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Situação da mulher negra na Região Metropolitana de São Paulo: síntese dos
indicadores sociais e análises preliminares
Bianca Santana1 e Jefferson Mariano
2
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o perfil das mulheres negras residentes na
Região Metropolitana de São Paulo. Apesar do reconhecimento e da valorização da
economia feminista na elaboração de indicadores não androcêntricos, este trabalho
utiliza como referência indicadores disponibilizados pelos órgãos oficiais de estatística e
deste modo considera as categorias presentes nos censos demográficos realizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As análises partem da noção de
interseccionalidade e na visão do feminismo negro das múltiplas opressões a que estão
subjugadas as mulheres negras: de gênero, raça e classe.
Palavras-chaves: mulheres negras, interseccionalidade, economia de gênero, região
metropolitana de São Paulo, racismo.
Apresentação
Não é de hoje que mulheres negras têm denunciado sua invisibilidade e a
secundarização de suas questões específicas, tanto nas políticas públicas, pesquisas
acadêmicas e análises estatísticas, quanto nos próprios movimentos negro e feminista
(Ribeiro, 2008, Carneiro, 2003, Werneck, 1992). Inúmeras pesquisas e levantamentos
socioeconômicos apontam as condições de desigualdade das mulheres e da população
negra na sociedade brasileira. No entanto, leituras generalizadas escondem
particularidades e especificidades em relação às condições da mulher negra.
Apesar do cenário de generalizações, é importante registrar o avanço que
estudos recentes têm permitido na compreensão de tais especificidades. A partir de
1
Mestra em educação pela Universidade de São Paulo. Professora da Faculdade Cásper Líbero. [email protected] 2
Doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp. Analista do IBGE e Professor da Faculdade Cásper Líbero. [email protected]
2004, a publicação “Retrato das desigualdades de gênero e raça”, editada pelo Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Secretaria de Políticas para
as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), a Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR/PR) e a ONU
Mulheres, permitiu compreender um pouco melhor as distâncias que separam homens e
mulheres, negros e brancos.
Mais recentemente, o “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida
das mulheres negras no Brasil” (2013) apresentou análises dos dados estatísticos das
publicações citadas anteriormente, deixando ainda mais evidente a articulação das
desigualdades de gênero e raça no que diz respeito à educação superior, ao mercado de
trabalho e renda, à pobreza, ao acesso a bens, à exclusão digital e à violência. A partir
da ideia de interseccionalidade, o Dossiê considera a complexidade da interação entre os
eixos de subordinação gênero e raça, na construção de condições específicas de
exclusão e discriminação das mulheres negras.
Assim, o objetivo deste estudo é apresentar uma síntese de indicadores sociais de
um grupo ainda mais específico: as mulheres negras residentes na região metropolitana
de São Paulo, além de produzir uma análise exploratória de tais indicadores.
Vale registrar aqui a importância da chamada economia feminista na elaboração
de indicadores não androcêntricos, que sejam mais apropriados para a análise
socioeconômica e a integração das atividades de reprodução social e de sustentabilidade
da vida humana (Carrasco, 2012). “Para a economia feminista, a economia monetária
depende da economia não monetária por razões óbvias: os salários pagos são
insuficientes e as famílias dependem do trabalho realizado no âmbito doméstico além de
as relações afetivas e emocionais essenciais para o ser humano também não poderem ser
adquiridas no mercado” (Teixeira, 2012, p. 13 – 14) Enquanto indicadores tradicionais
são pensados em uma perspectiva fundamentalmente na inserção de indivíduos no
mercado de trabalho e consumo, a economia feminista se propõe a pensar uma nova
sociedade, integrando os espaços da produção econômica aos da reprodução social
(Teixeira, 2012, p. 28).
Apesar do reconhecimento e da valorização da economia feminista, este trabalho
utiliza como referência indicadores disponibilizados pelos órgãos oficiais de estatística,
e deste modo considera as categorias presentes nos censos demográficos realizados pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sob o enfoque da economia e
gênero, serão destacadas as desigualdades econômicas de homens e mulheres, mas
dentro de marcos analíticos já estabelecidos, tanto de gênero, quando de raça. Ao longo
do estudo considera-se população negra o resultado da soma das categorias preto +
pardo. Ressalte-se que essa classificação é utilizada em estudos consagrados da
demógrafa Elza Berquó.
As análises partem da noção de interseccionalidade, nomeada por Kimberlé
Crenshaw e utilizada pelos movimentos de mulheres negras e pesquisadoras brasileiras.
O objetivo de Crenshaw a sistematizar tal noção, a partir da construção de diversas
outras pensadoras, é permitir compreender como a discriminação racial e a
discriminação de gênero operam juntas. Nas palavras da autora:
“A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as
consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da
subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo,
a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que
estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras” (Crenshaw,
2002, p. 177).
A afirmação de que Crenshaw sistematiza uma noção há muito trabalhada por
outras pensadoras evoca os estudos do feminismo negro. Tanto nos Estados Unidos
quanto no Brasil, desde as décadas de 1970 e 80, pesquisadoras como Lélia Gongalez,
Sueli Carneiro e Jurema Werneck, no Brasil, Patricia Hill Collins, Angela Davis, Bell
Hooks e Audre Lorde, nos Estados Unidos, têm se dedicado a compreender as
especificidades das mulheres negras como sujeito. Além de analisarem os papéis que
mulheres negras ocupam nas relações sociais, de maneira crítica, tais pesquisadoras
assumem um papel militante ao travarem lutas com o objetivo de disseminar vozes
historicamente silenciadas.
Todas essas intelectuais negras descreveram e interpretaram múltiplas opressões
a que estão subjugadas as mulheres negras: de gênero, raça e muitas vezes de classe.
Nas palavras de Jurema Werneck (1992, p. 10):
“As mulheres negras não existem. Ou, falando de outra forma: as mulheres
negras, como sujeitos identitários e políticos, são resultado de uma articulação de
heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de
enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental
eurocêntrica ao longo dos séculos de escravidão, expropriação colonial e da
modernidade racializada e racista em que vivemos.”
Como dito, Kimberlé Crenshaw cunhou o termo interseccionalidade ao analisar
como raça, gênero e classe se interseccionam e geram formas de opressão singulares.
Mais que uma noção analítica, a interseccionalidade é um instrumento de luta política,
no combate às múltiplas e imbricadas opressões.
A distribuição das mulheres negras na RMSP
A população negra já representa a maioria da população Brasileira. Foi possível
identificar esse processo no Censo demográfico 2010. No entanto, a Pesquisa Nacional
por Amostra de domicílios já identificava esse comportamento a partir de 2004.
Os dados disponíveis também indicam que na medida em que há um
deslocamento em direção ao Sul do País ocorre uma redução na presença da população
negra. No Estado de São Paulo esse contingente corresponde a 34% sendo de 17,21 a
participação das mulheres negras em relação ao total.
A Região Metropolitana de São Paulo corresponde a uma área de extrema
importância para economia do País. Trata-se de uma “mancha urbana” integrada por
trinta e nove municípios que responde por aproximadamente 10% da população total do
país e 47% do Estado de São Paulo. Apesar de se tratar de uma grande área contínua,
os municípios que integram essa região apresentam grandes disparidades em relação aos
principais indicadores sociais.
A presença das mulheres negras nessa região é mais intensa em alguns
municípios que normalmente são classificados como “cidades dormitórios”. São
localidades com pouca ou inexistente estrutura econômica e que desse modo os
trabalhadores necessariamente precisam se deslocar para outros locais para trabalharem
ou a até mesmo realizarem algum curso.
Evidente que outros fatores também ajudam a explicar a distribuição espacial
dessa população. Municípios com maior presença de atividades rurais (Salesópolis,
Mogi das Cruzes, Biritiba- Mirim e Guararema) apresentam baixa presença de
mulheres negras. É possível que a busca por atividades remuneradas urbanas, tenham
contribuído para essa configuração. Porém há outro grupo de cidades na região na qual
a reduzida presença de mulheres negras está diretamente relacionada as características
urbanas e especialmente aos rendimentos. Nesse grupo é possível incluir São Caetano,
Santo André e São Bernardo do Campo. Ressalte-se que mesmo no interior de cada
uma dessas localidades é possível observar contrastes. Nas regiões mais ricas das
cidades praticamente não há presença de população negra.
Gráfico 1
Participação Percentual da População Feminina Negra
Municípios da Região Metropolitana de SP - 2010
IBGE – Censo Demográfico 2010
Nesse caso, vale a pena observar a configuração do mapa da cidade de São
Paulo. Apesar do Gráfico 1 indicar que as mulheres negras correspondem a 19% da
população da Capital, a distribuição entre os distritos apontam a enorme assimetria. Os
distritos localizados no eixo Sul/sudoeste próximo a região central a população negra é
muito reduzida, próximo inclusive do perfil de países europeus. Em contrapartida, os
distritos periféricos da capital a situação é diametralmente oposta.
Tabela 1
Participação Percentual da População Feminina Negra
Distritos da Capital (selecionados) 2010
Distritos Participação Distritos Participação
Itaim Bibi 4,56 Jd. Ângela 30,37
Vila Mariana 4,74 Cidade Tiradentes 29,01
Alto de Pinheiros 4,82 Grajaú 28,64
Jd. Paulista 4,92 Lajeado 28,45
Perdizes 5,03 Parelheiros 28,17
IBGE- Censo Demográfico 2010.
Dessa maneira, não é necessária muita imaginação para perceber que dados
disponíveis sugerem que os locais com condições mais precárias de moradia e de
existência de indicadores sociais precários abrigam maio parcela da população negra.
Também é razoável supor que as condições de inserção no mercado de trabalho e
participação nos rendimentos do trabalho contribuam para essa configuração.
Os demais resultados explorados nas bases de dados disponíveis apontam para
as condições extremamente desfavoráveis das mulheres negras em relação à inserção no
mercado de trabalho. Os dados relativos a posição na ocupação destacam esse quadro.
Por mais que no Brasil não exista, nem tenha existido depois da Abolição, leis
de segregação racial assim nomeadas, como foi o apartheid na África do Sul, os dados
evidenciam que há, na região metropolitana de São Paulo, distritos de pessoas brancas.
Por mais que não haja determinação legal de onde negras e negros devam viver, basta
olhar os dados para constatar a segregação.
Muitas vezes esta segregação é justificada sob argumentos de classe: custa caro
morar no eixo centro-sudoeste, mulheres negras têm menos dinheiro, por isso não
vivem na região. Há desigualdade de classe, mas tal desigualdade também é uma das
manifestações do racismo brasileiro. É essencial reconhecer a relação entre as categorias
de opressão, sob o risco de esconder o racismo. Como aponta Antônio Sergio Alfredo
Guimarães, essa é uma das principais características do racismo brasileiro: “sua
invisibilidade, posto que é reiteradamente negado e confundido com formas de
discriminação de classe” (GUIMARÃES, 2009, 226) ·.
Os demais resultados explorados nas bases de dados disponíveis apontam para as
condições extremamente desfavoráveis das mulheres negras em relação à inserção no
mercado de trabalho. Os dados relativos à posição na ocupação destacam esse quadro.
No Gráfico 2 ocorreu a seleção das trabalhadoras inseridas nas situação em
relação a posição de ocupação mais favoráveis, ou seja, trabalhadoras com carteira
assinada e funcionárias públicas estatutárias (que gozam de estabilidade no emprego).
É possível perceber nesse caso a enorme distância entre as mulheres brancas e negras.
Do total de mulheres empregas com carteira assinada em 60,3% eram brancas e 37,8%
negras. No caso do serviço público a distância era maior 69,7 e 28,1% respectivamente.
Gráfico 2
Trabalhadoras segundo posição na ocupação
Região Metropolitana de São Paulo (Percentual).
2015
IBGE: Pesquisa Mensal de Emprego
Outro aspecto que permite observar o quadro de desigualdade entre a população
feminina da região pode ser observada a partir do comportamento do rendimento do
trabalho. Os dados relativos a trabalho e rendimento disponibilizados no Censo
Demográfico 2010 apontam uma enorme distância entre a remuneração de mulheres
brancas e negras. Nesse quesito o abismo é muito mais elevado.
Tais indicadores têm raízes históricas consistentes. Desde a abolição o
preconceito racial alijou mulheres negras de postos de trabalho na indústria, no
comércio ou no serviço público. No início do século 1920 era comum ver anúncios de
jornal que explicitavam a condição de “pele clara” a candidatas a empregos. Por todo o
século o eufemismo “de boa aparência” apareceu nas vagas de emprego, e mesmo
depois da Constituição de 1988, com a criminalização do racismo, no imaginário de
profissionais de recursos humanos, pele clara, nariz fino e cabelo liso são valorizados
(NEPOMUCENO, 2013, 383 – 389).
Outro aspecto que permite observar o quadro de desigualdade entre a população
feminina da região pode ser observado a partir do comportamento do rendimento do
trabalho. Os dados relativos a trabalho e rendimento disponibilizados no Censo
Demográfico 2010 apontam uma enorme distância entre a remuneração de mulheres
brancas e negras. Nesse quesito o abismo é muito mais elevado.
No Gráfico 3 é possível observar que entre os municípios da RMSP o
“campeão” nesse quesito é Santana de Parnaíba. Nessa localidade a diferença
percentual entre a remuneração da mulher branca em relação à negra era de 234%. A
capital, em segundo lugar nesse ranking apresentava uma diferença de 117%. Em
todos os municípios da região há expressiva distância em relação à remuneração do
trabalho. Ressalte-se que há uma lógica nessa distribuição. Nas localidades menos
dinâmicas em termos de estrutura produtiva e dinâmica econômica a distância é menor,
mas existe. Essas são consideradas “cidades dormitório”, em razão da reduzida
disponibilidade de emprego, de modo que a população desloca-se para outros
municípios em busca de trabalho e às vezes até para estudar.
Gráfico 3
Diferença percentual entre os rendimentos das pessoas ocupadas brancas e negras
Municípios da Região Metropolitana de São Paulo - 2010
Além das condições de ocupação das mulheres negras não se apresentarem como
as ideais, ainda há o problema relativo às elevadas taxas de desocupação. De modo
geral esse é um problema da estrutura da economia brasileira. A taxa de desocupação
ou desemprego é praticamente o dobro da taxa observada entre a população masculina.
Porém, entre a população feminina existem desigualdades, como pode ser
observado no gráfico 4.
Nesse gráfico é possível observar que em todos os municípios da RMSP a taxa
de desocupação entre as mulheres negras é superior às brancas. Em alguns municípios é
possível observar inclusive que a taxa entre as mulheres negras corresponde ao dobro
das brancas como, por exemplo, em São Bernardo do Campo (8,82 e 14,34) e Santana
IBGE – Censo Demográfico 2010
de Parnaíba (8,59 e 13,45). É importante observar também que a taxa de desocupação
total em dezembro de 2010 correspondia a 5,3% segundo a Pesquisa Mensal de
Emprego. Ou seja, segundo o gráfico 4, entre as mulheres a taxa era mais elevada e
entre negras quadro era bastante crítico.
Taxa de Desocupação entre a População Feminina
Municípios da Região Metropolitana de São Paulo- 2010
IBGE – Censo Demográfico 2010
Nota: Não foi possível calcular as taxas para os municípios de
Guararema, Juquitiba, Mairiporã, Salesópolis, São Lourenço da Serra e
Vargem Grande Paulista em razão das características da amostra e o
princípio do sigilo da informação.
Para as mulheres negras, a exclusão do mercado de trabalho esteve historicamente
acompanhada da responsabilidade de prover sua família. A dedicação ao lar e a
submissão ao marido marcou a trajetória das mulheres brancas. Já as mulheres negras,
desde a abolição, trabalharam como empregadas domésticas, vendedoras de quitutes,
lavadeiras (NEPOMUCENO, 2012, p. 387). Mesmo sem ocupação ou trabalho formal,
as mulheres geram a renda necessária à sobrevivência familiar.
É essencial pontuar aqui que os indicadores relativos ao mercado de trabalho e à
ocupação não consideram os trabalhos de cuidado não remunerados: “cuidar de
meninas, meninos, pessoas idosas, doentes, e também tarefas de alimentação, higiene,
relações de afetos dedicados a todas as pessoas”. O trabalho familiar e doméstico é
essencial ao trabalho no mercado e à chamada ocupação (CARRASCO, 2012, p. 80).
No caso das mulheres negras, é comum acumular as duas funções.
Pela análise dos indicadores quantitativos dificilmente se pode compreender a
realização simultânea do trabalho no mercado e do trabalho de manutenção da vida, ou
as relações entre eles. Indicadores que considerem a dupla jornada das mulheres e que
quantifiquem, por exemplo, quanto trabalho de cuidados não remunerado é necessário a
uma população são essenciais para uma compreensão mais profunda da temática do
trabalho em uma perspectiva de economia feminista.
Além das assimetrias observadas na Região Metropolitana de São Paulo, como
já foi enfatizado, no interior dos municípios é possível encontrar profundas
desigualdades. No caso da análise nesse nível territorial as dificuldades em relação a
obtenção de dados é maior. As alternativas são trabalhar com indicadores disponíveis
no nível Setor Censitário. A limitação nesse caso é que as informações praticamente
ficam restritas a características gerais de domicílios e de população. No entanto, no caso
do município de São Paulo, em razão do porte populacional, é possível obter um
conjunto expressivo de informações relativas a população negra feminina. Aspectos que
devem ser explorados na versão final do trabalho. Com as informações levantadas até
o momento é possível perceber que dos 96 distritos da capital em 95 deles as mulheres
negras auferiam rendimentos inferiores as mulheres brancas. A única exceção era o
paupérrimo distrito de Marsilac, no extremo sul da Capital. Nesse caso a distancia entre
os rendimentos em alguns distritos era muito mais elevada do que a média observada
para os 39 municípios da região. No distrito da Vila Leopoldina por exemplo, enquanto
a média do rendimento das mulheres brancas em 2010 correspondia a 2.676,50 as
mulheres negras recebiam 954,13. Mesmo nos distritos periférico, com média de
rendimento mais baixa, as diferenças existiam.
Tabela 2
Distritos da capital segundo rendimento das pessoas
(vinte maiores e vinte menores) – RMSP - 2010
Distrito Rendimento Distrito Rendimento
Branca Negra Branca Negra
Marsilac 311.46 326.98 Jardim Paulista 3818.63 1631.21
Iguatemi 378.53 346.60 Moema 3688.30 1765.11
Lajeado 386.67 361.74 Morumbi 3433.95 808.725
Jardim Helena 389.01 359.09 Itaim Bibi 3331.97 1328.04
Cidade Tiradentes 396.7 403.65 Pinheiros 3211.38 1352.61
São Rafael 409.22 342.78 Vila Mariana 3144.56 1661.28
Parelheiros 412.88 337.15 Consolação 3131.41 1578.53
Itaim Paulista 424.21 375.53 A. de Pinheiros 3083.74 1517.21
Jardim Ângela 428.55 385.53 Perdizes 2788.04 1284.92
Grajaú 436.53 402.90 Vila Leopoldina 2676.50 954.13
Perus 450.14 389.31 Campo Belo 2667.35 1004.70
Anhanguera 481.27 430.78 Barra Funda 2458.47 1158.45
Sapopemba 491.92 439.60 Bela Vista 2403.91 1295.89
Vila Curuçá 493.98 429.00 Santo Amaro 2316.01 1326.05
Brasilândia 506.59 434.45 Saúde 2198.36 1301.61
Guaianases 528.91 428.70 Vila Andrade 2182.91 502.80
Pedreira 529.98 418.47 Santa Cecília 2066.60 1261.70
Jaraguá 532.56 476.21 Lapa 2055.80 1097.53
São Mateus 541.03 478.51 Liberdade 2003.01 1028.62
Vila Jacuí 542.95 415.55 Butantã 1898.21 1084.35
IBGE: Censo Demográfico 2010.
Conclusões
Este estudo foi elaborado com indicadores do modelo de “igualdade no
masculino”, que permite observar a integração das mulheres em uma sociedade
patriarcal. Tal modelo, deixa pouco (ou nenhum) espaço para o cuidado das pessoas.
Para o modelo de inclusão no mercado funcionar para alguns, outras precisam estar em
casa, cuidando das crianças, da comida, das roupas.
Para avançar na ruptura do modelo masculino, é necessário valorizar atividades
consideradas femininas, recuperar espaços privados e domésticos, colocar a vida
humana na centralidade. “Em resumo, não é suficiente olhar somente o eixo da
(des)igualdade entre mulheres e homens, trata-se também de nos movermos em torno do
eixo da diferença do bem-estar humano” (CARRASCO, 2012, 37). Buscamos neste
estudo, portanto, sintetizar e analisar indicadores da “igualdade no masculino”, com a
consciência da urgência de se criarem indicadores que desconstruam a expressão da
ideologia patriarcal.
Ainda na mesma lógica, seria interessante prosseguir com pesquisas qualitativas
e quantitativas que permitissem compreender melhor o cenário apontado pelos dados
aqui apresentados. Se as desigualdades entre mulheres, homens, pessoas brancas e
negras, de diferentes classes sociais, fica evidente no território, na ocupação e na renda,
uma observação qualitativa permitiria compreender melhor como tais opressões se
interseccionam na vida das mulheres negras.
Educação, chefia de família, ocupação de espaços de poder, visibilidade,
exposição à violência são outras questões sociais a observar para compreender a
situação das mulheres negras na região metropolitana de São Paulo. Que tal
compreensão permita a formulação e a implementação de políticas públicas que visem
construir a igualdade de direitos aos diferentes sujeitos. Que as formulações aqui
apresentadas possam ser úteis a futuras pesquisas e à luta social.
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