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Boletim do Clube de Leitores de Ficção Científica-CLFC, originalmente publicado em agosto de 1996, com artigos, contos e notícias sobre fc&f. Editado por Marcello Simão Branco.

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ÍndiceÍndiceÍndiceÍndiceÍndice

Somnium é a publicação oficial doClube de Leitores de Ficção Científica(CLFC) e tem por objetivos divulgar edesenvolver a ficção científica produ-zida no Brasil. Aceitam-se colabora-ções, que ficam sujeitas à apreciaçãoda editoria. Os trabalhos publicadosnão fazem jus a qualquer remuneraçãoprévia e os direitos autorais permane-cem de propriedade dos autores. Ori-ginais, publicados ou não, não serãodevolvidos. Os textos assinados nãorefletem necessariamente a opinião daeditoria.O Clube de Leitores de Ficção Cientí-fica foi fundado em São Paulo, aos 14de dezembro de 1985, tendo sido re-gistrado no 3o Cartório de RegistroCivil das Pessoas Jurídicas sob núme-ro 79.416/86. Sua diretoria para o biênio1995/96 está composta pelos sóciosGumercindo Rocha Dórea (Presiden-te), Ivan Carlos Regina (Secretário Exe-cutivo) e Sérgio Roberto Lins da Costa(Tesoureiro).

Correspondência:Endereço do Clube de Leitores de Fic-ção Científica: Caixa Postal 2105 - SãoPaulo-SP - 01060-970 - Brasil.e-mail [email protected] .Toda colabo-ração relativa ao Somnium deve ser en-viada para Av. Clara Mantelli, 110 -São Paulo/SP - 04771-180 - Brasil.Observação: Enviar as colaborações emdisquete IBM PC no programa Word6.0 ou menor.

número 65dezembro de 1996

Editor:Marcello Simão Branco

Arte e Diagramação:Cesar R.T. Silva

Gerente Comercial:Humberto Fimiani

Gerente de Produção:Gumercindo Rocha Dorea

Digitação:Humberto Fimiani,

Marcello Simão Branco eDaniela de AlmeidaBittencourt Moraes

Revisão:Cesar R.T. Silva e

Marcello Simão BrancoTiragem: 300 exemplares

EDITORIALMARTE, A VIDA IMITANDO A FICÇÃO CIENTÍFICA

ESPECIAL VIDA EM MARTEArtigos:

A POSSÍVEL DESCOBERTA DE VIDA EM MARTEDEPOIMENTOS

DEPOIMENTO ESPECIAL: ALÉM DO CÉU AZULpor Arthur C. Clarke

MARTE NA FICÇÃO CIENTÍFICA - A NOVA GERAÇÃOpor Fábio Fernandes

EVIDÊNCIAS DE VIDA EM MARTEpor Gerson Lodi-Ribeiro

O QUE ROLA PELO FANDOMMÊS DE FILMES RAROS, DESACERTOSE UM EVENTO HISTÓRICO

por Marcello Simão BrancoCONVENÇÃO DO CAPITÃO SULU

por Marcos Akio KatsutaniRESULTADOS DOS PRÊMIOS INTERNACIONAISNOVIDADES DO PRÊMIO NOVA 1996

FICÇÃOCAMARÕES DO ESPAÇO

por Miguel CarqueijaFOLHA IMPERIAL

por Ataíde TartariHISTÓRIA NATURAL

por Braulio TavaresA BARATA AZUL

por Braulio Tavares

RESENHASZONA DE FRONTEIRA

por Fabio Fernandes:NevernessI, Asimov: A Memoir

FC Brpor Jeremias Moranu:

Dr. BenignusViagem à Aurora do MundoEspada da GaláxiaMedo, Mistério e Morte

ILUSTRAÇÕESJosé Carlos NevesRoberto SchimaSerjo RobertCesar R. T. SilvaMaurício TavaresFernando MorettiKILAlexandre MastrellaAnônimoR. S. CausoSteven Fox (USA)

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capa, 10, 26capa, 10, 26capa, 10, 26capa, 10, 26capa, 10, 2608, 11, 12, 4008, 11, 12, 4008, 11, 12, 4008, 11, 12, 4008, 11, 12, 40

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Marte: a vida imitandoMarte: a vida imitandoMarte: a vida imitandoMarte: a vida imitandoMarte: a vida imitandoa ficção científicaa ficção científicaa ficção científicaa ficção científicaa ficção científica

omos surpreendidos no início de agosto com umanotícia absolutamente arrebatadora: cientistas daNASA afirmam ter encontrado evidências de vidabacteriológica de uma rocha proveniente de Marte, eencontrada na Antártica. Apesar de não ser a revela-ção de vida inteligente, nem da confirmação oficial daexistência dos discos voadores, bastou para que umaenorme polêmica se formasse em nível planetário: “Oraé só uma bactéria”, diziam alguns; “Finalmente nãoestamos sós”; “Nem se sabe se essa pedra é mesmode Marte”; “Isso é só o começo de outras revelaçõessurpreendentes que podem vir de Titã e Europa”;“Que importa? Isso foi bilhões de anos atrás”; ”Issorevela que a vida não é uma excessão no universo, epode muito bem ser a norma”; “Isso é uma jogada demarketing para levantar verbas para a Nasa”; “É amaior descoberta científica de todos os tempos”.

Todas estas frases eloqüentes, apaixonadas, e umpouco impensadas mostram o quanto a humanidadeestá ávida para sair de sua angustiante solidão cósmi-ca, de tentar compreender mais cabalmente o que é ouniverso e qual papel (por ínfimo que seja) lhe cabe.Não vou entrar aqui no mérito de se a rocha é verda-deira, se a bactéria é mesmo alienígena, se isso é ape-nas o começo, um prenúncio para o terceiro milênio. Ofato em si diz mais do que qualquer análise contra ou afavor.

Para nós, amantes da ficção científica, a descobertade vida extraterrena é o mais sagrado dos temas. Boaparte do que já foi escrito neste jovem gênero literárioversa sobre os mais diferentes meios com os quais ahumanidade lidou com a descoberta, o contato, ainvasão, a comunhão, a guerra. Para cada um de nós,sempre há uma história para contar, de alienígenaspara lembrar — como se fossem nossos velhos conhe-cidos. Um assunto tão fascinante e ao mesmo tempodos mais comuns para o fã de ficção científica. E noentanto, sentimo-nos quase que pegos de calças-curtas com a mais breve alusão à possibilidade de quenossos desvairados e incontados sonhos se tornerealidade.

O fã de ficção científica tem uma suposta (mas real)possibilidade de ter uma postura mais aberta,atemporal e a-espacial da condição humana na Terra eno Universo. Pensar e refletir sobre a História, e os

F grandes desejos consubstanciados no drama da vidafazem parte da Arte, da Literatura e dentro desta, maisdo que nunca, o gênero literário nomeado impropria-mente de ficção científica. Mas nem é preciso ir tãolonge, basta olharmos ao nosso redor e refletirmos umpouco do momento especialmente crítico que atraves-samos: de um lado, avanços tecnológicos, de outroignorância e fome; superpopulação e poluição xglobalização econômica e radicalismos nacionalistas;democracia e direitos humanos x autoritarismo eteocracias obscurantistas. O mundo não é dual, começapela própria ambigüidade contraditória e multifacetadado próprio ser humano. E cabe também a nós amantesda ficção científica, um pouco do discernimento, dacapacidade de ter o sonho presente mesmo nas maisduras situações da vida e do mundo em que vivemos.Por isso só podemos nos entusiasmar e pedir mais!Mais descobertas! Mais histórias com aliens! Maispossibilidades de nos entendermos como seres huma-nos únidos habitando um pálido e ínfimo ponto azul nainfinitude cósmica.

Esta edição do Somnium faz um painel dos sentimen-tos dos fãs brasileiros de ficção científica: lá surge amesma polêmica das páginas dos jornais, masenriquecida com a erudição e o sonho que só quem amae urge pelo maravilhoso e o desconhecido pode mos-trar. Também um artigo que mostra como a produçãoliterária americana de ficção científica destes últimosanos evoluiu em seus cenários de uma futura coloniza-ção humana em Marte — mas mesmo ela, foi pega desaia justa com a tal miraculosa ALH84001. Pois nenhumdos romances colocou a possibilidade de vida marcianaem questão. E a estréia de uma coluna de divulgaçãocientífica há muito pedida pelos leitores que acerta emcheio e vem na hora exata, com o conhecimento e odidatismo de Gerson Lodi-Ribeiro em explicar em por-menores o que ocorreu de fato com este fenômenonovo e sempre surpreendente.

Mesmo para nós tão acostumados com Spock, ET,Klaatu, Heechee, Senhores Supremos, Rama, Kal El,Cthulhu, Galactus, Yoda, Klingons e muitos e muitosoutros do universo da ficção científica. E por que não?Pode ser também este em que vivemos.

— O Editor

Editorial:

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O Que Rola Pelo Fandom...

por Marcello Simão Branco

Meses de Filmes Raros,Meses de Filmes Raros,Meses de Filmes Raros,Meses de Filmes Raros,Meses de Filmes Raros,Desacertos e um EventoDesacertos e um EventoDesacertos e um EventoDesacertos e um EventoDesacertos e um EventoHistóricoHistóricoHistóricoHistóricoHistórico

As atividades da chamada comuni-dade brasileira de ficção científicaneste segundo semestre desa-cele-raram um pouco em relação ao pri-meiro. E isto já era esperado, poisseria muita presunção termos algopróximo à II HorrorCon realizada noúltimo fim de semana de março. Maisuma vez a Sociedade Brasileira deArte Fantástica (SBAF) manteve abola em movimento, seja para pará-la no meio campo em busca de umamelhor alternativa de ataque, sejapara ousar um drible em uma marca-ção cerrada. Trocando as metáforas futebolísti-cas: Parou a bola do Prêmio Nova,não encomendando troféus dosvencedores, nem realizando uma ce-rimônia pública de premiação. Foramentregues bonitos certificados nacasa de cada ganhador. Uma medidaradical para ensaiar o retorno comtoda à força e brilho para os dez anosdo prêmio no ano que vem (leia asnovidades ao final desta seção). Já o drible ousado, foi a iniciativado “Cine HorrorCon”. Mais precisa-mente a exibição de vídeos raros deficção científica e horror (não dispo-níveis no mercado de vídeo e háanos sem exibição nas madrugadasdas TVs). Uma idéia antiga de Rena-to Rosatti, que Cesar R.T. Silva eMarcello Simão Branco tomarampara si em conjunto com a GibitecaMunicipal Henfil (em São Paulo) eseu incansável batalhador Klink, detantos apoios e projetos comuns. Os vídeos começaram a ser exibi-dos no mês de julho, quinzenalmen-te desde então. No programa, um

curta metragem de alguma série an-tiga, e depois um filme de ficção ci-entífica ou horror. Esta atividade temem vista manter os fãs presentes daHorrorCon não desgarrados, tendoperiodicamente algum atrativo emeio de interação mais efetiva juntoà comunidade. A exibição prossegue,infelizmente até o momento, com pre-sença de público diminuto (a tal mar-cação cerrada — da preguiça e daapatia). Cesar, Marcello e Renatoprometem não desanimar e prosse-guir com dribles atrevidos até ven-cer a retranca do desânimo dos fãsem geral. Mas e o CLFC? Ah, o CLFC... Falardas reuniões mensais é chover nomolhado (embora elas estejam bemanimadas, amigáveis, sem o clima dehostilidade deprimente de algumtempo atrás), o que o Clube apresen-tou de novo e relevante nestes me-ses resume-se a um fiasco. Refiro-me à partipação do CLFC na BienalInternacional do Livro realizada emSão Paulo, no mês de agosto. O combinado nas reuniões de di-retoria foi conseguir um espaço jun-to a alguma editora: GumercindoRocha Dorea tinha esperança de terum estande de sua quaternária GRD,mas não deu certo. De qualquer for-ma, a Ibrex cedeu uma mesa para oCLFC expor e vender exemplares doSomnium. Mas tudo foi muito malaproveitado. A idéia era que alguns sócios serevezassem por lá diariamente, ves-tindo uma camisa estampada comuma ilustração do Clube (que foiconfeccionada e distribuída a alguns

sócios), divulgando a entidade, ven-dendo edições de nossa publicação,camisas, entregando questionáriospara admissão de novos sócios, tal-vez um cartaz chamativo, e a vendado número 64 que no final das con-tas, só foi para a gráfica uma semanadepois de encerrada a Bienal — eisso porque o Somnium estava pron-to desde o início de julho... O Clube precisa ter uma posturamais pragmática, fazer o que é possí-vel, mas fazer!!! Não adianta proje-tos mirabolantes, deliberações, e nofim das contas, perdemos a passa-gem da próxima viagem a Alfa Cen-tauri, ou que parada lhe for mais con-vidativa. Para o fim do ano está pro-gramado um evento dos mais inte-ressantes: a VI Mostra de FicçãoCientifica: debates e exposições, coma presença de fãs e personalidadesligadas ao mundo cultural do ambi-ente acadêmico e jornalístico de SãoPaulo. Se der tudo certo (rezemos praisso!), conto em detalhes na próximaedição. No entanto, saindo um pouco dometeorito errante chamado fandombrasileiro literário de ficção cientí-fica, tivemos uma data das mais aus-piciosas dia 8 de setembro: 30 anosde Star Trek. E a Frota Estelar Brasilmarcou um ponto histórico dentrodo movimento trekker tupiniquim.Prometeu e cumpriu o que muitosdesafetos achavam impossível: trou-xe um ator da série clássica (aquela,que saudade...) para o Brasil. Então,nada melhor do que conferir o querolou por lá, com alguém que estevelá! Com vocês, a...

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Convenção doConvenção doConvenção doConvenção doConvenção doCapitão SuluCapitão SuluCapitão SuluCapitão SuluCapitão Sulu por Marcos Akio Katsutani

Sábado, 28 de Setembro de 1996, umdia especial para os trekkers do Bra-sil. Acordo cedo e me preparo para aconvenção. Será mesmo hoje o gran-de dia? Será que vou ver e ouvir oator George Takei ? Lembrando dissome vêm a mente as emoções que sen-tia uns vinte e poucos anos atrás,quando me maravilhava em frente atelevisão assistindo as peripécias daEnterprise e de sua incomparável tri-pulação. Foram momentos deliciososde minha infância que passei ao ladode Kirk, McCoy, Spock, Sulu, Chekov,Uhura, Scotty, etc.., momentos mági-cos que não voltam mais. Vivemosnuma outra época; cresci e as preo-cupações do dia a dia me fizeram per-der grande parte da capacidade de memaravilhar frente ao insondável, aoinfinito e ao desconhecido. Chego ao Palácio das Convençõesdo Anhembi as 9 horas da manhã eme encontro com o Celso, um amigodo Clube de Leitores de Ficção Ci-entífica (CLFC) e com o Wellington,um rapaz que trabalha comigo. Per-corremos a mini feira de produtos re-lacionados a Star Trek, como cards,livros, naves, camisetas, bottons,etc.. Me contenho para não sair com-prando tudo, pois é muito fácil gas-tar uma pequena fortuna lá. Comprosomente uma revista Diário de Bor-do, com o ator George Takei na capa,para o caso de conseguir pegar umautógrafo. A convenção começa atrasada, de-pois das 10:00. Após as palavras deabertura proferidas pelo Alto Coman-do da Frota Estelar, Luiz Navarro,Aldo Novak e Amaury Simoni, é exi-bida a entrevista do ator no progra-ma “Jô Soares Onze e Meia”, que foiao ar na sexta feira, um dia antes, noSBT, e o filme Memórias de WilliamShatner. Para quem leu o livro, estefilme não traz novidades, mas é inte-ressante ver as situações narradas

no livro contada pelos próprios pro-tagonistas, como por exemplo, comoa atriz Nichelle Nichols saiu e voltouà série após um casual encontro comMartin Luther King. A parte da tarde começa com o epi-sódio “Flashback” da série Star Trek- Voyager. Este filme conta com aparticipação do Capitão Hikaru Sulu,numa atuação muito convincente,comandando a nave Excelsior e datenente Rand (Grace Lee Whitney).Aliás quem não se lembra da orde-nança Janice Rand? Os homens comcerteza sim. A seguir foi o momento mais espe-rado desta convenção. Quando en-trou no palco, o ator George Takeifoi ovacionado com uma calorosasalva de palmas. Aliás, não poderiaser recepcionado de outro modo. Foram uma hora e vinte minutosincluindo a palestra e a sessão deperguntas e respostas. O ator impôssua presença com muito carisma edivertiu a platéia. Tive que me esfor-çar para entender a palestra em in-glês, pois muitas vezes não conse-guia entender a tradução. As pesso-as que entendiam inglês estavamaplaudindo ou rindo durante a tra-dução. Takei fez um resumo dos 30anos do fenômeno Star Trek; elogiouGene Roddenberry por fazer umaponte de comando multirracial, eaproveitando o gancho, elogiou oBrasil pela diversidade de raças vi-vendo em harmonia. Falou sobre osfilmes para cinema, sobre o projetode uma série com as aventuras docapitão Sulu, falou de sua satisfa-ção ao deixar sua assinatura e a mar-ca da sua mão na calçada da fama,etc. Aliás com relação a este episó-dio ele contou que os atores de StarTrek só deviam assinar, mas Takeinão quis nem saber e tacou a mão nocimento para seguir a tradição; a se-guir, após segundos de espanto,

William Shatner veio correndo e dei-xou sua marca também, no que foiseguido pelos outros atores. Segundo Takei, os executivos nãoacreditavam que o primeiro filme nocinema seria um grande sucesso e fi-caram muito surpresos. Logo surgiua idéia de um segundo filme, mas exis-tia um problema, os atores só aceita-riam fazer um novo filme se mudas-sem o uniforme, pois aquele utilizadono primeiro filme era feito com uma sópeça muito apertada, desajeitada edifícil de vestir. Os atores precisavamde um ajudante até quando iam aten-der um chamado da mãe natureza. Ouniforme foi alterado e o segundo fil-me foi feito, assim como o terceiro, oquarto, o quinto, etc.. A palestra de Takei, de tão boa quefoi, passou muito rápida. Restou asatisfação de ter realizado um sonho,de ter participado de algo muito es-pecial. Após a sessão de perguntase respostas, a Frota Estelar presen-teou o ator com uma espada, e asposes do ator fizeram a festa dos fo-tógrafos. A seguir, veio na minhaopinião a parte mais falha da con-venção, em meio a entrega de pre-sentes o ator acabou a apresentaçãoe saiu do palco sem que recebesse amerecida salva de palmas final. Mas a convenção continuou, e aseguir tivemos o episóido “Relics”da série Star Trek - The Next Gene-ration, que conta com a participa-ção do engenheiro MontgomeryScott. Durante este filme algumaspessoas das primeiras fileiras (eu, porexemplo), que pagaram mais caro porisso, puderam pegar autógrafo ecumprimentar o ator George Takei.Foi como fechar o dia com chave deouro. Mas ainda teve mais um filme, “Q-Who” da série Star Trek - The NextGeneration. Neste filme ocorre a pri-meira aparição dos Borgs e é impor-

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Conforme combinado na edição pas-sada temos a seguir os vencedoresde dois dos principais prêmios literá-rios da ficção científica americana einternacional. O mais tradicional, po-pular e representativo é o HUGO. Elevem sendo concedido desde 1953 nasconvenções mundiais de ficção cien-tífica. Os vencedores são escolhidospor votos diretos dos participantes doevento. Este ano a convenção reali-zou-se em Los Angeles, a chamadaLaCon III. A novidade desta conven-ção foi a premiação de um HUGO re-troativo a 1946. Uma homenagem àprimeira convenção mundial realizadaem Los Angeles naquele ano. O prê-mio LOCUS também trouxe seus ven-cedores, escolhidos pelos leitores dainfluente revista de mesmo nome.

Prêmio Hugo 1996

= Melhor Romance:The Diamond Age,

Neal Stephenson (Bantam Spectra)= Melhor Novela:

“The Death of Captain Future”,Allen Steele (Asimov’s 10/95)

= Melhor Noveleta:“Think Like a Dinossaur”,

James Patrick Kelly (Asimov’s 6/95)= Melhor Conto:

“The Lincoln Trains”,Maureen F. McHugk

(Fantasy & Science Fiction 4/95)= Melhor Livro de Não-Ficção: Sci-

ting. Mas é ao mesmo tempo um res-gate histórico interessante a obras eautores que não dispunham de umprêmio na época em que produziramseus trabalhos. A seguir os vencedo-res, nossos velhos conhecidos e suashistórias, revistas, ilustrações e filmessense of wonder:

= Melhor Romance: “The Mule” (“O Mulo”),

Isaac Asimov(Astounding SF 11-12/45;

também publicado como Parte II deFoundation and Empire — e no Bra-sil, na Parte II de Fundação e Impé-rio, editora Hemus)

= Melhor Novela:Animal Farm

(A Revolução dos Bichos),George Orwell (Secker and Warburg)

= Melhor Noveleta: “First Contact”

(“Primeiro Contato”),Murray Leinster

(Astounding SF 5/45;no Brasil pela Antogia Cósmica, edi-ção de Fausto Cunha, editora Fran-cisco Alves)

= Melhor Conto:“Uncommon Sense”,

Hal Clement (Astounding 9/45)= Melhor Filme:

The Picture of Dorian Gray(O Retrato de Dorian Gray)

(Metro Goldwyn-Mayer)= Melhor Editor Profissional:

John Campbell, Jr.

ence Fiction: The Illustrated En-cyclopedia, John Clute

(Dorling Kindersley)= Melhor Filme (Cinema e TV): Ba-

bylon 5: “The Coming of Shadows”(Warner Brothers)

= Melhor Editor Profissional: Gard-ner Dozois

= Melhor Artista Profissional:Bob Eggleton

= Melhor Trabalho de Arte Original:Dinotopia: The World Beneath,

James Gurney (Turner)= Melhor Semi-Prozine:

Locus, Charles N. Brown, editor= Melhor Fanzine:

Ansible, Dave Langford, editor= Melhor Escritor-Fã:

Dave Langford= Melhor Artista-Fã:

William Rotsler

Prêmio John Campbellpara Melhor Autor Novo:

David Feintuch

Prêmio Hugo 1946(Retroativo)

Por estranho que pareça temos maisafinidades com os vencedores de 1946.Issso porque são histórias hoje clás-sicas e também porque muito poucoconhecemos da ficção científica dosanos 90 publicada nos Estados Uni-dos. Esta espécie de reconhecimentotardio é uma esperta jogada de marke-

ResultadosResultadosResultadosResultadosResultadosde Prêmiosde Prêmiosde Prêmiosde Prêmiosde Prêmios

InternacionaisInternacionaisInternacionaisInternacionaisInternacionais

tante para a compreensão do próxi-mo filme do cinema Star Trek VIII -First Contact. Durante a convenção tivemos oprazer de encontrar o editor Gumer-cindo Rocha Dórea, importante in-cen-tivador da ficção científica noBrasil e presidente do Clube de Lei-tores de Ficção Científica (CLFC).

Apesar dos bons filmes que pas-sou, o que marcou mesmo foi a pre-sença de George Takei. Após a ses-são de autógrafos, foi como se a con-venção tivesse acabado. Este é umexemplo onde o ator, a pessoa, émuito mais interessante que o per-sonagem, Sulu, que teve uma parti-cipação limitada na série.

Por tudo que o ator disse ele ado-rou o Brasil e pretende voltar. Espe-ro que ele volte e que outros atoresvenham também para enriquecer omovimento trekker no Brasil. Enfim, quando esta convenção aca-bou, deixou uma imensa alegria e umvazio, uma sensação de “queromais”!

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= Melhor Artista Profisional:Virgil Finlay

= Melhor Fanzine:Voice of the Imagi-Nation,Forrest J. Ackerman, editor

= Melhor Escritor-Fã:Forrest J. Ackerman= Melhor Artista-Fã:

Willian Rotsler** Isso mesmo. Ele também ganhou oHUGO deste ano na mesma categoria,50 anos depois!!!

Prêmio Locus 1996

= Melhor Romance de FicçãoCientífica: The Diamond Age,

Neal Stephenson (Bantam Spectra)= Melhor Romance de Fantasia:

Alvin Jorneyman,Orson Scott Card (Tor)= Melhor Romance deHorror/Dark Fantasy:

Expiration Date, Tim Powers(HarperCollins, UK; Tor)

= Melhor Romance de Estréia:

The Bohr Maker, Linda Nagata= Melhor Novela:

Remake, Connie Willis(Ziesing; Bantam Spectra)

= Melhor Noveleta:“When the Old Gods Die”,

Michael Resnick (Asimov’s 4/95)= Melhor Conto:

“The Lincoln Trains”,Maureen F. McHugk

(Fantasy & Science Fiction 4/95)= Melhor Livro de Não-Ficção:

Science Fiction: The IllustratedEncyclopedia, John Clute

(Dorling Kindersley)= Melhor Livro de Arte:

Spectrum II:The Best in Contemporary

Fantasy Art,Cathy Burnett & Arnie Fenner,editores (Underwood Books)

= Melhor Coletânea:Four Ways to Forgiveness,

Ursula K. Le Guin(HarperPrism)

= Melhor Antologia:

The Year’s Best Science Fiction:Twelfth Annual Collection,

Gardner Dozois, editor(St. Martin’s)

= Melhor Artista:Michael Whelan= Melhor Editor:Gardner Dozois

= Melhor Revista:Asimov’s

= Melhor Editora:Tor/St. Martin’s

Além de ser um dos quatro maisprestigiados prêmios da ficçãocientífica americana, o Locus é umaespécie de prévia do HUGO, já que éanunciado dois meses antes. É ochamado prêmio dos fãs que lêemficção cientifica. Já que o Hugoabrange os mais variados segmentose preferências dentro do fandom. Eeste ano não foi diferente: das seiscategorias coincidentes entre os doisprêmios, quatro tiveram os mesmosvencedores.

Novidades para oNovidades para oNovidades para oNovidades para oNovidades para o

Prêmio Nova 1996Prêmio Nova 1996Prêmio Nova 1996Prêmio Nova 1996Prêmio Nova 1996 A Sociedade Brasileira de Arte Fantástica, por meio deseu Comitê Organizador, apresenta as seguintes altera-ções para o NOVA em seu décimo ano: As categoriasdiminuem de 13 para quatro. Desaparece a divisão entre“Geral” (para trabalhos profissionais) e Fã (para traba-lhos do fandom). As categorias estrangeiras tambémsomem. As novas categorias fixas são:# Melhor Ficção Nacional (melhor trabalho do ano entreo fandom e o profissional)# Melhor Fanzine (permanece como está)# Melhor Ilustrador (melhor artista que publicou nofandom e/ou como profissional)# Melhor História em Quadrinhos (melhor trabalho doano entre o fandom e o profissional).

O sistema de votação continua dividido em duas fa-ses. Na primeira os fãs votam e os três melhores coloca-dos em cada categoria levados ao Jurí que define o ven-cedor — à excessão da categoria de quadrinhos quecontinua do jeito que está, com os votos dos leitoresdefinindo diretamente o vencedor. O número de juradosdiminui de cinco para três. Eles ainda serão convidados.

A novidade neste ítem é que as cédulas serão numera-das (ou assinadas pelos organizadores) para evitar ten-tativas de lobbies e fraudes, freqüentes nestes últimosanos.

O prêmio ‘Gumercindo Rocha Dórea para Melhor Au-tor Novo’ continua em vigor. Ele é trienal e sua segundaedição acontecerá em 1997. Os trabalhos concorrentessão julgados apenas pelos jurados.

A partir do próximo ano está criado o Prêmio Contribui-ção Artística. Ele será outorgado pelo Comitê, e tem porobjetivo reconhecer o trabalho de uma obra ou persona-lidade de destaque, mas que não se enquadra necessari-amente nas categorias fixas. Ele não será obrigatoria-mente concedido todos os anos. Apenas quando o Co-mitê julgar relevante.

O NOVA voltará a ter premiação pública em local e dataa ser confirmado e anunciado. Voltam também os trófeuspara os vencedores — provavelmente com modificaçõesem relação ao modelo tradicional.

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Debate: A Possível DescobertaA Possível DescobertaA Possível DescobertaA Possível DescobertaA Possível Descobertade Vida em Martede Vida em Martede Vida em Martede Vida em Martede Vida em Marte

Esta edição do Somnium não poderia ficar indiferenteao meteorito marciano ALH84001. Mas o que ele temdemais, alem deste nome estranho e insosso? De acordocom cientistas da Administração Nacional para a Aero-náutica e o Espaço (NASA) foi encontrado indícios defósseis de bactérias alienígenas na pedra vermelha quese desgarrou de Marte e foi parar na Antártida há 13 milanos. A vida extraterrestre é, talvez, o maior sonho do fã

de ficção científica. Os depoimentos que seguem são defãs de ficção científica, uns mais poéticos, outros racio-nais, e até os polêmicos e desconfiados. Seja verdade ounão, o fato por si, é transcendente e histórico. E o Som-nium como uma das principais vozes da ficção científicabrasileira deixa em suas páginas a visão brasileira deum assunto tão ansiado e pela primeira vez admitido ofi-cial e publicamente.

Especial Vida em Marte

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bruxuleante do tempo e da matéria,recebamos, em atitude de súbita hu-mildade, esta mensagem decifradaque recebemos agora do universo: emforma de meteorito, a hóstia que con-sagra e redime a espécie humana. Brindemos, com o vinho da paz, opériplo galáctico que juntos iniciamosem busca da compreensão universal. Em nossas retinas, orgânicas ou emforma de chip, a luz das estrelas indi-que o destino final da raça humana.

— Ivan Carlos Regina, engenheiro,é Secretário Executivo do CLFC, au-tor do Manifesto Antropofágico daFicção Científica Brasileira, publicoua coletânea O Fruto Maduro da Ci-vilização (FC GRD 16, 1993).

Gerson Lodi-Ribeiro: Uma equipe de cientistas norte-americanos anunciou no início deagosto ter encontrado fortes evidên-cias da presença de bactérias fós-seis num meteorito que teria vindode Marte. Bem, ainda não se trata nem de umresultado positivo do esforço embusca da inteligência extraterrestre,que a comunidade científica vem em-preendendo há décadas, e tampou-co de um primeiro contato oficial dahumanidade com uma civilização ali-enígena. Mas então, se os E.T.s não pousa-ram no jardim da Casa Branca e nemo Carl Sagan apareceu em cadeiamundial para anunciar o contato coma Grande Rede da Galáxia de Andrô-meda, que importam umas bacteria-zinhas que muito provavelmente nemexistem mais, mas teriam vivido emMarte há uns três ou quatro bilhõesde anos? Pera aí! Uma coisa de cada vez.Ou, como diria Jack, o Estripador,vamos por partes. Em primeiro lu-gar, você não estava mesmo espe-rando que a tal rede galáctica nosatendesse tão cedo, não é? Pelomenos, não nos próximos cinco mi-

lhões de anos... Esses figurões es-tão sempre ocupados, e um segun-do do tempo deles vale mais do quepobres infra-sencientes podem con-ceber. E quanto a um primeiro contato ofi-cial, digam os ufólogos o que disse-rem, em termos de localização galác-tica, o nosso sistema fica meio forade mão... Entendam, não é nada pes-soal. Mas é que não existe muitacoisa de interesse para alienígenasde uma cultura estelar fazerem naTerra... Ou seja, os tais aliens poraqui só aparecem se estiverem per-didos, p’rá lá de Alpha-Centauri,muito, muito longe de casa. Mesmo assim, uma vez confirma-da, a descoberta dessas humildesformas microscópicas terá uma im-portância tremenda! A partir dessaconfirmação, a origem da vida deixade ser encarada como um milagre, epassa a ser vista como mero fenô-meno estatístico. Mesmo nos seusmelhores dias, Marte nunca foi tãohospitaleiro à vida quanto a Terra. Eé justamente essa a questão: se atéMarte pôde abrigar vida, este é umsinal claro de que a origem da vida éum fenômeno muito mais vulgar doque a ciência até hoje supunha. E,se a vida é como que uma conseqü-ência mais ou menos natural da evo-lução dos planetas, é bem provávelque existam formas biológicas numaquantidade de mundos bem maior doque as nossas estimativas mais oti-mistas. Mas, vamos com calma! Umagaláxia fervilhando de vida não querdizer, necessariamente, cinqüentamilhões de civilizações técnicas...Estamos falando de vida microscó-pica. E, se a evolução da vida naTerra nos ensina algo é que a transi-ção do unicelular para o pluricelularé muito mais difícil e demorada doque o mero aparecimento de formasbacterianas. Contudo, independentemente deconfirmação posterior, esses resídu-os orgânicos no meteorito marciano

Ivan Carlos Regina: Agora, definitivamente não es-ta-mos mais sós. Cumprida a profeciamais esperada da ficção cientifica,Nós, da espécie humana, que desfi-lamos nossa tecnologia na QuintaAvenida, que compramos e vende-mos na Paulista, que caminhamoscom nossos pés desnudos, famintosno Burundi, passamos a compreen-der nossa missão no Cosmos, eabandonamos a teoria geocêntricaque até então embalava nossos egosdesvalidos. Uma lua tocada, guardiã da poten-cialidade humana, revela em segun-do plano os bilhões de estrelas vir-gens, moldura de um universo des-conhecido onde até ontem esta es-pécie tinha a pretensão de se dizerrainha. Neste afã de poder e na ânsia depossuir coisas, devastamos nossolar, matamos e mutilamos nossos ir-mãos, usamos nossa tecnologiaemergente para aumentar a desigual-dade entre os povos, arraigar pre-conceitos, cristalizar os ódios, e nosafastarmos progressivamente denossos primevos objetivos. Evidentemente no discurso pane-gírico da insensatez humana pergun-tarão alguns: — Mas há vida inteli-gente no planeta Marte? E responderemos nós, por debaixoda colunata que ampara a históriadesta raça infeliz: — Mas há vida in-teligente no planeta Terra? Ainda é tempo de mudança: Ao in-vés da guerra e da fome, propague-mos a nossa pegada na amplidãodestes astros radiosos. Que o fatode termos companheiros de viagemno navio universo que singra do ago-ra rumo ao futuro infinito, traga com-preensão e amor, e o medo do des-conhecido seja superado pelo en-tendimento entre os homens nesteplaneta, pêra azul onde nossos des-tinos se entrelaçam. E, da pequenez deste local, e da in-certeza do momento e da oscilação

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qual foram encontradas evidênciasde vida, todos esses aspectos sãovisíveis. Nos últimos 50 anos, mi-lhões — de pessoas, em todo o pla-neta, já tiveram a oportunidade dever ou entrar em contato direto comobjetos voadores não identificadose/ou seus tripulantes e, ainda assim,o assunto jamais ganhou a conside-ração científica que merecia. Pelocontrário, sempre foi execrado. Noentanto, basta um pronunciamenteda NASA sobre um ridículo fragmen-to de rocha, e o mundo se mobiliza. Eentra em êxtase. Mais que isso. Nãofaz muito tempo, a própria NASA di-vulgou ao mundo as filmagens deuma de suas expedições espaciais— Gemini ou Apollo, não me recor-do bem qual — na qual a cápsula eraseguida por OVNIs. E, no entanto,não se viu qualquer manifestaçãocientífica sobre o assunto. Nada! Eagora, o pedaço de rocha. Realmente é fabuloso! Agora, nãoestamos mais sozinhos! Temos acompanhia das interessantes e alie-nígenas bactérias, micróbios ou sejalá o que for. Certamente, é uma companhia à al-tura da nossa inteligência espetacu-lar.

— Gilberto Schoereder, fã de ficçãocientífica, é jornalista, autor de Fic-ção Científica (Francisco Alves Edi-tora, 1986).

Adriana Simon: Já dizia A. Sternfeld antes de 1954:“Se é verdade que os escritores porvezes impulsionam as investigaçõescientíficas, a afirmação contrária éainda mais fundamentada, pois asconquistas da ciência fornecem umarica matéria literária”. No final do século XIX a habitabili-dade de Marte já era um assunto mui-to discutido entre astrônomos e apai-xonou um público numeroso, devi-do às linhas assinaladas na superfí-cie do planeta e que foram conside-radas na época, como canais aber-tos por seres vivos. A discussão tevecomo reflexo na literatura, o roman-ce Em Dois Planetas (1897), deLaswitz, que aliou uma rica fantasiaa dados científicos. Na fronteira dosséculos XIX e XX, H. G. Wells cele-brizou-se com os marcianos de AGuerra dos Mundos. Por coincidência estréia próximo aessa discussão sobre vida em Marteo filme Mars Attacks!, que é uma co-média ao que tudo indica não basea-da em conceitos científicos. Mas,provavelmente surgirão agora ou-tros grandes romances baseadosnessa nova “descoberta”. Praticamente todos os que gostamde ficção científica acreditam quehaja vida fora da Terra. Por que? Nãoé porque somos imaginativos, ouporque temos a cabeça na Lua (ouem outro astro qualquer), mas devi-do ao fato de que a maioria de nóspensa com a lógica. Afinal de con-tas, é tudo uma questão de probabi-lidade. Em um universo tão grande(infinito?), com tantas galáxias, es-trelas, planetas..., será que só existeum planeta com vida? Vemos constantemente em filmes elivros teorias e especulações sobreo assunto. Talvez já se tenha provasconcretas há muito tempo, sobre aexistência de vida em outros plane-tas, mas só agora que está vindo àtona oficialmente (há controvérsias).Agora que estamos nesta onda de

parecem que vão ser de suma impor-tância para o renascimento da explo-ração planetária em grande estilo emgeral, e do programa espacial ameri-cano em particular. E, quem sabe,quantos avanços tecnológicos e so-ciais não advirão desse esforço quecertamente veremos nos próximosanos? Se a corrida espacial das dé-cadas de 1950 e 60 nos deram a mi-croeletrô-nica, os computadorespessoais e o controle de qualidademoderno, o que devemos esperardessa nova corrida científica paraexplorar o planeta vermelho?

— Gerson Lodi-Ribeiro diz que “nãoé uma bactéria fóssil marciana. Fós-sil em termos de ficção científica bra-sileira até pode ser. Bactéria, é ques-tão de opinião pessoal (opinião, ali-ás, que pode ter lá os seus defenso-res), mas marciana, não, pô!!! Brin-cadeiras à parte, Gerson Lodi-Ribei-ro é pos-graduado em astrofísica, fã,pesquisador e escritor de ficção ci-entífica, seu último trabalho profis-sional foi o conto “Os Emissários deNêmesis”, Dinossauria Tropicália(FC GRD 18, 1994).

Gilberto Schoereder: Eu nunca deixo de me surpreendercom a capacidade do ser humano emextasiar-se com o óbvio; com a ca-pacidade dos meios de comunicaçãoem transformar o simples em notíciade primeira página, e manter as coi-sas nesse estado de êxtase pelo mai-or tempo possível, a fim de vende-rem o quanto puderem de jornais,revistas ou programas de televisão;com a facilidade com que organis-mos internacionais conseguem mo-bilizar a opinião pública em torno deum determinado assunto, por maisimbecil que seja, a fim de obteremmaior divulgação de sua atividadese, a partir disso, maiores verbas paraseus programas. No caso em questão, do meteoritoprovavelmente vindo de Marte, no

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ficção científica e ufologia (graças aDeus!), em que o assunto é tratadomais freqüentemente em jornais e re-vistas não especializadas, muitas es-peculações estão sendo feitas. Alémda (suposta) vida em Marte, tambémestá sendo veiculado pela Internetque encontraram na atmosfera deJúpiter presença de compostos or-gânicos que indicam a possível exis-tência de vida. Como seres voltados à lógica, va-mos esperar confirmações para en-tão acreditar. Uma coisa temos cer-teza, pode não ser agora, porém maiscedo ou mais tarde eles aparecem.

— Adriana Simon, engenheira, é fãde ficção científica e co-editora doInformativo CLFC.

Fábio Fernandes: Está lá, em algum canto da memó-ria, embora eu não tenha provas con-cretas para apresentar: a primeirahistória que escrevi, aos nove anos,contava as histórias de um astronau-ta americano (sic) contra o Impera-dor de Marte (sic também). Hoje olhopara trás e acho graça, mas isso nãoera incomum para uma criança quevia Star Trek. Claro que, naquela época, o grandebarato era a Lua. Eu assisti ao pousodo homem lá, e lembro bem dos mó-dulos lunares de papel e plástico queganhei para montar. O entusiasmopelos vôos espaciais estava no auge,e Marte era a próxima fronteira. Aí, a Viking esteve lá em 1976, e nãoregistrou nada além de rochas e soloárido. Desânimo para a maioria daspessoas, mas para o fã mais ardoro-so já era um grande passo termos en-viado uma nave não-tripulada até lá.O que viria a seguir? Foram as Voyagers que nos anos80 desbravaram o resto do sistemasolar. E os ônibus espaciais, projetoantigo e que sofreu um atraso com aexplosão da Challenger. Mas de alguns anos para cá, o inte-resse por Marte foi voltando aos

Braulio Tavares: A descoberta de vestígios de bac-térias em rochas marcianas tem, semdúvida, uma grande importância paraa ciência, mas não para a literatura.Por que? Porque a ciência precisa deevidências factuais, concretas, paradesenvolver suas idéias, e a literatu-ra não. Se quisermos escrever umconto hard sobre o dia-a-dia de mi-cro-organismos na poeira marciana,não precisamos de provas de queesses micro-organismos existiram.Da mesma forma, se quisermos ima-ginar uma civilização marciana, nãoprecisamos de provas ou de pistas,basta que nossa imaginação se or-ganize de forma coerente e plausí-vel. O Marte da ficção científica serásempre o planeta de histórias impos-síveis de acontecer no Marte da ci-ência. É o Marte de Ray Bradburyem Crônicas Marcianas, de RogerZelazny em A Rose for Ecclesiastes,de Fausto Cunha em As Noites Mar-cianas, de Rex Gordon em QuinzeAnos em Marte... É também (para fa-lar de minha própria experiência) oMarte de “O Espelho-Relâmpago noOco do Ciclone”, que foi criado como auxílio de meia dúzia de páginas efotos de um velho livro de astrono-mia popular. A ciência nos dá o“mote”, por assim dizer, e nós escri-tores temos que nos sentir à vonta-de para glosar esse mote de acordocom a nossa imaginação. A literaturaé uma coisa tão ampla e tão livre queela pode, eventualmente, decidir serapenas uma transição de hipótesescientíficas: mas querer que ela sejaapenas isso é empobrecê-la. Digomesmo que, em ficção científica, oque mais me interessa é o que nãopoderia acontecer na vida real. Se amanhã os cientistas descobri-rem vestígios de muralhas, paláciose pirâmides na superfície de Vênus,isso sem dúvida estimulará muitosescritores a imaginar uma civilizaçãovenusiana. Mas o nó da questão é:para imaginar essa civilização, não

poucos. Quem acompanha a litera-tura de ficção científica americanapercebeu essa nova tendência a par-tir de 1992, com romances sobreMarte para todos os gostos. Mas,embora se pudesse observar umadose imensa de pesquisas (só RedMars, de Kim Stanley Robinson, le-vou cerca de dezessete anos até fi-car pronto), tudo ainda era especu-lação. No mês passado, contudo, a leituracasual de um jornal me chamou aatenção: haviam sido descobertasevidências que podem transformartoda essa ficção em realidade. Até omomento em que escrevo isto (iní-cio de setembro), não se sabe ao cer-to se as bactérias encontradas no me-teorito da Antártida são mesmo deMarte, mas sem dúvida toda essadiscussão trouxe um pouco mais derespeitabilidade à ficção científica(pelo menos lá nos EUA), e essa ex-posição à mídia pode ser decisiva naformação de uma missão no começodo século XXI. Aí eu me lembrei do meu tempo decriança (e é muito bom a gente sesentir criança aos trinta): espero ain-da estar vivo para ver o homem pou-sar em Marte.

— Fábio Fernandes, fã de ficção ci-entífica, é escritor, tradutor e crítico.Traduziu, entre outros, os livros deClive Barker no Brasil.

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precisamos saber se essas ruínasexistem. Temos autoridade para criaras coisas do zero.

— Braulio Tavares, músico e jorna-lista, é escritor e pesquisador de fic-ção científica e fantasia. Venceu oPrêmio Caminho de Portugal 1989,com a coletânea A Espinha Dorsalda Memória, publicou A MáquinaVoadora (Rocco, 1994), e A EspinhaDorsal da Memória/Mundo Fantas-mo que acaba de sair pela Rocco.

gem, com florestas de sonho e águasvivificadoras. Encontramos marcia-nos belos e terríveis, com face deinseto, antenas verdes, orelhas pon-tudas ou cinco palmos de altura. Masos estranhos fomos nós, tivéssemosou não sido convidados. E lá vem os cientistas falar em son-das não-tripuladas, robôs e enge-nhocas mecânicas. E nós, como fi-camos? Quando iremos pisar aquelesolo de areia vermelha, sobrevoar aimensidão dos canyons, suportar astemperaturas extremas, e, num der-radeiro hausto de ar, em meio a erup-ções vulcânicas e ruínas de uma an-tiga civilização perdida, bater no pei-to e gritar “Eu vi. Sou um estranhonuma terra estranha, e porque umpedregulho caiu do céu, o sonho nãoficou esquecido”? Aqueçam os motores, arrumem osfato-macacos e olhem para cima.Aquele pontinho vermelho ao lon-ge, meus amigos, é Marte, o deus daguerra.

— Finisia Fideli, médica homeopata,é fã e escritora de ficção científica efantasia. Sua mais recente ficçãopublicada foi “O Ovo do Tempo”,em Dinossauria Tropicalia (FC GRD18, 1994).Finisia Fideli:

A descoberta de bactérias primiti-vas num fragmento de meteoro vin-do de Marte há milhões de anos, re-acendeu as possibilidades da NASAenviar expedições ao nosso vizinhono Sistema Solar. A imprensa mundi-al berrou a plenos pulmões que en-fim existiriam formas de vida fora daTerra. E logo em Marte! Pois o PlanetaVermelho não tem sido palco dasmais ousadas fantasias? Quem gosta de ficção científica temno quarto mundo do Sistema Solarquase uma extensão de suas casas.Navegamos seus canais em diáfanasembarcações de cristal. Desbrava-mos um planeta selvagem e guerrei-ro, pleno de antigo romantismo.Moldamos esse mundo à nossa ima-

Cesar R.T. Silva: Minha última viagem pelo espaçoprofundo só foi possível graças àespeciaria dos Chai Huluds de Ar-rakis, ocasião na qual conheci osdragões que povoam o planeta Aer-lith: Moloques, Megeras e Assassi-nos Galopantes são muito úteis con-tra inimigos beligerantes. Em Pernhabitam outros Dragões, inteligen-tes, que ajudam a humanidade con-tra os perigosos fios. Os SenhoresSupremos, com aparência de demô-nios, vieram a Terra para ajudar oshomens a evoluir. Os Heechee dei-xaram sua tecnologia para a gentevasculhar o universo — e os Suavesderam seu “alô” ajudando a humani-dade na descoberta de uma fonte lim-pa de energia, enquanto que o povoque construiu Rama ainda é um mis-tério em seus desígnios. O que já nãose pode dizer dos marcianos que ten-taram invadir a Terra no início doséculo e foram sumariamente repeli-dos, apesar de sua princesa DejaToris, ser casada com um terráqueo.Mesmo depois disso, ainda nos en-viaram um messias psicodélico, quetratamos de crucificar. Atualmente,seus telefones tocam para canaissurdos e os loucos sonham com ci-dades perdidas. Perigo real corremoscom as ignóbeis Trífides que quasenos levaram a extinção. E com osBoskonianos, que nos esperam nofuturo com as mais abjetas intensões.Guky e Atlan estão sempre por aí, semetendo em nossa política planetá-ria, enquanto nós perturbamos mile-nares consciências oceânicas. Nósnão sabemos mesmo aquietar o nos-so rabo. Por sorte, afinal isso não acontececom muita freqüência, recebemos avisita de Klaatu e Gort para nos avi-sar dos perigos da guerra total, em-bora não tenha valido muito. PobreKlaatu. Ainda tivemos entre nós odesesperado Exeter, cuja civilizaçãofoi totalmente aniquilada, um simpá-tico alienígena botânico que passoumaus bocados, um monolito vivo que

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literalmente nos ensinou a pensar,escapamos de boas contra predado-res, bolhas, coisas do Ártico, x-trose uma infinidade de vampiros aliení-genas animais, vegetais e minerais.Devil’s Tower recebeu a mais piro-técnica dessas visitas, mas o último4 de julho garantiu nossa suprema-cia universal. Empresários descobri-ram uma raça com promissoras apli-cações bélicas numa viagem do car-gueiro Nostromo às ruínas de umaraça desconhecida no planeta Kreele uma de nossas mais proeminentesastronautas achou um anjo de ver-dade quando tentou resgatar o re-negado Duran Duran. Relatos têmdado conta de que numa galáxia muitodistante, há muitos e muitos anos,Eewocks, Wookies, um velho e ve-nerando mago chamado Yoda e umbandoleiro desprezível de nome Ja-bba, fizeram história. O planeta Kripton mandou à Terrao seu embaixador Kal El, que até hojereside em Metrópolis, Estados Uni-dos. Um jogador da Liga Americanade Futebol teve uns arranca-raboscom o imperador do planeta Mongo,onde passou as últimas férias, qua-se causando um incidente diplomá-tico de dimensões planetárias. Quan-do Galactus passou pela Terra parafazer uma boquinha, um Surfista in-tercedeu em nosso favor, ganhandoassim o título mundial QuicksilverPro e Darkseid, do planeta Apoka-lips, continua dando trabalho aosheróis de plantão. Ainda bem que sempre temos umMega, um Super ou um Ultra paranos proteger de monstros alieníge-nas e Inkas Venusianos que nuncachegam a sair do Japão. Invasoresmontaram uma excepcional rede deespionagem nos Estados Unidos,mas a falta de seu dedo mindinhodenunciava-os. Hoje, o único sobre-vivente é líder político de esquerdano Brasil. Pior destino tiveram oshomens-lagartos embora a líder de-les até desse pro gasto, não sobrounenhum. Uma espaçonave de trans-

porte de escravos caiu em Los An-geles e os sobreviventes foram tãoassimilados pela cultura terrestre quesumiram: osmose racial. Tomara seussenhores nunca nos encontrem. Es-tudiosos dizem que já vieram e fo-ram repelidos: alguns afirmam queeram do Império Galman, comanda-dos pelo General Deslock, outrosque eram os gigantescos Zendrae-dis, ou até mesmo os Nosa, que de-ram muito trabalho para os Esqua-drão White Knight. Mas há quemgaranta que não devemos temer porisso. Discos voadores surgem aosmontes por toda a parte, do alto dasmontanhas ao fundo dos mares e aténa pacata Varginha. O FBI tem arqui-vos repletos dessas ocorrências,ainda que o Livro Azul as conteste.Porém uns caras da NASA acharamum pedregulho na Antártica, oALH84001, supostamente marciano,que teria em seu bojo resíduos fós-seis de bactérias igualmente marcia-nas que viveram há três bilhões deanos. Já diria o filósofo vulcano: — Fas-cinante!

— Cesar R.T. Silva, publicitário e ar-tista gráfico, é editor do mais antigofanzine brasileiro de ficção científi-ca, o Hiperespaço. Um dos organi-zadores da HorrorCon, ilustrador,venceu o Prêmio ‘Gumercindo RochaDórea’ para Melhor Autor Novo1994, e tem publicado profissional-mente “O Dinossauro que NuncaExistiu”, na coletânea DinossauriaTropicália (FC GRD 18, 1994).

Alfredo Franz KepplerNeto: O timing foi perfeito, dá até parapensar num golpe publicitário. Bemna hora em que o Congresso norte-americano estava para cortar as ver-bas (e os empregos) para pesquisade vida extraterrestre, dois cientistasanunciam no dia 7 de Agosto passa-do ter descoberto “fósseis de bacté-rias” num meteorito (supostamente)vindo de Marte. E veio a calhar tam-bém a média ressuscitar os velhostemores da Terra ser invadida pormultidões de seres repulsivos vindosde Marte, justo agora que a falta depoderosos inimigos locais ameaçavacom desemprego também o complexoindustrial-militar americano. Tirando estas considerações cons-piratórias, eis um resumo dos fatos :descobriram num meteorito coletadonuma geleira da Antártida, mineraissemelhantes aos minerais marcianos,analisados in loco pelas sondas Vi-king na década de 70. Mais interes-sante, acharam também naquele me-teorito resíduos de compostos orgâ-nicos similares aos resíduos fósseisde bactérias pré-históricas terrestresque, pelas circunstâncias, não pode-riam ter contaminado o meteorito.Presumiu-se portanto que há algumtempo atrás, um violento impacto deoutro meteorito com Marte arrancoudele estilhaços, que vagaram peloespaço até serem atraídos para cairna Terra, carregando consigo os taisfósseis. A datação com base na con-tagem dos traços de raios cósmicose a composição isotópica peculiardos minerais do meteorito fornece-ram as evidências para a teoria. Teo-ria que aliás não é nova, tendo sidopopular, sob o erudito nome de“panspermia”, lá pelo começo desteséculo como possível explicaçãopara a origem da própria vida na Ter-ra. Ela acabou porém desacreditada,por ter apenas transferido o proble-ma para outro lugar, sem explicar exa-tamente como começou a vida a par-

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tir do inanimado : algo como os polí-ticos fazem com as dívidas dos go-vernos passados, com resultadossemelhantes. Só isso porém não seria muito con-clusivo quanto à existência de vidaem Marte, como aliás fizeram ques-tão de salientar os próprios desco-bridores. Ou, mais exatamente, quan-to à possível existência de vida mar-ciana num passado remoto, já quenenhum organismo com base na quí-mica do carbono poderia sobreviverem Marte, nas suas atuais condiçõesextremamente hostis : atmosfera ra-refeita de gás carbônico, que deixapassar doses mortais de radiaçãoultravioleta, ausência total de águalíquida etc... Já existiam entretanto outras fortesevidências de que o clima marcianoteria sido muito mais ameno no pas-sado, possibilitando até a presençade água líquida durante um certoperíodo de tempo. Estudos climato-logicos e de dinâmica orbital utilizan-do poderosos super-computadores,mostram que as variações secularesda inclinação do eixo de rotação deMarte, conjugadas com a sua órbitaacentuadamente elíptica em torno doSol, conduzem a oscilações climáti-cas bastante acentuadas ao longodas eras. Também, fotos das sondasorbitais Viking mostram evidênciasde canyons cavados por violentastorrentes, vales sinuosos como osde bacias fluviais com afluentes etributários, assim como calotas po-lares, que pelas condições locais, sópodem ser compostas por gelo deágua. Mesmo considerando a menoratração gravitacional de Marte, amaior parte dessa água deve aindaestar por lá, seja bloqueada nos po-los, seja abaixo do solo ressequidodo deserto marciano. Portanto, do ponto de vista astro-nômico e areológico, é bastante pro-vável que vastas quantidades deágua estejam apenas aguardando oretorno cíclico de condições favorá-veis para ressurgir à superfície. E com

a água, quem sabe, ressurgiria a pró-pria vida, após um longo período dehibernação, estimado em 3 bilhõesde anos - as estimativas variam, po-rém as variações não são relevantes. E o que sairia de lá então? Bem,sendo realistas, difìcilmente sairiaalgo muito excitante, já que não hou-ve tempo suficiente para o longo pro-cesso da evolução natural operarseus truques. Nem alguém capaz delevar conosco um papo sério sobrea novela das 8, muito menos os tra-dicionais insetóides alucinados,munidos de tentáculos cheios degarras e de ventosas sequiosas desangue humano : na melhor das hi-póteses, nossos vizinhos seriam unsamebas ! Se bem que, invasão por invasão,uma invasão de protozoários desnu-tridos iria com certeza nos causarmuito mais estragos do que algumasdúzias de polvos gosmentos e malintencionados ! Sob êste aspectoaliás, leia-se a excelente novela Jem,de Frederik Pohl, na qual os colonosde expedições terrestres a um plane-ta distante (os invasores) são dizi-mados pela bioquímica unicelularnativa, numa espécie de “guerra dosmundos” ao contrário da imaginadapor H.G.Wells.

— Alfredo Franz Keppler Neto, en-genheiro químico empresário, é fã deficção científica e, com um nome des-ses, não poderia ser outra coisa se-não amante da Astronomia.

Miguel Carqueija: Quando eu era criança interessava-me expontaneamente pelo assuntodos alienígenas, embora ainda nãoconhecesse essa palavra. Mas a im-prensa falava muito em discos voa-dores e o José, meu irmão, tambémvivia falando nisso. As revistas emquadrinhos, de super-heróis ou per-sonagens como Donald e Mickey,recorriam muito ao tema. Para mim erauma coisa emocionante pensar nosdiscos voadores e seus misteriosostripulantes. Já naquele tempo eu meinclnava a considerá-los seres bene-volentes. Fico até espantado que,passados tantos anos e depois detanta discussão filosófica, apareçasem mais nem menos um Indepen-dence Day, com uma brutal invasãoda Terra — e um arrasa-bilheteria ain-da por cima. Coisa tão obsoleta! Maso sistema cinematográfico de Ho-llywood faz o que quer e bem enten-de, e fabrica o sucesso com a propa-ganda. É por isso que, no atual sis-tema americano, eu prefiro quem émarginal: o grande Roger Corman.Mas isso é outra história. Muitos anos depois, quando morá-vamos na Rua Porto Alegre, aqui noRio, meu irmão veio repentinamenteme chamar agitadíssimo: “Miguel!Miguel! Um disco voador!” Corripara a janela e não vi mais nada. Per-dera o “contato de primeiro grau” poruma questão de segundos. Minhaidade na época: 24 anos. Encontrei pessoas de grande inte-ligência que duvidavam taxativamen-te da existência de uranídeos. Sem-pre me deram a impressão de falta dehumildade. Em contrapartida o meuguru da infância e de toda a vida,Walt Disney, sempre me estimulouessa crença, tanto nos quadrinhosinfantis como nos científicos, na sé-rie de TV Disneylândia e tambémnuma bela comédia de ficção cientí-fica, Moon Pilot, de 1961. O meteorito marciano pode revolu-cionar toda a Ciência. Mas e se aNASA de fato mantém em segredo

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Não é a toa que a vida alienígena étão comum na fc: um fascinante as-sunto científico de grandes propor-ções humanas. A notícia, divulgadapela NASA, sobre os fósseis de vidamarciana, não deve encerrar, de ime-diato, as discussões: os resultadosainda devem ser examinados por pes-quisadores de todo mundo, e possi-velmente haverá divergências. Osque advogam que a vida é um “mila-gre estatisticamente impossível”continuarão negando sua existênciafora da Terra. De uma forma ou deoutra, este tipo de descoberta é tãoimportante que nem mesmo uma pro-va como essas deverá pôr fim às di-vergências. Os fósseis encontrados não separecem com homenzinhos verdes...nem com os balões luminosos deBradbury. Talvez, nesse caso, a ver-dade seja menos fantástica — donosso ponto de vista — que a ima-ginação, mas na prática não é issoque importa. Porque, se existem (ouexistiram) bactérias em Marte, bolas...quer dizer que a vida não deve serassim tão difícil de surgir, aquelaconversa das probabilidades da vidasurgir ao acaso (a velha história dosmacacos e das peças de Shakespea-

re) deve ter uma falha, afinal; então,em algum lugar, deve haver alguémque, quem sabe, possa nos ouvir umdia, talvez sentar numa estação es-pacial com frente para a galáxia econversar sobre a vida, o amor e osmistérios do universo. Na pior dashipóteses, o comunicado da NASAnos faz tirar os olhos um pouco dosengarrafamentos, das coisas peque-nas da vida cotidiana e relembrar osbons momentos em que, jovens edespreocupados, sonhamos comseres estranhos, mundos fantásti-cos... um universo vivo e pujante depessoas, monstros, deuses e demô-nios... e, convenhamos, é muito bomfazer isso, de vez em quando. Somosuma raça solitária que, em meio àfome e às guerras, sonha com o es-paço e com o infinito, isso é huma-no, isso é bonito. Uma descoberta como essa, quereforça em muito a teoria da vida ali-enígena, pode nos fazer, novamen-te, olhar para o céu e perguntar:“Onde estão vocês?” E somente issojá é muito bom.

— Alysson Fábio Ferrari, é escritor-fã, graduando em Física pela Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul.

há décadas os corpos de alieníge-nas sinistrados nos Estados Uni-dos? Muita coisa a gente não sabe.Mas parece que a pluralidade da vidano Universo é coisa já aceita peloconsenso da humanidade. E comopoderia ser de outra maneira? Sendoo Cosmos criação divina, como po-deria o Criador limitar-se a plantar avida num único grãozinho?

— Miguel Carqueija, funcionáriopúblico, é fã e escritor de ficção ci-entífica. Publicou profissionalmente“Não é Humano”, na coletânea Di-nossauria Tropicalia (FC GRD 18,1994), além de outros contos na re-vista Dragão Brasil em 1995 e 1996.

Alysson Fábio Ferrari: Se reuníssemos um “dicionário”com definições de ficção científica,uma certamente seria: “Literatura quemostra os reflexos da poesia e dasubjetividade na fria realidade obje-tiva da ciência”. Nada mais humanoque a solidão, enquanto indivíduo eenquanto raça, portanto, nada maisnatural do que tomar a científica pos-sibilidade (“certeza”?) da vida alie-nígena do ponto de vista humano.

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netas quanto as criaturas vivas se-jam, comuns através de todo o uni-verso. Isto implica a existência de umbilhão de mundos com vida em nos-sa galáxia — esse remoinho de es-trelas em que nosso Sol é apenasuma figurinha obscura, situada emum dos mais remotos pontos da es-piral. E ao alcance de nossos teles-cópios há aproximadamente um bi-lhão de outras galáxias. Para fazermos uma idéia vaga do queisto significa, esvaziemos um baldede areia sobre uma mesa. Imagine-mos agora que cada um desses bi-lhões de grãos de areia, é em si mes-mo um mundo, talvez fervilhante devida e contendo criaturas racionaisque medem sua história não por mi-lhares, mas por milhões de anos. Te-remos assim uma débil imagem denossa galáxia. Se quisermos fazeruma idéia do universo inteiro, a ope-ração deve ser repetida com cadagrão de areia representando todauma galáxia. Atordoados por tais números, so-mos tentados a alegar que essasperspectivas astronômicas carecemde importância prática, visto quenunca teremos conhecimento diretode mais que uma pequena fração douniverso. Não podemos. contudo,fingir que o universo não existe, por-quanto nossos próprios filhos come-çarão a explora-los, e até mesmo assuas primeiras e modestas viagenstransformarão completamente nossavisão do cosmo. Uma vez que pos-samos galgar as poucas centenas dequilômetros que nos separam do es-paço e estabelecer observatórios-

O texto a seguir é uma tremenda raridade. Por si só já seria do maior interesse. Sua riqueza, no entanto, é ainda maior pelacoincidência do tema que aborda — vida em outros planetas. Este verdadeiro achado foi tirado do “baú” do fã incansá-vel Humberto Fimiani. Foi publicado na edição brasileira do Seleções do Raeder’s Digest, de abril de 1959, condensadode um original publicado na revista americana Horizon.

ALÉM DO CÉU AZULALÉM DO CÉU AZULALÉM DO CÉU AZULALÉM DO CÉU AZULALÉM DO CÉU AZULArthur C. Clarke

Encontraremos alguma espécie devida ? Uma inteligência superior anossa ?

Nenhuma pessoa bem informadaduvida agora de que a conquista doespaço interplanetário, primeiro porfoguetes portando instrumentos,depois por veículos tripulados, estáprestes a começar. A sombra dos pró-ximos acontecimentos estende-sepor sobre nossa era, agitando o pen-samento de todos os homens quecontemplando o céu à noite já seperguntaram qual o papel a ser de-sempenhado pela espécie humana nodrama que se desenrola no univer-so. Há mais de uma possibilidade deque alguns dos grandes problemasoutrora sem esperança de soluçãosejam em breve resolvidos. A questão de saber se há ou nãovida inteligente fora da Terra é tal-vez ímpar entre esses problemas,quanto ao seu atrativo intelectual eemocional. O único tipo de vida quepodemos imaginar, sem nos perder-mos em fantasias biológicas, tem deser baseado nos planetas, e até hápouco tempo os planetas eram enca-rados como resultados de acidentescósmicos que só podiam sobrevirmuito poucas vezes na história deum universo bem governado. Hoje estamos quase inteiramenteconvencidos de que muitas estrelas,senão a maioria, têm planetas giran-do em seu redor. Esta crença foi con-sideravelmente apoiada pela detec-ção, em 1942, de um corpo até entãodesconhecido no sistema de estreladupla 61 do Cisne, um de nossos vi-

zinhos mais próximos. Seria uma co-incidência notável, se os planetasfossem deveras raros, encontrar umespécime praticamente à nossa por-ta. Qualquer dado numérico, na faseatual de nossa semi-ignorância, épuro palpite, mas talvez não esteja-mos longe da verdade ao afirmarmosque uma em cada cem estrelas pos-sui pelo menos um planeta em queteoricamente poderia existir vida. Juntamente com a crença na exclu-sividade de nosso sistema solar, de-sapareceu a idéia de que a vida naTerra é uma criação anômala ou es-pecial. Até os últimos 10 ou 15 anospodia-se sustentar que coisas vivasnão podiam absolutamente surgir dematéria inôrganica “morta” pela açãode forcas unicamente naturais. Acomplexidade até mesmo do mais sin-gelo organismo monocelular era tãogrande que esperar que átomos decarbono, hidrogênio, oxigênio e ou-tros formassem um desses organis-mos por agregação espontânea erademasiado improvável. Hoje é possível supor que a vidapode surgir de matéria não-viva, nascircunstâncias existentes em muitosplanetas rudimentares, recém-forma-dos. A experiência de Stanlev Millerna Universidade de Chicago, em1952, onde se produziu uma comple-xa mescla orgânica pela ação de des-cargas elétricas sobre soluções sim-ples de vapor de água, amónia, me-tana e hidrogênio, dá uma idéia decomo podem ter tido lugar os primei-ros passos na evolução da vida. Deve-se considerar, pois, como al-tamente provável, que tanto os pla-

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satélites além da escuridão e da né-voa da atmosfera, planetas situadosa milhões de quilômetros de distân-cia—Marte, por exemplo—poderãoparecer apenas a poucos milhares dequilômetros. Com os telescópios queusaremos sob as perfeitas condiçõesde visibilidade no espaço sideral,talvez até possamos ver os planetasde outros sóis. No momento, as provas astronômi-cas sugerem que uma vez libertos daTerra encontraremos alguma espéciede vida no sistema solar (em Marte,quase certamente; em Vênus, possi-velmente), mas que não encontrare-mos inteligência. A descoberta dealguma forma de vida, nos planetas,embora humilde, afetará grandemen-te nosso modo de ver o universo.Até mesmo alguns líquenes em Mar-te provariam que a vida não é um fe-nômeno extraordinário ocorrido poracaso na planeta Terra. E estabeleci-do isso, seria ilógico negar a exis-tência, alhures, de formas superio-res. Enquanto não tivermos razõespara crer o contrário, será mais se-guro supor que o homo sapiens é aúnica criatura inteligente que já seformou no sistema solar. Para encon-

trar seres iguais a nós ou superioresdevemos ir mais além, aos planetasde outros sóis. Isso, falando moderadamente, apre-senta problemas. Embora estejamosna iminência de enfrentar as distân-cias interplanetárias, os abismos quenos apartam das estrelas são um mi-lhão de vezes maiores, e a próprialuz leva anos para transpô-los. Maso transporte físico não é necessário.Com as modernas técnicas eletróni-cas ampliadas ao máximo poderemoslevar um simples sinal Morse, ape-nas perceptível, à estrela mais próxi-ma. Talvez valha a pena, por conse-guinte, logo que logremos estabele-cer postos de escuta em satélitesbem distantes da balbúrdia e da in-terferência do rádio terrestre, come-çar uma busca de sinais moduladoscompreensíveis, provenientes doespaço. Se pudermos captar comu-nicações interestelares apenas 60anos depois de inventarmos o rádio,não é insensato supor que possahaver transmissores, num raio de unspoucos anos-luz de distancia de nós,bastante mais poderosos do quetudo o que já construímos. Esperamos, portanto, poder deter-

minar a existência de cerebraçõesextraterrestres antes que decorrammuitas décadas — ou, no máximo,séculos. Se alguém duvida disto,lembrarei a lamentável erro de Au-gusto Comte, que precipitadamenteproclamou a nossa eterna ignorân-cia acerca da composição das estre-las. A presteza e perfeição com que oespectroscópio o refutou é um bomlembrete de que aparentemente nãohá limites fundamentais do conhe-cimento que não possam ser venci-dos por novas técnicas ou inven-ções. Poderíamos lembrar também que anossa espécie só entrou em existên-cia nos últimos cinco milésimos dahistória da Terra, e a duração inteirada civilização humana mal abrangeum milionésimo desse tempo. Umajuventude tão extrema em qualquerescala de tempo cósmico parece tor-nar provável que a maioria das cria-turas extraterrenas deve ser superi-or a nós por milhões de anos de de-senvolvimento. Seja qual for o resultado das nos-sas aventuras pelo espaço, um fatorestará: o universo é mais miraculo-so do que qualquer milagre.

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Assinante do semi-prozine de fic-ção científica Locus há anos, venhoacompanhando uma nova tendência,que a cada ano se consolida: a ex-ploração de Marte. Autores emergen-tes e veteranos vêm somando forçase oferecendo ao público novos pon-tos de vista sobre um dos temas maisfascinantes do gênero. Como a maioria dos fãs brasileiros,eu também cresci lendo o ABC daficção científica editada no Brasil:Asimov, Bradbury e Clarke. E, tam-bém como grande parte do fandom,minha adolescência foi marcada pelaleitura de clássicos como Fundação,2001 e, naturalmente, As CrônicasMarcianas. A prosa poética e a ca-racterização do planeta vermelhoproduzidas pelo B da santíssima trin-dade, entre outras coisas, deramnovo impulso ao meu desejo de serescritor.Por isso, quando recebi o número 32do Megalon (setembro de 1994) e lino índice que Jorge Luiz Calife haviaescrito um artigo chamado “Um Pou-co de Marte na FC”, corri logo para apágina 14. Infelizmente, apesar dasinformações interessantes e funda-mentais para o leitor iniciante, fiqueifrustrado: não encontrei uma só men-ção aos novos livros que já estavamsendo lançados na época. Mars, deBen Bova, Moving Mars, de GregBear, e o que já na época estava sen-do considerado um novo marco dafc: Red Mars¸ de Kim Stanley Robin-son (e que ganhou o Nebula de1992). Naquele momento, decidi que,assim que tivesse a oportunidade,escreveria o artigo que não pude ler. Essa oportunidade chegou em se-tembro de 1995, quando fui à Escó-

Marte na FicçãoMarte na FicçãoMarte na FicçãoMarte na FicçãoMarte na FicçãoCientífica: A Nova GeraçãoCientífica: A Nova GeraçãoCientífica: A Nova GeraçãoCientífica: A Nova GeraçãoCientífica: A Nova Geração

Fábio Fernandes

cia como representante do fandombrasileiro na Intersection, a 53a. con-venção mundial de ficção científica.Outra promessa que eu havia feito amim mesmo era que, quando voltas-se à Inglaterra, encheria minha saco-la de lona com pockets. Dito e feito:trouxe 43 pockets (e quase não tivedinheiro para comer na véspera devoltar), e entre eles os livros maisimportantes sobre Marte escritosnos últimos cinco anos. Neste arti-go, vocês vão conferir as análisesdesses livros.

MARS A melhor definição para este livropode ser dada pelo blurb (comentá-rio elogioso que figura nas capasdos livros, que podem ser citaçõesde críticas de jornais ou de outrosautores famosos) de James Miche-ner: o autor de livros como Centen-nial, Hawaii e Space, entre outros,diz no verso do pocket de Mars: “Umverdadeiro romance espacial que pre-vê muitos dos problemas a seremenfrentados pelos homens e mulhe-res que realmente farão a viagem porvolta de 2020.” O ano não fica bem claro, mas Mi-chener sabe onde dispara: pelos co-mentários do astronauta Mikhail Vo-snesensky, que ainda não era nasci-do na época em que Gagarin orbitoua Terra, e do chefe da expedição, oDr. Li Chengdu, que enfrentou o exér-cito na revolta da Praça da Paz Ce-lestial quando jovem e agora temcerca de 45 anos, a história se passaentre 2015 e 2020. Já na página 13, uma notícia agra-dável: Ben Bova sabe onde fica o Rio

de Janeiro! E sabe inclusive que asgrandes concentrações costumamacontecer entre a Candelária e a Ci-nelândia, onde os brasileiros, ao somdo samba (perdoai-o, Senhor!), co-memoram o fato de que entre os ci-entistas que pousaram em Marte háuma brasileira: Joanna Maria Bruma-do. O nome podia ser melhor - soaportuguês demais1 - mas é implicân-cia minha; até que a brasileirinha sedá bem. Joanna, a bióloga titular daexpedição, não só é uma das perso-nagens principais da história comofaz par romântico com o protagonis-ta, o descendente de índios america-nos Jamie Waterman. Ao contráriodo que seria de se esperar, ela é dis-creta, tímida, super-inteligente (umanerd, convenhamos) mas só tem umainverossimilhança: é mameluca, oumestizo (sic) como ela se denomina.E — este o único erro feio de Bova -ela diz a Waterman que como ela (eseu pai, Alberto, o mentor intelectu-al do projeto — e viva nós) existemdezenas de milhares no Brasil. Infe-lizmente, como todos sabemos, nãohá muitos milhares de índios e seusdescendentes diretos aqui. O que não compromete a trama.Bova deixa de lado o ponto de vistaestritamente científico e didático eparte para a ofensiva. O texto inter-cala a expedição já em Marte com asetapas de treinamento na Terra e todaa politicagem que envolve os critéri-os de escolha da equipe. Mas ele não se esquece do seu fielpúblico hard: junto com os dramasda tripulação, o leitor é levado a co-nhecer um mundo ao mesmo tempoárido e belo, sem vida mas fascinan-te por ser tão diferente de tudo aqui-

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lo que o homem já viu. Não sei atéque ponto as imagens conjuradaspor Bova são fidedignas: provavel-mente, como todo bom escritor cos-tuma fazer, elas possuem uma basemuito boa de pesquisas e uma fra-ção maior ainda de especulação bemorientada. Mas toda explicação em-palidece quando acompanhamosWaterman e Vosnesensky num cre-púsculo marciano, ou experimenta-mos a desorientação do astronautaamericano Pete Connors com a apa-rente proximidade do horizonte (nãonos esqueçamos de que Marte émuito menor que a Terra), ou aindaquando descemos pelo TithoniumChasma e presenciamos uma violen-ta tempestade de areia, digna daque-las de Duna. Naturalmente, Bova não resiste àtentação de puxar a brasa para a sar-dinha dos cientistas e tentar provarque a exploração de um mundo novoé mais importante que matar a fomedos miseráveis na Terra, ou, o queainda é mais ilusório, que a tecnolo-gia desenvolvida num projeto des-ses ajuda a elevar o nível de vida daspopulações. Vendo como o nível devida dos miseráveis brasileiros, in-dianos, somalis, entre outros, nãomelhorou em nada nas últimas déca-das, é de se espantar como esse tipode pensamento ainda predomina en-tre os amantes da ciência. Assim é Mars, de Ben Bova: um li-vro que se concentra mais na prepa-ração dos astronautas e cientistasque farão a viagem para Marte. Umaversão futurista de Os Eleitos, deTom Wolfe, que consegue provarque o fator humano também é impor-tante na confecção de um bom livrode ficção científica hard.

CLIMBING OLYMPUS Os fãs de Guerra nas Estrelas de-vem conhecer Kevin J. Anderson.Nos últimos dois anos, ele tem escri-to e editado vários romances e umguia passados no universo de Geor-

ge Lucas. Anderson também é autor,junto com Doug Beason, de Assem-blers of Infinity, um livro que foi con-siderado por um crítico americano “o2001 da nanotecnologia”, por suacena de abertura, em que um astro-nauta na Lua é literalmente desinte-grado por nano-robôs alienígenas. Um autor tão espacial não poderiaficar de fora da corrida para Marte.Em seu livro Climbing Olympus, An-derson descreve um período poste-rior ao narrado por Bova e entra numassunto que muito interessa ao fã daciência propriamente dita: a terrafor-mização. Aqui, a história se passa dezesseisanos após o início da colonização.Embora já avançados no século XXI,os países da antiga URSS não muda-ram muito seu comportamento...como, por exemplo, mandar os dissi-dentes políticos para a Sibéria. É dalique partem as duas levas de coloni-zadores para ajudar na terraformiza-ção. Através de um projeto secretourdido pela doutora Rachel Dycek (euma bela homenagem ao clássicoMan Plus, de Frederik Pohl), os “vo-luntários” são “marteformizados”, ouseja, transformados em aberraçõesdo ponto de vista terrestre, com opropósito de sobreviverem no inós-pito ecossistema marciano. São osadin (corruptela americanizada donúmero um em russo). Mas, como tudo na vida evolui, eos adin não se mostraram muito fá-ceis de controlar, a Dra. Dycek aca-bou desenvolvendo os dva, a se-gunda geração de “marcianos”. Aessa altura, o processo de transfor-mação do ecossistema marciano numbem parecido com o terrestre já co-meçou. E os poucos adin sobrevi-ventes, preparados para sobreviversomente nas condições de atmosfe-ra e pressão marcianas originais, vãofazer tudo o que estiver ao seu al-cance para impedir isso... ou, como éde se esperar, morrer tentando. Desde as primeiras páginas, quemlê os quadrinhos da Marvel vai per-

ceber uma semelhança incômodacom as histórias galácticas de JimStarlin: os personagens são bidimen-sionais, as atitudes muito grandilo-qüentes — principalmente as dosrussos, seguindo o bom e velho es-tereótipo — e o tratamento superfi-cial dado à trama lembra as novelasde TV. Logo no segundo capítulo,por exemplo, Anderson pretende cri-ar um clima de tensão com um segre-do que qualquer criança de dez anospercebe de cara, e que só na página109 é revelado: Cora Morisovna,mulher do líder adin Bóris Tiban, estágrávida. E daí? Daí que todos deve-riam ter sido esterilizados na Terra,pois a alteração deles é somente ex-terna. Ou seja, a criança morrerá mi-nutos após nascer, pois não está pre-parada. Caberá a Rachel Dycek, navéspera (literalmente) de sua substi-tuição pelo coordenador Jesús Kee-fer, tentar ajeitar as coisas entre osadin e os humanos. Confesso que o primeiro terço nãome agradou muito, e parei de ler olivro por algum tempo. Mas, ao deci-dir retomá-lo, tive uma gostosa sur-presa: os dois terços restantes são oque interessa na história. É quandoa Dra. Dycek, apavorada com a idéiade voltar para a Terra, pega o jipelunar Percival (e a palavra jipe é umaimprecisão, pois esse veículo é com-pletamente diferente daquele quevimos no projeto Apollo; é um enor-me furgão fechado, na verdade) eparte para Pavonis Mons, onde pre-tende cometer suicídio; é então queela encontra os adin, até então con-siderados mortos. O choque de en-contrar os adin e ver Marisovna grá-vida muda totalmente as perspecti-vas de Rachel; o resto do livro é con-sagrado aos esforços dela para le-var Cora à Base Lowell, onde ela teráa criança. Isso se Tiban deixar, claro,pois seu objetivo é matar o bebê epôr a culpa na humana, arrumandoassim um motivo para se vingar detodos e destruir a Base Lowell. Comoum ser humano adaptado para a vida

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no ambiente hostil de Marte, Tibantem força suficiente para cumprir oque promete... e a partir daí o livropoderia se chamar Jason em Marte:é um festival de mortes e quebra-quebras sensacionais, com direito auma titânica batalha entre Tiban e umdva do lado da fora da Base Lowell. As surpresas não acabam no terçofinal: é então que descobrimos, jun-to com os humanos da Base, que umadas premissas apresentadas no iní-cio do livro era totalmente falsa, eisso só ajuda os humanos a estabe-lecerem uma sociedade verdadeira-mente eficaz em Marte. Entre mortose feridos, salvam-se quase todos, eo final, embora fácil demais, não é detodo inverossímil. A ação vertigino-sa das últimas trinta páginas deixavocê tão ligado que praticamente nãoé necessário pensar. Aliás, esse romance não faz pen-sar: Climbing Olympus não tem a in-tenção de guiar o leitor por uma des-crição extremamente detalhada doplaneta vermelho. É aventura assu-mida. E ótima.

MOVING MARS Este é um dos livros mais dísparesda safra marciana. Dos citados aqui,é o único com duas característicasmuito especiais: é o único passadono século XXII, e o único que mos-tra uma alternativa para a terraformi-zação de Marte: a vida nos subterrâ-neos. O livro de Greg Bear, a julgar pelocomeço, é o mais radical do autor.Ela trata dos conflitos envolvendo aunificação de Marte, já na terceirageração marciana, pelos olhos deCasseia Majumdar, estudante univer-sitária que se envolve na luta apósuma expulsão em massa arbitrária.Narrado todo na primeira pessoa poruma Casseia centenária, o livro con-ta sua vida e de seus encontros edesencontros com Richard Franklin,nerd com quem ela vive uma relaçãocomplicada. A vida leva os dois a

caminhos diferentes: Casseia se tor-na política, e Richard cientista, am-bos com visões de mundo bem dís-pares. Infelizmente, a primeira impressão,no caso de um livro, nem sempre é aque fica: Moving Mars não é um dosmelhores livros de Greg Bear. A nar-rativa em primeira pessoa limita o es-pectro do livro, enchendo-o de ob-servações por vezes cansativas edesnecessárias, e um tanto ingênu-as, ainda mais quando se consideraque o livro é narrado pela Casseiaidosa, e não pela jovem. A visão de Marte também soa umpouco utópica, apesar dos confli-tos a que Bear expõe os marcianos:à maneira do velho mestre Clarke, atecnologia é superestimada a pon-to de gerar pessoas perfeitas físicae mentalmente. Bear ainda doura apílula colocando restrições políti-cas, sociais e econômicas a essasalterações, mas não oferece nada denovo, não torna o cenário lá muitoconvincente. A organização social de Marte écomposta basicamente de BMs (Bin-ding Multiples, um eufemismo paraempresas compostas por famílias eagregados) e a história se passa basi-camente mostrando a luta da Majum-dar BM para unificar Marte. Uma daspartes mais interessantes do livro é aviagem de Casseia, já como aprendizde político, à Terra. O translado lem-bra vagamente The Void Captain’sTale, de Norman Spinrad, pelo ambi-ente um pouco bizarro (ao menos paraCasseia) e sua relação com a terrá-quea Orianna, que, apesar de ter a suaidade, em nada se parece com ela: é,assim como quase todos os seres daTerra, uma criatura repleta de implan-tes que a tornam infinitamente maisrápida, inteligente e habilidosa. Mas,como lembra muito bem Casseia, ain-da lhe falta a experiência, que nenhu-ma simulação pode reproduzir. Duran-te a viagem à Terra, ela fica sabendoque Franklin agora está casado e tra-balhando num projeto envolvendo

alterações no contínuo espaço-tem-poral. O leitor de Greg Bear já tem umaidéia de onde isso leva, não? Exato:Eon e Eternity, e contos como TheWind From a Burning Woman, pas-sados num universo onde o homemquase se destruiu mas aprendeu, en-tre outras coisas, a dominar o tempo.Moving Mars nada tem a ver com esseuniverso. O que não quer dizer que não sejainteressante: para Greg Bear, aparen-temente é impossível desvincular aciência da política — quem já lutoupor verbas do governo para algumapesquisa entende bem isso. O livroé muito mais uma investigação polí-tica do que científica, acompanhan-do os esforços de Casseia para man-ter unido um planeta cheio de diver-gências, esforços que não dão emnada: Marte entra em guerra com aTerra, e é quase inteiramente destru-ído. É então que Casseia, agora Vice-Presidente do planeta, finalmentetorna a encontrar Franklin, para ten-tar, através das experiências dele como Contínuo de Bell, salvar Marte.Contar o resto, naturalmente, estra-garia o final; basta dizer que o títuloé levado ao pé da letra... Para fãs de Arthur C. Clarke ou OlafStapledon (este último, aliás, é mui-to citado em revistas como a influ-ência básica de Bear), o livro é ummust. Para quem gosta de uma fic-ção científica mais moderna, o livroé um maybe.

THE MARSTRILOGY

É até covardia. O grande (em todosos sentidos) livro sobre Marte é atrilogia marciana de Kim Stanley Ro-binson. Bradbury não se manifestou,mas o grande pai Clarke já deu o seuaval na capa da edição inglesa: é omelhor livro sobre Marte já escrito.E isso após ter lido apenas a primei-ra parte, Red Mars, cuja análise seráfeita aqui.

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Este volume inicial pode ser lidoquase como se fosse a continuaçãodo livro de Ben Bova: ele gira em tor-no da segunda viagem a Marte, aque-la que vai estabelecer uma colôniadefinitiva no planeta vermelho. As-sim como no livros de Bova e de An-derson, os tons de vermelho, rosa eocre predominam, mas ao contráriode monotonia, as descrições de ama-nheceres e crepúsculos na paisagemmarciana, mesmo sem o auxílio deilustrações ou material visual, são deuma força indescritível, e eu me pe-guei de volta à infância, quando meemocionava com as imagens da Lua.Aqui, nessas imagens, está todo opropósito da ficção científica, tudoo que nos atraiu como fãs e profissi-onais: o fascínio pelas paisagens ali-enígenas. O sense of wonder estápresente em cada descrição. E também a discussão científica. Se-gundo Gary K. Wolfe, da Locus, Ro-binson é capaz de tornar acessíveisas informações científicas com a cla-reza de um Asimov ou um Clarke. Ain-da que não seja inteiramente verda-de — por várias vezes a impressão éde que ele reuniu tantas informaçõesnos dezessete anos (isso mesmo, 17anos) de pesquisa que teve pena dedeixar alguma coisa de fora, e o leitorpercebe que, se quisesse, poderiapular diversas passagens de puradescrição teórica sem que isso afe-tasse a compreensão da história.Considerando que cada volume temcerca de 700 páginas, a trilogia podefacilmente ser considerada a maiscompleta sobre Marte. Outro blurbna contracapa da edição inglesaconsidera-o o Guerra e Paz da fic-ção científica... e, depois de ler issotudo, fica difícil pensar diferente.Como Tolstói, Stan Robinson faz umtrabalho impecável na construção deum mundo e dos personagens. Aspaixões, os ódios, os sentimentosdúbios e nem sempre fáceis de expli-car (como ocorre na vida real), juntoa uma história sócio-política de co-lonização com todas as nuanças das

histórias dos jornais e dos livros his-toriográficos. Utilizando uma técni-ca ágil, a da narração de cada capítu-lo pelo ponto de vista de um dos per-sonagens principais (mas sempre naterceira pessoa, o que não cansa nemaborrece), Robinson oferece um pa-norama bastante amplo da odisséiados Cem Primeiros, como são cha-mado os integrantes da primeira co-lônia. Desde a viagem para o planetavermelho até o clímax fantástico dadestruição quase total de Marte (eusei, parece o que aconteceu no livrode Bear; mas esperem só até lerem acena do elevador orbital caindo so-bre o planeta), somos conduzidoscom tanta maestria que é como setudo o que ele está narrando hou-vesse de fato acontecido. A últimaparte em especial é uma das maisemocionantes que já li (e eu já li mui-ta coisa): a surpreendente cena emque Simon, conhecido como um dosmais retraídos dos Cem Primeiros,impede o suicídio da esposa Ann, efinalmente verbaliza o seu amor mefez chorar, e há muito tempo um livronão me comovia tanto. A destruiçãode Marte e o grand finale sugeremque as mudanças climáticas criadaspelas explosões nucleares na super-fície e a liberação da massa de gelono subsolo irão acelerar o processode terraformização... mas esta histó-ria só será contada em Green Mars. Entre os livros vistos aqui, há umagrande semelhança de descrição e in-tenções nos trabalhos de Bova e Ro-binson. São sem dúvida os livrosque mais se aproximam de uma pos-sível história da colonização de Mar-te. Também se destacam pelo respei-to aos personagens, tratando-oscomo algo mais que simples mario-netes que servem de apoio para umahistória. Eles pensam e sentem comoqualquer um de nós, e, mesmo entreautores experientes, não é pouco. O interessante é o desagrado geralde praticamente todos por psicólo-gos. Ben Bova, embora tentando exer-cer correção política, acaba colocan-

do o pobre médico inglês Tony Reedna berlinda; o único a explicitar issoé Stan Robinson, mantendo o narra-dor neutro e falando da famosíssimaaversão dos cientistas ao que elesconsideram uma pseudociência.Tudo bem, essa postura é conheci-da — ela também existe no fandom— e esses livros são hard, mas ficaum incômodo: como um dos perso-nagens de Robinson, o ruivo Arka-dy, ironiza, “estamos no século XXIe ainda não paramos de pensar comono século XIX.” Isso é verdade: atéonde sei, o máximo que a literaturaem geral (fc incluída) conseguiu co-meçar a digerir, e mal, foi Freud. Junge Reich, então, nem pensar... Outra semelhança é no estilo narra-tivo. À exceção de Moving Mars, emprimeira pessoa, todos os outros au-tores escolheram a terceira pessoa,dividindo o livro não em capítulosnumerados, mas pelos nomes dosprotagonistas (como em Mars ouClimbing Olympus) ou em partescom títulos (como a trilogia de Ro-binson). Esses desvios narrativostornam a leitura mais fácil e menosdensa, permitindo que o leitor seconcentre muito mais nos fatos im-portantes, ao invés de uma narrativalinear, que contém muitos detalhesdesnecessários. Enfim, sejam hard, soft, com forteembasamento científico ou fruto damais desvairada especulação, as his-tórias sobre Marte são um exemploda capacidade inabalável do homemem acreditar não, como diz o ditado,que “enquanto houver vida há es-perança”, mas que enquanto nãohouver vida é que haverá esperança— de encontrá-la (como talvez sejao caso neste momento) ou de criá-la.E enquanto isso sonhamos.Nota: 1 Em viagem recente a OuroPreto, descobri no Museu de Mine-ralogia que Brumado é uma cidadeda Bahia, rica em minerais comocalcita e lazulita. Bova deve terbrincando de uni-duni-tê no mapado Brasil...

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Um meteorito marciano encontra-do na Antártica há doze anos talveztraga em seu âmago os primeiros in-dícios da existência de vida fora daTerra.

Uma equipe de nove cientistas dediversas especialidades, lideradapelo geólogo David S. McKay doCentro Espacial Johnson (NASA),anunciou no início de agosto ter des-coberto fortes evidências (mas nãoprovas concretas) da existência deatividade biológica fóssil no meteo-rito ALH 84001, encontrado na regiãode Allan Hills no continente antárti-co em 1984. Esse meteorito proviriade Marte e teria atingido o nossoplaneta há cerca de 13.000 anos, de-pois de vagar pelo espaço interpla-netário durante um intervalo de 16milhões de anos.

A primeira pergunta que nos vemà cabeça é a seguinte: “Como é queeles sabem que o tal meteorito veiomesmo de Marte?” Esta é fácil deresponder: quando se solidificam apartir do magma primordial, as rochasformadas em planetas dotados deatmosfera “capturam”, por assim di-zer, pequenas amostras de ar sob aforma de bolhas microscópicas imer-sas em suas estruturas.

Pois bem. Uma vez analisadas es-sas minúsculas amostras gasosaspresentes no meteorito ALH 84001concordam pelo menos até a nonacasa decimal com as amostras cole-tadas in loco na superfície de Martepelas sondas Viking. Este resultadoassegura que o meteorito é de fatoprocedente do planeta vermelho. Omais antigo dos doze exemplares per-tencentes ao seleto clube das rochasmarcianas encontrados na Terra.Essa classe de meteoritos, batizadaShergotty-Nakhla-Chassigny (ou,

bilitando a existência de água emestado líquido —- a prova da pre-sença de cursos d’água no passadomartológico pode ser observada nasdezenas de imagens dos leitos se-cos de antigos rios fotografadospelas câmeras das sondas Mariner eViking. Um habitat muito mais pro-pício ao surgimento da vida unicelu-lar do que o ambiente marciano atu-al. (1) Num habitat desse tipo seriade se esperar o desenvolvimento deformas bacterianas primitivas, capa-zes de gerar H.A.P. como resíduosmetabólicos.

Mas, voltando à odisséia do ALH84001, as cadeias carbônicas de al-guns dos glóbulos de hidrocarbone-tos parecem ter sido quebradas porum segundo evento de impacto. Umchoque ocorrido ainda no planetaMarte, ou no espaço interplanetário,excluindo portanto a hipótese dessematerial orgânico se ter originado naTerra. Corroborando a tese da ori-gem extraterrena, descobriu-se quea composição isotópica do carbonoe do oxigênio presente nos glóbulosde hidrocarbonetos indica que elesforam produzidos no interior do me-teorito, não tendo se formado noperíodo em que o ALH 84001 perma-neceu enterrado sob o gelo antárti-co.

Esse segundo evento de impactofoi tão violento ejetou fragmentos dasuperfície de Marte. Um dos frag-mentos deu origem ao meteorito ALH84001. Depois de vagar durante cer-ca de 16 milhões de anos pelo espa-ço interplanetário, o fragmento emquestão ingressou na atmosfera ter-restre e impactou o nosso planeta nocontinente antártico. O período depermanência do fragmento no espa-ço pode ser estimado com precisão

mais simplesmente, classe SNC) pa-rece ter chegado à Terra como resul-tado de eventos de impacto (leia-sechoque de asteróides e/ou cometas)na superfície de Marte.

Certo. O ALH 84001 é um frag-mento arrancado ao quarto planetado Sistema Solar. Mas, como é queesse pedaço de Marte veio parar naTerra? Bom, para explicar essa pre-sença alienígena, vamos voltar notempo uns quatro bilhões de anos,para contar a história dessa rochadesde o princípio.

O ALH 84001 é o fragmento de umarocha ígnea que cristalizou em Mar-te há 4,5 bilhões de anos. Neste sen-tido, pode se dizer que é a rocha pla-netária mais antiga de que se temnotícias. Sua estrutura cristalina re-gistra dois eventos de impacto se-parados por um período de arrefeci-mento. O primeiro evento ocorreuhá cerca de 4,0 bilhões e produziuuma série de fraturas (rachadurasinternas) na estrutura do meteorito.O segundo impacto, muito mais re-cente, arrancou o fragmento de seuplaneta de origem, lançando-o aoespaço.

Ao contrário dos demais meteori-tos SNC, que contêm apenas traçosde compostos carbonados, o ALH84001 possui hidrocarbonetos aro-máticos policíclicos (H.A.P.) sob aforma de glóbulos, cujos diâmetrosvariam entre 1 e 250 micra. As me-lhores estimativas indicam que es-ses glóbulos de hidrocarbonetos seteriam formado há 3,6 bilhões deanos, penetrando no corpo do ALH84001 através das fraturas pré-exis-tentes.

Há mais de 3 bilhões de anos, aatmosfera de Marte era consideravel-mente mais densa que a atual, possi-

Gerson Lodi-Ribeiro

Ciência para o Amanhã

Evidências deEvidências deEvidências deEvidências deEvidências deVida em MarteVida em MarteVida em MarteVida em MarteVida em Marte

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razoável graças aos cálculos da ex-posição de raios cósmicos a que es-teve sujeito enquanto vagava semrumo pelo espaço.

Finalizando suas aventuras inter-planetárias, o ALH 84001 chegou aTerra há cerca de 13.000 anos, doisou três milênios antes do término daúltima glaciação.

Mas, e o que dizer desses resídu-os orgânicos? Os tais hidrocarbo-netos aromáticos policíclicos nãopoderiam ser fruto de uma contami-nação por microorganismos terres-tres? Afinal, ao contrário de Marte,a Terra é um planeta literalmente re-pleto de vida.

A hipótese de contaminação foilevada a sério pela equipe de pes-quisadores liderada por McKay. Di-versos testes de controle rigorosos,elaborados para detetar possíveiscontaminações, tiveram resultadosnegativos.

Em primeiro lugar, os defensoresda tese da contaminação alegaramque os H.A.P. são resíduos comunsda poluição industrial (mais especi-ficamente, da queima de combustí-veis fósseis). Pois bem: o estudo doacúmulo de H.A.P. nas calotas pola-res da Groenlândia para os últimos400 anos indicaram concentraçõesde 1 parte por trilhão, para a épocapré-industrial, até 1 parte por bilhão,para a neve depositada no períodomais recente. Como o hemisfério sulé menos industrializado do que onorte, poderíamos esperar que a con-centração de H.A.P. do gelo antárti-co residisse num ponto qualquerentre esses dois limites. Contudo, aconcentração de H.A.P. do meteori-to ALH 84001 é mais de 100 vezesmaior do que o limite superior acimacitado. Além disso, os hidrocarbo-netos presentes no meteorito nãosão os comumente associados aosresíduos da queima de derivados dopetróleo.

Contudo, o indício mais conclusi-vo da verdadeira origem dos H.A.P.veio do gradiente de concentração

desses compostos orgânicos no in-terior do meteorito. Se a hipótese dacontaminação terrestre fosse válidadeveríamos esperar maiores concen-trações de H.A.P. nas regiões maisexternas do fragmento. No entanto,verificou-se que para o ALH 84001 aconcentração de H.A.P. é proporci-onal à profundidade (medida a partirda crosta fundida do meteorito), au-mentando de um valor nulo, na su-perfície, até se estabilizar num valormáximo a 1,2 mm de profundidade.Esse perfil de concentração é con-sistente com a hipótese de volatili-zação e pirólise dos H.A.P. marcia-nos, e a conseqüente formação dacrosta fundida, nas camadas maisexternas, durante o ingresso do me-teorito na atmosfera terrestre, masinconsistente com a hipótese da in-trodução de material orgânico atra-vés das fraturas do meteorito duran-te o período em que este permane-ceu enterrado sob o gelo antártico.

Estudos exaustivos praticamentedescartaram a hipótese de contami-nação do fragmento durante as di-versas fases do estudo a que foi sub-metido no ambiente controlado delaboratório.

Admitindo-se a origem marcianados H.A.P. presentes no meteoritoALH 84001, existe a possibilidadedesses compostos carbonados seterem originado através de proces-sos inorgânicos, sem qualquer rela-ção com as atividades metabólicasde microorganismos?

A equipe de McKay não conside-ra provável a hipótese de uma ori-gem abiótica. Uma análise micros-cópica da estrutura interna dos gló-bulos indica que eles são constituí-dos por várias camadas concêntri-cas de hidrocarbonetos associadoscom elementos metálicos como o cál-cio, o ferro, o magnésio e o manga-nês. Cada uma das camadas apre-senta forte predominância de umdesses elementos metálicos em de-trimento dos demais. Estruturas ela-boradas desse tipo são extremamen-

te semelhantes às encontradas nosresíduos orgânicos associados aosmicrofósseis atribuídos às bactériasterrestres primitivas.

Outro indício importante da origembiológica dos H.A.P. do meteorito éa coexistência de camadas ricas emsulfito de ferro com outras, que pos-suem grande abundância de partícu-las de magnetita. A presença simul-tânea desses dois compostos de ferronuma mesma amostra só pode serexplicada admitindo-se um hipótesebiogênica de formação dos H.A.P.Sabe-se que as formas microbianasterrestres produzem tanto magnetitaquanto sulfito de ferro através dereações químicas de oxidação e re-dução. As partículas de magnetitapresentes no ALH 84001 são quími-ca, estrutural e morfologicamente si-milares às partículas de magnetitaterrestres conhecidas como magne-tofósseis, que sabemos serem resí-duos fósseis das atividades metabó-licas de determinadas classes debactérias.

Ainda no interior do meteorito, fo-ram detetados indícios da existênciade determinadas estruturas de carac-terização complexa, descritas no ar-tigo da equipe de McKay como ovói-des, que guardariam uma certa se-melhança com os microfósseis ter-restres denominados nanobactéri-as. Ainda é muito cedo, contudo,para se afirmar se o ALH 84001 abri-ga apenas os resíduos metabólicosda flora bacteriana de Marte, ou tam-bém as próprias bactérias em si. Ahipótese não está, é lógico, compro-vada, não passando no momento deuma interpretação. Uma posteriorconfirmação (ou desmentido) aindadeve depender de novas séries detestes e análises. Portanto, aguar-dem novos informes!

Já parece claro, no entanto, quenenhuma das observações acimadescritas, examinada de forma isola-da, é conclusiva em prol da existên-cia de atividades biológicas fósseisem Marte. Embora se possa imagi-

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nar explicações diversas da hipóte-se biogênica para cada um dos fenô-menos abordados quando encara-dos individualmente, uma vez que osconsideremos no seu conjunto, so-bretudo à vista da sua associaçãoespacial no interior exíguo de umaúnica amostra meteorítica com pou-co menos de dois quilogramas demassa, somos persuadidos a admitira existência de fortes evidências emfavor da vida unicelular no passadode Marte.

A se confirmar a hipótese das bac-térias marcianas fósseis, a ciênciaterá conseguido comprovar que ofenômeno da origem da vida nadatem de único, místico ou especial. Seaté um planeta árido e inóspito comoMarte pôde um dia abrigar formasbiológicas autóctones (2), o surgi-mento de vida pelo universo aforadeve ser um evento bem mais pro-saico do que se supunha anterior-mente. Talvez devamos consideraro aparecimento de formas unicelula-res como conseqüência natural daevolução geológica das superfíciesplanetárias, e admitir que a vida aca-bará surgindo, sempre que as condi-ções ambientais se mantenham favo-ráveis por um período de tempo su-ficientemente longo.

Mas, quaisquer que sejam os re-sultados finais dos estudos do me-teorito ALH 84001, uma coisa é cer-ta: a exobiologia deixou de ser ape-nas um conjunto de especulações

intelectualmente instigantes paraassumir o status de disciplina cientí-fica séria. Pois, quando não dispo-mos de fatos, contra a ignorância sónos resta a especulação filosófica.Contudo, quando criaturas racionais,humanas ou alienígenas, examinamamostras, analisam dados quantita-tivos, tecem hipóteses e estabelecemconclusões e teorias, isto é ciência.

Leitura Adicional (3):Kerr, Richard A.: “Ancient Life on

Mars?”, Science, vol. 273, No. 5277,Issue of 16 August 1996 (pp. 864-866).

McKay, David S.; Gibson Jr., E.K.;Thomas-Keprta, K.L.; Vali, H.; Roma-nek, C.S.; Clemett, S.J.; Chillier,X.D.F.; Maechiling, C.R. & Zare, R.N.:“Search for Past Life on Mars: Pos-sible Relic Biogenic Activity in Mar-tian Meteorite ALH84001”, Science,vol. 273, No. 5277, Issue of 16 Au-gust 1996 (pp. 924-930).

Ochert, Ayala: “Life on Mars?”,Nature Science Update, 22 August1996.

Notas:1 - Para mais detalhes sobre os re-

sultados das experiências realizadaspelas sondas Viking I e II, ler o arti-go “Vida em Marte — Resultados doProjeto Viking”, do autor, publicadono Somnium 49.

2 - A década de 1990 marcou oaparecimento de uma nova safra de

romances marcianos *. Depois deum longo período de ostracismo, acolonização do planeta vermelhovolta a inspirar paixões na verten-te hard da ficção científica. Porsuas doses generosas de realismoe plausibilidade científica, algunsdesses romances marcianos sãoconsiderados o estado da arte emtermos de ficção científica hard. Écurioso notar que, em meio a tama-nhos esforços para se aprimorar averossimilhança e o realismo, hou-ve uma certa tendência para se dei-xar a imaginação em segundo pla-no: a maioria dos autores, por exem-plo, não ousou propor a descober-ta de microfósseis marcianos (BenBova foi uma excessão notável). Noentanto, é bem provável que a hu-manidade sequer tenha precisadoir até Marte para descobrir vida ex-traterrestre. De uma maneira bemmenos dramática mas tão surpre-endeente quanto a descrita por H.G.Wells em A Guerra dos Mundos,Marte veio até nós. E assim, a ci-ência surpreendeu a nossa peque-na aldeia global ao superar uma vezmais as expectativas da própria fic-ção científica.

3 - Os artigos citados podem serlidos e/ou retirados diretamente pe-los leitores interessados nos sites daNature e da Science na Internet. Acitar: http://www.nature.com e http://science.com.

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AntologiaAntologiaAntologiaAntologiaAntologiade contos dede contos dede contos dede contos dede contos de

ficção científicaficção científicaficção científicaficção científicaficção científicaenfocandoenfocandoenfocandoenfocandoenfocandoo futebol.o futebol.o futebol.o futebol.o futebol.

Antologia deAntologia deAntologia deAntologia deAntologia deContos FC & FutebolContos FC & FutebolContos FC & FutebolContos FC & FutebolContos FC & Futebol

a/c Marcello Simão BrancoAv. Clara Mantelli, 110 - 04771-180 - São Paulo, SP

Tel. (011) 521-9160 (à noite)

Prezados Escritores:

O futebol é o esporte de mai-or sucesso e repercussão aonível mundial. No Brasil não édiferente e desperta a paixãoda maioria dos brasileiros. Étão penetrante em nossa soci-edade, história e cultura queseu alcance vai muito além doâmbito esportivo. É uma dasmais genuinas manifestaçõessócio-culturais do povo brasi-leiro neste século XX. Uma ex-pressão e afirmação de gran-de parte da sociedade, bemcomo de identidade nacional. Estranhamente a literaturabrasileira em geral abordoumuito pouco o futebol. A pro-posta desta antologia é contri-buir para enriquecer a prosa

brasileira sobre este tema, e demaneira singular: pela ótica daficção científica. Encare este convite como umdesafio goste ou não de fute-bol. Histórias de ficção científi-ca em que o futebol tenha oprimeiro plano da narrativa.Pode enfocar as perspectivasdo esporte em geral, situar ahistória em um clube ou regiãodo País, ou sobre jogadoresque fizeram (ou farão) a histó-ria do esporte, bem como docaráter de manifestação popu-lar da cultura brasileira. A proposta deve levar em con-ta o caráter de entretenimentoe abrangência, pois ela é vol-tada tanto para o aficcionadopor ficção científica quanto pelode futebol.

Coloco-me à disposição paraesclarecer dúvidas e sugerirpossíveis idéias para uma fu-tura história, bem como mate-rial de pesquisa que julgar ne-cessário. Vamos enriquecer a literatu-ra brasileira de ficção científicacom um tema de abordagemabsolutamente original. Alémde entreter também o torcedorque vai à arquibancada torcerpor seu time ou craque do co-ração. Fico no aguardo de um con-tato de sua parte. Estou aber-to ao número de contos quequiser enviar para seleção epossível aproveitamento. Não deixe a bola cair! Vamosmarcar aquele golaço!

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Ficção

Talvez para os leitores mais antigos este título não seja estranho. É verdade. “Camarões do Espaço” fo publicadooriginalmente no fanzine Antares no início dos anos 80. Por que então publicá-lo novamente? Por dois motivos:primeiro porque ela é uma das mais empolgantes histórias de ficção científica espacial escritas por Carqueija epor esta geração de escritores da ficção científica brasileira. E em segundo ela foi reescrita, melhorada em suaforma e narrativa, para ser primeiramente publicada em uma antologia de contos. Para quem já conhece, umaversão mais estilizada, modernizada. E para a maioria que já ouviu falar e tinha curiosidade de conhecer, aquiestão os

Camarões do EspaçoCamarões do EspaçoCamarões do EspaçoCamarões do EspaçoCamarões do EspaçoMiguel Carqueija

“Venha conosco. Abandone a angustiante e vertiginosa rotina diária, o esmagador afã dos problemas banais ediários, a vida sem horizontes da grande maioria que permanece na superfície da Terra. Venha participar das emoçõesinesquecíveis da caça ao camarão do espaço. Afaste-se das tradicionais linhas de tráfego do Sistema Solar, junte-se aosintrépidos aventureiros que demandam os rios cósmicos onde prolifera a mais incrível criatura do Universo, o camarãoespacial. Você verá coisas nunca vistas e fará a maior - ou maiores, pois contamos com seu retorno - aventura da suavida.”

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Ah, a força da propaganda! Ela pode ser utilizada - e é, largamente - para desarrumar vidas, desestabilizá-las, sob oeufemismo de “abandonar a rotina”. Uma análise serena mostraria facilmente as falhas daquela amostra que transcrevi,como chamar “caça”- nome mais facilmente associável a emoções - àquilo que por analogia melhor se intitularia pesca.No entanto ali estava eu, a bordo da velha nave espacial “Centúria”, veículo de aluguel, em companhia de Joe “BocaLarga”, a quem eu nem conhecia poucos meses atrás. Não o tipo de gente que eu apreciasse como única companhiadurante semanas, meses a fio. Mas não há muita escolha, nesse tipo de empreitada.

Era de manhã, bem cedo. Falo em termos relativos, embora não seja um especialista em Einstein. Psicologicamentesomos dependentes do sistema terrestre de contar o tempo, ainda seguimos o Calendário Gregoriano mesmo no espaçosideral, onde não existem dia e noite, manhã e tarde, alvorada ou crepúsculo. O tempo, na milenar marcação de 24 horaspor dia, é um dos poucos fios que ainda nos ligam ao distante planeta natal.

O espaço é um dos maiores problemas, dentro de uma astronave de pequeno porte. A cama encontra-se embutidanuma espécie de nicho na parede metálica e você não pode se erguer de repente, pois baterá com a cabeça no teto.Mesmo sendo este forrado, uma precaução necessária, o choque é desagradável. Nem trinta centímetros fazem adistância de sua testa. É preciso então arrastar-se para fora da cama. À direita, em outra reentrância quadrada na parede,estão fixas mesas e cadeiras. O reservado é na concavidade oposta. Perto da mesa, um nicho pequeno na parede garantecomunicação com o resto da nave. Luzes suaves de cores diversas, reguláveis, no teto. É só. O que mais você queria quehouvesse nesse quarto ?

Pelo menos, é um santuário onde posso desfrutar de minha privacidade, antes de enfrentar a tagarelice de Joe “BocaLarga”.

- Alô, chefe - disse Gil.- Alô, Gil - disse eu.Claro, Gil é um autômato. Programaram-no para chamar todo tripulante de “chefe”. Pode não ser um autêntico robô

asimoviano, que passaria pelo crivo de Susan Calvin. Não está programado com as três Leis da Robótica, mas éplenamente seguro apesar disso. Há muita fantasia em torno de robôs, mas eles são apenas máquinas.

- Teve uma boa noite, chefe ?- Claro, pois dessa vez não sonhei com o Joe.E aqui estou eu, Fidélis Guarnieri, a conversar tolamente com um autômato que foi programado para manter conver-

sações banais que às vezes raiam a debilidade mental. Ele tem um certo estoque de frases pré-fabricadas em sua memóriaeletrônica.

- Então não foi tão desagradável, Chefe.Um senso de humor infame, ainda por cima. Nesse ponto Joe já intervinha:- Alô, Fidélis. Graças a Deus você levantou. Já estou farto de conversar com aparelhos. Isso é deveras irritante. Esse

raio desse autômato não poderia conversar com uma criança de cinco anos.Instalei-me numa poltrona e fixei o olhar em meu associado:- Só que eu gostaria que falássemos muito seriamente dessa vez. Estamo-nos aproximando do campo de pesca e

precisamos nos prevenir contra qualquer eventualidade. Temos de pensar nos concorrentes, inclusive os desleais eperigosos. E nas próprias incógnitas que essas regiões representam. Não podemos continuar como se estivéssemosnuma viagem turística.

Joe alargou a sua boca e respondeu com bom humor:- Você está ficando enrugado, Fidélis. Nem eu nem você somos grandes entendidos em matemática avançada, e assim

não podemos saber grande coisa de navegação espacial. E nem é preciso, já que a nave é computadorizada e a modernaciência cibernética garante a nossa segurança de um modo que seria impensável uma geração atrás. Portanto...

- Portanto, Joe, eu não gosto muito da idéia de me entregar de olhos vendados a um bando de robôs e computadoresidiotas. Vamos discutir a nossa situação.

- Pois muito bem, já que você insiste. Vamos lá no controle para podermos esclarecer qualquer dúvida.Para fazer isso só precisávamos dar alguns passos. Sentamos diante do painel luminoso e Joe, encurtando a boca,

ficou esperando.- Bem, Joe, em primeiro lugar vejamos essa história de “rios cósmicos”. Podemos fazer uma analogia com as correntes

marinhas, de qualquer maneira o fato é que nos dirigimos para uma torrente nas periferias do Sistema Solar, por ondefluem os camarões. Eu penso muito nisso como uma espécie de voragem que pode tragar nossa embarcação, ou retê-lapara sempre. Se não tivermos tração suficiente...

- Fidélis, nós sabemos que o camarão não possui meios de sair das áreas de turbulência gravitacional, que é o que sãoas correntes cósmicas. Entretanto uma nave fotônica como a nossa é algo diferente. Se não fosse assim, muitosacidentes já teriam ocorrido. Você sabe muito bem que os caçadores de camarão conseguem retornar.

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- Alguns não voltaram.- Muita gente não volta de um simples passeio de bicicleta. Até aí estamos dentro dos limites de periculosidade. Não

é porque haja nada de especialmente fatídico na correnteza gravítica.- Mas eu não devo ter refletido com todo o meu senso habitual, quando concordei em vir com você! Será que você não

percebe que a aventura está dentro dos padrões médios de segurança, se o nosso veículo também estiver? E qual é aidade da Centúria?

- Quarenta e quatro anos. Acontece...- Acontece que esse bicho passou por revisões e remendos, mas nem por isso se compara às naves atualmente

desenhadas. Veja bem, Joe “Boca Larga”, esse navio foi construído antes das primeiras expedições aos rios cósmicos.O Billings só foi explorado de 32 anos pra cá, e faz só 18 anos que a temporada de pesca foi regulamentada. Como vocêpode garantir a segurança de uma nave não especialmente projetada para navegar nas correntes do espaço?

- Você está supervalorizando o perigo. Existem precedentes importantes de naves não especialmente projetadas, eque navegam muito bem nessas regiões. Eu mesmo conheço um grande sujeito, Alfie, o Bagre, que...

- Não importa. Isso não prova o suficiente nossa segurança.- Escute aqui, Fidélis, você sabe por que razão os vermelhões não resistem à correnteza? Porque eles são sutis, não

são feitos de matéria como nós conhecemos na Terra. São de plasma. Aliás, tudo indica que eles não tem condições desobreviver fora de sua área. Não lhes interessa mesmo sair.

- Tudo bem, é bom contar com um sujeito otimista para contrabalançar um pouco as minhas desconfianças. Mas façoquestão de uma conferência geral nesta nave antes que cheguemos ao Rio Billings. temos de evitar qualquer parafusofora do seu lugar.

Joe concordou facilmente. Não que lhe agradasse qualquer verdadeiro trabalho, mas afinal existia o Gil com seusrobôs auxiliares.

Eu, porém, tinha outras objeções a fazer.- Que você me diz da segurança interna? Quero dizer, principalmente o acondicionamento dos camarões...- Se você não se aventurar em tocar neles com as mãos nuas...- Vade retro. Mas eu sei muito bem que os nosso colegas utilizam tripulações de até quinze pessoas...- ... o que é um exagero. Nossos tanques são perfeitamente adequados aos nossos “crustáceos” e os robôs suprem

com vantagem a ausência de mais seres humanos. E mais: robôs não dividem os lucros.- Então está tudo seguro por dentro e por fora?Joe digitou algumas teclas.- Veja você mesmo. Estou solicitando a porcentagem de segurança que nós gozamos atualmente.Os cálculos surgiram na tela, vertiginosos, impossíveis de acompanhar. Finalmente, triunfante, apareceu o percentual:

97,58%.- E aí está. Menos de 3% de risco para nós. Um helicarro no Rio de Janeiro não apresenta tamanha segurança.Embora eu adivinhasse as objeções contra semelhante argumentação, fingi que tal garantia me era satisfatória. Eu

ainda tinha outra preocupação:- Resta uma coisa, Joe. As defesas do nosso barco. Não me sai da cabeça essa falta de previsão, na pressa com que

partimos.- Defesas? Você quer dizer, contra ataques?- Geralmente, a gente se defende de ataques...- Você andou lendo as reportagens sobre pirataria espacial, não é isso?- Além da própria violência de certos competidores legalizados.- Oh, isso! Deixe eu lhe mostrar uma película...Joe acionou o aparelho de vídeo. A tela azulou-se e ele digitou o código de um documentário que eu já havia visto

umas cinco vezes. “Billings, o rio cósmico”.

Uma das descobertas mais excitantes da exploração do Sistema Solar foi a dos rios cósmicos, há 42 anos. Trata-se deuma série de correntes de vácuo, se é que se pode utilizar semelhante vocábulo. Como a distinção entre matéria e energiaé mais de grau que de diferença real, deduz-se que o vácuo absoluto provavelmente não existe pois a energia penetra emtoda parte. Basta pensar na difusão espacial da luz. Bem, o rio cósmico é um torvelinho de gravitação. Assim pelo menosos astrofísicos o descreveram. Cummings declarou mesmo que se trata de “torrentes de nada, correndo para partealguma”. Apolônia expôs, há quarenta anos, a tese de que os rios cósmicos são elemento moderador para o equilíbriogravítico do sistema, e desenvolveu uma série de equações notáveis para sustentar a teoria. De qualquer modo, eles seencontram em oposição ao disco das órbitas planetárias: sete ao todo, identificados e perfeitamente individualizados,

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bem que ligados entre si por tênues ramificações.É o único local do Cosmos onde foram encontrados camarões espaciaisA Centúria realizou uma grande translação até atingir um ângulo de quase 90° em relação à eclíptica, afastando-se 380

milhões de quilômetros da Terra. Íamos agora nos aproximando do Rio Billings - nome dado em homenagem ao seudescobridor - e faziam-se necessárias manobras especiais para a penetração naquela zona de turbulência. A velocidademédia do Billings é estimada em onze mil quilômetros por hora, e isso significa que a forma mais sensata de abordá-lo élateralmente, e não frontalmente. Como um alfinete espetado por baixo da pele, e não penetrando a carne. De qualquerforma, o foguete terá de acompanhar a velocidade da torrente, e a sua direção. O pior de tudo é que os camarões tambémnão param, estão sempre correndo junto com o rio. O máximo que pode acontecer é certo retardamento em face datremenda concentração de certas colônias, que chegam a abrigar trilhões de indivíduos. Uma certa coesão que existeentre eles, e a própria velocidade menor registrada no centro da torrente, fazem com que essas grandes colônias sedesloquem a velocidades bem menores, nunca inferiores porém a sete mil quilômetros por hora.

Em suma, nós acertamos nossa velocidade com a do Billings. E com a nave de Stromboli, o Dentuço. A possibilidadede encontrar justamente esse sujeito nocivo pelo caminho é que é uma em um trilhão e realizou-se, ou sou um mico decirco.

Vocês se lembram que, algum tempo atrás, eu disse que os autômatos são apenas máquinas? Contudo, às vezes eujulgo falta de caridade a maneira como Joe se dirige a eles. Agora, porém, eu queria saber o que é que o meu experienteamigo pretendia com essa história. Perguntei-lhe quem era Stromboli, o Dentuço.

- É o mais desonesto caçador de camarão que eu conheço. Tenho velhas contas a ajustar com ele. É um sujeitoperigosíssimo, que possui uma verdadeira quadrilha a seu serviço. Veja o tamanho de sua nave. Está equipada com raiospositrônicos e outras parafernálias.

Lembrei-me de uma longa discussão ocorrida dias atrás.- Recorda-se, Joe, que você se deu ao trabalho de me exibir um sofisticado filme que revelava a vastidão inimaginável

do Billings, e isso só para me convencer que a possibilidade de deparar com inimigos era apenas uma em um trilhão - eaí está a possibilidade à nossa frente, apesar de tudo, e logo no início ?

Ele desconversou habilmente.- Não há tempo para discutirmos, Fidélis. Vamos primeiro desviar nossa rota o mais depressa possível antes que eles

nos vejam, pois não estamos preparados para enfrentá-los. Gil, Cromático, tratem de fazer uma manobra de marcha-a-ré,mas num ângulo que nos custe o mínimo de tração. A seguir mergulharemos “por baixo” desse mar de sargaços paraemergir à direita, e poderemos então pescar em paz.

Tive de reconhecer que Joe possuía para essas coisas um tino invulgar e presença de espírito. Apesar de que, eucustasse a crer em tamanha agressividade por parte dos competidores. Afinal de contas, havia camarão para todos.

Dirigi-me através do aperto até a tela de radar. o importante era evitar sarilho, e para tanto dependíamos do sucessode nossa manobra de despistamento.

Graças a Deus, conseguimos efetuar o mergulho, passando através dos vermelhões na periferia do aglomerado.Tirando fora os nossos falsos crustáceos, que agora nos acompanhavam à esquerda, o espaço ao nosso redor estavamais do que vazio. Era bem o espaço de Pascal.

A Centúria flutuava na serenidade cósmica, acompanhando a ilha de seres plásmicos. Nossos controles estavamdesligados; nos deixamos levar pela corrente de gravitação, sem maiores cuidados. em nossos painéis, um espaçoleitoso e tremeluzente, produto das ilusões de ótica que a distorção gravítica produzia.

A uma distância tentadoramente próxima, os camarões do espaço.Muita gente ainda não tem suficiente informação a respeito desses seres. Quando de sua descoberta, causaram

histórico furor, especialmente nos meios acadêmicos. Revolucionaram o conceito de vida. quando os primeiros cama-rões chegaram aos laboratórios terrestres e espaciais, em precárias condições de conservação, admitiu-se de um modogeral que os mesmos representavam uma incrível forma de vida, no quarto estado de matéria (plasma). Chamá-los decamarões (há quem prefira “lagostins” ou “lagostas”) é uma feliz analogia, já que eles nada possuem em comum com aclasse dos crustáceos. São, praticamente, entes energéticos, alimentados ao que parece pelo Sol. Ou pelos raios cósmi-cos. Criaturas do espaço e de vida social, possuem uma complicadíssima organização - muito mais complicada e hierár-quica que a das abelhas - baseada na sua estrutura mais ou menos desenvolvida.

Um camarão do espaço (Macrobachium Espacialis Thurston, seu nome científico) pode ter, quando adulto, entre 15e 45 centímetros de comprimento; seus apêndices naturais, que lançam fios que se entrelaçam nos vizinhos, dão-lhe umalargura média de 20 centímetros, não mais do que oito ou dez se considerado apenas o tronco. São, por via de regra,amarelo - dourados, com cintilações escarlates, lilases e brancas. Não possuem estômago, aparelho respiratório ou

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sexual, geringonças inúteis em seu caso particular. Jamais saem dos rios de gravidade, a não ser quando tirados à força.Aglomeram-se aos trilhões, formando verdadeiros asteróides de plasma, entretecendo uma tela que consolida a suaestabilidade. Podem, porém, emigrar, dividir os seus bandos. Alguns indivíduos que se desprendem seguem com maiorvelocidade, afastando-se do núcleo, e eventualmente formarão outro núcleo mais adiante,. ou talvez se juntem a umpreexistente, como quer que seja, sempre são vistos muitos indivíduos vagabundos, passando num frenesi, rodopiandoàs vezes. Esses são dificílimos de pegar.

Parecem possuir, de alguma forma, o sentido da visão, reconhecida que está a existência de uma “parte dafrente”(cabeça?) em sua estrutura. Por razões óbvias, não podem ser dissecados pelos biólogos. Representam um novoe acintoso Reino da natureza, que não é vegetal, animal ou humano sem falar nos microorganismos e nos cogumelos, querepresentariam outros tantos reinos): a vida em plasma, alguma coisa de enlouquecer um físico nuclear, para quem oplasma é - ou era, eles custaram muito a se acostumar - matéria desfeita em sua estrutura atômica e que, pela lógica, nãopoderia formar seres vivos. Mas serão mesmo vivos? Houve cientistas que apanharam por declarar que sim; todavia,com o tempo as evidências se acumularam. Por exemplo, o vermelhão (nome inspirado na cor vermelha que, nãoobstante, não é a predominante neles, se bem que em certas épocas eles alterem suas cores, como camaleões) reage àaproximação de objetos sólidos e procura fugir às pinças e sugados das naves de pesca. Além disso eles se reproduzempor crescimento e fissura central e se comunicam entre si de forma misteriosa. São uma forma de vida rudimentar, porémfascinante. O que atrai os pescadores, porém, geralmente é o interesse econômico e não o científico.

Hoje em dia, aquários (sic) com vermelhões em exposição obtém bons lucros. Mais do que a curiosidade pública,porém, visto serem eles, com os anjos e as plantas de Marte, as únicas formas extraterrestres de vida conhecidas, existeo imenso valor científico que eles representam. Governos e instituições pagam muito bem por cada leva de exemplares.Entretanto existem ainda a utilidade prática. Milionários excêntricos orgulham-se de ter os seus palácios inteiramenteiluminados por camarões espaciais, uma fonte de energia que deve ser constantemente renovada, já que não resistemuito tempo ao cativeiro, apagando-se aos poucos e dissociando-se, desaparecendo enfim.

A propósito de tais fatos, tem havido diversos protestos, e também processos, por parte das associações protetorasdos animais - que esbarraram com a dificuldade jurídica de não serem os vermelhões, cidadãos do reino animal. Eu,particularmente, não senti maiores escrúpulos de consciência ao juntar-me a Joe “Boca larga”, por não acreditar numasensibilidade real em tais seres. Dor e angústia parecem inverossímeis em certas formas de vida cujas funções sãoapenas vegetativas, instintivas. Tenho muito amor para com os animais, como cachorros e gatos, mas um capim, porexemplo, não me inspira a mesma ternura. O que me leva a refletir: não estará errado o nosso conceito de vida? Não serárealmente vivo somente o ser que pensa, e portanto sabe de sua própria existência?

Mas de repente estou filosofando. Voltemos à história que é o que o que interessa.

Enquanto eu comia uma empada de legumes (algo próximo disso, é claro: a comida reconstituída da nave espacial)tomei conhecimento das manobras que Gil, com seus quatro robôs auxiliares e o cérebro da nave, executavam paracomeçar a captura dos camarões.

No porão da Centúria ficava o tanque de camarões, onde eles ficariam isolados por uma camada de vácuo, oupoderiam derreter as paredes do recipiente. Afinal, sua temperatura média é de 3.150 graus centígrados.

Esse tanque encontrava-se vazio.Agora chegara a hora de realizar aquilo que era a razão de nossa tão longa viagem. Eu não me apressava, pois estava

com fome e fazia questão de me alimentar. Não valia a pena precipitar-me por nervosismo, além disso eu não erapropriamente necessário. Joe, porém, queria que eu terminasse para iniciar a operação.

Súbito o cérebro da nave - a Centúria em pessoa - fez explodir o alarme:- Alerta máximo! Estamos sendo atacados!Os computadores espaciais são muito “espertos” e, em tais circunstâncias, tomam iniciativas defensivas antes

mesmo de receberem ordens. Esgueirei-me para fora do meu cubículo, quase me engasgando com a massa da empada,e levei um tranco metálico bem considerável.

- Desculpe, chefe - Aladim, felizmente, era o autômato mais leve. - Foi a pressa.No corredor estreitíssimo, fitei Joe. Ele estava lívido.- Aquele patife! Conseguiu nos seguir!- Stromboli?- Ele mesmo! E quer mesmo nos destruir!- Mas não fizemos nada!- É que para ele isso é simples diversão!Nossos radares e janelas mostravam claramente o monstruoso cruzador que lançava projéteis em nossa direção. Sem

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a manobra preventiva da nave, creio que já teríamos sucumbido. Os canhões do navio inimigo vomitavam fogo, mesmo.Não os raios mais sofisticados, pois talvez achassem muito requinte.

O abominável tubarão aproximava-se implacavelmente.Olhei para Joe em busca da salvação, mas só enxerguei o desespero.Então Joe exclamou:- Vamos mergulhar na massa! Seja o que Deus quiser!Deu as ordens rapidamente. Não se tratava de uma penetração na periferia, como há pouco, mas de um mergulho

fundo, ao coração da massa inimaginável das fantásticas criaturas. Foi tudo uma questão de segundos. A Centúriafugitiva mergulhou de frente naquele oceano de luz cósmica. Algo que talvez jamais alguém houvesse feito.

Sentado junto do painel, eu observava o lado oposto, onde uma janela panorâmica, no teto, mostrava o que ocorriano exterior. Na realidade a janela ficava abaixo dos motores; era uma tela que projetava imagens colhidas de umaverdadeira janela, muito mais afastada, por precaução, do espaço habitado.

E era espantoso. Um turbilhão de massas incandescentes ia-se esborrachar sobre o vidro térmico, como se fosse umacachoeira cósmica. Aparentemente os camarões se arrebentavam, se dissociavam e retornavam a ser plasma normal,inanimados; e eu nunca havia pensado que eles pudessem morrer daquela maneira. Minha inteligência não permitia umacompreensão maior do fenômeno, mas subitamente a massa vermelho - amarela mudou parcialmente de cor, assumindoem segundos um aspecto predominantemente lilás, e um grande espaço leitoso pareceu se abrir em meio à massa viva.Então os choques contra a janela cessaram. Os camarões pareceram formar uma só estrutura, que se afastava da nossaembarcação, abrindo-lhe caminho. Preocupado, liguei um pequeno televisor afixado sobre um tripé, junto à direita dopainel, e focalizei a direção oposta ao nosso movimento. A nave tubarão vinha vindo como uma fúria, ao nosso encalço,numa perseguição irracional. E só então acordei que Joe mentira o tempo todo para mim, ao esconder o verdadeiroambiente da pesca do camarão. Hoje sei que se desenvolveu nessas regiões um verdadeiro faroeste cósmico, com os“tubarões” tipo Stromboli, sedentos dos lucros fabulosos, eliminando impiedosamente, sem polícia nem testemunhas,os pequenos rivais que, somados, fariam considerável concorrência.

Mas outra coisa me chamou a atenção. A tela retrovisora era pequena, não tenho certeza absoluta, foi tudo muitorápido, Joe não chegou a olhar, devo ter-me enganado, mas o que vi - ou que julguei ver - é que a massa agredida edizimada dos camarões, agora reagrupada, adquiria forma colossal de uma monstruosa lagosta, de um escorpião fantás-tico, e suas pinças-soma de milhões de camarões - moviam-se rapidamente em direção à nave-tubarão, de um lado e dooutro...

E então nós saímos do turbilhão.

EPÍLOGO

Até hoje não entendo como escapamos com vida. Atribuo isso à mão poderosa de Deus, que nos poupou tendo emvista nossa inocência.

Quando saímos daquele “mar de sargaços”, espantosa explosão roxa iluminou aquela área, esfacelando o agrupa-mento de vermelhões. Todos os nossos instrumentos de observação e registro, acionados, puderam apenas constatara presença de fragmentos maiores da Destemida - como eu soube mais tarde ser o nome do navio de Stromboli, navepirata, nave bordel, nave contrabandista - tudo de ruim que vocês quiserem.

Em poucos meses aquele ninho de camarões reconstituiu-se e retornou ao seu aspecto normal. Quanto a nós, fomosobjeto da curiosidade de repórteres e cientistas do mundo inteiro. Pela primeira vez se comprovou a capacidade decoordenação e reação das criaturas espaciais; pela primeira vez patenteou-se o perigo que elas representam. Nos meusdepoimentos frisei bem que, se reação houve, foi justa tendo em vista a inusitada agressão que os seres haviam sofrido,e que punha em cheque a estabilidade do seu reino. Como quer que seja, dois efeitos imediatos ocorreram: primeiro,desativação, por medo, da maior parte das instalações energéticas à base de camarões, bem como dos aquários; esegundo, proibição da pesca por tempo indeterminado, exceto por expedições rigorosamente científicas. Também seefetuou uma devassa dos pescadores registrados, para acabar de vez com a pirataria.

Quanto a mim, aposentei-me como aventureiro. Joe “Boca Larga” não pensou da mesma maneira e hoje garimpametais raros nas luas de Júpiter. E estou para casar e viver feliz para o resto da vida. Para mim, chega de perigosincompreensíveis. O que vou ganhar com a publicação deste memorial, sem falar na venda dos direitos do mesmo aocinema, poderá manter minha família pelo resto da vida. O que talvez seja uma conta justa a quem ganhou, na aventura,os seus primeiros cabelos brancos.

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Ficção

Já imaginou como estaríamos se o golpe do Marechal Deodoro da Fonseca não tivesse dado certo em 15 de no-vembro de 1889, proclamando a república no Brasil? Estas e outras questões são apresentadas nesta história de‘Brasil Alternativo’. Ataide Tartari, autor de Ano 2076, Um Repórter no Espaço (sob o pesudônimo de A.A. Tartari),estréia no Somnium, com muita ironia, humor e perspicácia ao Brasil, às mornarquias ainda vigentes no mundo àentrada do século 21, e a uma certa ‘folha’ de lá e de cá.

Folha ImperialFolha ImperialFolha ImperialFolha ImperialFolha ImperialAtaide Tartari

Devia ser umas onze horas da noite, ou até mais tarde do que isso, quando o figura arrombou a porta da redação eentrou xingando todo mundo. Quer dizer, na verdade ele não arrombou nada. E nem conseguiria; o cara não é mais fortedo que um pardalzinho com fome. Quem entrou chutando tudo foi o seu guarda-costas. Agora que ele tinha conseguidoo título de barão, Barão do Dona Marta, ele só andava com guarda-costas. Para a nobreza carioca, ter um guarda-costasera tão importante quanto o título em si, era uma espécie de complemento indispensável. O que ão deixa de ser um bomnegócio para um guarda-costas.

Mas esse barão, não se sabe exatamente por quê, estava irado com um dos mais novos talentos jornalísticos aserviço de Sua Majestade Imperial, o repórter Ronaldo Cetro. Cetro tinha escrito, é verdade, um artigo sobre a outorgado título ao Barão do Dona Marta devido aos serviços por ele prestados ao Império por ocasião da visita do pop starplebeu Michael Jackson. O Barão cedeu sua casa no morro Dona Marta, aquela favela, como camarim para o astroplebeu. Em vista disso, o título lhe foi outorgado às pressas para evitar que o astro plebeu fosse hospedado por umfavelado igualmente plebeu. Agora ele era favelado, sim, mas não obstante membro da nobreza imperial brasileira!

Era natural, portanto, que a Folha Imperial, um jornal sempre a serviço de Sua Majestade Imperial, colocasse onovo barão na primeira página, deixando o visitante estrangeiro, um plebeu, na página interna. A mancehte, é claro, eratipicamente Folha Imperial, exaltanto o talento que preenche todas as suas páginas:

NOBREZA FAVELADA:NOVO BARÃO QUER O SEU EM CACHAÇA

E, abaixo dessa manchete, cobrindo a outra metade da página, uma foto do novo barão segurando o título de nobreza impresso em letras góticas com uma das mãos e um copo de cachaça com a outra. A legenda da foto dizia:

“Posso trocar esse troço por um vale-cachaça?” Obviamente o barão, na sua nobre ignorância, não sabia apreciar o verdadeiro talento jornalístico. Ao invés de ficar

grato por sua recém-adquirida notoriedade, o barão preferiu investir contra Cetro e a Folha Imperial. A bem da verdade, Cetro não ficou sabendo de todos os detalhes do que aconteceu naquela noite na redação da

Folha, mesmo porque nesta mesma hora ele estava passando mais uma noite em frente ao Paço Imperial. Um doscamelôs que ocupam esta praça durante o dia tinha cedido as instalações de sua barraca para Cetro passar a noite navigília.

Desde que Sua Alteza Imperial Príncipe do Grão-Pará, herdeiro do trono, tinha retornado ao Paço Imperial no Rio deJaneiro após alguns meses de descanso no Palácio Imperial de Petrópolis, vários jornalistas faziam plantão em frente aoPaço, tentando flagrar o príncipe saindo para mais uma de suas grandes noitadas. Já era a quarta noite seguida que Cetroe Dida, o fotógrafo, passavam sentados atrás da droga da barraquinha do camelô.

Quando deu meia noite o fotógrafo já não aguentava mais: - Mas que porra, Cetro! O Joãozinho não vai sair maishoje. Eu acho melhor a gente ir dormir em casa, só pra variar um pouco.

- Tu tá duvidando? Boêmio que é boêmio não aguenta passar quatro noites seguidas em casa. Sentado em um banquinho e com uma cópia da agenda imperial na frente, Dida apontou pra página que descrevia

o dia de Sua Alteza: - Olha aqui, O Joãozinho não vai inaugurar nenhuma casa nova do Ricardo Amaral hoje. A agenda dele terminou às

oito da noite e ele voltou pro Paço. Eu não acredito muito nessa coisa de fugir escondido. Ele não é invisível e ele sabedisso. Quando ele tem compromisso à noite ele aproveita pra dar uma estocada, mas quando ão tem ele não pode fazernada por que tá todo mundo de olho nele.

- Cala a boca e olha pr´aquela janela lá - disse Cetro, apontando pro Paço. Dida olhou pela teleobjetiva da máquina: - Num tô vendo ninguém. - Mas a cortina abriu... Se liga. Fica com o dedo no botão.

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De repente Cetro viu um vulto passando pela janela. Dida clicou. Ele não usava flash à noite, só filme sensível. - Quem era? - Cetro perguntou. - A Terezinha; acho. Cetro pegou agenda imperial para ver se a Terezinha, Sua Majestade Imperial d. Maria Teresa I, Imperatriz do Brasil,

estava mesmo no Paço. Ele tinha certeza de que o principe herdeiro estava, mas não a atual chefe de Estado. - Não, Dida, não pode ser ela. Ela tá junto com o Visconde de Higienópolis e o Duque de Pinel numa festa na

embaixada britânica. Ele e o corno consorte. O assim-chamado corno consorte, primo do rei da Espanha e esposo de d. Maria Teresa, era uma pobre vítima do

humor brasileiro desde o casamento. D. Maria Teresa nunca tinha escondido de ninguém sua queda pelos astrosestrangeiros que visitavam o Brasil no carnaval e que brilhavam nos cassinos cariocas. Seu novo alvo, diziam, seria MelGibson, apesar de ela ser mais velha do que a mãe dele. Ninguém nunca provou nada, mas que o Principe do Grão-Parátinha a cara do Marcello Mastroianni, tinha.

- Festa?! Então por que não mandaram a gente pra lá? - Porque não tem nada pra gente lá. Além da Terezinha, do primeiro-ministro e do prefeito do Rio não tem mais

nenhum nobre por lá. Eles estão comemorando a chegada do novo embaixador britânico, que nem sangue azul tem. - É mal... Bem que a Lady Di podia ter vindo junto... Cetro riu: - Se ela tivesse aqui, o Joãozinho tava colado nela... Meses antes, a Folha Imperial tinha lançado a nova bomba: o principe estava a fim da Lady Di. Eles tinham sido

vistos - e fotografados! - juntos numa praia do Caribe. Ambos vestidos, infelizmente. E acompanhados por outraspessoas. Mas isso não era importante; o importante era que a idéia estava lançada, a semente estava plantada. A partirdaquela foto centenas de páginas da Folha puderam ser preenchidas durante meses. Graças à Folha não se falava emoutra coisa no Império; as pessoas discutiam por causa dos preparativos imaginários do casamento, dos nomes queteriam seus filhos (se em português ou inglês), das implicações constitucionais para ambas as monarquias (sendo elaprincesa de Gales e do Grão-Pará ao mesmo tempo), e até por causa da imaginária fusão do Reino Unido ao Império doBrasil. E tudo isso por causa de uma foto! O poder da Folha Imperial espantava até aos seus próprios autores.

E era de uma nova e poderosa bomba como esta que a Folha estava precisando. Barões favelados não duram maisdo que duas manchetes. Era preciso algo realmente grande, e de preferência apresentado e monopolizado por este joveme leal súdito de Sua Majestade, Ronaldo Cetro.

Dida mirava sua teleobjetiva para o pequeno estacionamento ao lado do Paço quando viu o portão ser aberto. Elevirou pro Cetro e perguntou:

- Os funcionários do paço não saem às cinco? - Quando não tem nenhuma solenidade à noite, sim. - É que tem uma loira saindo num chevetinho podre. Só pode ser funcionária. - Então é. Cetro não estava muito interessado. O chevetinho podre passou em frente à barraquinha onde eles estavam. O escapamento estava detonado. Cetro

então olhou para o chevettte e pra loira: - Nossa! Que coisa horrível! Parece um travesti! A loira acelerou fundo e, quando chegou na esquina, reduziu a marcha antes de fazer a curva cantando os pneus. Cetro deu um pulo: - Putaquepariu! Corre pro carro! - Que foi? - Corre pro carro, caralho! Dida nem tinha fechado a porta do passageiro quando Cetro arrancou pra ir atrás do chevette. - Tu tá achando que aquela loira é ele? - É só um pressentimento... - Mas ele ia se arriscar saindo assim, sem guarda-costas nem nada? - Tu ouviu a reduzida que ela deu antes de fazer a curva? - Ouvi, e daí? Tu acha que mulher não faz isso? - Não, não é isso. Acontece que aquela não foi uma reduzida comum; foi um “taco”. - Um o quê? - Taco. Punta-taco. Isso é coisa de piloto. Antes de fazer uma curva, todo piloto freia e acelera ao mesmo tempo, com

o mesmo pé,m enquanto reduz a marcha. Se ele não der essa acelerada na redução, o cambio estoura. - O meu nunca estourou... - Eu tô falando de pista, alta velocidade, rotação máxiam, essas coisas; é claro que isso não vai acontecer na rua... - Pode parar, Cetro. Eu num tô entendendo nada. - Tudo bem. Eu só tô dizendo que esse “taco” é um vício de piloto. É isso. Tu acha que o paço tem alguma

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funcionária pilota? - Bom, o Joãozinho é piloto, mas isso não quer dizer nada. Ele é um piloto de merda. Quer dizer, ele nunca chegou

aos pés do falecido Conde de Interlagos. E nem o Ronaldo Cetro. O quen não o impedia de tentar. Neste exato momento Cetro pilotava pelas ruas da capital

do Império como se fosse o próprio Conde fugindo de Schumacher no circúito de Imola. A esperança de Dida era que nãohouvesse uma curva tamburelo no seu caminho.

Para alívio de Dida, a perseguição não durou muito. O chevetinho podre parou em frente à casa noturna doSargentelli e os manobristas de repente não sabiam o que fazer com aquela poluição visual na porta da casa. Eles deramrisada do carro antes que um deles fosse falar com a loira. Enquanto isso, Cetro parou do outro lado da rua.

Dida e sua teleobjetiva voltaram a ver a loira de perto: - A loira tá saindo do carro... - Tu tá vendo ela direito? - Tô, mas ela é um cara! Um cara de boné! - Isso eu também tô vendo... Olha! O manobrista se curvou pro cara! O drive da máquina fotográfica do Dida estava rodando sem parar; ele deve ter tirado mais de vinte fotos de uma

vez. Cetro estava louco pela confirmação: - E aí? É ele? - É, é o Joãozinho. - Nossa! Que demais, cara! Que flagra! A cabeça de Cetro estava a mil. Todas as conclusões naturais daquilo apareciam de uma vez só: Sargentelli...

mulatas... sexo!... devassidão imperial na primeira página! Ele abriu a porta do carro, virou pro Dida e disse: - Eu vou até lá. Continua fotografando tudo. Se acontecer alguma coisa comigo, fotografa tudo. O porteiro da casa perguntou se ele ia entrar e ele disse que não, que estava apenas esperando uma pessoa. Ele

sabia que o príncipe não ia demorar muito porque os manobristas tinham deixado o chevetinho bem na porta, compoluição visual e tudo.

Cetro chegou mais perto de um dos manobristas: - Tu sabe de quem é esse carro? - ele perguntou, apontando prochevette.

- É de um amigo da casa. O carro principal dele deve tá quebrado. - Tu conhece ele? - Já falei: ele é amigo da casa. - Então ele vem sempre aqui... - Não muito... Cetro tirou um documento do bolso e mostrou pro manobrista: - Olha, eu sou repórter da Folha Imperial e eu tô

sabendo que foi o príncipe que chegou aqui neste carro. Será que tu não poderia me dizer com quem é que ele tá saindo... Ele olhou pro lado e disse: - Eu num sei de nada. Cetro tirou os quarenta réis que ele tinha no bolso e ofereceu pro manobrista. Ele pegou e disse: - Ele tá saindo com a Rosinete. - Quantos anos ela tem? - Dezoito - ele disse e riu. Cetro riu também: - Já entendi... Faz tempo? - Uns dois meses, acho. - Mas ele tava em Petrópolis! - Eu sei. Todas as meninas foram fazer um show lá e ele escolheu a Rosinete. - Ela é bonita? - A Rosinete é a mais bonita de todas; é uma princesinha. Neste momento, o motorista do chevette, ainda usando um boné, saiu correndo em direção ao seu carro com uma

mulata ao lado. Cetro levantou a voz: - Vossa Alteza! O príncipe parou e olhou pra ele: - Pois não? Cetro ficou surpreso com a sua cordialidade. Ele estava até sorrindo! - Perdoe-me por esta intromissão, Vossa Alteza, mas eu sou o repórter Ronaldo Cetro da Folha Imperial... O príncipe estendeu a mão: - Ah, sim, muito prazer. - O prazer é todo meu, Vossa Alteza. Eu só estava interessado em saber, em nome da Folha Imperial, quais são os

seu planos com relação a esta jovem dama, dona Rosinete. O príncipe deu uma gargalhada. Obviamente ele não esperava que este jovem e talentoso repórter estivesse tão

bem informado. Cetro tinha conseguido impressionar Sua Alteza!

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- Posso lhe pedir um favor, Ronaldo? - Sem dúvida. Será uma honra. - Não se deixe levar por especulações sórdidas. Dona Rosinete é uma moça séria e que merece o maior respeito por

parte de todos os súditos do Império. Se tudo suceder como espero, eu farei um anúncio oficial no momento oportuno. Cetro ainda estava meio atordoado pela cordialidade imperial de d. João quando voltou pro carro. - E aí? O que é que ele te disse? - o Dida perguntou. - “Muito prazer”.

A redação da Folha Imperial nunca tinha sido um lugar muito especial para ele. Quer dizer, ela não era aquele tipo delugar em que, logo quando você entra nele, você sente que é o lugar onde você quer passar o resto de sua vida.

Bom, mas não era isso o que ele estava sentindo hoje; hoje a redação da Folha era o melhor lugar do mundo. Cetroentrou nela com o peito estufado e com um dos exemplares da Folha de hoje nas mãos. A manchete, em letras garrafais,dizia:

PLACAR IMPERIAL:LADY DI 0 x 1 MULATA DO SARGENTO

E, logo abaixo, a foto tirada por Dida. Cetro pôs o jornal mais perto do seu rosto pra ver os detalhes: a foto mostravaSua Alteza o cumprimentando, com a Rosinete no primeiro plano, prestes a entrar no carro. Graças à nova tecnologia, ochevetinho pode já era; em seu lugar aparecia um Omega novinho. O mesmo tinha acontecido com o boné que Sua Altezausava naquela noite; ele tinha sido banido da foto. De resto, era uma foto 100% autêntica. Sua legenda dizia: “Ladeadopor sua nova paixão, Sua Alteza Imperial cumprimenta Ronaldo Cetro.”

O artigo - na verdade uma narrativa na primeira pessoa por Ronaldo Cetro - descrevia tanto a aventura daquela noitecomo a nobre e incansável luta de Sua Alteza em busca da futura imperatrix e mãe e seu herdeiro. Em respeito ao pedidode seu novo amigo, o príncipe, Cetro não exagerou no detalhamento das atividades profissionais de uma mulata doSargentelli. Ao mesmo tempo, ele não afirmou - ao menos não categoricamente - que ela era menor de idade.

Ao chegar à sua mesa de trabalho, Cetro encontrou uma folha impressa em cima do seu teclado. Preso à folha, haviaum bilhete que dizia: “busque confirmação sobre isto”. A folha era um rascunho para o editorial do dia seguinte, escritopelo editor, um velho monarquista, fanático e tradicionalista. Neste editorial em particular, ele se protegia muito mal dequalquer futura alegação de preconceito ao chamar Rosinete de “jovem mestiça”... jovem mestiça!

Bom, mas a alegação do velho era outra coisa; era sobre velhas regras e tradições. Como ela certamente era plebéia,não havia possibilidade de casamento e ponto final. O velho, por conveniência, tinha esquecido o fato de que namonarquia brasileira títulos de nobreza eram distribuídos a granel. A confirmação de que o velho precisava era a de queRosinete não tinha nenhum ancestral nobre. Isso ia ser fácil; alguns telefonemas iam resolver esse assunto.

Mas a redação da Folha estava mais do que agitada neste manhã. Depois de ter ligado pra casa noturna doSargentelli, conseguido o telefone da Rosinete, ligado pra ela e ter sido aconselhado por sua mãe a ligar para um certoadvogado que esclareceria tudo, Cetro parou tudo para receber a visita do dia, uma senadora do PTR, junto com os seusdeodoros.

Era incrível como os deodoros adoravam essas visitas de provocação! E, dentre todos os deodoros, os do Partidodos Trabalhadores Republicanos eram os mais radicais. Eles até achavam que o Deodoro em pessoa, Deodoro daFonseca, o traidor dos traidores, condenado à morte pela tentativa de golpe contra d. Pedro II e anistiado pelo mesmo;eles até achavam que essa desprezível figura histórica, origem do apelido dos republicanos brasileiros, devia serhomenageado como herói. Que insolência!

Cetro não fez mais nada além de levantar de sua cadeira enquanto os deodoros passavam; eles não mereciam maisdo que isso. Depois que eles entraram na sala do editor, Cetro voltou ao seu telefone e ligou para o tal advogado deRosinete para saber o quê, afinal de contas, ele tinha a esclarecer.

A sala do editor estava lotada, mas o Cetro entrou assim mesmo. O que foi um alívio pro velho, que já não estava maisaguentando aquela velha cantilena dos deodoros. No meio de todos aqueles deodoros, ele deu um sorriso de orelha aorelha e levantou a voz pra dizer pro editor:

- Eu não consegui a confirmação daquilo que o senhor pediu. Pelo contrário, o advogado dela me disse que tem umprocesso de paternidade correndo na justiça. A mãe dela é solteira.

O velho não entendeu nada: - E o que isso tem a ver com o fato de ela ser plebéia ou não? - Segundo o advogado, o exame de DNA vai provar que ela é filha do Marquês de Santos.

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O Marquês de Santos e atual ministro extraordinário dos esportes no gabinete do Visconde de Higienópolis tinhanamorado várias mulheres, tanto famosas como desconhecidas, de misses a rainhas dos baixinhos, e por isso processosde paternidade não eram surpresa em sua vida. O negrão já tinha comido todas!

Antes de sair daquela sala infestada de deodoros, Cetro virou pro velho editor monarquista, ergueu o punhodireito, e gritou:

- A monarquia está salva! Viva o Império! Ao ouvir isso, o sangue do velho ferveu. Ele se levantou, ergueu o punho, e gritou: - Abaixo os deodoros! Viva o Império do Brasil! Bom, no final das contas esses deodoros acabaram colhendo o que plantaram. Onde já se viu uma coisa dessas,

querer transformar o Império, com todo esse agito saudável, esse charme internacional e esse alto astral, numa republiquetaviolenta e miserável como tantas outras...

Esses deodoros são ridículos!

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O mais expressivo escritor brasileiro da ficção científica brasileira atual deve lançar neste fim de ano a premiadacoletânea A Espinha Dorsal da Memória (Editorial Caminho, Portugal, 1989) pela Rocco. Além de uma coletâneainédita, Mundo Fantasma, pela mesma editora carioca. A seguir Braulio nos apresenta duas história curtas, diretas,cômicas e instigantes: um flash de situações aparentemente despercebidas em que o inesperado se insurge de manei-ra real e arrebatadora.

História NaturalHistória NaturalHistória NaturalHistória NaturalHistória NaturalBraulio Tavares

Ficção

Parecem estar sempre se perseguindo umas às outras, mas quando se alcançam param lado a lado, movem a cabeça emvárias direções — e fogem em rumos opostos. No cubo de espaço que exploram, as paredes são as faces onde gostamde passear, entre uma e outra excursão pelo teto. Por um acordo tácito, cedem o chão para o deslocamento maciço epesado dos humanos, que de resto jamais tentam disputar-lhes o direito de caminhar pelos vastos parques caiados debranco onde se estendem, a espaços, tapetes de papel colorido mostrando imagens onde elas pisam como se fossem osarabescos de Nazca. Ali exercem seu pacífico domínio ao longo dessas superfícies lisas e desimpedidas, pois uma forçamisteriosa mas oportuna imanta todos os detritos na direção da parede mais escura onde os humanos transitam, e quepor alguma razão é diferente das outras. Por isso, para elas é um hábito antigo o de entreparar em meio a uma corridinha,afastar as pernas traseiras, erguer a cauda num arquejo caligráfico e emitir um fragmento miúdo e acharutado, com umapontinha branca na extremidade, que uma vez concluído é sugado instantaneamente para aquela parede sempre atenta.Nesse universo de trajetos demarcados elas prolongam ao infinito o seu recreio sáurio, correndo só por correr, sumindoentre as telhas, reaparecendo nos desvãos da cumeeira, cruzando com alacridade silenciosa as longas pontes doscaibros, abrigando-se por trás de quadros e de prateleiras. De vez em quando escuta-se a estranha mensagem de suavoz, lingueta de cartilagem tatalando oculta no corpo esguio. Mais raramente ainda consegue-se presenciar a cópulaapressada e inquieta que as justapõe. Em todo caso, dão a impressão de que sua vida se resume num curto número deritos, dos quais o mais freqüente é a solerte caça às moscas.

Não exerçem a ameaça, a vigilância ou a brutalidade. Procriam em paz num universo inofensivo, e o povoam com acandura tosca dos que não pensam. Seus corpos nervosos e vibráteis, contudo, parecem trazer adormecida uma antigasemente. Parecem circular entre seres e coisas somente à espera do século propício, quando uma senha encriptada emseus genes fará romper-se a crosta dos milênios e as esferinhas negras de seus olhos brilharão despertas pela primeiravez, para anunciar o Retorno dos Dinossauros.

A Barata AzulA Barata AzulA Barata AzulA Barata AzulA Barata AzulBraulio Tavares

Zé Afrânio era engenheiro de uma estatal e foi fazer um estágio em algum país da Europa. Dois dias depois que elechegou, me chamou para um papo. Fomos a um restaurante que tinha na esquina da minha rua. Ele olhou para os ladose largou de vez:

— A Terra está invadida por seres repugnantes, muitíssimo mais poderosos do que nós. — Sim — disse eu. Meu sonho é ser um dia aqueles cômicos-de-palco americanos, de modo que falei: — Os

senadores, os deputados... — As baratas — disse ele. — Elas existem na Terra, sob sua forma atual, há dois bilhões e meio de anos. Se houver

uma guerra nuclear, extermina a Humanidade e não acontece nada com elas, escapam todas, assoprando as penas.— Penas, Zé?— É metáfora. Mas olha: fiz um curso onde tudo foi demonstrado. Deus do céu, como a humanidade tem sido burra,

burra, burra!— Que é isso — discordei. — Teve a Grécia toda, teve o Direito Romano, o Iluminismo...— Burra de não perceber que somos... um parasita incômodo que transita pelo mundo servindo de palhaço para uma

psi-colmeia muito mais complexa do que somos do que somos capazes de entender. Elas são as células de um mesmocorpo, ou melhor ainda: neurônios de uma mesma mente.

Olhei para Zé. Percebi que estava com quase quarenta anos e era a primeira vez na vida em que essa questão tão lugar-

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comum — “Há espiões intergalácticos entre nós?...” — lhe ocorria. Quase derrubou o chope umas três vezes, mas nãode nervosismo, e sim de entusiasmo.

— Ô Zé, me dê uma prova.— Uma delas andou me seguindo.— Uma barata?— Me seguiu por duas semanas em Amsterdam, até dias atrás. Cheguei a vê-la no banheiro do aeroporto, quinze

minutos antes de eu embarcar de volta.— Ah, Zé, fica frio. Barata é tudo igual.— Essa não. Essa era azul.— Ah, sei. É como o Serviço Secreto português. As baratas espiãs se vestem todas de azul.— Eu a pintei com spray azul, uma noite. Por isso sei que era ela.— E ela, de otária, nem tomou um banho.— São daltônicas. Ela pensou que era detefon.— E daí, Zé? — Daí que elas pensam. Daí que elas sabem... não sei exatamente o que, mas devem saber muito mais coisas sobre o

Universo do que nós. Na verdade, a Essência Última do Universo deve ser mais à imagem e semelhança delas do que ànossa.

— Nossa!— Voltei ao Brasil porque lá na Holanda ninguém acredita em mim. Dizem que brasileiro come criancinhas.— Não são os comunistas?...— O Comunismo acabou, agora é o Brasil. Mas de que adianta? Em mil, dois mil anos elas vão estar controlando tudo.— Zé, daqui a dois mil anos morremos nós, morre o rei e morre o burro.— Eu penso nos meus filhos, nos meus netos. Precisamos fazer alguma coisa.Abri a boca para dizer que nem noiva ele tinha, quanto mais netos; mas nesse instante meus olhos bateram em algo e

eu me senti enregelar de pavor. Parada ao chão, junto ao balcão do restaurante, estava uma barata azul, de um azul-profundo como de uniforme da Marinha. Olhando fixamente para nós dois.

— Foi azul claro ou azul escuro, Zé? — perguntei baixinho.— Azul piscina, bem clarinho.— Então tudo bem — suspirei aliviado. — Continuas me devendo uma prova concreta e palpável.

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Resenhas

Zona de FronteiraZona de FronteiraZona de FronteiraZona de FronteiraZona de FronteiraFábio Fernandes

NEVERNESS

O que é o poder de uma resenha...Os leitores mais antigos hão de selembrar que, há seis anos - como otempo passa rápido! - eu e o Causotraduzíamos para o Megalon a colu-na "Books to Look For", que OrsonScott Card publicava então na revis-ta americana Fantasy and ScienceFiction. De todos os livros resenha-dos por ele e traduzidos por mim, umem especial me chamou a atenção:um romance escrito por um autor ini-ciante, David Zindell. O universoépico e bizarro criado por ele me cha-mou a atenção, e eu fiquei com issona cabeça.

Mas foi só um ano depois, em 1991,que eu literalmente daria de cara como livro em questão. Numa viagem àInglaterra, descobri o endereço daprestigiada livraria Forbidden Planet,e fui fazer uma visita. A “visita” seprolongou durante os quase trintadias que passei em Londres, ao lon-go dos quais comprei cerca de qua-renta livros, o que me custou boaparte do dinheiro que eu havia leva-do para a viagem.

No primeiro dia na livraria, umalombada preta com letras douradaschamou minha atenção: peguei o ca-lhamaço - cerca de 700 páginas - e otítulo original me fez lembrar do livroresenhado por Card. Comprei nahora.

Sou um leitor médio-ligeiro: leiocom razoável velocidade, quandodisponho de tempo e o livro não échato. Os livros muito extensos nor-malmente apresentam o que conven-cionei chamar de “faixa de chatice”,que costuma começar na página 150e às vezes se estende até a 250, efazem com que eu muitas vezes in-terrompa a leitura. Não foi este ocaso: li Neverness em menos de dozedias, sem cortes.

A história se passa num futuromuito distante e indefinido (por umapista no final, aparentemente cercade quinze mil anos), onde a Terra nãoé mais do que uma lembrança, e aHumanidade praticamente se espa-lhou pela galáxia. Contra esse panode fundo gigantesco se destaca oplaneta gelado Icefall, com sua úni-ca cidade, a multiplanetária Never-ness, batizada ironicamente assimporque os primeiros humanos ao vi-sitarem achavam que o planeta nãose prestava à ocupação. Mas o mun-do é tão inóspito que só essa imen-sa cidade foi construída, e nela con-vivem pacificamente humanos e ali-enígenas de várias espécies, em am-bientes tão díspares quanto o Farsi-ders’ Quarter (o “Distrito dos Estran-geiros”, por assim dizer) e a Rua dosMil Bares, cuja descrição de critéri-os para freqüentadores deste ou da-quele local (por exemplo, um deter-minado bar é somente para pessoasde certa casta, e outro apenas paraquem saiba declamar haikais do pla-neta Simoom) é claramente inspira-da em Jorge Luís Borges. Todo essefestival de misturas que constitui acidade de Neverness é administradopelo supremo governante HorthyHosthoh, o Timekeeper (literalmen-te, guardião do tempo, e o único noplaneta a possuir relógios e... saberler!)

A história começa com o retornode Leopold Soli, considerado o mai-or de todos os membros da Ordemdos Pilotos. Ele fora dado como de-saparecido após cerca de vinte anos,e de repente reaparece, dizendo tervindo de perto de um buraco negro,onde recebeu uma mensagem codifi-cada num feixe de laser. Essa mensa-gem seria dos Ieldra, a raça que se-meou a galáxia com seu DNA, e queteria fugido para o buraco negro hámilhões de anos (o leitor mais atento

vai encontrar uma ligeira semelhan-ça com a saga de Gateway, de Frede-rik Pohl, mas somente nesse aspec-to). Nesse feixe de laser, a seguintemensagem: o segredo da imortalida-de está contido no passado da raçahumana.

É então que encontramos o prota-gonista, que é o sobrinho de Leo-pold Soli: Mallory Ringess, que apre-senta uma semelhança perturbadoracom o tio. Acompanhado sempre dofiel Bardo, seu colega na Academiade Pilotos, ele faz os votos de Pilotoe, numa irresponsável bravata nobalcão de um bar, faz na frente do tioo juramento de desvendar o segredoda imortalidade.

É então que Ringess parte numaperegrinação digna dos melhores li-vros de fantasia, onde verá maravi-lhas e viverá coisas que poucos hu-manos tiveram o privilégio - privilé-gio esse dúbio, aliás - de experimen-tar. Primeiro ele parte para o espaçoprofundo em sua nave, a ImmanentCarnation, que não pilota da formaconvencional, mas mergulhado numcasulo de onde trava um contato pu-ramente matemático com o universopara possibilitar a abertura de jane-las no tecido de realidade e realizar oato de “fenestrar”, ou seja, passarpor essas janelas - uma alternativa“Bill Gates” para o popular hiperes-paço.

É no espaço que ele conhecerámuitos mundos diferentes e formasde vida bizarras, como a Entidade emEstado Sólido, cujos cérebros são dotamanho de luas, e que é considera-da um Triângulo das Bermudas ga-lático, porque até hoje ninguém saiude lá com vida. Graças à ajuda doTimekeeper, que o ensina a ler (e ain-da por cima poesia, condição sinequa non para enfrentar a Entidade,que depois sabemos ter sido umamulher da espécie humana no pas-

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sado), Ringess será o único a esca-par vivo do coração da Entidade,mas não sem antes fazer uma pro-messa que terá de cumprir, e que afe-tará gerações: ele um dia deverá vol-tar e lá permanecer para sempre,como os demais pilotos que ali seaventuraram.

Ao voltar para Neverness, Mallorydeduz que estava tudo diante deseus olhos o tempo inteiro e ele nãohavia percebido. É então que ele em-preende uma viagem ao coração ge-lado de Icefall, onde vivem os Ala-loi, humanos que se desiludiram coma sociedade e optaram por involuirartificialmente para Neandertais.Dessa vez ele irá com sua família,todos cirurgicamente disfarçados emneandertais: sua mãe, sua tia, Leo-pold Soli, e sua prima, a profetisacega Catherine, pela qual se apaixo-nará e levara toda sua família à ruí-na... e à morte. À exceção de Leo-pold Soli e Bardo, todos são massa-crados, e Mallory morre traspassa-do por uma lança Alaloi. Feliz ou in-felizmente, ele escapa desse desti-no, sendo reconstruído no planetaaquático de Agathange, por outrocontingente de humanos que deci-diu brincar com o DNA de forma maisradical: são focas inteligentíssimasque conhecem todo o segredo do ge-noma... mas que também não podem,ou não querem, ajudar Ringess emsua jornada. Esse grupo tem um arligeiramente herbertiano dos perso-nagens de Duna, mas Zindell cede àtentação fácil de transformá-los empersonagens misteriosos e onipre-sentes, e portanto eles não são mui-to citados. Ringess é ressuscitado eretorna para Icefall, onde, entre ou-tras coisas, provoca um cisma entreos pilotos e que entrará para a his-tória dos mundos habitados como aGuerra dos Pilotos. Ele ainda retor-nará às vastidões geladas dos Ala-loi, onde deixou muitos inimigos... eum amigo inesperado.

O livro não poderia terminar sem oclássico confronto final, com uma fi-gura que estava - obviamente - aolado do mocinho o tempo todo, ouquase, e que, movida por interesses

pessoais, secretamente conspirounas trevas para que a missão de Rin-gess não chegasse ao fim. Mesmocom uma clara definição de vence-dor e perdedor, o livro tem um finalaberto, mas que não prejudica a tra-ma: às margens do oceano geladoStarnbergersee, Mallory e Bardo dis-cutem sobre tudo o que aconteceu enosso herói relutante deve decidir secumprirá ou não a promessa feita àEntidade em Estado Sólido.

Vocês já perceberam que o livro atéparece space opera, não é? Errado:ele é space opera, no melhor sentidodo termo. Bem no olho do furacãocyberpunk (o livro foi escrito no fimda década de 80 e publicado em 1990),Zindell se destaca como um escritorcom idéias próprias, ainda que elassejam uma extensão de outro movi-mento, que imperou nos anos 30 e40. Mas é bom saber que alguém pe-gou um motivo tão importante paranós (quem aí não gosta de Guerranas Estrelas que atire a primeira pe-dra) e o retrabalhou a um forma talque não deixa ninguém constrangi-do pelo ridículo (como muitos livrosque o tempo se encarregou de tor-nar obsoletos) e, o que é essencialpara um tipo de história dessas, estárepleto de ação do início ao fim. Es-tou arriscando, mas acredito queessa space opera vai agradar até aquem não é fã do gênero.

Na época em que li Neverness, euainda não assinava revistas estran-geiras, e fiquei curioso com o final,que, embora feche todo um ciclo, nosdeixa querendo saber mais. Só em1993, lendo uma entrevista com Zin-dell na Locus, descobri que na ver-dade Neverness é o primeiro de umatetralogia. Até este momento, já con-segui ler o segundo, The BrokenGod, e um fragmento do terceiro,The Wild, na Convenção Mundial deFicção Científica (O quarto tem o tí-tulo provisório de War in Heaven).Tudo o que li está a altura do primei-ro livro, e em nenhum momento Zin-dell deixa cair o ritmo da ação e desua preocupação com o tema datranscendência, o motivo básico des-sa obra com um fôlego que lembra o

de Gene Wolfe em The Book of TheNew Sun (Quem quiser saber maissobre essa obra pode consultar mi-nha resenha da saga no Megalon40).

Para quem não sabe, Zindell ga-nhou o prêmio do Writers of the Fu-ture em 1988, com o conto "Shani-dar", na verdade uma lenda passadano universo de Neverness. Ao saberdisso e verificar que não conseguiadescobrir mais nada que ele tivessepublicado, a pulga atrás da minhaorelha cresceu tanto que quase medeu uma hérnia de pescoço (isso exis-te?). Será que esse sujeito não sabeescrever mais nada?, pensei commeus botões. Quando li a entrevistada Locus, contudo, soube que Zin-dell já tem preparado o esboço deoutra história após a tetralogia, e quenão terá nada a ver com Neverness.Vai ser bom ver do que ele é capazfora dessa ambientação que sem dú-vida lhe foi tão cara.

Mas, se vocês querem minha opi-nião, será difícil, ao pegar o próximolivro de David Zindell, não esperarque desfilem por suas páginas a le-gião de personagens e lugares exó-ticos que passaram a povoar minhaimaginação. Ler Neverness é um pra-zer tão grande para quem gosta deuma boa história bem contada quese tornou um de meus livros de ca-beceira. Ele pode e deve ser lido.

Neverness (Grafton, Inglaterra,1990, 670 páginas)

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I, ASIMOV: A MEMOIR

Como os leitores devem saber,este livro não é de ficção científica.Mas será que isso realmente importaquando o assunto é Isaac Asimov?E, melhor ainda, Isaac Asimov porele mesmo? Como ele mesmo diz noprefácio, é o seu assunto predileto.E não existe livro melhor para se lerdo que um livro escrito com prazer.

Asimov já havia publicado duaspartes de sua autobiografia, In Me-mory Yet Green (1979) e In Joy StillFelt (1980), mas não é preciso saircorrendo atrás deles nos sebos. Jus-tamente para evitar isso (pois há mui-to tempo esses dois volumes estãoesgotados no mercado americano),Asimov resolveu fazer desse tercei-ro volume sua autobiografia defini-tiva, reunindo todos os dados ante-riormente publicados. E, o que é me-lhor ainda, em tópicos: se desejar,você pode ler o livro de forma linear(como eu fiz, e foi ótimo) ou abor-dando apenas os tópicos que maislhe interessarem. Exemplos? Cada umdos autores de sua época tem umtópico especial: de Robert Heinleina Frederik Pohl, passando por Cli-fford D. Simak e Arthur C. Clarke.Também não faltam as editoras (Dou-bleday e Gnome Press), seus famo-sos guias (da Bíblia e de Shakespea-re) e as revistas (Magazine of Fan-tasy and Science Fiction e IsaacAsimov’s Science Fiction Magazine)

Está tudo lá: desde sua chegadada Rússia (que, ao contrário do quese veiculou por muitos anos, não foiuma fuga desesperada do regime co-munista, mas uma viagem normal deimigrantes), da qual ele não se lem-bra, passando por sua infância difí-cil no Brooklyn, trabalhando na lojade doces do pai, e estudando e len-do pulp magazines nas horas vagas.Asimov discorre sobre sua família,sua visão de mundo. O livro é, maisque uma autobiografia de um homem,a história de um gênero: em 563 pá-ginas de texto, mais um encarte es-pecial de fotos e um apêndice quecompreende absolutamente toda aobra do Bom Doutor, ficamos saben-

do detalhes de sua vida familiar, re-lações com editores e escritores, ecomo surgiram diversas idéias parasuas histórias e livros de não-ficção.Por exemplo, seu primeiro contatoem 1938 com os Futurians, o maisfamoso clube de ficção científicadaquela época, cujos membros eram,entre outros, Frederik Pohl, Cyril M.Kornbluth e Donald Wollheim; aamizade com John Campbell, o len-dário editor da Astounding (hojeAnalog) e as influências positivas enegativas que ele teve sobre os au-tores de seu tempo. Foi Campbell,aliás, quem praticamente impôs aAsimov a tarefa de escrever Ni-ghtfall, tendo lhe dado inclusive otítulo já pronto da história. Aqui Asi-mov discorda de outro autor e histo-riador de fc, Alexei Panshin (autordo clássico Rite of Passage), dizen-do que Campbell não visava Asimovcomo o autor talhado para aquelahistória, mas que o teria escolhidosomente por ele ter sido o primeiro aentrar naquele momento em sua sala.Muito embora Asimov não gostemuito desse conto, ele é o primeiro aadmitir que ele mudou sua vida; de-pois disso, segundo ele, nunca maisteve uma história rejeitada.

Ficamos sabendo também que,apesar de não ter lutado na frente debatalha durante a Segunda GuerraMundial, ele se alistou e serviu, aolado de L. Sprague de Camp e Ro-bert Heinlein, na NAES (Estação Ex-perimental Aeronaval) na Filadélfia;de sua proverbial fobia de altura esua paixão por lugares fechados; ede detalhes desagradáveis, comoseu infarto em 1977 e a ponte de sa-fena tripla em 83.

A conclusão é de que o mais in-teressante - e engraçado - não é sa-ber dos marcos literários de sua vida,mas ler os “causos” contados porAsimov, quase sempre envolvendopersonalidades do mundo editorialamericano, e as histórias de família.Asimov não se furta a falar a verda-de, ao contar de sua antipatia por C.M. Kornbluth e Heinlein, do primei-ro casamento fracassado e de suaincapacidade de lidar com o filho

mais velho, David, tão anti-socialquanto o pai mas sem o brilho men-tal do mesmo. Sintomaticamente, nãohá sequer uma foto dele no livro. Aocontrário da filha Robyn, de quemAsimov mostra um indisfarçável or-gulho, e que tem duas fotos no en-carte.

Nem tudo são espinhos, contu-do. A marca registrada de Asimovsempre foi o bom-humor, ele é umaconstante ao longo de sua autobio-grafia. É um livro que você lê semsentir, quase como se estivesse ou-vindo o Bom Doutor contar pessoal-mente todas essas histórias.

O livro foi escrito entre fevereiroe maio de 1990, dois anos antes damorte de Isaac Asimov. Ele sabia oque estava para acontecer, e se pre-parou da melhor forma que sabia: es-crevendo. No epílogo, Janet Jepp-son, segunda esposa de Asimov,cuida de preencher os detalhes doque aconteceu entre 90 e 92, contan-do os últimos episódios engraçadosenvolvendo o Bom Doutor e pou-pando-nos gentilmente dos últimosmeses, em que os problemas de co-ração e dos rins o puseram de camae o fizeram definhar até a morte.

Como todo gênio, Asimov não le-vanta bandeiras a não ser a sua pró-pria; certas opiniões, ainda que per-meadas por sua lógica irrefutável,podem parecer libertárias ou conser-vadoras demais a certos leitores(suas observações sobre anti-semi-tismo e as críticas a certos escrito-res, como Heinlein e C.M.Kornbluth,por exemplo). Bom, o mundo estácheio de exemplos assim: nem Cristoconseguiu agradar a gregos e troia-nos. Mas Asimov consegue aqui oque muita gente boa não faz: abrir ocoração inteiramente aos seus leito-res. Ele diz o que pensa, não o queacha adequado. É claro que o estilolímpido e bem-humorado de Asimovfaz tudo, até seus piores defeitos,parecerem geniais, mas mesmo essaatitude nos diz muito sobre a huma-nidade de Asimov. E, não sei se vo-cês vão concordar comigo, mas pre-firo um escritor humano ao endeusa-do: como é bom saber que aquelashistórias de que a gente gostou tan-to de ler quan-

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do adolescentes (e mesmo agora, jáburros velhos) saíram da cabeça deum ser igual a nós, com o mesmo po-tencial e as mesmas possibilidades deviver uma vida boa ou ruim. Para quemestá começando agora a carreira deescritor, isso nos faz ter muita espe-rança em nosso próprio futuro. E paraquem não é escritor, cá entre nós: fran-

camente, saber que existiu alguém as-sim não dá uma fé danada na espéciehumana, apesar de tudo?

I, Asimov ganhou o Prêmio Hugode 1995 na categoria não-ficção, e foimais do que merecido. Mas, infeliz-mente, não parece provável que estelivro seja publicado em português:quando questionada recentemente

sobre a viabilidade da publicação des-ta biografia no Brasil, a gerente edito-rial da Editora Record, Adélia Mar-ques, disse que a editora não tinhainteresse na publicação desse livro. Éuma pena.

I, Asimov: A Memoir - BantamBooks, 1995, 578 páginas.

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Resenhas

Fc BrFc BrFc BrFc BrFc BrA Ficção Científica Brasileira Revista Por Jeremias Moranu

Quase oito anos atrás escrevi aoeditor do Megalon, Marcello Branco,acusando a falta de resenhas e arti-gos sobre ficção científica e fantasiabrasileiras, nesse fanzine que eu aca-bara de conhecer durante uma raravisita a São Paulo. O resultado foiBranco me convidar para fazer reali-zar esse trabalho. Passados tantosanos, ele torna a me pedir o mesmo,agora para a revista Somnium. O fatode eu não ser membro do Clube deLeitores de Ficção Científica (paraquem já se perguntou a respeito) cer-tamente tem um papel nesse novoconvite. Pode significar que minhasresenhas serão relativamente inde-pendentes, mais baseadas nos meuspróprios preconceitos do que em qual-quer visão pré-concebida que estejasendo nutrida nas diversas possíveis“facções” dentro do Clube. O convi-te também implica, após tantos anos,na mesma falta de críticos engajadosna atividade aparentemente ingrata deavaliar autores brasileiros, com quempoderão cruzar em convenções e ou-tros eventos, resultando em experi-ências desagradáveis. Tal carência,motivada não apenas por essa consi-deração, por si daria um ensaio depáginas e mais páginas, repletas deespeculações que poderiam tanto es-tar próximas da verdade quanto doengano mais crasso.

Sou um leitor compulsivo. Minhaprofissão exige contínuas viagenspara cidades do interior de São Pau-lo, longas horas gastas em quartosde hotéis baratos ou em bancos deônibus. A leitura é o principal mitiga-dor do tédio nessas horas, e ler fic-ção científica brasileira costuma sertão instigante, intelectualmente senão esteticamente falando, do que lerfc estrangeira. O único problema des-se estado de coisas está no fato dedepender do “abastecimento” porparte alguns correspondentes que

têm sido especialmente pacientes egenerosos em pesquisar, adquirir e meenviar o pouco da fc nacional queaparece a cada ano.

A conclusão mais óbvia, após tan-tas leituras, é de que a ficção científi-ca brasileira se transformou bastanteao longo das décadas, mas continuapresa a cacoetes que precisam serabordados pelos autores. Coinciden-temente, esta primeira coluna para oSomnium tem um trajeto que podesomar novos argumentos.

Os Que Já Se Foram

Recentemente reeditado pela Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro,O Dr. Benignus (Rio de Janeiro: Edi-tora UFRJ, 1994, 376 páginas. Prefá-cio de José Murillo de Carvalho, co-mentário de Fernando Lobo Carnei-ro, etc.), escrito por Augusto EmílioZaluar e primeiro publicado em 1875,é um livro difícil de encontrar. Tiveque encomendá-lo da própria editora(Av. Pasteur, 250 - 1.° andar - Rio deJaneiro-RJ, FAX: 021 295 1397). Tra-ta-se de uma edição crítica, com vári-as introduções e uma explicação téc-nica quanto aos critérios de moderni-zação da linguagem, e feita a partir daedição em livro, em dois volumes, de1875. Os pesquisadores encarregadosda edição crítica e dos comentáriosnão esclarecem se o romance teveuma edição anterior sob a forma defolhetim, fato comum na época, mashá indicações claras nesse sentido,contidas na seção “Ao Leitor” (pági-na 27): “Agradecendo cordialmente àilustrada redação do Globo a bene-volência com que lhe acolheu o meutrabalho, que hoje principio a publi-car...”

José Murilo de Carvalho e Fernan-do Lobo Carneiro notam que o roman-ce foi influenciado por Júlio Verne,

cujos romances Da Terra à Lua (1865)e Vinte Mil Léguas Submarinas(1870) são citados por Zaluar no ro-mance. Isso torna O Dr. Benignus umdos primeiros exercícios literários bra-sileiros baseados no romance cientí-fico, como a ficção científica era co-nhecida no século XIX – uma ficçãode aventuras com afinidade (às vezesbantante vaga) com a ciência –, o quefoi reconhecido pelos próprios con-temporâneos de Zaluar, demonstran-do que o gênero era conhecido nopaís, àquela época. Camille Flammari-on, astrônomo francês, também teriasido outra influência. Os escritos deFlammarion, mais afeitos à especula-ção do que à aventura de Verne, pare-ce ter predominado na concepção doromance de Zaluar, que empreenderaviagens exploratórias pelo interior doBrasil no início da década de 1860. ODr. Benignus dá conta dessas andan-ças, na medida em que o protagonis-ta repete parte do trajeto do autor,antes de enfiar-se no sertão selváti-co, em uma verniana viagem de ba-lão.

Três coisas são especialmente no-táveis nesse livro. Havia romance ci-entífico – e portanto ficção científica– no Brasil do século XIX. Essa fic-ção científica ainda imatura tinha apreocupação de reconhecer o paíscomo geografia e realidade particular.O aspecto discursivo predominavasobre o aventureiro.

É possível, com base nessa últimaobservação, admitir que não se tratade um romance científico. A palavra“romance” aqui, do inglês scientificromance, pressupõe a aventura, notamais alta do “romanesco”. Aventuraimplica em avanços sobre terrenosperigosos, vidas ameaçadas, oposi-ção de facções inimigas, e até mesmojovens mulheres que devem ser pro-tegidas por galantes aventureiros. Umrecurso comum na época era ter um

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personagem cerebral para responderpelos aspectos científicos/especula-tivos – como o capitão Nemoou Ro-bur, o Conquistador –, e, em outroplano, o herói e a mocinha. O Dr. Be-nignus não adapta à realidade brasi-leira todos esses elementos, mas nempor isso deixa de ser uma resposta acaracterísticas e intenções do roman-ce científico.

Invariavelmente, Dr. Benignus, opersonagem, é descrito como um ex-cêntrico que vê o mundo por uma óti-ca científica, o que dá ao autor a chan-ce de expressar a sua erudição, às ve-zes em áreas em que apenas repetechavões de um senso-comum poucointelectual e equilibrado. Como quan-do fala das mulheres, que, conformeo Doc Brown de De Volta para o Fu-turo, deveriam ser mantidas na cate-goria de “grandes mistérios do uni-verso”, ao invés de definidas a partirde clichês. Mas o romance foi defini-do como “digressão humorística”,justificando essas pataquadas.

Viagem à Aurora do Mundo (SãoPaulo: Globo, 1996, 16a. edição, 325páginas) foi comprado em uma bancade revistas, parte da coleção de obrascompletas de Erico Verissimo, lança-da pela Editora Globo neste ano. Foiescrito em 1939, época em que Veris-simo já chamava atenção, embora àsvezes atacado pela crítica, por suascaracterísticas populares (no quechegou a ser defendido pelo famosoAntonio Candido). É claro que esteexercício de ficção científica, tantodidático quanto humorístico, foi criti-cado, e Verissimo toca na questão emseu prefácio. Interessante notar queele escolheu para o romance uma es-trutura de folhetim, quando essa for-ma já não tinha apelo, após o surgi-mento do romance moderno e regio-nalista no Brasil. Mas não se engane,nesta história do romancista Dago-berto Prata, que acaba se deparandocom uma estranha família detentorade uma máquina do tempo, a aventu-ra também não é a tônica – que ficapor conta de um conflito amoroso(bastante mecânico e pálido, na es-trutura do romance), entre Prata, a fi-lha do cientista maluco, Magnólia, e

Jó, o capitalista do Rio de Janeiro quehavia financiado o experimento.

Em muitos aspectos o romancelembra O Presidente Negro (1926), deMonteiro Lobato. Nessa obra, tam-bém um escritor acaba sendo abriga-do pelo cientista que possui uma belafilha por quem o escriba se interessa.E a máquina do tempo criada por elesó capta imagens, sendo incapaz deprojetar objetos ou seres no tempo.Os dois livros até mencionam a capa-cidade da máquina em captar “raios”ou “ondas Z”. Está claro que Verissi-mo leu e deixou-se influenciar porLobato. A diferença maior está emLobato ter escolhido ver o futuro, emuma delirante fantasia cheia de “ra-cismo científico” sobre os EstadosUnidos no 2228, e Verissimo o passa-do, partindo dos períodos mais anti-gos do desenvolvimento da vida noplaneta, até a época dos grandes ma-míferos, passando pelos dinossauros– o que liga Viagem à Aurora doMundo a outro romance científico, OMundo Perdido (1912), de Sir ArthurConan Doyle, conforme Verissimo re-conhece no prefácio.

Assim como no livro de Zaluar, aprática da ciência é vista como excen-tricidade e terreno do cômico. E as-sim como O Presidente Negro, a ci-ência no Brasil não tem a capacidadede alterar a ordem das coisas – existeapenas para permitir a um grupo depensadores entreter-se com imagensde outras realidades, como se seu fimmaior fosse nos fornecer um televi-sor maravilhoso.

A obra de Verissimo vai um pou-co além nessa postura. Todas as ma-ravilhas testemunhadas se dão noambiente cômico de uma família cu-jos irmãos perseguiram campos dife-rentes do conhecimento – a ciêncianatural e a ciência teórica, a filosofia,a arte, a teologia –, campos que o au-tor vê como conflitantes e bastanterasos em suas preocupações, incapa-zes de cruzarem as próprias frontei-ras inflexíveis.

Essas duas evidências parecemmostrar que a influência do romancecientífico no Brasil gerou um objetoque se assemelha muito mais às sáti-ras antigas, mais associadas à proto

ficção científica, destituídas de aven-tura ou de dramas humanos melhorensaiados, e mais centradas no co-mentário social irônico e na exibiçãode espirituosidade. Essa defasagemparece ser a norma na ficção científi-ca em língua portuguesa, se pensar-mos, por exemplo, em A Relíquia(1887), de Eça de Queiroz, que levaseu protagonista aos tempos de Cris-to, em uma viagem de sonho, algo quehá décadas já havia sido substituídopor drogas, sonos catatônicos e maistarde, finalmente, pela máquina dotempo de H.G.Wells.

Os Que Vêm Por Aí

Muito tempo se passou e a ficçãocientífica brasileira evoluiu, especial-mente depois de Jerônymo Montei-ro, na década de 1940, para uma práti-ca que acabou sendo, mais do nunca,influenciada pelo autor estrangeiro.De Ray Bradbury, na época da Gera-ção GRD, aos diversos autores nor-te-americanos que estão subjacentesna produção atual. E até mesmo influ-ências extra-literárias vêm se somar.

É o que ocorre com Espada daGaláxia (São Paulo: Editora Trama,1995, 280 páginas), de Marcelo Cas-saro. Aliás, aqui não faltam aventu-ras.

Infelizmente trata-se de um livroque você não encontrará facilmentenas livrarias, pois a editora optou porenfatizar a venda pelo reembolso pos-tal (Caixa Postal 19113, São Paulo, SP,04505-970).

Este romance para o leitor joveminicia de um modo bastante brasilei-ro, mostrando um encontro de crian-ças em um sítio, com criaturas aliení-genas, no que, localmente, era con-fundido com o “folclore” do “come-língua”. Mais tarde essas criançasvão crescer para se reencontraremcom alienígenas semelhantes, os me-talianos, em circunstâncias bem dife-rentes.

Os metalianos têm concepção vi-sual interessante (o livro é ilustradopelo autor, um talentoso desenhista),mas concepção científica falha. A ci-ência no romance, aliás, deixa muito a

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desejar. A inconsistência o faz se apro-ximar muito mais do space opera doque da ficção científica hard espacialde, digamos, Jorge Luiz Calife e Hen-rique Flory. E na composição dessaspace opera não entram Duna, nem asérie Fundação, nem A Saga dos Prín-cipes Demônios, mas as tais influên-cias extra-literárias, provenientes deum mundo mais visual que literário:Jornada nas Estrelas, Guerra nas Es-trelas, além de desenhos animados ehistórias em quadrinhos japonesas,que respondem pelos personagensreunidos em um grupo adolescenteque usa espadas feitas de metal in-destrutível.

Cassaro escreve bem, de um mododireto, claro e eficaz. Os protagonis-tas são mais alienígenas que terres-tres – as autoridades metalianas man-dam um grupo de heróis para impedirque o “capitão Kursor” elimine a hu-manidade, que ele considera culpadapela morte de uma metaliana que esti-vera aos seus cuidados. Kursor teriaaté mesmo sido o responsável peladestruição do ônibus espacial Chal-lenger. Nas muitas indas e vindas doenredo, que se desenrola às vezes comhábeis flashbacks, Cassaro nunca seperde. Ele apresenta uma “espécie”de robôs inteligentes inspirados cer-tamente nos desenhos Transformers,para somar às potências em conflito.

Espada da Galáxia, cujo universoficcional vem sendo desenvolvido emcontos publicados nas revistas Dra-gão Brasil/Só Aventuras, da mesmaeditora, e em RPGs assinados por Cas-saro, é um romance movimentado edivertido, cujo maior interesse estájustamente em ser escrito a partir des-sas influências vindas da ficção cien-tífica conforme traduzida pela indús-tria cultural (ou sci-fi, como diria Nor-man Spinrad). É divertido pensar emcomo os elementos dessas influênci-as encontraram analogia em um textofluente e agradável. Espada da Ga-láxia é uma pequena contribuiçãopara aquela classe de obras de ficçãocientífica que explora com inventivi-dade a cultura pop, mas fica claro queos substanciais talentos do autor se-riam melhor aproveitados em uma obraque se preocupasse em ser verossí-

mil, em criar personagens redondas,em investigar a realidade imediata doBrasil. Nesse último aspecto, a pre-sença de brasileiros é eventual, e aciência da qual eles partilham não ébrasileira – Alex, uma das crianças quetivera aquele contato imediato, ficatão impressionado com ele que se tor-na um técnico não do INPE, mas daNASA.

H. P. Lovecraft tem sido uma gran-de influência em todo o campo dohorror moderno, porém o horror maisbem-sucedido deve mais àqueles au-tores que, como Robert Bloch, come-çaram como seguidores e terminaramcomo dissidentes. O que Lovecraftmelhor produziu em termos de des-cendência literária direta, que mantémsuas características essenciais, é umnorte-americano de nome Thomas Li-gotti, que tem a vantagem de ser umescritor bem mais habilidoso que omestre.

No Brasil, Lovecraft também temseus discípulos. O melhor deles é Car-los Orsi Martinho.

Seu primeiro livro, Medo, Mistérioe Morte (São Paulo: Editora DidáticaPaulista, 1996, 165 páginas), me foienviado por Roberto Causo, acompa-nhado de uma história das mais im-prováveis: A editora está vendendoo livro apenas como parte de uma co-leção de vinte livros. Ou você com-pra os vinte, ou nada feito, de modoque você terá que pedir o livro direta-mente ao autor (Rua Joaquim P. deOliveira, 330, Jundiaí-SP 13200-470).A única vantagem é que o livro setorna, automaticamente, um ítem decolecionador dentro da nossa minús-cula comunidade de ficção científica.

O livro é mal feito. Não traz o títulona lombada, está cheio de erros tipo-gráficos e de diagramação (incluindoo título de uma história aparecendono pé da última página do conto pre-cedente) e uma marcação de diálogodas mais confusas (o que é agravadopela tendência de Martinho em recor-tar demais os diálogos com interven-ções do narrador). Veja isto:

– Na verdade, quase isso. Desde que Cíntia morreu, comecei a pesquisar um pouco sobre... fez uma pausa, isso

vai soar meio ridículo para você, mastudo bem. Respirou fundo... as verdades últimas da existência... (páginas25-26)

Agora veja se não fica mais fácil:

– Na verdade, quase isso. Desde queCíntia morreu, comecei a pesquisar umpouco sobre... – fez uma pausa. – Issovai soar meio ridículo para você, mastudo bem. – Respirou fundo. – As verdades últimas da existência...

Não cabe ao resenhador revisar umlivro já publicado. Cabe à editora, oque demonstra o amadorismo da Di-dática Paulista. Uma amadorismo queaparece também na adequação do li-vro ao mercado que ele pretende al-cançar: o rico mercado infanto-juve-nil. No conto “Noite de Samhain”, onarrador é “fecundado” por parasi-tas que vão se alojar em seus intesti-nos, depois que ele pratica o cunilín-gus em uma morta-viva. Soa como otipo de leitura que você daria aos seusfilhos ou alunos?

Mas tudo isso importa menos quea qualidade dos contos contidos novolume. São seis, iniciando com “AMaldição do Ang-Mbai-Aiba”, recen-temente visto na Dragão Brasil 16. Oprotagonista – neste conto que é oúnico não narrado em primeira pes-soa – é o perito enviado por um mu-seu até a mansão de um velho estran-geiro chamado Freidrich Spinnen, quedetém um conhecimento arcano com-pilado por missionários jesuítas, apartir das tradições orais de índiosbrasileiros. O conto acaba tentandoadaptar a perspectiva lovecraftiana deum soro capaz de reviver os mortos,obtido a partir de uma sabedoria per-dida, a um contexto brasileiro onde afonte dessa sabedoria é indígena. Aintenção é louvável, mas talvez o re-sultado não esteja à altura.

“Noite de Samhain” tem atmosferasurrealista com traços do gótico, noqual o clima de depravação e sobre-natural se ergue a partir das descri-ções do ambiente. Há aqui a sexuali-dade explícita que já mencionamos, eisso, associado a algumas imagens es-pecialmente poderosas, compõe umquadro impressionante. Não obstan-

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te, o conto é mais um primeiro rascu-nho, que uma história plenamente de-senvolvida.

O mesmo se dá com “A Fábri-ca”, publicado originalmente no Me-galon e ganhador do Prêmio Novapara Melhor Ficção Curta-Fã de 1995.A presença gótica é explicitada naprópria premissa central, de que oespaço físico de uma habitação podeabrir portais para dimensões secre-tas, povoadas por monstros indes-critíveis. De novo Martinho tentacondicionar essas influências love-craftianas à paisagem brasileira. Elecriou uma cidade fictícia, Açaraí, tãoafeita ao sobrenatural quanto a Cas-tle Rock de Stephen King. Seu pro-tagonista é um estudante de arqui-tetura que é coptado pela polícia deAçaraí para ajudar na investigaçãode crimes seriados, aparentementeperpetrados por seu professor. Opotencial da história, no entanto, émuito maior do que os breves efei-tos que Martinho alcança.

“Estranhos no Ninho” outra vezcomeça com uma locação interessan-te para os mistérios e terrores, mastermina sendo insatisfatória em seudesenvolvimento. O narrador é umprofessor universitário que é chama-do, em termos muito misteriosos, apesquisar um sítio arqueológico si-tuado em uma ilha povoada por co-rujas em perigo de extinção. Logo eledescobre que o lugar fora também oúltimo refúgio de uma espécie devampiros, empurrados para lá peloavanço da humanidade, o que me fazpensar nas semelhanças com a pre-missa que Gerson Lodi-Ribeiro vemdesenvolvendo em suas histórias daRepública de Palmares, no Somnium.Este conto é um dos poucos no livroque tem final feliz – ainda que insa-tisfatório.

“Projeto Cassandra” tambémfala de uma espécie que vem se apro-veitando da humanidade há muitotempo, mas o conto é um refresco detoda essas “lovecratices”. Uma atu-alização, talvez, sob a forma de umconto de “ficção ufológica”, comoRoberto Causo define a ficção cien-tífica baseada em temas que se apro-

ximem da “ufologia”. A história levao protagonista, novamente alguémvinculado a uma universidade, a in-vestigar desaparecimentos de pes-soas, que desemboca em sua própriaabdução por alienígenas. Desenvol-vido com menos precipitação, trata-se de um dos candidatos a melhorconto do livro, embora prejudicadoespecialmente pelos diálogos que sedão no momento mais revelador.

A última história é “Aprendiza-do”, conto de estréia, publicado em1992 na Isaac Asimov Magazine 24.Trata-se de uma ficção científica bemmisturada com imagens de fantasia.Uma história de viagem fantástica,leva a expedição de uma universida-de até o testemunho de uma cenagrotesca que remete ao horror. Esseconto se revelou popular entre os lei-tores da Isaac Asimov Magazine.

Carlos Orsi Martinho é um au-tor talentoso, que desenvolve bemos elementos e efeitos que se pro-pôs a controlar. Em seus contos pre-domina a primeira pessoa, e sua pro-sa tem uma qualidade arcaica, quaseacadêmica que também suporta osefeitos pretendidos. Povoam as suashistórias objetos e conhecimentosarcanos, criaturas antigas que domi-naram antes do homem, em alusãoclara a Lovecraft. Há também essaprofusão de adjetivos e metáforas“de horror”, acentuando o aspecto“antigo” do texto. Seus personagenssão superficiais, frios, distantes, àsvezes amorais. Fica claro que elesestão ali prestes a serem vítimas deviolência ou de corrupção, tornan-do-os previsíveis. Mas Martinhotambém tenta colorir suas intençõesgóticas com traços da paisagem bra-sileira, e se esse processo não alcan-çou ainda seu melhor momento, abusca é das mais louváveis. Todosos protagonistas tem algum envol-vimento com instituições acadêmicascomo faculdades, centros de pesqui-sa ou museus, o que mostra uma pre-ocupação do autor em marcar suaautoria. Mas essa intenção se enfra-quece diante da imitação de Love-craft.

Assim como outros autores bra-

sileiros que partem da imitação –como Calife que imita Arthur Clarke,e Roberto Schima que imita Ray Bra-dbury –, Martinho não a transcen-de.

É impossível reinventar a ficçãocientífica e a fantasia ou o horror. Ainfluência é inevitável, e a imitaçãoé, em certa medida, louvável. Mas hásempre uma hora em que é precisosair do ninho, e buscar uma origina-lidade que venha do pessoal ou dacultura do meio ao qual pertence oautor.

Ainda em 1996 Roberto Causotratou em sua coluna na revista Lo-cus da dificuldade que o horror bra-sileiro tem de libertar-se do pastichee da sátira. Cita os pastiches love-craftianos de Martinho e de MiguelCarqueija, mas também o horror cheiode clichês de José Mojica Marins, eo horror feito em cima de pastichesde filmes-B, em outro cineasta, IvanCardoso. É como se nos fosse im-possível aceitar que o horror (ou aficção científica, ou a fantasia) se-jam objetos de investigação legíti-ma. O pastiche e a sátira apenas en-fatizam a nossa adesão de leitoresou espectadores do gênero, dificil-mente construindo novas visõesdentro dele.

Isso se daria também na antigaficção científica brasileira, onde o ci-entista nunca era alguém a se levar asério, e onde a ciência era estranha àrealidade do país. As maravilhas daficção científica eram vistas não emprimeira mão, mas por um visor quenão nos permite nada além de um tes-temunho passivo. A máquina dotempo que não transporta (e nãotransforma), ou a televisão que subs-titui a influência literária. E a influên-cia literária estrangeira, tão forte quenão conseguimos ultrapassá-la paraabordar os seus temas. Ao invés, noscontentamos em abordar a própriainfluência.

Inclino-me a concordar, e lamen-to que o Movimento Antropofágicoda Ficção Científica, lançado em 1988nas páginas desta publicação, nãotenha conseguido mudar esse qua-dro.

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