slets-016-082

16
www.ts.ucr.ac.cr 1 TITULO: Neste momento no Brasil, todas as áreas do ensino superior encontram-se em processo de revisão dos seus currículos de formação profissional. Por edital do Ministério da Educação os Cursos de Graduação, em nível nacional, tiveram um prazo estabelecido para a apresentação de propostas a serem consolidadas em Diretrizes Curriculares que introduzem profundas mudanças, tanto na concepção, quanto nos processos da formação profissional. Com este texto procuramos analisar estas mudanças no âmbito da formação profissional dos trabalhadores sociais no Brasil, configurando os desafios com os quais esta se defronta ao definir e implementar suas diretrizes curriculares. Trata-se, na realidade, de um duplo desafio. Por um lado, favorecer a apreensão dos processos econômico-político-culturais que presidem esta sociedade determinando os conteúdos e os rumos do exercício profissional e, por outro lado, possibilitar o desenvolvimento de uma “direção social estratégica” (Netto, 1996) que afirme o significado social da profissão. Para compartilhar estas reflexões com os presentes a este evento destacamos três pontos para o desenvolvimento desta análise. O primeiro, trata de identificar como as transformações sociais em curso incidem na formação e no exercício profissional dos assistentes sociais. Parte- se do pressuposto de que formação e prática profissionais são processos que se transformam ao transformarem-se as condições e as relações nas quais se inscrevem. (ABESS/CEDEPSS, 1995). O segundo, situa a Reforma do Estado no interior da qual se processa a Reforma do Ensino Superior moldando as Diretrizes Curriculares. Por fim, as respostas do Serviço Social no Brasil aos desafios de um novo Projeto Curricular, consubstanciado nas Diretrizes Gerais para a Graduação em Serviço Social. No primeiro ponto, a questão central da análise tem como foco a crise do capital, instalada nos anos 70 em âmbito mundial, cujos desdobramentos chegam ao fim dos anos 90 potencializados pela especulação financeira internacional.

Upload: me-cago-en-scribd

Post on 02-Dec-2015

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 1

TITULO:

Neste momento no Brasil, todas as áreas do ensino superior

encontram-se em processo de revisão dos seus currículos de formação profissional.

Por edital do Ministério da Educação os Cursos de Graduação, em nível

nacional, tiveram um prazo estabelecido para a apresentação de propostas a serem

consolidadas em Diretrizes Curriculares que introduzem profundas mudanças, tanto

na concepção, quanto nos processos da formação profissional.

Com este texto procuramos analisar estas mudanças no âmbito da

formação profissional dos trabalhadores sociais no Brasil, configurando os desafios

com os quais esta se defronta ao definir e implementar suas diretrizes curriculares.

Trata-se, na realidade, de um duplo desafio. Por um lado, favorecer a

apreensão dos processos econômico-político-culturais que presidem esta sociedade

determinando os conteúdos e os rumos do exercício profissional e, por outro lado,

possibilitar o desenvolvimento de uma “direção social estratégica” (Netto, 1996) que

afirme o significado social da profissão.

Para compartilhar estas reflexões com os presentes a este evento

destacamos três pontos para o desenvolvimento desta análise.

O primeiro, trata de identificar como as transformações sociais em

curso incidem na formação e no exercício profissional dos assistentes sociais. Parte-

se do pressuposto de que formação e prática profissionais são processos que se

transformam ao transformarem-se as condições e as relações nas quais se

inscrevem. (ABESS/CEDEPSS, 1995).

O segundo, situa a Reforma do Estado no interior da qual se processa a

Reforma do Ensino Superior moldando as Diretrizes Curriculares.

Por fim, as respostas do Serviço Social no Brasil aos desafios de um

novo Projeto Curricular, consubstanciado nas Diretrizes Gerais para a Graduação em

Serviço Social.

No primeiro ponto, a questão central da análise tem como foco a crise

do capital, instalada nos anos 70 em âmbito mundial, cujos desdobramentos chegam

ao fim dos anos 90 potencializados pela especulação financeira internacional.

Page 2: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 2

Não se trata, contudo, de uma crise do capital financeiro, do capital

comercial ou do capital industrial, como pode parecer em determinadas conjunturas.

“A crise em curso é econômica em todos seus aspectos” (Chesnais, 1998:8). Trata-

se de “uma crise do próprio capital em todas as suas figuras” (Taffarel, 1989). “A

crise em curso é uma crise que se situa no campo da produção material como

riqueza excessivamente acumulada” (Teixeira, 1996) corroborando ensinamentos da

teoria política crítica. Nela aprendemos que “o desenvolvimento da produtividade

social do trabalho gera, com a queda da taxa de lucro, uma lei que em certo ponto se

opõe frontalmente a esse desenvolvimento e por isso tem de ser constantemente

superada por meio de crises. ” (Marx, 1990:296).

Neste caso, “a principal tarefa das classes dominantes passa a ser a de

erigir contratendências para retardar as conseqüências da tendência à queda da taxa

de lucros”. (Braga, 1996:175). Aí se situam as estratégias do enfrentamento da crise.

Em escala globalizada, operam-se transformações nas condições e formas de

organização da produção material, nos processos de gestão e consumo da força de

trabalho imprimindo novas configurações ao mundo do trabalho. Igualmente

introduzem-se mudanças nas práticas e no papel do Estado redefinindo os padrões

culturais de sociabilidade e convivência social.

No campo da produção material, em cujo plano de fato esta crise se

situa, a recomposição dos fatores econômico-sociais para a retomada do padrão de

lucro, vem se dando pela via da reestruturação produtiva, da reforma do Estado e do

estabelecimento de um novo ideário ético-político-cultural capaz de garantir

consentimento e adesão em torno da nova racionalidade capitalista. (Dias, 1997).

Cada um desses mecanismos, estrategicamente necessários ao

enfrentamento da crise, incide de forma particular sobre a vida dos sujeitos

individuais e coletivos e, em conjunto, redefinem as relações sociais de produção e

reprodução da existência social, agora em escala globalizada.

Neste sentido, a globalização integra as estratégias de enfrentamento

da crise vinculando-se ao processo contemporâneo de reordenamento do ciclo de

reprodução ampliada do capital, traduzindo o incessante movimento de

internacionalização da produção e circulação de mercadorias. As condições da

Page 3: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 3

acumulação do capital são recriadas com base em processos globalizados de

reestruturação produtiva, de gestão e uso da força de trabalho, redefinição da

abrangência e do papel do Estado.

A reestruturação produtiva trouxe graves conseqüências para as

condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora levando-a à perda de direitos

sociais conquistados historicamente, ao desemprego em massa, ao trabalho

precarizado, autonomizado; à recuperação de formas arcaicas de trabalho, como o

trabalho por peça, o trabalho doméstico, artesanal e de manufatura.

E por mais que tenham se acentuado os processos de exclusão social e

“a grande exploração do trabalho ainda que tenha aumentado tanto pela redução dos

salários, quanto pela intensificação do trabalho e, em muitos países, pelo

prolongamento de sua duração, o sistema capitalista como um todo não produz mais

bastante valor” (Chesnais, apud Serfati, 1998:9). Esta realidade pode significar, entre

outras coisas, um maior aprofundamento da crise.

O ajuste estrutural, levado a efeito por uma década e meia sob o

comando do FMI e do Banco Mundial, “os novos senhores do mundo” (Frigotto apud

Oliveira, 1995:95), além de não tirar os países devedores da crise do endividamento,

sobretudo na América Latina, torna a economia desses países ainda mais vulnerável.

A recessão econômica, fazendo-se acompanhar do desemprego em massa e da

exclusão social, são os efeitos de maior visibilidade dessa política, nos diferentes

países onde foi aplicada.

Não por acaso, de 1983 a 1992, período de ajustes estruturais, a

América Latina transferiu 500 bilhões de dólares para os credores internacionais. No

mesmo período, a dívida foi acrescida de 360 bilhões para 450 bilhões de dólares (cf.

Soares, 1996:25). Obviamente, permitindo aos países credores condições bastante

diferenciadas no enfrentamento da crise.

A resistência e oposição dos trabalhadores ao esmagamento de suas

condições de vida, trabalho e de organização política, precisamente, o que lhes

confere identidade e unidade na luta contra a exploração capitalista, tem sido

ferreamente combatida.

Page 4: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 4

As forças alinhadas à defesa do capital encarregam-se do

esvaziamento dessa oposição. E o fazem por vias objetivas – desemprego,

desproteção social; precarização do trabalho pela desapropriação do saber,

flexibilização, terceirização, informalização, baixos salários ou mesmo, ausência de

qualquer ganho – e também, por vias subjetivas: “...a integração passiva dos

trabalhadores à nova ordem do capital, isto é, a adesão e o consentimento do

trabalhador às exigências da produção capitalista1.” (Mota e Amaral, 1998:41).

Nos processos de ajuste estão contidos tanto os mecanismos de

desbaratamento da oposição dos trabalhadores quanto as estratégias e meios de

produzir consenso. (Cf. Dias, 1997).

As transformações operadas com a reestruturação produtiva e os

processos de ajuste econômico resultam em novas formas de produção, gestão e

consumo da força de trabalho, acompanhadas da “produção de uma subjetividade

adequada a uma nova forma de organização social do capitalismo atual.” (Silva Jr. e

Sguissardi, 1997:29). Estas transformações incidem nas demandas profissionais ao

Serviço Social, e, por conseguinte, redefinindo o perfil profissional dos(as)

Assistentes Sociais.

Muitas das competências tecno-operativas construídas na trajetória da

profissão perdem sua validade e novas competências (Netto, 1996) são requeridas

pelas alterações no mercado de trabalho.

Neste movimento, caracterizado por Harvey (1993:208) de “rápida

destruição e reconstrução de habilidades”, desaparecem postos de trabalho,

reduzem-se atividades, atualizam-se demandas tradicionais e surgem novas e

potenciais solicitações profissionais.

O perfil profissional adquire novos contornos ampliando-se além do

âmbito dos serviços sociais conduzidos pelas políticas públicas e privadas. Os novos

requerimentos profissionais incluem os processos de reengenharia da produção

traduzidas na efetivação dos programas de qualidade total, nos processos de

assessoria, capacitação e gerenciamento dos recursos humanos e financeiros.

Nesta conjuntura, as requisições ao Serviço Social passam pela filantropia

1 Grifo das autoras

Page 5: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 5

empresarial - “nova filantropia, (...) forma liberal social de anunciar o fracasso

inevitável do Welfare State (Passet apud Sennet, 1997:63); abrangem as “redes de

solidariedade microterritoriais, refletidas na formatação da política social

contemporânea.” (Carvalho, 1997:17). Sobretudo, as demandas profissionais levam

aos programas de formação de mão de obra, quer sejam para o mercado de

empregos, quer sejam para o trabalho autônomo. Em ambos os casos, enquadrados

na escassez, diversificação, fragmentação, precarização e alta competitividade e

“rápida obsolescência que passam a caracterizar o mundo do trabalho.” (Harvey,

1993:21-44).

Em qualquer circunstância as demandas à profissão estão

atravessadas pela resistência (mesmo aparentemente passiva) (Cf. Dias, 1997) das

classes subalternas na luta pela preservação e ampliação de direitos sociais. Cabe

considerar que “essa aparência tem o poder de colocar o conjunto das classes

subalternas na defensiva” (Dias, 1998:45).

Frente às demandas, algumas realmente novas, emergentes, outras,

apenas reatualizadas, algumas, ainda, reiteradas, as exigências colocadas para o

Serviço Social indicam o desafio da construção de novas legitimidades sociais

expressas na qualidade e efetividade das respostas profissionais.

Assim, o repensar da profissão que envolve formação e intervenção

profissionais coloca-se como exigência central no âmbito do Serviço Social.

Mas esta exigência não é circunscrita ao campo profissional do Serviço

Social. Ao contrário, é todo o sistema, de forma globalizada, que necessita da

constituição de um novo tipo de “trabalhador e cidadão” (MEC/UNESCO, 1998). A

reorganização social do capital coloca exigências de educação e formação

condizentes com a “sociedade do conhecimento e da qualidade total (expressão) do

capitalismo globalizado sob uma nova base técnico-científica” (Frigotto, 1995:89).

Os processos educativos exigidos por essa sociedade não apenas

devem conduzir às qualificações técnicas necessárias ao trabalho reestruturado

como permitir a preparação para a convivência nesta “nova” sociedade. É neste

sentido que o Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre Educação

para o Século XXI, propõe que “para poder dar resposta ao conjunto de suas

Page 6: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 6

missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens

fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão (...) para cada indivíduo os pilares

do conhecimento: aprender a conhecer (...); aprender a fazer (...); aprender a viver

juntos (...) e aprender a ser.” (UNESCO/MEC, 1998:89-99).

Trata-se de uma educação voltada para a “coesão social (e) a

participação democrática” (idem, 51) no sentido de conceber uma (sociedade) capaz

de evitar os conflitos ou de resolvê-los de maneira pacífica (...)” (ibidem, 96-97).

Esta concepção de educação para a qual não existem nem classes

sociais e nem os antagonismos que atravessam suas relações, vem sendo veiculada

pelo Banco Mundial e outras agências multilaterais como parte das “reformas de

segunda geração” (Soares, 1996:28) nas quais se inscrevem a reforma do Estado e

nesta, a reforma do sistema educacional no Brasil e demais países da América

Latina, extendendo-se também, à África e à Ásia. (Cf. Banco Mundial, 1994).

Significa portanto, entender estas reformas no contexto das estratégias

de saída da crise, com orientação globalizada para países de diferentes continentes.

No plano imediato, o imperativo da Reforma do Estado é o ajuste econômico

configurado no equilíbrio fiscal.

Os eixos da reforma são a flexibilização, descentralização e

privatização de bens e serviços. Preconiza um reordenamento do Estado que resulte

em um âmbito de atuação e funções radicalmente reduzidas constituído por um

núcleo estratégico de natureza gerencial, a exemplo da empresa privada. “Serviços e

funções considerados não exclusivos do Estado” (Pereira, 1995) serão repassados à

iniciativa privada reduzindo a educação, a saúde, a ciência e tecnologia, a cultura, a

assistência e a previdência social à racionalidade do universo econômico e da lógica

do mercado. Estes “são serviços que podem ser vendidos no mercado por serem

competitivos.” (Pereira, 1997).

Nesta lógica não se coloca as repercussões que estas medidas possam

ter para o emprego e o sistema de proteção social. O jogo das pressões

transnacionais anula, ou melhor, desconsidera as questões nacionais afetas às

classes subalternas.

Page 7: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 7

É neste cenário de desmonte e desresponsabilização ético-política que

se situa a reforma do sistema educacional e com privilégio, da educação superior,

seguindo orientações do Banco Mundial no tocante aos princípios fundamentais da

privatização, diferenciação, flexibilização e descentralização.

Dissimulada sob o discurso da autonomia, a privatização das 52

universidades públicas brasileiras tem forte imbricação com qualquer projeto

estratégico de construção de uma identidade social e de qualquer projeto de

soberania nacional. Projetos que em tempos de globalização certamente desafiam os

postulados da economia e da política. (Ianni, 1997).

A necessidade de sintonizar o ensino superior com uma nova Ordem

Mundial adaptando os diferentes perfis profissionais ao paradigma científico-

tecnológico, tem como um dos principais mecanismos de sua viabilização as

Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação. Sua efetivação está ancorada

na implementação da Lei Orgânica das Universidades com o ordenamento legal que

a constitui: a Lei 9394 de 20.12.96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o

Plano Nacional de Educação, e os Projetos de Emenda Constitucional.

As Diretrizes Curriculares integram o Programa Nacional de Avaliação e

Modernização do Sistema de Ensino o qual utiliza “parâmetros e metodologias

internacionais” (UFPE, 1997) destinadas a garantir “o novo perfil profissional que se

configura na sociedade brasileira e mundial, cada vez mais competitiva...” (idem).

Mas, é através das novas Diretrizes Curriculares que a reforma da

educação superior tornar-se-á efetiva.

A reforma debita aos novos currículos a consolidação do projeto

educacional que vincula a formação acadêmica ao mercado de trabalho e ao

consumo, (Gentili, 1995) traduzindo a educação como mercadoria.

Mas, contraditoriamente, as diretrizes curriculares ensejam também “um

processo de debate ou de luta entre posicionamentos pedagógicos, sociais e

políticos muitas vezes opostos e antagônicos” (Suarez, 1995:265). Este debate

“quebra” a suposta linearidade do processo criando possibilidades de resistência.

Assim. o Currículo adquire papel estratégico no contexto da reforma educacional

como campo de disputa de diferentes projetos societários. O argumento de Soarez

Page 8: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 8

(op. cit. 264) é o de que “talvez um dos cenários educacionais onde a marca do

principio educativo neoliberal adquire maior densidade (e onde, portanto, a crise de

sentido da escolaridade pública manifesta maior dramaticidade) seja o constituído

pelo campo de definição, colocação em ação e atuação do currículo.”.

No Brasil, este enfrentamento no âmbito do Serviço Social tem sido

conduzido coletivamente sob a coordenação da Associação Brasileira de Ensino de

Serviço Social - ABESS.

Na perspectiva de conduzir questões da formação de maneira conjunta,

os primeiros Cursos de Serviço Social do país instituíram a ABESS, em 1946, com a

finalidade de articular as Unidades de Ensino em torno de um projeto nacional de

formação profissional.

A última revisão do currículo de Servico Social no país ocorreu na

passagem da década de 70 para o início dos anos 80 até que em 1993 recoloca-se a

necessidade de um novo repensar da formação profissional.

Na coordenação do empreendimento, cabe à ABESS na qualidade de

Entidade que integra as Unidades de Ensino, assegurar direção social ao processo

de construção do projeto curricular, a nível nacional. O que, entre outras atividades,

significa criar condições político-organizativas para o debate entre diferentes

tendências, projetos e vertentes existentes no Serviço Social no Brasil.

Este papel da ABESS é respaldado e coadjuvado pelas Entidades

Nacionais representativas e organizativas dos profissionais e dos estudantes,

respectivamente, o Conselho Federal de Serviço Social e o conjunto dos Conselhos

Regionais (CFESS/CRESS) bem como a Executiva Nacional dos Estudantes de

Serviço Social (ENESSO).

Há o reconhecimento de que “num ordenamento social com regras

democráticas, uma profissão é sempre um campo de lutas em que os diferentes

segmentos da categoria expressando a diferenciação ideo-política existente na

sociedade, procuram elaborar uma direção estratégica para a profissão” (Netto,

1996:89).

No Brasil, esta construção se faz em torno dos princípios ético-políticos

defendidos pela categoria em seu Código de Ética Profissional referenciado em

Page 9: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 9

princípios de liberdade, direitos humanos, cidadania e democracia, equidade e justiça

social supostos de uma ordem societária sem dominação, exploração da classe,

etnia e gênero. (CFESS, 1993).

Entendida como construção de hegemonia a direção social estratégica

para a profissão cumpre duas funções básicas: fortalecer a superação das

debilidades teórico-metodológicas da formação e contribuir para a ruptura com a

perspectiva eclética que paralisa qualquer avanço que possa se refletir na

intervenção profissional. Não significando, portanto, um processo consensual ou de

adesão, desprovido de tensões, dado que os projetos sociais contraditórios e

antagônicos presentes na sociedade brasileira fundamentam e se reproduzem nos

projetos dos sujeitos individuais e coletivos. O papel da ABESS é o de congregar o

diverso, subsidiar teoricamente o confronto mediado pelo debate e embate críticos

capazes de clarificar limites, contradições, tendências, possibilidades estratégicas,

contidos nos projetos profissionais.

O exercício deste “confronto pedagógico” tanto qualifica os sujeitos que

dele participam quanto lhes confere maturidade política e intelectual, elementos

inerentes a um projeto hegemônico.

Assim é que, por quatro anos, a ABESS promoveu, no âmbito das 72

Unidades de Ensino, um amplo e profundo trabalho de análise da realidade social e

de avaliação da formação e da prática profissionais do Assistente Social no país.

Realizaram-se em torno de 200 oficinas locais, 20 regionais e 02 nacionais,

resultando na elaboração de um projeto de Diretrizes Curriculares, aprovado em

Assembléia Geral das Unidades de Ensino.

A concepção presente é de que as Diretrizes Curriculares remetem a

um conjunto de conhecimentos indissociáveis para a apreensão da gênese, das

manifestações e das formas de enfrentamento da Questão Social, eixo fundamental

da profissão e articulador dos conteúdos da formação profissional.

A premissa central é de que seja permanente a construção de

conteúdos teóricos, metodológicos, éticos, políticos e culturais, para a intervenção

profissional nos processos sociais. Objetiva-se assegurar com as diretrizes uma

estrutura curricular orgânica que supere a fragmentação do ensino-aprendizagem e

Page 10: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 10

que apreenda o atual momento histórico fornecendo as bases para a ação

profissional.

A revisão curricular constitui-se, desse modo, em um momento

privilegiado de avaliação e contextualização do significado social da profissão

possibilitando estabelecer-se uma maior correspondência entre os processos da

formação e os da intervenção profissional.

A nova lógica curricular proposta sustenta-se no tripé dos

conhecimentos constituídos pelos núcleos de fundamentação da formação

profissional. São eles:

- Núcleo de fundamentos da vida social;

- Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade

brasileira;

- Núcleo de fundamentos do trabalho profissional.

O núcleo de fundamentos da vida social deve dar conta de uma

compreensão acerca da gênese e do desenvolvimento da vida social. De sua

constituição e reprodução social que tem no trabalho o fundamento histórico do ser

social. Trabalho como mediação central que diferencia a vida social da vida natural.

O trabalho como categoria fundante do ser social.

Este núcleo das Diretrizes Curriculares deve se centrar na gênese e

desenvolvimento da vida social sob o capitalismo.

Trata-se de estudar a ordem capitalista, apreendendo o movimento de

sua constituição e reprodução histórica, expressa sob formas econômicas, políticas e

ético-culturais caracterizadas por um específico modo de exploração do trabalho.

Este núcleo deve responder pelos conteúdos que se referem ao

conhecimento e ao domínio das categorias teórico-metodológicas que fundam a

constituição e a intervenção profissional do Serviço Social.

Destina-se a compreender a produção e reprodução social sob a lógica

do capital; a constituição, a relação e o movimento das classes sociais; a gênese das

desigualdades sociais, permitindo compreender a vida social em suas relações de

exploração e dominação, em suas formas de alienação e resistência (Netto, 1998).

Page 11: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 11

O Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-histórica da

Sociedade Brasileira, remete ao conhecimento da constituição econômica, social,

política, cultural da sociedade brasileira.

Este núcleo deve propiciar conhecimentos acerca do padrão de

acumulação adotado no país, das modalidades de gestão e organização do processo

de trabalho e de suas implicações na reprodução da força de trabalho; da

constituição e das configurações do Estado brasileiro.

Este núcleo aporta conhecimentos para a apreensão e identificação das

formas de manifestações da Questão Social e das estratégias políticas para o

enfrentamento profissional.

O Núcleo dos Fundamentos do Trabalho Profissional do

Assistente Social compreende os elementos constitutivos do Serviço Social como

uma especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodologia e

técnica; os componentes éticos que envolvem o exercício profissional; a dimensão

investigativa e os instrumentais tecno-opera tivos da ação profissional.

Assim, “a prática do Assistente Social passa a ser compreendida como

trabalho e o exercício profissional inscrito em um processo de trabalho permitindo

“mediatizar a interconexão entre o exercício do Serviço Social e a prática da

sociedade.” (Yamamoto, 1998).

Nessa perspectiva, tudo aquilo que profissionalmente era identificado

como contexto social e institucional da prática deixa de ser percebido como elemento

externo ao fazer profissional. As políticas sociais, as relações institucionais, os

recursos e dados disponíveis, programas e projetos de apoio, valores e posturas

éticas cristalizadas passam a constituir-se em elementos do processo de trabalho

profissional.

Esta concepção do fazer profissional como trabalho que se insere em

processos de trabalho demandados pela sociedade, acarreta desafios à implantação

e consolidação das Diretrizes Curriculares no Projeto da Formação Profissional.

Por se tratar de uma proposta inovadora da concepção da prática

profissional não se dispõe dos elementos teórico-metodológicos necessários à

Page 12: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 12

avaliação dos impactos que possa trazer ao projeto da formação profissional e suas

repercussões na ação interventiva.

A discussão que hoje se trava em torno desta abordagem do fazer

profissional não está ainda suficientemente referenciada numa produção de

conhecimento capaz de oferecer o devido suporte ao seu desdobramento.

E estes desafios são ainda mais amplos. Abrangem a lógica curricular

como um todo e não somente a de um de seus núcleos.

A lógica curricular proposta traz consigo muitos desafios. Desafio

teórico-metodológico, ao se colocar criticamente contra as leituras da realidade que

negam a centralidade do trabalho. Pelos esforços na apreensão da crise do

capitalismo com suas estratégias e mecanismos de recomposição globalizantes,

numa conjuntura “cuja análise fica mutilada pela crise teórica” (Frigotto, 1995:79).

Desafios pedagógicos face às necessidades tanto de preparação do

corpo docente para a elaboração das diretrizes específicas de cada curso mediante

os currículos plenos, quanto de elaboração de materiais didáticos para o ensino-

aprendizagem. Igualmente, necessidade de capacitação no âmbito dos profissionais

pelo papel estratégico que estes representam na articulação entre a formação e a

ação profissionais.

Desafios diante da exigência na realização de pesquisas de

experimentos de exercícios pedagógicos voltados para a efetivação das novas

Diretrizes Curriculares cujos critérios de avaliação de seu alcance e significados para

a formação profissional residem na capacidade de responder profissionalmente às

manifestações da Questão Social na realidade brasileira.

Page 13: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 13

BIBLIOGRAFIA CITADA

ABESS/CEDEPSS – Proposta básica para o projeto de formação profissional. Novos

subsídios para o debate. Recife, setembro de 1996, p. 5.

BANCO MUNDIAL – La enseñanza Superior. Las lecciones derivadas de la

experiencia. Washington, DC, 1995.

BRAGA, R – A reestruturação do capital. Um estudo sobre a crise contemporânea.

São Paulo, Xamã, 1996.

CARVALHO, M. C. B. – A reemergência das solidariedades microterritoriais na

formatação da política social contemporânea. São Paulo em Perspectiva,

Revista da Fundação SEADE, Vol. 11/nº 4, São Paulo, 1997.

CFESS – Código de Ética Profissional do Assistente Social. Aprovado em 13 de

março de 1993, p.11.

CHESNAIS, F. – Rumo a uma mudança total dos parâmetros econômicos mundiais

dos enfrentamentos políticos e sociais. Outubro, Revista do Instituto de

Estudos Socialistas, São Paulo, nº1, maio, 1998.

DIAS, E. F. – A liberdade (im)possível na ordem do capital. Reestruturação produtiva

do capital. Textos Didáticos, São Paulo, 1997.

“Reestruturação Produtiva”: forma atual da luta de classe. Outubro, Revista do

Instituto de Estudos Socialistas, Maio de 1998, nº 1. São Paulo, 1998.

FRIGOTTO, G. – Educação e a crise do socialismo real. São Paulo, Editora Cortez,

1995.

Page 14: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 14

GENTILI, P. – Adeus à escola pública. A desordem neoliberal, a violência do

mercado e o destino da educação das maiorias. In: Gentili, P. (org) Pedagogia

da Exclusão. Crítica ao neoliberalismo em educação. Petrópolis, Rio de

Janeiro, Vozes, 1995.

HARVEY, D – Condição pós-moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1993.

IANNI, O. – A política mudou de lugar. São Paulo em Perspectiva, Revista da

Fundação SEADE. Vol. 11/nº3, São Paulo, 1997.

MARX, K – Elementos fundamentales para la crítica de la economia política

(grundrisse) 1857-1858, 2 Vols. México, Siglo XXI, 12º ed., 1980.

MEC/UNESCO – Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da

Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo,

Editora Cortez, 1998.

MOTA, E. F. e Amaral, A. S. – Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho e

serviço social. In: Mota, A. E. (org), A nova fábrica de consensos. São Paulo,

Cortez Editora, 1998.

NETTO, J. P. – Transformações Societárias e Serviço Social: notas para uma análise

prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade, São Paulo,

nº50, abril, 1996.

- Prólogo ao Manifesto do Partido Comunista de Marx, K e Engels . F. 1818 –

1883. São Paulo, Cortez, 1998.

PASSET, E – Governamentalização do Estado e Democracia Midiática. São Paulo

em Perspectiva, V.11/nº3, Revista da Fundação SEADE-Políticas Públicas, o

Estado e o Social. São Paulo, 1997.

Page 15: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 15

PEREIRA, L. C. B – A reforma do aparelho do Estado e a Constituição Brasileira,

mimeo, 1995.

- A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. MARE,

Brasília, DF, 1997.

SILVA, J. R. S. e Sguissardi, V. – Reforma do Estado e Reforma da Educação

Superior no Brasil. In: Sguissardi, V. (org): Avaliação universitária no Brasil,

Reformas do Estado e da Educação Superior. Campinas, São Paulo, Editora

Autores Associados, 1997.

SOARES, M.C.C. – Banco Mundial: políticas e reformas. In: Tommasi; L; Ward, M. J.

e Haddad, S (orgs) O Banco Mundial e as políticas educacionais. São Paulo,

Cortez Editora, Puc-SP, 1996.

SUÁREZ, D – O princípio educativo da nova direita. Neoliberalismo, ética e escola

pública. In: Gentili, P. (org) – Pedagogia da Exclusão. Crítica ao neoliberalismo

em educação. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1995.

TAFFAREL, C – Programa Nacional de Graduação: as diretrizes curriculares para a

graduação. UFPE, mimeo, 1998.

TEIXEIRA, F. J. S. – Modernidade e Crise: reestruturação capitalista ou fim do

capitalismo? In: Teixeira, Francisco José Soares e Oliveira, Manfredo Araújo –

Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas determinações do

trabalho. São Paulo, Editora Cortez, Fortaleza, Universidade Federal do

Ceará, 1996, p. 72.

UFPE – “Rumo ao novo milênio.” Programa de Modernização do Sistema de Ensino

da Graduação da UFPE. Recife – PE, Brasil, 1997.

Page 16: slets-016-082

www.ts.ucr.ac.cr 16

YAMAMOTO, M. V. – O Serviço Social na Contemporaneidade: dimensões histórica,

teórica e ético-políticas. (versão preliminar) Mimeo, 1996.