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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃOSUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

1Edemilson Mendes 2Orientador:Wilson

Taveira de Los Santos

A formação reflexiva a partir da exploração de charges, cartoons e HQs como pressuposto para um ensino de língua inglesa edificador da perspectiva moral e transformadora

Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão aos professores de língua inglesa sobre as possibilidades de realizar um trabalho significativo em sala de aula por meio do uso de recursos midiáticos audiovisuais a partir de charges, cartoons e HQs. Trata-se de um trabalho de pesquisa realizado durante o desenvolvimento do PDE. O Programa de Desenvolvimento Educacional oportunizou uma ressignificação do trabalho com gêneros discursivos, sendo que as imagens ilustrativas presentificadas em no material pedagógico elaborado contendo atividades que envolvem charges, cartoons e HQs, constituíram o foco desta proposta. A multidisciplinaridade contemplada remete a outros gêneros do discurso como entrevistas, questões que caíram em vestibulares, no ENEM e situações pertinentes. A pesquisa de campo foi implementada no C. E. Antônio Lacerda Braga, em Colombo, trouxe contribuições para aprofundar os debates sobre teorias da enunciação e reconfigurar o pensamento a respeito de métodos inovadores que podem tornar o aprender uma segunda língua uma ação prazeirosa e harmoniosa para docentes e discentes. Como resultado, espera-se propor então um ressoar das múltiplas vozes que compõem quaisquer atividades de enunciação, superação de situações aversivas ao ensino de língua inglesa, acentuar a importância da interação semântica entre interlocutores, da dialogicidade e do contexto intra e extra-verbal no qual se constroem mutuamente significações para uma vida pautada por princípios morais de justiça.

Palavras chave: Charges, Cartoons, HQs, Métodos signficativos, Adversidades ao ensino de Língua Inglesa.

1 Professor de Língua Inglesa pertencente ao Quadro Próprio de Magistério da rede pública de ensino. SEED/PR. Formado em Letras-Inglês pela Puc Pr. Expecialização em Ensino de Língua Inglesa. Professor PDE lotado atualmente no Colégio Estadual Antônio Lacerda Braga.2 Professor Orientador da UTFPR. Graduação em Pedagogia, Faculdade de Pinhais. Graduação em letras. Universidade Federal do Paraná, UFPR, Brasil. Especialização em Língua e Literatura Inglesa. Universidade Estadual do Centro Oeste, UNICENTRO, Brasil. Mestrado em Engenharia de Produção. Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Brasil.

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Quando nos deparamos com a necessidade de refletir sobre como vem

ocorrendo o ensino de língua inglesa nas escolas de uma forma geral, evidencia-

se o quanto ainda temos que caminhar para repensarmos em nosso papel de

educadores, no ideal que estudamos nos textos que abordam métodos de ensino

de língua estrangeira, e o que teríamos sustentabilidade de propor como prática

transformadora e significativa para um ensino de uma segunda língua considerado

vivo, a fim de colocar ânimo nas interações aluno, material de apoio, professor e

conhecimento. Despertar para o espírito animoso da criticidade e da realização de

um trabalho profícuo requer uma reconfiguração do pensamento, para que sejam

considerados todos os fenômenos complexos imbricados no emaranhado político,

sociocultural, histórico, econômico e afetivo que constitui a possibilidade da ação

educativa se concretizar.

Dessa forma, não se poderia começar as reflexões aqui propostas sem

considerar a formação inicial do professor de língua inglesa e as repercussões que

têm na prática pedagógica. Ora, a maioria das universidades que ofertam cursos

de licenciatura plena em Língua Inglesa, Espanhola, ou outras modalidades de

línguas estrangeiras modernas, não oportunizam aos acadêmicos um aprendizado

intensivo da parte falada da Língua, nem primam por desenvolver as habilidades

auditivas. Percebe-se notadamente que o ensino acaba se limitando á leitura e

interpretação de textos. As maiorias dos professores dos cursos de graduação

sequer se expressam na língua que ensinam, o que acaba por tornar o processo

educativo algo que deixa no acadêmico o gosto de quero mais, o despertar para a

necessidade de desenvolver também as habilidades auditivas de compreensão

daquilo que se pode ouvir da língua alvo, bem como deixa a sensação de ausência

do experienciar o aprendizado da fala, intensifica a vontade de tornar-se

proeficiente na habilidade oral de uma segunda língua.

As Diretrizes Curriculares Estaduais propõem um ensino de Línguas

Estrangeiras Modernas norteado por quatro eixos estruturantes: Speaking,

reading, listening e writing. Considera o discurso como prática social elementar

para o ensino de uma segunda língua para a qual o professor deve elaborar seu

plano de trabalho docente com atividades que contemplem a possibilidade de

desenvolver no educando a língua falada, a escrita, o ouvir e a habilidade de

leitura e interpretação. No entanto, com relação ao ensino voltado para

desenvolver leitura e interpretação, parece que as águas correm tranqüilas e

mansas, agora quando se pensa em como vem sendo elaboradas as atividades

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que oportunizem aos educandos e aos próprios educadores o exercício de ouvir e

práticas com a oralidade, aí o problema se instaura.

Discursos teóricos apontam para que a língua deve ser apresentada e

trabalhada como algo real, vivo, que constitui a linguagem de povos cuja existência

se constitui dentro de uma realidade concreta, palpável, provenientes de culturas

diversas. Especialmente em colégios localizados em regiões metropolitanas,

quando o professor apresenta o plano de trabalho e os assuntos a serem

discutidos no aprendizado da segunda língua, ressoa aos alunos e ao próprio

professor algo como que muito distante da realidade, descontextualizada da

possibilidade de interação intercultural e plurilingüística.

Como aproximar o falante de uma língua materna á existência do falante de

uma língua estrangeira para que se consiga empreender um projeto pedagógico

pautado nos princípios da dialogicidade. De que forma seria possível articular um

diálogo repleto de significados entre indivíduos de línguas diferentes, tão distantes

geograficamente, embora habitantes do mesmo planeta e ao mesmo tempo?

Para responder a estas questões, não cabe aqui nos limitarmos em

lamentações de uma formação que, por razões complexas como o aligeiramento

da diplomarização docente, da relação mercadológica estabelecida entre algumas

instituições privadas e o conhecimento, dentre outras adversidades curriculares

que repercutem no negligenciar do desenvolvimento das habilidades de listening

ouvir e speaking falar. Uma proposta produtiva considera possíveis ações dentro

de uma certa sustentabilidade teórico-metodológica e prática. Há inúmeras

ferramentas que contribuem para tornar a língua como instrumento pedagógico

vivo e capaz de contagiar e entusiasmar professores e alunos.

Outrossim, cabe uma reconfiguração do pensamento sobre que estratégias

podem ser adotadas para um trabalho gratificante e prazeiroso, até mesmo mágico

na medida em que pode encantar aos sujeitos envolvidos no ato interativo e

despertar-lhes a curiosidade para o eterno aprender e a satisfação renovada a

cada instante em que novos insights são produzidos a cada saber adquirido.

Ao pensar então na praticidade da proposta para que se torne passível de

ser de fato implementada, o projeto de intervenção pedagógica sugerido ao longo

do desenvolvimento das investigações científicas no campo da lingüística remete a

um trabalho com língua inglesa possível, pois os custos na realização do mesmo

compõem os itens de consumo permitidos pelo Fundo Rotativo recebido

mensalmente pelas escolas, também outras fontes de arrecadação providas pelas

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APMFs podem contribuir para subsidiar os gastos gerados por xeróx, materiais

impressos, dentre outros.

Durante o desenvolvimento das reflexões oportunizadas neste programa de

desenvolvimento educacional, buscou-se oferecer aos educadores que atuam na

rede estadual de ensino um projeto educativo para o ensino de inglesa cujos

objetivos consistiram de forma geral em criar uma oficina de produção de charge

com prioridade numa pedagogia que contemple a integração metodológica dos

conteúdos das disciplinas curriculares, na perspectiva filosófica, política e da

produção artística. Contribuir para que o aluno seja parte importante na

propagação do conhecimento, partido de um processo que se inicia didaticamente

e culmina com seu ato criativo e participativo nas relações sociais que estabelece

com o meio. Oportunizar uma nova dimensão dialógica do processo ensino

aprendizagem. Cooperar para o enriquecimento curricular dos professores que

aderirem às ideias propostas, no que se refere as estratégias e metodologias de

ensino, para que possam atuar como propagadores de situações criativas em

diversas circunstâncias. Incrementar a produção de charges, cartoons e HQs não

somente nos meios escolares, mas também ampliar a perspectiva sobre a função

social destes gêneros discursivos na disseminação de ideais.

A presente proposta de trabalho também busca fomentar uma rede de

pesquisadores, quer seja professores ou alunos, com o intuito de pesquisarem

sobre as possibilidades multidisciplinares presentes no trabalho com estes

gêneros. Estimular os alunos a transformarem em charge as situações

experienciadas no dia-a-dia, com o intuito de promover um pensamento crítico a

respeito de algo que possa contribuir para a transformação da sociedade, numa

perspectiva de acolhimento às múltiplas diversidades, de crítica a ações

consideradas discriminatórias ou preconceituosas. Fazer com que, através da

leitura e produção da charge, o aluno tome como hábito a prática de leitura e

produção de textos em língua inglesa. Descobrir quais são as dificuldades mais

freqüentes dos alunos em relação aos conteúdos programáticos não só na

disciplina de inglês, como também, partindo do princípio da interdisciplinaridade e

suas implicações na formação moral e ética dos sujeitos, bem como de

indagações que permitam pensar sobre como a educação vem caminhando e

aonde se pretende chegar com os projetos educacionais implementados nas

instituições formais de ensino.

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Iniciaremos estas reflexões a respeito desta proposta pedagógica a partir

das reflexões propostas pelo epistemólogo Jean Piaget sobre sua preocupação

revelada em seu texto publicado intitulado “Para onde vai a educação”.

O princípio da educação não apenas como uma simples contribuição aos

resultados de um desenvolvimento individual espontâneo – do nascimento até o

fim da adolescência a educação se constitui um dos fatores fundamentais

necessários á formação intelectual e moral(...) a escola fica com a

responsabilidade no que diz respeito ao sucesso final ou ao fracasso do indivíduo.

O direito á educação é portanto, nem mais, nem menos, o direito que tem o

indivíduo de se desenvolver normalmente, em função das possibilidades de que

dispõe, e a obrigação, para a sociedade, de transformar essas possibilidades em

realizações efetivas e úteis.

No subtítulo do livro supra-mencionado, Piaget alerta para o fato de que “A

educação deve ser gratuita”. Infere que do ponto de vista social e econômico, um

projeto educativo eticamente acolhedor deve assegurar um prolongamento da

escolaridade independentemente das condições socioeconômicas da família,

considerando-se que o mérito do educando e suas aptidões casualmente podem

conflitar com os recursos materiais disponíveis. Neste sentido, cabe alertar a todos

os educadores que atuam na rede pública de ensino quando, impensadamente,

solicitam de seus alunos que paguem por xeróx ou outros materiais pedagógicos,

não levando em consideração a condição econômica da família.

Outra proposta para reflexão de Jean Piaget ao elaborar sua enciclopédia

cognitiva engajada com as questões socioeconômicas se refere á transmissão e

construção dos valores coletivos. Sua preocupação reside em propiciar uma ação

educativa conciliatória entre uma cultura geral considerada satisfatória e uma

especialização profissional, pois o conflito entre estas duas exigências se amplia

paralelamente a cada progresso científico e técnico;

Ainda Piaget considera que da perspectiva da formação pessoal do aluno,

faz-se necessário assegurar-lhe uma formação física, intelectual e moral tão

completa quanto possível, considerando suas aptidões próprias, suas

idiossincracias, bem como sua da idade. (PIAGET, p. 40)

Deleuze propõe o desconstrucionismo, ao atentar para a necessidade de

nos desvencilharmos de certos parâmetros construídos e valorizados outrora, e

refazermo-nos em nossos horizontes de expectativas com relação ao mundo

contemporâneo e ao sujeito cuja edificação encontra-se em nossas mãos. Então

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propõe que todas as ciências são ramificações do mesmo axioma, pois tratam da

vida, em suas diversas formas de manifestação. Daí a transdisciplinaridade

oportuniza aos professores de diversas áreas do conhecimento um trabalho com o

saber articulado, de forma a produzir sentido na existência humana. Uma ação

edificadora com a língua inglesa, que a repute como universal e planetária,

intensifica-se no mundo globalizado e viabiliza ao professor articular o conteúdo de

sua disciplina ás diversas ciências. Propor aos alunos atividades visando à

construção moral e ética de suas subjetividades.

Ao correlacionar o ensino da língua estrangeira aos ensinamentos voltados

para a construção de uma sociedade em defesa da paz e da justiça, pode-se

elencar as charges, os cartoons e as histórias em quadrinhos como recursos

discursivos que impulsionam as crianças e os adolescentes para o encantamento

com o saber. O uso de recursos audiovisuais e outras ferramentas midiáticas

também podem ser utilizados como subsídios para despertar o gosto pelo

aprendizado da língua inglesa de forma a contemplar os quatro eixos estruturantes

previstos nas DCEs.

Além de características destes gêneros dos discursos remetem à

irreverência, ironia e sátira possibilitam a ruptura de paradigmas. Cabe ressaltar

que se constituem em análise de discursos políticos e análises políticas, o que

redimensiona o caráter político implícito em quaisquer gêneros discursivos,

(Maingueneau, 2006). Diante do exposto até aqui, saliente-se a perspectiva do

Interacionismo Sócio-Discursivo, sintetizada na sigla ISD, que concebe a

linguagem como interação.

Então vale destacar o papel do professor, ao revelar aos educandos não

somente normas descritivas do funcionamento da língua inglesa, mas

contextualizá-las e revelar a função sintática e semântica que contribui para a

produção de sentido na esfera comunicativa visando à reflexão e ampliando o

leque de possibilidades de interpretação dos fatos recorrentes no cotidiano, com

criticidade, de forma a impedir que, em suas aulas, o uso da linguagem seja

disseminado como mero instrumento de interação, de reprodução social, mas para

além disso, seja tensinonado para a transformação. A presente proposta de

trabalho com a língua inglesa traz como sugestões atividades envolvendo o uso de

charges, cartoon e tiras.

A primeira via de regra se refere a algo que tenha ocorrido recentemente no

contexto sociocultural, político, esportivo, dentre outros temas cotidianos.

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Geralmente apresenta diálogos e as ilustrações que contribuem para elucidar ao

leitor o contexto no qual os eventos ocorrem. Por isso a importância de se

observar atentamente cada desenho, a caracterização dos ambientes, procurando

atribuir significado às propostas de atividades. Também vale ressaltar que

expressões faciais, gestos, aparência física, pontos de exclamação, interrogação,

interjeições, dentre outros auxiliam na interpretação das charges. Este estilo de

ilustração às vezes tem a intenção de satirizar, caricaturizar acontecimentos atuais

e os personagens envolvidos nos eventos.

Etimologicamente, charge tem origem francesa e significa carga, no sentido

de haver um exagero nas expressões que representam o caráter de alguém ou de

uma situação de forma a torná-los burlesco. Os cartoons representam um evento

de modo global, no plano mais generalizante. Temas ecológicos dentre outros

podem ser abordados, numa riqueza de detalhes minuciosos, com pouco ou até

mesmo nenhum diálogo expresso. A comunicação aí se expressa a partir da

atmosfera criada pelo cartunista, pois oferece ao leitor pistas o suficiente para uma

leitura mais aprofundada e atenta. A tira se constitui de histórias em quadrinhos

contendo geralmente três quadros, e se caracteriza pela comicidade, pelo humor

que provoca nos interlocutores.

A charge provém do francês “charger”, (carregar, exagerar), sendo

fundamentalmente uma espécie de crônica humorística. Exerce uma função social

muito importante, na medida em que emite uma multidirecional aos vários

segmentos sociais. A percepção a ser aguçada no leitor pode remeter a um certo

exagero muitas vezes caricaturizado, representativo de críticas tecidas a várias

esferas de ação humana. Caracteriza predominantemente enquanto texto visual

humorístico e opinativo que indaga um fato decorrido no campo sociopolítico,

cultural e histórico, aborda uma situação recente ou uma personalidade específica.

Segundo Rabaça e Barbosa, o gênero textual denominado charge é um tipo

de cartum “cujo objetivo é a crítica humorística de um fato ou acontecimento

específico em geral de natureza política”. (Rabaça e Barbosa, 1978: 89). Ainda de

acordo com Rabaçã e Barbosa, uma boa charge deve procurar um assunto atual e

ir direto onde estão centradas a atenção e o interesse do público leitor. RABAÇA,

C.A &BARBOSA, G. Dicionário de comunicação. (Codecri, 1978).

A elaboração da charge se fundamenta, via de regra, na possibilidade de

remissão a outros textos, verbais ou não. As singularidades do processo de

construção da charge se constitui numa perspectiva perspicaz, na medida em que

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permite a convergência entre um jogo de polifônico e ambivalente, com o verso e o

reverso tematizados. Por meio do imagético e dos aspectos linguísticos, a charge

se utiliza do humor para investigar o que poderia estar nas entrelinhas dos fatos e

personagens do que se trata.

Paradoxalmente, as informações constantes nas charges ora afirmam e ora

negam, de forma que induz o leitor a refletir sobre fatos e personagens do mundo

atual ao interagir numa perspectiva de intertextualidade e interculturalidade. Este

gênero textual desencadeia no leitor processos inter-semióticos polifônicos, pois a

imagem permite aguçar o campo visual que, por sua função neurotransmissora,

imediatamente transmite informações aos esquemas representacionais

previamente construídos no aparato cognitivo do sujeito cognoscente, cuja

estrutura assimilativa é acionada em busca de correlações a saberes e conceitos

já disponíveis para auxiliar na re/construção de novos conhecimentos. Para facilitar

a compreensão da charge então, devem ter sido apresentadas ao leitor situações

que o permitam fazer inferências, articular o cenário construído intencionalmente

pelos chargistas aos textos escritos nos balões, atentar para os diversas

composições gráficas dos balões ao ilustrarem pensamento, diálogo, bem como

para as linhas que compõem o balão, se seguem linearmente ou são feitas por

exemplo em forma de zig-zag, pois o formato também contribui para demonstrar

sensações, também é escolhido pelo autor para provocar um efeito sinestésico.

Atividades de pré-aquecimento, as famosas warm-up activities devem então

estar inseridas no plano de trabalho docente como preliminares para se observar

até onde os alunos têm recursos internos consoantes às expectativas dos

enunciados para decodificá-los, associá-los ás suas experiências anteriores com o

campo semântico dos conceitos presentes na atividade proposta. O leitor precisa

então estar munido de informações prévias acerca do tema abordado para que

tenha condições de captar seu teor crítico. Afinal ali está focalizada e sintetizada

uma certa realidade.

Muito se discute sobre possibilidades de propiciar um ensino atrativo, capaz

de despertar nos educandos a pulsão pela busca do prazer que o aprendizado

proporciona. Neste sentido, pode-se inferir que a charge, assim com o cartoon e as

histórias em quadrinhos apresentam um conteúdo de cunho agradável aos alunos

visto que é recheado de bom humor e sátira. Ainda é possível perceber que estas

propostas de tarefas são pouco exploradas nos livros didáticos. Cabe intensificar o

trabalho com estes gêneros, especialmente a charge, na medida em que aguça o

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despertar do espírito de criticidade com relação aos fenômenos da existência, já

que relata um fato ou acontecimento ocorrido em uma data, situa o leitor em um

determinado período histórico sociocultural e econômico, bem como em um certo

contexto sócio-demográfico, espacial-geográfico. Também a manifestação

comunicativa ocorre de forma agradável, com pitadas de humor e comicidade,

além de boas dose de ironia.

O caráter político precisa ser amplamente aprofundado em quaisquer

manifestações do pensamento. O filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin(1997)

ofereceu uma grande contribuição para compreendermos conceitos referentes à

linguagem em suas infinitas formas de manifestação, consideradas pelo autor

como gêneros textuais: a linguagem não é um meio neutro que se torne fácil e

livremente a propriedade intencional do falante, ela está povoada ou superpovoada

de intenções de outrem. Dominá-la, submetê-la às próprias intenções e acentos é

um processo difícil e complexo (BAKHTIN, 1993: 100). EDUCERE – Revista da

Educação. Vol. 2. N. 1: jan./jun. 2002)

É natural que seja preciso conhecer o contexto histórico o momento da

enunciação para que se entenda o que um texto quer anunciar. Ao se

desconsiderar este contexto, possivelmente ela não terá um maior atrativo, perde a

articulação semântica entre texto e leitor e, consequentemente, perderá seu poder

de comunicação, na medida em não estabelece o diálogo. A relação dialógica é

imprescindível para a sensibilização dos interlocutores no ato interativo da

interlocução verbal, sem a qual a ação comunicativa se torna inviável.

Outro autor que muito contribuiu para se pensar sobre a produção de

sentido enquanto pressuposto de diálogo e das diversas signficações que um

mesmo vocábulo, uma mesma expressão, uma mesma situação pode ter

dependendo da etapa de desenvolvimento do sujeito se refere a Vygotsky.

Defende que as palavras têm múltiplo significados e representam a transformação

lingüística do

pensamento. Na perspectiva do autor:

A descoberta da inconstância e mutabilidade dos significados das palavrase do seu desenvolvimento é a descoberta principal e única capaz de tirar doimpasse a teoria do pensamento e da linguagem. O significado da palavra éinconstante. Modifica-se no processo do desenvolvimento da criança. Modifica-se também sob diferentes modos de funcionamento do pensamento. É antesuma formação dinâmica que estática. (Vygotsky, 1934/2001b, p.407, 408).

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Assim como o sentido que se atribui a palavra é passível de modificação

por parte do indivíduo, a compreensão das imagens, de cada detalhe

composicional que contém o ambiente iconografado, altera-se em consonância ao

repertório de significados construídos ao longo das diversas etapas vivenciadas.

Em se trazendo estas análises para o contexto do trabalho aqui proposto, e

pensando no caráter ideológico e político dos enunciados, cabe retomar as

inferências de Erani Diniz Lucas quando diz que, por manifestar a expressão de

um incidente humano da vida real, a charge tem um valor muito importante como

registro histórico. Em entrevista para Memória da imprensa carioca: (...) a charge

tem mais afinidade com os temas políticos e podem ter um sentido mais partidário,

pode-se pinçar um ângulo diferente entre os partidos, entre os políticos que estão

ligados ao poder ou à oposição. (Diniz, 2002).

Vale salientar que o trabalho com a charge pode ser utilizado como também

pré-texto para alavancar a leitura de textos com predominância dos mais variados

gêneros do discurso, utiliza-se o termo aqui ‘predominância’ para ilustrar a idéia

polifônica presente no interior dos textos, na medida em que múltiplas vozes se

fazem presentes, porque sintetizam toda uma construção bioecológica da(s)

subjetividade(s) do(s) autor(es), constituídos que foram a partir das múltiplas

interações sócio-textuais, já que todos as esferas enunciativas nas quais ocorrem

trocas verbais são passíveis de inúmeras leituras, daí todas as situações

comunicativas adquirirem o caráter textual.

Embora haja a tentativa de nomenclaturizar os textos em tipologias e/ou

gêneros, cabe ressaltar que um texto pode apresentar por exemplo a opinião de

alguém a respeito de algo, para cuja expressão e fundamentação o autor pode

recorrer a textos informativos, argumentativos, gráficos e tabelas, outros textos

dissertativos, enfim, a múltiplas vozes discursivas que abordaram assuntos

correlatos e podem ser úteis e necessárias para a construção da argumentação e

do convencimento ao leitor a respeito de um ponto de vista.

Como mencionado no resumo deste artigo, foi elaborado um material

didático direcionado aos professores como proposta para desenvolver o trabalho

com charges, cartoons e histórias em quadrinhos em sala de aula. Neste material,

optou-se por considerar a perspectiva multidisciplinar e a preocupação com a

construção moral dos sujeitos como mencionado nas reflexões postuladas por

Piaget. Também os diversos recursos midiáticos que a escola tem disponível

compuseram a tentativa de proposição de um trabalho interativo com os recursos

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que tanto enriquecem o trabalho pedagógico, como o uso da TV pendrive para

passar vídeos com entrevistas, com slides contendo questões do ENEM, de

vestibulares, da Internet, das ferramentas virtuais que contribuem na

aprendizagem, de textos impressos, dentre outros.

Outro ponto que cabe salientar se refere á inclusão prévia no planejamento

das aulas de atividades que contemplem os quatro eixos estruturantes previstos

nas Diretrizes Curriculares Estaduais, e que se presentificam ao longo deste

material. Os assuntos abordados então consistem de questões cujos enunciados

trazem a necessidade de interpretar o texto imagético e escrito, que caíram no

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2011, na prova de Linguagens, Códigos

e Suas Tecnologias, em alguns vestibulares, bem questões recentes que

ocorreram no cotidiano como o caso envolvendo o atirador de Realengo, dentre

outras que oportunizaram desenvolver habilidades de listening, writing, speaking e

reading.

Pode-se exemplificar aqui como se apresentou esta possibilidade de

trabalho com o texto intitulado How is your Mood? Após explorar as imagens que

compõem o cartoon que contém neste enunciado, os efeitos de sentido promovido

de forma articulada ao texto escrito, apresentou-se apenas o primeiro parágrafo do

texto e solicitou-se aos alunos que fizessem desenvolvimento e conlusão. Há a

proposta de que o aluno elabore o desfecho do texto e o professor desencadeie o

debate sobre a proposta do projeto que versa sobre o humor das pessoas, e

discuta pormenorizadamente cada alternativa, escolhendo a correta.

Na sequência também é sugerido ao professor levar os educandos no

laboratório de informática e fazer um trabalho com charges em Língua Inglesa que

caíram no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no ano de 2011. Também se

oferece a possibilidade de analisar as questões gramaticais que envolvem o texto.

Outra atividade constante no material que vale mencionar se refere à

charge: Brazil Mourns Children Gunned Down at School. Propõe-se que solicite

aos alunos para identificarem no texto e apresentarem oralmente palavras que já

conhecem como forma de trocas vocabulares. Posteriormente, que se reúnam em

equipes a fim de discutir as principais ideias apresentadas no texto, dentre elas,

debaterem sobre o conceito de bullying. Tendo realizada esta discussão, a

atividade seguinte dialoga com língua portuguesa e pede para que escrevam

situações vivenciadas relacionadas ao bullying, para cuja reflexão cabe a

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descrição dos possíveis sentimentos desencadeados tanto no(s) agressor(es)

quanto na(s) vítima(s).

A fim de intensificar o debate, assistir ao vídeo de Realengo e outros vídeos

correlatos, semelhantes ao que ocorreu em Columbine, Pensilvania entre outras

localidades, disponível no site:http://www.youtube.com/watch?

v=pGI5cEZc7Kg&feature=related. Após, discutirem e apresentarem possíveis

ações preventivas para outras aberrações semelhantes possam ser evitadas.

Prática oral: Discutir com os colegas o que poderia ser feito para evitar que

as pessoas se ferissem umas as outras. Por exemplo: Em minha opinião as

pessoas deveriam se preocupar com o sentimento de outras antes de magoar

alguém. As pessoas deveriam respeitar as diferenças e se colocarem no lugar de

outros, antes de tomarem atitudes agressivas.

Pesquisa sobre quando usar Should, Ought to... Escrever no caderno no

mínimo três frases para cada expressão que indique a opinião construída após a

discussão das temáticas. Como exemplo de um atividade de Listening, sugere-se

que assistam ao vídeo sobre o massacre disponível

em:http://www.youtube.com/watch?v=Y4AwoPnsOMM, ouçam o jornalista falando

e enumerem as sentenças de acordo com a sequência na qual os eventos vão

sendo retratados pelo discurso do jornalista. Antes de ligar o vídeo, o professor

deverá ler cada frase do vídeo, a fim de que os alunos se familiarizem com ele,

peça-lhes que repitam algumas frases após a fala do jornalista. Permitir que os

alunos assistam pelo menos três vezes para se familiarizar com a pronúncia do

repórter. Então, solicite que os alunos enumerem as frases de acordo com a

sequência que são faladas.

Outras reflexões lingüísticas são propostas em atividades interpretativas

cobradas em vestibulares, que envolvem o uso de discurso direto e indireto, o uso

dos pronomes indefinidos, transformar um trecho de discurso direto em discurso

indireto, antônimos, o futuro com o modal Will em suas formas afirmativa,

interrogativa e negativa, dentre outras possibilidades.

Não se pode deixar de evidenciar a necessidade eminente de chamar a

atenção para o fato de que a intencionalidade socioideológica e política implícita

ou explícita em quaisquer discursos deve também ser foco de discussão em sala

de aula para o desenvolvimento do olhar crítico e multifocal tão caro a uma

formação para a criticidade e a autonomia. O professor sempre deve estar

atualizado não somente como estratégia de sobrevivência no mundo

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contemporâneo, tecnológico e globalizado, mas também a fim de auxiliar na

construção multidimensional do repertório ideológico dos educandos, visto que tem

a função de prepará-los para o exercício da cidadania, para o auto-governar-se na

vida. Em isso acontecendo, a educação poderá ser ofertada com maior qualidade

e eficácia, pois estes cidadãos farão ressoar as idéias adquiridas e disseminarão

seus princípios e valores em todos os espaços nos quais transitem e também

auxiliarão na edificação de sujeitos cujos saberes podem ser revisitados e

ressignificados e/ou construídos.

Entende-se assim para finalizar, que recursos imagéticos e midiáticos como

os apresentados ao longo deste artigo, somados a um trabalho multiorientado para

as diversas ramificações do saber e com vistas á uma educação qualitativamente

comprometida com a formação moral dos sujeitos podem se constituir em uma

escolha transformadora em qualquer nível escolar, quer seja no ensino

fundamental, médio ou até mesmo superior.

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