de
maiores dimenses formadas por
lpidos no-polares e que esto
presentes em meio aquoso. Para
ocorrer a formao de emulses,
necessria a presena de
agentes emulsionantes, como
lipdeos anfipticos.
Triacilglicerdeos
Os triacilglicerdeos (tambm designados, de forma menos correcta, por triglicerdeos) so molculas
compostas por um glicerol e trs cidos gordos (sendo os cidos gordos mais comuns, nos
triacilglicerdeos ingeridos, o cido oleico, o cido palmtico e o cido linoleico), ligados por ligaes
ster, sendo lipdeos particularmente importantes. Os monoacilglicerdeos e os diacilglicerdeos so
igualmente passveis de ser encontrados nos tecidos, contribuindo para a sntese de triacilglicerdeos.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
8
Os carbonos dos triacilglicerdeos so numerados atravs do sistema sn (stereochemical numbering),
ou seja, referimo-nos a um dado carbono como sendo o sn-1, sn-2 ou sn-3. Isto porque as enzimas
distinguem os carbonos, sendo geralmente especficas para um determinado carbono (por exemplo, a
cnase do glicerol, fosforila o glicerol apenas no sn-3, originando glicerol-3-fosfato).
Digesto e absoro de triacilglicerdeos
A nossa alimentao inclui lpidos sob a forma de triacilglicerdeos, colesterol e, em menor
representatividade, fosfolpidos (nomeadamente a fosfatidilcolina, ou lecitinas molculas formadas
por glicerol, cidos gordos, fosfato e colina). Encontramos lipdeos em leos animais (nomeadamente os
leos de peixe, so ricos em cadeias de cidos gordos insaturadas), leos vegetais e na carne. Ao longo
do processo digestivo, os lpidos so hidrolisados por estrases e emulsionados at formao de
micelas, forma pela qual estes e as vitaminas lipossolveis (vitaminas A, D, E e K) so absorvidos. De
referir que, apesar das complicaes que um excesso da ingesto de lpidos pode acarretar, estes so
necessrios na nossa alimentao, numa concentrao mnima que facilite a absoro das vitaminas
lipossolveis.
A hidrlise dos triacilglicerdeos inicia-se ainda na cavidade oral, onde a lipase lingual quebra a ligao
ster sn-3, levando libertao de cidos gordos livres e 1,2-diacilglicerdeos. Esta enzima segregada
pelas glndulas de Ebner, localizadas na lngua e o seu pH ptimo situa-se entre o 4,5 e o 5,4. A mesma
funo desempenhada pela lipase gstrica, segregada pelas clulas principais do estmago e cujo pH
ptimo se situa entre o 3 e o 6.
A lipase pancretica libertada ao nvel do intestino delgado e, dado ser uma lipase alcalina, necessita
da presena de outra protena pancretica, a colipase, de modo a poder levar a cabo a sua actividade (a
colipase segregada na sua forma inactiva, como pr-colipase e a activao levada a cabo pela
tripsina). Esta lipase est ento envolvida na hidrlise de ligaes ster primrias (ou seja, nas posies
1 e 3 dos triacilglicerdeos), levando produo de 2-monoaciglicerdeos e de cidos gordos livres. Os
2-monoacilglicerdeos podem ser hidrolisados, originando glicerol e cidos gordos, por aco da
esterase dos steres de colesterol, uma enzima altamente inespecfca. Contudo, isto verifica-se numa
pequena percentagem de molculas.
Quer os monoacilglicerdeos, quer os cidos gordos livres so considerados produtos finais principais da
digesto de triacilglicerdeos, pois os monoacilglicerdeos raramente so completamente hidrolisados
(menos que 25% destas molculas so completamente hidrolisados em cidos gordos e glicerol).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
9
A emulso dos lpidos possvel graas aos sais biliares. Estes so produzidos no fgado e armazenam-se
na vescula biliar, sendo libertados para o intestino delgado. A emulso (diminuio do tamanho das
gotculas de gordura) ocorrida possvel, graas s lecitinas e colesterol presentes na blis (que so,
como referido, molculas anfipticas e da poderem actuar como agentes emulsionantes). Como as
micelas formadas, aquando desta emulso, so solveis (micelas mistas), possvel o seu transporte
atravs do lmen intestinal (um meio aquoso) e a sua absoro no plo apical das clulas do epitlio
intestinal (a passagem dos lipdeos para as clulas do entercito faz-se sobretudo sem recorrer a
transportadores proteicos). Dentro do epitlio intestinal, os 2-monoacilglicerdeos so reacilados,
originando triacilglicerdeos, atravs da via dos monoacilglicerdeos.
O glicerol libertado no lmen intestinal no reutilizado, mas passa para a veia porta, enquanto o
glicerol libertado dentro dos entercitos reutilizado para a sntese de triacilglicerdeos, atravs da via
dos cidos fosfatdicos. J os sais biliares, que foram necessrios para a emulso dos lpidos, passam
para o lio, onde so absorvidos na circulao enteroheptica.
Nas clulas da mucosa intestinal, os cidos gordos de cadeia longa (cidos gordos com mais que dez
tomos de carbono) so esterificados, originando triacilglicerdeos e, juntamente com outros produtos
da digesto lipdica, so segregados na corrente linftica, sob a forma de quilomicra (grandes partculas
lipoproteicas que consistem em triacilglicerdeos, fosfolpidos, colestrol e protenas e que transportam
os lpidos dos intestinos at aos restantes tecidos do corpo), entrando para a corrente sangunea atravs
do canal torcico.
J os cidos gordos de cadeia curta e mdia so principalmente absorvidos ao nvel da veia porta do
fgado, como cidos gordos livres. Todavia, a presena deste tipo de cidos gordos na dieta rara e eles
so sobretudo produzidos ao nvel das bactrias da flora intestinal, no clon. Parte dos cidos gordos de
cadeia curta absorvidos ao nvel do coloncito so utilizados para nutrio da prpria clula, enquanto
os restantes passam para a corrente sangunea. Pensa-se que os cidos curtos de cadeia curta
desempenhem um papel importante na preveno do cancro do clon, ao impedir que os colonctios se
convertam em clulas tumorais.
Digesto e absoro de colesterdeos e fosfolipdeos
Na hidrlise de colesterdeos, temos a interveno da estrase dos steres de colesterol, segregada
pelas clulas acinares do pncreas. Da sua aco resulta a formao de colesterol e cidos gordos,
contudo, a elevada inespecificidade desta enzima, leva a que esta actue na hidrlise de outros steres e
das ligaes amida dos esfingolipdeos. O colesterol absorvido, dissolvido em micelas lipdicas e
esterificado principalmente na mucosa intestinal, antes de ser incorporado em quilomicra. O colesterol
no-esterificado e outros esteris so transportados activamente para fora das clulas da mucosa at ao
lmen intestinal. Os esteris e estanis vegetais competem com o colesterol pela esterificao, sendo,
apesar disso, substratos pobres. Dessa forma, estas substncias reduzem a absoro de colesterol e
permitem a diminuio dos seus nveis sricos.
J quanto hidrlise dos fosfolipdeos, esta ocorre por aco da fosfolipase de tipo A2, que catalisa a
formao de cidos gordos e lisofosfolipdeos (glicerofosfolipdeos, sem cido gordo no segundo
carbono). A fosfolipase do tipo A2 segregada na sua forma inactiva, como pr-fosfolipase. A activao
destas substncias levada a cabo, mais uma vez, pela tripsina.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
10
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
11
Sntese de cidos gordos e triacilglicerdeos
A lipognese a sntese de novo de cidos gordos, sendo o seu principal precursor, a glicose (embora os
cidos gordos no sejam substratos gliconeognicos). Apesar de na maior parte dos mamferos a glicose
ser o principal precursor para a lipognese, nos ruminantes, o principal substrato o acetato. Os cidos
gordos so sintetizados por um sistema extramitocondrial que responsvel pela sntese de palmitato,
a partir de acetil-CoA, no citosol. A lipognese ocorre na maioria dos tecidos, incluindo no rim, crebro,
pulmes, fgado, glndula mamria e tecido adiposo. (sendo particularmente activa nestes trs ltimos
tecidos). Nos msculos, no ocorre lipognese, devido ausncia do complexo da sntase dos cidos
gordos (uma das enzimas desta via metablica).
A lipognese no uma via particularmente importante em condies metablicas normais, visto que
os glicdeos raramente so convertidos a cidos gordos (preferencialmente ocorre a sua oxidao, ou a
sntese de glicognio). Porm, aquando de um consumo excessivo de glicdeos (nomeadamente, quando
temos simultaneamente uma dieta pobre em cidos gordos, ou quando o valor calrico dos glicdeos
superar os gastos energticos), a lipognese assume-se como uma via metablica de importncia
considervel.
Sntese de cidos gordos
A acetil-CoA, formada a partir do piruvato por aco da desidrognase do piruvato, na matriz
mitocondrial, o principal substrato para a sntese de cadeias longas de cidos gordos. Como a sntese
de cidos gordos ocorre no citosol (pois l que esto presentes as suas enzimas) e a membrana
mitocondrial impermevel acetil-CoA, ocorre a converso da acetil-CoA em citrato, por aco da
sntase do citrato, sendo este exportado para o citosol. O citrato origina depois acetil-CoA por aco da
enzima lase do ATP-citrato. De referir que o citrato apenas se encontra disponvel para ser
transportado para fora da
mitocndria, quando a
enzima aconitase (que
catalisa a sua converso
em isocitrato, um outro
intermedirio do ciclo de
Krebs) j se encontra
saturada com substrato,
algo que assegura que o
citrato apenas utilizado
para a sntese de cidos
gordos, quando existe
excesso de glicdeos.
No citosol, a acetil-CoA convertida em malonil-CoA, numa reaco de carboxilao catalisada pela
carboxilase da acetil-CoA, um complexo multiproteico que necessita de biotina. Dessa forma, a reaco
catalisada pela carboxilase da acetil-CoA (que acarreta o consumo de ATP) envolve dois processos, que
ocorrem em duas subunidades distintas em primeiro lugar, o bicarbonato cede uma molcula de
dixido de carbono biotina, numa reaco catalisada pela carboxilase da biotina e, depois, a protena
de transferncia do carboxilo da biotina, transfere o grupo carboxilo da biotina para a acetil-CoA, de
modo a ser formada malonil-CoA. De referir que, nos tecidos onde no ocorre lipognese, ou esta
insignificante, a carboxilase a malonil-CoA sintetizada inibe a oxidao dos cidos gordos.
1. Metabolismo lipdico
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
12
A sntese de malonilCoA o primeiro passo da lipognese mas, mesmo em clulas onde a lipognese
no um processo relevante ou no existe (msculo esqueltico), a carboxlase de acetil-CoA tem um
papel importante pois o malonil-CoA inibe a oxidao dos cidos gordos.
A malonil-CoA sofre ento uma srie de reaces catalisadas pela sntase de cidos gordos. O complexo
da sntase de cidos gordos um polipptido que engloba sete actividades enzimticas. Nas bactrias e
nas plantas encontramos enzimas separadas, mas nos vertebrados, estas encontram-se todas reunidas
num complexo multienzmico, o que representa uma vantagem, na medida em que permite a
compartimentalizao de todos os processos inerentes, bem como a coordenao da sntese de todas as
enzimas nele presentes, visto as enzimas do complexo serem todas codificadas pelo mesmo gene. A
sntase de cidos gordos um dmero que apresenta dois monmeros idnticos, cada um com um
polipptido, que apresenta sete actividades enzimticas. Este complexo requer ainda a presena do
cido pantotnico, sob a forma de 4-fosfopantetena.
O ciclo de reaces neste complexo inicia-se com a ligao de uma molcula de acetil-CoA (que funciona
analogamente a um primer) a um grupo SH de uma cistena de um dos monmeros do complexo,
numa reaco catalisada pela acetil transacilase. A malonil-CoA, por seu turno, liga-se ao grupo SH
adjacente na 4-fosfopantetena presente no outro monmero, numa reaco catalisada pela
transacilase do malonilo e que leva formao da enzima acetil-malonilo.
O grupo acetilo da acetil-CoA (com dois carbonos) ento transferido para a molcula de actil-malonilo.
Esta reaco catalisada pela sntase do 3-cetoacilo, formando-se 3-ceto-acil-enzima (aceto-acetil-
enzima) e ocorrendo uma descarboxilao (correspondente libertao do CO2, que tinha sido usado
para a carboxilao da acetil-CoA em malonil-CoA) e a desocupao do grupo SH da cistena. A
descarboxilao funciona como etapa limitante do processo, obrigando ao deslocamento da reaco no
sentido da sntese de cidos gordos.
A 3-ceto-acil-enzima ento reduzida, por aco da redtase do 3-cetoacilo a D-3-hidroxi-acil-enzima,
o que ocorre com concomitante oxidao do NADPH. Segue-se uma desidratao desta molcula
catalisada pela enzima hidratase e que leva formao de 2-enoil-enzima e uma nova reduo a 2-
enoil-enzima convertida, por aco da redtase do enolo em acil-enzima. Esta reduo envolve
novamente a oxidao do NADPH
Entretanto, uma nova molcula de malonil-CoA liga-se ao grupo SH da 4-fosfopantena, ocorrendo a
transferncia do resduo acilo da acil-enzima que esteve a ser formada para o grupo SH da cistena do
monmero oposto, que se encontra livre (nomeadamente devido reaco catalisada pela sntase do 3-
cetoacilo). A partir da, a sequncia de aces j referidas, com sucessivas transferncias de grupos
acetilo, recomea, sendo repetida por mais seis ciclos, at ser obtido um radical acilo com dezasseis
carbonos, o qual designado por palmitil. Este libertado do complexo enzimtico pela tioesterase
(tambm designada por deacilase), obtendo-se palmitato livre.
O palmitato livre deve ento ser activado e convertido em palmitil-CoA, numa reaco catalisada pela
sinttase da acil-CoA e que envolve gastos de ATP, de forma a poder sofrer esterificao e ser
incorporado em acilglicerdeos. Em termos de equao geral, para a sntese do palmitato, esta pode ser
descrita por:
Na glndula mamria, existe uma tioesterase especfica para os resduos com oito, dez ou doze tomos
de carbono, que so encontrados nos lpidos do leite.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
13
O NADPH, essencial para reduzir a 3-ceto-acil-enzima e a 2-enoil-enzima gerado, sobretudo, ao nvel
da via das pentoses-fosfato, nomeadamente da sua fase irreversvel (por aco das desidrognases da
glicose-6-fosfato e do 6-fosfogliconato), dado a via das pentoses fosfato se encontrar activa nos
principais tecidos responsveis pela lipognese (fgado, tecido adiposo e glndula mamria activa) e
ambos os processos ocorrerem no citoplasma (no existindo membranas, ou outras barreiras,
impedindo a transferncia do NADPH). Contudo, existem outras fontes de NADPH, nomeadamente a
enzima mlica (desidrognase do NADP malato), reduz o NADP+ a NADPH, atravs da converso do
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
14
malato a piruvato. A reaco catalisada
pela desidrognase do isocitrato
citoslica (em que o isocitrato
convertido a -ceto-glutarato com
concomitante reduo do NADP+ a
NADPH) tambm uma fonte de
NADPH, mas apenas tem impacto
substancial nos ruminantes. Dessa
forma, a glicose, para alm de ser a
precursora da lipognese, contribui para
formao do seu principal agente
redutor.
Elongao dos cidos gordos
So necessrias frequentemente cadeias de cidos gordos com um nmero de carbonos superior a 16
no crebro, por exemplo, aquando da formao de esfingolipdeos, existe uma grande necessidade de
cadeias de cidos gordos com 22 e 24 carbonos. Tambm o cido esterico, um dos cidos gordos mais
abundantes no nosso organismo apresenta um nmero de carbonos superior a 16 (18). O processo de
elongao (ou sistema microssomal) ento necessrio para que possa ocorrer a formao de cadeias
de cidos gordos com mais que dezasseis carbonos. Este processo ocorre ao nvel do retculo
endoplasmtico, sendo o malonil-CoA o dador de grupos acetilo (e, como tal, de carbonos) e o NADPH, o
agente redutor. As reaces so catalisadas por um conjunto de enzimas, muito similares s que
sintetizam cidos gordos e que formam um complexo a elongase dos cidos gordos. Contudo, os
intermedirios deste processo encontram-se como derivados ligados CoA e no ao complexo
enzimtico em si, como acontecia com a sntese de cidos gordos.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
15
Sntese de cidos gordos insaturados
Os cidos gordos insaturados (cidos gordos que contm pelo menos uma ligao dupla) podem ser
considerados nutricionalmente essenciais, quando no ocorre a sua sntese endgena e, como tal, tm
de ser obtidos por via da alimentao, ou nutricionalmente no-essenciais, quando possvel a sua
sntese endgena no organismo. De referir que, nos animais, possvel a introduo de ligaes duplas
nas posies 4 (s presente ao nvel dos peroxissomas), 5, 6 e 9, mas nunca para alm da posio 9
(o indica a posio onde existe a ligao dupla, a contar do incio). J nas plantas, possvel a sntese
de cidos gordos com ligaes duplas nas posies 12 e 15.
Em termos de ligaes duplas presentes ao nvel dos cidos gordos, estas so sempre do tipo cis-. As de
tipo trans- resultam da indstria, sendo introduzidas, por exemplo, na sntese da margarina.
Os cidos gordos monoinsaturados no essenciais so sintetizados em vrios tecidos, nomeadamente
no fgado, a partir de cidos gordos saturados. A primeira ligao dupla introduzida ao nvel da posio
9, por um sistema enzimtico a 9 dessaturase, presente ao nvel do retculo endoplasmtico. A 9
dessaturase catalisa ento a converso de palmitoil-CoA (16 carbonos), ou estearoil-CoA (18 carbonos)
em palmitoleiol-CoA ou oleoil-CoA respectivamente, com concomitante reduo do oxignio a gua e
oxidao de NADH ou NADPH a NAD+ ou NADP+. O sistema enzmico da 9 dessaturase inclui uma
cadeia de oxirredtases, nas quais est presente o citocromo b5.
A produo de cidos gordos insaturados da famlia 9 (do cido oleico, o cido gordo mais abundante
dos triacilglicerdeos de um adulto) ento possvel endogenamente, no ocorrendo o mesmo com os
cidos gordos insaturados das sries 6 (do cido linoleico) e 3, que devem estar presentes na
alimentao (so cidos gordos insaturados nutricionalmente essenciais). Contudo, possvel converter
cidos gordos da srie 6 entre si (acontecendo o mesmo com os cidos gordos da srie 3), no
sendo, todavia, possvel converter cidos gordos da srie 3 em cidos gordos da srie 6 e vice-versa.
A nomenclatura permite contar qual o primeiro carbono que contm a ligao dupla, comeando no
ltimo carbono e tem vantagens relativamente nomenclatura clssica, na medida em que, quando
uma cadeia sofre elongao, contando a partir do princpio, o nmero do carbono com a cadeia dupla
sofre alteraes, enquanto contando a partir do fim, isso no ocorre.
J para ocorrer a sntese de cidos gordos poli-insaturados, participam as enzimas 5 dessaturase e 6
dessaturase, que vo acrescentando ligaes duplas, num sistema complexo, que envolve um misto de
elongao (catalisada pela enzima elongase) e insaturao (catalisada pelas vrias dessaturases). No
final, obtemos molculas com vrias ligaes duplas consecutivas interrompidas por grupos metileno
(formando uma estrutura do gnero CH=CH-CH2-CH=CH).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
16
Sntese do cido araquidnico
O cido araquidnico, bem como outros cidos
gordos polinsaturados com vinte carbonos, um
precursor de eicosanides, importantes molculas
sob o ponto de vista farmacolgico e fisiolgico, que
incluem as prostaglandinas, tromboxanos,
leucotrienos e lipoxinas e que desempenham papis
importantes, ao nvel da resposta inflamatria e
imunitria, sendo tambm mensageiros do sistema
nervoso central.
O cido araquidnico pode se formar a partir de um
fosfolpido, por aco da enzima fosfolipase A2 (a
fosfolipase A2 citoslica origina o cido
araquidnico que vai ter fins de sinalizao celular,
enquanto o cido araquidnico que participa na
resposta inflamatria tem origem na fosfolipase A2
secretora), embora tambm possa ser formado a
partir do cido linoleico (cido gordo da srie 6).
O cido linoleico, por aco da 6 dessaturase,
origina cido -linolnico, que depois sofre
elongao em dois carbonos, por aco da enzima
elongase, originando cido eicosatrienico, uma
molcula com vinte carbonos. O cido
eicosatrienico, por aco da 5 dessaturase fica com
uma ligao dupla no quinto carbono, originando
cido araquidnico. Partindo do cido -linolnico
(estrutura com ligaes duplas nos carbonos nove,
doze e quinze), possvel a sntese de cido eicosa-
penta-enico (EPA), atravs de um conjunto de
reaces similares s de sntese do cido araquidnico.
Regulao da lipognese
Dado o excesso de glcidos ser convertido em gordura, que ser fonte de reserva para perodos de
deficincia calrica, ou fonte energtica para os perodos entre as refeies, no admira que o estado
nutricional do indivduo seja o principal factor regulador dos nveis de lipognese. Estes so elevados
num indivduo que ingira uma proporo elevada de glicdeos. Uma maior ingesto de sacarose ou
frutose contribui tambm para um aumento da lipognese, dado a frutose ser mais rapidamente
metabolizada que a glicose. Por outro lado, aquando de condies de restrio calrica, de uma
alimentao com excesso de lpidos, ou de resistncia/deficincia de insulina (como na diabetes
mellitus), a lipognese inibida.
A insulina estimula a lipognese, por vrios mecanismos, nomeadamente pelo aumento da actividade
da carboxlase da acetil-CoA. Por outro lado, esta hormona, ao contribuir para a absoro de glicose
para dentro das clulas, por exemplo do tecido adiposo, leva a que haja uma maior quantidade, quer de
piruvato (o que se traduz numa maior quantidade de acetil-CoA, que participa na sntese de cidos
gordos), quer de glicerol-3-fosfato, essencial para a sntese de triacilglicerol. No tecido adiposo, a
insulina tem ainda a capacidade de converter a forma inactiva da desidrognase do piruvato (forma
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
17
fosforilada), na sua forma activa (desfosforilada), o que se traduz numa maior quantidade de acetil-CoA
formada. Por fim, a insulina, ao diminuir os nveis de cAMP inibe a liplise no tecido adiposo, reduzindo
a concentrao de cidos gordos livres no plasma e de acil-CoA (um inibidor da lipognese).
A carboxlase da acetil-CoA activada alostericamente pelo citrato, cuja concentrao elevada, aps a
ingesto de glicdeos (pois um intermedirio do ciclo de Krebs), sendo por isso um bom indicador da
concentrao de acetil-CoA (dessa forma, aquando de maiores concentraes de acetil-CoA, temos
necessariamente maiores concentraes de citrato, que activa a carboxilase da acetil-CoA e, como tal,
leva a um estmulo da lipognese).
A insulina activa tambm a sntese de lpidos sem ser de novo, ao contribuir para um aumento da
transcrio dos genes que codificam dessaturase do estearil-CoA para as enzimas envolvidas no
processo de elongao e para a acil-transferase do glicerol-3-fosfato (enzima envolvida na sntese de
triacilglicerdeos).
J a inactivao da carboxilase da acetil-CoA promovida pela sua fosforilao, bem como por
molculas de acil-CoA de cadeia longa, o que exemplifica um mecanismo de feedback negativo, pois
aquando de maiores concentraes de acil-CoA (pelo facto de esta no ainda no ter sido esterificada
em acilglicerdeos, por causa de maior liplise, ou devido a um maior influxo de cidos gordos livres), a
sntese de cidos gordos livres reduzida. A carboxilase da acetil-CoA tambm regulada por hormonas
como a glicagina, a adrenalina e a insulina, atravs de mudanas no seu estado de fosforilao (que se
repercutem em alteraes do seu estado de activao).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
18
A acil-CoA tambm um regulador da desidrognase do piruvato, inibindo esta enzima, ao inibir o
transportador do nucletido de adenina (trocador de ATP/ADP) na membrana mitocondrial. Isto leva a
um maior rcio entre as concentraes de ATP e ADP na mitocndria, o que leva inactivao da
desidrognase do piruvato, o que se traduz numa menor quantidade de acetil-CoA produzida (e como
tal, numa menor disponibilidade desta molcula para a lipognese). Para alm disso, maiores nveis de
cidos gordos livres levam oxidao de acil-CoA, o que leva a que os rcios de concentraes da acetil-
CoA/CoA e do NADH/NAD+, aumentem, o que mais uma vez inibe a desidrognase do piruvato.
Estruturas moleculares dos cidos gordos mais importantes
Sntese de triacilglicerdeos
A maior parte dos lipdeos no corpo humano encontram-se sob a forma de acilglicerdeos, sendo que os
triacilglicerdeos so os principais lipdeos presentes na alimentao e no tecido adiposo (estima-se que
cerca de 95% dos lipdeos de um indivduo jovem normal se encontrem neste tipo de tecido).
Os triacilglicerdeos so produzidos a partir do glicerol 3-fosfato, que pode ser sintetizado a partir do
glicerol, ou a partir da dihidroxiacetona fosfato. O glicerol convertido em sn-glicerol 3-fosfato pela
cnase do glicerol, com consumo de ATP, no fgado, rim e glndula mamria activa. No msculo e no
tecido adiposo, a actividade desta enzima baixa, ou mesmo nula e, como tal, o glicerol 3-fosfato
produzido a partir da dihidroxiacetona fosfato, a partir da desidrognase do glicerol 3-fosfato.
Ao glicerol-3-fosfato, juntam-se duas molculas de acil-CoA (resultantes da activao de cidos gordos),
formando fosfatidato (1,2-diacilglicerol fosfato), o que implica duas etapas uma primeira catalisada
pela acetiltransferase do glicerol 3-fosfato (e que leva formao de lisofosfatidato 1-acilglicerol-3-
fosfato) e uma segunda catalisada pela acetiltransferase do 1-acilglicerol-3-fosfato.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
19
O fosfatidato convertido em 1,2-diacilglicerol pela fosftase do fosfatidato, numa reaco que
envolve a remoo do grupo fosfato e a incorporao de uma molcula de gua. Por sua vez, o 1,2-
diacilglicerol origina triacilglicerol, por aco da enzima aciltransferase do diacilglicerol (DGAT). Nesta
ltima reaco, a acil-CoA concomitantemente convertida em CoA, doando um grupo acilo para o
1,2-diacilglicerol. A reaco convertida pela DGAT a nica que especfica para a sntese de
triacilglicerdeos e entendida como a etapa limitante deste processo.
Nas clulas da mucosa intestinal, o 2-monoacilglicerol absorvido ao nvel dos entercitos convertido
em 1,2-diacilglicerol, por aco da aciltransferase do monoacilglicerol, algo que envolve a transferncia
de um grupo acilo proveniente da acil-CoA. Posteriormente, o 1,2-diacilglicerol convertido em
triacilglicerdeos por aco da DGAT. Este conjunto de reaces entendido como a via dos
monoacilglicerdeos.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
20
De referir que a maior parte destas enzimas exerce a sua actividade no retculo endoplasmtico, embora
algumas estejam presentes na mitocndria. A fosfohidrolase do fosfatidato apresenta-se como
excepo, visto encontrar-se sobretudo, ao nvel do citosol (apesar disso, a sua forma activa est ligada
membrana biolgica).
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
21
Oxidao de cidos gordos
Apesar de os cidos gordos serem sintetizados a partir de acetil-CoA e oxidados a acetil-CoA, a oxidao
de cidos gordos no o processo inverso da lipognese de novo, mas um processo completamente
diferente, que ocorre em compartimentos da clula nomeadamente na mitocndria. A ocorrncia de
processos diferentes em compartimentos celulares diferentes permite que ocorra um controlo
individual de cada processo, de acordo com as necessidades de cada tecido. Este processo, como o seu
nome indica, ocorre apenas na presena de oxignio, sendo, por isso, considerado aerbio. De referir
que a oxidao dos cidos gordos pode ocorrer em todas as clulas, com excepo dos eritrcitos. No
crebro, contudo, a velocidade de oxidao dos cidos gordos to reduzida, que no tem relevncia
para a produo de ATP.
Um aumento da oxidao de cidos gordos um resultado do jejum e/ou da presena de diabetes
mellitus, o que leva produo de corpos cetnicos no fgado. Os corpos cetnicos so acdicos e,
quando produzidos em excesso durante longos perodos de tempo, como aquando da diabetes mellitus,
levam a uma condio de cetoacidose que pode, inclusive, ser fatal. Uma vez que a gliconeognese est
dependente do processo de oxidao de cidos gordos, problemas neste processo podem levar a
situaes de hipoglicemia, algo que ocorre aquando de deficincias de carnitina, de enzimas que
participam neste processo, (tais como a palmitoiltransferase), ou da presena de venenos, como a
hipoglicina, que inibem a oxidao de cidos gordos.
Os cidos gordos livres no se encontram esterificados, embora eles nunca se encontrem realmente
livres, no sentido estrito do termo, visto encontrarem-se ligados a uma binding protein para cidos
gordos, no meio intracelular; ou ligados a albumina, no plasma sanguneo. Essa ligao permite que no
se formem agregados de cidos gordos. As cadeias curtas de cidos gordos so mais solveis em gua e
existem como cidos no-ionizados ou como um anio de cido gordo.
Activao e transporte de cidos gordos
Os cidos gordos tm de ser, inicialmente, convertidos para um intermedirio activo, antes de poderem
ser catabolisados. Esta a nica etapa neste processo, que requer o consumo de ATP (que hidrolisado
em AMP e pirofosfato), sendo que um cido gordo convertido a acil-CoA (cido gordo activo), por
aco da sinttase da acil-CoA. Esta reaco fisiologicamente irreversvel porque a pirofosftase
inorgnica catalisa a imediata hidrlise do pirofosfato, entretanto formado. De referir que, a sinttase
da acil-CoA encontra-se ao nvel do retculo endoplasmtico, dos peroxissomas e do lado interno da
membrana externa da mitocndria.
A acil-CoA de cadeia longa (contrariamente de cadeia curta e mdia) no consegue penetrar na
membrana interna da mitocndria, onde ocorrer a sua oxidao. Contudo, na presena de carnitina, a
carnitina-palmitil transferase I, localizada ao nvel da membrana externa mitocondrial, converte as acil-
CoA de cadeia longa em acilcarnitina. Esta molcula tem a capacidade de atravessar a membrana
interna da mitocndria, atravs de um antiporter (a translocase da carnitina-acilacarnitina), que acopla
entrada da acilcarnitina na matriz mitocondrial, a sada de uma molcula de carnitina, sendo ambas
transportadas a favor do gradiente de concentrao. A acilcarnitina, j na matriz mitocondrial, reage
com a CoA, libertando carnitina e regenerando a molcula de acil-CoA, numa reaco catalisada pela
carnitina-palmitil transferase II. De referir que estes processos, so as etapas limitantes do processo de
oxidao de cidos gordos.
Em termos bioqumicos, a carnitina uma molcula com sete carbonos que se encontra ao nvel de
quase todos os tecidos do corpo humano, sendo deveras abundante no msculo esqueltico. Para alm
da sua obteno por via da dieta, no organismo, ocorre a sua sntese endgena a partir da lisina.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
22
-oxidao de cidos gordos com nmero par de carbonos
No processo de -oxidao, dois carbonos de cada vez so
clivados, de forma a originar molculas de acil-CoA,
comeando essa clivagem na extremidade carboxilo. A cadeia
quebrada por entre o segundo e o terceiro carbonos (que
correspondem respectivamente aos carbonos e ), e da o
nome -oxidao. As duas unidades de carbono formadas de
cada vez so unidades de acetil-CoA e, dessa forma, o
palmitil-CoA forma oito molculas de acetil-CoA (16:2=8).
As enzimas que participam no processo de -oxidao
encontram-se ao nvel da matriz mitocondrial sendo
genericamente designadas por oxidase dos cidos gordos,
catalisando a converso de acil-CoA em acetil-CoA,
concomitantemente fosforilao de ADP em ATP.
A primeira etapa envolve a remoo de dois tomos de hidrognio do segundo e terceiro tomos de
carbono, numa reaco catalisada pela desidrognase da acil-CoA, formando-se 2-trans-enoil-CoA.
Este processo requer a presena de FAD, que reduzido e convertido a FADH2.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
23
A hidratase da 2-trans-enoil-CoA catalisa ento a
converso de 2-trans-enoil-CoA em 3-hidroxiacil-
CoA, atravs da adio de uma molcula de gua,
o que leva saturao da ligao dupla, entretanto
formada. O 3-hidroxiacil-CoA oxidado no terceiro
carbono, numa reaco catalisada pela
desidrognase da L(+)-3-hidroxiacil-CoA,
formando-se 3-ceto-acil-CoA, numa reaco que
ocorre com concomitante reduo do NAD+ a
NADH + H+.
Por fim, o 3-ceto-acil-CoA clivado na ligao
entre o segundo e o terceiro carbono, por aco
da enzima tiolase, o que leva formao de acetil-
CoA e de uma molcula de acil-CoA, com um
nmero de carbonos menor em duas unidades
acil-CoA original. Esta acil-CoA vai sofrer novos
ciclos de oxidao, originando sucessivas
molculas de acetil-CoA.
Apesar de estas enzimas serem referidas
genericamente no singular, existem vrias
isoenzimas relativamente a cada enzima, em
funo, sobretudo, do tamanho das cadeias de
cidos gordos, nas quais actuam (por exemplo, a
desidrognase da acil-CoA apresenta quatro
isoenzimas). Isto particularmente relevante, na
medida em que existem patologias caracterizadas
pela deficincia de enzimas que actuam ao nvel de
um determinado tipo de cadeias de cidos gordos.
De referir que as isoenzimas que actuam preferencialmente nos cidos gordos de cadeia mais longa,
encontram-se ao nvel da membrana mitocondrial interna e as que actuam sobretudo em cidos gordos
de cadeia mais curta, encontram-se ao nvel da matriz mitocondrial. Apesar disso, todas as isoenzimas,
independentemente do facto de estarem presentes na membrana ou na matriz mitocondrial,
apresentam o seu centro activo voltado para a matriz.
Este processo diz-se aerbio, porque o oxignio necessrio para reoxidar o FADH2 e o NADH
entretanto formados, para que estes possam ser utilizados para oxidar novas cadeias de cidos gordos.
Os electres do FADH2 so transferidos para a ubiquinona, atravs da aco cataltica sequencial das
enzimas flavoprotena de transferncia de electres e oxirredtase da flavoprotena de transferncia
de electres-ubiquinona. Estas enzimas encontram-se respectivamente ao nvel da matriz mitocondrial
e membrana interna da mitocndria e, tal como a desidrognase da acil-CoA, apresentam o FAD como
grupo prosttico. Aps reduo da ubiquinona e regenerao do FAD, o ubiquinol formado vai reduzir o
complexo III, que por sua vez, reduz o complexo IV, o que leva aceitao final dos electres por parte
do oxignio. J a reoxidao do NADH ocorre por via da actividade dos complexos I, III e IV.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
24
Balano energtico da -oxidao
O transporte de electres do FADH2 e do NADH, ao nvel das cadeias respiratrias, leva sntese de
quatro molculas de ATP, por ciclo. Ora, dado ocorrerem sete ciclos para que ocorra a clivagem total de
uma molcula de palmitato, temos que se foram 28 mol de ATP, a esse nvel (7 x 4 = 28). Por outro lado,
so formados 8 mol de acetil-CoA per molcula de palmitato, sendo que cada mol origina 10 mol de ATP
ao seguir a via do ciclo de Krebs e da fosforilao oxidativa. Dessa forma, temos que a esse nvel so
gerados 80 mol de ATP (8 x 10 = 80). Somando esses dois valores e subtraindo, as duas ligaes fosfato
quebradas para que ocorra a activao inicial da oxidao de cidos gordos, obtemos que per mol de
palmitato oxidado so originados 106 mol de ATP:
-oxidao de cidos gordos com nmero mpar de carbonos
Os cidos gordos com um nmero mpar de carbonos so oxidados formando vrias molculas de acetil-
CoA, at restar apenas um resduo de trs carbonos, o propionil-CoA. O propionil-CoA tambm pode ser
formado, ao nvel das mitocndrias, por activao do propionato, uma molcula formada por
fermentao bacteriana ao nvel do clon. O propionil-CoA convertido em metil-malonil-CoA, por
aco da carboxilase do propionil-CoA. O metil-malonil-CoA convertido a succinil-CoA, um
intermedirio do ciclo de Krebs, por aco de duas isomerases (que convertem inicialmente o D-metil-
malonil-CoA em L-metil-malonil-CoA, sendo este ltimo isomerizado a succinil-CoA) e dessa forma, diz-
se que os cidos gordos com nmero mpar de carbonos so substratos gliconeognicos.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
25
-oxidao e -oxidao no peroxissoma
Nos peroxissomas ocorre a -oxidao de cadeias muito longas de cidos gordos, o que leva formao
de acetil-CoA e H2O2, no sendo gerado ATP. As enzimas necessrias para que ocorra este processo no
catalisam reaces em cadeias curtas de cidos gordos, terminando a -oxidao de cidos gordos,
aquando da formao de octanoil-CoA (uma cadeia com oito carbonos ligada a uma molcula de CoA).
O octanil-CoA continua a sua oxidao na mitocndria.
O H2O2 (perxido de hidrognio) forma-se no peroxissoma por reduo do oxignio. Esta molcula, por
sua vez, reduz-se como forma de oxidar o FADH2, produzido ao nvel de uma reaco catalisada por uma
desidrognase. O facto do perxido de hidrognio ser uma espcie reactiva de oxignio, que leva
danos celulares, leva presena de uma enzima do proteossoma, a catalase, que catalisa a dismutao
do perxido em oxignio e gua. J o NADH formado oxidado, ao nvel da mitocndria, embora este
mecanismo ainda seja pouco conhecido.
O cido fitnico (que na sua forma activada origina fitanoil-CoA) encontrado na carne de ruminantes e
em lacticnios e contm um grupo metilo no terceiro
carbono. Isto impede a aco da desidrognase da
acil-CoA e leva a que esta molcula tenha que ser
oxidada em (ao nvel do segundo carbono), nos
peroxissomas. O fitanoil-CoA convertido a
pristanil-CoA, que apresenta menos um carbono e o
grupo metilo ao nvel, j do segundo carbono. Dessa
forma, como este composto no apresenta o seu
grupo metilo ao nvel do terceiro carbono, pode ser
j oxidado pela via de oxidao em .
Paralelamente a estes processos, no peroxissoma ocorre o encurtamento das cadeias laterais do
colesterol, para a formao da blis, a sntese de glicerolipdeos, colesterol e dolicol.
Oxidao em
No retculo endoplasmtico do fgado e rim, por seu turno, ocorre a oxidao em . Este um processo
que apresenta pouca relevncia para a oxidao de cidos gordos de cadeia mdia, adquirindo apenas
particular importncia, aquando de deficincias na -oxidao.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
26
Aquando deste processo temos a aco de uma oxdase de funo mista, que contm o citocromo P450
e acrescenta um grupo hidroxilo ao carbono . Segue-se a ocorrncia de duas reaces de oxidao,
com concomitante reduo do NAD+, catalisadas sequencialmente por uma desidrognase de lcoois e
por uma desidrognase de aldedos, sendo que os intermedirios entretanto formados neste processo
no se encontram ligados CoA. Os cidos gordos oxidados em so substratos gliconeognicos,
porque a partir dos cidos dicarboxlicos que, entretanto se formam, originada succinil-CoA. De referir
que, aquando de situaes patolgicas a maioria dos cidos dicarboxlicos entretanto formados so
excretados na urina, servindo como mtodo de diagnstico.
Oxidao de cidos gordos insaturados
Os steres de CoA dos cidos gordos insaturados so
degradados por enzimas, que seriam normalmente
responsveis pela sua -oxidao at formao de um
composto 3-cis-enoil-CoA, ou 4-cis-enoil-CoA
(dependendo do facto das ligaes duplas se encontrarem
em carbonos mpares ou pares, respectivamente).
Aquando da gnese de 3-cis-enoil-CoA, esta molcula
isomerisada pela isomerase 3cis 2-trans-enoil-CoA
para que ocorra a formao de um composto 2-trans-
enoil-CoA, que subsequentemente segue a via normal da
-oxidao dos cidos gordos, sendo alvo da aco da
hidratase do 2-enoil-CoA.
J no que concerne formao de 4-cis-enoil-CoA, o
processo deveras mais complexo. A desidrognase da
acil-CoA converte este composto em 4-cis-2-trans
dienoil-CoA. Este composto sofre a aco de uma
redtase dependente de NADPH, sendo convertido a 3-
trans enoil-CoA, que por sua vez isomerisado a 2-trans-
enoil-CoA. Este segue, posteriormente a via normal da -
oxidao dos cidos gordos. A presena de NADPH resulta
da actividade da desidrognase do isocitrato
mitocondrial, que converte o isocitrato em -ceto-
glutarato e da transhidrognase, uma enzima que catalisa
a passagem de protes para a matriz mitocondrial, com
concomitante reduo do NADP+.
De referir que, a quantidade de ATP formada por mol de
cidos gordos menor no caso de cidos gordos
insaturados, do que em cidos gordos saturados, com o
mesmo nmero de carbonos.
Patologias associadas oxidao de cidos gordos
A deficincia de carnitina pode ocorrer sobretudo nos recm-nascidos, devido a uma biossntese
inadequada desta molcula, ou a problemas renais. Os sintomas desta deficincia incluem a
hipoglicemia, como consequncia do impedimento da oxidao de cidos gordos e a acumulao
lipdica, acompanhada por fraqueza muscular. O dfice primrio de carnitina caracteriza-se por
mutaes no transportador OCTN2, responsvel pela reabsoro de carnitina, ao nvel do rim e pela
entrada de carnitna nos msculos e corao. Uma mutao neste transportador est asssociada a
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
27
menor -oxidao nos msculos, fgado e corao. Contudo, a administrao de carnitina revela-se uma
boa estratgia teraputica para este dfice.
No que concerne ao dfice secundrio de carnitina, destaque para a deficincia de carnitina-palmitil
transferase I, que hereditria e afecta apenas o fgado, resultando numa menor oxidao de cidos
gordos e cetognese, acompanhada de hipoglicemia. J a deficincia de palmitoiltransferase-II da
carnitna afecta sobretudo o msculo esqueltico e, aquando de casos severos, o fgado. No segundo
caso, regista-se um aumento da acil-carnitina, mas uma diminuio da carnitina plasmtica, pois a
carnitina compete com a aclcarnitina pelo transportador OCTN2.
Medicamentos como o gliburido e o tolbutamido, utilizados no tratamento de diabetes mellitus tipo II,
reduzem a oxidao de cidos gordos e, consequncia, a hipoglicemia, ao inibir a actividade da
palmitiltransferase-I da carnitina.
Defeitos hereditrios nas enzimas da -oxidao e de cetognese levam igualmente a hipoglicemia,
coma e acumulao de cidos gordos no fgado. Esto descritas deficincias de desidrognase de 3-
hidroxiacil-CoA, tiolase de 3-cetoacil-CoA e da lase do 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA. De referir que,
deficincias nas duas ltimas enzimas afectam igualmente a degradao de leucina, um aminocido
cetognico.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
28
A doena dos vmitos jamaicanos provocada
pela ingesto da fruta da rvore akee (Blighia
sapida), que contm a toxina hipoglicina. Esta
inibe a desidrognase da acil-CoA para cadeias de
cidos gordos mdias e curtas, inibindo, dessa
forma, a -oxidao lipdica e levando a sintomas
de hipoglicemia. Vrias outras patologias
associadas -oxidao dos cidos gordos
encontram-se descritas, estando algumas descritas
na tabela seguinte.
Doena Causa Consequncia
Acidria dicarboxlica Ausncia da desidrognase
da acil-CoA para cadeias mdias, na mitocndria
Excreo de cidos -dicarboxlicos com seis e dez carbonos. Sintomas de hipoglicemia
Doena de Refsum Desordem no metabolismo
do cido fitnico
Doena neurolgica caracterizada pela acumulao de cido fitnico Efeitos
patolgicos nas funes membranares e na expresso gentica
Sndroma de Zellweger
Ausncia hereditria de peroxissomas em todos os
tecidos
Acumulao de cidos gordos com 26 e 38 carbonos e perda de funes peroxissomais. Normalmente, ocorre a morte do indivduo,
no primeiro ano de vida.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
29
Metabolismo dos corpos cetnicos
Produo de corpos cetnicos
Aquando de condies metablicas associadas a nveis elevados de cidos gordos, o fgado produz
elevadas quantidades de acetoacetato e de D-3-hidroxibutirato. O acetoacetato sofre descarboxilaes
espontneas, at originar acetona. As trs substncias referidas so conhecidas colectivamente como
sendo corpos cetnicos. A concentrao total de corpos cetnicos no sangue de mamferos num estado
ps-prandial no excede normalmente os 0,2 mmol/L, excepto nos ruminantes. Contudo, aquando de
condies de jejum, as suas concentraes aumentam exponencialmente, podendo chegar aos 6
mmol/L, aquando de um jejum de vrios dias! Quando temos concentraes muito elevadas de corpos
cetnicos, encontramo-nos num estado designado por cetose.
O fgado , de facto, o nico tecido que produz corpos cetnicos em quantidade suficiente, para a
corrente sangunea, visto que os tecidos extra-hepticos utilizam-nos como substratos respiratrios.
Dessa forma, o fgado exporta dos corpos cetnicos para os tecidos extra-hepticos. No crebro,
inclusive, o D-3-hidroxibutirato e o acetoacetato so importantes combustveis energticos aquando de
um estado de jejum.
As enzimas responsveis pela formao de corpos cetnicos esto associadas, sobretudo, com a
mitocndria. Duas molculas de acetil-CoA formadas, por -oxidao juntam-se, formando acetoacetil-
CoA, numa reaco reversvel catalisada pela enzima tiolase. A acetoacetil-CoA pode tambm ser
resultante directamente da molcula com quatro carbonos formada ao nvel da -oxidao de cidos
gordos.
A condensao da acetoacetil-CoA
com outra molcula de acetil-CoA,
por aco da sntase do 3-hidroxi-3-
metilglutaril-CoA leva formao
de 3-hidroxi-3-metilglutaril-CoA
(HMG-CoA). A lase do 3-hidroxi-3-
metilglutaril-CoA leva ento
expulso de uma molcula de
acetil-CoA do HMG-CoA, levando
formao de acetoacetato livre
(este conjunto de reaces
designado por ciclo de Lynen). De
referir que, os tomos de carbono
presentes na molcula de acetil-
CoA que se forma, derivam da
molcula original de aceto-acetil-
CoA e da a necessidade de ocorrer
uma adio de acetil-CoA, seguida
de uma remoo desta mesma
molcula.
O acetoacetato entretanto formado
na sua maioria convertido em 3-
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
30
hidroxibutirato, numa reaco reversvel, catalisada pela desidrognase do 3-hidroxibutirato. Este o
corpo cetnico predominante no sangue e na urina, aquando de uma condio de cetose. J a
converso do acetoacetato em acetona ocorre, como j foi referido, de forma espontnea.
Enquanto um mecanismo enzimtico activo produz acetoacetato a partir de acetoacetil-CoA, no fgado,
o acetoacetato no pode ser activado directamente em acetoacetil-CoA, excepto no citosol, onde
usado como precursor da sntese do colesterol (uma via muito pouco activa). Dessa forma os corpos
cetnicos no so utilizados como combustveis energticos neste rgo, sendo exportados e
transportados atravs de simporters proto-monocarboxilatos (da mitocndria para o citosol e do
citosol para o meio extracelular).
Catabolismo de corpos cetnicos
O catabolismo de corpos cetnicos ocorre na
maioria dos tecidos extra-hepticos, com excepo
dos eritrcitos, da medula renal e das fibras
musculares brancas, dado este ser um processo
estritamente aerbio. Nos tecidos extra-hepticos
(onde entra por aco de um simporter), o
acetoacetato activado em acetoacetil-CoA pela
transferase do succinil-CoA-acetoacetato-CoA
(enzima que no est presente no fgado), em que a
CoA transferida do succinil-CoA para formar
acetoacetil-CoA. Com a adio da CoA, o
acetoacetil-CoA divide-se em duas molculas de
acetil-CoA, por aco da tiolase, sendo essas
molculas oxidadas ao nvel do ciclo de Krebs. J no
que toca ao D-3-hidroxibutirato, este convertido
em acetoacetato em tecidos extrahepticos por
aco da desidrognase do D-3-hidroxibutirato.
Enquanto o acetoacetato e o D-3-hidroxibutirato
so prontamente oxidados em tecidos extra-
hepticos, a acetona dificilmente oxidada in vivo,
sendo como tal volatizada em grandes quantidades,
nos pulmes e excretada na urina. Na cetonemia
moderada, ocorre a perda de corpos cetnicos na
urina, que representa apenas uma pequena fraco
da produo e utilizao total de corpos cetnicos.
Regulao da oxidao de cidos gordos e cetognese
Aps a absoro por parte do fgado, os cidos gordos livres so, quer -oxidados a CO2, ou a corpos
cetnicos; ou esterificados a triacilglicerol ou fosfolpidos. A palmitiltransferase-I da carnitina um
agente regulador da entrada dos cidos gordos na via oxidativa a actividade daquela enzima baixa no
estado ps-prandial, levando a uma menor oxidao dos cidos gordos, e elevada no estado de jejum,
levando a uma maior oxidao de cidos gordos. O malonil-CoA, primeiro intermedirio formado no
processo de sntese de cidos gordos um inibidor da palmitiltransferase-I da carnitina. De referir que,
os cidos gordos que no seguem a via da -oxidao so esterificados.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
31
Aquando de um estado de jejum, os cidos gordos livres produzidos, aquando de um estado ps-
prandial (como resultado da lipognese), nomeadamente a acil-CoA, vo inibir a lipognese (por
mecanismos de inibio alostrica) e estimular a -oxidao dos cidos gordos (devido ao facto da acil-
CoA ser substrato da palmitiltransferase-I da carnitina). A acil-CoA inibe a aco da carboxlase da acetil-
CoA, o que traz por consequncia, uma menor sntese de acetil-CoA e, consequentemente, de malonil-
CoA. Menores concentraes de malonil-CoA levam a que no ocorra inibio da palmitiltransferase-I da
carnitina e a que aumente a -oxidao de acil-CoA. Estes eventos so reforados no estado de jejum,
por um menor rcio [insulina]/[glicagina] e esto tambm dependentes da velocidade de consumo de
ATP (que se traduz em maiores concentraes de AMP). Isto porque o AMP activa a cnase de protenas
activadas pelo AMP, que fosforila a carboxilase da acetil-CoA, inibindo-a e levando a uma menor
produo de malonil-CoA. A diminuio do rcio [insulina]/[glicagina], num estado de jejum contribui
tambm para a estimulao da cetognese, ao estimular a actividade da sntase de HMG-CoA.
Por outro lado, quando os nveis de cidos gordos livres sricos esto aumentados, so convertidos mais
cidos gordos em corpos cetnicos e menos so oxidados, pelo ciclo de Krebs. A acetil-CoA formada
aquando da -oxidao pode ser oxidada no ciclo de Krebs, ou ser substrato da cetognese e originar
corpos cetnicos, sendo que a via seguida por este composto determinada de modo a que o total de
ATP formado por oxidao dos cidos gordos livres seja constante, apesar de variaes na concentrao
dos nveis sricos de cidos gordos livres. Como a cetognese apenas pode gerar 26 ou 21 mol de ATP
per mol de palmitato e a -oxidao gera 106 mol, o fgado opta pela cetognese, quando necessria a
oxidao de cidos gordos, acoplada a menor produo de ATP.
Uma diminuio nas
concentraes de
oxaloacetato, particularmente
ao nvel da mitocndria, pode
impedir a metabolizao da
acetil-CoA, ao nvel do ciclo de
Krebs e levar a estimulao da
cetognese. O oxaloacetato
pode se encontrar em
menores concentraes,
devido a um aumento do rcio
[NADH]/[NAD+]. Este aumento
provocado, em ltima
anlise, por uma maior -
oxidao de cidos gordos, o
que afecta o equilbrio entre o
oxaloacetato e o malato e leva
a uma menor concentrao de
oxaloacetato.
Aquando de baixos nveis de
glicose e estimulao da
gliconeognese verifica-se a
mesma situao e da que nos
indivduos em jejum, ou nos
indivduos com diabetes
mellitus, haja uma produo
excessiva de corpos cetnicos,
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
32
o que leva ocorrncia de cetoses. A activao da carboxilase do piruvato, que catalisa a converso do
piruvato a oxaloacetato, por parte da acetil-CoA, em parte alivia este problema, embora no o solucione
na totalidade.
Condies de cetose no ocorrem in vivo, a menos que exista um aumento dos nveis de cidos gordos
livres em circulao, sendo estes originados atravs da liplise dos triacilglicerdeos no tecido adiposo. O
fgado, quer no estado de jejum, quer no estado normal, extrai cerca de 30% dos cidos gordos livres
que passam atravs deste rgo e, dessa forma, a uma maior quantidade de cidos gordos livres,
corresponde uma maior captao destes, ao nvel do fgado.
Em condies de cetose, a oxidao de corpos cetnicos aumenta at a uma concentrao de 12
mmol/L, quando ocorre a saturao das enzimas oxidativas. Quando isso ocorre, uma grande proporo
do consumo de oxignio deve-se oxidao de corpos cetnicos e o indivduo pode inclusive entrar em
cetoacidose, pois a sntese de corpos cetnicos leva diminuio do pH do plasma sanguneo.
Regulao por mecanismos de longo prazo
No que toca regulao por mecanismos de longo prazo, de salientar a regulao da transcrio de
genes, induzida pela insulina, que no caso de uma situao de baixos nveis desta hormona, fica inibida.
Desta forma, aquando de uma condio de jejum, ocorre a diminuio da sntese de carboxilase de
acetil-CoA, dado o SREBP-1c estar diminudo e o ChREBP manter-se fosforilado (o SREBP-1c e o ChREBP
so molculas, das quais depende o gene que codifica a carboxlase da aceil-CoA, sendo substncias
reguladas pela insulina).
Por outro lado, por mecanismos de represso e induo de transcrio gentica, a glicagina activa e a
insulina inibe a transcrio do gene que codifica a sntese da HMG-CoA.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
33
Lipoprotenas plasmticas
Os lipdeos absorvidos a partir da dieta e os lipdeos sintetizados no fgado e no tecido adiposo devem
ser transportados para os vrios rgos para sua utilizao e armazenamento. Uma vez que os lipdeos
so insolveis em gua, o seu transporte envolve a associao de lipdeos no-polares (tais como os
triacilgliceris e os steres de colesteril), com molculas anfipticas (tais como os fosfolipdeos e o
colesterol) e protenas, de modo a formar, assim, lipoprotenas solveis em gua.
Lipoprotenas
As lipoprotenas so constitudas por um ncleo
lipdico no-polar, constitudo sobretudo por
triacilglicerdeos e steres de colesterol, e por
uma camada simples de fosfolipdeos anfipticos
e molculas de colesterol, orientados de modo a
que os seus grupos polares (grupos fosfato e
hidorxilo, respectivamente) estejam voltados
para o meio exterior que de natureza aquosa. A
fraco proteica de uma lipoprotena designada
por apolipoprotena, ou por apoprotena, sendo
de cerca de 30% a 60% nas HDL e de cerca de 1-2% nos quilomicra. Algumas protenas so integrais, no
podendo ser removidas das lipoprotenas, enquanto outras so perifricas, sendo livremente
transferidas para outras lipoprotenas.
O contedo das lipoprotenas prende-se sobretudo com, quatro classes de lipdeos, nomeadamente
triacilglicerdeos (c. 16%), fosfolipdeos (c. 30%), colesterol (c. 14%) e steres de colesteril (c. 36%).
ainda transportada uma pequena percentagem de cidos gordos livres (c. 4%) cidos gordos de cadeia
longa que no se apresentam esterificados e que constituem o grupo de lipdeos plasmticos mais
activo, sob o ponto de vista metablico.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
34
As lipoprotenas so classificadas de acordo com a sua densidade. Uma vez que a gordura menos
densa que a gua, a densidade de uma lipoprotena diminui, medida que o rcio lipdeos/protenas
aumenta. Os quilomicra so lipoprotenas derivadas da absoro intestinal do triacilglicerol e de outros
lipdeos. As VLDL (very low density lipoproteins), tambm designadas por pr--lipoprotenas, derivam
da exportao de triacilglicerol, por parte do fgado. As LDL (low density lipoproteins), tambm se
designam por -lipoprotenas, e representam a etapa final do catabolismo das VLDL. J as HDL (high
density lipoproteins) esto envolvidas no transporte de colesterol e no metabolismo de quilomicra e de
VLDL. Em termos de dimenses, verifica-se que as lipoprotenas de menor densidade so as de maiores
dimenses e vice-versa. De referir que, os triacilglicerdeos so os principais lipdeos presentes nos
quilomicra e nas VLDL, enquanto o colesterol e os fosfolipdeos so os lipdeos predominantes nas LDL e
HDL, respectivamente. As IDL (intermediate density proteins) e os quilomicra remanescentes so
lipoprotenas cuja concentrao no plasma sanguneo so muito baixas, dado serem lipoprotenas de
transio, que surgem no decorrer do metabolismo das restantes.
Uma ou mais apolipoprotenas esto presentes em cada lipoprotena. As principais apolipoprotenas
presentes no HDL so as apolipoprotenas A, enquanto no LDL encontramos sobretudo apolipoprotena
B (B-100), que tambm encontrada no VLDL. Os quilomicra contm uma forma truncada de apo B, a
apo B-48, que sintetizada no
intestino, contrariamente B-
100, que sintetizada no
fgado. A apo B-100 uma das
maiores cadeias polipeptdicas
conhecidas, tendo 4536
aminocidos e uma massa
molecular de 550 kDa. A apo B-
48 constituda por uma
massa de 48% da B-100, sendo
formada a partir do mesmo
mRNA da apo B-100, que sofre
RNA editing, sendo o codo
CAA modificado, por aco de
uma enzima, num codo UAA,
um codo STOP.
As apolipoprotenas Apo C-I, Apo C-II e Apo C-III so polipeptdeos de menores dimenses (tendo uma
massa molecular de 7000-9000 Da) e cuja transferncia livre entre diferentes lipoprotenas possvel e
comum. J a Apo E encontra-se na VLDL (nas quais constitui entre 5% e 10% das apolipoprotenas
totais), HDL, quilomicra e remanescentes dos quilomicra.
Em termos de funes, as apolipoprotenas podem fazer parte da estrutura das lipoprotenas (por
exemplo, a apo B uma apolipoprotena integral), ser co-factores ou inibidores de enzimas ou actuar
como ligandos para interaco com os receptores de lipoprotenas, presentes ao nvel das membranas
celulares. De referir que as funes das apo A-IV e apo D ainda no esto claramente definidas, embora
se acredite que a apo D desempenhe um importante papel em doenas neurodegenerativas.
Apolipoprotena Enzima da qual co-factor ou inibidor Receptores qual o qual interage
Apo A-I Acil-transferase da lecitina-colesterol Receptor das HDL
Apo A-II Lipase das lipoprotenas
Apo B-100 Receptor das LDL
Apo C-I Protena de transferncia de steres de colesteril
Apo C-II Lipase das lipoprotenas
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
35
Apo C-III Lipase das lipoprotenas
Apo E Receptor das LDL e protena relacionada com os receptores de LDL
Transporte dos cidos gordos livres
Os cidos gordos livres esto presentes no plasma, devido hidrlise dos triacilglicerdeos no tecido
adiposo, ou devido aco da lipase das lipoprotenas nos triacilglicerdeos do plasma. Os cidos
gordos livres nunca so totalmente livres, na medida em que se combinam com a albumina no plasma
sanguneo, encontrando-se em concentraes que variam entre 0,1 e 2,0 eq/mL de plasma. Esta
disparidade ocorre, porque, embora os seus nveis sejam baixos no estado ps-prandial, num estado de
jejum estes aumentam para os 0,7-0,8 eq/mL e podem chegar aos 2 eq/L, quando o indivduo
apresenta diabetes mellitus no-controlada.
Os cidos gordos livres so rapidamente removidos do sangue e oxidados (assegurando entre 35 a 50%
das necessidades energticas em jejum), ou esterificados, formando triacilglicerdeos, fosfolipdeos,
glicolipdeos ou colesterdeos. Para que se d a entrada de cidos gordos para as clulas, ocorre
inicialmente dissociao do complexo cido gordo-albumina, na membrana citoplasmtica. A esse nvel,
os cidos gordos ligam-se a uma
protena transportadora de cidos
gordos, que acopla entrada de
cidos gordos, o transporte de Na+.
Quando os cidos gordos livres
entram no citosol, ligam-se-lhes
binding proteins para cidos
gordos, cujo papel desempenhado
no transporte intracelular
provavelmente similar ao da
albumina srica no transporte de
cidos gordos, a nvel extracelular.
A entrada de cidos gordos livres para os tecidos est directamente relacionada com a concentrao de
cidos gordos livres presentes no plasma, que, por sua vez, determinada pela velocidade de liplise no
tecido adiposo. No tecido adiposo, como ocorre favorecimento da sntese da lipase de lipoprotenas, por
aco da insulina, num estado ps-prandial ocorre um aumento da hidrlise dos triacilglicerdeos
presentes nos quilomicra. Contudo, como esta hormona tambm estimula a sntese de triacilglicerdeos
dentro dos adipcitos. J no corao e no msculo esqueltico, a actividade da lipase de lipoprotenas
aumenta num estado de jejum, e da que ocorra sobretudo hidrlise dos triacilglicerdeos, com
consequente oxidao dos cidos gordos l presentes.
Quilomicra
Os quilomicra so formados ao nvel dos entercitos, transportando triacilglicerdeos e acil-colesterol
(formado por aco da enzima acil-colesterol-acil-transferase, que transfere um grupo acilo do acil-CoA
para o colesterol). O acil-colesterol e os triacilglicerdeos so combinados com a apo B-48 e com a apo A,
atravs da protena microssomtica de transferncia, presente ao nvel do retculo endoplasmtico,
sendo os quilomicra nascentes expulsos dos entercitos por exocitose. Estes so depois transportados
pelo sistema linftico, desde o intestino, entrando na corrente sangunea pelo canal torcico.
Pequenas quantidades de VLDL encontram-se tambm no quilo, mas a maioria do VLDL plasmtico de
origem heptica. Os quilomicra e as VLDL nascentes (ou seja, na sua fase inicial, ps-secreo) contm
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
36
pequenas quantidades de apo C e apo E, sendo que adquirem o total destas protenas no plasma
sanguneo, a partir da HDL em circulao, sofrendo maturao. Como a apo B uma protena integral,
esta essencial para a formao de quilomicra e VLDL, no circulando entre lipoprotenas. Na verdade,
em indivduos que padecem de abetalipoproteinemia, uma doena rara, a no se formam lipoprotenas
contendo apoB e, consequentemente, acumulam-se gotculas lipdicas no fgado e no intestino.
Embora os quilomicra apenas comecem a aparecer no plasma, uma hora aps a refeio, a sua remoo
da corrente sangunea rpida, sendo o tempo de semi-desaparecimento menor que uma hora, nos
seres humanos. Na verdade, as partculas maiores so catabolizadas mais rapidamente que as menores.
Os cidos gordos que se originam a partir dos triacilglicerdeos dos quilomicra so distribudos,
sobretudo, para o tecido adiposo, corao e msculo (cerca de 80%), enquanto cerca de 20% vo para o
fgado. Apesar disso, o fgado no metaboliza, praticamente, os quilomicra nativos nem VLDL e, por isso,
os cidos gordos presentes no fgado so resultantes do seu metabolismo em tecidos extra-hepticos.
Os triacilglicerdeos dos quilomicra e das VLDL so hidrolisados pela lipase das lipoprotenas. Esta
ectohidrolase encontra-se localizada nas paredes dos capilares sanguneos, estando ancorada ao
endotlio, atravs de cadeias de proteoglicanos de sulfato de heparano, carregadas negativamente. A
hidrlise dos triacilglicerdeos ocorre, enquanto as lipoprotenas esto ligadas lipase das lipoprotenas,
no endotlio. O triacilglicerol hidrolizado progressivamente a diacilglicerol, monoacilglicerol e,
finalmente, cidos gordos e glicerol. Alguns dos cidos gordos livres produzidos voltam para a
circulao, ligados a albumina, mas a maior parte transportada para os diversos tecidos. De referir
que, embora, a lipase das lipoprotenas no esteja activa no fgado adulto, nem presente no sangue,
encontra-se presente ao nvel do corao, tecido adiposo, bao, pulmes, medula renal, artria aorta,
diafragma e glndula mamria activa. Fosfolipdeos e a apo C-II actuam como co-factores desta enzima,
enquanto a apo A-II e a apo C-III actuam como inibidores.
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
37
A aco da lipase das lipoprotenas leva perda de cerca de 90% dos triacilglicerdeos dos quilomicra e
perda de apo C (que volta para as HDL), mas no de apo E, nem de apo B-48 que ficam retida.
Formam-se ento quilomicra remanescentes, com cerca de metade do dimetro dos quilomicra que
lhes deram origem. Estas estruturas so relativamente ricas em colesterol e steres de colesteril (devido
perda dos triacilglicerdeos) e seguem para o fgado.
O contedo dos quilomicra remanescentes captado pelo fgado, atravs de um processo de endocitose
mediada por receptores, processo possvel graas interaco entre a apo-E e o receptor das LDL,
acreditando-se que a LRP (protena relacionada com o receptor LDL) tambm participe neste processo.
No fgado encontramos uma enzima particular, a lipase heptica, presente ao nvel da face sinusoidal
das clulas hepticas e libertada por aco da heparina. Esta lipase heptica no reage propriamente
com os quilomicra ou com as VLDL (contrariamente lipase das lipoprotenas), estando associada ao
metabolismo dos quilomicra remanescentes e das HDL. Esta enzima actua como um ligando
lipoprotena e hidroliza os seus triacilglicerdeos e steres de colesteril.
Metabolismo das VLDL
As VLDL so formas de transporte de triacilglicerdeos do fgado para os tecidos extracelulares, sendo
que os mecanismos de formao e maturao das VLDL e dos quilomicra apresentam inmeras
semelhanas. Contudo, neste caso a apolipoprotena B integrada a apo B-100. De referir que, as VLDL
constituem os maiores reservatrios de triacilglicerdeos no plasma sanguneo, mesmo aps a
ingesto de refeies ricas em lipdeos, sendo que a maior parte dos cidos gordos presentes ao nvel
desses triacilglicerdeos provm do plasma.
O receptor das VLDL desempenha um importante papel na distribuio do contedo das VLDL para os
adipcitos, ao ligar-se s VLDL e aproxim-las da lipase das lipoprotenas, que catalisa a hidrlise dos
triacilglicerdeos a presentes. De referir que, no tecido adiposo, a insulina a estimula a sntese de lipase
de lipoprotenas e a sua translocao para a face luminal do endotlio capilar. Nas VLDL tambm se
formam remanescentes de VLDL, as quais se designam por IDL, ou, alternativamente, por VLDL
remanescentes.
As IDL, por sua vez, podem ter dois destinos possveis podem entrar directamente para o fgado,
atravs do receptor das LDL (ao qual se ligam as apolipoprotenas B-100 e E, presentes na superfcie das
IDL) e do LRP, ou podem ser convertidas em LDL, cuja nica apolipoprotena a apo B-100, que
conservada ao longo deste processo. Nos seres humanos, comparativamente a outros mamferos, uma
grande proporo de IDL origina LDL.
A LDL formada interage ento com o receptor das LDL, expresso no s ao nvel do fgado, mas tambm
em vrios tecidos extra-hepticos. Este receptor especfico para a apo E e para apo B-100, no
interagindo com a apo B-48, pois esta apolipoprotena no apresenta um domnio na extremidade
carboxilo, contendo o ligando aos receptores das LDL. Os contedos das LDL so ento hidrolisados ao
nvel dos lisossomas De referir que, cerca de 30% das LDL so degradadas em tecidos extrahepticos,
contra 70% no fgado.
No que toca captao das LDL, esta regulada pelo contedo de colesterol da clula. Quanto maior a
quantidade desta molcula, menor a actividade dos receptores de LDL. Por outro lado, as LDL podem
ser captadas por Scavenger receptors (ou receptores de limpeza), presentes ao nvel dos macrfagos
e clulas endoteliais e cuja actividade no depende da quantidade de colesterol das clulas. O facto dos
macrfagos presentes na tnica ntima das artrias poderem captar uma grande quantidade de
colesterol proveniente das LDL, independentemente da sua quantidade celular de colesterol, leva a que
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
38
haja uma co-relao positiva entre a incidncia de aterosclerose coronria e uma maior a concentrao
celular de colesterol. Por outro lado, deficincias no receptor das LDL esto associadas a
hipercolesterolemia familiar, uma condio gentica, que leva a um aumento dos nveis sanguneos do
colesterol LDL e que causa aterosclerose prematura.
Transporte reverso de colesterol
A HDL sintetizada e segregada, quer no fgado, quer no intestino, estando envolvida no transporte
reverso de colesterol (ou seja, de tecidos extra-hepticos para o fgado). Contudo, a apo C e a apo E so
sintetizadas no fgado e transferidas das HDL hepticas para as HDL intestinais, quando estas ltimas
entram no plasma sanguneo (as HDL desempenham um importante papel como fornecedoras de apo
C e apo E, para o metabolismo dos quilomicra e do VLDL).
As HDL nascentes apresentam bicamadas fosfolipdicas discides, contendo apo A e colesterol livre e
vo captando colesterol de tecidos extrahepticos, por aco da SR-B1 (tambm designada por
receptor de limpeza do tipo B1), formando-se HDL3.
Posteriormente, a enzima aciltransferase de lecitina-colesterol (LCAT), da qual cofactor a apo A-I, liga-
se bicamada fosfolipdica da HDL3, convertendo os fosfolipdeos da superfcie e o colesterol livre em
steres de colesteril e em lisolecitina. Os steres de colesteril, dado serem no-polares, deslocam-se
para o interior da bicamada, que hidrofbico; enquanto a lisolecitina transferida para o plasma,
onde se liga albumina. Dessa forma, gerada HDL2 - uma HDL mais pequena, de natureza esfrica e
pseudo-micelar com um ncleo no-polar, coberto por uma camada superficial de lpidos polares e
apolipoprotenas. Podemos afirmar que o sistema LCAT est, ento, envolvido na remoo do excesso
de colesterol no esterificiado de lipoprotenas e tecidos. De referir que, em pacientes com deficincia
-
Bernardo Manuel de Sousa Pinto Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Sebenta de Bioqumica II
39
de aciltransferase de lecitina-colesterol ou com ictercia obstructiva, as partculas plasmticas de HDL
so similares s HDL nascentes.
A HDL2 distribui, ento, selectivamente os steres de colesteril para o fgado, atravs do SR-B1, ou por
aco das lipases hepticas e endotelial pode ver os seus triacilglicerdeos e fosfolipdeos hidrolisados.
Estes dois processos levam regenerao de HDL3 (a HDL2 no em si captada, nem hidrolizada, apenas
os seus contedos), sendo que estas inter-converses entre a HDL2 e a HDL3 formam o chamado ciclo
das HDL. Associada a estes processos est a libertao de apo A-I livre (pois esta tambm no
captada), que ao associar-se com quantidades mnimas de fosfolipdeos e colester