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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 01

Capítulo IGLOBALIZAÇÃO E CRISE FINANCEIRA ................................................................................ 051. Hegemonia financeira, exacerbação das crises e ortodoxia econômica ....................................... 052. Minsky e a hipótese da fragilidade financeira ............................................................................ 103. Marx, crédito, capital fictício e crise.......................................................................................... 134. Globalização financeira: etapa superior do capitalismo? ............................................................ 17

Capítulo IIRAÍZES DA CRISE FINANCEIRA DOS DERIVATIVOS SUBPRIME .......................................... 231. O retorno das crises financeiras................................................................................................. 232. O crédito imobiliário e o ciclo da construção............................................................................ 243. A evolução do sistema financeiro habitacional dos Estados Unidos até a crise dos Saving & Loan ................................................................................................... 264. O desenvolvimento do mercado de hipotecas securitizadas ....................................................... 325. O ciclo da construção e a bolha financeira ................................................................................ 356. A reversão do ciclo e o estouro da bolha ................................................................................... 437. As raízes da crise ....................................................................................................................... 48

Capítulo IIIOS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO ................................................... 591. Os primeiros sinais da crise ....................................................................................................... 592. Explode a bolha do subprime ................................................................................................... 623. Da crise do subprime ao pânico global ..................................................................................... 654. Do Plano Paulson ao Plano Brown ........................................................................................... 735. O mergulho na recessão ............................................................................................................ 846. 100 dias de pânico .................................................................................................................. 1017. Mergulhando na Grande Depressão de 2009? ......................................................................... 104

Capítulo IVBRASIL: DA MAROLINHA AO TSUNAMI? .............................................................................. 1111. O despertar tardio .................................................................................................................. 1112. A intervenção do Banco Central ............................................................................................. 1173. Sinais do tsunami ................................................................................................................... 1284. Enfrentando a crise ................................................................................................................. 1325. Chega o Tsunami? .................................................................................................................. 144

Capítulo VO OCASO DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA? ................................................................. 149

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 159

AUTORES ................................................................................................................................. 170

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1SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

INTRODUÇÃO

Este trabalho foi desenvolvido durante e no calor do avanço e desdobramentos da atual crise econômica mundial, considerada oficialmente instalada no cenário internacional em agosto de 2007. Teve início com a preocupação de avaliar como o Banco Central norte-americano, o FED, e outros bancos centrais, principalmente dos países desenvolvidos, se comportariam – e de que instrumentos lançariam mão – para debelar ou reverter uma crise que, desde os seus primeiros sinais, em 2007, foi diagnosticada como um problema restrito às instituições que haviam se envolvido com créditos hipotecários de alto risco (subprime), o que, acreditava-se, uma boa injeção de liquidez, combinada com um movimento de redução dos juros, seria mais do que suficiente para corrigir. Este foi o caminho inicial seguido pelo FED e outros bancos centrais, mas não deu certo: a crise ignorou essas iniciativas, continuou avançando e conduzindo o sistema financeiro para uma situação de completo “derretimento” e a economia “real” para uma profunda e prolongada recessão.

Tal diagnóstico, que se revelou equivocado, deve-se, em boa medida, ao próprio desconhecimento pelas autoridades governamentais da extensa e interconectada rede financeira que se formou, em escala global, especialmente a partir da década de 1990, e de seu poder de multiplicação, via alavancagem, das aplicações financeiras dos investidores que ingressaram nesse circuito. Este movimento terminou criando e alimentando “bolhas” em determinados ativos, sobretudo no de habitação, por meio da expansão desmesurada do crédito e do “efeito-riqueza”, incapazes de se sustentarem no tempo.

No caso específico dessa crise, além da base restrita em que ocorreu essa multiplicação, garantindo lucros fabulosos para os especuladores e bons anos de crescimento para a economia mundial, essa base se encontrava contaminada por ativos “podres” (os créditos hipotecários subprime), os quais, fatiados e mesclados com créditos de boa qualidade (prime), foram securitizados, vendidos a e multiplicados por toda a rede financeira mundial, com o aval das agências de rating, responsáveis por avaliar o grau dos riscos envolvidos nos investimentos do sistema.

Quando a base ruiu, com a queda do preço dos imóveis e a inadimplência dos mutuários aumentou progressivamente, abalando a pirâmide especulativa, as instituições financeiras viram-se descapitalizadas, dado o seu

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grau de alavancagem, para pagar a seus credores, tornando-se insolventes. Em efeito dominó, as primeiras que começaram a cair arrastaram as demais enredadas nessa teia, instalando a desconfiança no mercado, o que levou à interrupção do crédito interbancário e à fuga do restante do sistema bancário para o colchão da liquidez, aprisionando a economia no que é conhecido como “armadilha da liquidez”. Neste quadro, meras injeções de recursos no sistema tornam-se infrutíferas, porque, imperando a desconfiança sobre a capacidade de pagamento dos que mais precisam de recursos para cobrir posições, o dinheiro não flui, empoçando-se nos caixas dos que se encontram em melhor posição e em aplicações seguras em títulos da dívida pública.

Se o crédito, oxigênio da produção, dos investimentos e do consumo, deixa de fluir e lubrificar esses circuitos, a economia “real” perde forças e vai sendo empurrada, inexoravelmente, para a recessão. Foi o que terminou acontecendo, apesar da mudança tardia que se verificou, com as mudanças de diagnóstico sobre a sua natureza e na trajetória da política econômica, na composição dos remédios prescritos para combatê-la, aos quais foram acrescentadas iniciativas voltadas para a recapitalização dos bancos e pacotes de estímulo à economia, nos moldes keynesianos, quando a recessão se tornou uma realidade. A essa altura, os germes da crise já haviam se fortalecido e seus estragos ainda se encontravam – e se encontram enquanto este trabalho estava sendo elaborado – em curso, não mais restando dúvidas de que será longa e profunda até que tenha início um novo período de recuperação.

Como toda crise, essa deixa uma série de lições que, certamente serão rebatidas com novos argumentos e esquecidas pelos ardorosos defensores das “virtudes” do mercado tão logo seja superada. A primeira refere-se à “fantasia”, que integra o arcabouço teórico da ortodoxia, sobre a capacidade de auto-regulação, da eficiência e do equilíbrio dos mercados: princípios e dogmas por ela construídos, como os de risco moral (moral hazard), equilíbrio orçamentário e condições de sustentabilidade da dívida, para conter os excessos e desperdícios do Estado e manter as condições para o equilíbrio dos mercados, caíram por terra para que este pudesse tanto atender os seguidos pedidos de bailouts do setor financeiro, evitando seu “derretimento”, quanto para salvar o sistema da derrocada. Uma evidência de que o mercado, mais uma vez na história do capitalismo – e já foram tantas! – sempre que procurou caminhar por suas próprias pernas, dispensando a

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ajuda do Estado, encontrou dificuldades para sua reprodução pelo excesso de pecados capitais que comete na busca desenfreada pelo lucro.

A segunda, de que a crise, novamente gerada pelo excesso de criação de riqueza financeira em relação à real – e no caso atual numa amplitude inusitada vis-à-vis as anteriores e disseminada pelo mundo globalizado - costuma cobrar um preço cada vez mais alto para sua solução: além de não recuar enquanto não for liquidado o excesso de papéis “podres” e do capital fictício que a alimenta – e ainda hoje se desconhece sua dimensão – deve propiciar, quando isso ocorrer, uma recuperação lenta da atividade econômica a um nível bem mais reduzido de crescimento, com todas implicações que isso representa para o desemprego, as tensões e a exclusão social e para a própria reprodução do sistema.

A terceira, a de que os governos, em geral, devem dela sair altamente fragilizados financeiramente, devido aos colossais déficits em que vêm incorrendo e ao aumento espetacular de suas dívidas, não para redistribuir a riqueza para as camadas menos favorecidas – o que representa uma heresia para a ortodoxia -, mas para salvar o mercado de seus desvarios, socializando mais uma vez os prejuízos. Esse enfraquecimento financeiro dos Estados deverá, com certeza, limitar sua ação pró-ativa em prol de uma recuperação mais rápida, já que terão de se submeter a ajustes mais severos em suas finanças, tornando mais difícil sua contribuição para estimular a atividade econômica.

Todas essas questões se encontram discutidas neste trabalho. Para tanto, além dessa introdução, ele está organizado em cinco capítulos. No primeiro, apresenta e problematiza as visões de diversas correntes teóricas sobre a origem, a natureza e conseqüências das crises financeiras do capitalismo, procurando mostrar que, recorrentes, seu grau de amplitude e velocidade têm aumentado no tempo e tornado cada vez mais problemático definir e ajustar instrumentos eficientes para combatê-la, o que pode estar indicando que, em algum momento, o sistema poderá caminhar para o desmoronamento.

O segundo discute as origens da crise dos créditos hipotecários, que a deflagrou, e a rede financeira especulativa que se formou especialmente a partir da década de 1990 e que se valeu desses papéis tóxicos para multiplicar, num capitalismo desregulado, a riqueza financeira fictícia, cujo edifício desabou com a queda dos preços dos imóveis – a base que sustentava essa pirâmide – e o aumento da inadimplência dos mutuários, causando perdas

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trilionárias do crédito para as instituições com ele envolvidas e conduzindo o sistema para uma situação de “derretimento”.

O terceiro, acompanha a evolução da crise desde os seus primeiros sinais, avaliando o pânico que foi se instalando no mercado e a reação e medidas que foram sendo adotadas pelos distintos governos para combatê-la, alternando injeção de pacotes de liquidez na economia, com iniciativas de recapitalização dos bancos e de estímulo à atividade econômica, mas sem conseguirem alterar seu rumo, apesar do esforço e da montanha de dinheiro despendido do contribuinte.

O quarto avalia seus impactos na economia brasileira, que vinha, no embalo do crescimento da economia mundial no período 2003-2007, colhendo frutos importantes para consolidar seus fundamentos e candidatar-se a ingressar no “paraíso” do crescimento sustentado, mesmo que seguindo fielmente o receituário da cartilha neoliberal. Com o enfraquecimento das forças que atuavam como mola propulsora dessa condição, o país foi vendo, gradativamente sendo minadas, as bases que a sustentavam, e colocada, em xeque, a arrogante competência da política econômica interna, apegada à crença de que conseguira, por moto próprio, corrigir os problemas do país e torná-lo imune às crises externas. Tal como se verificou no resto do mundo, o Brasil, atingido principalmente pela exaustão do crédito e pela desconfiança dos investidores no sistema, começaria a rumar novamente, numa velocidade de cruzeiro, para uma situação de baixo crescimento, que marcou o período de 1980-2006, ou mesmo para uma recessão.

No quinto, são feitas considerações procurando compreender os resultados da crise para a ordem econômica estabelecida e para o funcionamento do sistema capitalista, à luz das grandes perdas sofridas pelo capital financeiro, das políticas econômicas que vêm sendo implementadas para combatê-la, mas que têm se mostrado ineficientes para essa finalidade, e da adoção de medidas que, apesar de conflitarem com o pensamento econômico dominante, passaram gradativamente a ser vistas como necessárias para salvar o sistema da depressão e evitar sua derrocada, casos mais específicos do processo de estatização do sistema bancário e de participações acionárias em empresas do setor produtivo.

Ao término deste trabalho, passados seis meses após a quebra do Lehman Brothers, a crise ainda caminhava fazendo estragos e, ao contrário de seus momentos iniciais, já se formara o consenso de que ela não somente seria profunda, mas que viera para ficar por um bom tempo.

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5SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

CAPÍTULO I

GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E CRISE

1. Hegemonia Financeira, Exacerbação das Crises e Ortodoxia Econômica

Desde o estouro das “bolhas” das empresas Mares do Sul, em Londres, e Mississipi, em Paris, respectivamente em 1719 e 1720, a economia capitalista já atravessou algumas centenas de crises financeiras, muitas das quais desembocaram, como promete a atual, em contrações econômicas de grande profundidade. Tendo se tornado fenômeno mais ou menos decenal a partir de 1825, as crises financeiras praticamente desapareceram no pós-guerra, até que o credit crunch dos Estados Unidos1, em 1966, demonstrou que o manejo de políticas keynesianas não havia resultado na superação do fenômeno, como muitos chegaram a sustentar. Desde então, as crises financeiras têm se exacerbado, aumentando sua freqüência e profundidade, tendo sido registradas, desde 1970, 124 crises bancárias sistêmicas, 208 crises cambiais e 63 episódios de não-pagamento de dívida soberana (Assessoria Técnica da Presidência da República, 2009, p. 2).

Apesar de seguirem determinado padrão comum, de modo que se “[o]s detalhes proliferam-se, a estrutura permanece” (Kindleberger, 1989, p. 40), ainda assim cada crise financeira “é única, produto de um conjunto único de circunstâncias” (idem, p. 29), cabendo ao estudioso descrevê-lo, apontando as causas particulares da crise sob exame2. Além disso, embora as crises financeiras geralmente estejam “associadas com os ápices dos ciclos econômicos”, nem todas conduzem a economia à recessão (idem, p. 19), sendo, pois, necessário discriminar as circunstâncias particulares que, num processo expansivo, geram as condições para a emergência das crises financeiras, assim como aquelas que fazem com que redundem em contrações “reais”.

1 Define-se como credit crunch, credit squeeze ou ainda crise de crédito, à redução dramática da oferta de crédito, geralmente acompanhada de recessão e, em muitos casos, de problemas de liquidez ou solvência nas instituições financeiras.

2 Nas palavras de Minsky (1982, p. 4), “certamente que em seus detalhes, cada crise de deflação de dívida é única”.

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No caso da crise internacional gerada a partir da “bolha” das hipotecas subprime, é possível encontrar entre os seus analistas várias explicações sobre as suas origens. Não poucos têm atribuído essa responsabilidade às baixas taxas de juros que foram mantidas pelo Federal Reserve (Fed) para reanimar a economia, após o estouro da “bolha” da internet, em 2000, e dos ataques terroristas ao WTC, em 2001, o que teria levado à formação da “bolha”. Outros têm destacado a fraqueza do sistema de regulamentação do sistema financeiro, especialmente a partir da década de 1990, que teria possibilitado um grande crescimento do “sistema bancário paralelo”, desregulamentado, que conseguiu produzir, por meio de seu poder de alavancagem e da criação de novos e sofisticados produtos financeiros, uma expansão da liquidez e do crédito muito acima da capacidade da economia de gerar riqueza real. Este desequilíbrio teria se tornado insustentável quando ruíram as bases dessa equação, com a queda do preço dos imóveis residenciais e o aumento progressivo da inadimplência no ramo das hipotecas.

Apesar de tratar-se de causas aparentes que ajudam no entendimento da crise, elas não dão conta das suas razões profundas, que, articulando essas causas particulares num processo complexo, devem ser buscadas na crescente especulação financeira – resultante da etapa de globalização financeira do capitalismo, fenômeno que tem se manifestado desde o final da década de 1970 – frente ao declínio relativo da taxa de lucro no período recente. “Em um contexto de crescimento lento em relação ao montante de capitais que buscam se valorizar em aplicações, é inevitável que crises graves estourem sob a forma de ‘crises financeiras’ que se podem atribuir unicamente à especulação ou a uma ‘instabilidade sistêmica’ congênita” (Chesnay, 2004b, p. 62-3).3 Entende-se por especulação financeira o processo de compra/venda de ativos financeiros – títulos de crédito e direitos de propriedade sobre os rendimentos do capital produtivo – e a celebração de contratos financeiros com vistas a se obter ganhos com mudanças esperadas dos preços ou rendimentos desses ativos. Invariavelmente, está associada à acumulação de riqueza financeira, cuja lógica, ao se desconectar das suas bases “reais”, torna inevitáveis os ajustes na forma de crises mais ou menos violentas.4

3 Segundo Foster e Magdoff (2009, p. 19), nessa etapa a demanda na economia passou a ser estimulada “graças a bolhas de ativos”.

4 A definição clássica de especulação se deve a Kaldor (1939) e consiste na atividade de compra/venda de mercadorias com o objetivo de revenda (ou recompra) em data posterior com o objetivo de se ganhar com mudanças esperadas de preços.

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De fato, conforme demonstrado por Chesnay (2004b), Philon (2004), Epstein (2004), Epstein e Jayadev (2005) e Crotty (2005), no ambiente da financeirização da riqueza que se formou a partir de fins da década de 1970 e se intensificou nos anos 1990, com a retirada ou enfraquecimento dos mecanismos de regulação do sistema bancário, enquanto, por um lado, crescia a relação ativos financeiros/PIB, e ampliava-se, também, a participação dos rentiers na apropriação da renda e nos lucros das empresas não financeiras, encolhiam, por outro, como proporção do PIB, os investimentos e os lucros do setor produtivo e os salários dos trabalhadores, para não falar na relação lucros retidos/lucros gerados nas empresas não-financeiras. No caso dos EUA em particular, assistiu-se, além de forte queda da poupança líquida e da taxa de investimento líquido/PIB, também à diminuição da taxa de lucro retido por parte das corporações não financeiras, assim como ao aumento da relação rendas obtidas no exterior/lucros gerados domesticamente, para não falar do passivo externo líquido (Duménil e Lévy, 2004). Particularmente a partir de princípios da década de 1990, à medida que a base “real” se contraía e a riqueza “virtual” se expandia, o crédito, em abundância, foi se tornando fácil e barato, abrindo as portas do “paraíso” do consumo e da aquisição de imóveis, principalmente nos EUA, que mantiveram as taxas de juros em níveis rastejantes até maio de 2004.

De um lado, neste período de hegemonia do capital financeiro em escala global (Chesnay, 1996b; 2002), à medida que se fortalecia novamente a crença no poder auto-regulador do mercado, a capacidade criativa das instituições financeiras em gerar novos produtos e em multiplicar, via alavancagem, o crédito e a liquidez da economia, ampliava-se, de forma crescente, como salientado por Canuto e Laplane (1995), Chesnay (1995; 1996b; 2004b), Coutinho e Belluzzo (2004) e outros, a instabilidade sistêmica, com a formação de “bolhas” sucessivas de ativos desembocando em crises mais ou menos violentas.

Mas, por outro lado, as intervenções razoavelmente bem sucedidas dos bancos centrais no combate às “bolhas” que surgiram na era da globalização financeira, aliadas à crença de que “a turbulência corresponde a uma transição de aprendizado, ou, ainda, que ela se origina de orientações equivocadas de política econômica, nada havendo de intrinsecamente instável nas finanças globais” (Canuto e Laplane, 1995, p. 31), tornaram autoconfiantes as autoridades econômicas, que, diante da eclosão da crise

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do subprime, em agosto de 2007, não perceberem a sua gravidade, até mesmo pelo desconhecimento da complexidade dos novos instrumentos financeiros, do grau de alavancagem do sistema bancário e do volume de recursos “fictícios” envolvidos neste processo. Cegas pela crença na “disciplina do mercado”, em sua suposta eficiência e auto-regulação, difundidas pelas escolas de pensamento dominante, trataram inicialmente o problema como uma mera questão de liquidez. Demonstraram, assim, não ter consciência da possibilidade de desmoronamento do edifício especulativo, capaz de conduzir o sistema bancário para uma situação de insolvência e a economia “real” à recessão, com provável desembarque em profunda depressão. Nesse contexto, a injeção de recursos via bancos centrais, endereçada à superação da suposta crise de liquidez e, após o crash do dia 15 de setembro, os sucessivos “pacotes” de resgate do sistema financeiro, ameaçado em sua solvência, mostraram-se claramente insuficientes para se evitar o mergulho na recessão. Com custos que, somados aos dos “pacotes” anteriores, inevitavelmente serão lançados sobre os ombros dos contribuintes - que pagarão, mais uma vez, a conta da especulação –, os novos “pacotes” de cunho keynesiano, destinados a recuperar a economia “real”, mesmo se bem-sucedidos, devem manter o crescimento econômico mundial em níveis bem baixos por um período que se estima longo.

Preso ao dogma do caráter auto-regulador do capitalismo,5 o pensamento econômico dominante sustenta que as crises financeiras se originam de “choques externos”, mesmo de eventos aleatórios (sunspots), graças à existência de “informações assimétricas”, conectada à seleção adversa e ao moral hazard, ou risco moral (Mishkin, 1992), aliada ao problema dos agentes (Heffernan, 2003, p.368).6 Informação assimétrica se deve ao fato de que os diferentes agentes possuem conjuntos de informação diversos sobre as condições de uma instituição ou operação financeira, o que pode levar a decisões aparentemente irracionais, como precificação incorreta e corridas bancárias. O problema da seleção adversa decorre do fato de

5 Nesse sentido, ressalte-se que, para Milton Friedman (1963), a especulação, resultante da busca de maximização de lucros, é estabilizadora do mercado.

6 Não há aqui espaço para discutir os modelos de “bolhas racionais” (Blanchard, 1979; Flood e Garber, 1980), que tentam o impossível: conciliar a hipótese de eficiência dos mercados financeiros, baseada no modelo de equilíbrio geral de Arrow-Debreu com expectativas racionais, característico da escola novo clássica, com a existência de bolhas especulativas, registradas desde 1719. Para uma crítica desses modelos, veja-se Canuto e Laplane (1995) e Oreiro (2004).

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que, devido a falta de informações adequadas, quem se beneficia dos empréstimos é o solicitante com menos garantias, o que aumenta o risco dessas operações. Por risco moral se entende o incentivo que o seguro ou garantia governamental dá ao agente econômico a engajar-se em atividades de alto risco, na presunção de que não sofrerá perdas. Já o problema do agente principal surge do fato dos interesses dos acionistas diferirem dos que guiam os administradores e demais funcionários das corporações financeiras e não financeiras, os quais podem, assim, agir em busca de seus próprios interesses, comprometendo a racionalidade do comportamento organizacional.

Embora esses elementos estejam presentes em todas as crises, parece extremamente difícil conjugá-los de modo a explicar o colapso do sistema financeiro, pois se, para começar, os problemas de agente são inerentes à forma de organização corporativa, a tese do moral hazard confunde o seguro oferecido à atividade financeira em geral com o seguro ao investidor, que, de mais a mais, não existe na maioria dos casos, ou é fornecido por instituições privadas. No caso específico da crise atual, esta não teve origem no excesso de empréstimos assegurados; pelo contrário, os contratos subprime eram reconhecidos como de alto risco, sendo as RMBSs deles derivadas seguradas principalmente através de derivativos de mercado, que supostamente precifica os riscos, ainda que, neste caso, se saiba que as agências de classificação de risco recebiam comissões dos bancos originadores. Isto para não falar no fato de que, em muitos casos, foram os mais bem informados – inclusive os gerentes das instituições financeiras – os maiores perdedores com a crise. De mais a mais, ao contrário do que se pensa, o pânico não resulta de qualquer informação assimétrica, mas de um comportamento perfeitamente racional dos correntistas ou investidores, que, além de saberem que, numa corrida bancária, somente os primeiros a chegarem não sofrem perdas, também estão cientes, como salientam Diamond e Dybvig (1883, p. 410), de que “qualquer coisa que faça com que os depositantes antecipem uma corrida bancária, provocará uma corrida”.7

Finalmente, os defensores dessa abordagem não percebem que, na maioria dos casos, não se têm “choques externos”, mas choques engendrados endogenamente, para não falar em situações de alta fragilidade, em que,

7 Veja-se, também, Romo (1997, p. 875).

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como num barril de pólvora, qualquer faísca pode desencadear uma catástrofe.

Não é sem motivo, pois, que tampouco parece sustentável a idéia, admitida por Kindleberger (1989) e outros autores, entre os quais se destaca até mesmo Keynes, de que a especulação e/ou o pânico se originam de um comportamento irracional do tipo “psicologia das multidões” ou de “estouro da boiada”.8 A dificuldade consiste não somente em explicar porque agentes supostamente racionais, como admite a ortodoxia econômica, se comportam de modo oposto em determinadas circunstâncias, mas em ignorar a racionalidade mesma desses fenômenos, que, como demonstrado por vários autores, nem de longe são manifestações de histeria coletiva.

Tendo isto em vista, há de se buscar, no âmbito da teoria, explicações que mostrem como se geram, endogenamente, as condições de fragilidade que tornam o sistema econômico, particularmente o segmento financeiro, susceptível a irrupções violentas, que surgem, para os agentes econômicos, como tempestades em dia de céu azul. Isso significa a necessidade de deslindar a lógica da especulação, que, segundo alguns autores, como Minsky e Marx, representa, por mais irracional que possa parecer, uma manifestação extremada da lógica mesma do capitalismo, vinculando-se à sua própria razon d’etre.

É o que se procura fazer nas seções a seguir.

2. Minsky e a Hipótese da Fragilidade Financeira

Certamente que Keynes, por ressaltar a conexão entre expectativas incertas e as crises financeiras, concebidas como um momento do ciclo econômico,9 tem sido apontado entre aqueles que sustentam a endogeneidade das crises, na medida em que, conforme apontam Dutt e Amadeo (1990, p. 109), a existência de incerteza – em oposição ao risco – faz com que pequenas mudanças na conjuntura “podem alterar drasticamente o grau de confiança” dos agentes econômicos,10 modificando “substancialmente o seu

8 Referindo-se às expectativas de longo prazo, Keynes menciona a influência da “psicologia de massa de grande número de indivíduos ignorantes”, de “pessoas que não têm conhecimento especial das circunstâncias, reais ou esperadas”, da “influência excessiva e mesmo absurda” das flutuações de curto prazo dos lucros sobre os mercados, etc.

9 ... “a substituição de uma fase ascendente por uma descendente [do ciclo econômico] geralmente ocorre de modo repentino e violento” (Keynes, 1936, Cap. 22, p. 218).

10 A distinção entre incerteza e risco, atribuída a Knight (1921), encontra-se expressamente em Keynes (1937).

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comportamento [e] tornando a economia inerentemente instável”. A mesma posição é também sustentada por Arestis (1996, p. 124), para o qual

[a] natureza onipresente das expectativas que, sob a égide da incerteza, influenciam o ‘animal spirits’ é de vital importância no processo de acumulação de capital, de forma que se argumenta que a volatilidade das expectativas incertas potencialmente conduz a fraturas estruturais e a crises. A incerteza leva à volatilidade, no sentido de que a estabilidade que emerge da criação de instituições e convenções adequadas para tratar da incerteza está sujeita a mudanças periódicas, descontínuas e imprevisíveis.11

Embora se apóie largamente em Keynes, Minsky não deixa de apontar insuficiências na abordagem keynesiana, em particular nos aspectos financeiros do ciclo econômico, “que tornam a crise provável, senão inevitável”. Para Minsky (1975, p. 12), “[e]sta é a lacuna lógica, o elo faltante na Teoria Geral como foi deixada por Keynes em 1937”. De forma a completar o quadro keynesiano, Minsky (1975, p. 64) procura construir “um modelo de geração endógena de booms, crises e deflações”, introduzindo, para tanto, as finanças e examinando explicitamente a evolução dos balanços das empresas “durante os vários estágios da economia” (idem, p.129).

A análise minskyana baseia-se na “decisão especulativa fundamental de uma economia capitalista”, que “diz respeito a quanto, do fluxo de caixa antecipado das operações normais, uma firma, família ou instituição financeira reserva para o pagamento dos juros e do principal de suas obrigações”, assumidas para financiar posições em ativos (Minsky, 1975, p. 86-87). O caráter especulativo da decisão reside no fato de estar o agente econômico “apostando que as situações viventes em datas futuras serão tais que os compromissos financeiros poderão ser cumpridos” (Minsky, 1975, p. 87).

No período de estagnação que se segue à crise, recompõem-se as finanças empresariais e tem início a recuperação e a expansão, num contexto de baixo endividamento das empresas. Mas “[a] estabilidade – mesmo da expansão – é desestabilizante e formas mais aventureiras de financiamento dos investimentos dá resultados positivos, e outros seguem os aventureiros” (Minsky, 1975, p. 126), e a economia caminhará para o boom. Nessa fase,

11 Canuto e Laplane (1995), citados anteriormente, também esposam essa idéia. Veja-se, também, Romo (1997, p. 874).

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“as famílias, empresas e instituições financeiras são forçadas a empreender atividades de ‘assumir posições’ ainda mais aventureiras” (idem, p.124). Ocorre, assim, à medida que se desdobra o ciclo econômico, a transição das finanças hedge, em que o fluxo de caixa esperado é mais do que suficiente para cobrir as obrigações financeiras atuais e futuras das famílias e empresas (Minsky, 1986, p. 206-207), para as finanças especulativas, em que os fluxos de caixa próprio são menores do que os compromissos financeiros em algum período, e, destas, para as finanças Ponzi, caracterizada pela insuficiência dos fluxos de caixa esperados em termos dos compromissos financeiros assumidos, “de modo que o valor de face da dívida aumenta” (Minsky, 1986, p. 207).12

Como resultado do aumento da proporção das finanças especulativas e Ponzi durante o boom, desenvolve-se uma crescente fragilidade financeira, “de forma que acontecimentos inesperados podem desencadear sérias dificuldades financeiras (Minsky, 1975, p. 11-12). Em outras palavras, “depois que a fragilização financeira alcança níveis elevados”, “[c]írculos viciosos na direção oposta se instalam a partir de qualquer pequena virada no ritmo de dinamismo econômico” (Canuto e Laplane (1995, p. 50), ou mesmo por um evento qualquer (Kindleberger, 1989). A crise, portanto, é causada por “choques inesperados”, que se desenvolvem num contexto em que os agentes econômicos se encontram financeiramente vulneráveis.

Apesar de suas inequívocas contribuições no sentido de esclarecer os condicionantes financeiros dos movimentos da eficácia marginal do capital, responsáveis, segundo Keynes, pela emergência das crises, inclusive financeiras, Minsky não esclarece por que as expectativas otimistas formadas durante o boom não são confirmadas. Aliás, conforme confirma o estudo da crise dos créditos hipotecários subprime, o comportamento hedge não é suficiente para se evitar a crise, em razão da desvalorização geral dos ativos financeiros privados, demonstrando claramente a natureza especulativa de toda posição financeira, inclusive a mais hedge. Em particular, não fica claro como ocorre a transição das finanças especulativas para as finanças Ponzi, até porque, durante a fase de expansão, as expectativas otimistas respaldam amplamente as posições alavancadas, de modo que, ao fim e ao cabo, persiste a questão de saber como e porque as expectativas otimistas

12 Para uma descrição do significado das finanças hedge, especulativas e Ponzi, veja-se Mollo (1986), da Costa (1992, p. 78-86), Wolfson (1994, p. 16-20) e Lourenço (2005). Este último faz uma boa e sucinta descrição do pensamento de Minsky.

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são contrariadas, originando o seu colapso, causa final das crises, segundo Keynes.

Outro aspecto negligenciado tanto por Minsky quanto por Keynes reside no distanciamento progressivo da produção em relação ao consumo, o qual se revela na crescente acumulação de estoques que tem lugar durante o boom, resultando na conhecida crise de superprodução, ressaltada pelos marxistas Ainda no caso da crise do subprime, por exemplo, tudo começou no verão de 2005, quando os preços de mercado das construções residenciais caíram nos EUA como resultado do excesso de oferta, deixando claro para os empresários, de um momento para outro, a existência de um estoque indesejado de residências prontas para venda ou em construção. As expectativas de curto prazo referentes a preços e quantidades foram contrariadas, pois, com efeitos negativos sobre a produção de residências e sobre o restante da economia. Não há, portanto, como, em se tratando da explicação da crise, evitar o exame do balanço entre oferta e demanda agregadas, o que passa necessariamente pela acumulação de estoques, que, de desejada, passa a indesejada da noite para o dia, como resultado da percepção do seu caráter excessivo, o que se dá pela frustração das expectativas de curto prazo.

Finalmente, apesar de Minsky fazer referência a crises financeiras que não resultam em crises econômicas gerais, na medida em que sua análise do processo de fragilização financeira envolve o conjunto da economia, não parecem claros quais seriam os mecanismos que as tornam possíveis. O mesmo, na verdade, é válido para Keynes, que não possui uma teoria que dê conta de crises financeiras a não ser aquelas que representam um momento do processo de reversão do ciclo de negócios.

3. Marx: Crédito, Capital Fictício e Crise

Em relação a Minsky, a teoria marxista das crises financeiras – momentos necessários do ciclo econômico – possui a vantagem de explicar, de forma lógica, embora complexa, como se geram, durante o boom e o auge, os desequilíbrios que deságuam nas crises, também concebidas como processos violentos de restabelecimento do equilíbrio. Na explicação marxista, a especulação financeira se conjuga com a queda da taxa de lucro e a acumulação de estoques, num processo complexo em que o ímpeto

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da acumulação de capital ultrapassa tanto as estreitas bases do consumo das massas quanto os requerimentos das inter-relações setoriais graças ao crédito, que assume assim, conjuntamente com o capital fictício e a tendência à queda da taxa de lucro, posição estratégica na geração das crises.

Assim como todas as categorias marxistas, o crédito surge como resultado dos desdobramentos da mercadoria, forma elementar que, segundo Marx, contém, de modo não desenvolvido, a totalidade da ordem capitalista de produção, concebida como um sistema organicamente articulado. Com o desenvolvimento das trocas, a diferenciação existente no seio da mercadoria, como síntese de valor de uso e de troca, ou seja, de produto necessário para a reprodução da sociedade e de cristalização de trabalho social abstrato, se desdobra na oposição entre mercadoria e dinheiro. Mais do que isso, a própria circulação mercantil se torna meio de acumulação de dinheiro, que, assim, se torna capital, ou seja, em processo de acumulação ilimitada de dinheiro, cuja finalidade está em si mesmo. Na presença de trabalho assalariado – fruto da separação do trabalhador da propriedade dos meios de produção –, o capital, gerado na circulação mercantil, se transforma em senhor da produção social, envolvendo-a como um momento de seu ciclo, como produção de mais-valor, a alimentar o processo de acumulação (Marx, 1867, Livro I, Cap. I a IV, p. 41 a 197).

Marx admite que o crédito, que nasce quando a venda ocorre sem pagamento, mas em troca de apenas uma promessa de pagamento, e se desenvolve numa rede de relações creditícias, substituindo o dinheiro na medida em que os títulos de crédito se compensam nos bancos e demais clearing houses (Marx, 1867, v. I Cap. I, p. 149-156), possui natureza contraditória. O motivo reside em que, enquanto a venda por dinheiro permite confirmar, ainda que a posteriori, que a mercadoria produzida (valor de uso) é necessária socialmente (tem valor), o mesmo não ocorre com a venda por título de crédito, até porque a mudança das condições econômicas pode tornar insolvente o comprador-devedor. Com isso, perde-se o trabalho concreto gasto na produção da mercadoria, não porque a mesma não se venda, mas porque o pressuposto de que o comprador teria condições de honrar a promessa de pagamento – que, diga-se de passagem, escapa ao seu controle – não se verifica. Por essas razões, diz Marx (idem, p. 152) que a função do dinheiro como meio de pagamento de dívidas e, portanto, o crédito, “envolve uma contradição direta”, a qual se manifesta

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“na fase especial das crises industriais e comerciais chamada de crise de dinheiro”.

Mas se o crédito é necessário para a ocorrência das crises, estas somente se desenvolvem em razão da especulação, comandada pelo afã de acumulação de capital, tornada, pela concorrência, impositivo de sobrevivência do empresário. Segundo Marx, à medida que, durante a fase de prosperidade, avança a acumulação, eleva-se a composição orgânica do capital, o que, na ausência de revoluções tecnológicas, resulta na queda da taxa de lucro. Essa redução, contudo, não induz os empresários a alterar os preços, que, aliás, estão em alta, em razão do crescimento da demanda, visto que a expansão do crédito viabiliza a crescente formação de estoques, conseqüência tanto da necessidade, por parte dos empresários, de se precaver contra a elevação de preços e a falta de insumos no mercado, quanto da própria especulação com estoques dos produtos, induzida pela perspectiva de elevação dos seus preços. Tampouco tem quaisquer efeitos sobre os investimentos em capital fixo, na medida em que as vendas a crédito engordam os balanços das empresas, de modo que, a rigor, o que o mercado percebe é uma elevação da rentabilidade das empresas, em lugar da sua queda. A aparência de consumo causada pela formação de estoques e pelos pagamentos efetuados com títulos de crédito serve, assim, de indicador de que tudo vai bem e os negócios estão em expansão.

Mas à especulação com estoques, fundamentada no crédito, se soma à especulação financeira propriamente dita, especulação com capital fictício, definido por Marx (1893, Livro III, Cap. XXIX, p. 533-546) como todo título de crédito ou direito de propriedade sobre rendimentos futuros, qualquer que seja a sua origem. Entre as formas típicas estão as ações, os títulos da dívida pública e “títulos privados, como ações debêntures e letras de câmbio” (Carcanholo & Nakatani, 1999), mas mesmo o papel moeda inconversível foi catalogado nessa categoria por Marx. Do ponto de vista da reprodução e da sociedade, trata-se, por isso, de uma riqueza imaginária, ilusória, constituindo apenas direito a uma riqueza, podendo esta se converter ou não em riqueza real, embora, do ponto de vista individual, apareçam como capital real. Na verdade, com a introdução do capital fictício, pôde Marx avançar, como apontado por Chesnay (2008, p. 15), na análise das crises de natureza financeira propriamente ditas, que, é claro, não assumiram, na sua época, as dimensões das crises financeiras do século XX e do século atual.

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De qualquer modo, o conceito de capital fictício permite fundamentar a explicação dos “descolamentos” do valor dos ativos financeiros, como no caso das ações, durante os períodos de euforia. Sendo determinado, conforme explica Hilferding (1910, Cap. VII, pp. 111-118), pela capitalização dos lucros futuros esperados, o valor das ações sobe como conseqüência da queda da taxa de juros e da elevação desses lucros, o que ocorre invariavelmente tão logo se consolide a recuperação econômica, depois da fase de recessão. Mas o próprio aumento das cotações, ao trazer ganhos patrimoniais, costuma induzir os investidores financeiros a adquirir mais ações, resultando, pois, em novas elevações, que terminam desembocando num processo especulativo em que o índice bursátil se eleva hoje como conseqüência da sua valorização ontem. Nesse sentido, ocorre verdadeiro “descolamento do descolamento”, fazendo com que a razão preço/lucro (PL) das ações atinja níveis muito acima do inverso da taxa básica de juros.

É este capital fictício que, convertido, na interpretação dada por Carcanholo & Nakatani (1999), em capital especulativo parasitário, antinômico do capital produtivo e produtor de crises econômicas, desemprego e miséria, é também o capital que, no processo atual de globalização financeira, passou a subordinar o capital industrial, tornando-se dominante no processo, com a velocidade com que dele se distanciou e com a magnitude que adquiriu, apoiado na dívida pública e no sistema financeiro especulativo.

Para esses autores, esse capital fictício encontra terreno fértil para se expandir sempre que o capital esbarra em dificuldades, na órbita produtiva, para continuar seu processo de valorização, o que teria ocorrido a partir da década de 1970, com a desestruturação do sistema monetário internacional, seguida dos ajustes recessivos a que foi submetida a economia mundial, da crise da dívida externa nos anos 1980 e da conseqüente queda da taxa de lucro das empresas produtivas mesmo nos países desenvolvidos. Isso teria levado o capital a deslocar-se para a órbita especulativa, expandindo consideravelmente o capital fictício parasitário, amplificado pela explosão das dívidas dos Estados nacionais, a ponto deste tornar-se dominante no processo, subordinando o capital produtivo a seu controle e estabelecendo novas normas e regras para o Estado garantir sua preservação.

Essas mudanças não ocorrem, contudo, nessa perspectiva, sem acarretar problemas para a reprodução global do capital, porque o crescimento

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dessa riqueza financeira exige, para materializar-se: i) de fatias crescentes do excedente produzido pelo capital produtivo, enfraquecendo as forças da acumulação e mantendo o sistema em crise; ii) do uso do Estado como instrumento de conversão dessa riqueza fictícia em riqueza real, por meio de severos ajustes de suas finanças, visando capacitá-lo a honrar o pagamento de seus juros e transferindo-lhe parcela da riqueza real extraída da sociedade, através da cobrança de impostos, e de sua sustentabilidade. Em ambos os casos, enfraquecem-se as forças da reprodução global do capital, colocando o sistema em risco: sem expansão adequada do capital produtivo, limitam-se as possibilidades de crescimento do valor e da produção de mais-valia e, portanto da riqueza real, acirrando os conflitos entre os distintos capitais por sua apropriação; com a redução do papel do Estado como agente de legitimação para cumprir o papel de agente do rentismo, ampliam-se as desigualdades, a exclusão social e as contestações ao sistema.

Essa não representa, contudo, uma situação nova no desenvolvimento dos ciclos do sistema capitalista, tendo ocorrido grandes expansões financeiras, apoiadas na dívida pública, como Marx apontou, nas cidades-Estados italianas, na Holanda, Inglaterra e atualmente nos Estados Unidos. A novidade está na magnitude dessa expansão e na dominância do capital financeiro parasitário sobre o capital industrial, o que caracterizaria a etapa atual de desenvolvimento do capitalismo como de globalização financeira, discutida na seção 1.

4. Globalização Financeira, Etapa Superior do Capitalismo?

Apesar da tese de que, a partir de 1979 – ano em que Margareth Thatcher chegou ao poder no Reino Unido – tenha se gerado uma nova etapa do capitalismo, marcada pela hegemonia do capital financeiro em escala

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global, seja atribuída a François Chesnay, que a formulou na Introdução Geral do livro La Mondialisation Financière, publicado em 1996,13 o fato é que a mesma já se encontrava em Giovanni Arrighi, em seu trabalho O Longo Século XX, de 1994. Embora apresente uma interpretação um pouco distinta, a formulação de Arrighi conduz aos mesmos resultados, adicionando, de mais a mais, alguns elementos importantes para compreender o significado dessa expansão financeira e suas implicações para a reprodução do capital real.

Arrighi parte, em seu estudo, da afirmação feita por Fernand Braudel, “de serem características essenciais do capitalismo histórico em sua longue durée – isto é, durante toda a sua existência – [a sua] flexibilidade ilimitada, sua capacidade de mudança e de adaptação”, de forma que se deve desmistificar a tese, defendida por muitos historiadores e economistas, de ser a indústria a etapa final de seu desabrochamento, a etapa que lhe daria sua “verdadeira” identidade.

Para apoiar essa tese de Braudel, lança mão da fórmula geral elaborada por Marx (D-M-D’) para descrever o circuito do capital. Para ele,

o capital-dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada combinação de insumo-produto, visando ao lucro; portanto, significa concretude, rigidez e um estreitamento ou fechamento de opções. D’ representa a ampliação da liquidez, da flexibilidade e da liberdade (Arrighi, 1994, p. 5)

Lida dessa maneira, a fórmula nos diz que os capitalistas não investem na produção de bens materiais como um fim em si mesmo, mas como meio para ampliar a flexibilidade e a liberdade, com os lucros obtidos, numa etapa posterior. Mas quando as expectativas de se atingir esses fins se frustram “o capital tende a retornar a formas mais flexíveis de investimento – à sua forma monetária. Em outras palavras, os agentes capitalistas passam a “preferir” a liquidez, e uma parcela incomumente grande de

13 Em seu livro La mundialization du Capital, publicado em 1994, Chesnay concebia a financeirização globalizada do capital como uma etapa a mais no processo de internacionalização do capital produtivo, em lugar de um processo de subordinação do capital produtivo pelo capital financeiro. Em artigo no ano seguinte, Chesnay (1995, p. 1) já identificara um “novo regime mundial de acumulação”, onde se conjugavam o “capital aplicado na produção de bens e serviços”, mas também, de forma crescente, o “capital financeiro centralizado, mantendo-se sob a forma de dinheiro e obtendo rendimento como tal”. Embora tenha caracterizado o processo como “globalização do capital”, ainda lhe faltava a compreensão da subordinação do capital produtivo ao financeiro. Para uma discussão da questão, veja-se Chesnay et. al. (2003).

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seus recursos tende a permanecer sob forma líquida” (Arrighi, 1996, p. 5). Nesse caso, enquanto se recriam as condições objetivas para uma nova etapa de expansão, sua preferência é por manter-se de forma líquida, a qual lhe garante flexibilidade para, a qualquer momento, transmutar-se. Se assim é, o estágio de expansão financeira, em vez de anunciar sua crise, faz parte integrante do ciclo de acumulação do capitalismo, que em certo sentido parece sinalizar, como nas palavras de Braudel, “sua maturidade”, ou “um sinal de outono”, que vem associado ao deslocamento do comando da economia mundial na direção de um novo centro hegemônico. Nesse sentido, a fórmula (D-M-D’)

pode ser interpretada como retratando não apenas a lógica dos investimentos capitalistas individuais, mas também um padrão reiterado de capitalismo histórico como sistema mundial. O aspecto central desse padrão é a alternância de épocas de expansão material (fases D-M de acumulação de capital) com fases de renascimento e expansão financeiros (fases M-D’). (…) Juntas, essas duas épocas, ou fases, constituem um completo ciclo sistêmico de acumulação (D-M-D’) (Arrighi, 1996, p. 6).

Nessa interpretação, portanto – e em oposição à tese de Hilferding-Lenin – o capital financeiro não é visto como

uma etapa especial do capitalismo mundial [nem] muito menos como seu estágio mais avançado e recente. Ao contrário, é um fenômeno recorrente, que marcou a era capitalista desde os primórdios, na Europa do fim da Idade Média e início da era moderna. [Assim], ao longo de toda era capitalista, as expansões financeiras assinalaram a transição de um regime de acumulação em escala mundial para outro. Elas são aspectos integrantes da destruição recorrente de “antigos” regimes e da criação simultânea de “novos” (Arrighi, Introdução, p. X).

Em outras palavras, a expansão financeira, se, por um lado, anuncia o término de um longo ciclo de expansão, também, por outro, prenuncia o início de um novo estágio de desenvolvimento do capitalismo, mas em bases renovadas – de agentes, processos e estruturas. É quando a roda da história gira e começa a colocar em cena outros grupos de capitalistas, que comandarão o sistema na nova etapa de expansão que se avizinha – os capitalistas da etapa anterior se retiram de cena – depois de cumprido seu

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papel – e se transformam numa aristocracia financeira; outros métodos organizacionais nos processos de produção e acumulação; e outro Estado, renovado em suas bases para ajudar a sustentar essa nova etapa. Foi assim com Veneza, que financiou a Holanda; com a Inglaterra que, financiada com os capitais da Holanda, terminou financiando os Estados Unidos. E pode ocorrer com este último país se, concluída a fase de expansão financeira iniciada em fins da década de 70, o centro hegemônico do capitalismo se deslocar para outras fronteiras.

Mas a cada giro da história, a cada sucesso que o capitalismo alcança no processo de sua renovação, maiores tornam-se as possibilidades de seu fracasso, porque os problemas se tornam mais complexos, é cada vez maior o risco da riqueza financeira de não conseguir se deslocar para a órbita real e do formato do Estado não se adequar à nova realidade. Isso porque, ainda segundo Arrighi (idem, p. 342),

a velocidade de cada oscilação – medida pelo tempo que cada regime levou para se formar, tornar-se dominante e atingir seus limites – aumentou sistematicamente, conforme a escala e o âmbito de ação dos principais agentes dos processos sistêmicos de acumulação de capital. [Por isso], cedo ou tarde, ele está fadado a atingir uma etapa em que a crise de superacumulação não consegue criar um agente suficientemente poderoso para recompor o sistema em bases maiores e mais amplas.

Embora a crise financeira tenha origem ou nasça dos próprios desequilíbrios e das formas contraditórias de funcionamento dos mercados e do sistema econômico, seu ponto de partida se dá em arranjos mal estruturados para acomodar essas contradições e fricções, podendo ganhar velocidade e intensidade se as estruturas montadas nesses arranjos forem favoráveis para sua potencialização, tornando os efeitos de determinadas políticas econômicas inócuas para revertê-la e impedir que a economia caminhe para a recessão, antes que todos os estragos sejam por ela produzidos.

Este é o caso da crise atual, que teve origem no mercado de hipotecas habitacionais, e mais especificamente no crescimento espetacular do crédito subprime, embora tenha sido na rede de seguros estruturada para garantir grau de investimento às hipotecas securitizadas e no elevado grau de alavancagem das instituições financeiras, investidores e demais agentes

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econômicos, juntamente com as densas relações especulativas estabelecidas com outros instrumentos no mercado de hedge, num sistema financeiro desregulamentado, que ela ganhou força para avançar rapidamente, assegurar pesadas perdas para os que se aventuraram à obtenção de ganhos fáceis e contaminar toda a economia “real”, conduzindo-a para uma recessão mundial, de dimensões assustadoras.

É a análise da rede financeira que se formou, alimentando-se principalmente deste mercado neste período, que se faz no próximo capítulo, visando obter elementos tanto para melhor compreender o significado e extensão da crise como para avaliar se o caminho percorrido pela política econômica que tem sido implementada nos países por ela atingidos serão capazes de gerar resultados satisfatórios para sua superação.

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CAPÍTULO II

RAÍZES DA CRISE FINANCEIRA DOS DERIVATIVOS SUBPRIME

1. O Retorno das Crises Financeiras

A turbulência que abalou o mercado hipotecário norte-americano em razão das insolvências no segmento subprime insere-se, conforme salientado no capítulo 1, no rol de tempestades financeiras que têm marcado a economia globalizada.14 Tendo se tornado fenômenos mundiais recorrentes a partir de 1825, as crises financeiras culminaram com o crash de Wall Street em outubro de 1929, e desembocaram no colapso do sistema financeiro norte-americano, no inverno de 1932-1933. Com a supressão do padrão-ouro e o concomitante saneamento dos bancos promovidos pelo Emergency Banking Act de 9 de março de 1933, a compartimentação do sistema financeiro, o seguro de depósitos bancários e a Regulação Q, instituídos pelo Glass-Steagall Act de 1933, o manejo keynesiano da política econômica, e, finalmente, a persistência de elevadas taxas de lucro no segmento não-financeiro, a economia norte-americana evoluiu num cenário de normalidade até o credit crunch de 1966. Embora desde então os EUA tenham assistido a várias crises financeiras, essas se tornaram mais freqüentes e mais intensas somente a partir da década de 1990, como resultado do processo de liberalização dos mercados e de globalização financeira.

Nada se compararia, contudo, à crise internacional desencadeada pelos problemas no segmento de hipotecas subprime, corretamente avaliada por Allan Greenspan (presidente do Federal Reserve de 1987 a 2006), seis meses antes do pânico causado pela bancarrota do Lehman Brothers, como “a mais grave [crise financeira] desde o fim da Segunda Guerra Mundial”.

14 Embora concordasse com Greenspan, Stanley Fischer (2008, p.1) ainda sustentava, na Conferência patrocinada pelo Federal Reserve Bank of Kansas City, nos dias 21 a 23 de agosto de 2008, que os efeitos da crise financeira, em termos da porcentagem do PNB, eram reduzidos, e que os impactos da mesma sobre a “economia real”, até o momento, tinham sido modestas. Esse diagnóstico mudou completamente desde então.

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2. O Crédito Imobiliário e o Ciclo da Construção

Conquanto tenha assumido a forma de turbulência financeira, a crise do subprime insere-se no processo de reversão do último ciclo de construção residencial dos EUA, que se iniciou em 1994, quando os preços reais das residências começaram a subir, ainda que lentamente, depois da queda observada entre 1990 e 1993.15

A importância do ciclo da construção,16 também conhecido como ciclo de Kuznetz, tem sido destacada por vários autores. Referindo-se aos EUA, Mattews assinala que

a construção de prédios tem sido em geral o componente mais instável do investimento fixo e também um dos mais importantes, chegando em alguns períodos a uma quarta parte ou mais do investimento total.17 Além disso, o volume da construção de casas determina em grande parte o nível de certas outras formas de investimento, tais como a construção da utilidades públicas urbanas, e apresenta efeito considerável sobre a procura de artigos duráveis de consumo, tais como instalações e mobiliário (Mattews, 1959, p. 101).

Como resultado, Alberts também observa que, muito embora a relação de dependência da atividade construtiva em relação à renda não seja forte, “a renda nacional não pode deixar de ser influenciada pelo nível das construções” (1962, p. 103). De fato, examinando o papel do ciclo de construção nos EUA no pós-guerra, Leamer (2007, p. 53) concluiu que “problemas no investimento residencial têm contribuído em 26% da fraqueza na economia no ano anterior às oito recessões” ocorridas desde então.

A longa duração do ciclo de construção, assim como a sua baixa dependência direta em relação à renda se devem provavelmente à “durabilidade excepcional das casas comparada à maioria das formas de capital” (Mattews, 1959, p. 104). Isto se explica, em primeiro lugar, pelo tempo necessário para se eliminar qualquer eventual excesso de demanda.

15 Segundo van den Noord (2006), no qüinqüênio 1990-1995 os preços reais dos imóveis nos EUA caíram a um ritmo anual de 1,1%. Essa média, contudo, inclui o biênio de 1994 e 1995, em que houve elevação desses preços.

16 “A parcela dos dispêndios dos investimentos residenciais é altamente cíclica” (Fisher e Quayyun, 2006, p. 29).17 Segundo informa Krainer (2006), no período 1980-2005, os investimentos residenciais representaram

aproximadamente 30% do total dos investimentos privados e 5% do total do PIB dos EUA. De acordo com Chambers, Garriga e don Schlagenhauf (2007, p. 2), os investimentos em construção (residencial e não residencial) respondem por metade do investimento privado.

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Se houver, assim, uma escassez acentuada de casas, seja devido a uma causa exógena, como uma guerra recente, ou uma grande prosperidade geral que tenha impulsionado de modo significativo a procura de espaço habitável, tal escassez será difícil de satisfazer rapidamente.18 O surto de construção perdurará por tempo correspondentemente longo e poderá continuar mesmo depois de todas as outras classes de investimento haverem começado a declinar (Mattews, 1959, p. 104-5).

Outro fator explicativo para a duração do ciclo da construção residencial reside, ainda segundo Mattews (1959, p. 105), na estrutura da indústria da construção, constituída por muitas empresas pequenas, que, uma vez desarticuladas pela crise setorial, levam algum tempo para responder ao aumento da demanda, ocorrendo o inverso na eventualidade de excesso de oferta. Finalmente, também as imperfeições do mercado, articuladas com a difusão de informações, explicariam as defasagens presentes no ciclo da construção (Mattews, 1959, p. 105).

Embora relativamente pouco sensível em termos da renda corrente, a construção residencial e, portanto, os seus ciclos, são altamente dependentes das condições do crédito habitacional (prazos e custos),19 Aliás, conforme registra o Residential Finance Survey de 2001, cerca de 97% das residências nos EUA haviam sido adquiridos através de empréstimos hipotecários e somente 1,6% à vista, em dinheiro (Chambers, Garriga e don Schlagenhauf, 2007, p. 6). Esta dependência significa que todas as mudanças na estrutura do sistema financeiro habitacional refletem no desempenho da atividade, acelerando-a, ou, pelo contrário, criando dificuldades à sua expansão.

Do período que vai das reformas implementadas durante a Grande Depressão até meados da década de 1980, o crédito habitacional norte-americano dependia essencialmente das associações de poupança em empréstimo (Savings & Loans). A partir de então, a reestruturação do sistema financeiro habitacional, provocada pela liberalização financeira e pelo desenvolvimento da securitização de títulos hipotecários, tornou o mercado habitacional norte-americano integrado ao mercado de capitais, no sentido de que as taxas hipotecárias respondem a mudanças das taxas de

18 Conforme nos lembra Alberts (1962, p.264), o ciclo de construção se explica pelo fato de que “as mudanças na renda associadas com períodos de contração e recuperação dos negócios têm tido um efeito relativamente pequeno na demanda por residências”.

19 Segundo Alberts (1962, p. 272), “aumentos e decréscimos na curva mostrando a quantidade de fundos hipotecários às várias taxas de juros têm causado aumentos e decréscimos na produção de novas casas”. Veja-se, também, Albert (1962, p. 274-5).

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juros nos outros mercados de capitais e os fundos hipotecários tornaram-se “efetivamente disponíveis às taxas de juros prevalecentes no mercado” (Hendershott e Van Orde, 1989).20

Na verdade, uma análise da evolução do mercado habitacional norte-americano confirma a íntima associação entre o ciclo da construção e as condições do mercado de crédito habitacional, que se alteraram de forma expressiva nos últimos oitenta anos, em estreita conexão com as crises que se sucederam nesse período. Se em 1900 cerca de 30% das residências nos EUA eram hipotecadas em 40% do seu valor, no início da década de 1970 mais de 60% das mesmas estavam hipotecadas a mais da metade do seu valor (Robertson, 1973, p. 638). Esse crescimento exponencial, paralelo ao do aumento da proporção das residências ocupadas pelos seus proprietários (62,5% na década de 1960 contra pouco menos de um terço em 1930), se explica, em grande parte, pelo desenvolvimento das instituições do sistema financeiro habitacional norte-americano, que se viu inteiramente reformado como resultado da Grande Depressão.

3. A Evolução do Sistema Financeiro Habitacional dos Estados Unidos até a Crise dos Savings & Loans

Durante a década de 1920, o empréstimo hipotecário típico era de curto prazo, chegando a três, cinco ou, no máximo, dez anos, cobrindo 50%, 60% ou, no máximo, dois terços do valor do imóvel. Como resultado, eram comuns uma segunda ou mesmo terceira hipotecas com elevadas taxas de juros. Ainda que houvesse alguns experimentos com hipotecas amortizadas anualmente, particularmente por associações de poupança e empréstimo, a regra geral eram pagamentos totais ou amortizações parciais com “balões” ao final. As taxas de juros eram elevadas em relação às que prevalecem hoje, particularmente quando comparadas com as taxas corporativas ou governamentais (Robertson, 1973, p. 640). Segundo esse autor,

Os efeitos da legislação habitacional federal não podem ser mensurados de forma precisa, mas não há dúvida de que, por incrementar o fluxo de crédito disponível aos tomadores a baixas taxas de juros e num

20 Segundo Cintra e Cagnin (2007, p. 304), a criação do mercado securitizado de hipotecas “acabou por estabelecer vínculos estreitos entre os mercados de capitais e o mercado de hipotecas”. Veja-se, também, Mccarthy e Peach (2002, p. 142).

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27SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

esquema de amortização mensal, o governo federal incrementou a demanda agregada por residências (Robertson, 1973, p. 641).

O programa habitacional norte-americano teve início durante os anos difíceis da Grande Depressão.21 Para ajudar as instituições que financiavam a aquisição de residências, o Congresso norte-americano criou, em 1932, o Federal Home Loan Bank System, com 11 (depois 12) bancos regionais sob a supervisão do Home Loan Bank Board. Embora toda instituição que operasse no mercado habitacional se qualificasse, incluindo bancos e companhias de seguro, a grande maioria das instituições que passaram a constituir o novo sistema era composta de Savings & Loans Associations (S&L, ou seja, associações de poupança e empréstimo). “A principal função dos Home Loan Banks era prover liquidez às instituições-membro através de empréstimos assegurados por hipotecas” (Robertson, 1973, p. 641).

Em 1933, o Congresso criou a Home Owners Loan Corporation (HOLC), também sob a supervisão do Home Loan Bank Board, com a finalidade de emprestar recursos com prazo de quinze anos, juros anuais de 5% e amortizações mensais, a devedores ameaçados com a execução de hipotecas. Entre a data de sua criação e junho de 1936, quando parou de operar, a HOLC desembolsou US$ 3 bilhões (Robertson, 1973, p. 641). No ato de instituição da HOLC, também foi autorizada a criação de uma associação federal de poupança e empréstimo, com o Tesouro sendo autorizado a subscrever até 50% de qualquer associação dessa natureza. Em 1974 estabeleceu-se a Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC), com aporte de capital da HOLC. Considerada como uma “tremenda proteção aos poupadores” (Robertson, 1973, p. 641), a FSLIC recebeu prêmios das instituições-membro e, inicialmente, assegurou as contas de até US$ 5.000.

Em 1934, com a criação do Federal Housing Administration (FHA), a ênfase do programa habitacional norte-americano mudou do resgate para a recuperação:

Para estimular novos empréstimos, um esquema de seguro hipotecário foi concebido, no qual empresas financeiras privadas poderiam fazer empréstimos hipotecários para construções de até quatro residências e

21 Veja-se Wheelock (2008).

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para propriedades para aluguel com muito menos risco do que antes (Robertson, 1973, p. 641-2).

De saída, a FHA assegurou hipotecas de até 80% do valor dos imóveis, com baixas taxas de juros e amortização em vinte anos. Em 1938 foi autorizada a assegurar hipotecas de até 90% do valor do imóvel de residências novas de valor até US$ 6.000.

Objetivando incentivar o desenvolvimento do mercado secundário de hipotecas, a RFC Mortgage Company, propriedade da Reconstruction Finance Corporation, deu início, em 1935, às compras de hipotecas de propriedades comerciais urbanas. Com a aprovação, em 1938, de legislação autorizando o governo a patrocinar esse mercado, criou-se, nesse mesmo ano, a Federal National Mortgage Association (FNMA, ou Fannie Mae), que passou a comprar hipotecas asseguradas pela FHA na ausência de interesse do capital privado, vendendo-a com prêmio quando possível. Por volta de 1948, a FNMA já se havia tornado um importante fator no financiamento da construção residencial urbana. A esse respeito, assim se manifesta Robertson (1973, p. 643):

Desde o começo da política emergencial causada pela Depressão houve um interesse considerável por suprir residências de baixa renda para famílias desprivilegiadas. A assim chamada habitação pública teve início com os esforços da RFC e, mais tarde, da Public Work Administration, para realizar empréstimos para companhias habitacionais privadas. Quando essas tentativas falharam, tomaram-se outras medidas para providenciar habitação adequada para grupos de baixa renda. Em 1937, a United States Housing Authority (USHA) deu início à prática de emprestar recursos para as autoridades habitacionais públicas estabelecidas pelas municipalidades. Através desse programa público do New Deal, o governo então adicionou a reforma aos seus objetivos anteriores de ajuda e recuperação.

Em 1941, o Congresso norte-americano aprovou o Título VI do National Housing Act, cobrindo áreas de defesa militar, e no ano seguinte, as maiores agências habitacionais federais – o Federal Home Loan Bank Board, a Federal Housing Administration, e a USHA, agora denominada

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Federal Public Housing Authority - foram combinadas sob a National Housing Agency, com a função de centralizar e coordenar o financiamento e a construção de residências públicas e privadas durante a Guerra. Em 1944, o Servicemen´s Readjustment Act estabeleceu dispositivos para favorecer o crédito hipotecário para os veteranos da Guerra, por meio da Veterans’ Administration (VA).22 Depois da Segunda Guerra Mundial, sob a cobertura do Título VI, residências foram disponibilizadas, a preços módicos, para os veteranos, militares e pessoal ligado ao programa nuclear, entre outros. Como resultado desses arranjos, cerca de 4,25 milhões de novas residências foram financiadas com créditos hipotecários garantidos pela FHA ou pela VA de 1935 a 1952, correspondendo a 40% das novas residências construídas no período.

O mercado habitacional norte-americano ainda sofreu a influência do lobby da National Association of Home Builders e da U.S. Savings and Loan League, no sentido de subsidiar a construção habitacional, apelo que foi escutado inclusive pelos políticos. “A conseqüência foi uma série de atos do Congresso direcionados ao subsídio direto da habitação em montantes que se tornariam astronômicos na década de 1970” (Robertson, 1973, p. 648). Em 1965 instituiu-se, ao nível de gabinete, o Department of Housing and Urban Development (HUD), englobando a Federal Housing Administration, a Federal National Mortgage Association e a Veterans’ Administration (VA). Mas através do Housing Act de 1968, a Fannie Mae foi desmembrada em duas agências: a Government National Mortgage Association (GNMA, ou Ginnie Mae), que se tornou responsável pelas hipotecas de baixa renda, enquanto a Fannie Mae tornou-se uma “corporação privada patrocinada pelo governo” (“government-sponsored private corporation”), introduzindo-se um sistema privado de sustentação do mercado secundário de hipotecas asseguradas pela FHA e pela VA. Nesse sistema, a Fannie Mae passou a tomar recursos emprestados a taxas de juros abaixo das de mercado, fosse através da emissão de debêntures baseadas nas suas hipotecas, fosse por meio de financiamentos do Tesouro, e os emprestava aos bancos hipotecários, que, assim, podiam originar novos empréstimos hipotecários (Robertson, 1973, p. 648). Já a Ginnie Mae, além de assumir as funções de gerenciamento e liquidação da Fannie Mae, passou a emitir garantias de títulos baseados em empréstimos hipotecários:

22 A VA foi criada em 21 de julho de 1930 para coordenar as atividades governamentais relativas aos veteranos de guerra. Em 15 de março de 1989 foi substituída pelo Department of Veterans Affairs, ao nível de Gabinete.

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Com efeito, hipotecas asseguradas pelo FHA e pelo VA são reunidas, emite-se um título de cobertura, e os pagamentos derivados das hipotecas são utilizados para pagar o título emitido. Dessa maneira, os investidores conseguem ganhos próximos dos altos retornos das hipotecas sem terem eles mesmos de conceder crédito hipotecário e assumir as características de reduzida liquidez desses instrumentos (Robertson, 1973, p. 648).

O Housing Act de 1968 ainda estabeleceu subsídios à venda de casas e de apartamentos para famílias de “baixa e moderada renda” (Seções 235 e 236). Em 1970, o Federal Home Bank Board criou a Federal Loan Mortgage Corporation (“Freddie Mac”), com poderes similares aos da Fannie Mae, mas com a permissão de adquirir e vender hipotecas convencionais das Savings & Loan, inclusive não garantidas pela FHA nem pela VA.

Como resultado da elevação da taxa de juros na década de 1970, que se tornou dramática com a política monetária contracionista de Paul Volker, iniciada em 1979, muitos bancos, particularmente as Savings & Loan, passaram a experimentar expressiva perda de recursos, à medida que os depositantes transferiam seu dinheiro para fundos do mercado monetário, de maior rentabilidade. A perda de depósitos ocorreu num momento de boom do mercado hipotecário (o valor total do crédito hipotecário aumentou de US$700 bilhões em 1976 para US$1,2 trilhão em 1980), em que essas instituições estavam comprometidas com hipotecas de longo prazo com taxas fixas de juros, de modo que, com a elevação das taxas de juros de mercado, o valor presente dos créditos habitacionais caiu abaixo do valor de face dos títulos, erodindo o balanço das S&Ls.

Para resolver o problema, ainda em 1978 as S&Ls da Califórnia, supervisionadas pelo governo federal, foram autorizadas a investir e emitir hipotecas com taxas de juros ajustáveis (ARMs), eliminando-se, pois, as diferenças em relação às S&Ls estaduais. A autorização foi extensiva, no ano seguinte, a todas as S&Ls federais. Em 1980, o Congresso aprovou o Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act, que permitiu às S&Ls oferecer depósitos à vista e removeu a Regulação Q, que estabelecia limites para as taxas de juros de contas de poupança. Paralelamente, o FSLIC ampliou o limite da cobertura de 70% para 100% do montante dos recursos depositados, cujo teto passou para US$ 100 mil. Diante do agravamento da situação financeira das S&Ls, aprovou-se, em 1982, o Garn – St Germain Depository Institutions Act, que as autorizou a

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pagar taxas de juros mais elevadas para os depósitos, a tomar dinheiro junto ao Federal Reserve, a realizar empréstimos comerciais e a emitir cartões de crédito, assim como a operar no comércio de imóveis.

Contando com cobertura adicional e com liberdade de contratar a taxas livres, as S&Ls expandiram suas operações, baseando-se, em grande medida, na atuação de brokers, que compravam fundos no mercado para recompor o balanço da S&Ls. A crise irrompeu em 1985, com o colapso do Home State Savings Bank de Ohio, aprofundando-se nos anos seguintes. Entre 1986 e 1989, a FSLIC fechou ou interveio em 296 instituições, envolvendo ativos da ordem de US$125 bilhões, sem que a tensão amainasse. Ao todo, entre 1980 e 1994, mais de 1.600 bancos assegurados pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) foram fechados ou receberam assistência da Corporação, com o número de S&Ls assegurados pelo governo federal dos EUA recuando de 3.234 em 1986 para 1.645 em 1995. Segundo o General Accounting Office, o custo total da crise somou, apenas no período de 1986 a 1996, cerca de US$ 1.601,1 bilhões, sendo que, destes, cerca de US$ 124,6 bilhões couberam ao governo norte-americano. A conseqüente retração do sistema financeiro e da construção residencial, que se traduziu na queda do número de residências construídas, de 1,8 milhão de unidades em 1986 para 1 milhão em 1991, contribuíram para a recessão de 1990-1991.

Entre as vítimas institucionais da crise destacou-se a Federal Savings and Loan Insurance Corporation (FSLIC), que, tendo-se tornado insolvente, foi recapitalizada várias vezes, inclusive com US$ 15 bilhões em 1986 e mais US$ 10,75 bilhões um ano depois. Tanto a FSLIC quanto o Federal Home Loan Bank Board (FHLBB) foram abolidos pelo Financial Institutions Reform, Recovery and Enforcement Act (FIRREA) de 1989, que instituiu o Office of Thrift Supervision (OTS), um bureau do Departamento do Tesouro encarregado de autorizar, regular, examinar e supervisionar as instituições de poupança, e o Federal Housing Finance Board (FHFB), agência independente de supervisão dos doze Federal Home Loan Banks (também chamados bancos distritais). A FSLIC foi substituída pelo Savings Association Insurance Fund (SAIF), encarregado de assegurar as instituições de poupança administradas pela Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC). O FIRREA também deu à Freddie Mac e à Fannie Mae responsabilidades adicionais para apoiar o crédito hipotecário para as famílias de baixa e moderada renda.

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4. O Desenvolvimento do Mercado de Hipotecas Securitizadas

Em grande medida, a recuperação da construção residencial norte-americana depois da crise de 1991-1992 foi conseqüência das transformações estruturais do mercado hipotecário, que assistiu ao desenvolvimento do segmento de hipotecas securitizadas, denominadas MBSs (mortgage-backed securities) ou RMBSs (residential mortgage-backed securities). Segundo Ward e Wolfe (2003, p. 61), embora a securitização tenha se originado ainda na década de 1970, quando se desenvolveu um mercado para a Ginnie Mae, a primeira operação pura de securitização teve lugar somente em 1985, quando o Banco de Boston a introduziu, utilizando créditos hipotecários.

A operação de securitização tem início quando a instituição originadora, que pode ser a Ginnie Mae, a Fannie Mae, ou um banco – cria uma outra instituição, denominada Specific-Purpose Vehicle – SPV, ou “veículo de finalidade específica” –, que compra parte do portfólio da instituição – hipotecas, no caso –, emitindo títulos lastreados nessas hipotecas, ou seja, MBSs. Normalmente, os compradores (geralmente investidores institucionais, como fundos de pensão), requerem que esses títulos sejam de elevado grau de investimento (AA ou AAA). Para tal, a SPV recebe garantias de uma instituição financeira – do próprio banco originador, da FHA ou da Ginnie Mae –, de forma que não se torna difícil obter o grau adequado junto às agências classificadoras de risco. O motivo é que “tornou-se consenso nos mercados financeiros que essas agências receberiam socorro do Tesouro em caso de desequilíbrios patrimoniais, seja pelo caráter público da FHA e da Ginnie Mae, seja pela importância desempenhada pelas outras agências”, ou seja, a Fannie Mae e a Freddie Mac (Cintra e Cagnin, 2007, p. 304-5).

A idéia é que, com a securitização, o banco transfere o risco hipotecário para os investidores, reduz os seus custos e contorna, através da remoção das hipotecas dos seus balanços, as imposições dos Acordos de Basiléia, com o conseqüente descongelamento do capital bancário, que se torna livre para outras operações. Para os investidores, o processo, além de favorecer a diversificação de carteira, permite retornos mais elevados, uma vez que os seus rendimentos são dados pela taxa do crédito hipotecário menos

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os ganhos do banco originador, os custos de administração das MBSs, o prêmio do seguro e os custos da classificação de risco.

A expansão do processo de securitização transformou completamente o mercado hipotecário norte-americano. A FHA emitia seguro para os empréstimos de maior risco (baixa renda), que, assim como os créditos segurados pela VA – Veterans Affairs, que, em 1989, substituíra a Veterans’ Administration – eram comprados e securitizados principalmente pela Ginnie Mae, mas também pela Fannie Mae. Essa última, que havia recebido permissão, a partir de 1968, para comprar hipotecas não garantidas pelo FHA/VA, tornou-se a maior securitizadora de hipotecas dos EUA na década de 1990. Também os grandes bancos privados se converteram em importantes securitizadores de hipotecas. Através dela, “os empréstimos para compra de residências eram agregados e repassados para um conjunto de investidores (fundos de investimentos, fundos de pensão, etc.), que compravam títulos com determinada rentabilidade” (Cintra e Cagnin, 2007, p. 305).

Na década de 1970, as S&Ls originavam 55% das hipotecas de imóveis de até quatro residências familiares e adquiriam hipotecas adicionais no mercado secundário, enquanto os bancos hipotecários, que detinham 19% do total do mercado e se especializavam em créditos assegurados pela FHA e empréstimos garantidos pelo VA, eram vendedores líquidos de hipotecas. Esses bancos recorriam a linhas de crédito por atacado de curto prazo para financiar seus empréstimos hipotecários, que eram negociados no mercado ou, então, empacotados em MBSs. Em compensação, em 1995-1996, os bancos hipotecários originaram 63% do crédito hipotecário e estavam se dedicando à venda de hipotecas, enquanto as S&Ls respondiam por 19% do mercado, tendo se tornado compradoras líquidas de créditos hipotecários. Esse quadro é comentado por McCarthy e Peach nos seguintes termos: “A emergência da atividade dos bancos hipotecários no mercado primário dependeu em grande medida das mudanças no mercado secundário de hipotecas e do desenvolvimento do mercado de MBSs” (McCarthy e Peach, 2002, p. 141).

A contrapartida dessa inversão de papéis foi o avanço das instituições patrocinadas pelo governo (Ginnie Mae, Fannie Mae e Freddie Mac), que, se adquiriam somente 5% do total de hipotecas em princípios da década de

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1970, na década de 1990 respondiam por aproximadamente 50% do seu total. Nesse período, as agências federais ainda adquiriam entre 10 e 15% das hipotecas originadas para compor suas próprias carteiras.23 A emissão privada de Real Estate Mortgage Investment Conduits (REMICs), como collateralized mortgage obligations (CMOs), por corporações, empresas e trustes, que não existia em princípios da década de 1980, já representava, em fins da década seguinte, 5% do total de hipotecas originadas.24 Ao contrário das MBSs, em que o pagamento do principal e dos juros são repassados pro rata aos investidores, as CMOs são divididas em classes (tranches) de títulos de diferentes categorias em termos das características do pré-pagamento, das amortizações, taxa de juros, prazos de maturidade e riscos, criando, assim, um leque diversificado de opções para os investidores.25 No conjunto, em fins da década de 1990, as instituições patrocinadas pelo governo, as agências federais e a emissão privada de REMICs absorviam dois terços das hipotecas originadas referentes a imóveis de até quatro residências familiares.26

Correspondendo às mudanças nos mercados primário e secundário de hipotecas, assistiu-se, nos últimos quarenta anos, a dramáticas mudanças na participação das diferentes instituições no total da dívida hipotecária. Se, de um lado, a participação das S&Ls no total dos empréstimos hipotecários e MBSs declinou de mais de 50% em inícios da década de 1980 para aproximadamente 13% em princípios da década atual, a participação das instituições patrocinadas pelo governo passou de 10% para 46% no mesmo período. Mudanças profundas também ocorreram, principalmente a partir de 1995, em termos dos instrumentos financeiros, com a expansão da participação dos contratos hipotecários não tradicionais: “Produtos hipotecários não-tradicionais ou alternativos incluem empréstimos do tipo somente juros [interest-only loans], opções de tipo ARMs, empréstimos que combinam amortização estendida com aportes periódicos [balloons] e outras formas alternativas de empréstimos (Chambers; Garriga; e don Schlagenhauf, 2007, p. 6). Em 2006, esses produtos responderam por 32,1% das hipotecas originadas.

23 Para uma descrição do papel dessas empresas até 2001, veja-se Frame e Wall (2002).24 Segundo McCarthy e Peach (2002, p. 142), a primeira emissão de CMO foi realizada pela Freddie Mac in 1983.25 A base legal dos REMICs foi estabelecida pelo Tax Reform Act de 1986, que eliminou a dupla taxação que incidia

sobre esses títulos.26 Para uma descrição do processo de geração de CDOs, a partir de títulos hipotecários, e do processo de securitização

dos créditos hipotecários, veja-se Gorton (2008, p. 35-46) e também Aschcraft e Schuermann (2008).

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5. O Ciclo de Construção e a Bolha Financeira

Conforme mencionado na seção 2 deste capítulo, a crise do subprime insere-se no último ciclo de construção residencial dos EUA, cuja fase de expansão teve início em meados da década de 1990, quando os preços reais dos imóveis passaram a se elevar num ritmo moderado (2,3% ao ano durante o período 1995-2000). Novo impulso foi dado pela redução da taxa de juros promovida pelo Federal Reserve, na esteira do estouro da bolha do mercado acionário, particularmente do segmento de alta tecnologia (“Dot.com”), em 2000, ao que se seguiu novo corte dos juros depois do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Como resultado, a taxa de fundos federais chegou a apenas 1% em 2003, fazendo com que os custos do crédito hipotecário atingissem o seu menor nível em quarenta anos. Essa redução das taxas de juros, combinada com o desenvolvimento do processo de securitização e com as inovações financeiras introduzidas no período transformaram o boom do mercado residencial em verdadeiro frenesi, de modo que a taxa média de elevação dos preços dos imóveis foi de 6,4% ao ano no período 2000-2005, com o pico sendo atingido em 2005, ano em que os preços das residências sofreram uma elevação da ordem de 14%.27

Nesse contexto, expandiram-se ainda mais as operações de securitização e desenvolveu-se aceleradamente o mercado de hipotecas subprime, alimentado, em grande medida, pelas inovações financeiras introduzidas a partir de 2002, de modo a atrair os tomadores de maior risco.28 Ao contrário das hipotecas prime, concedidas a tomadores que dão a entrada tradicional e comprovam os seus rendimentos, as hipotecas subprime correspondem àqueles casos em que, ao adquirir um imóvel através do crédito hipotecário, o comprador-devedor não é capaz de dar qualquer entrada e/ou não tem renda comprovada.29 Além dessas hipotecas, no mercado norte-americano ainda se pode encontrar os créditos jumbo, que, em geral, também são prime, mas ultrapassam o teto de US$ 417.000, que pode ser adquirido e garantido pelas empresas patrocinadas pelo governo federal, e as hipotecas near-prime, ou seja, próximas das hipotecas prime,

27 Para Taylor (2007), o período de baixas taxas de juros de 2003 e 2004 contribuiu substancialmente para o boom residencial, com a elevação dos preços dos imóveis e a queda das taxas de inadimplência no mercado hipotecário.

28 Veja-se Cintra e Cagnin (2007, p. 320).29 “A principal diferença entre hipotecas prime e subprime reside no perfil de risco do tomador de recursos; as hipotecas

subprime são oferecidas a tomadores de alto risco” (Agarwal e Ho, 2007, p.1). Veja-se, também, Mizen (2008, p. 536).

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correspondendo a tomadores que não conseguem documentar a totalidade de seus rendimentos ou dar a entrada tradicional. Em fins de 2007, cerca de 79% dos créditos hipotecários existentes eram de tipo prime, 14% subprime e 6% near-prime.

Segundo DiMartino e Duca (2007, p. 2), “[d]ois desenvolvimentos cruciais estimularam o rápido crescimento do crédito hipotecário subprime. Primeiro, as instituições fornecedoras de crédito hipotecário adotaram as técnicas de classificação de crédito adotadas no segmento subprime do financiamento de automóveis”. Contudo,

[p]or si mesma, a classificação de crédito não poderia ter fomentado o rápido crescimento do crédito não-prime.30 Os bancos careciam do capital necessário para manter grandes montantes desses empréstimos de risco em carteira. E as instituições financeiras de qualquer tipo não poderiam originar e vender esses créditos a investidores na forma de títulos garantidos por hipotecas residenciais (RMBSs), pelo menos sem adicionais proteção contra defaults. A difusão de novos produtos oferecendo proteção contra default foi o segundo desenvolvimento crucial que fomentou o crescimento dos empréstimos subprime (DiMartino e Duca, 2007, p. 2).

A Fannie Mae, a Freddie Mac e a Ginnie Mae garantiam os créditos hipotecários e agrupavam-nos em MBSs, que eram vendidas aos investidores. Essas organizações, no entanto, não empacotavam muitas hipotecas subprime em MBSs. A saída veio através das outras instituições financeiras que, carecendo do status das organizações patrocinadas pelo governo federal, lançaram mão de CDOs – “um derivativo comum das RMBSs – designado para proteger os investidores em títulos não assegurados por agências federais de perdas decorrentes da inadimplência” (DiMartino e Duca, 2007, p. 3). Geraram-se, assim, CDOs com créditos hipotecários subprime, colocados em tranches diferenciadas. As mais elevadas recebiam grau AAA porque estavam credenciadas a receber os primeiros pagamentos dos mutuários. As tranches inferiores traziam consigo cupons elevados para compensar o risco mais elevado. Através da mistura de créditos subprime com créditos de primeira linha e a transferência do risco, quase 80% das

30 As hipotecas não-prime também são denominadas Alt-A.

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tranches com hipotecas subprime obtinham grau de investimento (grau A ou ainda mais elevado):

Tendo confiança na habilidade dos modelos quantitativos em medir de forma acurada o risco de inadimplência, desenvolveu-se um ativo mercado de títulos garantidos pro empréstimos não-prime. A combinação de novas técnicas de classificação de risco e produtos derivados de RMBSs não assegurados por agências federais tornou postulantes não-prime habilitados a receber crédito hipotecário, abrindo um novo canal para o trânsito de fluxos de poupadores para uma nova classe de tomadores de recursos nesta década (DiMartino e Duca, 2007, p. 3).

Em outras palavras, as carteiras de crédito imobiliário foram rapidamente securitizadas em MBSs, REMICs e conjuntos diversificados de CDOs, englobando hipotecas de diferentes riscos, recebíveis de cartão de crédito, recebíveis de crédito ao consumidor (automóveis), etc. Cada “pacote” era identificado a partir de determinado grau de risco fornecido pela Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch, com alguns ativos sendo classificados como grau de investimento e grau mezzanino (BB a BBB), sendo adquiridos por investidores institucionais e hedge funds. As tranches de maior risco (denominadas Equitys) foram transferidas para SPVs que contavam com linhas de crédito das controladoras para garantir a liquidez dos papéis, os quais eram garantidos por companhias de seguro através de derivativos.

Um terceiro desenvolvimento igualmente crucial para a expansão do mercado hipotecário subprime, não mencionado por DiMartino e Duca, foram as inovações financeiras que possibilitaram ao tomador de recursos com cadastro problemático ter acesso ao crédito habitacional. Muito provavelmente, essas inovações resultaram não apenas do momento favorável do ciclo da construção, mas da abundância de recursos financeiros e das baixas taxas de juros que prevaleceram a partir de 2002, conseqüência, em grande medida, da política monetária expansionista. Mas essa abundância, por outro lado, também foi uma conseqüência do próprio desenvolvimento da securitização, que estreitou as relações entre o mercado hipotecário e o mercado de capitais. Finalmente, as próprias inovações financeiras que tornaram possível ao tomador de recursos com cadastro problemático entrar no mercado favoreceram a sua ampliação, atraindo capitais aplicados em outros segmentos do mercado financeiro.

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Seja como for, o fato é que, num contexto de abundância de capital financeiro e de mercado habitacional em expansão, fazia-se notar a presença de um grande número de famílias que tinham o crédito habitacional negado em razão de insuficiência de renda comprovada, incapacidade de dar a entrada tradicional ou por estarem inadimplentes. Em certa medida, o crédito subprime foi criado para atender a esse mercado potencial,31 ou seja, como uma forma de possibilitar ao consumidor adquirir uma residência financiada enquanto construía ou reconstruía o seu crédito. Como instrumento de curto prazo, de transição, surgiram as balloon mortgage ou interest-only loan, hipotecas com taxas de juros ajustáveis com dois anos de taxas fixas (2/28 ARMs) ou com três anos (3/27 ARMs), equivalentes, no mercado subprime, às hipotecas híbridas ou ARM de período fixo do mercado prime. No caso das 2/28 ARMs e 3/27 ARMs subprime, as taxas de juros iniciais (teaser rates), geralmente baixas, são ajustadas, depois do período inicial, de acordo com um índice, mais uma margem. Em 2007, por exemplo, eram comuns 2/28 ARMs indexadas à Libor (seis meses), mais uma margem de 5%. Freqüentemente, as 2/28 ARMs e 3/27 ARMs subprime estavam sujeitas a penalidades no caso de pré-pagamento, correspondendo a determinada porcentagem do saldo devedor ou os juros equivalentes a certo número de meses. Mas além da dispensa de comprovação dos rendimentos e de parte ou da totalidade da entrada,

[o]s compradores de imóveis poderiam tomar simultaneamente uma segunda hipoteca (piggyback) no momento da compra, pagar somente juros durante um período de até 15 anos, deixar de realizar pagamentos abatendo parte do valor do imóvel ou, em alguns casos, obter uma hipoteca que excedia o valor da residência (DiMartino e Duca, 2007, p. 2).32

A idéia desses instrumentos de crédito era conceder um espaço de tempo que seria utilizado pelo comprador para compor ou recompor seu cadastro de forma a migrar para o mercado prime. O incentivo para fazê-lo

31 Veja-se Gorton (2008), p. 6.32 Para uma rápida análise das diferentes formas de crédito hipotecário nos EUA, veja-se Chambers; Garriga; e don

Schlagenhauf (2007, p. 7-11) e Gorton (2008, p. 35). Afirma Gorton (2008, p. 3) que “[a] característica financeira essencial das hipotecas subprime era a capacidade do tomador de financiar ou refinanciar suas residências com base nos ganhos de capital resultantes da apreciação dos preços dos imóveis em curtos horizontes temporais e, então, em transformá-los em garantias para uma nova hipoteca (ou para extrair o valor patrimonial para consumo)”.

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39SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

era dado pela expressiva diferença entre a taxa de juros nos dois mercados, a qual condicionava a diferença entre a taxa de juros paga durante o período inicial de dois a três anos – a teaser rate – e a taxa ajustada, uma vez tendo sido vencido esse período sem que o comprador mudasse de status. Caso não houvesse a migração para o mercado prime, o comprador estaria sujeito às elevadas taxas do mercado subprime, cujo diferencial seria mais do que suficiente para cobrir os riscos mais elevados. E num contexto de boom habitacional, a qualidade do crédito importava pouco, pois “se o comprador não pudesse mesmo efetuar os pagamentos devidos durante o período de teaser rates, o prestamista poderia tomar posse da residência, vendê-la rapidamente no mercado aquecido e recuperar qualquer perda devido à apreciação dos preços” (Rajan e Gleacher, 2008, p. 2).

Finalmente, não parece haver dúvida de que um quarto fator de extrema importância para o acelerado aumento das hipotecas subprime foram os ganhos do originador, definido, por analogia com os ganhos do fundador identificado por Hilferding (1910, p. 111-118), como o produto do diferencial entre a taxa de juros ajustada, paga pelo tomador final do crédito hipotecário subprime, e a taxa de juros paga aos investidores, pelo montante do crédito concedido. Assumindo-se, assim, uma taxa ajustada de 10%, referente a um financiamento 2/28 ARM vinculada ao índice Libor de seis meses de 5%, mais uma margem de 5%, e um custo de 4,8%, correspondendo à taxa paga aos investidores mais os custos de administração dos títulos securitizados, tem-se uma margem de 5,2%, que deve ser suficiente para cobrir os riscos de inadimplência. Como o histórico pré-2006 demonstrava uma taxa média de default muito abaixo de 8,0%33 e uma perda da ordem de 30% no processo de venda dos imóveis retomados dos mutuários inadimplentes, chegava-se a uma perda líquida média de 2,4%. O ganho do originador, embolsado pelos bancos originadores, pelas instituições que forneciam o seguro dos títulos, assim como pelas agências classificadoras de risco e demais instituições financeiras envolvidas no processo de geração, classificação de risco, distribuição e seguro dos MBSs, REMICs e CDOs, portanto, era da ordem de 2,8% do saldo dos créditos hipotecários. Num mercado que, em 2007, chegou

33 Conforme se pode visualizar na Figura 5, a taxa de liquidação (foreclosures) de hipotecas subprime oscilou entre 8 e 9% entre fins de 2000 e fins de 2002. Segundo Richard Berner (2007), funcionário do Morgan Stanley, em fins de 2003, mais de 7% das hipotecas subprime estavam em processo de liquidação ou com mais de 90 dias de atraso, enquanto que a porcentagem referente aos empréstimos prime era de apenas 1%.

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a US$ 1,2 trilhão, isso significaria, caso não tivesse havido a crise, com a forte elevação da inadimplência, ganhos do originador próximos de US$ 33,6 bilhões por ano!

Alguns dos originadores de hipotecas eram controlados pelas maiores instituições financeiras, que providenciavam uma linha de crédito de atacado de suporte. Assim, por exemplo, o First Franklin pertencia ao Merrill Lynch e a WMC Mortgage Corporation, originariamente denominada Weyerhaeuser Mortgage Company, era um originador por atacado de hipotecas subprime da GE Money (anteriormente GE Consumer Finance). Essas instituições permaneciam no controle dos créditos habitacionais como Trustee, de forma a participar dos ganhos do originador. No caso de default, os créditos eram passados aos Special Servicers, que recebiam as taxas correspondentes. Os Special Servicers eram dirigidos por uma Controlling Class, compreendendo a maioria dos tomadores das tranches inferiores de títulos das REMICs, também denominados tomadores First Loss ou B-Piece. As taxas cobradas pelos Servicers representavam um forte incentivo para que se adquirissem os “direitos de serviço” dos Trustee que, dependendo dos termos da operação de securitização, tinham a autoridade de substituir os Servicers. Tornou-se comum que Servicers pagassem milhões de dólares para conservar os “direitos de serviço” dos trustes de REMICs.

Participando nos ganhos do originador, os brokers desempenharam importante papel no processo de expansão do crédito subprime, recebendo generosas comissões calculadas sobre as amortizações a serem realizadas durante vários anos. Segundo um estudo da Wholesale Access Mortgage Research & Consulting Inc., em 2004 os brokers originaram 68% de todos os empréstimos habitacionais nos EUA, com os empréstimos subprime e Alt-A respondendo por 42,7% do total dos empréstimos veiculados pelos brokers naquele ano. Segundo Blackburn,

os brokers rapidamente vendiam contratos “ninjas” – sem [comprovação de ] renda, sem [comprovação de] emprego e sem [comprovação de] ativos – aos milhares. Esse comportamento era diretamente encorajado pela estrutura de incentivos, enquanto a legislação, datada da década de 1960, tinha relaxado os padrões de crédito para pessoas com baixa renda ou sem emprego sem contar com as suas conseqüências prováveis (Blackburn, 2008, p. 73).

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41SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

Mas se, do ponto de vista das instituições financeiras e dos brokers, a securitização de créditos hipotecários subprime apresentava-se como importante fonte de ganhos, do ponto de vista dos tomadores de recursos, a aquisição de imóveis através desse tipo de hipoteca também tinha suas vantagens, a começar pelo acesso à propriedade de um imóvel que, de outro modo, não estaria ao alcance das famílias de menor renda. É claro que o maior obstáculo residiria no custo da transação – que, em termos nominais, chegava a ultrapassar 10% de juros ao ano –, mas esse problema era contornado pela elevação dos preços dos imóveis, particularmente no período de 2000 a 2005, quando, conforme mencionado, os preços reais aumentaram 36,4%. Com a apreciação dos imóveis, os tomadores de recursos no mercado subprime poderiam refinanciá-los com taxas mais baixas e mesmo obter créditos extras, que eram utilizados para expandir o consumo. Assim, “os tomadores de empréstimos subprime eram atraídos para negócios inerentemente ruins pelas baixas teaser rates, que não guardavam qualquer relação com os vultosos pagamentos que seriam requeridos mais tarde” (Blackburn, 2008, p. 73).

Proporcionando polpudos ganhos tanto para os investidores quanto para os originadores, inclusive para os brokers, agências de classificação de risco e instituições financeiras vendedoras de seguro de crédito, e proporcionando aos segmentos de baixa renda o acesso à propriedade de imóveis, não é de se estranhar que o mercado de créditos hipotecários subprime tenha se dilatado extraordinariamente, sobretudo após 2002.

Os elevados retornos das operações de securitização de hipotecas subprime e Alt-A, conjugadas à resultante abundância de crédito e às fortes elevações dos preços dos imóveis, favorecendo a aquisição de residências por famílias sem condições financeiras, resultaram no boom do mercado hipotecário norte-americano, que se transformou em verdadeira “mania”, para se adotar a terminologia de Kindleberger (1989). Nas palavras de Mizen (2008, p. 535),

[a]s bolhas de crédito e de construção residencial reforçavam-se mutuamente. Os tomadores de recursos continuavam a procurar fundos para pôr um pé na escada residencial, confiantes de que o valor das propriedades, que estavam adquirindo, continuaria a se elevar. Os emprestadores assumiam que os preços dos imóveis continuariam a aumentar em face da forte demanda.

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Como resultado, os créditos subprime, que chegaram a US$ 150 bilhões em 1998 e a US$ 160 bilhões no ano seguinte, caíram para US$ 138 bilhões em 2000, como resultado do estouro da bolha das ações, para se recuperarem em 2001, quando alcançaram US$ 173 bilhões, na esteira da política de juros baixos e crédito fácil instituída pelo Fed. O crescimento, desde então, foi exponencial (Figura 1), tendo atingido o pico em 2005, quando foram emitidas US$ 665 bilhões de hipotecas subprime, representando 12,1% do estoque de hipotecas securitizadas (US$ 5,5 bilhões), correspondendo a 54% de todas as hipotecas existentes no mercado. 34

Essa expansão foi crucial para o aumento da relação imóveis ocupados por proprietários/total dos imóveis residenciais, que saltou de 64% em 1994 (aproximadamente a mesma porcentagem desde 1980) para 69,2% em 2004, quando atingiu o seu ponto máximo.35 Também foi decisiva para a elevação dos preços das residências, que tiveram um acréscimo de

34 A respeito da evolução do mercado hipotecário subprime, veja-se Mizen, 2008, p. 536; Calomiris, 2008; Chomsienghet e Pennington-Cross, 2006.

35 Veja-se Doms e Motika (2006). Para a evolução da relação imóveis ocupados por proprietários/total dos imóveis residenciais nos Estados Unidos, de 1890 a 2004, veja-se Fisher e Quasyyum (2006, p. 30).

Fonte: Credit SuisseFigura 1. Emissões de Hipotecas Subprime nos EUA, 1994-2006

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43SUBPRIME: OS 100 DIAS QUE ABALARAM O CAPITAL FINANCEIRO MUNDIAL E OS EFEITOS DA CRISE SOBRE O BRASIL

124% entre 1997 e 2006, favorecendo os mutuários, muitos dos quais, conforme aludimos anteriormente, refinanciaram suas residências com taxas mais baixas, enquanto outros tomaram uma segunda hipoteca, utilizando os recursos assim obtidos para financiar gastos de consumo. A elevação dos preços dos imóveis, por sua vez, alimentou a especulação imobiliária e a aquisição de uma segunda moradia: durante 2006, 22% das residências adquiridas (1,65 milhão de unidades) tiveram como motivo o investimento, enquanto 14% (1,07 milhão), o lazer, pois se tratavam de casas de férias. Em 2005, esses dados eram de 28% e 12%, respectivamente (Berner, 2007). Em 2007, a relação dívida imobiliária/renda das famílias norte-americanas chegava a 130%, contra 100% uma década antes.

Essa euforia do mercado era sustentada pela “farra de crédito hipotecário e suas securities (MBS, CDO, lastreadas em empréstimos de recuperação duvidosa)”, num período em que “os fundos de investimento, os hedge funds e os bancos ergueram verdadeiras pirâmides de derivativos de crédito, disseminando os riscos em âmbito mundial” (Cintra e Cagnin, 2007, p. 320).

6. A Reversão do Ciclo e o Estouro da Bolha

Até meados de 2006, o mercado hipotecário subprime funcionou muito bem, absorvendo sem grandes traumas a crise do Dot.com de 2000-2001 e pelo menos metade e até oitenta por cento de alguns tipos dessas hipotecas eram refinanciados em cinco anos (Gorton, 2008, p. 19). Em junho desse ano, contudo, estudo da OCDE apontava que “se as taxas de juros viessem a aumentar significativamente, os preços reais dos imóveis talvez possam estar em risco de se aproximar de um pico” e que a experiência histórica sugeria que “as quedas subseqüentes dos preços das residências em termos reais poderiam ser expressivas e que o processo [de queda dos preços] poderia ser demorado” (van den Noord, 2006, p. 2). Além disso, “um aumento da taxa de juros de mais ou menos 1 a 2 por cento poderia resultar numa probabilidade de 50% ou mais de um pico [no ciclo da construção residencial] nos Estados Unidos” (idem, ibidem) e em países da OCDE.

A verdade é que a taxa de juros dos federal funds, que havia recuado de 6,0% em janeiro de 2001 para 1,0% em junho de 2003, como conseqüência da política monetária expansionista implementada para fazer face à crise da bolsa de 2000-2001 e ao atentado de 11 de setembro de 2001, voltou a

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aumentar a partir de maio de 2004, chegando a 5,25% em fins de junho de 2006 (Figura 2). E, de fato, os preços dos imóveis começaram a cair no verão de 2006 (Figura 3)36, muito embora essa queda não deva ser atribuída ao aumento da taxa básica de juros, uma vez que essa elevação refletiu-se num aumento das taxas de juros do crédito imobiliário inferior a 1% no período (Figura 4).

36 Veja-se Taylor (2007).

Fonte: Federal Reserve Bank of New YorkFigura 2. Taxas de Juros de Fundos Federais, EUA, 2000-2008

Fonte: FRBSF Economic Letter, 21 de Março de 2008, p. 1Figura 3. Vendas e Preços de Novas Moradias, 1999-2008.

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Assim, é mais provável que a queda dos preços dos imóveis a partir do verão de 2006 se deva ao crescimento da oferta resultante da própria elevação de preços no período anterior, que resultou em excesso de oferta, pressionando os preços para baixo (Berner, 2007).

Mas, uma vez tendo os preços iniciado o movimento baixista, todo o mercado subprime veio abaixo, pois, como visto na seção 5, muitos mutuários dependiam da valorização de seus imóveis para transitar para hipotecas prime, com taxas de juros mais baixas.37 Obrigados a se manter em contratos com elevadas taxas de juros, muitos tomadores de recursos tornaram-se incapazes de refinanciar seus imóveis, e começaram a atrasar seus pagamentos. O problema da inadimplência – que pode ser visualizado na Figura 5, que traz as taxas de liquidação das hipotecas nos mercados prime e subprime – se agravou em razão dos contratos hipotecários exigirem pagamentos adicionais no caso do valor do imóvel cair abaixo do valor da dívida hipotecária. A própria interrupção do movimento altista, por sua vez, afastou muitos especuladores do mercado habitacional, com efeitos baixistas adicionais sobre os preços dos imóveis, tendo o número de imóveis novos vendidos caído 26,4% em 2007. A inadimplência crescente

37 Gerardi, Shapiro e Willen (2008, Abstract) atribuem “muito do dramático aumento da liquidação [de hipotecas] em Massachusetts durante 2006 e 2007 ao declínio dos preços das residências que começou no verão de 2005”.

Fonte: Federal Reserve Bank of New York; Federal Reserve Bank BoardFigura 4. Taxas de Juros do Crédito Imobiliário nos EUA, 1996-2007

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e a conhecida relutância dos proprietários em vender seus imóveis a baixo preço resultaram no aumento da oferta de imóveis no curto prazo, reforçando o processo de derrocada dos preços. Em janeiro de 2008, existiam quase quatro milhões de residências não vendidas, incluindo quase 2,9 milhões de unidades desocupadas. Esse excesso de oferta de imóveis pressionou os preços para baixo, aumentando a inadimplência entre os mutuários. Segundo o índice de preços S&P/Case-Shiller, em novembro de 2007 o preço médio das residências norte-americanas tinha caído aproximadamente 8% do pico, alcançado no segundo trimestre de 2006. Já em maio de 2008, os preços haviam sofrido uma desvalorização de 18,4%. Em dezembro do mesmo ano, o preço médio em dezembro era 10,4% menor do que em dezembro do ano anterior. Em março de 2008, cerca de 8,8 milhões de hipotecas (10,8% do total) apresentavam saldo devedor maior do que o dos imóveis, induzindo muitos mutuários a simplesmente suspender o pagamento das prestações.

Em razão do contexto de queda dos preços, desta feita, o aumento da inadimplência causou danos irreparáveis ao mercado hipotecário, ao contrário do que ocorrera no período 2001-2003. Primeiramente, o aumento da inadimplência e a própria queda observada nos preços dos imóveis a partir do verão de 2006 reduziu o mercado de MBSs, que se

Fonte: Edmiston, 2007, p. 20.Figura 5. Taxas de Liquidação de Hipotecas nos EUA, 1998-2007

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acumularam nas carteiras dos bancos originadores que, por sua vez, não tinham cessado de emiti-los. Além disso, acreditando que a queda do preço de mercado das MBSs era fenômeno passageiro, muitos bancos incorporaram as SPVs com MBSs problemáticas, de forma que, sem perceberem, os bancos originadores que, teoricamente haviam transferido os riscos das hipotecas subprime para as SPVs e os investidores, voltaram a incorporá-los de forma crescente. Paralelamente, muitas das instituições financeiras que haviam segurado esses títulos – o que inclui muitos dos próprios bancos originadores – foram compelidos a aumentar as provisões para perdas e/ou a enfrentar calls para pagamento de margens. Em outras palavras, em lugar de recair sobre os investidores, conforme pressupunha o modelo de securitização, as perdas foram se acumulando nas instituições financeiras, particularmente nas originadoras de MBSs e naquelas que asseguravam esses títulos contra as perdas de capital.

O problema só veio à tona em fevereiro de 2007, quando o HSBC divulgou balanço com perdas em operações imobiliárias. Em abril, a New Century Financial, uma empresa especializada no mercado subprime, quebrou, dispensando metade de seus empregados, secundada, em maio, com o fechamento do hedge fund Dillon Reed, depois de ter perdido US$ 125 milhões, pela UBS. No mesmo mês, a Moody’s anunciou que estava revendo para baixo a classificação de 62 tranches baseadas em 21 MBSs. Em junho, a Bear Stearns anunciou o resgate de dois de seus hedge funds e no dia 18 do mês seguinte advertiu investidores que perderiam dinheiro em fundos de derivativos de hipotecas. Nesses mesmos meses, a Fitch Ratings, a Standard & Poor’s e a Moody’s anunciavam que estavam degradando todos os derivativos de hipotecas de AAA para A+ (quatro graus abaixo). Seguiu-se o anúncio de pesadas perdas por parte do banco hipotecário norte-americano Countryside, e em 6 de agosto, a American Home Mortgage Investment Corporation, o 10º banco hipotecário retalhista norte-americano, anunciou sua falência, em razão de uma corrida contra seus depósitos. No dia seguinte, o banco alemão IKB Deutsche Industriebank AG, que havia sofrido pesadas perdas, foi resgatado por um fundo organizado pelo seu maior acionista, a KfW Bankengruppe. No dia 9, o francês BNP Paribas Investment Partner congelou cerca de US$ 2,73 bilhões de três de seus hedge funds, afirmando não ter condições de avaliar os CDOs em carteira. Oito dias depois, o banco germânico Sachsen LB

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deixou de fornecer a liquidez requerida pelo seu veículo Ormond Quay, sendo incorporado, no final do mês, pelo Landesbank Baden-Württenberg.

A ação do BNP Paribas desencadeou uma onda de turbulências no mercado financeiro, com ações de importantes instituições financeiras amargando grandes perdas, em meio à queda geral das bolsas de valores ao redor do mundo, dando origem ao “credit crunch em larga escala de 2007-08” (Mizen, 2008, p. 532). No processo, “[o]s bancos entesouraram liquidez para cobrir quaisquer perdas que poderiam experimentar em seus balanços através dos conduits, ou daqueles de suas SVPs, que poderiam ter de ser reincorporados em seus balanços” (idem, ibidem, p. 542). Como resultado, o interbancário entrou em colapso, ampliando desmesuradamente o spread entre os títulos públicos de curto prazo e as taxas do interbancário. A pronta e maciça intervenção do Fed, que injetou US$ 64 bilhões no sistema financeiro em poucos dias, do Banco Central Europeu (BCE), que alocou US$ 313,1 bilhões, e do Banco do Japão, que, inicialmente, colocou US$ 13,5 bilhões, trouxe certa tranqüilidade ao mercado na segunda metade do mês de agosto, arrefecendo o pânico que se instalara.38 Não obstante os sucessivos cortes da taxa básica de juros e das outras e criativas medidas do Fed para superar o abalo, novas ondas de choque se fizeram sentir em março de 2008, com o colapso do banco de investimento norte-americano Bear Stearns, depois de uma tentativa do Fed de salvá-lo, e na segunda quinzena de setembro de 2008, como resultado da negativa do Tesouro norte-americano de socorrer o Lehman Brothers, consensualmente considerado, até então, como “too big to fail”.39

7. As Raízes da Crise

Embora alguns autores, como Martin Feldstein, Ned Gramlich, Stephen Roach, Bill Rhodes, Nouriel Roubini e Bob Shiller tenham advertido que, eventualmente, o boom do mercado imobiliário iria resultar em recessão,40 a maioria dos economistas norte-americanos e europeus esposava a tese do

38 Para uma análise das medidas implementadas pelo Federal Reserve na ocasião, veja-se Cecchetti, 2008b.39 Significa “grande demais para quebrar” no sentido de que a sua falência abala a confiança no sistema. Um caso

notório de intervenção do Fed baseada nessa premissa foi o salvamento do Continental Illinois, por parte de Paul Volcker.

40 O professor Roubini tornou-se famoso por ter previsto, em palestra proferida no FMI no dia 7 de setembro de 2006, que os EUA, em futuro próximo, deveriam assistir ao estouro da bolha imobiliária, a um choque do petróleo, a uma dramática queda da confiança dos consumidores e a uma profunda recessão.

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FMI de que seria possível evitá-la. Essa suposição se baseava na experiência das crises financeiras de fins da década de 1990, atribuídas a desequilíbrios macroeconômicos ou a sistemas financeiros inconsistentes. Se houvesse uma crise, essa viria em decorrência dos “déficits duplos” dos EUA, particularmente do crescente déficit em conta-corrente, que poderia levar à desvalorização do dólar, gerando pressões inflacionárias globais (Fischer, 2008, p. 1).

Estourada a bolha do subprime, contudo, tornou-se convencional atribuir a crise, de saída, à política monetária expansionista norte-americana durante o período 2000-2003, que teria resultado no boom financeiro do período 2003-2007.41 Afinal, como destacado por Dell’Ariccia, Igan e Laeven (2008, p. 7), “[p]arece existir uma ampla concordância de que períodos de rápido crescimento do crédito tendem a ser acompanhados pelo afrouxamento das condições de empréstimo”, ou seja, pelo empréstimo agressivo, na expressão cunhada por Alan Greenspan.42 Todavia, em primeiro lugar, reconhecidamente, a política monetária expansionista foi uma reação à desaceleração econômica de 2000-2001, resultante do estouro da bolha do Dot.com e ao atentado de 11 de setembro de 2001.43 Em segundo lugar, conforme mostra a Figura 2, o Fed efetivamente elevou a taxa de juros de 1% entre maio de 2004 para 5,25% três anos depois.44 Em terceiro lugar, como mostrado na seção 6, ao invés de evitar a crise, essa elevação dos juros parece justamente figurar entre as suas causas, ao contribuir para desinflar o mercado hipotecário. Finalmente, assim como nem todas as crises financeiras são precedidas de períodos de boom de crédito, “nem todos os booms de crédito são seguidos por crises bancárias” (Dell’Ariccia, Igan e Laeven, 2008, p. 7), de modo que se deve especular outras causas.

Seguindo a melhor tradição neoclássica (e novo-keynesiana), muitos economistas sustentam que “o problema, em suas raízes, reside na

41 Veja-se, por exemplo, Boeri e Guiso (2008).42 O relaxamento progressivo das condições para concessão de crédito hipotecário subprime no período imediatamente

anterior à crise foi identificada por vários autores. Veja-se, por exemplo, Demyanyk e Hemert (2008), para os quais a tendência de queda do spread no mercado hipotecário subprime nesse período representa uma evidência desse relaxamento, na medida em que se contrapõe ao aumento da taxa de inadimplência. A evidência apresentada por esses autores, contudo, parece falha, não apenas porque se esquecem dos fatores que conduziram ao aumento da oferta de crédito no período, a pressionar o spread para baixo, mas também porque a partir de meados de 2004 a tendência do mesmo é claramente ascendente.

43 Como salientam Ioannidou, Ongena e Peydró (2008, p. 41). “[a] política monetária é endógena”.44 Veja-se Kohn, apud JAROCINSKI e Smets (2008, p. 339).

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ausência de informações” (Gorton, 2008, p. 2), ou melhor, na ausência de informações corretas, pois, conforme visto na seção 5, não faltaram dados sobre as emissões de hipotecas e sobre os riscos incorridos, devidamente avaliados pelas agências especializadas. Assim, por exemplo, Gorton salienta que, como conseqüência das complexas relações existentes no processo de securitização de hipotecas, a

rede ou interligações de ativos financeiros, estruturas e derivativos resultaram numa perda de informação e, em última instância, numa perda de confiança, visto que, para efeitos práticos, não era possível compreender os modelos de diferentes níveis de estrutura das hipotecas subjacentes. E, ao mesmo tempo em que essas inter-relações possibilitavam a dispersão do risco entre muitos participantes do mercado de capital, elas resultaram na perda de transparência em relação ao destino último dos riscos (Gorton, 2008, p. 3).

Em outras palavras, “[o] pânico de 2007, ainda em marcha, deve-se à perda de informação sobre a localização e as dimensões dos riscos de perdas devido ao default de um número de ativos financeiros interligados, veículos de propósitos especiais e derivativos, todos relacionados às hipotecas subprime” (Gorton, 2008, Abstract).

Semelhante enfoque é sustentado por Danielsson (2008, p. 13), segundo o qual “[n]o coração da crise está a qualidade da avaliação de risco dos SIVs” (Structured Investment Vehicles), cujo principal problema era “a avaliação produzida pelas agências de rating, que subestimaram a correlação no default das hipotecas” (p. 14). Os SIVs são SPVs que adquirem principalmente títulos de renda fixa (como no caso dos derivativos de hipotecas subprime) de médio e longo prazos de retornos elevados com fundos obtidos através da emissão de commercial papers, capital notes, medium-term notes (MTNs) e asset-backed commercial paper conduits (ABCPs) de curto prazo.45 De fato, para Mizen (2008, p. 532), a crise do subprime “é efetivamente uma crise que ocorreu por causa dos erros na precificação do risco” dos títulos imobiliários securitizados.

Já para Persaud, o problema originou-se na falha de supervisão causada pelo uso de modelos de risco altamente sensíveis à variação de preços, os

45 Até hoje, foram criados 30 SIVs, dos quais 21 eram tocados por 10 bancos, incluindo o Citicorp, o Dresdner e o Bank of Montreal. No seu pico, em novembro de 2007, os SIVs tinham ativos da ordem de US$ 400 bilhões, o dobro dos ativos de três anos antes. Veja-se Gorton (2008, p. 45).

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quais se baseavam na hipótese de que cada usuário era a única pessoa a usá-los:

Quando um modelo de risco de um participante do mercado detecta um aumento do risco em sua carteira, talvez resultante de alguma elevação aleatória na volatilidade, e tenta reduzir a exposição, muitos outros estão tentando fazer a mesma coisa ao mesmo tempo com os mesmos ativos. Um círculo vicioso garante uma queda de preço vertical, induzindo novas vendas. A liquidez desaparece num buraco negro (Persaud, 2008, p. 11).

Finalmente, Fischer combina irracionalidade com ignorância a respeito das características de risco das hipotecas securitizadas:

As causas imediatas da crise financeira foram um boom de crédito irracionalmente exuberante combinado com uma engenharia financeira que (i) conduziu à criação de complexos instrumentos financeiros considerados confiáveis, cujas características de risco eram subestimadas ou não compreendidas, e (ii) alimentou um boom habitacional que se transformou numa bolha de preços de imóveis e (iii) conduziu a uma insustentável compressão do prêmio de risco em escala mundial (Fischer, 2008, p. 2-3).

Embora aparentemente plausíveis, essas explicações, que se baseiam na ausência de informações que permitissem a avaliação correta dos riscos, não esclarecem as razões pelas quais um aumento da inadimplência entre os mutuários subprime “deveria desencadear uma crise financeira que atinge globalmente todas as classes de ativos, mesmo aqueles relativamente imunes ao risco de crédito” (Spaventa, 2008, p. 49). Afinal, conforme assinalado por Wyplosz (2008, p. 17), “os agora infames empréstimos subprime, mesmo se adicionados às hipotecas normais, não totalizam um montante exagerado”, de forma que a maioria das instituições financeiras deveria ter sido capaz de absorver as perdas envolvidas. Por esse motivo, tampouco parece sensato afirmar que, se a securitização havia transferido o risco de crédito do balanço dos bancos para o mercado, “[o] problema do subprime tornou-se uma crise quando parte do risco aterrissou de volta nos bancos” (Spaventa, 2008).

É bem verdade que muitos bancos foram tolhidos pela crise com expressivos montantes de derivativos de hipotecas subprime que não haviam

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sido colocados no mercado, por terem sido emitidos depois do início da queda do valor desses títulos, no verão de 2006. Além disso, por atuarem como market makers,46 muitas instituições financeiras reabsorveram SPVs, incluindo SIVs, com problemas, mas, ao que tudo indica, várias o fizeram exatamente por contar com recursos aparentemente suficientes para absorver as perdas significativas.47 Outras, contudo, foram obrigadas a fazê-lo por terem assegurado, de uma forma ou de outra, os títulos securitizados, ou por receio de perder prestígio – e, assim, depositantes e/ou investidores –, com a queda do valor dos títulos por elas originados.48

Aqui, na realidade, parece residir o cerne da questão: para que os derivativos de hipotecas obtivessem grau de investimento, era necessário não apenas terem sido originados por instituições financeiras sólidas, de preferência “too big to fail”, mas tinham de contar com seguro contra perda de valor. E, ao estarem assegurados também por instituições sólidas ou “too big to fail”, aparentemente não apresentavam riscos elevados. É por esse motivo que, apesar da comunhão promíscua de interesses entre avaliados e avaliadores,49 as agências de avaliação de risco, que, de resto, “têm uma história de 80 anos de avaliação das obrigações corporativas” (Danielsson, 2008, p. 14), não podem ser culpadas pela crise. Tampouco os investidores podem ser responsabilizados, pois, como aponta Cecchetti, ao examinar um ativo classificado como AAA, que possui um retorno superior,

o gerente de um fundo de pensão nota que existe uma probabilidade um pouco maior de uma perda. Mas olhando mais de perto, ele vê que esse ativo de elevado retorno começará a apresentar dificuldades somente se houver uma catástrofe de amplitudes sistêmicas. Sabendo que, na eventualidade de uma crise, ele terá problemas maiores do que o derivado desse ativo, o gerente o compra, dessa forma atingindo a meta que serve para mensurar seu desempenho (Ceccheti, 2008a, p. 20).

46 Nas palavras de Davidson (2008, p. 675), a instituição underwriter “atuava como um típico market maker onde, se o declínio do preço de tranches começava a se tornar desordenado, o “market maker” compraria uma quantidade suficiente das tranches oferecidas para manter um mercado ordenado mesmo em face de um preço em declínio”.

47 É bom recordar que a relação ativos/capital dos bancos norte-americanos estava abaixo do estabelecido pelo Acordo de Basiléia I e o padrão de comportamento também se enquadrava no determinado por Basiléia II. Uma discussão das razões do fracasso dos Acordos de Basiléia em evitar a crise, contudo, ultrapassa os limites deste capítulo.

48 Ao contrário do que se pensa, o sistema financeiro resistiu muito antes de entrar em colapso. Segundo Calorimis (2008, p. 2), até o final do terceiro trimestre de 2008, as instituições financeiras haviam levantado mais de US$ 434 bilhões de capital novo para enfrentar a crise.

49 Veja-se Hoening, 2008, p. 12.

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Por outra, o único risco que efetivamente não parece ter sido tomado em consideração pelos agentes econômicos, como muito bem frisou Cecchetti, é o risco sistêmico, cuja cobertura, aliás, está além da capacidade do agente individual, cabendo ao governo, em geral, e ao Banco Central, em particular. É claro que, de qualquer forma, os modelos de risco de default dos títulos originários (as hipotecas) eram backward looking, como, aliás, soe ocorrer com o cálculo de risco, e baseados num período muito curto.50 Mesmo assim, o fracasso dos modelos não se deveu ao aumento das taxas de liquidação das hipotecas subprime, pois, como evidencia a Figura 5, as mesmas não ultrapassaram o pico observado em 2001-2002, mas em razão do ciclo habitacional ter ingressado na sua fase descendente. Somente nesse sentido é que pode atribuir-se certa, embora limitada, responsabilidade pela crise, embora isso não explique, como mencionado, as dimensões da mesma nem a incapacidade do sistema financeiro de absorver as perdas sem traumas profundos. Por outro lado, na medida em que o retorno é consagradamente considerado a remuneração ao risco, tampouco se pode argumentar, com Wyplosz (2008, p. 17), que “as instituições financeiras mais sérias deveriam ter feito provisões adequadas para fazer frente a esta crise longamente esperada”, porque, obviamente, não a anteviam.51 Aliás, uma das características mais dramáticas das crises financeiras é destruir com rapidez as provisões realizadas no passado, exceto aquelas efetivadas em ouro. Mesmo os títulos públicos podem perder valor se a crise solapar a capacidade arrecadadora do Estado ou desembocar em inflação acelerada.

Na seção 6, viu-se que a crise financeira atual originou-se da queda do valor dos imóveis resultante da crise do setor habitacional norte-americano que teve início no verão de 2006. O excesso de oferta de imóveis, por sua vez, explica-se pela própria elevação dos seus preços, que tornou altamente lucrativa a atividade construtiva.52 A acelerada acumulação de capital

50 “Os empréstimos subprime não possuem uma história muito longa e sua história recente é, de certo modo, enganosa, porque muitos foram feitos num período de rápida elevação dos preços das residências” (Hoening, 2008, p. 11).

51 A idéia neoclássica de que o retorno representa a “remuneração” ao risco implica que o empreendedor esteja efetivamente disposto a assumi-lo, o que significa ser tautológico responsabilizá-los pelas crises financeiras ou, alternativamente, que os empreendedores racionais constituiriam reservas com o diferencial do retorno em relação à sua taxa normal. Nesse caso, a crise seria o resultado de um comportamento irracional do empreendedor, o que contraria a hipótese neoclássica da racionalidade.

52 Mian e Sufi (2008) escreveram um interessante estudo econométrico onde discutem os papéis da oferta e demanda de habitações, em suas relações com o crédito hipotecário, no contexto da geração da crise do subprime. Esses autores oferecem evidências de que a crescente demanda por títulos securitizados incentivou o boom de crédito hipotecário.

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no setor, portanto, fez a oferta adiantar-se à demanda, desencadeando o processo de ajuste violento – aliás, próprio do capitalismo –, em que, segundo Marx, o equilíbrio é alcançado através da crise e não de movimentos suaves de convergência.53 Mas apesar da crise habitacional ser suficiente, por si, para sacudir o mercado de derivativos hipotecários, a razão de se ter transformado numa crise sistêmica se origina na própria rede de seguros tecida para garantir grau de investimento às hipotecas securitizadas e no elevado grau de alavancagem das instituições financeiras, investidores e demais agentes econômicos, para não falar nas densas relações especulativas estabelecidas com outros instrumentos no mercado de hedge.

Teoricamente, as instituições financeiras que operam no ramo de seguros oferecem cobertura contra eventos que, embora esperados para um conjunto de pessoas ou ativos, são acidentais do ponto de vista do ativo ou pessoa considerado individualmente, ou seja, são eventos situados na “cauda” da distribuição correspondente. O mecanismo de proteção do indivíduo ou ativo dá-se através da socialização das perdas, de forma que o custo para cada agente – o prêmio – seja mínimo. Esse prêmio, por sua vez, é determinado pela probabilidade de ocorrência do evento mais a margem do segurador, sendo o valor assegurado igual à capitalização, pela taxa de juros, do prêmio líquido da margem do segurador.

No caso dos derivativos hipotecários, muitas vezes o seguro era fornecido pela própria instituição originadora, de forma que, efetivamente, parte do risco “aterrissou de volta nos bancos”, ou por outras instituições, através, inclusive, de opções de compra e de outros derivativos. Em particular, os bancos europeus, que se tornaram, desde a formação do mercado de derivativos, em fornecedores de hedge para ativos financeiros emitidos no mercado norte-americano, participaram largamente do mercado de seguro de hipotecas securitizadas. Além do mais, de forma a adequar tranches de CDOs de longa maturidade em papéis elegíveis para os fundos que operam no mercado monetário, restringido a títulos de 365 dias ou menos de prazo pelo Investment Company Act de 1940, os put providers, ou 2A-7 puts, anexavam uma opção put permitindo ou requerendo que o investidor vendesse o papel para eles decorrido um determinado período da notificação. Segundo Cintra e Cagnin (2007, p. 307), no segundo semestre de 2007, a exposição ao risco dos cinco maiores bancos norte-

53 Também no mercado de crédito hipotecário subprime a oferta adiantou-se em relação à demanda, conforme registram Mian e Sufi (2008).

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americanos que operavam em derivativos chegou a US$ 882,5 bilhões, ou seja, cerca de 250,8% do seu capital.

Quando o mercado habitacional entrou em crise, o rápido aumento da inadimplência dos mutuários do segmento subprime provocou a desvalorização dos derivativos, impactando tanto os bancos que não haviam conseguido desová-los através de SPVs quanto as instituições financeiras que tinham segurado os derivativos hipotecários.54 Além disso, “os fundos que operam no mercado monetário exerceram suas opções, forçando os lançadores de puts a adquirir as notas, colocando adicional pressão sobre os seus recursos líquidos” (Gorton, 2008, p. 44).55 Dado o entrelaçamento dos derivativos, essas perdas provavelmente seriam mais do que suficientes para gerar uma crise financeira de razoáveis dimensões, na medida em que instituições de menor porte falissem e pelo menos alguns bancos “too big to fail” tivessem de ser socorridos pelas autoridades monetárias. Ocorre, porém, que

os investidores em hipotecas subprime concentraram os riscos alavancando suas posições com fundos emprestados, que, por sua vez, eram baseados em empréstimos de curto prazo. Alavancagens de 20 por 1 se transformam, com 5% de perdas realizadas, em 100% de perdas do capital inicial; então, um investidor com um ativo altamente alavancado em carteira pode perder todo o seu capital ainda que as taxas de default sejam reduzidas (Mizen, 2008, p. 539).

Mais do que isso, o próprio seguro das hipotecas securitizadas era realizado, em grande medida, através de opções alavancadas, no sentido de que os lançadores somente poderiam depositar as margens, caso o preço de exercício se descolasse desfavoravelmente do preço spot, através de recursos emprestados. Bastou, portanto, que caíssem os valores das hipotecas securitizadas para que muitas instituições apresentassem resultados financeiros declinantes e passivos cada vez maiores, desembocando em rombos que se alargavam à medida que, com o aumento da inadimplência

54 Em razão do rápido desenvolvimento do mercado de derivativos hipotecários, os dealers instituíram, em janeiro de 2006, o índice ABX.HE (ABX), um derivativo de crédito baseado em 20 tranches de RMBS, reconstituído a cada seis meses com base em determinadas regras. Esse índice serviu de base para o seguro de muitos derivativos de hipotecas, inclusive aqueles fornecidos via opções.

55 Como salienta Davidson (2008, p. 675), “parece que os subscritores que providenciaram puts líquidos nunca esperaram que muitos possuidores de ativos exercessem tais puts”.

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dos mutuários, caíam os preços dos derivativos hipotecários até serem degradados pelas agências de classificação de risco.

É certo que, em grande medida, a crise do subprime provavelmente nunca teria tomado dimensões sistêmicas não fora pela liberalização dos mercados financeiros, concluída com o Gramm-Leach-Bliley Act de 1999, que eliminou os últimos resquícios do Glass-Steagall Act de 1933 e do Securities Exchange Act de 1934.56 Essas peças legislativas haviam imposto tetos às taxas de juros sobre depósitos, controles sobre os fluxos de capital internacional, compulsórios sobre depósitos a prazo, limites diretos sobre a expansão creditícia e regras sobre a transparência na gestão dos negócios nos mercados de capitais. Porém, mais importante do que impor controles quantitativos e regras de supervisão e transparência, haviam segmentado o mercado financeiro dos EUA, o que inibia fortemente o alastramento para outros segmentos do sistema financeiro de uma crise surgida em um deles.

De fato, da mesma forma que as restrições colocadas pela legislação bancária da década de 1930 contribuíram para o longo período de estabilidade financeira, que somente seria interrompida com o credit crunch de 1966, a progressiva liberalização esteve associada ao desenvolvimento de crises financeiras cada vez mais profundas que se seguiram desde então, inclusive a dos Savings & Loan e, agora, a desencadeada pelo colapso dos derivativos das hipotecas subprime. Em particular, como conseqüência da liberalização,

os grandes bancos norte-americanos foram estendendo suas atividades para além dos tradicionais empréstimos bancários, passando a administrar fundos mútuos e a oferecer serviços de gestão de ativos por meio de seus vários departamentos. Buscaram ainda escapar das regras prudenciais, promovendo a securitização dos créditos. Enfim, para enfrentar a concorrência, os bancos reivindicaram e foram se transformando em supermercados financeiros, desencadeando um processo que culminou na separação das funções entre os bancos comerciais e de investimento imposta pelo Glass-Steagle Act (1933). Desde os anos de 1970, os grandes bancos americanos já eram dominantes no mercado internacional de moedas estrangeiras. Mais

56 Nesse processo de liberalização, não se deve deixar de mencionar o Riedgle-Neal Interstate Banking and Branching Efficiency Act de 1994, que eliminou as restrições geográficas às filiais interestaduais instituídas pelo McFadden Act de 1927.

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recentemente, eles desenvolveram um nicho altamente arriscado, mas que se tem mostrado rentável, dadas as suas relações com o empregador de última instância: passaram a fornecer seguros financeiros (hedge) como dealers do mercado de derivativos e a abrir linhas de crédito nas emissões de commercial paper e outros títulos de dívida no mercado de capitais” (Cintra e Cagnin, 2007, p. 306).

Isto ampliou os riscos dos bancos e as condições de alastramento das crises financeiras, com a possibilidade de grandes perdas quando ocorrem movimentos bruscos e não antecipados de preços de ativos. Na verdade, conforme mencionado anteriormente, esses instrumentos introduziram “um risco financeiro sistêmico ao promover[em] o entrelaçamento patrimonial e creditício entre os grandes bancos, as principais corporações e os centros financeiros internacionais” (Cintra e Cagnin, p. 307).

Em síntese, a crise financeira atual mostrou que a dispersão do risco não o reduz do ponto de vista sistêmico, de modo que, num contexto de mercados financeiros liberalizados e, assim, fortemente interconectados, a crise de um mercado necessariamente arrasta consigo o sistema financeiro em seu conjunto. O motivo reside na própria natureza das instituições seguradoras, que obviamente carecem de recursos para sustentar o risco sistêmico, que necessariamente cresce nos períodos de expansão, na medida em que as relações de crédito permitem o “descolamento” das condições reais da reprodução, particularmente quando essas instituições operam com elevado grau de alavancagem.

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CAPÍTULO III

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1. Os Primeiros Sinais da Crise

Embora, como visto no capítulo 2, o setor de construção residencial norte-americano e, consequentemente, o mercado hipotecário, particularmente o segmento subprime, estivesse em declínio desde meados de 2006, prenunciando turbulências mais amplas, a quase totalidade dos economistas, homens de negócios, políticos e do público em geral foi surpreendida pela crise financeira mundial que teve início em agosto de 2007. Apenas um mês antes, as principais bolsas de valores do mundo haviam alcançado recordes históricos, prometendo ultrapassar níveis ainda inéditos em futuro próximo. A Bolsa de Frankfurt, por exemplo, encerrou o pregão do dia 13 de julho com 8.151,57 pontos, o que representa o nível mais elevado desde sua criação. No dia 17 de julho foi a vez do índice Dow Jones Industrial Average (DJIA), principal indicador de negócios da Bolsa de Valores de Nova York, cruzar pela primeira vez na história a barreira dos 14 mil pontos. Trinta dias depois, contudo, a Bolsa de Frankfurt havia sofrido queda expressiva e o Dow Jones havia recuado 1.500 pontos, representando perdas da ordem de US$ 1,61 trilhão, as quais se multiplicariam muitas vezes na esteira dos desdobramentos da crise.

Já em fevereiro do mesmo ano de 2007, o HSBC divulgara relatório informando expressivos prejuízos em operações no mercado habitacional, o que contribuiu para ampliar o receio dos investidores em termos da oferta de crédito disponível no sistema financeiro, em razão de se haver detectado forte elevação da inadimplência no segmento subprime. Seguiu-se, em março, a suspensão dos negócios com as ações do New Centure Financial, um dos maiores fornecedores do crédito subprime dos EUA, que se viu obrigado, em abril, a pedir proteção contra os credores pela Lei de Falência norte-americana, após comprar bilhões de dólares em empréstimos perdidos. Ainda em março, a Accredited Home Lenders Holding anunciaria a venda de US$ 2,7 bilhões em empréstimos com grande desconto para continuar operando. A situação ficou tão ruim que o secretário do Tesouro

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norte-americano chegou a declarar, em abril, que todos os sinais indicavam que o mercado habitacional estava “no fundo do poço ou perto dele”. No dia 15 de junho, foi a vez do Bear Stearns anunciar que também estava enfrentando problemas com grande exposição a empréstimos imobiliários de alto risco (Soros, 2008, pp 12-13 ).

Mas, conforme salientado, estes sinais não foram suficientes, nem mesmo para que as autoridades monetárias norte-americanas percebessem a situação de risco. Acreditava-se que se tratasse de dificuldades localizadas em determinadas instituições financeiras do país que se haviam envolvido com créditos hipotecários de alto risco (os créditos subprime) e que se defrontavam, conjunturalmente, com um problema de liquidez devido à inadimplência de seus clientes. Ben Bernanke, presidente do FED, estimaria otimista, ainda em julho, em apenas US$ 100 bilhões as perdas que poderiam resultar dessa categoria de crédito (Soros, 2008, p.20).

No dia 26 de julho, o Departamento de Comércio do governo norte-americano divulgou os dados relativos à venda de residências novas no mês anterior, revelando uma queda de 22,3% em relação a junho do ano passado, muito maior do que a que fora informada pela Associação Nacional de Corretores. Seguiu-se o anúncio, por parte de duas importantes empresas norte-americanas de construção residencial – a Pulte Homes e a D.R. Horton – de resultados fracos, confirmando o temor dos investidores, preocupados com os problemas no setor de hipotecas. Já no dia 06 de agosto foi a vez da American Home Mortgage (AHM), uma das dez maiores empresas de financiamento imobiliário e de hipotecas dos EUA, pedir concordata, após demitir a maioria de seus funcionários, o que redobrou a preocupação dos investidores, em razão de não ter a empresa participado de forma significativa no segmento subprime.

Mas o estopim da crise foi o anúncio, três dias depois, por parte do banco BNP Paribas, da França, de que uma de suas divisões – a BNP Paribas Investment Partners – havia congelado cerca de 2 bilhões de euros (US$ 2,73 bilhões) em fundos, alegando não ser possível, diante das incertezas do mercado, avaliar o valor dos ativos vinculados ao setor de crédito subprime nos EUA, o que a impedia de contabilizar as perdas. Seguiu-se, no dia 16, o saque integral de sua linha de crédito de US$ 11,5 bilhões pela Countrywide Financial, a maior originadora de hipotecas dos EUA, e, em 13 de setembro, o banco de crédito imobiliário britânico, o

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Northem Rock, conheceu uma corrida bancária, após notícias veiculadas pelo público de que caminhava para a insolvência (Soros, 2008, pp.12-13).

Diante do crash das bolsas de valores provocado pela suspensão de pagamentos pelo BNP Paribas, os bancos centrais dos países desenvolvidos reagiram prontamente, irrigando fartamente o mercado financeiro. No mesmo dia 9 de agosto, o Fed injetou US$ 24 bilhões, o Banco Central Europeu (BCE) cerca de 94 bilhões de euros (ou US$ 130 bilhões) e o Banco do Japão aproximadamente US$ 8,4 bilhões. No dia seguinte, o Fed colocou outros US$ 38 bilhões e o BCE mais US$ 83 bilhões, na maior operação de resgate depois da que se seguiu ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. A tendência de queda do mercado, contudo, somente seria interrompida depois que o Fed cortou, no dia 17 de agosto, a taxa de redesconto em 0,5%, sinalizando que baixaria a taxa básica.

O que, assim, era visto como um “fenômeno isolado” até junho, transformou-se numa crise financeira de grandes proporções, passando a exigir decisiva intervenção dos bancos centrais dos países desenvolvidos, tendo o Fed promovido, até o final do ano, três cortes na taxa básica de juros (em setembro, outubro e dezembro), reduzindo-a de 5,25% para 4,25%. Nesse período, as autoridades monetárias dos países desenvolvidos, e vários economistas, diagnosticavam tratar-se de crise de liquidez, embora algumas vozes isoladas, como a do consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-conselheiro do ex-presidente Bill Clinton, Nouriel Roubini, garantisse que se tratava de uma crise de insolvência.

E, de fato, a injeção de recursos e a redução da taxa de juros acalmaram o mercado, aparentemente dando razão aos que nela viram apenas um problema localizado de falta de liquidez de algumas instituições envolvidas com os créditos hipotecários “tóxicos”. Mas a realidade é que a crise apenas fazia, naquele momento, uma espécie de “parada técnica” para retornar com toda força em 2008 e revelar que, ao contrário das visões limitadas que se tinha sobre sua dimensão e natureza, era bem mais profunda e complexa e que, se não contida em suas raízes, capaz de conduzir ao colapso do sistema. Para entender as razões disso, é preciso, remontar à sua origem.

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2. Explode a Bolha do Subprime

Não poucos analistas identificam o início da formação da “bolha imobiliária” no surgimento do crédito farto, fácil e barato patrocinado pela política monetária do FED, após o estouro da bolha da internet, em 2000, que o levou a reduzir, em poucos meses, a taxa básica de juros de 6,5% para 3,5%. Depois dos ataques terroristas nos EUA ao WTC, em 11 de setembro de 2001, a taxa continuou em queda, com o objetivo de reanimar a economia, até atingir 1% em julho de 2003, nível em que seria mantida até maio de 2004 (Soros, 2008).

Foi este crédito farto e barato, com juros negativos, que teria impulsionado exageradamente o consumo norte-americano, contribuindo decisivamente para o excepcional crescimento da economia mundial no período de 2003-2007 e dado origem à bolha imobiliária ao ser estendido, em boa medida, ao financiamento de imóveis residenciais, provocando um boom de novas construções, e também ao financiamento de automóveis, cartões de crédito e outras modalidades de consumo. Devido à pressão da demanda por imóveis, o valor de mercado das casas residenciais cresceu mais de 50% e isso alimentou o mercado de refinanciamento de hipotecas, seja para o consumidor adquirir um segundo imóvel (ou um terceiro) ou simplesmente para usar o dinheiro obtido e aumentar e/ou melhorar seus níveis de consumo. A condição para a “bolha” prosseguir e continuar sustentando o “paraíso do consumo” que os americanos desfrutavam, era a de que os valores dos imóveis continuassem ascendentes, mas, ao contrário, seus preços, em meados de 2006, embicaram para baixo e o castelo desmoronou, deflagrando a crise.

Pelo menos três causas podem ser apontadas para explicar a inflexão ocorrida: a) com o crédito abundante e barato, os critérios adotados pelas instituições financeiras para a concessão de empréstimos foram relaxados e a eles começaram a ter acesso pessoas com histórico duvidoso de crédito (subprime), também conhecidos como Ninjas (tomadores de empréstimos sem renda, emprego ou bens);57 b) parte dos financiamentos passou a ser feita a taxas reajustáveis, significando que na eventualidade de um aumento da taxa de juros, as prestações acompanhariam este aumento; e c) ignorando os riscos inerentes aos empréstimos Ninja, as instituições

57 Em inglês, Ninja representa a abreviatura de “No income, jobs ou assets”.

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que venderam estes papéis, os mesclaram com os créditos prime (de boa qualidade), securitizando-os e vendendo-os ao mercado como Obrigações de Dívidas Garantidas (CDOs, em inglês), classificadas pelas agências de rating como isentas de risco. Com o mercado financeiro sendo inundado por estes papéis, com o aval dessas agências, o poder de multiplicação do sistema financeiro, via alavancagem, e sua propagação principalmente para os países desenvolvidos, deu origem a uma riqueza financeira (virtual) que se sustentava, em boa medida, nos empréstimos Ninja. Quando faltaram as condições que mantinham erguido este edifício da especulação, este desmoronou carregando consigo os agentes envolvidos nessa aventura.

As bases deste edifício começaram a ser minadas quando o novo presidente do FED, Ben Bernanke, pôs em movimento, após passados os efeitos da crise do mercado acionário “Dot.com” e do ataque terrorista de 11 de setembro, um ciclo de alta da taxa básica de juros, aumentando-a de 1% em 2004 para 5,25% em julho de 2006, o que tornou muitas dívidas impagáveis, sobretudo as da faixa do crédito subprime e as de contrato com taxas de juros reajustáveis. Com o surgimento e aumento da inadimplência e o encarecimento do crédito (devido à elevação dos juros pelo FED), a demanda do setor imobiliário retraiu, derrubando o preço dos imóveis, que representavam a garantia dos títulos securitizados que compunham a carteira de muitas instituições financeiras, e fechou a porta que vinha garantindo a multiplicação (e os fabulosos ganhos) dessa riqueza virtual. Para complicar ainda mais o quadro, tornando a crise sistêmica, a queda das cotações dos CDOs forçou os bancos que garantiam o valor desses títulos a cobrir as perdas dos investidores, enquanto os lançadores de opções eram compelidos a ampliar os depósitos das crescentes margens resultantes. Enquanto o alto grau de alavancagem tornava pesadas e irreversíveis as perdas, o complexo inter-relacionamento entre as instituições que operam no mercado de derivativo, na ausência de uma instituição seguradora de segunda linha que pudesse absorvê-las, conduziu à disseminação das ondas de insolvência e de desconfiança que abalaram o mercado.

A falta de percepção da gravidade e dimensão da crise explica-se, em boa medida, pelo desconhecimento do espraiamento das operações contaminadas pelos empréstimos Ninja pelo sistema financeiro global e, conforme salientado, pelo elevado nível de alavancagem mantido pelas instituições financeiras, imunes ao controle dos órgãos regulatórios, para

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multiplicarem seus ganhos vis-à-vis uma base (créditos hipotecários e para outras modalidades) restrita e contaminada. Com o esfriamento da demanda, o aumento da inadimplência e a queda livre dos preços dos imóveis residenciais, a base que sustentava a pirâmide da especulação, num contexto de valores assegurados por opções alavancadas, começou progressivamente a ruir e a ampliar o descasamento entre ativos e passivos das instituições envolvidas neste processo, causando enormes prejuízos, estimados pelo FMI em US$ 2,2 bilhões, considerando-se somente os bancos e corretoras credenciadas dos EUA e pelo economista Nouriel Roubini em US$ 3,6 trilhões.

Nesta conjuntura, outras medidas que fossem destinadas a estancar a queda dos preços dos imóveis e a execução das hipotecas, além das iniciativas de saneamento e reestruturação dos bancos insolventes, poderiam ser mais eficientes para mitigar/conter a crise e reverter a paralisia do crédito, que terminou rapidamente contaminando a “economia real”, conduzindo-a para uma recessão sem precedentes desde a década de 1930. Como, no entanto, a crise continuou a ser tratada como um “problema de liquidez” por um bom tempo, com os governos, em geral, esgotando seu arsenal de instrumentos de política monetária, sem obterem resultados efetivos, num ambiente de elevada e crescente desconfiança dos agentes econômicos no funcionamento do sistema, a recessão avançou progressivamente e o sistema financeiro foi sendo gradativamente minado com seguidas quedas e falências de suas instituições.

É o relato dessa crise, que abalou as bases do sistema financeiro internacional nos 100 dias que se passaram desde a quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro, a qual começou a desvelar toda a sua dimensão e profundidade, bem como do tratamento – hesitante e desfocado – a ela dado pelos policy makers de diversos países, o que ainda a mantinha bem viva no início de 2009, com a economia mundial irremediavelmente condenada a uma forte recessão e o sistema financeiro fragilizado, sem capacidade de restabelecer os circuitos do crédito, que se faz em seguida. Os desdobramentos dessa crise que ocorreram após este período, apenas confirmaram que, no final de dezembro de 2008, já estavam dadas as condições de que, além de profunda, perduraria por um bom tempo, com sérios riscos de a economia mundial caminhar para uma situação de depressão, apesar de todos os esforços que vinham sendo realizados pela política econômica para retirá-la dessa situação.

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3. Da Crise do Subprime ao Pânico Global

Enquanto a crise esteve restrita, propagando-se e causando prejuízos a algumas instituições financeiras que operavam conectadas, de uma forma ou de outra, ao mercado hipotecário, o problema parecia, de fato, ser exclusivamente de liquidez, dependendo, para sua solução, apenas da ação dos bancos centrais, de injetar liquidez nas instituições afetadas e dar um “alívio” na taxa de juros. Conforme assinalado na seção 2, ainda em agosto, o Banco Central Europeu (BCE), o Fed e o Banco Central do Japão decidiram injetar no mercado, em conjunto, mais de US$ 350 bilhões de capital monetário e de empréstimos, tendo o banco central norte-americano cortado a taxa básica de juros de 5,25% para 4,75% no dia 18 de setembro de 2007. Junto com essa “injeção de liquidez”, a redução da taxa de juro do Fed trouxe alívio para o mercado, mas dois novos cortes foram necessários nela realizar ainda no mesmo ano para garantir essa trégua: em 31 de outubro, a taxa básica norte-americana foi reduzida para 4,5% e, em 11 de dezembro, para 4,25%. Apesar do otimismo inicial que tomou conta do mercado financeiro, este terminou sendo passageiro, com o pessimismo rapidamente a ele retornando, à medida que os níveis de inadimplência dos mutuários norte-americanos continuaram a aumentar e outras instituições financeiras, inclusive européias, começaram também a enfrentar dificuldades devido ao seu envolvimento com o mercado hipotecário dos EUA.

O ano de 2008 começou com a divulgação de uma safra de balanços registrando vultosos prejuízos de instituições financeiras norte-americanas de grande porte, devido ao seu envolvimento com o mercado de crédito imobiliário de risco: no dia 16/01, o Citibank anunciou ter incorrido em perdas equivalentes a US$ 9,83 bilhões no quarto trimestre do ano; a ele se seguiram o Merrill Lynch, com perdas de US$ 8,7 bilhões e o JPMorgan, com prejuízo contabilizado de US$ 1,3 bilhão. Se o resultado desses balanços já foi suficiente para novamente derrubar os mercados e as bolsas de valores, a divulgação pelo banco francês, Societé Générale, o segundo maior banco da França, de um prejuízo de 4,9 bilhões de euros (cerca de US$ 7,2 bilhões), no dia 21 de janeiro, causado por uma fraude bilionária cometida por um de seus funcionários, completou os ingredientes para a geração de um novo crash: as bolsas despencaram, caindo 7,2% em

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Frankfurt, 6,3% em Paris, 5,5% em Londres, 6,6% em São Paulo, 5,4% no México, 5,1% em Xangai e 3,9% em Tóquio.

Em reação, o Fed reduziu agressivamente, no dia 22 de janeiro, a taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual e poucos dias depois, em 30 de janeiro, fez novo corte de 0,5 ponto, baixando-a para 3%. Apesar de ter conseguido com isso novamente acalmar o mercado, os problemas estavam apenas começando, porque se tornava evidente o progressivo enfraquecimento das duas pernas que sustentam o sistema financeiro: a liquidez, cada vez mais restrita do sistema como um todo; e a confiança que o investidor deposita no sistema de que este será capaz de devolver suas aplicações. Quando a confiança também se enfraquece, abre-se o caminho para corridas bancárias e o sistema tende a desmoronar, dado o seu nível de alavancagem.

Apesar da turbulência e volatilidade que tomaram conta dos mercados, se a ação do Fed conseguiu acalmar, durante algum tempo, o nervosismo nele imperante, esse clima se desfez novamente em março, quando o Bear Stearns, o quinto maior banco de investimento norte-americano, também envolvido com a crise do subprime, chegou próximo à decretação da falência. Essa só não se materializou devido à intervenção do FED, que, além de ter negociado com e financiado o JPMorgan para comprá-lo por um preço de queima de estoque, concordou em assumir dívidas de US$ 29 bilhões do banco. Depois de ter feito uma oferta de US$ 236 milhões pela sua compra (US$ 2 por ação), o correspondente a 7% do valor de mercado que o banco atingira na semana anterior, o JPMorgan aumentou essa oferta para US$ 1,3 bilhão (US$ 10 por ação) para evitar conflitos com seus acionistas. Com a queda do Bear Stearns dava-se início ao desabamento de instituições financeiras ícones do capitalismo norte-americano. Percebendo as crescentes dificuldades do sistema financeiro, o Fed ainda promoveu um novo corte na taxa básica de juros de 3% para 2,25%, no dia 18 de março, e voltou a reduzi-la para 2% em 30 de abril. Já então, em que pese as maciças intervenções do banco central norte-americano e os sucessivos cortes da taxa básica de juros, a economia dos EUA dava sinais de ingressar na recessão, com a produção industrial caindo 0,5% em fevereiro, na maior contração mensal desde outubro de 2007, e o índice Empire State, que mede a atividade manufatureira no Estado de Nova York, registrando, um mês depois, o nível mais baixo desde que começou a ser elaborado, em julho de 2001.

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Pior do que isso, assistiu-se à reversão das expectativas, abaladas por ondas de choques sucessivas causadas pela quebra de prestigiosas instituições financeiras, às quais se somaram as perspectivas de recessão iminente, denunciando o fracasso da política monetária em deter a crise financeira e sustentar o nível da atividade econômica. Com a bancarrota do Bear Stearns, os oráculos do mercado abandonaram o seu otimismo leniente para lançar nuvens negras no horizonte, tendo Alan Greenspan, que presidiu o Federal Reserve de 1987 a 2006, declarado se tratar da “mais grave [crise financeira] desde o fim da Segunda Guerra Mundial”, enquanto o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FM), Dominique Strauss-Kahn, afirmava que a crise duraria “bastante tempo” e teria “graves conseqüências”.

Com a mudança das expectativas, alterou-se, também, o diagnóstico da crise, que, de crise de liquidez, passou a ser considerada como crise de inadimplência e de confiança, para não falar em termos do marco regulatório, a esta altura responsabilizado pela visível desestruturação do sistema financeiro norte-americano. E, por via de conseqüência, alterou-se também a terapia que vinha sendo seguida, ganhando força a visão de que seria necessário mais do que reduzir a taxa de juros e socorrer o mercado com liquidez adicional, ampliar as tímidas medidas de política fiscal tomadas pelo governo Bush. Isto para não falar na re-regulamentação do mercado financeiro, cuja instabilidade seria resultado, em grande medida, de práticas causadas pela liberalização financeira, alicerçada na doutrina esposada por Greenspan de que a “disciplina de mercado” seria suficiente para disciplinar o mercado, evitando práticas danosas.

Depois do Bear Stearns, a IndyMac, considerada um dos maiores bancos do país e detentora de ativos da ordem de US$ 32 bilhões, foi a próxima instituição de grande porte a ruir: em situação falimentar, foi salva pela intervenção do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), a agência que garantia depósitos de até US$ 100 mil em bancos regulamentados, em 11 de julho, e dela drenou recursos equivalentes a US$ 8,9 bilhões que esta possuía em disponibilidades.

A contaminação de todo o sistema pelos créditos hipotecários de alto risco tornava-se evidente com os prejuízos que passaram a ser seguidamente divulgados por instituições financeiras dentro e fora dos EUA e pelas dificuldades de manterem suas operações, dada a crescente restrição de liquidez e de seus elevados níveis de alavancagem. Mas um

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maior golpe para o sistema, dentre outros de menor importância que ocorreram depois dos problemas apresentados pela IndyMac, foram os rombos bilionários anunciados, no dia 07 de setembro, por duas empresas do ramo imobiliário dos EUA, a Fannie Mae e a Freddie Mac, que exigiram a criação de um programa especial de socorro do governo para salvá-las, obrigando o Tesouro americano a assumir a gestão das duas companhias e a injetar até US$ 100 bilhões em cada uma, o que representou, na prática, sua estatização.58

Enquanto os cofres do governo americano se mantiveram abertos para salvar da bancarrota instituições financeiras envolvidas no crédito de alto risco, alternaram-se, no cenário econômico mundial, momentos de crescente pessimismo, a cada divulgação de uma má notícia, com os de alívio, a cada intervenção do governo para recuperar a confiança no sistema. Mas quando o cofre se fechou e o governo, juntamente com outras instituições financeiras, não se dispôs a salvar um dos gigantes do mundo de negócios, o Lehman Brothers, o quarto maior banco de investimentos dos EUA, faltou oxigênio para os que ainda resistiam e a sua queda, em efeito dominó, foi rápida e vertiginosa, espalhando-se por toda Europa e transformando-se em crise sistêmica.

Para o mercado, que apostava que o Lehman Brothers era too big to fail (grande demais para se deixar quebrar), a omissão do setor público norte americano foi um choque. Sabedor da importância do Lehman Brothers, o mercado apostava que, da reunião iniciada na sexta-feira, dia 12 de setembro, entre representantes do governo norte-americano, dirigentes de Wall Street e diretores da instituição, do banco britânico Barclays e do Bank of América, dos EUA, iria surgir uma solução que salvasse o banco, a exemplo do que havia ocorrido com o Bear Stearns. Ao constatar que o Barclays e o Bank of América haviam desistido da operação por falta de garantias governamentais quanto a possíveis perdas futuras do Lehman Brothers, o mercado desabou.

58 A Fannie Mae e a Freddie Mac, duas instituições dominantes do setor de hipotecas, que já haviam sido públicas, mas se encontravam privatizadas, tanto realizavam empréstimos diretos aos mutuários para a aquisição da casa própria como davam garantias e compravam hipotecas de outros bancos e instituições. Operavam, na prática, como instituições governamentais, apesar de privatizadas, pois os títulos que emitiam, para essa finalidade, contavam com a garantia do governo, o que os tornavam altamente seguros para o mercado. Desempenhando essa função quase-pública foram influenciadas pelo governo, nos anos 1990, a abrandar os critérios para a concessão de empréstimos, principalmente para a classe média baixa, o que catapultou expressivamente a venda de imóveis, mas sem garantias sólidas. Quando tiveram de contar com o socorro do governo na crise e serem reestatizadas, revelou-se que apenas o banco central chinês contava, em suas reservas, com mais de US$ 400 bilhões em papéis dessas agências.

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Na verdade, o mercado ficou confuso em relação ao grau de compromisso das autoridades norte-americanas com a estabilidade sistêmica, pois elas, como todos, sabem que a quebra de uma instituição do porte do Lehman Brothers poderia abalar ainda mais o arranhado sistema financeiro. De saída, a decisão de não intervir deixou descoberto o Merrill Lynch – o terceiro maior banco de investimento norte-americano –, forçando a sua aquisição pelo Bank of America, até porque, caso não fosse absorvido por outra instituição financeira de porte, o destino da instituição seria o mesmo do Lehman Brothers.

Outra instituição que ficou ainda mais vulnerável foi a seguradora AIG (American International Group), que anunciou a intenção de levantar US$ 50 bilhões no mercado através de venda de ativos e de injeção de capital de forma a evitar que as agências de classificação de risco reduzissem a sua nota e os investidores se desfizessem de seus papéis. Embora a injeção de US$ 20 bilhões no mesmo dia 15 por parte das autoridades reguladoras de Nova York tenha sinalizado que os recursos poderiam ser conseguidos, ainda assim a AIG teria de antecipar-se ao mercado e anunciar logo o sucesso de suas operações, pois caso contrário o nervosismo do mercado, alimentado pela quebra do Lehman Brothers, daria cabo rapidamente da instituição.

Também aumentou o receio dos investidores em relação ao contágio por parte de outras instituições financeiras, como no caso dos bancos Morgan Stanley e o Goldman Sachs, que, segundo o professor de economia da New York University, Nouriel Roubini deveriam seguir o mesmo caminho do Lehman Brothers. O motivo é que, no mercado financeiro desregulamentado das finanças globalizadas, os bancos mantêm ativos de outras instituições financeiras em seu portfólio, de forma que a quebra de um banco de grande porte não deixa de causar perdas em outras instituições. O temor dessas perdas, mesmo que tardem a aparecer nos balanços, leva os investidores à “fuga para a qualidade”, com a venda das ações das empresas financeiras em busca do porto seguro dos títulos públicos. O pior é que a própria “fuga para a qualidade”, ao retirar recursos do mercado de títulos privados para títulos públicos, reduz o valor em bolsa e fragiliza as instituições financeiras, aumentando o risco de novas quebras. Esta é a lógica por detrás da declaração do economista Benton Gup, autor do livro Too Big to Fail, que declarou que iríamos “ver bancos indo à bancarrota. Mas pequenos”.

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Embora, dois dias após essa decisão ter sido tomada, tenha ficado claro o erro estratégico do governo norte-americano em não socorrer o Lehman Brothers, a motivação para tal parece ter sido, em primeiro lugar, os sinais de recuperação da economia norte-americana, que, depois do susto de início do ano, registrara um crescimento de 2,8% no segundo trimestre, aparentemente desmentindo o pessimismo de março. Também os dois maiores problemas da economia dos EUA, fora a crise financeira, ou seja, o déficit em conta corrente e o preço do petróleo, haviam mostrado recuo, criando clima, portanto, para que se ampliassem as responsabilidades do mercado em absorver os custos da crise, reduzindo a parcela do setor público (e do contribuinte, diga-se de passagem). Foi o que transpareceu das declarações do secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, que afirmou na própria segunda feira, dia 15, que não mais iria colocar dinheiro público em bancos falidos. Além disso, deixar que o mercado resolvesse seus próprios problemas estava mais de acordo com a ideologia capitalista e com o conservadorismo republicano. Foi o que transpareceu das declarações do presidente Geroge W. Bush, que declarou que “no curto prazo, ajustes nos mercados financeiros podem ser dolorosos”, mas que no longo prazo estaria confiante “de que nossos mercados de capitais são flexíveis e resilientes”, de forma que poderiam, assim, “enfrentar esses ajustes”.59

A decisão de deixar o Lehman Brothers pedir concordata e as declarações descabidas do presidente Bush e de seu secretário do Tesouro retiraram toda a força das medidas anunciadas pelo Fed ainda no domingo, dia 14, no sentido de facilitar, através da redução das garantias, o acesso a créditos emergenciais para instituições financeiras, que foram ampliados de US$ 175 bilhões para US$ 200 bilhões semanais. Mesmo a injeção de mais US$ 50 bilhões, decidida na terça-feira, dia 16, e a manutenção da taxa básica de juros no mesmo patamar (2%) não se mostraram suficientes para sustentar o mercado, que desabou.

Certamente que o dia 15 de setembro, em que o Lehman Brothers pediu concordata, entrará para a história econômica como a “segunda-feira negra” de uma das piores crises do capitalismo, que teve origem na

59 A declaração do presidente Bush fez lembrar a postura do presidente Herbert Hoover, que governou os EUA durante os anos críticos da Grande Depressão (1929-1933), para o qual as forças de mercado também eram “flexíveis e resilientes” e poderiam “enfrentar os ajustes”. Não obstante, durante o seu governo o PIB norte americano caiu 46,2% e o número de trabalhadores que perderam o emprego a 33,7%, com os desempregados superando 13,0 milhões em 1933, ou o correspondente a 27% da população economicamente ativa.

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formidável multiplicação da riqueza financeira, lastreada em títulos de alto risco (subprime). O colapso do Lehman desencadeou verdadeiro pânico no mercado financeiro, fazendo retornar, destarte, uma figura histórica que havia praticamente desaparecido do capitalismo, tendo sido relegado, nos livros de teoria macroeconômica e de economia monetária e financeira, a mera curiosidade da era pré-banco central intervencionista, ou seja, a pré-Grande Depressão. De um momento para outro, pareceu-se reviver a possibilidade de que, finalmente, viesse a se cumprir, embora com quase vinte anos de atraso, a profecia do professor Ravi Batra, da Southern Methodist University, que publicou em 1985 o livro A Grande Depressão de 1990. Aliás, em seu livro mais recente, A Fraude de Greenspan: Como duas Décadas de suas Políticas Solaparam a Economia Mundial, Ravi Batra salientou como as políticas de juros baratos, implementadas pelo então presidente do Fed, estavam gerando uma grande bolha especulativa no mercado financeiro, incentivando o consumo e o déficit em conta-corrente dos EUA, fatores que, no seu devido tempo, conduziriam o país para a crise.

De imediato, a queda do Lehman afetou severamente o mercado de commercial papers, colocando em dificuldades os demais bancos de investimentos que dependiam deste papel para financiar suas operações. Daí, para estes começarem a ir à lona, foi questão de dias. Como assinalado, no mesmo dia o Bank of America anunciou a compra do Merrill Lynch por cerca de US$ 50 bilhões, o equivalente a um terço de seu valor de mercado. De mais a mais, teve ela um efeito arrasador nas bolsas de valores pelo mundo: no dia 16, a de Tóquio caiu 5,06%; o índice Dow Jones e o da Nasdaq, nos EUA, 4,42% e 3,59%, respectivamente; na Índia, 5,4% e 4,1% em Taiwan; em Londres, a queda foi de 3,92%, em Paris de 3,78% e em Frankfurt de 2,74%; em São Paulo, a Bovespa registrou uma queda ainda mais acentuada de 7,59%.

Desencadeado o pânico, o governo norte-americano agiu com rapidez, desencadeando duas ações adicionais que poderiam, noutro contexto, ter novamente acalmado o mercado. Conforme salientado, depois de ter se negado a salvar o Lehman, o Fed fez um empréstimo direto de US$ 85 bilhões à AIG para evitar sua concordata, assumindo, provisoriamente, 79,9% de suas ações que, esperava-se, deveriam ser revendidas na primeira oportunidade, seja em bloco ou em partes. Saliente-se que, até a sexta-feira, dia 12 de setembro, era claramente impensável que o Fed – que, até

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então, restringia a sua ação em termos do sistema bancário – socorresse uma seguradora, mesmo porque, de fato, a solicitação de ajuda por parte da própria AIG poucos dias antes havia sido recusada. Mas com a atitude desestabilizadora do presidente Bush e do secretário Henry Paulson não restou alternativa ao Fed, que criou, uma vez consumada a operação, uma estatal do ramo de seguros dos EUA, um fato histórico, principalmente levando-se em conta que a AIG não era assegurada pelo governo federal, como no caso da Fannie Mae e da Freddie Mac. No dia 18 de setembro, foi a vez do Fed, em ação conjunta com outros dos cinco maiores bancos centrais do mundo – do Japão, Europeu, Reino Unido, Suíça e do Canadá – injetar US$ 500 bilhões de recursos no sistema financeiro, com o Fed disponibilizando US$ 180 bilhões para as demais instituições envolvidas neste processo, com o objetivo de suprir a carência de recursos dos bancos comerciais e melhorar a liquidez para a retomada dos empréstimos bancários. Ainda assim, os mercados continuaram sob forte tensão, com o pânico continuando a dominar o cenário mesmo com o anúncio feito pelo governo norte-americano, no dia 18 de setembro, de que dava início à elaboração de um plano de resgate do sistema financeiro, com o qual se projetavam despender, inicialmente, recursos da ordem de US$ 1 trilhão para a compra de ativos “tóxicos” das instituições, com o objetivo de “limpar” o sistema de impurezas e destravar os canais do crédito.

Enquanto o “pacote” não foi anunciado, outros gigantes do mundo financeiro dos EUA e da Europa continuaram a cair: na Inglaterra, a maior hipotecária do país, o HBOS (Halifax Bank of Scotland), foi vendido, às pressas, ao Lloyds, por US$ 22,1 bilhões; nos EUA, o Washington Mutual, a sexta maior instituição financeira americana, foi fechada pelo governo depois de perder US$ 16,7 bilhões em retiradas feitas por clientes em pânico e vendida para o JPMorgan por US$ 1,9 bilhão, que se tornou o maior banco do país; também ali, o Wachovia, um dos maiores bancos americanos, deu início à negociação de sua fusão com o Citigroup, nela envolvendo também o Wells Fargo e o banco espanhol Santander, e acabou vendido para o primeiro por cerca de US$ 2,2 bilhões; em dificuldades, o banco belgo-holandês FORTIS recebeu a injeção de US$ 16,4 bilhões de recursos dos governos da Holanda, Bélgica e Luxemburgo para melhorar suas condições de liquidez e sua capacidade de solvência, transferindo-lhes 49% de suas ações; no Reino Unido, a Bradford & Bringley, empresa financiadora de hipotecas, terminou sendo nacionalizada, com parte de

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suas operações sendo assumidas pelo Santander; na Alemanha, a Hypo Real State, também de crédito imobiliário, obteve US$ 51 bilhões do governo e de um consórcio de bancos para superar dificuldades; e na pequena Islândia, o governo teve de comprar 75% do terceiro maior banco do país, o Glitnir, por US$ 900 milhões.

4. Do Plano Paulson ao Plano Brown

O plano de resgate do sistema financeiro anunciado pelo governo norte-americano foi apresentado ao Congresso, para apreciação, no dia 20 de setembro. Apoiado pelo presidente dos EUA, George W. Bush, pelo presidente do banco central, Ben Bernanke, e pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, o plano continha, em apenas duas páginas e meia, uma grande meta: a compra de papéis hipotecários “podres” de instituições financeiras em dificuldades, acumulados até o dia 18/09/2008, tendo como limite US$ 700 bilhões. Seu objetivo era o de restaurar a “confiança” no sistema, reeditando, com as devidas adaptações, a solução dada à crise de 1989, quando o Congresso criou uma empresa para absorver e depois revender, no mercado, papéis “podres” que entupiam os canais normais de crédito para empresas e consumidores.

Chamado pela imprensa de “Plano Paulson”, por ter sido o secretário do Tesouro americano seu principal formulador, o plano recebeu, de saída, uma saraivada de críticas de políticos, economistas, analistas de diversas áreas e da própria população, vendo praticamente selada, no nascedouro, sua morte. Isso por algumas razões: em suas poucas linhas, dava um cheque em branco ao governo para este dispor, como bem entendesse, dos US$ 700 bilhões pleiteados, garantindo imunidade legal, durante dois anos, aos funcionários do Tesouro e ao seu titular nas negociações realizadas para a compra dos papéis; não contemplava nenhuma medida de auxílio à classe média nem ao mutuário inadimplente, além de não prever nenhum mecanismo de proteção do contribuinte, no qual, afinal, recairia seu ônus; não contemplava, também, nenhuma medida que limitasse a exorbitante e pornográfica remuneração dos executivos das instituições que recebessem ajuda oficial, os quais haviam sido responsáveis por essa situação. Para completar, com sua aprovação, seria elevado automaticamente o limite do teto da dívida do governo de US$ 10,6 para US$ 11,3 trilhões (75%

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do PIB), sendo que este teto já havia sido elevado em US$ 1 trilhão em decorrência da aprovação do “pacote” fiscal de US$ 152 bilhões de estímulo à economia, em janeiro de 2008, e das operações de resgate do Bear Stearns e da AIG, entre outras.60

Tecnicamente, o plano também não foi visto com bons olhos por economistas e analistas como sendo capaz de resolver o problema. Para George Soros, em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 25 de setembro61, ele era ineficaz: além de apresentar um problema de assimetria de informação, em virtude de os vendedores dos títulos saberem mais sobre eles do que os compradores (no caso, o governo), podendo, para estes, serem destinados os de pior qualidade (o “lixo”), não seria também razoável supor que colocar US$ 700 bilhões à ponta da demanda, em um mercado de US$ 11 trilhões, bastaria para deter o declínio dos preços dos imóveis, que é de fato o que deveria ser feito para dar uma solução ao problema. Para ele, “a melhor solução seria a capitalização direta das instituições que detêm papéis problemáticos, acrescentando recursos ao capital e não aos balanços”. E, também, que algo precisaria ser feito do lado da oferta, de modo a interromper a queda dos preços das casas e limitar o número de hipotecas executadas, ajustando seus termos à capacidade de pagamento dos proprietários das casas. E disso o plano, definitivamente, não tratava.

O fato é que, apesar dos argumentos empregados por Paulson de que “os títulos lastreados por hipotecas e sem liquidez estão congestionando nosso sistema financeiro e sufocando o fluxo de crédito, [precisando, por isso] serem removidos para permitir que os ativos dos bancos ganhem liquidez, que as instituições limitem seus prejuízos, levantem novo capital e voltem a emprestar” (Folha de São Paulo, 26/09), essa receita não era vista, de uma maneira geral, como solução, porque: a) se os títulos fossem adquiridos pelo preço atual de mercado (deprimido, portanto) a compra em nada ajudaria, pois com os prejuízos sancionados, as empresas reduziriam ainda o seu capital e deprimiriam o preço dos ativos; b) se os ativos fossem adquiridos por valores superiores ao preço atual do mercado - e tanto

60 Nem Bernanke e menos ainda Paulson conseguiram ser convincentes em seus argumentos sobre a necessidade da ajuda governamental, pois sempre se opuseram a esse tipo de intervenção. Paulson, inclusive, que fora presidente do Goldman Sachs, possuía um longo histórico de defender o distanciamento do Estado na economia. Ao modificar sua opinião diante da nova situação, rever conceitos e defender a abertura dos cofres públicos para salvar instituições da falência, foi visto com desconfiança por vários membros do Congresso que questionaram suas novas convicções.

61 Folha de São Paulo, 25/09/2008, p. B7.

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Paulson com Bernanke defendiam esse caminho, argumentando que com ele se estabeleceria tecnicamente “um novo preço de mercado” -, a onda de prejuízos poderia ser mitigada ou até mesmo contida, mas com um custo muito elevado para o contribuinte. De qualquer modo, permaneceriam os problemas da assimetria de informação, da baixa capitalização do sistema bancário e, do lado dos proprietários de casas, de sua incapacidade de pagamento. Visto dessa forma, o plano estaria voltado mais para levantar de novo o sistema financeiro do que para deter a queda dos preços dos imóveis, que estaria na raiz dos problemas.

Enquanto as negociações se arrastavam, os dois maiores bancos de investimentos dos EUA, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, os quais, com graus menores de alavancagem ainda conseguiam se manter em pé, solicitaram ao Fed autorização para se tornarem holding financeira, com o que, além de bancos de investimentos, passariam a operar também como instituição comercial, com acesso a fontes de financiamento mais estáveis disponíveis no banco central. Neste mesmo período, o Goldman Sachs recebeu um investimento da ordem de US$ 5 bilhões de Warren Buffet, um investidor bilionário, e conseguiu captar o mesmo montante com a venda de ações, dando um desconto de 1,64% para seus compradores. Apesar de ter conseguido tranqüilizar os investidores sobre o seu futuro com os US$ 10 bilhões obtidos, o fato de a crise ter chegado aos dois gigantes do ramo financeiro, que apresentavam menor grau de vulnerabilidade, aumentou a preocupação e a tensão dos mercados, à espera da aprovação do “pacote” de Paulson.

Contudo, apesar da gravidade da situação e do empenho de Paulson, Bernanke e Bush para tentar convencer o Congresso a aprová-lo, o plano terminou sendo rejeitado na Câmara dos Deputados, no dia 29 de setembro, por 228 votos contra 205 a favor (eram necessários 218 para sua aprovação), sendo a maioria dos que a ele se opuseram do Partido Republicano (133 votos e 95 dos democratas). Tomada novamente pelo pânico, as bolsas de valores desabaram: o índice Dow Jones caiu 777,68 pontos, ou 6,98%, na pior queda em pontos de sua história; em Paris, a queda atingiu 5,04%, 4,23% em Frankfurt, 5,3% em Londres e 4,23% na Alemanha; em São Paulo, a Bovespa despencou 9,36%, após cair 10,16% na abertura dos negócios e acionar o circuit break pela primeira vez desde

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14 de janeiro de 1999.62 No Brasil, o dólar valorizou-se 6,21% em relação ao Real, com sua cotação dando um salto para R$ 1,966.

Reagindo ao recrudescimento do pânico, o Fed decidiu dobrar para US$ 620 bilhões, através de swaps cambiais (trocas de contratos de câmbio), os recursos disponibilizados para que nove bancos centrais da Europa, Austrália, Canadá e Japão evitassem corridas contra suas moedas e aumentou para US$ 225 bilhões a oferta de crédito para os bancos. Por sua vez, a Alemanha abriu uma linha de crédito para salvar a financeira hipotecária Hypo Real State; a Islândia estatizou o banco Glitnir, o terceiro maior do país; e o governo britânico nacionalizou a carteira de hipotecas e empréstimos do Bradford&Bingley. Foram novamente medidas insuficientes para compensar os estragos produzidos pela rejeição do “pacote” e a tensão continuou a dominar os mercados, tendo o Citigroup adquirido o banco Wachovia, enquanto o Morgan Stanley, numa tentativa de salvar a própria pele, fechado a venda de 21% de seu capital para o banco Mitsubishi, do Japão, num momento de “fuga para a qualidade”, ou seja, em que os investidores se desfaziam de suas posições nos mercados de risco – inclusive na bolsa de valores – buscando a segurança dos títulos públicos.

As nuvens negras que se formaram e rapidamente avançaram sobre o sistema financeiro e a economia mundial só começaram a recuar com a hipótese levantada por líderes do Congresso de levar ao Senado a votação do “pacote”, com ajustes que viabilizassem sua aprovação. Isso significava transformar o Plano Paulson, visto mais como uma tábua de salvação para os banqueiros, em instrumento mais eficiente de combate à crise, contemplando também medidas, de um lado, que beneficiassem os proprietários de imóveis, e de outro, punitivas dos responsáveis pela orgia financeira, ou seja, dos executivos das instituições financeiras. Com essa nova perspectiva, o plano, depois de intensas negociações, terminou sendo aprovado no Senado no dia 01 de outubro (dois dias, portanto, após a sua rejeição na Câmara dos Deputados), sem despertar muito entusiasmo, e, reapresentado à Câmara dos Deputados, recebeu, no dia 03 de outubro, 263 votos favoráveis e 171 contra, tendo sido imediatamente sancionado

62 Nas bolsas de valores, o cenário de mortandade era aterrorizante no ano: até o dia 06/10, a da Rússia havia caído 60,2%; a da Turquia, 43,2%; no Brasil, 34,1%, 26,4% no México e 33,9% na Argentina; nos países desenvolvidos, as perdas acumuladas chegaram a 33,4% na França, 33,2% na Alemanha, 29,8% na Nasdaq dos EUA e 25% no índice Dow Jones e a 28,9% no Reino Unido (Cf. Bloomberg, Folha de São Paulo, 07/10/2008).

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pelo presidente Bush. Mas, à exceção da autorização que era dada ao secretário do Tesouro, Henry Paulson, para comprar títulos “podres”, seu conteúdo diferia bastante do plano original.

Suas duas páginas e meia foram transformadas em mais de 450 e, denominado “Lei de Estabilização Econômica de Emergência de 2008”, incorporou algumas demandas do Congresso e da sociedade: • ApesardemanterolimitedeatéUS$700bilhõesparaaaquisição,

pelo Tesouro, de títulos de má qualidade, liberava para uso imediato apenas US$ 250 bilhões e outros US$ 100 bilhões na dependência de o presidente dos EUA manifestar-se pela sua necessidade. Os restantes US$ 350 bilhões ficariam sob controle do Congresso que poderia retê-los caso insatisfeito com o desempenho do programa;63

• ApedidodaFDICaumentouovalordagarantiadedepósitosdeUS$ 100 mil para US$ 250 mil, visando acalmar os investidores e evitar corridas bancárias;

• Contemplouumprogramadeisençõeseincentivosfiscaisnovalorde US$ 150 bilhões para contribuintes de classe média, pequenas empresas e para investimentos em energia renovável, P&D e novos mercados, entre outros. Com isso, o custo do programa foi elevado para US$ 850 bilhões;

• Incluiu,também,medidaslimitandoaremuneraçãodosexecutivosdas companhias que participassem do programa: de um lado, proibiu a concessão de bônus milionários para os que fossem demitidos; de outro, estabeleceu aumento de impostos, como punição, para as instituições que pagassem mais de US$ 500 mil/ano aos seus diretores;

• Criou, além disso, um Conselho de Supervisão do Programa,formado pelo presidente do Fed, pelo diretor da Agência Federal de Financiamento da Habitação e pelo secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

Mesmo com a sua aprovação nestes termos, o mercado não se acalmou e no primeiro dia útil depois da mesma, ou seja, na segunda feira, dia 5 de outubro, as bolsas dos EUA e da Europa despencaram entre 8% e

63 O pacote de salvamento dos bancos recebeu o nome de “Programa de Alivio de Ativos Problemáticos” (TARP, em inglês).

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10%, enquanto a bolsa russa caía quase 10% e o pregão da Bovespa sofria dois circuit-breaks. Isso porque permanecia a convicção: a) de que o plano restringia-se a tratar da falta de liquidez, comprando ativos financeiros “podres”, quando o principal problema era de insolvência resultante da queda dos preços dos ativos e da baixa capitalização dos bancos, o que ele não enfrentava; b) de ser insuficiente, por isso, para restaurar a confiança no sistema e desbloquear os canais do crédito, num quadro em que os próprios bancos já não mais confiavam uns nos outros, provocando paralisia e congelamento do crédito interbancário; c) de que a implementação do plano levaria muito tempo, dada a complexidade das operações de alavancagem montadas pelos bancos, com o próprio Tesouro prevendo um prazo de 45 dias para pôr em prática a medida.

Aliás, os movimentos feitos pelo Fed logo após a aprovação do “pacote” foram reveladores de que não contava, de fato, com um rápido funcionamento do plano do Tesouro e de que considerava necessário adotar uma série de medidas para evitar o agravamento da situação: em primeiro lugar, anunciou a duplicação, para US$ 900 bilhões, dos leilões de linha de crédito para os bancos; em seguida, a decisão de remunerar os depósitos compulsórios dos bancos privados, reduzindo o custo final de seus empréstimos de um dia para o sistema financeiro, que caíram, com a medida, para 1,25% ao ano, abaixo da taxa básica que, à época, se encontrava em 2%; e, no dia 07 de outubro, numa ação inédita em sua história, que representava um risco para o contribuinte, de que passaria a comprar commercial papers, com o objetivo de destravar o crédito e reduzir os prejuízos para o setor produtivo, por ser esta a principal fonte de financiamento dos negócios do dia-a-dia e seus recursos terem secado, inviabilizando a renovação das dívidas pelas empresas.

Não surpreende, assim, que o “pacote” aprovado não tenha gerado os efeitos desejados e, pelo contrário, aumentado a tensão nos mercados financeiros, obrigando a adoção de novas medidas também em outros países do resto do mundo para conter o pânico: enquanto as bolsas permaneciam em trajetória de queda, vários países começaram a adotar tanto medidas preventivas contra corridas bancárias como para salvar o que restava do sistema financeiro. No dia 05 de outubro, a Alemanha anunciava a garantia total das contas bancárias do país contra uma garantia anterior que não ia além de 50 mil euros, e um novo plano de resgate do Hypo Real State, a um custo de 50 bilhões de euros, já que o anterior, com a

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participação do governo e de um consórcio de bancos, fracassara. Seguindo seus passos, Irlanda, Grécia, depois Portugal, Suécia, Áustria, Islândia e Dinamarca também anunciaram garantia total dos depósitos em contas bancárias, enquanto o Reino Unido aumentou-a de 35 mil libras para 50 mil libras. Na Itália, o banco Unicredit, o segundo maior do país, pediu 3 bilhões de euros de aporte dos investidores.

Diante da permanência do pânico, fortaleceu-se a convicção de que seria necessário ir além do plano do Tesouro americano para restaurar a confiança perdida: no dia 06 de outubro, em artigo reproduzido na Folha de São Paulo, o Financial Times dava ênfase a esse algo mais: a recapitalização do setor bancário. E apontava que “na falta de uma fila de investidores ávidos, a recapitalização ocorrerá ou por meio da conversão forçada da dívida em ações ou de governos comprando, eles mesmos, uma parte [dos bancos], ou seja, estatizando-os”.64 Foi o caminho trilhado por Gordon Brown, premiê britânico, para dar uma resposta mais eficaz à crise.

Percorrendo um caminho diferente do “pacote” norte-americano, o qual se limitava a comprar títulos “podres” dos bancos, mas neles não colocava dinheiro, o Plano Brown seguiu o script que vinha sendo sugerido por alguns economistas e analistas de “capitalizar” diretamente as instituições, de um lado, e fornecer “garantias”, de outro, para os depósitos realizados entre os bancos, visando destravar os canais do crédito: depois de quedas expressivas dos papéis do Royal Bank of Scotland (39%) e do HBOS (42%), o governo do Reino Unido anunciou, no dia 07 de outubro, um “pacote” histórico de até 50 bilhões de libras (US$ 88 bilhões) de ajuda aos cinco maiores bancos do país, para capitalizá-los, o que, na prática, estatizaria parcialmente o sistema bancário. Além da compra direta de ações dos bancos, o governo anunciou garantias de até 250 bilhões de libras de empréstimos realizados entre os bancos e a disponibilização de mais 300 bilhões de libras para estes refinanciarem suas dívidas. No mesmo dia, o governo espanhol anunciou a criação de um fundo de 30 bilhões de euros, ampliável a 50 bilhões, para a mesma finalidade, enquanto reforçavam-se medidas de outros países para mitigar o pânico: o BCE aumentou de 20 mil para 50 mil euros a garantia de depósitos nos bancos; Bélgica, Holanda e Espanha para 100 mil euros; Taiwan para US$ 92 mil; a Austrália, uma redução em um ponto percentual dos juros (de 7% para 6%); a Islândia,

64 Folha de São Paulo, 06 /10/2008.

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a nacionalização do Banco Landsbanki; a Rússia, a injeção de mais US$ 36 bilhões aos bancos, ultrapassando o montante de US$ 200 bilhões de ajuda.

O caminho tecnicamente mais eficaz percorrido pela Inglaterra, exemplo que seria seguido pela maioria das empresas européias, recebeu apoio entusiasmado, por exemplo, de Paul Krugman, então agraciado com o prêmio Nobel de Economia de 2008. No artigo “Gordon Brown foi ao cerne do problema”, publicado na Folha de São de São Paulo65, Krugman, depois de discutir as origens e natureza da crise e criticar a ingenuidade do Plano Paulson para resolvê-la, não mediria palavras para elogiar a decisão do governo britânico. Para ele, “as grandes injeções de capital nos bancos britânicos, sustentadas por garantias dos empréstimos entre os bancos, [devem] levar a uma retomada dos empréstimos bancários, uma parte crucial do mecanismo financeiro”. E que, embora ainda não pudesse afirmar que essas medidas funcionariam, não tinha dúvidas de que, finalmente, “as decisões políticas estão (...) sendo propelidas por uma visão clara quanto ao que precisa ser feito”. Numa espécie de lamento, contudo, indagava: “porque essa visão clara teve de vir de Londres, e não de Washington?”.

Apesar do maior otimismo que despertou o plano britânico e das novas perspectivas que se descortinaram com a adesão das demais economias européias à sua estratégia, os mercados, especialmente das bolsas de valores, não se animaram, porque, além da “falta de confiança” que continuava a predominar, pelo menos enquanto não fosse concluído o “pacote europeu”, uma ação coordenada, envolvendo os principais bancos centrais do mundo, anunciada no mesmo dia 08 de outubro, de redução geral das taxas de juros, sinalizava que se avizinhava um novo inimigo para a economia: a recessão.

Para mitigar seus efeitos, os EUA reduziram a prime rate de 2% para 1,5%; o Banco Central Europeu, de 4,25 para 3,75%; o Canadá, de 3% para 2,5%; Reino Unido de 5% para 4,5%; Suécia de 4,75% para 4,25%, a Suíça de 3% para 2,5% e até mesmo a China somou-se a este contingente, promovendo a segunda redução, em três semanas, cortando-a em 0,27% para 6,93%. Não obstante ter sido positiva a ação conjunta dos bancos centrais (incluindo o dos EUA), por revelar que ações globais começavam

65 Folha de São Paulo, 14/10/2008.

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a ser desenvolvidas para dar uma solução global para os problemas que a economia mundial enfrentava, as bolsas voltaram a desabar nos dias seguintes, com o índice Dow Jones fechando a semana – a pior em toda a sua história – a 8.451 pontos, o que significa uma queda de 18% em cinco dias úteis, com perdas equivalentes a US$ 2,4 trilhões. A bolsa brasileira acumulou 20% de desvalorização na mesma semana, com o Ibovespa fechando a 35.609 pontos, metade de seu pico no ano, quando o Brasil recebeu grau de investimento. Ao fim desta “semana negra”, estimava-se que as perdas acumuladas pelo conjunto das bolsas do mundo tinham somado US$ 6 trilhões, o equivalente a quase cinco vezes o PIB do Brasil.

Felizmente, esse padrão perverso combinando anúncio de “pacotes” de resgate do mercado financeiro com quedas espetaculares das bolsas de valores foi quebrado com a alta espetacular das bolsas de valores na segunda-feira, dia 13 de outubro, quando o Ibovespa subiu 14,66%, o Dow Jones cerca de 11,08%, a bolsa da Alemanha 11,40%, a de Paris, 11,18%, e a de Madrid, 10,65%. A causa aparente foi o “pacote” de resgate costurado pelos 15 países do bloco do euro no fim de semana, inspirado na proposta do governo britânico e o anúncio feito pelos EUA de que daria início imediato à compra dos papéis tóxicos, à média de US$ 40 bilhões mensais.

Entre recursos destinados à compra de ações dos bancos pelos países que a ele aderiram e os disponibilizados para garantir os empréstimos interbancários, o “pacote” europeu envolveu impressionantes valores superiores a US$ 2,5 trilhões para socorrer os mercados, contando com a participação do Reino Unido (US$ 870 bilhões), Alemanha (US$ 677 bilhões), França (US$ 490 bilhões). Holanda (US$ 272 bilhões), Espanha e Áustria (US$ 136 bilhões cada um) e Portugal (US$ 27 bilhões). Saliente-se que, com o novo “pacote”, os governos europeus romperam de fato, embora não de jure, o Acordo de Maastricht, que estabeleceu metas apertadas para o déficit fiscal por parte dos países-membro da União Européia.

No mesmo dia, o Reino Unido anunciou, pioneiramente, a estatização parcial de três bancos do país (Royal Bank of Scotland, Lloyds TBS e HBOS), tendo neles injetado 37 bilhões de libras (US$ 64,4 bilhões) em troca de ações. Em contrapartida, exigiu o congelamento da distribuição de dividendos e o cancelamento dos bônus dos executivos, além de contar

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com representação do Tesouro nas suas diretorias, enquanto mantiver sua participação acionária.66

A disponibilização de recursos ilimitados para os bancos retomarem os créditos interbancários feita pelos bancos centrais da Europa, Inglaterra e Suíça, em ação coordenada pelo Fed, visando restaurar a confiança, desempoçar a liquidez e destravar os créditos intrabancos, juntamente com as medidas de recapitalização do sistema, via compra de ações pelos governos, foi reforçada com o anúncio de adesão do governo dos EUA à estratégia do “pacote” europeu de compra de ações dos bancos: também no dia 13 de outubro, o Tesouro americano divulgaria que poderia usar US$ 250 bilhões de seu “pacote” para comprar participações em até nove bancos, como parte do plano de resgate do sistema financeiro do país. Com isso, os recursos de seu “pacote” se distribuiriam em três frentes: a) compra de ativos problemáticos (papéis “tóxicos”); b) compra de participações acionárias; e c) intervenção para impedir a falência de uma grande instituição que poderia levar a um risco sistêmico.

O plano americano de compras de ações preferenciais dos bancos destinava US$ 125 bilhões para aplicação nos nove maiores bancos do país (Citgroup, Bank of América, JPMorgan Chase e Wells Fargo, com participações de US$ 25 bilhões cada, entre outros com menores valores), que foram “forçados” pelo Tesouro a dele participar como sinal de confiança para as instituições menores, especialmente de atuação regional, mas, neste caso, sem a obrigatoriedade de sua adesão. Para as ações compradas, que poderiam ser readquiridas pelo seu valor nominal por um período de até três anos, previa uma remuneração anual de 5% nos cinco primeiros anos e de 9% depois deste período, com as ações tendo por trás uma garantia de 15% de seu valor de face no momento da emissão. As ações não dariam direito a voto nas instituições, mas os bancos seriam obrigados a remunerá-las antes da distribuição de dividendos para os acionistas. Assim como o plano britânico, proibia a criação de benefícios milionários para as saídas de executivos mais graduados, enquanto perdurasse a participação acionária

66 O pacote de resgate de 37 bilhões de libras destinado à recapitalização destes bancos não foi suficiente para retirá-los de dificuldades. O Lloyds TBS acabou se fundindo com o HBOS, com o governo britânico aumentando sua participação para 44% nessas instituições. No final de janeiro de 2009, viu-se obrigado a lançar um segundo plano de resgate do sistema bancário do Reino Unido, em que assumiria os riscos de papéis em poder das instituições em até 90% (uma espécie de “seguro” para papéis de risco), visando induzi-los a retomar os empréstimos para a “economia real”, em troca do recebimento de ações. Com o novo pacote, sua participação no RBS subiu de 58% para 70%. Caso este pacote não produzisse os efeitos esperados, começava-se a formar a convicção de que a saída poderia ser a estatização total dos grandes bancos.

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do Tesouro, e a dedução dos impostos, por estes, das verbas compensatórias que excedessem os US$ 500 mil. Já as principais diferenças referiam-se a menor participação do Tesouro nas instituições e ao fato de este não contar com diretores nos seus conselhos.

Como se desculpando pela intervenção do Estado no mercado, estatizando ainda que parcialmente e provisoriamente o sistema financeiro, Henry Paulson afirmaria não ser essa a sua “solução preferida, mas a necessária”. E o presidente Bush o justificaria como necessário para “proteger e beneficiar o povo americano, estabilizar o sistema financeiro e ajudar a economia a se recuperar”. A essa altura, a FDIC já contabilizava 117 bancos problemáticos, 15 que já haviam encerrado suas atividades, e assistia-se a uma nova corrida bancária contra o Sovereign Bancorp que, tendo perdido 9% de seus depósitos, havia concordado em ser vendido para o espanhol Santander.

De qualquer forma, a catarata de “pacotes” lançados nessa semana e de boas notícias para o salvamento do sistema financeiro trouxe novamente euforia para as bolsas de valores: na segunda-feira, dia 13 de outubro, o índice Dow Jones subiu 11,1%, praticamente o mesmo nível da Alemanha (11,4%) e da França (11,2%); na Espanha, a alta atingiu 10,65% e, no Brasil, a Bovespa fechou em 14,66%.

A recuperação das bolsas foi comemorada a jorros de champanha nos mercados de capital mundo afora, tendo alguns observadores considerado o “pacote” europeu como a medida que faltava para acalmar de vez o mercado, pondo um ponto final no clima de pânico. O ex-diretor do Banco Central do Brasil, Gustavo Loyola, declarou, por exemplo, que, utilizando munição pesada, os governos e os bancos centrais haviam finalmente conseguido “tirar o bode da sala”, de modo que o clima de pânico deveria arrefecer, com a progressiva redução da volatilidade dos mercados. O comportamento das bolsas no dia seguinte, contudo, mostrou que, se não ocorreu novo crash, tampouco a onda de otimismo teve força suficiente para que se repetisse a dose da segunda-feira, o que, por si só, significou uma ducha de água fria no mercado, que apostava na repetição de uma nova goleada nos negócios de ações.

O problema era que, apesar do otimismo momentâneo, perdurava o clima de incerteza, até porque a devastação causada por um mês de pânico desenfreado – a qual se somavam os estragos acumulados desde o estouro da bolha do mercado hipotecário subprime, em agosto de 2007 – estava

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fazendo sentir seus efeitos sobre a economia “real”, com a acumulação de tensões por parte das economias norte-americana e européia, com a contração do crédito, ampliação da fuga para a liquidez, redução do ritmo de crescimento econômico e aumento do desemprego. Com o pânico, o crédito entrou em verdadeiro colapso, contraíram-se fortemente as compras de bens de consumo, mesmo à vista, cessaram os investimentos produtivos, assistiu-se a um forte movimento de repatriação do capital e à busca da segurança dos títulos públicos, ao mesmo tempo em que se geraram expressivos desequilíbrios patrimoniais em muitas empresas não-financeiras. Isso sem falar no desequilíbrio das contas públicas, que vieram a se agravar de modo definitivo com os reiterados “pacotes” de ajuda ao sistema financeiro. O cenário que se desdobrou, portanto, foi de forte desaceleração econômica, recheado de quebra de empresas não-financeiras, redução dos movimentos de capital, queda dos investimentos, contração das correntes de comércio internacional, configurando um quadro de acentuadas oscilaçõs dos mercados. Em outras palavras, se a crise financeira parecia se amainar, um novo inimigo da economia aumentava seu fôlego para continuar mantendo em turbulência e em pânico os mercados: a recessão.67

5. O Mergulho na Recessão

Depois de um longo período de forte crescimento da economia mundial, entre 2003 e 2007, acumulavam-se fortes tensões, prenunciando períodos turbulentos, como já apontavam os indicadores do primeiro semestre das economias desenvolvidas, devido aos crescentes desequilíbrios orçamentários e externos dos EUA, aos efeitos ainda iniciais da crise do crédito subprime, à forte elevação dos preços das commodities, particularmente do petróleo, e ao repique inflacionário registrado nos países da Europa, obrigando-os a aumentar as taxas de juros. Com a transformação da crise financeira em pânico descontrolado a partir da

67 Embora vista como positiva para dar uma solução para o sistema bancário e evitar a insolvência de suas instituições, a iniciativa de recapitalização dos bancos seria insuficiente para isso pelo volume de recursos destinado para essa finalidade, já que a recessão agravou as dificuldades que enfrentavam. Embora com previsões desencontradas, o FMI estimaria, em janeiro de 2009, que seriam necessários aportes de recursos de US$ 2,2 trilhões só para os bancos americanos cobrirem as perdas com ativos “tóxicos” e mais US$ 500 milhões para o sistema se estabilizar. George Soros, por sua vez, defenderia, no Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, no final do mês de janeiro de 2009, a criação de um PROER gigante de US$ 1,5 trilhão só para a recapitalização dos bancos norte-americanos e de mais US$ 1 trilhão para as economias emergentes (Folha de São Paulo, 20/01/2009).

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queda do Lehman Brothers , na “segunda-feira negra” de 15 de setembro, a economia mundial mergulhou em tendência francamente recessiva, com o enfraquecimento e a derrubada de parte do sistema financeiro, a completa obstrução dos canais do crédito e a retirada do oxigênio da produção, dos investimentos e do consumo.

Nem mesmo as ações concertadas e as gigantescas intervenções dos bancos centrais dos países desenvolvidos haviam sido capazes, até esse momento, de devolver a confiança no mercado, destravar os canais do crédito e emitir sinais de que a atividade produtiva poderia ser protegida da crise: um empoçamento generalizado de liquidez nos bancos aparecia como o sinal mais evidente de que estes continuavam desconfiando de todos, inclusive de seus pares, e que o crédito, apesar das garantias oferecidas pelas autoridades monetárias, dificilmente fluiria para financiar a atividade produtiva, inibindo o avanço da recessão.

Uma profusão de dados negativos sobre a atividade econômica nos EUA divulgados em outubro relativos ao mês de setembro, acentuou o temor de uma recessão profunda e prolongada neste país: o nível de desemprego subira para 6,1%; as vendas de casa conheceram um declínio de 34,5%; a indústria ingressara num período de retração, registrando queda de 4% em suas encomendas e de 3,4% nas vendas das montadoras. Com as famílias americanas carregando um endividamento recorde de quase US$ 20 trilhões (140% do PIB americano), o desemprego aumentando e o mercado de crédito travado, incluindo o de commercial papers, papéis que financiam principalmente os negócios do dia-a-dia, tornava-se evidente que a crise financeira chegara, e com grande força, à “economia real”. A estes primeiros números divulgados sobre a economia americana, a euforia das bolsas de valores do dia 14 de outubro se desfez e essas ingressaram novamente num período de forte pessimismo, registrando grandes quedas em todo o mundo. Este seria, no entanto, apenas o começo de um novo processo que minaria progressivamente as expectativas do mercado, ainda atordoado pela crise financeira, sobre o futuro da economia.

Aos dados negativos da economia americana, que ainda não refletiam plenamente os estragos que estavam sendo provocados em outras frentes (declínio do setor de imóveis comerciais, aumento da inadimplência nos cartões de crédito e nos empréstimos feitos a estudantes, bem como da incapacidade crescente de fornecimento de novos empréstimos para estes pelo sistema, por exemplo), somaram-se dados ruins de outros países

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desenvolvidos sobre os números do desemprego, em setembro, indicando o avanço firme da recessão: com 8% de uma taxa de desempregados em agosto de 2008, a França havia registrado praticamente o mesmo nível de 2007, mas este piorara para o Japão (4,2% contra 3,7%), o Reino Unido (5,7% contra 5,3%), Itália (6,8% em julho de 2008 contra 6,1% em julho de 2007), Canadá (6,1% contra 6%), com a da Alemanha apresentando um pequeno recuo (7,4% em setembro de 2008 contra 8,5% no mesmo mês de 2007).

Com o temor da severidade e duração da recessão que, tudo indicava, caminhava a passos céleres, as bolsas sofreriam um novo “banho de sangue” no dia 15 de outubro, um dia após a euforia despertada pelo “pacote” europeu e americano: nos EUA, o índice Dow Jones caiu 7,87%, o S&P 9,03% e o Nasdaq 8,47%; no Reino Unido, a queda chegou a 7,16%, na França a 6,82%, na Alemanha a 6,49%, e a 7,56% na Holanda; na Argentina, o índice despencou 12,1%, enquanto, no Brasil, a Bovespa amargou perdas de 11,4%.

As más notícias sobre a recessão passaram, a partir daí, a ser divulgadas diariamente, mantendo sob forte tensão os mercados e aumentando a volatilidade das bolsas: o anúncio, no dia 25 de outubro, de que o PIB britânico encolhera 0,5% no terceiro trimestre em relação ao trimestre anterior (queda depois revista para 0,6%), o que não acontecia desde 1992, depois de um crescimento nulo no segundo semestre, foi seguido da divulgação, no dia 30, de que a economia norte-americana também conhecera uma contração de 0,3% no mesmo período (número depois revisto para -0,5%), depois de um crescimento de 2,8% no segundo. As projeções pessimistas que mantiveram atordoados os mercados de que a zona do euro entraria tecnicamente em recessão neste trimestre, terminariam sendo confirmadas, em novembro, quando a OCDE divulgou que o PIB da região encolhera 0,2% (a segunda retração em dois trimestres consecutivos), o mesmo tendo acontecido com a Alemanha (-0,5% no terceiro trimestre) e Itália (-0,5%), enquanto a França, com apenas 0,1% de crescimento, escapara dessa condição, e a Espanha, com -0,2%, passava também a integrar o conjunto de países com crescimento negativo. À zona do euro se juntaria também o Japão com a divulgação de uma contração de seu PIB de 0,1% no terceiro trimestre, após uma queda de 0,9% no

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segundo.68 De qualquer forma, as projeções feitas pela OCDE para a zona do euro só aumentariam a onda de pessimismo: segundo a instituição, o PIB da região continuaria contraindo-se nos trimestres seguintes, recuando 1% no quarto trimestre de 2008, 0,8% no primeiro de 2009 e 0,4% no segundo deste ano.

Somando à essa tendência o fato de que os governos que estavam agindo para deter e reverter a crise financeira global estariam com seus orçamentos estourados e suas dívidas consideravelmente ampliadas – projeções indicavam que o déficit orçamentário dos EUA deveria mais do que dobrar, passando de US$ 455 bilhões (3,2% do PIB) no exercício fiscal de 2007-2008 para mais de US$ 1 trilhão no de 2008-2009 mais de 6% do PIB) – e, consequentemente, sem muito poder de fogo para socorrer e sustentar a atividade produtiva, a menos que corressem o risco de alimentar as forças da inflação, o cenário de uma recessão profunda e prolongada parecia inevitável. Projeções realizadas pelo FMI no início de novembro, que se revelariam otimistas poucos dias depois, também confirmariam esse temor: para a instituição, a quase totalidade das economias desenvolvidas entraria em uma recessão com a duração mínima de um ano, prevendo para o seu conjunto, um declínio de 0,3% do produto em 2009, sendo os mais atingidos os EUA, o Reino Unido, a Alemanha e a Espanha. Também as economias emergentes deveriam ver desacelerar seu crescimento, com a taxa de expansão do PIB caindo de 6,6% em 2008 para 5,1% em 2009, mas seriam essas que ainda garantiriam um crescimento positivo para a economia mundial de 2,2% em 2009 contra 3,7% em 2008.69

Começava, aí, uma nova corrida dos governos para também deter, mas com um arsenal exaurido pelo esforço realizado para salvar o sistema financeiro, as forças da recessão: nos EUA, o Fed deu sinal verde para a elaboração de um novo “pacote” de estímulo às famílias e consumidores, estimado, inicialmente, entre US$ 150 e US$ 300 bilhões para reativar a economia e anunciou a destinação de recursos da ordem de US$ 540 bilhões para financiar a rolagem das dívidas de bancos e empresas para destravar o crédito.70 No dia 29/10, cortaria em mais 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros, passando-a de 1,5% para 1%, justificando a medida

68 Dados divulgados em janeiro de 1009 indicavam que o Japão, na verdade, já poderia ser considerado em recessão desde outubro de 2007 (Folha de São Paulo, 30/01/2009).

69 Folha de São Paulo, 07/11/2008.70 Folha de São Paulo, 21 e 22/10/2008.

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como necessária para compensar a turbulência no mercado financeiro sobre a capacidade de gastos dos domicílios e das empresas na obtenção de crédito. Este movimento foi acompanhado nos demais países europeus também com cortes mais acentuados das taxas de juros: na Inglaterra, o corte mais drástico de 1,5 ponto percentual dos últimos 27 anos, reduziu-a para 3%, no dia 06 de novembro; o Banco Central Europeu (BCE), por sua vez, promoveu um corte de mais 0,5 ponto percentual, com a taxa do bloco regional caindo de 3,75% para 3,25%.

No dia 28 de outubro, o FMI abriria uma linha de crédito de curto prazo de US$ 100 bilhões para as economias emergentes, instrumento denominado Short-term Liquidity Facility (SLF), por um prazo de três meses, renovável por até mais seis meses, à taxas de juros que variavam entre 2,9% e 4,9%, de acordo com o montante do empréstimo, visando dar condições à essas economias de intervir no mercado de câmbio, defender suas moedas e proteger a “economia real”. Numa decisão sem precedentes em sua história, dispensou o ritual de fiscalização prévia de suas contas para a assinatura de cartas de intenções, garantiu a liberação imediata dos recursos, sem as condicionalidades rotineiras, embora restringindo seu acesso a países que apresentassem solidez em suas políticas econômicas e limitando o valor do empréstimo a 500% da cota que cada um possui na instituição. Só para dar um exemplo, o Brasil, com uma cota de 3 milhões de Direitos Especiais de Saques (DES), que equivalem a US$ 4,5 bilhões, teria o direito de tomar até US$ 22,5 bilhões de empréstimos. Neste caso, em que o empréstimo representaria 500% de sua cota, a taxa de juros cobrada seria de 4,9%, a taxa máxima prevista.

Na mesma direção, o Fed disponibilizaria, no dia 29, recursos em dólares para quatro economias emergentes (Brasil, Cingapura, Coréia do Sul e México) até 30 de abril de 2009, recebendo em trocas suas moedas (swap) para dar-lhes condições de atender a demanda por dólares na crise e conter a alta da moeda americana, visando estabilizar sua cotação. Semelhante ao empréstimo do FMI, sem condicionalidades, foi disponibilizado, para o Brasil, o montante de US$ 30 bilhões para intervenções no mercado de câmbio.

Economias com as quais se contava para mitigar os efeitos da recessão nos países desenvolvidos em 2009, a preocupação de instituições como o FMI e o próprio Fed de destinar para os países emergentes ajuda, na forma de empréstimos, tinha o objetivo de fortalecer suas posições, mas o fato é

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que revelava, também, de forma clara, que estes se encontravam longe de estarem blindados contra a crise, como tanto se apregoara no seu início. Afinal, não somente em virtude da rápida desaceleração da atividade econômica e da recessão, em que ingressaram os países desenvolvidos, a demanda e os preços das commodities despencaram, enfraquecendo os níveis de produção e a principal receita de exportações das economias emergentes, como já em algumas, caso do Brasil, por exemplo, começavam a se acentuar seus desequilíbrios externos, com a também rápida redução do saldo da balança comercial e o aumento acelerado de déficits em conta-corrente e de sua vulnerabilidade externa.

Apesar dos esforços que vinham sendo realizados nessas diversas frentes, o fantasma da recessão não interrompeu sua caminhada firme pela economia americana e européia: em outubro, o desemprego nos EUA aumentou para 6,5% (contra 6,1% em setembro), com 240 mil demissões (1,2 milhão de janeiro a outubro), aumentando para 10,1 milhões o número de desocupados no país, e a expectativa era de que não seria nenhuma surpresa se esse índice atingisse 8% no final do ano. Para agravar o quadro, a indústria automobilística, padecendo dos efeitos da escassez de crédito e do enfraquecimento da demanda, começou a emitir sinais de que caminhava para uma situação de falência, caso não contasse com o socorro do governo: com queda de mais de 20% nas vendas de veículos, as montadoras ícones do capitalismo americano, a General Motors, a Ford e a Chrysler mergulharam em dificuldades, dando início a programas de férias coletivas e de demissões voluntárias nas empresas e, à semelhança do que ocorreu com o sistema financeiro, passaram a reivindicar um “pacote” de salvamento do governo de US$ 25 bilhões para conseguirem sobreviver, o que, se não ocorresse, segundo executivos da GM, representaria a destruição de 3 milhões de empregos e perda de arrecadação de US$ 156 bilhões pelo governo dos EUA. Na Europa, a situação não era muito diferente: com o recuo da atividade econômica e a forte queda das exportações, a OCDE passou a projetar um cenário de aumento de desemprego, no bloco, de 5,9% neste ano para 6,9% em 2009 e 7,2% em 2010, e de 8,6% para a zona do euro. Na mesma linha das empresas automobilística dos EUA, a européia, em apuros por causa da queda da demanda e do declínio das exportações, passou a fazer pressão no Congresso em busca de um “pacote” salvador de até US$ 50 bilhões.

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A gravidade da crise econômica tornou-se tão dramática que levou o governo da China, considerada uma das economias que menos seria afetada no processo, a aprovar, no dia 09 de novembro, um “pacote” de US$ 586 bilhões para serem aplicados nos próximos dois anos, em dez áreas (habitação popular, infra-estrutura rural, água, energia, transportes, entre outras), nele contemplando, também, cortes de impostos e abolição dos limites de empréstimos pelos bancos comerciais, visando reverter as projeções que indicavam queda do crescimento de seu produto para 9,4% em 2008 e 7,9% em 2009, já que as medidas anteriormente adotadas – três cortes nas taxas de juros, flexibilização do crédito e incentivos à compra do primeiro imóvel – não haviam surtido o efeito desejado.

Com os indicadores da economia mundial piorando progressivamente e com o arsenal de instrumentos de política econômica e de recursos governamentais esgotando-se, o espectro da deflação passou a rondar a economia dos EUA, com a divulgação, no dia 19 de novembro, de que o índice de preços ao consumidor, o CPI, em outubro, conhecera uma queda de 1%. A este dado preocupante, pelo que representava em termos de asfixia para a atividade produtiva, dada a forte retração do consumo, o Fed passou a considerar, formalmente, a possibilidade de os EUA também ingressarem, em 2009, num processo recessivo, projetando, com certo otimismo, expansão entre -0,2% e 1,1% da economia para este ano.

Mesmo que a deflação não prosperasse, como acreditava o Fed, pois sintoma de doença grave do organismo econômico e indicadora de mais desemprego, falências, calotes e queda dos preços dos ativos, ampliando o descasamento com as dívidas (passivos), o anúncio de que iniciara sua marcha, juntamente com a divulgação de dados mais preocupantes sobre o mercado de trabalho americano e sobre o aumento dos pedidos de seguro-desemprego, além de uma queda expressiva das exportações japonesas (-7,7% em relação a outubro de 2007), provocou mais estragos: a Suíça reduziu a taxa de juros em mais 1% para conter a desaceleração econômica; a China manifestou o aumento de suas preocupações com o desemprego; as bolsas voltaram a despencar, com o índice Dow Jones caindo 5,56% e as ações dos bancos Citigroup e JPMorgan Chase desvalorizando-se mais 26% e 17,9%, respectivamente, pelo receio de que perderão valor com a deflação71; o preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 50 dólares

71 Em meados de novembro, o Citigroup caminhava para se tornar uma nova vítima da crise financeira. Depois de ter anunciado que realizaria um corte de 52 mil vagas no mundo todo, em um total de 350 mil funcionários,

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pela primeira vez desde 2005; e uma corrida desenfreada de investidores buscando comprar títulos dos governos nos EUA e na Europa para fugir de riscos derrubou seus rendimentos para níveis próximos a 0%. Se faltava algum ingrediente para aumentar o clima de pavor e pânico de uma recessão mundial profunda e prolongada, ele fez sua entrada, no cenário, com os dados divulgados sobre a deflação de preços ao consumidor na economia norte-americana, confirmando os temores de que não se poderia contar com um ano feliz em 2009 e, provavelmente, nem em 2010.

Foi em meio à crescente convicção que se formava de que o quadro econômico teria se agravado consideravelmente desde a quebra do Lehman Brothers, em setembro, e de que a recessão, além de profunda seria de longa duração (no mínimo um ano e meio), que os governos de 20 países, entre desenvolvidos e emergentes, grupo denominado G2072, abrindo espaço para a participação, neste fórum, de países como o Brasil, Índia, China e Argentina, entre outros, se reuniram na Casa Branca, em Washington, para dar início às negociações em torno do que Gordon Brown, premiê britânico havia chamado, em outubro, de “fase dois” de superação da crise: “remodelação total do sistema financeiro internacional, baseada em mais transparência, mais regulação, mais cooperação internacional e numa reforma profunda do sistema bancário”.

Aberta por um jantar na Casa Branca, na noite de sexta-feira, dia 14 de novembro, a Cúpula de Washington, contudo, encerrou-se sem que nada de contundente fosse estabelecido contra a crise internacional, que avançava a passos largos, como ficou claro a partir da leitura de seus resultados, condensados no documento “Cúpula sobre os Mercados Financeiros e a Economia Mundial”, um “pacote” de 47 medidas voltadas essencialmente para aumentar a transparência e reforçar o sistema regulatório, visando melhorar a gerência financeira internacional. Dessas medidas, 28 seriam discutidas e eventualmente implementadas até 31 de março de 2009, enquanto 19 seriam ações de médio prazo, sem data para implementação.

Reunindo críticos mais ácidos do livre mercado, como o presidente Sarkozy, da França, que alimentava, também, a expectativa de que

contabilizar um prejuízo de US$ 2,8 bilhões no terceiro trimestre e ver suas ações despencarem 60% em apenas uma semana (e 80% desde a queda do Lehman Brothers), parecia não restar-lhe alternativa senão a de desfazer-se (vender) algumas de suas unidades ou fundir-se com outra instituição financeira (Cf. Folha de São Paulo, 18 e 22/11/2008).

72 O G20 responde por 85% da economia mundial e por dois terços da população do planeta (Cf. Folha de São Paulo, 16/11/2008).

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a hegemonia americana seria questionada e discutida no encontro e eventualmente compartilhada numa “nova ordem”, e líderes de outros países, como os EUA, a Inglaterra e até mesmo da China, temerosos de se avançar numa regulamentação excessiva e enfraquecer ou mesmo destruir o princípio à inovação do capitalismo, a primeira reunião da cúpula esteve longe de estabelecer o formato de uma nova ordem internacional, como anunciara Brown e pretendia Sarkozy, mas, mantendo o compromisso com o livre comércio (inclusive com o apoio do Brasil), restringiu-se a elencar, entre as medidas acordadas, a criação de melhores condições para aprimorar a regulamentação do sistema financeiro, contando com uma maior cooperação internacional e com a revisão e ampliação das áreas de atuação do FMI e do Banco Mundial (BIRD).

Assim, novas regras para elevar o nível de transparência no mercado, verificar melhor os critérios para o pagamento de salários e compensações a executivos dos bancos, aumentar a fiscalização de suas operações e balanços e também da atuação das agências de classificação de riscos, somaram-se a outras medidas de maior cooperação internacional e de fortalecimento das instituições mencionadas para exercer este papel, tais como: respeitando a soberania de cada país, a montagem de um “Colegiado de Supervisores” para dividir entre si informações sobre instituições financeiras globais e para elaborar um planejamento para harmonizar suas regras; a suspensão, por um prazo mínimo de um ano, de criação de qualquer nova barreira comercial, como forma de estimular as transações comerciais entre os países; o compromisso de retomada das negociações comerciais da Rodada Doha, paralisadas por falta de acordo em torno de alguns pontos mais complexos; e a revisão e ampliação do papel do FMI e BIRD, com aumento da representação e do poder de voto das economias emergentes nessas instituições.

A vitória do capitalismo de livre mercado, que, assim, escapou incólume de críticas dos presentes, sugeriu verdadeiro distanciamento dos líderes da maioria dos países mais ricos em relação à dura realidade da crise, que tornou claro, de um momento para o outro, o caráter desestabilizador das forças de mercado. Poucas semanas após Ben Benanke, o competente presidente do Fed, ter reconhecido o fracasso das medidas monetárias para estancar a crise e evitar o pior, esses líderes ainda apostavam na regulamentação das atividades financeiras e no livre comércio, como se fosse possível refrear as ondas de choque da crise com leis, decretos e palavras encorajadoras.

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É claro que, em razão da ausência do presidente eleito, mas ainda não empossado dos Estados Unidos, Barak Obama, não se poderia esperar muito da Cúpula; todavia, a crise não iria esperar até o dia 20 de janeiro, quando George W. Bush entregaria o poder ao seu sucessor democrata, e muito ainda poderia ser feito até lá, a começar pela institucionalização definitiva das operações de swaps cambiais, através das quais o Fed vinha disponibilizando dólares para que os países sustentassem suas moedas, evitando o seu colapso. Não fora por essa medida e certamente as desvalorizações cambiais teriam sido muito mais dramáticas, o que teria agravado em muito o quadro econômico, já crítico. De mais a mais, os chefes de estado reunidos poderiam ter costurado um “pacote” de medidas fiscais, reforçando o que fez a China de forma isolada, reduzindo tributos e, principalmente, aumentando o gasto público.

O conservadorismo dos presentes, contudo, impediu qualquer avanço mais significativo, sendo sintomático o compromisso de se manter o livre comércio por mais um ano, antes de se reexaminar a questão. Por parte dos países largamente dependentes das exportações, como no caso da Alemanha, da Coréia e da China, a medida seria favorável, mas para os Estados Unidos e outros países, como o Brasil, ela representaria verdadeiro tiro no pé, visto que a opção por um aumento das tarifas alfandegárias poderia ampliar o seu mercado interno, contribuindo para a recuperação econômica e para a redução do desemprego. Não foi sem motivo, aliás, que o presidente Obama havia deixado claro, dias antes, que protegeria a indústria automobilística norte-americana da concorrência estrangeira, de forma a viabilizar seu programa de socorro da GM e demais montadoras.

Na sua miopia ideológica, os economistas conservadores têm apontado as políticas protecionistas implementadas por diversos países, na década de 1930, como uma das principais causas da Grande Depressão. Essas políticas, que efetivamente se traduziram na exportação da recessão e do desemprego para os vizinhos, teriam resultado na queda da atividade econômica em todas as economias. Uma análise mais cuidadosa da Depressão, contudo, mostraria que, embora o aumento do protecionismo possa ter contribuído, de fato, para aprofundar a crise econômica, foram, antes dele, o colapso das expectativas, a atitude dos bancos centrais, que evitaram socorrer os bancos em processo falimentar, a aderência, por parte dos governos, ao equilíbrio orçamentário e ao não intervencionismo, os principais responsáveis pela Depressão. Mais do que isso, a recuperação econômica, a partir de 1933, e

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a superação do quadro recessivo, ocorreram num quadro eminentemente protecionista, sem que o livre comércio desempenhasse qualquer papel.73

A próxima reunião da cúpula do G20 marcada para abril de 2009 prometia avançar sobre vários pontos que foram tratados na primeira, mas dela não se podia esperar amarras mais rígidas ao funcionamento dos mercados e maiores avanços em direção a uma nova Bretton Woods, com os EUA compartilhando sua hegemonia com outros países, como pretendia Sarkozy. Assim também como dela não era possível esperar solução para a crise atual, que, tudo indicava, continuaria avançando por um bom tempo, mas apenas a adoção de medidas, como as que foram agendadas, para evitar ou mitigar os efeitos de uma próxima crise causada pelo desvario do mercado, que viesse a se instalar no capitalismo, por falta de regulamentação.

Na semana seguinte ao término da reunião da cúpula, os EUA ainda desembolsariam mais recursos para salvar o Citigroup: no dia 24 anunciaria a injeção de mais US$ 20 bilhões no banco e se comprometeria a honrar papéis “podres” da instituição até o valor de US$ 306 bilhões. Como já realizara um aporte de capital de US$ 25 bilhões em outubro, o governo norte-americano passou a deter 7,8% de suas ações. Além das ações, ao se comprometer a garantir a banda “podre” do banco, passou a ter também o direito de controle sobre os bônus de seus executivos e sobre o pagamento de dividendos aos seus acionistas. Como resultado dessa negociação, as ações do Citi dispararam no dia, dando um salto de 60% e transmitindo euforia para as bolsas do resto do mundo, mas eram poucos os analistas que arriscavam a apostar que o pesadelo na esfera financeira começava a chegar ao final, acreditando ser mais razoável esperar que novas intervenções e socorros continuassem sendo necessários para manter o sistema “de pé”.74 O que não demorou a ocorrer.

No dia seguinte (25/11), o governo anunciaria um novo megapacote de US$ 800 bilhões com o objetivo de estancar a queda do preço dos imóveis e descongelar o crédito. Deste total, US$ 200 bilhões seriam

73 Aliás, também a recuperação econômica da Europa no pós-guerra ocorreu, até meados da década de 1950, num contexto de protecionismo, para não falar em conversibilidade restrita das moedas.

74 Especificamente em relação ao Citigroup esse socorro não seria suficiente para retirá-lo de dificuldades, como apontava a maioria dos analistas: em fevereiro de 2009, após confirmar ter incorrido em prejuízos equivalentes a US$ 27,7 bilhões em 2008, o governo teria de destinar-lhe mais um pacote salvador, aumentando sua participação no banco para 36%, sinalizando que uma estatização total poderia ser necessária, para sensaboria dos defensores do livre mercado (O Globo, 27/02/2009).

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destinados para as instituições financeiras com papéis baseados em títulos de dívidas de consumo, como financiamento de carros, dívidas de cartão e financiamento estudantil; até US$ 500 bilhões para comprar títulos lastreados em hipotecas garantidas pela Fannie Mae, Freddie Mac e Ginnie Mae; e outros US$ 100 bilhões para comprar dívidas novas dessas instituições. O novo “pacote”, que vinha sendo elaborado desde que a recessão deixou de ser uma hipótese, podia ser considerado como o reconhecimento de que a estratégia anterior de mera injeção de liquidez e de compra de participações acionárias nos bancos, não estava gerando os efeitos desejados de refrear/debelar a crise. Ao dar fôlego às empresas para renegociar dívidas de mutuários inadimplentes e reforçar o seu caixa para comercializar os imóveis desocupados, com este “pacote” o governo buscou atingir o alvo certo: o de brecar a continuidade da queda dos preços dos imóveis, o que, para muitos analistas, estaria na raiz dos problemas, e, ao mesmo tempo, fortalecer e abrir os canais do crédito da economia.

Com mais essas duas intervenções, que impressionaram pelo volume de recursos envolvidos, a estimativa era de que o total de dinheiro público gasto ou comprometido com as operações de resgate nos EUA já alcançava, nessa época, US$ 5,4 trilhões (quase 40% do PIB americano), ou quase três vezes o que o país gastou com a Segunda Guerra Mundial (US$ 2 trilhões atualizados). Gastos impressionantes que, justificados para salvar a economia da dramática situação em que se encontrava, indicavam a cobrança de um preço bem alto mais à frente, com mais impostos, mais inflação e juros mais elevados para garantir o financiamento dos desequilíbrios orçamentários gerados e do aumento da dívida pública.

O otimismo dos mercados ainda terminou recebendo também o reforço, nestes mesmos dias, do “pacote” de estímulos de US$ 30 bilhões anunciado pelo governo britânico para enfrentar a recessão, projetada entre -0,75% e -1,25% em 2009. O “pacote” incluiu redução do imposto do consumo até 2009, ajuda aos proprietários de casas em dificuldades e aumento do auxílio para aposentados e pequenas empresas. Para financiar parte dessas medidas, contemplou o aumento de impostos da classe média alta (ganhos superiores a US$ 230 mil no ano) de 40% para 45% e elevação dos tributos incidentes sobre cigarro e álcool. Ainda assim, à semelhança dos EUA, projetava-se que o déficit orçamentário poderia chegar, em 2010, a cerca de 8% do PIB. Um nível que tornou qualquer veleidade o enquadramento do país no Tratado de Maastricht – que deixou

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de ter qualquer importância nessa conjuntura -, tornando-se, na verdade, verdadeiro entrave ao combate à crise econômica.75

De fato, com o mesmo objetivo de estimular a economia dos 27 países que integram a União Européia, o órgão executivo deste bloco econômico, a Comissão Européia, anunciou, no dia 26 de novembro, um “pacote” de 200 bilhões de euros para tentar reduzir a duração e a profundidade da crise, com medidas que incluíam incentivos fiscais, aumento do crédito a empresas e benefícios sociais. O plano previa que cada país do bloco deveria contribuir com 1,2% de seu PIB, totalizando 170 bilhões de euros, com os 30 bilhões restantes saindo do orçamento comunitário e do Banco Europeu de Investimentos (BEI), com a expectativa de que o “pacote” fosse aprovado na reunião de cúpula da Comunidade Européia marcada para os dias 11 e 12 de dezembro.76

No mesmo dia, a China, que à semelhança do Brasil, acreditava-se blindada contra a crise, promoveu um novo corte de 1,08 ponto percentual na taxa básica de juros, reduzindo-a de 6,66% para 5,58%, preocupada com o risco crescente de uma deflação e de uma desaceleração e com as novas projeções que reduziram o crescimento de sua economia para apenas 7% em 2009.

Mesmo com o anúncio de todos esses “pacotes” e medidas salvadoras, as projeções do crescimento mundial em 2009 só tenderam a piorar: em relação às previsões mais otimistas do FMI, relatório elaborado e distribuído entre os 375 maiores bancos de 70 países que integram o Instituto de Finanças Internacionais (IIF), em novembro, indicava um crescimento de apenas 0,5% da economia mundial, garantido pela expansão das economias emergentes, de 4,5%, compensando a recessão nos países desenvolvidos (contração de 0,6%), com o PIB dos EUA conhecendo uma queda de 0,8%, o da zona do euro de 0,5% e o do Japão de 0,3%;77 relatório da ONU, divulgado no dia 01 de dezembro, daria cores ainda

75 Para as novas duas intervenções do governo americano e o pacote britânico, ver Folha São Paulo, 25 e 26 de novembro, de onde também foram extraídos vários dos dados utilizados.

76 O pacote terminou, de fato, sendo aprovado no dia 12 de dezembro na reunião da União Européia, apesar das resistências que vinham sendo colocadas pela Alemanha, com o objetivo de estimular a demanda, agilizar o crédito e socorrer o sistema bancário. Da cota de 1,2% do PIB prevista para cada país, acordou-se que cada um teria a liberdade para optar pela fórmula que considerasse melhor, como já havia sido antecipado, por exemplo, pelo governo britânico, embora se esperasse que com o pacote fosse criada uma ação coordenada contra a crise. Em balanço feito na reunião, estimava-se que os “pacotes” já anunciados pelos países do bloco haviam chegado a 0,8% do PIB, ainda abaixo da meta de 1,2% estabelecida.

77 Folha de São Paulo, 30/11/2008.

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mais dramáticas ao desempenho da economia mundial em 2009, com três cenários distintos: apenas no cenário otimista, que previa a coordenação na aplicação de “pacotes” de estímulo econômico entre 1,5% e 2% do PIB, novos cortes de taxas de juros e a normalização dos mercados financeiros em um prazo de até nove meses, considerava-se que a economia mundial poderia ter um crescimento de 1,6% (5,1% nas economias emergentes e 0,2% nas avançadas, embora com queda de 0,5% do PIB americano); no cenário básico, que pressupunha a volta à normalidade dos mercados financeiros no mesmo prazo (nove meses) e o anúncio de novos “pacotes” de estímulo à economia, o crescimento global cairia para 1% (...); no cenário pessimista, com as hipóteses de manutenção da turbulência nos mercados financeiros mundiais e de um declínio ainda maior na concessão de empréstimos nos países desenvolvidos, além de uma crise de confiança prolongada na economia global, as projeções eram desalentadoras: contração de 0,4% na economia mundial, com queda de 1,5% nos países desenvolvidos, e declínio de 1,9% do PIB dos EUA, 1,5% na zona do euro e de 0,6% no do Japão78, e crescimento de apenas 2,7% dos emergentes, com o Brasil podendo crescer, neste cenário, apenas 0,5%.79

Se faltavam mais ingredientes para aumentar o pessimismo sobre os horizontes da recessão na economia norte-americana e nos países desenvolvidos, o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica (NBER), dos EUA, se encarregaria de providenciá-los, ao divulgar, no início de dezembro que, ao contrário do que pensava a maioria dos analistas, o país havia ingressado numa trajetória de recessão desde dezembro de 2007. Responsável oficialmente por determinar quando o país entra em recessão e também quando esta termina, para o NBER o que os economistas consideram como fator determinante da configuração de uma recessão, a queda do PIB por dois trimestres consecutivos, representa apenas um dos indicadores a ser levado em conta nessa avaliação, devendo-se a ele adicionar o comportamento do nível de emprego, da produção industrial, das receitas e vendas da indústria e do comércio. Considerando, portanto, a evolução do conjunto desses indicadores, para o NBER o período de

78 Em dezembro, acompanhando a onda geral, o Japão anunciaria mais um pacote – o terceiro desde agosto – de 23 trilhões de ienes (ou de US$ 225 bilhões) para aumentar a criação de emprego, encorajar os empréstimos e injetar capital nos mercados financeiros. Somados, o novo pacote com o de 27 trilhões de ienes (US$ 295 bilhões) lançado em outubro e o de 11,5 trilhões de ienes (US$ 126 bilhões), de agosto, totalizavam uma intervenção do governo de cerca de US$ 670 bilhões para mitigar os efeitos da crise e da recessão que já se instalava no país.

79 Folha de São Paulo, 01/12/2008.

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expansão da economia norte-americana, que se iniciou em novembro de 2001, teria se encerrado em dezembro de 2007 (73 meses de duração), com a recessão se instalando, no país, a partir de janeiro de 2008, apesar da continuidade do crescimento positivo do PIB. A favor de seu argumento, indicou a perda, nos EUA, de 1,2 milhão de postos de trabalho ao longo do ano para confirmar o fenômeno da recessão. Independentemente dessa visão peculiar da configuração do cenário de recessão e das críticas de vários economistas à metodologia utilizada pelo NBER, considerando que apenas no terceiro trimestre do ano a economia americana conhecera uma contração do PIB vis-à-vis o trimestre anterior, a divulgação do fato foi suficiente para produzir uma nova rodada de quedas significativas nas bolsas de valores do mundo, com o índice Dow Jones caindo 7,7% no dia 01 de dezembro.

A reação das autoridades econômicas do mundo que se seguiu a essa constatação, com o objetivo de mitigar a profundidade da recessão, traduziu-se, de um lado, no aumento de novos cortes das taxas de juros, e, de outro, na ampliação dos “pacotes” de estímulo à economia, mas a verdade é que essas iniciativas, apesar de importantes, continuavam mostrando-se insuficientes e já esbarrando em seus limites para restaurar a liquidez e a confiança dos agentes econômicos nos funcionamento dos mercados: com a prime rate em 1%, o Fed acenaria com a possibilidade de promover nova redução dessa taxa, mas como, na prática, essa já se encontrava próxima de 0%, devido à inundação de liquidez da economia, sem resultados importantes, a política monetária norte-americana caminhava – se já não se encontrava – para ser presa nas teias da “armadilha da liquidez”, incapaz de produzir efeitos; situação em que permanecia o Japão, com uma taxa de juros de 0,3%, a qual acabou sendo mantida pelo governo; alguns países da Europa promoveriam, por sua vez, um novo corte recorde dos juros: o Banco Central Europeu (BCE) reduziu a taxa de 3,25% para 2,5%, o maior corte de sua história de dez anos; o Reino Unido de 3% para 2%, o nível mais baixo desde 1951; a Suécia de 3,75% para 2% e a Dinamarca de 5% para 4,25%; o mesmo caminho também seguido pelo Banco da Austrália, que reduziu sua taxa pelo quarto mês consecutivo, de 5,25% para 4,25%.80 Parecia evidente, contudo, que os bancos centrais começavam a esgotar seu

80 Folha de São Paulo, 03/12/2008 e 05/12/2008.

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arsenal de medidas para minorar/reverter a crise econômica e a ficar sem munição para colher melhores resultados.

Em outra direção, a França, ante a falta de respostas do sistema aos cortes de juros e à injeção de liquidez, anunciou um novo “pacote” de 26 bilhões de euros (US$ 80 bilhões) de estímulo à economia, contemplando empréstimos para a indústria automotiva (1 bilhão de euros), investimentos em obras de infra-estrutura (1 bilhão de euros) e concessão de créditos e isenções fiscais (11,5 bilhões de euros) para reativar o consumo e a produção. Para Sarkozy, presidente francês, a resposta mais adequada à essa crise “é com mais investimentos”.81 Além disso, no dia 15 de dezembro, a França se tornaria o primeiro país a fornecer garantias de crédito para as instituições financeiras das montadoras, oferecendo um “pacote” de 779 milhões de euros para serem divididos entre a Renault e a Peugeot.82.83

Apesar de todos estes “pacotes”, a crise continuou avançando e produzindo resultados ainda mais dramáticos: nos EUA, números confirmados pelas estatísticas do governo indicavam demissões de 284 mil trabalhadores em setembro, 320 mil em outubro, 584 mil em novembro e 524 mil em dezembro (número depois revisto para 681 mil pelo Departamento de Trabalho dos EUA), com a taxa de desemprego atingindo 7,2% neste mês, totalizando a perda de 1,7 milhão de vagas em apenas quatro meses e uma legião de desempregados que ultrapassava a casa de 11 milhões;84 a ajuda às montadoras GM, Ford e Chrysler emperrou no Congresso, devido principalmente à oposição de membros do Partido Republicano, em torno de desacordos sobre os projetos de reestruturação da indústria no longo prazo e de garantias contra acréscimos futuros à ajuda governamental, o que poderia agravar ainda mais o quadro de desemprego, caso não se chegasse a um acordo a tempo de salvar principalmente a

81 Folha de São Paulo, 05/12/2008. 82 Folha de São Paulo, 16/12/2008. Da mesma forma, a Argentina anunciaria um pacote emergencial de 13,2

bilhões de peso (R$ 9,3 bilhões) em linhas de crédito para a indústria, comércio exterior e consumo de veículos e eletrodomésticos, após ter realizado uma moratória da dívida fiscal, reduzido os impostos para repatriação de capitais e encargos sociais em novas contratações de emprego. E, no dia 15 de dezembro, anunciaria um novo pacote de 111 bilhões de pesos (13% do PIB), contemplando investimentos em energia, transporte e habitação, que incluía obras que já estavam previstas no orçamento

83 Folha de São Paulo, 16/12/2008.84 A este contingente se somariam, em janeiro de 2009, mais 655 mil trabalhadores, elevando a taxa de desemprego

para 7,6% (a maior em 16 anos), e mais 651 mil em fevereiro, com a taxa de desemprego saltando para 8,1%, totalizando a perda de 4,4 milhões de postos de trabalho desde dezembro de 2007, considerado oficialmente o mês em que os EUA entraram em recessão.

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GM e a Chrysler de um processo de concordata;85 na Europa, a Itália ingressou no grupo dos países tecnicamente considerados em recessão, ao registrar queda de 0,5% do PIB no terceiro trimestre em comparação com o trimestre anterior, depois de este ter conhecido um declínio de 0,4% no segundo; na França, mesmo sem o país ter entrado oficialmente em recessão, a produção industrial caiu 2,7% em outubro em comparação com setembro, queda puxada principalmente pelo setor automotivo; e na China, a divulgação de dados de queda das exportações e das importações em novembro e de desaceleração da produção industrial, o que levou à revisão de expansão do PIB para algo entre 5 e 6%, representou uma “ducha fria” para os que contavam com a contribuição deste país, entre outros emergentes, para aliviar a recessão global.86

85 O pacote de ajuda reivindicado pelas montadoras evoluiu de um pedido inicial de US$ 25 bilhões de linhas de crédito para US$ 34 bilhões, que seriam distribuídos entre a GM (US$ 18 bilhões), a Ford (US$ 9 bilhões) e a Chrysler (US$ 6 bilhões). A GM e a Chrysler, no entanto, enfrentando problemas de caixa para manter suas operações, necessitavam de aportes de curto prazo, sob o risco de terem de pedir concordata. A resistência do Congresso à ajuda solicitada arrastou as negociações, as quais acabaram gerando a exigência de apresentação de um plano de reestruturação das empresas e de garantias do empréstimo recebido com ações das companhias. No final, acordou-se, apesar da oposição republicana, um empréstimo de curto prazo de US$ 14 bilhões para a GM e a Chrysler, que enfrentavam maiores dificuldades, condicionando-se empréstimos adicionais no futuro à apresentação pelas empresas de um plano de reestruturação de longo prazo que fosse considerado sustentável pelo governo. Aprovado na Câmara dos Deputados (270 a favor e 130 contra), o acordo não passou na primeira tentativa, no entanto, no Senado, onde os democratas não dispunham de representantes suficientes para garantir sua aprovação, diante da oposição republicana, por motivos práticos (maiores garantias de que as empresas conseguiriam se reestruturar) e ideológicos (temor de avanço da intervenção do governo na economia) apesar dos apelos do presidente George Bush, cujo mandato se encerrava, e do presidente que estava para assumir, Barack Obama, temerosos de que, se não concedido o socorro, projetavam-se perdas de 2 milhões de empregos, o que deu origem a novas ondas de turbulência no mundo financeiro e dos negócios. Reagindo à decisão do Senado, Bush sinalizou que poderia liberar o dinheiro para impedir o colapso das montadoras por meio dos fundos do Tarp, como passou a ser chamado o pacote de US$ 700 bilhões aprovado pelo Congresso para o resgate do sistema financeiro norte-americano. Mas, para isso, teria de contar com a aprovação do Congresso para liberar a segunda metade (US$ 350 bilhões) das verbas do Tarp, já que restavam apenas US$ 15 bilhões da primeira parte. Essa ajuda terminou sendo reduzida para US$ 13,4 bilhões, que foi anunciada no dia 19/12, acenando-se com mais US$ 4 bilhões em fevereiro quando seria liberada a segunda parte do Tarp. Como contrapartida, as empresas teriam de apresentar um plano viável de reestruturação em um prazo de três meses e oferecer garantias dos empréstimos com ações preferenciais. No final de dezembro, a financeira da GM, em acordo com o FED, seria transformada em holding bancária e receberia injeção de US$ 5 bilhões do Tesouro, com os recursos do Tarp (em troca de ações), passando, nessa condição, a ter acesso às linhas de financiamento do FED a taxas mais baixas.

86 No mesmo mês de novembro, as vendas de carro na China caíram 14,6% na comparação com o mesmo mês de 2007, enquanto as vendas do varejo desaceleraram, aumentando apenas 20,8%, a menor expansão em nove meses. Para agravar a situação, a produção industrial chinesa cresceu apenas 5,5% no mês (o pior resultado desde 1999), levando o FMI a rever suas projeções de crescimento do PIB do país para 5-6% em 2009.

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6. 100 Dias de Pânico

A poucos dias do Natal de 2008, cem dias após a quebra do Lehman Brothers, o cenário da economia mundial era desolador, com a recessão, especialmente nos países desenvolvidos, se aprofundando, apesar de todos os “pacotes” salvadores lançados pelos governos que levaram, praticamente, ao esgotamento de seu arsenal anticrise tradicional. Injeções de liquidez, acompanhadas de expressivas reduções nas taxas de juros e de programas de estímulo à economia, nos moldes keynesianos, apesar de importantes para “aliviar” a crise, não se haviam revelado suficientes para detê-la e restaurar a confiança dos agentes econômicos no funcionamento dos mercados e na recuperação do crédito para a retomada do consumo, do investimento e do emprego. Com todas as medidas convencionais tendo sido adotadas pelos governos, a recuperação passava a depender da reação do mercado, mas o tempo que levaria para que isso viesse a ocorrer permanecia uma incógnita para a maioria dos analistas, dada a profundidade da crise, que implicou a queima de uma grande proporção da riqueza financeira, e abalou os alicerces do sistema financeiro internacional, contaminando, com rapidez, a “economia real”.

Ainda assim, o Fed, com o objetivo de afastar o temor do fenômeno da “estagdeflação”, que se acentuaria com um novo recuo de 1,7%, em novembro, do índice de preços ao consumidor, o CPI, após a queda de 1% em outubro, esgotaria uma das últimas munições de seu arsenal de política monetária anticrise, ao reduzir, no dia 16/12, a taxa básica do país de 1% para uma banda flutuando entre 0% e 0,25% e cortar, de quebra, a taxa de redesconto em 0,75%, reduzindo-a para 0,5%. Com redução da federal funds rate para este nível, o juro real básico americano ficou abaixo das taxas de vários países também com juros negativos (Rússia, Japão, Reino Unido, por exemplo) e esgotou-se como instrumento de intervenção do Fed, a mesma situação em que se encontrava o seu instrumento de injeção de liquidez, já que, desde setembro, o banco já emitira cerca de US$ 1,1 trilhão para irrigar a economia. Não sem razão, o presidente eleito, Barack Obama, reconheceria que “[esgotamos] a munição tradicional usada numa recessão, que é baixar as taxas de juros”, já que essas atingiram “o ponto mais baixo a que podem chegar”.87 O governo japonês, por sua

87 Folha de São Paulo, 17/12/2008.

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vez, projetando um cenário de agravamento da recessão no país, também reduziria, poucos dias depois, a taxa de juros de 0,3% para 0,1% e anunciaria um aumento da compra de títulos públicos de 1,2 para 1,4 trilhão de ienes, além da aquisição temporária de commercial papers.88 E a China, crescentemente preocupada com a recessão e a deflação, promoveria também, no dia 22/12, um novo corte de 0,27 ponto percentual na taxa de juros (o 5º. desde outubro), reduzindo-a de 5,58% para 5,31%, depois de ver suas exportações caírem 26,7% em novembro e aumentar o temor do desemprego.89

Reconhecendo a exaustão dos instrumentos convencionais de política econômica, o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, sinalizaria a interrupção de cortes das taxa de juros da instituição, considerando que o nível em que se encontravam (2,5%) indicava seu limite, e que caberia, daqui para frente, buscar tornar operacionais as medidas que já haviam sido adotadas.90 Inundada de “pacotes” convencionais e keynesianos, a recessão nos países desenvolvidos tornara-se, assim, uma realidade irremediável.

De uma maneira geral, prognósticos partidos de instituições internacionais (FMI, ONU) e de institutos de pesquisa, baseados em modelos matemáticos e na experiência extraída de crises anteriores, apontavam a duração da crise entre um ano e um ano e meio, com a recuperação podendo se iniciar no segundo semestre de 2009, ou, com pessimismo, no primeiro de 2010. Tratava-se, no entanto, de projeções que não contemplavam aspectos específicos da crise atual, que a diferenciava das ocorridas nas décadas anteriores.

Isso porque, de um lado, as perdas de crédito pelo sistema bancário atingiam níveis inusitados e impressionantes estimados em US$ 2 trilhões, exigindo a rápida recapitalização das instituições financeiras - ainda submetidas a um processo de forte desalavancagem, indicando que ainda

88 O Globo. Rio de Janeiro, 20/12/2008.89 O processo de redução das taxas de juros como um dos antídotos da crise não seria interrompido mesmo diante da

crescente percepção de que se conduzia a política monetária para uma verdadeira armadilha: no dia 08 de janeiro de 2009, o banco central britânico promoveria uma nova redução de sua taxa de 2% para 1,5% e, no dia 06 de fevereiro, para 1%; na mesma direção continuaram a seguir diversos países, como China, Índia, Coréia do Sul, entre outros, enrijecendo a política monetária como instrumento de intervenção do governo.

90 Ainda assim, o BCE reduziria, no dia 15 de janeiro de 2009, a taxa de juro em mais 0,5 ponto percentual, diminuindo-a para 2%. E, em 05 de março, para 1,5%, diante da perspectiva de que a economia da zona do euro poderia encolher mais de 3% em 2009. O mesmo caminho seria seguido pelo Banco Central Inglês, que cortaria os juros em mais 0,5 ponto percentual, reduzindo-os para 0,5%, ao mesmo tempo que anunciaria uma nova injeção de recursos da ordem de 75 bilhões de libras na economia, por meio da compra de títulos do governo e de empresas, com o objetivo de estimular a atividade econômica.

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poderiam ocorrer novas quebras no sistema -, sob pena da compressão do crédito se tornar ainda maior e acabar de asfixiar o consumo e o investimento, paralisando a produção. Apesar de todas as medidas adotadas pelos governos, da injeção de liquidez à compra acionária de bancos e à redução dos juros, a ponto destes instrumentos perderem efetividade, o sistema financeiro não dera mostras de se reerguer até o final de 2008, obrigando os governos a substituí-lo também neste papel, com limites óbvios para sua sustentação.

O colapso do crédito para o consumo e o investimento, crescentemente dependentes dos bancos centrais e públicos, limitados nessas funções nas últimas décadas, em razão das reformas pró-mercados, obrigou os governos, em geral, a adotar políticas fiscais expansionistas de resgate de investidores, devedores e credores, alimentando a expansão dos déficits e da dívida pública, muito além do recomendado pela cartilha da responsabilidade fiscal, e que poderão se traduzir, mais à frente, em mais impostos e menos gastos. Considerando apenas o caso dos EUA, cujo governo despejou mais de US$ 7 trilhões de “pacotes” salvadores na economia, o déficit previsto para os próximos dois anos ultrapassava a casa de US$ 1 trilhão, algo próximo de 7% do PIB ((número revisto já sob a administração de Barack Obama para US$ 1,75 trilhão, superior a 10% do PIB), enquanto o estoque de sua dívida caminhava, seguramente, para aproximar-se ou igualar-se ao valor do PIB.91

Apesar disso, a perda de vigor do consumo e do investimento, derrubando a produção, indicava que a economia poderia se defrontar com o fenômeno da deflação, que já emitira sinais de vida na economia norte-americana em outubro e novembro e na queda praticamente generalizada dos níveis de preços na economia mundial92, alimentada também pela queda dos

91 Diante da progressiva deterioração das condições da economia norte-americana no final do ano, o presidente eleito, Barack Obama, anunciaria um aumento expressivo do pacote de estímulo a economia, em estudo por sua equipe econômica, para algo em torno de US$ 675 a US$ 775 bilhões para serem gastos em dois anos, uma vez aprovado pelo Congresso, com o objetivo de gerar três milhões de emprego e não mais 2,5 milhões como divulgado em novembro. Para o vice-presidente eleito, Joe Biden, este aumento devia-se ao fato de que “a economia está em condições muito piores do que pensávamos”. Os recursos seriam destinados para a ajuda a desempregados e trabalhadores de baixa renda e para investimentos em educação, energia, saúde e infra-estrutura. (Cf. Folha de São Paulo, 22/12/2008). Um reflexo dessa situação de progressiva deterioração da economia norte-americana podia ser visto na demanda por socorro financeiro do governo que começou a ser feito neste final de ano pelo setor de construção civil, seguindo a trilha aberta pela indústria automobilística, para manter-se em pé.

92 Na área do euro, registrou-se queda de 0,5%, em novembro, na inflação anual, que foi reduzida para 2,1%. No Japão, os preços ao consumidor diminuíram de 2,4% em julho para 1,7% em novembro, enquanto caíram, no atacado, 1,9% no mesmo mês, depois de um recuo de 1,4% em outubro. Na China, o IPC de novembro caiu para 2,4%, enquanto em fevereiro fora de 8,7%.

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preços das commodities, o que, se confirmado seria trágico: o estreitamento das margens de lucros, com a conseqüente redução da rentabilidade dos empreendimentos, conduziria a economia para um círculo vicioso, com a queda do consumo e do investimento gerando novas quedas nos preços e nos lucros, num processo auto-alimentador, numa situação em que os instrumentos de política econômica se encontravam inoperantes, com a política monetária presa na armadilha da liquidez (taxas de juros próximas ou iguais a 0%) e a política fiscal exaurida. Neste caso, a inevitável deflação também do valor real das dívidas poderia impor mais prejuízos para o sistema financeiro e prolongar a crise, por mais tempo do que indicavam as projeções que estavam sendo divulgadas.93

De qualquer forma, mesmo que a recuperação tivesse início em 2010 não havia dúvidas de que seria lenta, pela absoluta falta de munição dos governos e pela necessidade que esses teriam de ajustar suas contas, aumentando impostos e contraindo gastos, após a aventura “keynesiana” em que tiveram novamente de se lançar para salvar o mercado de suas próprias mãos.94

7. Mergulhando na Grande Depressão de 2009?

Se alguém alimentava a expectativa de que o ano de 2009 poderia começar com boas notícias sobre o andamento da crise, essa rapidamente se frustrou: nos EUA, as demissões chegaram perto de 600 mil trabalhadores em janeiro, os pedidos de seguro-desemprego não pararam de crescer, as vendas de casas despencaram 14,7%, assim como o valor médio das

93 Para alguns pontos dessa discussão, ver o artigo de Nouriel Roubini, “Os horrores da estagdeflação”, publicado na Folha de São Paulo, em 04/12/2008. A deflação tende a causar efeitos aparentemente ambíguos na economia: de um lado, aumenta o poder de compra da moeda, o que, em tese, pode estimular o consumo, mas reduz as margens de lucro das empresas, desestimulando o investimento e a produção, limitando a capacidade de oferta de bens. Numa situação de desemprego em elevação, o aumento do poder de compra da moeda também não se traduz em mais consumo, porque as incertezas levam ao adiamento dos gastos e, o que é pior, o valor real das dívidas aumenta, exigindo aumento da poupança ou a venda de ativos para pagá-las, o que deprecia ainda mais o seu valor, dando origem a ondas de insolvências, quedas da demanda e, em conseqüência, maior queda dos preços, num processo que se auto-alimenta. Neste caso, até mesmo a redução dos juros para tornar negativo o custo do dinheiro, visando estimular a demanda, pode ser mais do que neutralizada pelo movimento descendente dos preços. Ou seja, o governo fica sem armas convencionais para combater seus efeitos.

94 Projeções do Escritório de Orçamento do Congresso norte-americano indicavam, em janeiro de 2009, que o déficit fiscal de 2008-2009, cujo exercício se encerrará em setembro, deverá atingir US$ 1,186 trilhão, o correspondente a 8,3% do PIB, contra 3,2% do exercício anterior. Projeções do FMI na mesma época indicavam que o déficit público nas economias avançadas poderia alcançar 7% do PIB em 2009, provocando um aumento considerável da dívida pública.

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residências continuou em queda. As vendas de carros continuaram a cair, com as da Chrysler contraindo-se 55%, as da GM 49%, da Ford 40% e da Toyota 31%, para ficar com alguns exemplos. Para agravar o quadro, a Ford anunciou um prejuízo de US$ 14,6 bilhões, em 2008, o maior em 105 anos de sua história, enquanto, em fevereiro de 2009, a GM divulgaria também ter registrado um prejuízo, no mesmo ano de US$ 30,9 bilhões, depois de um prejuízo recorde de US$ 43 bilhões em 2007, e solicitado, ao governo dos EUA, uma ajuda adicional de US$16,6 bilhões para continuar operando e avançando no seu plano de reestruturação.95

No mundo desenvolvido (EUA e Europa), empresas multinacionais de grande porte, como Cartepillar, Pfizer, Nextel, GM, Microsoft, Motorola, TDK, Alcoa, entre outras, anunciaram que fariam demissões ao longo de 2009 que poderiam chegar – ou ultrapassar - a casa de 100 mil trabalhadores. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicavam que, mantido o ritmo de demissões, essas poderiam atingir 51 milhões de trabalhadores em 2009, com a taxa de desemprego mundial saltando de 5,7% em 2008 para 7,1%. As projeções da taxa de desemprego passaram a registrar um nível de 9,3% para os países integrantes da zona do euro, de 10,2% para a União Européia e de 9% para os EUA.96

A progressiva deterioração do quadro econômico internacional levou o FMI a rever pela terceira vez, no final de janeiro, suas projeções para o crescimento da economia mundial, aproximando-se das mais realistas que vinham sendo divulgadas por outras instituições. Considerando que a crise era mais grave do que se supunha e também que as economias emergentes seriam mais afetadas do que se esperava, reduziu a taxa projetada de crescimento do mundo, em novembro de 2008, de 2,2% para 0,5%, a das economias emergentes de 5,1% para 3,3% e aumentou a queda do PIB

95 Os planos de reestruturação da GM e da Chrysler exigidos como condição para o acesso aos recursos do TARP não agradaram o mercado, com os recursos adicionais solicitados ficando acima do esperado: enquanto a GM pediu mais US$ 16,6 bilhões (além dos US$ 13,4 bilhões que já lhe fora concedido e, em seu plano, propôs o corte de 47 mil demissões de funcionários em todo o mundo (26 mil fora dos Estados Unidos), a Chrysler pleiteou mais US$ 5 bilhões extras (o mercado esperava por US$ 3 bilhões), prevendo demitir 3 mil funcionários. Apesar da ajuda governamental, no início de março, já eram fortes as dúvidas existentes sobre a viabilidade e sustentabilidade da GM, com a própria direção da companhia admitindo entrar em concordata.

96 Dados divulgados em fevereiro pela Eurostat e Bloomberg confirmariam que no último trimestre de 2008 tanto que a recessão da zona do euro se aprofundara, com declínio de 1,5% do PIB em relação ao trimestre anterior, depois de duas quedas sucessivas de 0,2% no segundo e terceiro trimestres, como a União Européia (composta por 27 países) entrara tecnicamente também em recessão, com o PIB registrando também um crescimento negativo de 1,5%, após uma queda de 0,2% no terceiro trimestre. O Japão registraria, por sua vez, um recuo ainda maior do PIB de 3,3% no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior e de 12,7% ante o mesmo período do ano anterior.

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nas economias avançadas de 0,3% para 2%, conforme mostra a tabela 1. Na zona do euro, a projeção de um crescimento negativo subiu de 0,5% para 2% e nos EUA de 0,7% para 1,6%. Países como Japão (-2,6%), Reino Unido (-2,6%), Alemanha (-2,5%) e Itália (-2,1%) figuravam, na nova projeção, como os que deveriam apresentar pior performance, enquanto entre as economias emergentes, registrava-se uma redução generalizada de seu desempenho econômico esperado para o ano, mesmo para China, Índia e Brasil, com o México e Rússia passando a fazer parte do grupo de países que devem conhecer contração econômica.97

Ao mesmo tempo em que essas novas projeções estavam sendo divulgadas, algumas previsões pessimistas feitas por economistas, representantes de governo e empresários reunidos no Fórum Econômico Social, em Davos, Suíça, no período de 28/01 a 01/02/2009, davam cores mais dramáticas à situação: de acordo com a Folha de São Paulo, de 29/01/2009, Nouriel Roubini e George Soros “estimavam em 66% as chances de a economia mundial entrar em depressão mais séria do que a vista na década de 1930”. E ali se constatava que o mais grave era que, apesar de reunir supostamente os maiores especialistas do mundo de negócios “ninguém tinha respostas para a crise [pois, a verdade] é que ninguém sabia o que estava acontecendo”. Além de ter se formado uma convicção de que “os pacotes salvadores que haviam sido lançados até o momento não seriam capazes de dar um jeito na crise em 2009, mas apenas, sem nenhuma garantia, em 2010”.

Com o arsenal dos instrumentos de política monetária praticamente esgotado e com a política fiscal aparentemente exaurida, o governo dos EUA ainda aventou a possibilidade de criar um “banco podre” (bad bank) para receber os títulos tóxicos das instituições financeiras, utilizando os US$ 350 bilhões restantes do TARP. Uma idéia que, entretanto, não frutificou, no início, pelas resistências encontradas, já que se traduziria, de um lado, em perdas potenciais paras os contribuintes e, de outro, porque

97 No final de fevereiro essas novas estimativas do FMI começaram a ser vistas novamente como muito otimistas, já que a recessão avançava a passos largos no mundo, sem que a atividade econômica desse sinais importantes de respostas aos “pacotes” que estavam sendo lançados: em janeiro, os Estados Unidos registrariam novamente a perda de quase 600 mil empregos e um salto de 114 mil no pedido de seguro-desemprego, além de um corte de 5,2% (o correspondente a US$ 164 bilhões) nos pedidos de bens duráveis naquele mês. Para fevereiro, as primeiras projeções indicavam que ultrapassavam de 600 mil as perdas de postos de trabalho. O Canadá anunciaria ter a sua economia sofrido a maior retração em 17 anos, com o PIB encolhendo 3,4%, na taxa anualizada, no último trimestre de 2008. Diante dessa situação, o FMI anunciaria que estava revendo as projeções anteriores feitas sobre o desempenho da economia mundial e não descartava que, em seu próximo relatório, o cenário poderia ser bem mais pessimista, indicando uma contração global em 2009.

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se considerava que não enfrentava o problema da baixa capitalização dos bancos. Outros países, como a França, mais afinada, ao contrário do Reino Unido, com a idéia de que o aumento do gasto público seria mais eficaz que o corte de impostos para estimular a economia, anunciou um “pacote” de até 7,8 bilhões de euros para socorrer o setor automobilístico, mas com o compromisso das empresas beneficiadas de que não haveria fechamento de fábricas nem demissões de trabalhadores.98

A maior esperança de que este quadro fosse revertido passava a ser depositada no novo “pacote” norte-americano de estímulo à economia de US$ 819 bilhões que, negociado pelo novo presidente Barack Obama após a sua posse, terminou sendo aprovado pela Câmara dos Deputados no dia

98 No início de fevereiro, a Comissão Européia ameaçou declarar ilegal o plano francês de ajuda às montadoras por infringir as regras da UE, que proíbe os governos do bloco favorecer as empresas de seu próprio país na concessão de cortes de impostos ou de empréstimos em condições mais favoráveis, entre outras medidas (Folha de São Paulo, 11/02/2009, p.B9).

Tabela 1Projeções das taxas de crescimento para 2009

Economias Avançadas, Zona do Euro e Economias EmergentesEm %

Países

Economias avançadas•EUA•Espanha•França•Itália•Alemanha•Japão•ReinoUnido

Zona do EuroEconomias emergentes

•China•Índia•Brasil•México•Rússia

Economia Mundial

Projeção novembro 2008

-0,3-0,7-0,7-0,5-0,6-0,8-0,2-1,3-0,55,18,56,33,00,93,52,2

Projeção janeiro 2009

-2,0-1,6-1,7-1,9-2,1-2,5-2,6-2,8-2,03,36,75,11,8-0,3-0,50,5

Fonte: FMI

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28 de janeiro, mas ainda assim este esbarrou em vários questionamentos: em primeiro lugar, porque condicionava que o aço usado nas obras previstas no “pacote” (com infra-estrutura, energia etc.) fosse produzido e adquirido de empresas dos EUA, uma medida altamente protecionista que levou, de imediato, a Comissão Européia a contestar a proposta e ameaçar com retaliação; em segundo, porque, dada a dimensão do problema (que continuava desconhecido) muitos, analistas, como Krugman, por exemplo, achavam “pequeno” o “pacote” de salvamento, estimando que este deveria estar entre US$ 1,3 e US$ 1,4 trilhões e priorizar o gasto público e não a redução de impostos como pretendiam os parlamentares do partido republicano.

Aliás, como conseqüência da crise, uma onda de protecionismo começou a dominar vários países embalados pelo lema do “salve-se quem puder”: nos EUA, a política do Buy American (compre produtos americanos) do “pacote” aprovado na Câmara dos Deputados, além de ameaças de elevação de tarifas para a água mineral e queijo francês e da adoção de medidas contra produtos chineses; na Rússia, seriam adotadas 28 medidas em fevereiro para aumentar a tarifa de produtos importados; na União Européia, aumentariam as restrições às importações de frango e carne bovina dos EUA; no Reino Unido passou-se a impedir que empresas de outros países ali instaladas deixassem de contratar ingleses; até mesmo o Brasil ensaiou medidas de maior controle das importações – de 3.000 produtos -, embora rapidamente tenha recuado diante da resistência encontrada.

O plano de salvamento da economia do governo dos EUA, sob a presidência de Barack Obama, terminou sendo aprovado também no Senado, no dia 10 de fevereiro, por 61 votos a favor (eram necessários 60) contra 37. O plano, cujos valores ainda poderiam ser alterados pela Câmara dos Deputados, apoiava-se em duas pernas: uma, de estímulo à economia, no valor de US$ 838 bilhões (5,6% do PIB) para serem gastos em dez anos, com 65% dos recursos devendo ser destinados para investimentos em infra-estrutura, programas de assistência a desempregados e auxílio a governos estaduais e municipais, e os outros 35% oriundos de cortes de impostos, principalmente para a classe média99; a outra, de ajuda aos

99 O pacote de estímulo à economia acabou sendo aprovado na Câmara dos Representantes (deputados federais) no dia 13 de fevereiro, com o seu valor reduzido para US$ 787,2 bilhões (5,4% do PIB) para serem gastos nos próximos dez anos. Deste total, 38% deveriam ser destinados para a ajuda a governos estaduais e locais e a programas de assistência à população de baixa renda ou desempregada; 24% para gastos governamentais em obras públicas; e 38% constituídos por cortes de impostos pagos principalmente pela classe média, uma promessa de

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bancos, que poderia chegar a US$ 2 trilhões (14% do PIB), incluindo, neste total, os US$ 350 bilhões restantes do TARP e alguma participação – não especificada – do setor privado neste processo.

Se o programa de estímulo fiscal causou alguma decepção pelo seu tamanho (considerado pequeno), prazo de implementação (excessivamente longo), composição (grande participação de renúncia fiscal que não se traduz necessariamente em gastos) e protecionismo, ao manter no texto a política do Buy American para as obras bancadas pelo plano (apenas admitindo que os produtos fabricados por parceiros dos EUA em tratados comerciais também sejam utilizados) e incluir também a cláusula do Employ American (empregue americanos), o de ajuda aos bancos, mesmo sem este ter sido apresentado com maiores detalhamentos, despertou críticas ainda maiores. Isso porque, à semelhança das intervenções anteriores, transmitiu a sensação de que seria ineficaz para dar uma solução para o problema enfrentado pelo sistema financeiro. Tanto que o mercado acionário reagiu negativamente ao seu anúncio, com o índice Dow Jones caindo 4,26%, o Nasdaq 4,2%, a bolsa de Londres 2,19% e a de Frankfurt 3,46%, enquanto no Brasil a Bovespa recuava 2,1%.

Dos dois trilhões de dólares que o plano contemplou para os bancos, US$ 350 bilhões viriam da segunda parcela do TARP e deveriam ser injetados nas instituições financeiras, embora prevendo alterações nos métodos adotados durante o governo Bush para esse repasse e maior rigor na sua fiscalização; entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão destinados para a constituição de um Fundo de Investimento Público-Privado para comprar ativos “podres” dos bancos, uma versão modificada da idéia anterior de criação de um bad bank, que sofrera inúmeras críticas; US$ 100 bilhões (aumento de US$ 80 bilhões de uma linha de crédito já existente de US$ 20 bilhões) para um programa de financiamento, visando diminuir os juros para as pequenas empresas, para a compra de carros e para o financiamento estudantil, entre outros setores; e US$ 50 bilhões para ajudar os mutuários de classe média a renegociarem as condições de suas hipotecas.

Tirante a linha de crédito de US$ 100 bilhões para estimular o consumo, que o governo previa que poderia se transformar em US$ 1 trilhão pela alavancagem que os bancos podem fazer – o que era altamente incerto pela ausência da confiança predominante na oferta de empréstimos

campanha do presidente Barack Obama. Apesar das críticas às medida protecionistas nele contidas, foi aprovado com as duas emendas que geraram polêmicas: a Buy American e a Employ American.

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– e os US$ 50 bilhões para renegociação de hipotecas e redução de suas execuções – o que também não era garantido, pois, apesar de iniciativas adotadas pelo próprio sistema nessa direção, não se havia registrado sua diminuição100 -, as demais iniciativas seguiam o figurino das intervenções anteriores, tratando o problema como se fosse apenas de liquidez e não de insolvência do sistema bancário. Por isso, um lúcido analista como Martin Wolf, do Financial Times, afirmaria, ao fazer sua análise, que “o novo plano parece fazer sentido se e apenas se o principal problema for a falta de liquidez”, mas a verdade é que, e é nisso que aposta, “proporção considerável dos bancos está insolvente; seus ativos valem menos que seus passivos (...), e ostentam prejuízos que podem, de acordo com o FMI, atingirem, só nos EUA, US$ 2,2 trilhões, ou pelas estimativas de Nouriel Roubini, chegarem a US$ 3,6 trilhões. Por isso considerava o programa “uma forma ineficaz, não-efetiva e injusta de resgatar as instituições com capitalização insuficiente, insistindo na proposta de que o caminho mais eficiente a ser trilhado continuava sendo o da recapitalização do sistema pelo governo ou pela conversão de dívidas em capital, acompanhada de uma profunda reestruturação do sistema bancário. Sem essa mudança de foco, continuavam grandes as chances de o novo plano, assim como os anteriores, fracassar, e a economia mundial permanecer sem poder começar a enxergar uma “luz no fim do túnel”.101

100 De qualquer forma, poucos dias depois da aprovação do pacote, os bancos JPMorgan Chase, Citigroup, Morgan Stanley e Goldman Sachs decidiram suspender, temporariamente, a execução de hipotecas, à espera do detalhamento do programa de ajuda do governo de US$ 50 bilhões prevista para os mutuários inadimplentes.

101 Martin Wolf. Por que o pacote bancário de Obama vai fracassar. São Paulo, Folha de São Paulo, 11/02/2009, p.B3. Números divulgados em fevereiro e março sobre os resultados e a situação do sistema financeiro dariam razão a Wolf: nos EUA, os bancos registraram, no último trimestre de 2008, um prejuízo de US$ 26,2 bilhões, e o aumento de 37% no número dos bancos do país considerados problemáticos, com estes saltando de 171 no terceiro trimestre para 252 no quarto trimestre. Apenas nos primeiro meses de 2009 a FDIC já havia liquidado 14 bancos regionais e a expectativa era a de que cerca de 1.000 bancos deveriam desaparecer nos próximos três anos por causa da crise. A AIG, já estatizada, anunciou perdas de US$ 61,7 bilhões no último trimestre e de US$ 99,3 bilhões no ano, candidatando-se a receber uma nova ajuda do governo de US$ 30 bilhões, depois de ter recebido US$ 150 bilhões desde o início da crise, em setembro. Na Inglaterra, o governo britânico anunciou a injeção de mais 25,5 bilhões de libras no Royal Bank of Scotland (RBS), além de garantir a maior parte dos 325 bilhões de libras em ativos “podres” do banco: no acordo feito, das perdas com estes ativos que superassem 19,5 bilhões de libras, 90% passavam a ser de responsabilidade do governo e apenas 10% do RBS. Com a medida de recapitalização, o governo poderia aumentar a sua participação no banco de 70% para 95%, praticamente estatizando-o. O mesmo programa de garantia dos ativos seria também estendido ao Lloyds, com o governo garantindo perdas de até 260 bilhões de libras e aumentando sua participação no banco em até 77%, com o compromisso de que este retomasse os empréstimos para a economia. O HSBC, por sua vez, anunciou queda de 50% de seus lucros em 2008 comparado a 2007 e a pretensão de levantar US$ 17,7 bilhões de recursos com a venda de ações, numa tentativa de capitalização sem ter de recorrer ao governo, o que novamente derrubou os mercados financeiros no mundo.

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CAPÍTULO IV

BRASIL: DA MAROLINHA AO TSUNAMI?

1. O Despertar Tardio

Diferentemente das autoridades econômicas, homens de negócios e economistas norte-americanos, que se assustaram com a violência do crash das bolsas de valores mundo afora já no dia 9 de agosto de 2007, na seqüência da suspensão, pelo BNP Paribas Investment Partners, dos resgates de seus fundos vinculados às hipotecas subprime, a chegada da crise internacional passou quase despercebida no Brasil. Esbanjando confiança, o presidente Luiz Inácio da Silva declarou, no dia seguinte, que “quem tem um colchão de US$ 160 bilhões pode ficar tranqüilo”, enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, assegurava que o Brasil estava “muito sólido para enfrentar uma situação como essa”, e que as expressivas reservas cambiais e a boa situação das contas públicas dariam condições para o País resistir às oscilações no mercado internacional. Não haveria, pois “nenhum receio em relação ao Brasil”, que estaria “no time dos países sólidos”. Fazendo coro com Mantega, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também assegurou estar a economia brasileira, então, mais resistente a períodos de turbulências, devido ao regime de câmbio flutuante, ao crescimento das reservas internacionais e ao controle da inflação, e que, de mais a mais, o BC continuaria “monitorando, junto com seus pares internacionais, os desenvolvimentos nos mercados.”

No dia seguinte, o ministro da Fazenda voltou a declarar que a volatilidade que atingia os mercados internacionais teria reduzidos efeitos sobre o Brasil, acrescentando que o governo não esperava qualquer fuga de capitais. Fazendo eco às assertivas do porta-voz do FMI, Masood Ahmed, que afiançou serem administráveis as turbulências nos mercados financeiros, Mantega afirmou que o vendaval seria passageiro e, em referência oblíqua às expressivas reservas cambiais do País, ainda assegurou que, na eventualidade contrária, o Brasil tinha “muita bala na agulha para enfrentar a crise”. Quatro dias depois, foi a vez do presidente do BC vir a público para tranqüilizar a opinião pública, assegurando que, apesar da queda espetacular do Ibovespa, tudo estava “funcionando dentro da mais

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absoluta normalidade no Brasil” e que, não obstante ter o dólar saltado de R$ 1,877 para R$ 1,948 o BC continuava monitorando “cuidadosamente” os mercados internacionais. Tinha em mãos, naquele momento, a última pesquisa semanal do boletim Focus, realizada com analistas das 100 principais instituições financeiras, revelando, por parte das instituições financeiras, absoluta confiança na melhoria de praticamente todos os indicadores macroeconômicos do País.

A mudança do discurso oficial só começou a ocorrer diante de um novo crash das bolsas mundiais ocorrido nos dias 14, 15 e 16, causado por nova suspensão de resgates de fundos de investimentos (US$ 1,5 bilhão pelo Sentinel Management Group), pelo anúncio do UBS de que sofreria queda em seus resultados e pelas noticias negativas relativas ao mercado imobiliário norte-americano. Diante das perdas acumuladas pela Bovespa até à época, estimadas em R$ 209,7 bilhões, da saída de mais de US$ 200 milhões de capital estrangeiro investido no Brasil, da elevação do dólar para R$ 2,13, da queda dos preços das commodities, da elevação de mais de 50% do risco país, que atingira 225 pontos, e da suspensão, pelo Tesouro Nacional, de dois leilões de títulos da dívida pública, o ministro Guido Mantega declararia, no dia 16, que, de fato, o País se encontrava “no olho do furacão” e que não seria possível “sair ileso dessas turbulências” Mesmo assim, para o ministro e demais autoridades brasileiras, para não falar nos empresários brasileiros, o impacto da crise sobre a economia brasileira seria “pequeno”.

De fato, após as intervenções feitas pelos bancos centrais nos mercados em agosto de 2007, o Banco Internacional de Compensações anunciava, já no dia 3 de setembro, em reportagem do Wall Street Journal, que a normalidade estava voltando aos mercados financeiros após as turbulências de agosto. Dois dias depois, foi a vez do Federal Reserve anunciar, que, afora o segmento imobiliário, as disponibilidades de crédito permaneciam boas e que os efeitos da tempestade sobre a atividade econômica tinham sido limitadas. Apesar de novas quedas das bolsas de valores causadas por problemas restritos ao setor financeiro – necessidade de injeção de recursos pelo Bank of England no Northern Rock, um dos principais credores de hipotecas no Reino Unido, no dia 14 de setembro, e a divulgação da queda dos lucros de instituições financeiras, como no caso do banco de investimentos Bear Stearns, em 20 do mesmo mês –, a situação foi se normalizando com a divulgação de que, apesar de ligeira desaceleração,

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a economia dos países desenvolvidos continuava em trajetória expansiva. De mais a mais, ao cortar a taxa básica de juros em meio ponto percentual, para 4,75% ao ano, no dia 18 de setembro, o Fed assumiria o compromisso de atuar para “prevenir” e evitar que a crise nos mercados financeiros causasse efeitos “adversos” sobre a economia em geral, dispondo-se a “agir se necessário” para manter a sustentabilidade dos preços e da economia.

Tudo parecia indicar, portanto, que a crise não iria causar grandes prejuízos à “economia real”, mesmo na dos EUA, como previra o secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, ao assegurar, no dia 15 de agosto, que a economia e os mercados estavam “fortes o suficiente para absorver as perdas” da crise financeira sem provocar recessão nos EUA. Antecipando a fala do secretário, o vice-diretor do Instituto Peterson para Economia Internacional, de Washington, Adam Posen, havia afirmado, um dia antes, que a crise teria “um pequeno efeito negativo por um ou dois trimestres” sobre o PIB dos EUA, mas “nada, além disso,”. Também para o professor do Departamento de Economia da FEA-USP, Carlos Eduardo Soares Gonçalves, a economia mundial, embora se encontrasse numa situação desconfortável, ainda apresentava, no dia de sua entrevista à Folha de São Paulo (20 de agosto), indicadores positivos, devendo se recuperar assim que a onda de pânico passasse, visto não ter se configurado, de fato, uma situação de crise. Afinal, conforme assinalara Paulson, repetindo as mesmas palavras do presidente George W. Bush, ditas na semana anterior, a turbulência ocorrera “diante de um cenário de economia mundial muito saudável, assentada em fundamentos fortes”. Tornada crença geral, a mesma declaração – de que os “fundamentos da economia” estavam “sólidos” – havia sido feita no dia anterior também por Phil Suttle, analista do Institute of International Finance, e repetida dois dias depois pela ministra de Economia e Finanças da França, Christine Lagarde, para a qual a crise seria somente “uma correção financeira, certamente brutal, mas previsível”, um “ajuste” provocado pelos “grandes excessos” verificados no mercado dos créditos hipotecários de risco nos EUA. Como todo ajuste, seria passageiro, até porque, repassou a ministra, as bases fundamentais da “economia real” estavam “bem orientadas”, com um consumo “dinâmico” e “um crescimento vigoroso”.

Mais sólidos ainda eram, segundo vários economistas e autoridades econômicas, os “fundamentos” econômicos dos países emergentes, que até poderiam, no entender de alguns, comandar o crescimento econômico

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mundial na eventualidade de ocorrer uma recessão nos paises desenvolvidos causada pela crise do subprime.102 Na verdade, o próprio ministro Mantega, em declaração no dia 15 de agosto, afirmou que os países emergentes, incluindo o Brasil, estariam em uma situação similar a de países desenvolvidos e, em alguns casos, em condições até mais seguras, pois as instituições financeiras que estavam apresentando problemas estavam nos EUA e na Europa.103 Jim O’Nell, economista-chefe do Goldman Sachs diria a mesma coisa dez dias depois, ao sustentar que o consumo dos principais países emergentes Brics “ (...) parece capaz de compensar a desaceleração dos Estados Unidos”.

Mas se, ao nível da economia internacional, a evolução dos acontecimentos parecia confirmar as análises favoráveis sobre seus desdobramentos, com o arrefecimento das ondas de choque e a sua paulatina superação, no Brasil, uma vez ultrapassado o mês de agosto, tudo parecia ter voltado ao normal: o dólar fechou setembro em R$ 1,838; os fluxos do capital internacional retornaram com força; manteve-se o ritmo expansivo das exportações; as reservas internacionais terminariam o ano no nível de R$ 180 bilhões, expandindo a base monetária e aumentando o crédito, com benefícios para o aumento do PIB, que cresceria 5,7% no ano, ultrapassando, pela primeira vez, na década, o ritmo de expansão da economia mundial, num contexto de estabilidade monetária.

Nem mesmo as novas ondas de choque que abalaram os mercados financeiros globalizados mo início de 2008, na seqüência da divulgação das perdas dos bancos norte-americanos, provocando dramáticos cortes da taxa básica de juros pelo Fed, nem os novos crashs causados pela quebra do Bear Stearns, em março de 2008, chegaram a abalar o otimismo brasileiro, alimentado pela expansão econômica, num contexto de contínuo afluxo de capital estrangeiro, ininterrupta acumulação de reservas internacionais e boom da Bovespa, que chegou a superar os 70 mil pontos no dia 5 de maio, num momento em que a maioria dos analistas apostava que essa fecharia o ano na casa dos 80 mil pontos. Aliás, a obtenção do tão cobiçado grau de investimento, concedido inicialmente pela Standard & Poor´s uma semana antes do pico da Bolsa e depois confirmado pela Fitch, parecia consagrar a idéia do “descolamento” do Brasil – definitivamente blindado

102 Veja-se, por exemplo, artigo especial de Jim O’Neill para o Financial Times, “Brics podem indicar saída para atoleiro”, publicado na Folha de São Paulo de 23/09/2008.

103 Como disse o ministro, “nem todo mundo está bichado.”

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por “fundamentos sólidos” e enormes reservas internacionais – de uma atormentada economia internacional.

Certamente que este otimismo, então respaldado por mais de US$ 205 bilhões de “bala na agulha para enfrentar a crise” explica as diatribes e piadas do presidente Lula da Silva, mesmo após o pânico global provocado pelo pedido de concordata do Lehman Brothers, no dia 15 de setembro de 2008, na crença de que por ela passaria incólume. Apenas com o agravamento da crise e, posteriormente, com a recessão oficialmente instalada nos países desenvolvidos, começou o governo Lula a mudar o tom, mas sem perder a pose: dos respingos da crise que atingiria o Brasil na forma de uma “marolinha”, na sua expressão, ou de uma “gripezinha”, na de Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, passou a considerar que o País também poderia ser atingido, mas em bem menor proporção que as economias desenvolvidas.104 A reação à crise só veio, contudo, tardiamente, com as medidas sendo tomadas e anunciadas a conta-gotas, à medida que a situação interna ia se agravando e se tornava cada vez mais evidente que a suposta “blindagem” da economia brasileira não resistia à realidade dos fatos.

A resistência do governo Lula em reconhecer que a crise poderia atingir o Brasil devia-se, provavelmente, ao fato de que ela poderia comprometer a expectativa que vinha sendo alimentada – e profusamente difundida – de que o País cresceria sustentadamente pelo restante de seu mandato, não somente pelas melhores condições que apresentava nos últimos anos como também pela maior solidez dos fundamentos da economia – reservas externas expressivas, superávit na balança de transações correntes, taxa de inflação sob controle, trajetória em declínio da relação dívida/PIB, grau de investimento – e, ainda mais importante, pela flexibilização que começara a promover na política fiscal no segundo mandato, com a redução do superávit fiscal e o lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) – e posteriormente do Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP) -, para garantir os investimentos necessários para sustentar os objetivos do crescimento. Internamente, apenas a ação do Banco Central, mais preocupado com as pressões inflacionárias que estavam sendo geradas com o ritmo de crescimento mais intenso do mercado interno nos últimos

104 A frase completa de Lula no dia 04/10: “Ela (a crise) é de lá (dos EUA), um tsunami, e aqui vai chegar uma marolinha, que não vai dar nem para (sic) esquiar” (Folha de São Paulo, 22/10/2008, p. B1). A de Dilma Rousseff: “Nós vamos ter alguns problemas momentâneos, mas temos robustez suficiente para superar essa imensa fase de contágio com uma pequenininha gripe”. (Folha de São Paulo, 06/10/2008)

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anos vinha contrariando os planos do governo, ao insistir em continuar mantendo exageradamente elevadas as taxas de juros reais da economia. A crise aparecia, neste contexto, como elemento adicional que perturbaria o projeto do governo e reforçaria a posição do BC. Não poderia, por isso, deixar de ser vista como inoportuna.

De fato, preocupado, no período anterior, exclusivamente com a questão inflacionária, tanto que não hesitou em promover quatro elevações seguidas da taxa de juros entre abril e setembro, aumentando-a de 11,25% para 13,75%, num contexto em que a maioria dos países caminhava em direção contrária, reduzindo-a, o Banco Central, após o desvario do mercado provocado pelo abandono do Lehman, passou a se defrontar com uma rápida e forte desvalorização do Real frente ao dólar, à medida que a turbulência aumentava e crescia a convicção que se tratava de uma crise mais profunda do capitalismo, drenando recursos dos investidores que tinham recursos aplicados no Brasil para a cobertura de prejuízos ou fechamento de posições em seus países de origem: tendo atingido R$ 1,55 no dia 01 de agosto de 2008, o preço do dólar para venda ingressou numa trajetória de acelerada apreciação a partir do aumento do pânico, no dia 15 de setembro, saltando para R$ 1,91 em fins de setembro e R$ 2,48 no dia 08 de outubro, quando o BC interveio pela primeira vez desde 2003, conseguindo, após três leilões de divisas, fazer a cotação retroceder para R$ 2,28. Diante, assim, de uma desvalorização de 47%, num curto período marcado por grande volatilidade, sinalizando importantes impactos potenciais sobre o endividamento das empresas, o nível da atividade produtiva e o próprio processo inflacionário, o BC viu fortalecer sua posição frente à ala mais “desenvolvimentista” do governo (Dilma Rousseff, Guido Mantega, Paulo Bernardo, entre outros), apesar dos argumentos utilizados por seus membros de que o Brasil estaria vacinado contra a crise, não se justificando o conservadorismo do BC.

Foi em meio à disputa interna que se travava entre o BC e o Ministério da Fazenda sobre a manutenção ou retirada das travas do crescimento econômico, especialmente no tocante ao nível dos juros, que a crise mundial avançou e começou a irradiar seus efeitos para o Brasil.

A rápida desvalorização do Real frente ao dólar, embora fosse benéfica em situação de normalidade da economia mundial para melhorar a competitividade das exportações brasileiras, além de acarretar pressões inflacionárias, trouxe prejuízos para empresas brasileiras com forte

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endividamento externo ou que haviam buscado proteção (hedge) ou mesmo especulado no mercado futuro, enquanto o crédito externo, num quadro de crescente aversão ao risco, começou a escassear, prejudicando a rolagem de suas dívidas e afetando o financiamento das exportações, da produção, do consumo e dos investimentos, indicando que a “economia real” começava a ser afetada.

Aliado a isso, logo se observou no Brasil fenômeno semelhante ao ocorrido nos EUA a partir do dia 9 de agosto de 2007, quando estourou o caso BNP Paribas: o aumento da incerteza interrompeu os fluxos de empréstimos no interbancário, criando sério problema de liquidez, levando os bancos pequenos a buscarem socorro do BC, sob pena de insolvência. O recurso permanente ao redesconto, todavia, além de trazer perdas para os que dele lançam mão, dada a sua natureza punitiva, sempre foi encarada no País como a ante-sala de uma eventual intervenção pelas autoridades monetárias na instituição financeira, de modo que, a rigor, começou a desenhar-se, ali, a existência de uma ameaça sistêmica.

Foi só a partir deste momento que a política econômica despertou, no Brasil, da letargia em que se encontrava frente à crise mundial, e o BC passou a agir injetando liquidez na economia, visando suprir a seca do crédito interbancário, mas sem abrir mão de continuar mantendo elevadas as taxas de juros. Nessa primeira fase da crise financeira, caberá, assim, ao BC ministrar os antídotos anticrise, enquanto as demais áreas do governo continuarão dedicadas a buscar alternativas, como no caso da criação do PDP e do Fundo Soberano do Brasil (FSB), entre outras iniciativas, para impedir a frustração dos objetivos do crescimento.

2. A Intervenção do Banco Central

Na realidade, a ação do Banco Central (BC) para enfrentar a crise teve início no dia 19 de setembro, quando, para conter a desvalorização do Real, voltou a fazer leilão casado de venda e compra de dólares no mercado para atender a demanda pela moeda americana, operação em que os bancos se comprometem a revendê-los para a instituição depois de um mês, e que não era realizada desde 2003. Apesar da importância da medida por mostrar que finalmente o governo começava a se mover, o leilão realizado foi de pequena dimensão (US$ 500 milhões) e o tipo

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de operação (venda com direito garantido de recompra) não atendia os interesses de empresas que, tendo se lançado em aplicações no mercado futuro, precisavam cobrir suas posições para reduzir prejuízos. Essa mesma operação voltaria a ser realizada no dia 26 de setembro, quando um novo leilão com o mesmo valor de US$ 500 milhões foi realizado com o objetivo de deter a rápida desvalorização do Real, mas também sem colher resultados importantes.

Poucos dias depois da primeira operação, o BC, para ajudar os bancos e instituições de pequeno porte enfrentando dificuldades no interbancário, às quais se somou a redução do crédito externo, do qual são dependentes, em razão de não contarem com depósitos de correntistas, deu início, no dia 24 de setembro, a mudanças nas regras dos depósitos compulsórios bancários, visando injetar liquidez na economia. O objetivo era o de destravar o crédito dos bancos para a economia, para o que foram modificadas duas regras do recolhimento que os bancos eram obrigados a fazer: a) aumento do desconto de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões que os bancos deveriam recolher por meio da “exigibilidade adicional”, o que isentou 23 bancos da obrigatoriedade do recolhimento dessa parte do compulsório, liberando R$ 5,2 bilhões; e b) adiamento da entrada em vigor, para março, da cobrança do compulsório de 25% sobre depósitos interfinanceiros, que estava prevista para ter início em novembro de 2008 e ser completada em janeiro de 2009. Com isso, os bancos deixariam de recolher, ao BC, cerca de R$ 8 bilhões, totalizando uma injeção de liquidez no sistema de R$ 13,2 bilhões. Para entender melhor o significado do que essas medidas representam, são necessários alguns comentários sobre a política do compulsório, neste período, que se tornaria o instrumento preferencial do Banco Central para enfrentar a crise.

Dos depósitos compulsórios que os bancos devem recolher ao BC, a principal fatia representa o compulsório “tradicional”, que correspondia, à época, a 45% do total dos depósitos à vista, 15% dos depósitos a prazo e 20% da poupança. Outra fatia, que foi estabelecida em 2002, referia-se à “exigibilidade adicional”, que drenava mais 8% dos depósitos em conta-corrente, 8% dos depósitos a prazo e 10% da poupança. No total, portanto, os depósitos compulsórios retidos no BC representavam, até a mudança ocorrida, 53% da conta corrente, 23% dos depósitos a prazo e 30% da poupança.

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Por outro lado, a remuneração dada pelo BC sobre os compulsórios variava de acordo com o seu tipo: no caso do compulsório tradicional, a remuneração seguia em linha a que é oferecida pelos bancos a seus

Tabela IV.1IPCA, Taxa de Câmbio Real e Reservas Internacionais

Jan. 2007/dez.2008

Janeiro.FevereiroMarçoAbrilMaioJunhoJulhoAgostoSetembroOutubroNovembroDezembroAnoJaneiroFevereiroMarçoAbrilMaioJunhoJulhoAgostoSetembroOutubroNovembroDezembroAno

2007

2008

MêsAno

2,122,112,052,031,921,921,871,961,831,741,781,771,771,761,681,741,681,621,591,561,631,912,112,332,332,33

77,8076,9877,9177,2176,2274,7073,9675,7073,4370,7770,9370,77

-71,2870,6672,7372,7171,5069,8270,0764,4464,6371,8171,2473,45

-

0,440,440,370,250,280,280,240,470,180,300,380,744,460,540,490,480,550,790,740,530,280,260,450,360,285,90

Inflação:IPCA/IBGE

Taxa de câmbio nominal (venda)

(R$/US$)

Taxa de câmbio efetiva real (*)

Média: 2000=100

91.086,1101.069,7109.538,3121.830,4136.419,0147.101,0155.909,5161.096,5162.962,2167.866,7177.059,6180.333,6

-187.507,2192.901,8195.231,6195.766,9197.906,3200.827,0203.561,5205.116,1207.493,9203.178,7206.377,1206.805,8

-

Reservas Internacionais (liquidez internacional)

(US$ milhões)

Fonte: IBGE, IPEADATA (em 22/01/2009), FGV e Banco Central.(*) – Medida de competitividade das exportações brasileiras calculada pela média ponderada do índice de paridade do poder de compra dos 16 maiores parceiros comerciais do Brasil. A paridade poder de compra é definida pelo quociente entre a taxa de câmbio nominal (em R$/unidade da moeda estrangeira) e a relação entre o Índice de Preço por Atacado (IPA) do país em caso e o Índice de Preços por Atacado Oferta Global (IPA – OG/FGV) do Brasil. As ponderações utilizadas são as participações de cada parceiro no total das exportações brasileiras.

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clientes, ou seja, zero para a conta corrente, taxa Selic para os depósitos a prazo e índice de correção da poupança para os depósitos nessa conta; no da exigibilidade adicional, a remuneração seguia a feita pela taxa Selic independente da modalidade da aplicação.

No compulsório de “exigibilidade adicional”, o BC concedia um desconto de R$ 100 milhões sobre o valor total a ser recolhido, favorecendo os pequenos e médios bancos e deixando disponíveis maiores volumes de recursos para estes realizarem os empréstimos. Ao aumentar este desconto para R$ 300 milhões, 23 bancos (dos 117 então sujeitos ao compulsório), que se encontravam abaixo deste limite, ficaram isentos de seu recolhimento, enquanto os demais tiveram seu recolhimento reduzido.

Se o governo parecia acreditar que o problema estava restrito aos pequenos bancos, devido à interrupção do interbancário e à exaustão das fontes externas de recursos e que o lado real da economia se encontrava protegido do processo especulativo global, essa crença começou a se desfazer com o anúncio, no dia 25/09, pela Sadia, de ter incorrido em perdas equivalentes a R$ 760 milhões, relacionadas à valorização do dólar, por ter apostado na sua queda frente ao real, em lugar de apenas fazer hedge; no dia 26, seria a vez da empresa Aracruz, que acusaria prejuízos de R$ 1,9 bilhão (depois revistos para R$ 2,13 bilhões), pelos mesmos motivos, seguida ainda da Votorantin, com perdas estimadas em R$ 2,2 bilhões.

Na estimativa do governo feita, à época, entre 220 e 250 empresas poderiam se encontrar nessa situação e devia-se à sua ação, ao aumentarem a demanda pela moeda americana para cobrir posições e diminuir prejuízos, que, juntamente com a turbulência externa, a cotação do dólar estaria sendo fortemente pressionada e conduzindo à excessiva desvalorização do Real. Se isso não deixou claras as dificuldades que o País poderia enfrentar, serviu pelo menos de alerta para o governo de que o País não se encontrava efetivamente blindado contra a crise, conforme seus membros não cansavam de repetir, e que seria necessário ir bem além das tímidas medidas que o Banco Central havia, até então, adotado.105

105 Foi somente quando esses fatos vieram à tona que as autoridades do governo começaram a considerar a possibilidade de que o País poderia também ser atingido, embora de forma limitada. Como em entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega: “o impacto da crise é muito forte e não há país que (ficará) isento de algum problema” (Folha de São Paulo, 26/09/2008, p. B2). Ou no lamento de Lula, como se cobrando a promessa feita pela cartilha neoliberal de que o país poderia ingressar no paraíso da prosperidade desde que fizesse bem o dever de casa: “os países emergentes e os países pobres, que fizeram tudo para ter uma boa política fiscal e fizeram tudo

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Aos problemas dos bancos de pequeno porte começavam a somar-se, por outro lado, a necessidade de dar respostas à demanda crescente não apenas de dólares, mas também de crédito, e de garantir alternativas de financiamento para as exportações, em razão da abrupta interrupção do fluxo externo de financiamento. Por isso, a ação do Banco Central, nessa primeira fase de intervenção para combater a crise vai se concentrar em adotar medidas adicionais para desbloquear o crédito para as empresas e o consumo, injetando mais liquidez no sistema, aumentar (moderadamente) suas intervenções no mercado de câmbio, por meio de leilões da moeda estrangeira e procurar estimular os bancos brasileiros a atender a demanda de financiamento do setor exportador.

A falta de liquidez que, ao contrário do esperado com a medida adotada no dia 24/09, se acentuou, mesmo porque o problema apresentava-se em dimensão bem maior do que se pensava, começou a levar os pequenos bancos, indiferentes às penalidades e até da intervenção das autoridades monetárias, a buscar socorro junto ao BC através da “assistência à liquidez”, o que induziu o BC, diante deste novo quadro, à adoção de uma nova medida no dia 02 de outubro. Com ela, os bancos passaram a ter a opção de abater até 40% (de um total de 15% sobre o valor dos depósitos) do compulsório incidente sobre os depósitos a prazo para comprar parte da “carteira de crédito” das instituições menores, com patrimônio de até R$ 2,5 bilhões, estimando-se que, com isso, seriam injetados cerca de R$ 23,5 bilhões no sistema. Pela reação inicial dos grandes bancos, estes, num ambiente de incertezas, de desconfiança e escassez de liquidez, não se mostravam, contudo, propensos a correr tal risco.

Por isso, em 06 de outubro, a Medida Provisória 442/08, autorizaria o BC a “comprar carteiras de créditos” dos pequenos bancos com dificuldade de conseguir dinheiro no mercado financeiro, recebendo aquelas como garantia. E autorizaria também, ao BC, fazer leilões de dólares abertos a bancos brasileiros no exterior, que os receberiam em troca de títulos públicos, para que garantissem linhas de financiamento aos exportadores, como as ACCs, com o objetivo de supri-los de créditos para exportações, que haviam se escasseado com a crise externa. Ao fim do financiamento, os bancos poderiam devolver os dólares e resgatar os títulos. Além disso, a MP 442/08, autorizaria o financiamento de companhias de leasing,

para fazer a economia com estabilidade (...), não podem ser vítimas do cassino que eles montaram na economia americana” (Folha de São Paulo, 30/09/2008).

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visando ampliar a oferta de crédito para a indústria automobilística, que já começava a emitir sinais de dificuldades com a anúncio de férias coletivas feito pela General Motors e pela FIAT e de suspensão da produção em suas fábricas, já que, sem crédito suficiente, suas vendas começavam a entrar em declínio.

Apesar dessas medidas, o quadro não se alterou, com o crédito continuando travado, a liquidez empoçada e os exportadores ressentindo-se da falta de financiamento. Neste período, o agravamento da crise internacional decorrente do aumento do pessimismo causado pela aprovação do plano de resgate da economia norte-americana, considerado insuficiente para deter/reverter a crise, derrubou, no dia 06 de outubro, as bolsas do mundo em níveis preocupantes, enquanto, no Brasil, a Bovespa caiu 5,43%, depois de o circuit breaker ter sido acionado às 10:09 horas e de ter voltado a operar depois de 30 minutos, com os negócios novamente sendo interrompidos às 11:44 horas, quando a queda atingiu 15,06%. Nesse mesmo dia, o dólar disparou 7,43%, atingindo a cotação de R$ 2,198. Diante dessa pressão sobre o câmbio, o Banco Central antecipou o resgate de contratos de swap reverso que venceriam somente no início de novembro.

A nova disparada do dólar levou o BC a modificar a estratégia de intervenção no mercado de câmbio. Até então, tinha se restringido a realizar leilões casados de compra e venda do dólar e vender swap cambial que equivale a uma venda daquela moeda no mercado futuro, trocando variação cambial por juros, mas a verdade é que o mercado estava insatisfeito, pois muitas empresas que apostaram na valorização do Real demandavam a moeda americana para cobrir posições e diminuir prejuízos. Por isso, numa operação que também não realizava desde 2003, o BC deu início à venda direta de dólar (sem direito à recompra, portanto), no dia 08 de outubro, usando entre US$ 1,3 e 1,7 bilhões das reservas externas, segundo estimativas da época.

No mesmo dia modificou, novamente, as regras dos depósitos compulsórios, liberando, estimativamente, mais R$ 23,2 bilhões com o objetivo de reforçar os instrumentos de destravamento do crédito. Para isso, aumentou, de um lado, o desconto do compulsório de 15% recolhido sobre os depósitos a prazo de R$ 300 milhões para R$ 700 milhões, isentando 12 das 26 instituições obrigados a recolhê-lo, o que implicou uma liberação de R$ 6,3 bilhões; de outro, reduziu a alíquota do compulsório adicional

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recolhido sobre os depósitos a prazo e sobre os saldos em conta-corrente de 8% (exigibilidade adicional) para 5%, liberando mais R$ 16,9 bilhões.

Somando as liberações do compulsório realizadas pelo BC desde o dia 24/09, este montante alcançava R$ 59,9 bilhões, mas o fato é que os R$ 23,5 bilhões disponibilizados para os bancos de grande parte para adquirir parte da carteira de crédito das instituições permaneciam “parados”, já que essa iniciativa ainda não prosperara, com os bancos privados relutando ou em dificuldade para fazê-lo, dada a desconfiança dominante nos riscos dessa operação.

A solução para essa questão foi tentada no dia 06 de outubro, por meio da Medida Provisória 442/08, a qual autorizou o próprio Banco Central a comprar carteiras de crédito de bancos com dificuldades de liquidez, por meio de aplicações do redesconto, e que terminou sendo regulamentada pela Resolução 3622, do Conselho Monetário Nacional (CMN), no dia 08 de outubro. Não foi vista, contudo, como uma solução eficiente. Por mais que com a Resolução se tenha procurado fechar portas para evitar prejuízos para o setor público, exigindo garantias superiores ao empréstimo concedido dos bancos que receberam esse benefício; estabelecido um prazo máximo de um ano para a recompra de carteiras; definido o custo da operação (taxa Selic mais um adicional a ser definido pelo BC); e de ter atribuído à autoridade monetária poderes para interferir na administração dos bancos socorridos, restringir remuneração dos acionistas e também o aumento de salários dos executivos, essa atividade (compra de carteiras de crédito) era totalmente inusitada para a instituição, que não dispunha, inclusive, de estrutura e equipe para realizá-la com eficiência.

A falta de resultados produzidos com essas medidas para desbloquear o crédito, levou o BC, poucos dias depois, a promover nova flexibilização nos depósitos compulsórios. No dia 13/10, anunciou novas regras que, potencialmente, poderiam liberar mais R$ 47,1 bilhões, com o impacto total de liquidez podendo chegar a R$ 107 bilhões, considerando as medidas anteriores. Entre essas medidas destacavam-se: nova ampliação do desconto de R$ 700 milhões para R$ 2 bilhões do compulsório “tradicional” sobre depósitos a prazo, liberando R$ 13,1 bilhões; aumento do desconto da “Exigibilidade Adicional” de R$ 300 milhões para R$ 1 bilhão (+ R$ 8 bilhões); mudanças nas regras e no desconto para a compra de carteira pelos bancos (+ R$ 6 bilhões); concessão do desconto no compulsório de depósitos de empresas de leasing para os bancos participarem dos leilões de

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compra e venda de dólares (+ R$ 20 bilhões). Além disso, o BC sinalizaria estar disposto a extinguir os compulsórios sobre depósitos a prazo e sobre os mantidos por empresas de leasing, além de acabar com a “exigibilidade adicional” dos depósitos a prazo e à vista, de acordo com as necessidades de liquidez dos mercados. (Cf. Folha de São Paulo, 14/10/2008). Além disso, foi reduzida, no dia 14/10, de 45% para 42% a parcela do compulsório dos depósitos à vista e elevado o volume de recursos que os bancos devem aplicar em crédito rural.

A ampliação das medidas que vinham sendo adotadas tornou-se necessária porque o crédito continuava travado, os grandes bancos estavam empoçando a liquidez, deixando os ganhos obtidos com a redução do compulsório aplicados no over, sem repassá-los para as instituições de pequeno e médio porte, e as empresas, especialmente, as que apostaram na valorização do Real necessitando de crédito para refinanciarem suas dívidas. Para o Banco Central, a liberação de liquidez era vista, também, como estratégia importante para amenizar as pressões oriundas do próprio governo para a redução dos juros.

Para mudar este quadro, o BC começou a alterar algumas regras das medidas anteriores: pela Resolução 3624, de 16/10/08, do CMN, modificou a Resolução 3622, originária da MP 442/08, autorizando-o a determinar que os recursos captados pelos bancos a partir das reservas internacionais fossem destinados, no todo ou em parte, para operações do comércio exterior, o que não era explicitado na Resolução anterior.

No dia 21/10, o governo editaria a MP 443/08, autorizando o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a constituir subsidiárias integrais ou controladas para adquirir participações em bancos e outras instituições financeiras em dificuldades, dispensando essas operações das exigências de licitação. Além disso, a MP autorizaria a criação da empresa CAIXA – Banco de Investimento S/A, subsidiária da Caixa Econômica Federal, para explorar atividades de banco de investimento, participações e demais operações previstas na legislação especial, com autonomia para adquirir participações minoritárias em empresas de construção civil. E, medida preparatória de negociações que vinham sendo desenvolvidas com o Fed, autorizava o Banco Central a realizar operações de swap de moedas com bancos centrais de outros países.

À medida que a crise avançava e o crédito continuava sem fluir para sustentar/reativar setores importantes da economia que começavam a

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perder forças, o governo foi, pouco a pouco, direcionando recursos dos bancos públicos para o seu financiamento. No dia 29/10, anunciou a liberação de duas linhas de crédito de R$ 3 bilhões para o financiamento do setor de construção civil, através da Caixa Econômica Federal: a primeira, para antecipar em até 20% os custos do empreendimento, com carência de 18 meses para o pagamento do principal, que seria amortizado ao longo dos 24 meses seguintes; a segunda, para capital de giro, com base nos recebíveis das empresas de construção, limitando o empréstimo a 70% do valor desses ativos, mas com um prazo de até 60 meses para o seu pagamento. Para ajudar a indústria automobilística, o governo autorizaria o Banco do Brasil a associar-se a empresas de financiamento de automóveis em dificuldades e garantir o crédito para o setor, disponibilizando R$ 4 bilhões para essa finalidade, os quais poderiam também ser descontados de seu compulsório.

Além disso, com o objetivo de ampliar o volume de recursos destinados para desbloquear o crédito, o BC anunciou, no dia 27/10, um novo desconto no compulsório bancário para os bancos que antecipassem o repasse do Fundo Garantidor de Empréstimos, em até 5 anos, cujos recursos, estimados em até R$ 6 bilhões, seriam destinados para comprar títulos emitidos por instituições financeiras de pequeno e médio porte.106

Em outra frente, para derrubar a resistência do sistema bancário em liberar o crédito e atender as demandas das empresas, o governo decidiu, no dia 30 de outubro, retirar a remuneração dos bancos relativos aos 70% do recolhimento compulsório sobre os depósitos a prazo, caso estes não adquirissem “carteiras de crédito” de bancos menores, e a exigir que o recolhimento passasse a ser feito apenas em dinheiro e não mais em títulos públicos. Uma medida que não deu certo, porque os bancos começaram a vender os títulos, até mesmo para obter os recursos necessários para o recolhimento, derrubando suas cotações e encarecendo e criando

106 O FGC foi criado no final de 1995, sendo formado por contribuições dos bancos, com o objetivo de dar proteção aos correntistas e investidores, garantindo, na atualidade, a cobertura de depósitos com valor de até R$ 60 mil por pessoa. No final de 2004, alterações em seu regulamento passaram a permitir sua atuação como emprestador do mercado em momentos de dificuldades, sendo autorizado a usar até 20% de seu patrimônio para a compra de carteiras de créditos dos bancos, enquanto o seu regimento interno estabeleceu um limite de 15% de suas disponibilidades em caixa para essa finalidade. Em dezembro de 2008, com um PL de R$ 18 bilhões e disponibilidades de R$ 23,4 bilhões, que poderia aumentar com a antecipação do recolhimento do FGC, o Conselho Monetário nacional decidiu aumentar o limite de compra de carteira pelo FGC de 20% do PL para 50%, aumentando em R$ 6,5 bilhões o montante destinado para essa finalidade, principalmente para atender as necessidades dos bancos pequenos e médios, com patrimônio de até R$ 2,5 bilhões, visando dar a estes condições de continuar emprestando.

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problemas para a rolagem da dívida, já que passaram a exigir juros mais altos para comprá-los. Por isso, o BC terminou recuando, no dia 13 de novembro, quando voltou a permitir que, a partir de 01/12, o recolhimento voltasse a ser feito com títulos públicos, que são corrigidos pela taxa Selic.

Apesar de atuar para desafogar o crédito injetando liquidez no sistema, o Comitê de Política Monetária (COPOM), do BC, contraditoriamente e na contramão do que vinha sendo feito na maioria dos países do mundo, acabou mantendo, na sua reunião do dia 19 de outubro, a taxa Selic em 13,75%, sinalizando, em sua ata, que poderia retomar o processo de sua elevação por receio de que a inflação, apesar da desaceleração econômica que se avizinhava, poderia ser afetada negativamente pela acentuada desvalorização cambial.

Criticada de uma maneira geral, inclusive por membros do próprio governo, a decisão do COPOM se explica, como Henrique Meirelles expôs na imprensa várias vezes, pelo fato de o BC dissociar política de liquidez da política de juros e continuar priorizando o atingimento da meta da inflação, mesmo num contexto em que aumentavam, gradativamente, os riscos de uma recessão prolongada no mundo desenvolvido e de forte desaceleração na economia brasileira. Com essa decisão, o Brasil continuou liderando o ranking das taxas de juros reais mais altas do planeta, com 7,9%, seguido da Hungria (5,5%), Turquia (5,1%) e Austrália, com uma taxa real de 4,7%.

De qualquer forma, o final do mês reservou uma boa notícia para o BC tornar mais eficiente sua intervenção no mercado de câmbio, fortalecendo sua posição para, pelo menos, tentar conter a desvalorização do Real frente ao dólar: em acordo firmado com o Fed, o Banco Central do Brasil (e também os de Cingapura, Coréia do Sul e México) passou a contar com US$ 30 bilhões adicionais por ele disponibilizados para atender a demanda de dólares sem ter de lançar mão de suas reservas externas. Espécie de um empréstimo sem condicionalidades, tratava-se, na verdade, de uma troca de moedas (swap), de dólares por reais, prevista na MP 443/08, cujos recursos ficariam disponíveis para o País até 30/04/2009.107 Na mesma direção, a linha de crédito de curto prazo, sem condicionalidades, de US$ 100 bilhões, disponibilizada pelo FMI para as economias emergentes que contavam com políticas econômicas sólidas, dos quais US$ 22,5 bilhões poderiam ser tomados pelo Brasil, de acordo com sua cota de participação na instituição, a uma taxa que variava entre 2,9% e 4,9%, em função do montante do

107 Em fevereiro de 2009, o FED adiou para outubro o prazo para que o Brasil e mais 12 países, além da União Européia, pudessem lançar mão dessa linha de crédito, operação isenta da cobrança de juros.

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empréstimo, reforçou a posição do BC de intervir no mercado, defender a moeda nacional e proteger a “economia real”.

Mas enquanto o BC lutava para sustentar o sistema financeiro e a economia brasileira, e a crise financeira parecia aparentemente caminhar para uma solução, não foram poucas as vozes no Brasil que repetiam o mantra de que “o pior já passou”. A bem da verdade, apesar dos dramáticos crashs observados em princípios de outubro, na esteira das dúvidas sobre a eficácia do “pacote” norte-americano de resgate do sistema financeiro, as bolsas de valores no mundo se recuperaram, de forma espetacular no dia 13, empolgadas pelos “pacotes” de nacionalização do sistema financeiro dos países europeus, levando muitos a acreditar que, de um modo ou de outro, não levaria muito tempo para os mercados se estabilizarem. O ex-diretor do Banco Central do Brasil, Gustavo Loyola, declararia, por exemplo, que, utilizando munição pesada, os governos e os bancos centrais haviam finalmente conseguido “tirar o bode da sala”, de modo que o clima de pânico deveria arrefecer, com a progressiva redução da volatilidade dos mercados. Apesar do comportamento das bolsas no dia seguinte não revelar a mesma dose de otimismo, a impressão de que a crise estava sendo superada persistiu por algum tempo, com o ministro Guido Mantega declarando, no dia 18, que o País tinha “condições de passar por essa crise mantendo um padrão bastante razoável de crescimento”. “Afinal, afora o que estava ocorrendo no ‘front’ externo, a economia interna ainda dava sinais de robustez, como haviam revelado os indicadores sobre produção, consumo, emprego, exportações, e outros, relativos ao mês de setembro”. O mito da invulnerabilidade brasileira virou até capa da revista Veja, que apresentou o Brasil como um imponente couraçado, fortemente blindado, navegando tranquilamente por entre as ondas revoltas da crise internacional.

Este otimismo foi, contudo, de curta duração, não tendo resistido à divulgação dos dados ruins da economia mundial, especialmente dos países desenvolvidos, confirmando que uma recessão profunda e prolongada se encontrava a caminho. Do anúncio da queda de 0,6% do PIB britânico no terceiro trimestre, o que não acontecia desde 1992, seguiu-se a divulgação, no dia 30/10, de uma contração de 0,3% do produto americano (depois revista para 0,5%) e projeções pessimistas de que esses países, assim como os da zona do euro e o Japão também entrariam em recessão, enquanto as economias emergentes não sairiam incólumes dessa situação, sendo

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atingidas por forte desaceleração, o que seria confirmado à medida que novas estatísticas e projeções do FMI, ONU, e outros institutos de pesquisas sobre a atividade produtiva mundial foram sendo divulgadas. Neste contexto, a crise financeira deslocou-se, com força, e contaminou rapidamente as expectativas de empresários e consumidores também no Brasil, reduzindo as intenções de consumo e investimento e abrindo as portas para o aumento da inadimplência que já emitia fortes sinais de que se encontrava também a caminho.

3. Sinais de Tsunami

O problema das crises econômicas é que, dependendo de sua natureza e dos fundamentos da economia, sua marcha às vezes costuma ser silenciosa, produzindo estragos aparentemente setoriais e localizados que vão se espalhando, como uma metástase, pelo resto do organismo econômico, sem que essa contaminação seja percebida, especialmente se este continuar apresentando ares saudáveis. Aparentemente era este o caso da economia brasileira, que, em setembro de 2008, caminhava celeremente, sem desequilíbrios aparentes, para colher mais um ano de uma expressiva taxa de crescimento, provavelmente superior à de 5,7% alcançada no ano anterior. Com a economia estabilizada e políticas econômicas consideradas sólidas pelo mercado, o País conseguira obter o status de grau de investimento, tornando-se, aos olhos da comunidade internacional, um porto confiável para receber investimentos externos. Protegido contra ataques especulativos com expressivas reservas externas, havia conseguido tornar-se credor líquido do mundo e pôr praticamente para escanteio sua tradicional vulnerabilidade externa, tendo deslocado o motor do crescimento para o mercado interno. E, para finalizar, a persistente geração de elevados superávits primários do setor público constituía garantia de que a relação dívida pública/PIB manteria sua trajetória de redução.

Fruto, em grande parte, do dinamismo da economia internacional, o bom desempenho da economia brasileira sofria, todavia, com a manutenção em níveis exagerados das taxas internas de juros e de elevados superávits primários, que impediam que o País caminhasse na construção de fundamentos mais sólidos para o crescimento sustentado, ao manter enfraquecidos os investimentos públicos e privados. Isto para não falar

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na dependência estrutural de financiamento externo, dada a incapacidade dos intermediários financeiros locais, num contexto de taxas de juros escorchantes, de alocar recursos de longo prazo, e da excessiva valorização da moeda nacional, causada pela entrada maciça de fluxos de capitais externos resultantes, seja dos saldos comerciais obtidos, de investimentos diretos ou de investidores atraídos pelas altas taxas internas de juros, ainda que isso implicasse problemas potenciais para as contas externas, como deixou claro a trajetória do saldo comercial e da conta-corrente já em 2007, e mais ainda em 2008, só compensados pela firmeza da demanda externa e pela explosão dos preços das commodities.

Quando a crise financeira eclodiu nos EUA, em 2007, avançou em 2008 e produziu a “segunda-feira negra”, em setembro, com a quebra do Lehman Brothers, as autoridades econômicas não estavam, contudo, preocupadas com essas questões, mas com a contenção de pressões inflacionárias supostamente causadas pelo crescimento do mercado interno, fortalecido pelo aumento do emprego, da renda e por uma rápida e persistente elevação do crédito (em torno de 40% do PIB), num contexto de insuficiência da capacidade de oferta do setor privado, apesar do aumento dos investimentos, ainda inibidos pelo nível das taxas de juros, pela insuficiência dos investimentos públicos e pela precariedade da infra-estrutura econômica. De outro lado, o ministério da Fazenda, começava lentamente a enfrentar os problemas gerados pela escassez dos investimentos públicos, com o lançamento de programas de longo prazo, como o PAC e depois o PDP, mas com recursos limitados pelos compromissos assumidos com a geração de elevados superávits primários.

O bom momento vivido pela economia brasileira obliterou não apenas os desequilíbrios internos – particularmente a tendência ao déficit na balança comercial no longo prazo –, mas também a gravidade da crise iniciada nos EUA, enquanto a soberba de ter-se conseguido, com a política econômica implementada, garantir o crescimento com estabilidade, impediu o governo de enxergar – ou simular não ter enxergado - que também o Brasil seria atingido.

Assim, quando, por efeito da crise internacional, o crédito externo evaporou, desaparecendo, de um momento para outro, as linhas de financiamento para as exportações, para as instituições financeiras, principalmente as de pequeno e médio porte, dele dependentes, e também para o setor produtivo, e começaram a ser conhecidas as perdas patrimoniais

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das empresas brasileiras resultantes da desvalorização cambial,108 foi que se percebeu que a “economia real” poderia ser afetada, levando o Banco Central a reagir. Inicialmente, contudo, as ações foram por demais tímidas, com a liberação do compulsório, visando injetar liquidez nos bancos e garantir o financiamento de empresas, do consumo e das exportações para sustentar o crescimento econômico. Num contexto de desconfiança e de forte aversão ao risco, essas medidas não se revelaram, contudo, eficientes, conduzindo, gradativamente, à redução do consumo e da atividade produtiva, à falta do principal combustível da economia: o crédito.

Por isso, antes mesmo que a recessão nos países desenvolvidos se aprofundasse, com implicações ainda mais sérias para o Brasil, os indicadores econômicos do mês de outubro já começaram a revelar que o País começava a ingressar progressivamente num processo de desaceleração: a indústria automobilística viu as vendas de veículos contraírem-se 11% em relação ao mês anterior e as principais empresas do setor a darem início a programas de férias coletivas; em São Paulo, as vendas de imóveis novos na capital caíram quase 50% em setembro em relação ao mesmo mês do ano anterior; no mesmo estado, a indústria de transformação fechou 10 mil vagas em outubro, num período em que, normalmente, a contratação é positiva; no País, seria registrado o pior resultado do ano na geração de emprego: apenas 61.401 vagas ou 70% menos do que ocorrera em outubro de 2007, com os piores desempenhos cabendo à indústria de transformação, à de construção civil e à agricultura; os níveis de inadimplência cresceram rapidamente: em comparação com setembro, o índice da pessoa física calculado pela Serasa aumentou 4,9% e 6,9% em relação a outubro de 2007; especificamente no financiamento de veículos novos, o índice saltou de 3,6% em setembro para 3,9% em outubro, mas a maior preocupação era o que aconteceria com os de carros usados, geralmente adquiridos por consumidores com menor poder aquisitivo, que alimentavam os negócios realizados na compra de carros novos.

108 Segundo pesquisa realizada em 179 empresas cotadas na Bolsa de Valores e que excluiu a Vale e a Petrobrás, a dívida externa dessas empresas era de quase US$ 51,9 bilhões em junho de 2008, mês em que o dólar fechou em aproximadamente R$ 1,60. Com o dólar flutuando violentamente, mas sempre bem acima de R$ 2,00, não é difícil perceber os prejuízos das empresas brasileiras que apostaram na política do BC que levou à sobrevalorização do real.

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Quadro 1Mudanças nas regras dos depósitos compulsórios

Dia/mês

1) Aumento de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões do desconto dado no compulsório adicional dos bancos

2) Adiamento de janeiro para março de 2009 da implantação total do compulsório sobre os depósitos bancários feitos por empresas de leasing

1) Redução de 8% para 5% das alíquotas de exigibilidade adicional que incide sobre depósitos a prazo e à vista;

2) Aumento de R$ 300 milhões para R$ 700 milhões do desconto no compulsório “tradicional” sobre depósitos a prazo

Reduz de 35% para 42% a parcela do compulsório dos depósitos à vista e eleva o volume de recursos que os bancos aplicam em crédito rural

BC volta atrás e permite que a partir de 01/12 os bancos voltem a fazer o recolhimento do compulsório sobre depósitos a prazo por meio de títulos públicos, que são corrigidos pela taxa Selic.

Desconto no compulsório aos bancos que repassarem recursos ao FGC, que os usará para comprar títulos de instituições financeiras com patrimônio de até R$ 2,5 bilhões.

Estende o desconto no compulsório também a bancos que fizerem empréstimos de curto prazo para instituições menores

BC determina que não receberá títulos públicos como pagamento pelo compulsório sobre depósitos a prazo e que o dinheiro recolhido não terá remuneração para os bancos que não comprarem carteira de crédito de instituições menores.

1) Aumento de R$ 700 milhões para R$ 2 bilhões do desconto no compulsório “tradicional” sobre depósitos a prazo;

2) Aumento de R4 300 milhões para R$ 1 bilhão no desconto do compulsório de exigibilidade adicional

3) Mudança nas regras para a compra de carteiras de crédito pelos bancos: - aumento de R$ 2,5 bilhões para R$ 7 bilhões do patrimônio dos bancos

que podem vender carteiras de crédito, abrindo espaço para que fundos de investimentos, que enfrentem problemas de liquidez, contem com essa alternativa;

- aumento de 40% para 70% do desconto do compulsório a ser recolhido; - os bancos podem também comprar títulos emitidos por empresas que

estejam na carteira dos fundos de investimento;4) Desconto equivalente no compulsório que incide sobre depósitos de

empresas de leasing para os bancos que participam dos leilões de linha de dólares

Desconto no valor do recolhimento compulsório para os bancos que comprarem carteira de crédito de instituições menores, com patrimônio de até R$ 2,5 bilhões.

24/09

08/10

14/10

13/11

27/10

16/10

30/10

02/10

13/10

5,2

8,0

6,3

16,9

5,5

40,0

Até 6,0

Impactos incluídos nas medidas dos dias 2 e 13

Bancos vendem títulos, provocando quedas em suas cotações, encare-cendo e criando pro-blemas para a rolagem da dívida pública.

23,5

13,1

8,0

6,0

20,0

Medidas Impactos(em R$ bilhões)

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4. Enfrentando a Crise

Essa piora inicial dos indicadores revelava que, apesar das medidas adotadas pelo governo para destravar o crédito, este continuava represado, tornando-se mais seletivo e mais caro para todos os setores: automóveis, eletrodomésticos em geral, construção civil, exportações (ACCs), derrubando, junto, os índices de confiança de consumidores, empresas, bancos e investidores no comportamento da economia.

Por isso, com mais ênfase em novembro, o governo começou a ir além das medidas adotadas pelo BC de redução dos compulsórios e a adotar outras medidas para fortalecer o capital de giro das empresas e garantir o crédito para os setores que mais vinham sendo afetados com sua falta: de um lado, ampliou o prazo, em cerca de dez dias, do pagamento de tributos pelas empresas (IPI, PIS/Cofins, IR retido na fonte e Contribuição Previdenciária), o que deixaria livre, em seus caixas, cerca de R$ 21 bilhões neste período, embora este efeito só fosse sentido no primeiro mês (MP n. 447/08); de outro, procurando suprir o papel dos bancos privados no fornecimento do crédito, anunciou o repasse de R$ 10 bilhões para o BNDES realizar empréstimos em linhas de capital de giro, pré-embarque (exportações) e empréstimos-ponte para projetos que estavam sendo iniciados pelas empresas; de uma linha de crédito de R$ 5 bilhões do Banco do Brasil para atender as demandas das pequenas e médias empresas; e a destinação de mais R$ 4 bilhões do Banco Nossa Caixa, adquirido pelo Banco do Brasil, para o financiamento de automóveis até o final do ano, assegurando, com isso, com os R$ 4 bilhões antes destinados pelo BB para essa finalidade, R$ 8 bilhões para serem repassados aos bancos das montadoras, os quais deveriam oferecer como garantia suas carteiras de crédito e de recebíveis dos empréstimos realizados. Foi somente a partir do início deste processo de deterioração dos indicadores econômicos e das expectativas de empresas e consumidores, que Lula finalmente começou a reconhecer explicitamente a existência da crise e de que o Brasil poderia ser por ela afetado, ao considerar que “pesa sobre o mundo a ameaça de uma recessão global e (...) nenhum País está livre do contágio da crise financeira”.109 A crise econômica se encontrava, contudo, apenas no estágio inicial.

109 Folha de São Paulo, 09/11/2008, p. B7.

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No plano internacional, indicadores da atividade produtiva e projeções sobre o desempenho da economia mundial, em 2008 e 2009, confirmavam a chegada e instalação da recessão nos países desenvolvidos e a forte desaceleração dos emergentes: previsões realizadas e divulgadas pelo FMI no relatório “Panorama da Economia Mundial”, nos primeiros dias de novembro, as quais passaram, posteriormente, a ser consideradas otimistas, indicavam uma redução do crescimento da economia mundial de 3,7%, em 2008 para, 2,2%, em 2009, sustentado pelas economias emergentes, embora com um recuo da taxa de expansão econômica destas de 6,6% para 5,1%, no período, enquanto as economias desenvolvidas conheceriam uma contração de 0,3%, atingindo com maior força o Reino Unido (-1,3%), EUA (-0,7%), a zona do euro (-0,5%) e o Japão (-0,2%). O Brasil, para o qual se projetava antes um crescimento de 3,5% viu este ser revisto para 3%. No relatório chamava-se a atenção, no entanto, para o fato de que “uma piora no mercado financeiro certamente contrairá ainda mais a economia como um todo”.110

Mas se eram esperadas notícias favoráveis sobre a economia mundial, após os “pacotes” salvadores do sistema financeiro e de estímulo à economia lançados por diversos governos, essas não vieram em novembro, indicando, ao contrário, ser progressiva a deterioração do quadro econômico: nos EUA, os números do desemprego só tenderam a aumentar (533 mil demissões em novembro contra 320 mil em outubro e 284 mil em setembro, com a taxa de desemprego subindo de 6,5% para 6,7%), acompanhados da divulgação de dados preocupantes sobre a situação pré-falimentar das empresas gigantes do setor automotivo, a General Motors, a Ford e a Chrysler, que passaram a reivindicar, do governo, um “pacote” de salvamento, inicialmente previsto em US$ 25 bilhões para sobreviverem; além disso, confirmar-se-ia, ao longo do mês, que o País poderia estar ingressando num processo de deflação, com a divulgação da queda de 1% do índice de preços ao consumidor de outubro; como conseqüência, uma nova rodada de perdas para o sistema financeiro, foi inevitável, com as ações do Citigroup e do JPMorgan Chase despencando. Tais fatos levaram os EUA a aprovar novos “pacotes” de resgate: um para o Citigroup no valor de US$ 326 bilhões; outro para estimular a economia e estancar a queda do preço dos imóveis, no montante de US$ 800 bilhões.

110 Folha de São Paulo, 07/11/2008, p. B7.

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Na Europa, a situação não era diferente: com o recuo da atividade econômica e a forte queda das exportações, a OCDE passou a projetar um cenário de forte aumento do desemprego para 6,9%, em 2009, 7,2%, em 2010, e 8,6% para a zona do euro. Na mesma linha das empresas automotivas dos EUA, a européia, também em dificuldades, passou a fazer pressão no Congresso em busca de um “pacote” salvador de US$ 50 bilhões; novos “pacotes” de estímulo à economia anunciados pela China (US$ 586 bilhões), governo britânico (30 bilhões de euros), Comissão Européia (200 bilhões de euros), acompanhados de novos cortes das taxas de juros por diversos países só confirmaram que a recessão nos países desenvolvidos e a desaceleração nas economias emergentes poderiam ir além das previsões otimistas do FMI. Como decorrência, as projeções de crescimento da economia mundial só tenderam a piorar.

Relatório do Instituto de Finanças Internacionais divulgado, em novembro, indicava um crescimento de apenas 0,5% da economia mundial em 2009, também sustentado pela expansão das economias emergentes, mas à taxa de 4,5%, compensando uma contração de 0,6% dos países desenvolvidos. Relatório da ONU divulgado em 01/12 previa, em um cenário básico de normalização dos mercados financeiros no prazo de nove meses e de anúncio de novos “pacotes” de salvamento da economia, um crescimento de apenas 1% da economia mundial, mas de contração de 0,4% em um cenário pessimista, em que se considerava a manutenção das turbulências nos mercados financeiros mundiais e um declínio ainda maior na concessão de empréstimos nos países desenvolvidos, além de uma crise de confiança prolongada no futuro da economia. Neste cenário, o crescimento do PIB, no Brasil, não iria além de 0,5%, nível muito distante dos 3% projetados pelo FMI.

No Brasil, se o mês de outubro já se mostrara desfavorável, os indicadores de novembro confirmavam que se caminhava para uma desaceleração mais forte da economia do que se imaginava: as vendas da indústria automobilística conheceram uma queda de 25,7% em relação a outubro, com redução de 28% da produção comparada ao mesmo mês do ano anterior; com estoque crescente de veículos em seus pátios, as empresas (Wolks, FIAT, Citroën, GM) anteciparam ou prolongaram férias coletivas dos funcionários e deram início a demissões, que atingiram 480 empregados no mês; como conseqüência, o mesmo caminho começou a ser trilhado pelas indústrias de autopeças, com previsão de demissões de

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8.200 funcionários até o final do ano; na Zona Franca de Manaus (ZFM), as demissões atingiram 680 empregados, um crescimento de 132% em relação a novembro de 2007, o mesmo ocorrendo na LG Eletronics (200 demissões), uma fábrica de celulares e monitores; na construção civil, um cenário de mais forte contração da atividade tornou-se mais acentuado, com a divulgação de uma grande queda das intenções de investimentos no setor e com a previsão feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de que 100 mil postos de trabalho seriam fechados até o fim do ano e outros 175 mil deixariam de ser contratados em 2009.111

O dado, no entanto, que foi capaz de gerar maior preocupação foi a divulgação, pelo IBGE, no início de dezembro, de que a indústria conhecera uma contração de 1,7% no mês de outubro em relação a setembro e crescimento de apenas 0,8% na comparação com o mesmo mês do ano anterior, indicando uma provável contração do PIB no quarto trimestre. A queda ocorrida atingiu todas as categorias deste setor: bens duráveis (-4,7%, com declínio de 1,4% do setor automobilístico); bens intermediários (-3%), semiduráveis e não-duráveis (-2,2%) e bens de capital, com queda de 0,5%.

A deterioração das expectativas que se seguiu à divulgação do desempenho da indústria reforçou e ampliou os horizontes da desaceleração econômica: várias empresas começaram a revisar e adiar investimentos previstos para 2009, como a Usiminas (corte de 30 a 40% dos R$ 7 bilhões previstos) e a Vale do Rio Doce (adiamento de projeto de níquel no Canadá), aumentando para cerca de R$ 40 bilhões, até o início de dezembro, o anúncio de cortes dos investimentos programados pelas empresas no País; outras, diante do enfraquecimento da demanda mundial e doméstica, a reduzir a produção, a exemplo também da Vale do Rio Doce, que anunciou a redução da produção de cobre e níquel no Canadá e de 10% na produção de minério de ferro no Brasil; com isso, ganhou força o processo de demissões de funcionários (de uma vez, a Vale anunciou 1.300 demissões em suas empresas no mundo) e de concessão de férias coletivas, expediente que se espalhou como um rastilho de pólvora pela indústria, com a paralisação da produção de muitas empresas dos ramos de química, fertilizantes, veículos, alimentos, siderurgia e papel e celulose. Imagens de uma verdadeira “carnificina” no número de empregos no início

111 Para algumas dessas informações, ver Folha de São Paulo, 04/12/2008.

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de 2009 passaram, assim, a povoar a análise de empresários, sindicatos, e de outros analistas sobre a situação da economia brasileira neste ano.

Se a situação da demanda doméstica não apresentava motivos para melhorar as expectativas sobre o futuro próximo da economia, o mesmo acontecia com a demanda externa, indicando que, além do progressivo enfraquecimento desta fonte de dinamismo da economia brasileira, o País poderia voltar a incorrer em fortes desequilíbrios externos, correndo o risco de se defrontar, novamente, com uma situação de grande vulnerabilidade: com a retração da demanda externa e a queda acentuada dos preços da commodities, em geral, e o fechamento do crédito para as exportações, as projeções de queda do saldo comercial, devido principalmente à queda das exportações, passaram a oscilar entre a possibilidade de geração de um déficit à obtenção de um superávit máximo de US$ 10 bilhões. Em qualquer destes casos, o déficit em conta-corrente poderia ir bem além dos US$ 35 bilhões que estavam sendo projetados, o que, num contexto de redução dos investimentos estrangeiros diretos (IED), obrigaria o Banco Central a usar reservas para honrar os compromissos externos, principalmente se continuassem bloqueados os canais do crédito dos bancos internacionais.

Não surpreende, diante disso, que pioraram progressivamente as projeções do crescimento do PIB no Brasil: a partir da queda de 1,7% na produção industrial em outubro, a consultoria LCA revisou suas projeções e passou a considerar provável a queda de 0,5% do PIB no quarto trimestre de 2008 e no primeiro de 2009, caracterizando um cenário de recessão. Com base em dois cenários, básico e adverso, diminuiu o crescimento no primeiro de 3,3% para 3% (70% de probabilidade de ocorrência) e de um crescimento de 1,9% no segundo (30% de probabilidade). Já as projeções do Banco Itaú passaram a prever um crescimento de apenas 2% para o Brasil em 2009, o que demonstraria a maior resistência de sua economia à crise, alcançando um resultado considerado melhor do que o esperado para a maioria dos países, principalmente dos desenvolvidos.112

Nessa situação de incertezas e desconfiança, a ação do BC para diminuir a volatilidade do cambio e deter a valorização do dólar não se revelou bem sucedida, com o fluxo cambial tornando-se negativo a partir de outubro, devido à queda dos saldos comerciais e às saídas de capitais, especialmente no segmento financeiro: apesar de suas intervenções no

112 Folha de São Paulo, 3 e 4 de dezembro de 2008, p. B2.

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mercado de câmbio terem superado US$ 50 bilhões de setembro até o início de dezembro, a desvalorização do Real não deu mostras de recuo consistente, com a cotação do dólar atingido R$ 2,53 no dia 4, com essa desvalorização estendendo-se, inclusive para outras moedas, como o yen, o euro e a libra. Dos US$ 50 bilhões, US$ 31,1 bilhões referiam-se à colocação de swaps cambiais no mercado e US$ 18,4 bilhões ao uso de reservas para realizar os demais tipos de intervenções, embora destes, US$ 11,7 bilhões tenham sido destinados para linhas de crédito oferecidas às exportações, que devem ajudar na sua recomposição quando forem pagas. De qualquer forma, as reservas externas, que se encontravam em torno de US$ 207 bilhões em setembro, já haviam caído para US$ 195 bilhões em novembro. Tal situação levou o Banco Central a reduzir as intervenções no mercado no mês de setembro, dando espaço para aumentar a volatilidade cambial e reforçar o movimento de valorização do dólar.

Com o crédito externo estancado, o crédito interno também travado, devido à desconfiança dos bancos privados com a situação, o mercado de capitais enfraquecido pela queda expressiva da bolsa de valores, sem capacidade, portanto, de funcionar como fonte de captação de recursos das empresas, a política econômica deu continuidade à estratégia de usar os bancos públicos para melhorar a liquidez da economia e liberar o crédito: no início de dezembro, o Conselho Gestor do FGTS aprovou a criação de uma nova linha de crédito emergencial de R$ 3 bilhões para socorrer as construtoras, à taxa de juros de 7 a 9% mais TR, destinando-os à compra de debêntures, por elas emitidos, e à aplicações em fundos imobiliários e recebíveis, de forma a garantir o financiamento de até 80% do valor dos seus empreendimentos. Com isso, o montante adicional de recursos para o setor atingiria, no ano, R$ 6 bilhões, considerando os R$ 3 bilhões anteriormente disponibilizados pela Caixa Econômica Federal (CEF) para capital de giro. Da mesma forma, aprovou a redução dos juros dos empréstimos ás famílias com renda de até R$ 2 mil, que caíram de 8,16% + TR para 7,16% (já incluído o custo da CEF na operação). E novos “pacotes” voltados predominantemente para a agricultura, que teve aumentado em R$ 8 bilhões os recursos que os bancos são obrigados a destinar para o crédito rural, a construção civil e a indústria, os setores mais atingidos pela crise financeira e a escassez de crédito, para estimular a demanda e o crescimento em 2009, passaram a ser anunciados pelo governo, embora limitados por um quadro de restrições orçamentárias

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e pela perspectiva de queda na arrecadação de impostos decorrente da desaceleração econômica.

Ao mesmo tempo em que o governo, diante da evidencia crescente de desaceleração da economia, começou a anunciar a formatação de “pacotes” econômicos que iam além da injeção de liquidez e de ensaios de reconstrução dos canais de crédito113, visando fortalecer o poder de compra da população, estimular o consumo e sustentar o crescimento de 4% em 2009, deu início, também, a pressões orquestradas para que o Banco Central abandonasse o conservadorismo que pautava sua atuação no combate à inflação e começasse, à semelhança dos demais países, a reduzir, na reunião do COPOM marcada para dezembro, a taxa Selic. Em reunião na Granja do Torto, no dia 24 de novembro, o presidente Lula não poderia ter sido mais explícito a este respeito: para ele, “a prioridade no governo deixava de ser a inflação e passava a ser o crescimento [mesmo porque não havia mais] pressão inflacionária, devido aos efeitos da crise internacional que acabou com o excesso de demanda”.114 Apesar dos apelos e pressões, não foi ouvido pelo COPOM.

Em sua reunião no dia 10 de dezembro, o Copom decidiria, por unanimidade, manter a taxa Selic em 13,75%, sem viés de alta ou baixa, embora indicando, provavelmente para dar uma resposta aos apelos do presidente, que poderia começar a reduzi-la na primeira reunião de 2009 marcada para janeiro. Como justificativa, apontaria as incertezas que predominavam na economia internacional e os efeitos que a alta do dólar poderia provocar sobre a inflação, o crescimento e sobre as contas externas. Tecnicamente, um cenário de desfalecimento da demanda associado a uma desaceleração generalizada dos índices de preços da economia, incluindo o IPCA, juntamente com os apelos e pressões do presidente da República, não foi suficiente para demover o BC de sua insistência em manter juros tão elevados, na contramão do que ocorria no resto do mundo e em desacordo com as iniciativas que começavam a ser adotadas pelo braço da política econômica do Ministério da Fazenda para sustentar a demanda agregada e o crescimento econômico.

113 Até o início de dezembro, já haviam sido liberados R$ 98 bilhões de recursos dos depósitos compulsórios, mas sem resultados satisfatórios para o objetivo de destravamento do crédito para a economia, especialmente para os pequenos e médios bancos, que continuam com dificuldade para a retomada de suas operações.

114 Folha de São Paulo, 25/11/2008.

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Em contraposição à decisão do Banco Central, o governo anunciaria, no dia 11 de dezembro, um “pacote” anticrise, voltado para estimular o consumo e sustentar o crescimento econômico pelo menos no nível de 4% em 2009. Dele, faziam parte quatro medidas: a) a mudança na estrutura de alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), com a inclusão de duas novas alíquotas intermediárias, de 7,5% e 22,5%, alterando o valor de suas faixas, com redução geral de sua cobrança, principalmente para os contribuintes de menor renda; b) a redução do IPI cobrado na venda de carros novos, até 31/03/2009, com a alíquota dos carros de até 1000 cilindradas caindo de 7% para 0%, a de 1000 a 2000 (gasolina), de 13% para 6,5% e de 11% para 5,5% a cobrada sobre os carros a álcool e flex. No caso de picapes de até 1000 cilindradas, redução de 8% para 1%, e de 4% para as de 1000 a 2000; c) a redução, pela metade, da alíquota diária do IOF incidente nas operações de crédito de pessoas físicas de 0,0081 (teto de 2,993 ao ano) para 0,0041 (teto de 1,4965% ao ano);115 e d) o compromisso do BC de emprestar até US$ 10 bilhões, por meio dos bancos, para empresas brasileiras saldarem dívida externa com vencimento até o final de 2009, reduzindo as pressões internas sobre o câmbio decorrentes desta demanda, medida já prevista na MP 442/08, que ainda não havia sido utilizada.

Em conjunto, o “pacote” implicava uma renúncia fiscal estimada em R$ 8,4 bilhões, valor pouco expressivo comparado aos mega-”pacotes” lançados pelos países desenvolvidos para essa finalidade, mas considerável à luz das restrições orçamentárias enfrentadas pelo Brasil e da obsessão das autoridades econômicas com o compromisso de geração de superávits fiscais, e também a utilização de até US$ 10 bilhões das reservas externas, que se encontravam reduzidas a US$ 194 bilhões, com o objetivo de deter a desvalorização do Real. Apesar da insuficiência do primeiro bloco de medidas, acreditava-se que poderiam injetar forças no consumo no final do ano e em 2009, minando a força da desaceleração, enquanto com o segundo – empréstimos de dólares -, abrir-se-ia maior espaço no mercado de crédito doméstico para as pequenas e médias empresas, que sofriam com a concorrência das grandes empresas com dívidas em moeda estrangeira.

115 A redução do IPI combinada com a do IOF deu impulso às vendas de veículos em dezembro: comparadas com o mês de novembro, as vendas cresceram 0,4%, mas registraram queda de 19,7% em relação a dezembro de 2007. Devido às férias coletivas e ao início das demissões no setor, a produção de veículos caiu 54% em dezembro ante dezembro do ano anterior e 47% em relação a novembro de 2008, com o setor, mesmo assim fechando o ano com um estoque de 211 mil veículos, número suficiente para abastecer o mercado por 36 dias.

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No dia seguinte, somando-se aos esforços do governo federal, o governo do Estado de São Paulo lançaria também um “pacote” de medidas voltadas para “aliviar” o caixa das empresas, reduzir seus custos e aumentar seu acesso ao crédito. Entre as medidas do “pacote” “paulista” destacavam-se: linha de crédito de R$ 1,2 bilhão oferecida pelo banco Nossa Caixa para os setores de autopeças e máquinas; prorrogação do prazo de recolhimento do ICMS das vendas de dezembro para o varejo e a indústria em um mês; prorrogação da redução de 18% para 12% da alíquota do ICMS para seis setores (artigos de couro; vinho; cosméticos e higiene pessoal; instrumentos musicais; brinquedos e produtos alimentícios) e do prazo para pagamento do ICMS para alguns setores incluídos no regime de substituição tributária; diminuição (isenção do ICMS para empresas com faturamento até R$ 240 mil no ano) da carga tributária para pequenas e microempresas optantes do Simples Nacional, com renúncia fiscal estimada em R$ 350 milhões.

Embora estes “pacotes” de estímulo à economia pudessem contribuir para reduzir os efeitos da recessão mundial e atenuar a desaceleração da economia brasileira, variáveis econômicas mais importantes que poderiam dar maior contribuição para este objetivo permaneciam inalteradas: os juros foram mantidos pelo BC no mesmo nível de setembro, em 13,75% (ou 8% em termos reais), aumentando consideravelmente a distância do País de seus concorrentes no ranking das economias com taxas reais mais elevadas do planeta; os gastos correntes do governo, cuja redução poderia ampliar os espaços para a redução dos juros e para o aumento do investimento público, continuaram em trajetória de expansão: três “pacotes” de reajuste do funcionalismo público encaminhados pelo Executivo para o Congresso, ao longo do ano (MP 431, MP 440 e MP 441), num contexto de forte crescimento das receitas tributárias, tiveram sua votação concluída no dia 09/12, indicando aumento nos Gastos com Pessoal estimados em R$ 6,6 bilhões em 2008, R$ 21,8 bilhões em 2009, com seus impactos se distribuindo até 2012, com um aumento global destes gastos de R$ 47,3 bilhões. Já para 2009 previa-se que esses gastos, como proporção do PIB, deveriam ultrapassar o percentual de 5% do PIB e se transformarem na segunda maior despesa do orçamento, superada apenas pelos gastos com Benefícios da Previdência. Como decorrência, além do aumento dos riscos de descumprimento das metas fiscais, tornava-se mais difícil conseguir maior “alívio” das taxas de juros e garantir a ampliação dos investimentos públicos para sustentar o crescimento em 2009.

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As dificuldades que começaram a surgir para o objetivo do crescimento, neste cenário, coincidiriam com a divulgação dos resultados sobre o desempenho da economia brasileira no terceiro trimestre de 2008, confirmando que o melhor período do governo Lula começava a ficar para trás: comparado ao segundo trimestre do ano, o PIB registrou uma expansão de 1,8% e de 6,8% em relação ao terceiro trimestre de 2007, indicando que, na ausência da crise externa, poderia superar a barreira dos 6% em 2008, o que não ocorria desde 1995. Mesmo na hipótese de que o último trimestre do ano registrasse um crescimento nulo (cenário mais provável) ainda assim estaria garantido um crescimento de 4,8% em 2008, desempenho inferior aos 5,7% de 2007, mas de todo modo considerável em face da crise. Também importante pelos números divulgados pelo IBGE era o fato de que o crescimento continuava tendo como principal motor o mercado interno, com uma taxa de expansão de 19,7% dos investimentos, 7,3% do consumo das famílias e 6,4% do consumo do governo, com a contribuição externa apresentando-se novamente negativa, dado o maior crescimento das importações (22,8%) vis-à-vis as exportações (+2%) na comparação do terceiro trimestre com mesmo período do ano anterior.

Esses dados confirmariam que o Brasil conseguira passar praticamente incólume aos efeitos da crise pelo menos até um ano após a sua manifestação mais clara nos EUA (julho/agosto de 2007), uma condição que dificilmente conseguiria manter daí por diante, por algumas importantes razões: dada a queda drástica de demanda externa, com declínio significativo dos preços das commodities, a contribuição do setor externo deveria continuar negativa, ainda que com retração das importações; o mercado interno, que vinha sustentando o crescimento, em boa medida devido à forte expansão do crédito, que impulsionou o consumo e alavancou os investimentos, começava a contrair-se com a exaustão do crédito externo e o encurtamento do crédito doméstico, apesar das injeções de liquidez realizadas pelo Banco Central e dos (insuficientes) “pacotes” de estímulos do governo para sustentar o consumo e o investimento. O retorno à situação anterior de bonança só se tornaria possível diante da recuperação do crédito externo, o que, num contexto de forte aversão ao risco e de desconfiança no funcionamento dos circuitos financeiros só deveriam ocorrer com a retomada do crescimento da economia americana e dos demais países desenvolvidos.

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Os primeiros indicadores da economia do mês de novembro e dezembro não deixavam dúvida de que o melhor já passara e que cabia à política econômica adotar medidas para atenuar o grau de desaceleração da economia: depois de conhecer uma queda de 9,2% em outubro, o índice de confiança da indústria caiu 19,4% em novembro e afundou para 74,7 pontos em dezembro, o menor nível desde outubro de 1998, indicando redução inevitável nos níveis de investimentos em geral, os quais, de fato, começaram a ser revistos e adiados por muitas empresas; depois do recuo registrado em outubro, a produção industrial conheceria mais uma contração de 7,2% em novembro e de 12,7% em dezembro, acumulando, no ultimo trimestre do ano, um crescimento negativo de 19,8%, de 6,8% comparado ao terceiro trimestre de 2008 e de 9,8% em relação ao quarto trimestre de 2007116; o mercado de trabalho registraria, em dezembro, o pior resultado em dez anos, com o corte de 654.946 postos de trabalho, embora no ano ainda se tenha registrado um saldo positivo de 1,45 milhão na geração de empregos líquidos; em novembro, a arrecadação federal, principal termômetro da atividade produtiva, registrou, pela primeira vez no ano, uma redução real de 2,13% em relação ao mesmo mês do ano anterior, e de 4,58% em dezembro, na mesma comparação.117

Intensificando as medidas anticrise, visando garantir uma taxa mínima de crescimento econômico em 2009, à medida que se tornava evidente pelos números que vinham sendo divulgados sobre emprego, nível da atividade produtiva e comportamento do crédito, que a chegada da crise no Brasil ia muito além de uma “marolinha” ou de uma “gripezinha”, o governo lançaria um novo “pacote” econômico, no dia 17 de dezembro, com o objetivo de ampliar o crédito concedido pelos bancos, assegurar maiores linhas de financiamento para os bancos pequenos e médios e estimular a produção e venda de setor automotivo: modificando a forma como os créditos tributários são contabilizados no patrimônio dos bancos, o Banco Central elevou em mais R$ 88 bilhões o volume de operações

116 A queda de 12,7% da atividade industrial em dezembro em relação a novembro atingiu todos os setores, mas com grande força os do mercado interno: o de bens de capital conheceu uma contração de 13,1% e o de bens intermediários de 18,2%. O setor de bens duráveis de consumo caiu 42,2% e o de bens não durável 1,8%.

117 Em janeiro de 2009, a arrecadação federal continuaria em queda: comparada à de janeiro de 2008 registrou um recuo de 7,26% e de 7,67% comparada à de dezembro de 2008, ou seja, ao mês anterior. Como resultado da queda da arrecadação e das despesas em alta, o superávit primário do Governo Central (Tesouro, Previdência e Banco Central) despencou em janeiro, caindo para R$ 4,2 bilhões (1,75% do PIB), contra R$ 15,3 bilhões de janeiro de 2008 (6,75% do PIB), indicando dificuldades, neste início de ano, para o atingimento da meta fiscal estabelecida para 2009.

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que os bancos poderiam realizar em 2009, medida que favoreceria principalmente o Banco do Brasil, cujo limite de empréstimos estava prestes de ser atingido, consoante os critérios estabelecidos nos Acordos de Basiléia; o Conselho Monetário Nacional autorizaria a Caixa Econômica Federal a realizar todas as operações no mercado de câmbio, incluindo o financiamento do comércio exterior, por meio, por exemplo, de ACCs, reforçando as linhas de crédito para as exportações; a alíquota do IPI incidente sobre a venda de caminhões seria reduzida de 5% para 0%, o mesmo tratamento tributário já concedido para ônibus e tratores; e, para dar mais fôlego de caixa às empresas optantes do Simples Nacional, adiou o prazo de pagamento de seus impostos relativos a dezembro de 15 de janeiro para 13 de fevereiro e os relativos a janeiro para 20 de fevereiro, com impacto estimado de R$ 2,3 bilhões na arrecadação de janeiro; além disso, reduziu as multas cobradas para estimular o cumprimento das regras do sistema, diminuiu o imposto para algumas atividades, de acordo com o número de empregados das empresas, e ampliou o rol daquelas que poderiam ser incluídas neste regime tributário. Essas medidas seriam ampliadas no início de 2009, à medida que ia se tornando mais evidente que a economia brasileira já estava sendo e seria mais afetada do que se esperava: de um lado, ganharam prioridade, pela importância do setor na geração de renda e emprego, “pacotes” habitacionais, principalmente para a população de mais baixa renda, para estimular o setor de construção civil, concedendo-se a ele incentivos por meio de financiamentos a taxas mais baixas para o setor, desoneração fiscal, e juros mais reduzidos para os mutuários, tendo-se estabelecido como meta do governo o financiamento de 1 milhão de moradias até 2010; em janeiro, seriam liberados mais R$ 100 bilhões para o BNDES financiar empresas e suprir a falta de crédito do sistema, o que aumentou a sua capacidade de empréstimos no ano para R$ 166 bilhões, 82% a mais do que em 2008; com o objetivo de assegurar a realização de mais investimentos, os recursos para obras do PAC foram ampliados em mais R$ 130 bilhões, passando para R$ 634 bilhões a serem gastos num prazo de 4 anos; conseguiu-se, também, a aprovação do Fundo Soberano do Brasil (FSB), com dotação de recursos orçamentários de R$ 14,2 bilhões para 2009 para financiar investimentos de empresas e do governo118; e, visando acomodar um nível maior de investimentos

118 Numa queda de braços com o Congresso, que não garantiu recursos no orçamento de 2009 para o FSB, o governo emitiu, no final de dezembro, uma Medida Provisória, liberando R$ 14,22 bilhões para o Fundo, por meio da

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no orçamento da União, aventou-se a possibilidade de redução do superávit primário de 3,8% para 3,3% do PIB, reforçando a estratégia de flexibilização da política fiscal para operar como política anticíclica; até mesmo o Banco Central, pressionado pelo governo, terminaria finalmente dando uma contribuição mais efetiva para mitigar os efeitos da crise, ao decidir, na reunião do Copom, realizada no dia 21 de janeiro de 2009, pela redução da taxa de juros (a Selic) de 13,75% para 13%. Apesar de tudo isso, o retorno a um cenário de baixo crescimento tornava-se cada vez mais inevitável, diante da progressiva deterioração do quadro econômico nas economias mais avançadas.

5. Chega o Tsunami?

A poucos dias da proximidade do Natal, com o governo prometendo aprovar novos “pacotes” para minar as forças da desaceleração econômica119, havia consenso de que a economia poderia ser uma das menos atingidas pela crise mundial, mas que não haveria como escapar de seus efeitos, que já se apresentavam fortes. A maior resistência à crise devia-se, em boa medida, à maior diversificação de seus mercados externos consumidores, à menor dependência da importação de commodities e à situação mais confortável de suas reservas externas, das contas públicas e da dívida, beneficiada pela valorização do dólar, e mesmo de suas contas externas, que não haviam registrado, até o final do ano, deterioração adicional importante, com todas essas variáveis funcionando como amortecedores da crise.

Parecia evidente, contudo, que todas essas condições poderiam piorar com o avanço e intensificação da crise mundial: a queda do crescimento

emissão de títulos da dívida pública (o que poderá aumentar a dívida, quando aplicados), abrindo caminho, na prática, para que este possa operar sem limites de gastos, já que na lei original de sua criação isso só poderia ser feito com receitas economizadas no orçamento. Pelas regras do FSB, os recursos poderão ser aplicados em títulos públicos, compra de papéis com compromisso de recompra, títulos de empresas privadas de baixo risco, dívidas emitidas pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e até mesmo em derivativos, desde que para proteger o capital do Fundo. Seus recursos serão destinados para o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), que funcionará como seu braço operacional, tendo como administrador o Banco do Brasil. Contra o que considerara uma ilegalidade da emissão de títulos para dotá-lo de recursos e da liberdade que passou a ter para realizar investimentos, os partidos de oposição entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), que, no entanto, só deverá ser julgada em 2009.

119 Ainda em dezembro, o governo anunciaria que estava preparando um novo pacote para janeiro que aumentaria os investimentos públicos em R$ 6 bilhões, elevando-os para R$ 33 bilhões, com o objetivo de evitar uma desaceleração mais acentuada da economia no primeiro trimestre, considerado o mais delicado do ano, além de um novo pacote habitacional voltado para a população de baixa renda.

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econômico e do aumento do desemprego indicava redução da arrecadação, como já ocorrera a partir de novembro, e de reversão da tendência de redução do déficit da previdência, num contexto de forte elevação dos gastos com pessoal ativo decorrente da elevação dos vencimentos do funcionalismo com as medidas que foram aprovadas em 2008 (MPs 431, 441 e 442), estreitando os horizontes do investimento público, do compromisso com a continuidade da política de geração de megasuperávits fiscais e de redução mais expressiva da taxa de juros120; a contração da demanda externa, acompanhada do declínio dos preços das commodities, já confirmavam a desaceleração do ritmo de crescimento das exportações, com o saldo oficial da balança comercial projetado para 2009, sendo reduzido para US$ 14 bilhões, apesar de se contar também com uma queda das importações, com o déficit em transações correntes podendo reeditar o nível de 2008, de cerca de US$ 30 bilhões121. O que, se ainda não era motivo de grandes preocupações para que os compromissos externos fossem cumpridos, devido ao volume de reservas externas e à expectativa ainda existente de ingresso de um volume considerável de investimento estrangeiro direto (IED), já indicava que o período de bonança da economia internacional ficara para trás e que o retorno a um período de baixo crescimento, que marcara o período 1980-2006, poderia estar a caminho;122

Tanto isso é verdade, que a revisão das projeções do FMI sobre o crescimento da economia mundial realizada pela terceira vez, em janeiro de 2009, reduziu a expectativa de expansão do mundo de 2,2% para apenas 0,5% e a do Brasil de 3% para 1,8%. E, no início de fevereiro de 2009, pesquisa da OCDE confirmaria, pela primeira vez desde que a crise mundial se manifestou, que a economia brasileira ingressara, no final do ano, num ciclo de desaquecimento, embora com um cenário melhor do que o das economias avançadas, dadas suas peculiaridades. Mas, em março,

120 Não sem razão, o governo anunciou, em dezembro, que poderia contingenciar cerca de R$ 20 bilhões do orçamento aprovado pelo Congresso em 2009, apesar deste ter tornado um pouco mais realistas as projeções macroeconômicas realizadas pelo próprio Executivo.

121 Em janeiro, o Brasil registraria um déficit de 518 milhões na balança comercial, como resultado da queda de 23% das exportações em relação a janeiro de 2007, o que só foi amenizado pela também queda de 12,6% das importações.

122 Para se ter uma idéia melhor da gravidade da situação, o fluxo cambial para o Brasil, em 2008, foi negativo em US$ 983 milhões, contra, em 2007, um saldo positivo de impressionantes US$ 88 bilhões. Só em janeiro de 2009 já se havia acumulado, novamente, um fluxo negativo de US$ 3 bilhões. Para agravar a situação, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IED) caiu para US$ 1,93 bilhão em janeiro ante US$ 4,8 bilhões no mesmo mês do ano anterior (queda de 60%), o que só foi compensado pela também redução das remessas de lucros para o exterior, que recuaram 77% no mesmo período, caindo de US$ 3,025 bilhões para US$ 698 milhões.

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a mesma pesquisa da OCDE já incluiria o Brasil, com base em dados relativos a janeiro, entre os países que ingressaram em “forte desaceleração econômica”, sofrendo a pior queda no nível da atividade produtiva, só perdendo para a Rússia entre os 35 países pesquisados. Com 94,5 pontos na pesquisa, a atividade econômica no País já caíra 1,8 pontos em dezembro, 2,7 em janeiro e 10,1 em relação a janeiro de 2008, passando a integrar o grupo abaixo de 100 pontos (acima de 100 pontos indica expansão ou desaquecimento, dependendo da tendência), marcado por uma forte desaceleração, sem vislumbrar perspectiva de rápida retomada.123 À essa altura, as apostas do mercado sobre o crescimento da economia, neste ano, já o haviam reduzido, com otimismo, para 1%, com alguns institutos e analistas, numa cenário mais pessimista, prevendo até mesmo um cenário negativo.

Essas previsões mais pessimistas começaram a ser confirmadas no início de março com a divulgação pelo IBGE do desempenho da atividade industrial em janeiro de 2009 e do resultado do PIB no último trimestre de 2008.

Depois de conhecer uma contração de 12,7% em dezembro, a indústria registrou uma queda de 17,2% em janeiro ante janeiro de 2008 (a maior queda desde 1991), embora tenha apresentado uma ligeira recuperação de 2,3% em relação a dezembro de 2008, devido principalmente aos incentivos concedidos pelo governo para a aquisição de carros novos pela população e às ofertas de liquidação promovidas pelo comércio nessa época do ano, que contribuíram para desovar parte dos estoques do setor e dar início à renovação de encomendas para a indústria. No resultado anual (janeiro 2008/janeiro 2009), o crescimento da indústria não passou, contudo, de 1%.124

Mas, mesmo se com estes resultados, ainda persistiam dúvidas entre as autoridades do governo sobre a dimensão dos estragos provocados pela crise mundial no Brasil, essas parecem ter sido finalmente desfeitas com a divulgação, pelo IBGE, do desempenho do PIB no quarto trimestre de 2008, que revelou uma desaceleração ainda mais profunda que a

123 Folha de São Paulo, 06/03/2009.124 Como resultado da contração da atividade produtiva em janeiro, o mercado formal de trabalho, liderado pela

indústria, perdeu mais 101.748 vagas (o que não ocorria desde janeiro de 1999), atingindo o número de 797 mil queimas de postos de trabalho desde novembro, quando a crise começou a derramar mais claramente seus efeitos sobre o Brasil. Com isso, a taxa de desemprego subiu de 6,8%, em dezembro, para 8,4% em janeiro de 2009, de acordo com a pesquisa do IBGE sobre desemprego.

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ocorrida em muito dos países por ela atingidos: com uma contração do PIB de 3,6%, a indústria registrou uma queda de 7,4%, a agropecuária de 0,5% e os serviços de 0,4%, com agravantes: o mercado interno, que vinha sustentando o crescimento, simplesmente desabou, com a queda de 9,8% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) e de 2% do consumo das famílias. O pior resultado da indústria registrado em janeiro apenas confirmaria que a crise seria bem mais grave do que tentavam vender para a população as autoridades governamentais.125

Assim, se havia consenso, no final de ano e início de 2009, de que se a profusão de “pacotes” que vinham sendo lançados na economia era importante para minar as forças da desaceleração econômica no Brasil, formara-se a convicção de que seriam insuficientes para reverter as tempestades que continuavam a desabar na economia mundial e a atingir o resto do mundo, inclusive e particularmente o Brasil. E que, enquanto não se chegasse a uma solução para recuperar a confiança dos agentes econômicos no funcionamento do sistema, na solvência dos bancos privados e no futuro da economia, as possibilidades de a economia brasileira retomar o nível de crescimento de 2006 e 2007 eram remotas, por mais “pacotes” que fossem lançados para reanimá-la.

Na realidade, até mesmo para evitar ou mitigar a recessão passou-se a depender não só da melhoria das condições da economia internacional, o que não deve ocorrer, na melhor das hipóteses, antes de 2010, e, internamente, também de ações mais pró-ativas do governo em pelo menos três frentes: na redução mais corajosa das taxas de juros; no avanço da estatização do crédito, objetivando ampliá-lo; e na realização, com maior força, dos investimentos públicos, o que não é uma tarefa nada fácil, por exigir reduções significativas do superávit primário, se se pretende continuar preservando os gastos correntes, num quadro de forte enrijecimento orçamentário, ou o corte desses gastos e a preservação do superávit, o que representaria um verdadeiro tiro no pé, por contribuir para a queda da demanda agregada. Certo, no entanto, para isso, é que será necessário

125 Diante destes resultados, ficou difícil para o governo continuar sustentando a “fantasia” de uma economia protegida, blindada, imagem que vinha vendendo para a população desde o início da crise. Ainda que contrariado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceria que “ficou difícil para o Brasil manter a meta de crescimento de 4% em 2009”. O presidente do BC, Henrique Meirelles, concordaria finalmente que “o resultado do PIB do quarto trimestre mostrou que a economia brasileira não está imune à crise no mercado de trabalho”. E o presidente Lula, apesar de mostrar preocupação com a situação, ainda assim não deixaria de lado seu ar triunfal, ao afirmar que “mesmo que ele (o PIB) seja próximo de zero, o Brasil será um dos poucos países do mundo que não terá recessão”.

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quebrar as resistências do conservadorismo do governo, particularmente do Banco Central e, à semelhança dos países desenvolvidos, promover políticas anticíclicas mais arrojadas, com maior flexibilidade da política fiscal, diante da gravidade da crise que chega e, ao que tudo indica, veio para ficar por um bom tempo.

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CAPÍTULO V

O OCASO DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA?

Mesmo que, sob o impacto dos “megapacotes” de resgate do sistema financeiro, envolvendo injeções de liquidez, cortes dos juros, renúncia tributária, ampliação dos gastos públicos e estatização de instituições financeiras, o processo recessivo em curso seja superado num espaço de tempo razoável,126 ainda assim os efeitos da crise econômica internacional serão profundos e duradouros. Mais importante, no entanto, nessa conclusão, do que avaliar os estragos que com ela serão – e continuam sendo – produzidos do ponto de vista estritamente econômico e financeiro para a economia global, é procurar compreender o que os seus resultados podem representar para a ordem econômica estabelecida e para o reordenamento do modo de produção capitalista.

Dada sua dimensão e profundidade não parece nenhum exagero afirmar que o período de hegemonia do capital financeiro, iniciado com os governos de Margareth Tatcher, do Reino Unido (1979-1990) e de Ronald Reagan, dos EUA (1981-1989), pode ter chegado – ou estar chegando – ao fim, descortinando-se um quadro de profundas mudanças na ordem econômica global. Ainda que isso não ocorra, o abalo na dominação financeira terá sido considerável, criando-se espaços para o refortalecimento das posições do capital industrial e do trabalho, e abrindo caminho para importantes reformulações nas estruturas institucionais do capitalismo, nas suas formas de funcionamento e no desenho da política econômica.127

Afinal, de acordo com estimativas do Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA), a desvalorização de ativos financeiros entre o início da crise do subprime e princípios deste ano supera US$ 50 trilhões, sem que se vislumbre qualquer tendência à sua recuperação, até porque o baque da economia “real” – fundamento último de toda valorização financeira – ainda em curso, promete ser profundo, e, sem a recuperação da

126 Em depoimento perante comissão do Senado dos EUA, no dia 24 de fevereiro, o presidente do Fed, Bem Bernanke, declarou que se as ações tomadas pelo Tesouro norte-americano e pelo Fed fossem bem sucedidas, existiria “uma perspectiva razoável da atual recessão se encerrar em 2009 e 2010 ser o ano da recuperação”. Em números, isso significa uma retração do PIB de 3,3% em 2009 e uma recuperação de 0,5% no ano seguinte.

127 Em entrevista à Folha de São Paulo, a profa. Maria da Conceição Tavares foi taxativa ao afirma que “[o] neoliberalismo foi-se” (Folha de São Paulo, 25/09/2008).

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atividade econômica, não é possível a revalorização dos preços dos ativos. Na verdade, grande parte dessas perdas é definitiva, correspondendo a contratos rompidos, créditos eliminados dos balanços e a instituições financeiras quebradas. Além do mais, mesmo que, na eventual recuperação da economia “real”, ocorra a revalorização de ativos financeiros, esta se dará de forma acanhada, até mesmo em razão do abalo de confiança no sistema, obstando a expansão desmesurada do crédito e, como decorrência, os circuitos de valorização dos ativos. Por um bom tempo, o cenário, na melhor das hipóteses, deverá ser dominado por finanças hedge, cerceando-se os movimentos especulativos necessários para um novo boom dos valores mobiliários.

Tudo indica que também poderá ser alterada a correlação das forças econômicas em escala global, com expressivo desgaste da hegemonia norte-americana, inclusive do papel do dólar no cenário financeiro internacional. Embora a flight for quality, ou seja, a fuga para os títulos do governo dos EUA, que servem como reserva de valor em momentos de crise, tenha fortalecido a moeda norte-americana no curto prazo, a própria dimensão da dívida pública dos EUA – que aumentou US$ 2,155 trilhões nos últimos meses de 2008 –, aliada ao aumento de 23,9% na oferta de moeda somente no período de agosto de 2008 a fevereiro de 2009 por parte do Federal Reserve, no desempenho das suas funções como lender of last resort,128 e ao enorme salto do déficit do Tesouro, que deve chegar a US$ 1,75 trilhão neste ano, superando 12% do PNB, têm colocado dúvidas sobre a sustentação do valor do dólar no longo prazo.

É o que se pôde depreender das declarações de Wen Jiabao, o primeiro-ministro da China – o maior credor do Tesouro norte-americano, com aplicações de US$ 727,4 bilhões em seus títulos – que, em entrevista divulgada no dia 14 de março deste ano, afirmaria estar “um pouco preocupado” com esses investimentos. Isto para não falar na desestruturação parcial do sistema financeiro norte-americano, que, de acordo com Nouriel Roubini, acumulou perdas entre US$ 1,6 trilhão e US$ 1,8 trilhão (US$ 1,1 trilhão em empréstimos e de US$ 600 bilhões a US$ 700 bilhões em ativos securitizados) sem contar com a própria desvalorização de suas ações (o valor de mercado dos dez maiores bancos dos EUA caiu 33,8% durante

128 Significa emprestador de última instância, ou seja, a instituição financeira capaz de, na eventualidade de quebra de instituições financeiras, corrida bancária ou crise sistêmica, intervém emprestando recursos a essas instituições, que, assim, não fecham suas portas.

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2008, representando perdas de US$ 461 bilhões). Como resultado, os bancos norte-americanos não apenas perderam posição no ranking das instituições financeiras mundiais, mas, em razão da fuga para o dólar e do aumento da incerteza, abandonaram muitas de suas linhas internacionais de crédito, cedendo espaço para instituições de outros países. Em suma, assiste-se à perda da força do dólar, que vê, assim, ameaçada a sua posição estratégica, com o conseqüente fortalecimento de outras moedas, inclusive do yuan renminbi.

É possível que esteja chegando ao fim, assim, a etapa de crescente globalização financeira, considerada pelos economistas ortodoxos como estágio definitivo do capitalismo, como processo “em relação ao qual a sociedade mundial contemporânea em seus diversos componentes – os países e, dentro desses, as classes sociais – não teria opção a não ser a de se adaptar” (Chesnay, 1995, p. 3). Como decorrência, também parecem contados, em termos de política econômica, os dias da TINA – there is no other way –, que preconiza a inevitabilidade das medidas pró-mercado, restringindo o papel dos governos a iniciativas de favorecimento dos interesses do capital financeiro global, sob pena de pagarem um preço muito alto pela sua independência.

É claro que tudo isso dependerá do grau de desestruturação do capital financeiro, cujas perdas, como salientado, têm sido colossais, não obstante os sucessivos “pacotes” dos bancos centrais e dos Tesouros dos países desenvolvidos, os quais objetivaram, em grande parte, resgatá-lo, minimizando suas perdas e preservando suas posições, vale dizer, sua hegemonia global. Aliás, é este o sentido da “conversão” ao intervencionismo estatal de Martin Wolf, o conservador editor do Financial Times, defensor dos interesses do capital financeiro, o qual, fazendo coro às reivindicações do FMI, veiculadas no relatório Perspectivas da Economia Mundial, sugere que as autoridades econômicas deveriam “forçar o reconhecimento de prejuízos o mais cedo possível e tomar medidas que garantam capitalização adequada às instituições financeiras”, ainda que através da aquisição de ações ordinárias.129

O fracasso do socorro prestado aos bancos e das medidas exclusivamente monetárias para evitar o mergulho da economia na recessão, tem forçado, contudo, o retorno da ação pró-ativa da política fiscal, ainda que a

129 Folha de São Paulo, 8 de outubro de 2008. Também a prestigiosa revista britânica The Economist converteu-se ao intervencionismo.

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contragosto da ortodoxia, por comprometer os superávits primários requeridos para assegurar o pagamento do serviço da dívida pública – importante componente do capital financeiro internacional – mantendo confiável a relação dívida/PIB. Como salientou Paul Krugman, a este respeito, em artigo para o New York Times publicado na Folha de São Paulo de 18/10/2008, se, até então, era moda “esbravejar contra os gastos do governo e exigir responsabilidade fiscal”, chegou o momento de elevar os gastos públicos, de modo que “as preocupações quanto ao déficit público [devem] ser deixadas de lado”. Mesmo o FMI, tradicional defensor da contenção dos gastos públicos, mudou de posição, como se depreende das declarações do seu presidente, Robert Zoellick, durante o Encontro do G-20, no dia 8 de dezembro de 2008, quando defendeu abertamente as políticas de gasto público, na mesma linha do presidente dos EUA, Barak Obama. Posições que representam também um revés para a política monetária centrada quase exclusivamente no manejo das taxas de juros.

Não sem razão, o historiador Tony Judt (Folha de São Paulo, 2/03/2009), afirmaria que “[a] crise atual causou nos EUA uma brutal perda da fé no que até há pouco tempo atrás eram clichês inabaláveis sobre as virtudes do livre mercado”, para concluir que “[n]os próximos anos o setor privado será menos admirado e respeitado do que nas últimas décadas. Já o papel da autoridade pública na gestão dos assuntos econômicos vai aumentar pela primeira vez desde os anos 60”.130 Para os agentes do capital financeiro, trata-se de derrocada aparentemente definitiva, como, aliás, transparece das palavras de Bernie Sucher, diretor das operações do Merrill Lynch em Moscou, ao afirmar que “[n]osso mundo ruiu – e eu não sei o que vai substituí-lo” (Valor, 13-15/03/2009).

A crise confirma, assim, as posições teóricas de Arrighi, Chesnay e de outros marxistas, discutidas no capítulo 1, em oposição aos economistas neoclássicos e a outros agentes econômicos que apostavam no “fim da História”, com a dominância do capital financeiro”, de que uma nova crise global, de grandes proporções, era inexorável, dadas as próprias contradições e a instabilidade inerente ao sistema: baseando-se na teoria do débâcle, segundo a qual de tempos em tempos a lógica da economia capitalista produz crises sistêmicas, que ameaçam sua própria reprodução, aqueles autores foram unânimes em concluir, em suas análises, que essas

130 Referindo-se aos Estados Unidos, a Profa. Maria da Conceição Tavares declarou que “[o] Deus mercado virou diabo na terra do gelo” (Folha de São Paulo, 25/09/2008).

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contradições acabariam conduzindo o sistema para uma nova depressão. Chesnay, por exemplo, que abandonou a posição mais dogmática dos marxistas Harry Magdoff e Paul Sweezy,131 de que todo boom financeiro, por se fundamentar na especulação, descola-se necessariamente da valorização real do capital, traduzindo-se sempre em crises, demonstrou, juntamente com outros autores, que essas nascem da crescente fragilidade do sistema financeiro e de seu progressivo descolamento das bases produtivas. Ganhou credibilidade, portanto, a partir daí, a tese de que, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-iam inevitáveis crises de grandes proporções, através das quais ocorreria o ajustamento da esfera financeira à produtiva, com a conseqüente destruição do capital excedente.

Com a crise internacional do subprime, resolve-se negativamente, dessa forma, o paradoxo de Minsky, que consiste na contradição entre sua tese de que a economia capitalista é inerentemente instável em razão da crescente fragilidade financeira gerada endogenamente e seu argumento de que, graças às intervenções do Banco Central e do gasto público deficitário, crises da magnitude da Grande Depressão cannot happen again (não pode acontecer de novo).132 Nas palavras de Pollin e Dymsky (1994, p. 369),

Minsky sustenta que as políticas de intervenção servem para validar a frágil estrutura financeira existente: os problemas que emergem da estrutura existente são deixados de lado e chegam até a se aprofundar. Dessa forma, é perfeitamente racional que um participante do mercado prossiga com práticas arriscadas mesmo quando o nível de fragilidade financeira se eleva. Assim é porque, através dos gastos públicos deficitários e das intervenções por parte do lender-of-last-resort, os custos potenciais associados com práticas financeiras arriscadas são, em grande medida, socializadas – o governo e não as firmas privadas absorvem os custos. (...). Como resultado, a efetividade das políticas de prevenção das depressões deteriora-se com o tempo: de forma crescente, a política econômica do governo é utilizada para evitar a depressão, mas essa mesma política econômica amplia ainda mais a fragilidade e, então, aumenta os custos das intervenções futuras. Intervenções maiores e mais freqüentes se tornam necessárias para

131 Veja-se Magdoff e Sweezy (1983 e 1985). Uma crítica pertinente encontra-se em Parsons (1988).132 Veja-se Minsky (1982), particularmente os capítulos 1,2, 4,5 e 6.

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evitar as crises deflacionárias e as depressões: o custo das políticas intervencionistas aumenta enquanto os seus benefícios diminuem

Mas sabe-se que para avançar em outra direção, que o momento requer, é longo o caminho que se deve percorrer para desmontar a estrutura de favorecimento do capital financeiro, até porque, à exceção do presidente Bakak Obama, as lideranças dos países capitalistas avançados, emergentes e subdesenvolvidos, se encontram, de uma maneira geral, comprometidas com os seus interesses, assim como os staffs governamentais. Não sem motivo, a política anticrise implementada até o momento privilegiou os instrumentos monetários e o resgate do sistema financeiro, pouca atenção dando à área fiscal, em particular no que diz respeito ao gasto público, e tem resistido às propostas de estatização, mesmo do “derretido” sistema bancário. Mais do que isso, muito das propostas – a começar pela ampliação da regulamentação do setor financeiro – apenas procuram preservar o status quo, ou seja, a hegemonia do capital financeiro, quando se sabe que a solução do problema não passa apenas por mais regulação, mas, a exemplo do que foi feito nos EUA, durante a década de 1930, por uma mudança de estrutura que torne o sistema financeiro saudável, voltado para o seu papel primordial de financiar o desenvolvimento e não de se colocar a serviço da especulação.

Mas o fato é que mesmo sejam vencidas as resistências políticas a um novo New Deal – o que pode levar tempo e envolver a ampliação dos conflitos sociais – ainda assim não há nenhuma certeza da eficácia das políticas keynesianas para reverter o processo depressivo. Em outras palavras, se as intervenções do big government (governo grande, intervencionista) e do lender-of-last-resort não forem suficientes para evitar a crise, ou seja, mesmo se it happened again (a depressão acontecer de novo), resta saber se as políticas keynesianas serão suficientes para salvar o sistema e retirá-lo, e em que prazo e a que custos, dessa situação. Mais do que isso, será necessário precisar em que medida os interesses privados terão de ser sacrificados para que isso se torne possível. E é nessa questão que o “fantasma” da estatização, ainda que progressivamente venha sendo considerada necessária para “salvar” o sistema, tem despertado fortes resistências por parte desses interesses e do pensamento conservador.

Apesar dessas resistências, a crise tem sua própria lógica e já forçou o Reino Unido e, depois, os EUA, a adotarem o tipo de intervenção utilizado pelos países escandinavos (Suécia, Noruega e Finlândia), no

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início da década de 1990, que estatizaram os bancos, em vez de apenas injetarem liquidez e adquirirem “ativos tóxicos”. Mas, ao contrário da mera aquisição de ativos, a estatização liquida com os acionistas, representando, em grande medida, uma política “antimercado”, em que a socialização das perdas, além de ocorrer em escala bem menor, não preserva a sacrossanta propriedade privada, o que, no entanto, não tem impedido seu avanço.

É preciso ter clareza que a discussão da estatização dos grandes bancos dos EUA ocorre depois de o mercado interbancário norte-americano ter sido virtualmente estatizado, por efeito das garantias dadas pelo Fed aos títulos nele negociados. Ademais, apesar de os grandes bancos norte-americanos estarem captando recursos por meio de títulos de emissão própria, esses contam com a garantia do Tesouro, num montante que, até inícios de janeiro deste ano, chegou a US$ 168 bilhões. Dado o contexto de falta de confiança generalizada, a ausência dessa garantia governamental significaria morte certa, pela efetiva incapacidade das instituições financeiras, mesmo as de grande porte, como o Citibank e o Bank of America, de captarem recursos por conta própria.

Mas não é somente neste campo que ela avança. Outra sua dimensão, está retratada no fato dos bancos norte-americanos - Citibank e o Bank of America, conjuntamente com o JP Morgan Chase e o Wells Fargo - terem recebido, até meados de janeiro, US$ 140 bilhões de dinheiro público, com o Tesouro norte-americano se transformando em acionista do Citibank e do Bank of America. Além deles, a Fannie Mae e Ginnie Mae, privatizadas na segunda metade da década de 1960, retornaram, com a crise financeira, aos braços do Estado, que, obrigado a injetar até US$ 100 bilhões em cada uma para salvá-las, assumiu sua gestão. O que aconteceu, também, com a American International Group, AIG, uma empresa gigante de seguros, que, para receber a ajuda do governo de US$ 85 bilhões, cedeu-lhe 79,9% de suas ações. Para completar o quadro, a Federal Deposit Insurance Corporation, FDIC, já fechou 28 bancos pequenos e médios desde princípios de 2008, e pode liquidar, segundo estimativas, aproximadamente 1.000 das 8.348 instituições bancárias norte-americanas nos próximos três anos. Ao fazer a intervenção, a FDIC assume o banco, revende as agências e, com elas, os depósitos para outras instituições financeiras e, com o dinheiro arrecadado, paga o que for possível aos credores.

É esta última alternativa que os acionistas querem evitar, pois poderia significar a perda total do que resta de seu capital acionário, sem contar o

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fato de que o controle dos bancos passaria para as mãos do Estado até à liquidação de seus ativos. É forte, portanto, a onda antiestatização, pelas perdas que podem provocar para os proprietários e acionistas das empresas, mesmo que essa seja uma iniciativa que pode salvar parte de seus ativos. Nas palavras de Paul Krugman, a estatização, nesse caso, seria um jogo com a seguinte regra: se os preços dos ativos subirem, os investidores ganham; se caírem substancialmente, os investidores saem sem ganhos, mas deixam a conta com o governo.

Não se restringe, contudo, este processo de estatização, à área financeira, até porque, para enfrentar a crise atual, evitando que esta se transforme em depressão, o setor público vem socorrendo diretamente também grandes empresas para evitar sua falência. É o que está acontecendo com as montadoras norte-americanas, em particular com a General Motors (GM) e a Chrysler, que já receberam US$ 17,4 bilhões em dezembro do ano passado, e solicitaram mais recursos – US$ 5 bilhões pela Chrysler, que já obteve US$ 4 bilhões, e até US$ 16,6 bilhões para a GM, que já havia levado US$ 13,4 bilhões. No dia 17 de fevereiro deste ano essas empresas atenderam às exigências do Congresso norte-americano, apresentando um plano de reestruturação e saneamento para garantir o acesso a novos recursos, mas sem conseguirem convencê-lo de que não terão de recorrer à concordata, ou serem estatizadas, ainda que parcialmente, para sobreviverem.

Sabedor, contudo, de que US$ 13,4 bilhões não seriam suficientes, o governo norte-americano passou a estudar outras possibilidades, inclusive a de se utilizar do “Capítulo 11” da legislação americana que regulamenta as falências e concordatas, enquanto prepara um empréstimo de US$ 40 bilhões para as duas montadoras, no caso de estes serem necessários para que continuem a operar enquanto são aprovados os procedimentos para se colocarem ao abrigo do “Capítulo 11”, que prevê a concordata. Essa possibilidade, no entanto, não é encarada com bons olhos pelas montadoras, tendo o executivo-chefe da GM, Rick Wagoner, declarado que uma eventual concordata da empresa seria “arriscada” e “dispendiosa” e só seria buscada como último recurso. Afinal, conforme Michelle Krebs, especialista no setor automotivo, mesmo com os bilhões de dólares já recebidos e solicitados, as duas empresas “ainda não terão resolvido seus problemas”, particularmente se o mercado automotivo e a economia continuarem caindo. Neste caso, nada menos do que a estatização pode salvar as empresas.

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Aqui, na verdade, é que se coloca o xis da questão: se o quadro se agravar ainda mais – e não parecem existir razões para que ocorra de forma diversa – dificilmente o governo Barak Obama, dado o seu compromisso com a recuperação econômica, deixará de salvar a GM e a Chrysler, símbolos dos EUA. E, criado mais este novo precedente, diga-se de passagem, as portas estarão abertas para novas intervenções em empresas não financeiras, o que pode levar à estatização parcial e, eventualmente, total de algumas delas, numa reversão sintomática da tendência inaugurada pela dupla Thatcher-Reagan. Talvez, aliás, este seja o caminho a trilhar, deixando para trás o intervencionismo interesseiro de Martin Wolf e de outros, que defendem a sustentação do capitalismo financeiro, em favor do resgate da sociedade ou, na pior das hipóteses, do capital produtivo.

O fato é que para evitar que a economia caminhe para a depressão, os princípios mais fundamentais do capitalismo, na era globalizada financeiramente, estão sendo gradativamente postos de lado: além da necessária queima de parte considerável da riqueza financeira que se multiplicou exageradamente, descolando-se da riqueza real, para re-equilibrar e regenerar as forças do sistema e abrir o caminho da recuperação econômica, o Estado está novamente sendo compelido a assumir o comando de várias empresas produtivas e instituições financeiras. Se vai ser bem sucedido, mudando, ainda que por algum tempo, as regras e alicerces que sustentam o edifício e a liberdade do capital, mesmo enfrentando fortes resistências, é outra história que somente os desdobramentos da crise atual permitirão contar. Como parte integrante deste sistema, também o Brasil continuará sofrendo todos os efeitos destes ajustes e tensões e, antes que eles se resolvam, dificilmente retornará aos trilhos da prosperidade que marcaram o período de 2007/2008.

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OS AUTORES

Cláudio Gontijo

Doutor em economia pela New School for Social Research, em Nova York, Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e do Curso de Mestrado Profissional em Economia da FEAD-Minas, Diretor da Velloso & Gontijo e professor licenciado da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Foi assessor econômico do Governo do Estado de Minas Gerais e chefe da Assessoria Econômica da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais no governo Itamar Franco; diretor da Fundação João Pinheiro; consultor da SUDAM; e professor e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG, CEDEPLAR. Suas áreas de pesquisa são: macroeconomia, economia monetária e financeira, economia internacional, economia brasileira e metodologia. Publicou vários capítulos de livros e numerosos artigos em revistas especializadas nessas áreas.

Fabrício Augusto de Oliveira

Doutor em economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do Centro de Estudos de Conjuntura do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Professor do Curso de Mestrado da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais, além de consultor de economia do setor público de órgãos nacionais e internacionais. Foi Professor-adjunto da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas e Professor visitante da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e ainda secretário adjunto-geral da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais no governo Itamar Franco, em 1999. Suas áreas de pesquisa são: política econômica, economia do setor público, economia brasileira, políticas públicas e economia regional. Publicou vários livros e numerosos artigos em revistas especializadas – nacionais e internacionais – nessas áreas.

Page 176: Subprime Versao 2011