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A RESISTÊNCIA ESCRAVA INSERIDA NA OBRA VÍTIMAS-ALGOZES DE
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO1
Bruna Montor Vasconcelos (MestrandaPPH/UEM)
Zeus Moreno Romero (Professor de História da UNESPAR/Paranavaí)
Palavras-chave: Literatura; Escravidão; Resistência Escrava.
Este estudo busca analisar a obra “As vítimas Algozes: Quadros da escravidão”
de Joaquim Manuel de Macedo que foi escrita com o objetivo de convencer a elite
brasileira da necessidade da emancipação dos escravos através de relatos literários que
focavam nas resistências mediante as ações perversas dos escravos.
Neste artigo apresentamos a concepção de Laviña acerca da resistência escrava,
na qual considera que todas as manifestações dos escravos eram ativas e tinham como
propósito provocar lenta ou rapidamente o fim do sistema escravista. Neste sentido,
Laviña discorda da classificação de que existiam distinções entre resistências pacíficas e
ativas.
Segundo Izard (2002) a resistência escrava é um campo muito amplo e variado
que agrupa atos e atitudes muito diversos, mas que tinha um objetivo comum que era a
criação de um espaço de liberdade. O autor trabalha com o objetivo de ampliar o
significado de resistência, considerando, inclusive, as resistências individuais, como
roubos, desinteresse no trabalho e a religião afro-brasileira.
Neste sentido, no recorte temporal (1850-1869) da pesquisa, faz-se necessário
analisar o contexto em que a escravidão, no Brasil, passou a sofrer os primeiros
impactos legislativos que impunham obstáculos a sua permanência e crescimento e, ao
mesmo tempo, anunciavam a sua finitude como forma de organização do trabalho no
Brasil (1850), até o ano de publicação da obra analisada As vítimas Algozes: Quadros
da escravidão 1869.
O objetivo geral é refletir, por meio da obra As vítimas Algozes: Quadros da
escravidão de Joaquim Manuel de Macedo, a importância da resistência negra para o
fim da escravidão, demonstrando que esta resistência frente ao sistema, foi utilizada por
1Este artigo está adaptado do trabalho de conclusão do Curso de Especialização em História e
Humanidades, apresentado à Universidade Estadual de Maringá, como requisito para a obtenção do título
de Especialista em História e Humanidades.
Macedo como argumento para justificar a necessidade da emancipação.
Sendo assim, a metodologia será pautada na análise da obra literária, como fonte
primária deste trabalho e o discurso emancipacionista presente no livro de Joaquim
Manuel de Macedo, traçando um paralelo com o contexto social, político e econômico
no período onde são discutidos projetos emancipacionistas que posteriormente
culminaram na Lei de 1871 que considerava livre todos os filhos de mulheres escravas
nascidos a partir da data de promulgação.
A CONDIÇÃO DO NEGRO ESCRAVO NO BRASIL ENTRE OS ANOS DE 1850-
1869
É importante salientar as limitações do presente trabalho, no qual não se
pretende fazer uma análise exaustiva, aprofundada e conclusiva dos fenômenos aqui
analisados, nem relatar dados e informações suficientes para fundamentar conclusões
teóricas, mas refletir sobre os discursos emancipacionistas apontados na literatura e a
importância da resistência do povo negro.
O romance As vítimas Algozes: quadros da escravidão foi publicado em 1869,
século em que a escravidão no Brasil, alcança seu auge, mas também em que se
intensifica o processo para sua queda. Desde sua formação, no Brasil colonial, os
protagonistas deste sistema sempre lutaram por liberdade através de inúmeras
resistências.
Para Machado (1987, p. 9), o resistir não tinha de ser necessariamente manifesto
por atos violentos. “Em geral as atitudes extremas como fugas, crimes, suicídios só
entravam em cena quando a negociação falhava ou não acontecia por intransigência
senhorial ou impaciência escrava”.
O livro de Macedo utiliza-se destas resistências escravas, a fim de convencer a
elite brasileira que apenas a emancipação poderia acabar com os conflitos que barravam
o desenvolvimento da nacionalidade brasileira. O autor aproveita-se destas resistências
publicando um romance, que em sua totalidade conta histórias de escravos de confiança
que traíram seus senhores, praticando roubos, assassinatos, feitiçarias, e corrompendo a
moral das famílias. “As vítimas algozes é, portanto, uma obra de tese, onde o autor,
manipulando o imaginário do medo da classe senhorial, tenta convencer o leitor da
necessidade da emancipação gradual dos escravos” (AMARAL, 2007, p. 204).
O contexto internacional, no momento em que o livro foi escrito, era favorável a
medidas e pensamentos que reviam a prática da escravidão, julgando-a como inaceitável
moralmente e retrógrada para o desenvolvimento da economia.
Abolicionistas britânicos, franceses e norte-americanos elaboraram um conjunto
de argumentos essencialmente morais, religiosos e por vezes econômicos de medidas
contra a escravidão negra. No entanto, segundo Conrad, no Brasil não houve até a
década de 1860 qualquer organização antiescravista que adquirisse significativa
popularidade.
O relato do cientista inglês Charles Darwin acerca da prática da escravidão no
Brasil é um exemplo do quanto este sistema passa a ser criticado e visto como algo
injusto e criminoso:
Em uma casa onde estive antes, um jovem criado mulato era, todos os dias e a todo o momento, insultado, golpeado e perseguido com um
furor capaz de desencorajar até o mais inferior dos animais. Vi como
um garotinho de seis ou sete anos de idade foi golpeado na cabeça
com um chicote (antes que eu pudesse intervir) porque me havia servido um copo de água um pouco turva… E essas são coisas feitas
por homens que afirmam amar ao próximo como a si mesmos, que
acreditam em Deus, e que rezam para que Sua vontade seja feita na terra! “O sangue ferve em nossas veias e nosso coração bate mais
forte, ao pensarmos que nós, ingleses, e nossos descendentes
americanos, com seu jactancioso grito em favor da liberdade, foram e são culpados desse enorme crime” (DARWIN, 2008, p. 69).
Em relação às manifestações sociais, houve ainda no século XVIII a
transferência das ideias de liberdade e igualdade pronunciadas durante a Revolução
Francesa de 1789 para o continente americano, incentivando os que eram escravos da
própria colônia francesa de Saint-Domingue, a darem início ao fim do sistema
escravista entre os anos de 1791 no Haiti, que posteriormente estenderiam ameaça a
uma revolução escrava vitoriosa para o resto do mundo.
Portanto, como já dito, apesar do contexto internacional no século XIX ser
favorável para o fim completo da escravidão negra, no Brasil prevalecia o discurso da
necessidade deste sistema. Este contexto, no Brasil, justifica a escolha de Macedo em
apelar para uma literatura que alimentava o imaginário do medo nos senhores de
escravos para convencê-los da necessidade da emancipação.
Macedo direciona o seu livro, portanto, para uma elite agrária receosa e
resistente em cogitar o fim da escravidão, por receio da insuficiência de mão de obra e
também pela preocupação com a inviolabilidade da propriedade privada.
O primeiro grande golpe que a escravatura brasileira recebeu, de acordo com
Conrad (1978) foi a lei Eusébio de Queiróz2, que cortava a fonte de abastecimento de
escravos. Segundo interesses ingleses, esta medida de cessar a fonte de escravos já
deveria estar em vigor a cerca de duas décadas quando em 1831 foi assinado um acordo
em que todos os escravos que entrassem no Brasil a partir deste ano seriam declarados
livres. No entanto, na prática, o tráfego de mão de obra africana continuou com
impunidade quase completa.
Com as péssimas condições de sobrevivência dos escravos não era possível que
esta população se mantivesse por meios naturais, ocorrendo após 1851 um significativo
declínio em seus números, convergindo o Brasil para uma crise de mão de obra.
Mesmo com este declínio significativo gerado pelo entrave do fim do tráfico, por
durante mais de 15 anos, a escravatura conseguiu manter seu lugar dominante na
economia e no social do Império, de forma que os brasileiros continuavam convencidos
da necessidade da escravidão.
Ainda que convencidos do fim inevitável da escravidão, a grande maioria da
população se mantinha resistente à ideia. Isto porque a emergência do café no Brasil
fortaleceu ainda mais o domínio da escravidão na economia, o que justifica o fato de
que nos seus últimos 30 anos as províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo
eram as mais interessadas na defesa da escravidão, enquanto que no Nordeste, por
exemplo, o interesse se esvanecia rapidamente.
A década de 1860, no entanto, trouxe os primeiros debates emancipacionistas
significativos no Brasil, que resultaram em um consenso de que o fim da escravidão
seria de forma lenta e gradual. De acordo com Conrad (1978), esta mudança expressiva
de pensamento de uma década para outra foi resultado do reconhecimento de que a
escravatura era uma instituição desacreditada no mundo ocidental.
O autor elenca uma série de acontecimentos no exterior que teriam condicionado
o pensamento das autoridades brasileiras, como por exemplo: fim da escravidão em
Portugal, França e Dinamarca. No entanto, segundo Conrad (1978), as discussões
2 Em 1850, a Lei Eusébio de Queirós aboliu definitivamente o tráfico do cenário nacional. Tornava-se
necessário, então, pensar na substituição do trabalho escravo. Este seria um dos argumentos utilizados nos
debates que girariam em torno das novas formas de distribuição da terra no Brasil. Lei Eusébio de
Queirós: Disponível em: http://www.slavevoyages.org .
emancipacionistas foram motivadas essencialmente pela ratificação da Décima Terceira
Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América, que condenava a escravatura,
uma vez que a permanência da escravidão neste país sempre serviu de argumento para
os pró-escravidão.
Segundo Conrad (1978, p. 36): “os senhores foram obrigados a olharem para as
condições de vida dos escravos após o fim do tráfico”. Enquanto durou o tráfico
atlântico foi mais fácil e menos dispendioso para o senhor comprar o escravo segundo
sua necessidade, sem ter que se preocupar com a mortalidade e qualidade de vida dos
cativos.
Segundo Alves (2012), no prefácio do livro, Joaquim Manuel de Macedo aborda
esse contexto histórico internacional que condena a escravidão. Menciona a abolição
nos Estados Unidos da América e o fato do Brasil, juntamente com o Cuba e Porto Rico,
serem os únicos países a manter a escravidão.
Macedo lembra os leitores que para o fim do tráfico negreiro bastou às pressões
da Inglaterra e o Brasil teve que ceder, mas adverte que agora não é só a Inglaterra, mas
o mundo que deseja o fim da escravidão: “Agora é o mundo, agora são todas as nações,
é a opinião universal, é o espírito a matéria, a ideia e a força a reclamar a emancipação
dos escravos” (MACEDO, 2010, p.15).
Macedo, portanto, considera o contexto internacional como sendo decisivo para
o término da escravidão no Brasil, e prevê que a emancipação dos escravos aconteceria
dentro de poucos anos. Porém o que motivou Macedo a escrever um livro que
convencesse a população da necessidade inadiável de terminar com a escravidão foi o
perigo iminente e constante que esta prática trazia para a sociedade, especialmente para
as pessoas livres. Os “quadros da escravidão”, que se referem ao título da obra, são na
realidade quadros da resistência escrava, assassinatos, feitiçarias, fugas e uma série de
corrupções que Macedo considerou como frutos da escravidão e que foram utilizados
em favor da emancipação dos escravos.
ANÁLISE DAS RESISTÊNCIAS NA OBRA VÍTIMAS-ALGOZES QUADROS DA
ESCRAVIDÃO DE JOAQUIM MANUEL DE MACEDO.
A estratégia da narrativa de Macedo consiste em convencer a sociedade de que a
emancipação era necessária em razão do medo “Serão romances sem atrativos, contos
sem fantasias poéticas, tristes histórias passadas a nossos olhos e a que não poderá
negar-se o vosso testemunho” (MACEDO, 2010, p. 1).
O intuito do autor é colocar para o leitor, os senhores de escravos em situação de
vítimas dos seus escravos. Assim, narrava fatos, ditos verídicos, de negros roubando,
assassinando, envenenando e corrompendo os seus senhores e apelando para o
convencimento dos proprietários de escravos quanto à necessidade da emancipação,
porém sem que acarretasse prejuízo à lavoura. Haja vista que o autor defendia também a
indenização dos senhores de escravos pelo governo.
Macedo trouxe para a literatura uma realidade monstruosa na figura do negro
escravo. Pode-se confirmar isso com Novais (2008) no qual trata da obra de Macedo
sobre as crueldades de que os escravos eram capazes por conta do sistema escravagista:
Macedo tinha razão. Veja-se, por exemplo, uma notícia sobre uma escrava cozinheira, publicada nos jornais da corte. Depois de
envenenar seis pessoas da mesma família, a escrava foi, apesar de
tudo, vendida, porque seus senhores não queriam perder o dinheiro
mandando prendê-la. Na cozinha dos novos donos, voltou a envenenar a comida, fazendo duas outras vítimas. Não obstante essa família
ainda a alugou para terceiros, permitindo que continuasse temperando
seus quitutes com veneno. Ao comentar os crimes desta serial-killer oitocentista, o Jornal do Commercio adverte: “Desgraçadamente
abundam os fatos de escravos perversos e assassinos vendidos pelos
senhores que os reconhecem criminosos, para salvarem seu valor, nem se importam com os males que irão causar aos novos senhores”
(NOVAIS, 2008, p. 91).
As revoltas e crimes cometidos pelos negros já era fato real nas famílias da elite.
Então Macedo transportava isso para sua literatura e afirmava serem reais as histórias
narradas. A intenção era que o leitor acreditasse na veracidade dos fatos narrados, a fim
de assombrar os senhores que faziam uso da mão de obra escrava e pressionar suas
decisões em abolir seus escravos.
As Vítimas algozes mostra uma oposição social entre escravos e senhores e não
racial. Era o escravo o inimigo do senhor e não o negro do branco. Apresentar o negro
como cruel, perigoso, inimigo do seu senhor não é tentado de maneira pejorativa pela
intenção de Macedo e sim por uma maneira de compreender que o negro se tornava
assim, por conta de seus maus tratos, a violência dos castigos, o açoite nos troncos. A
violência o instigava a ser violento, a trair e matar. Como afirma Macedo (2010, p.
103):
Eles prejudicam aos senhores: trabalhando maquinalmente, sem ideia de melhoramentos, de progresso e de aperfeiçoamento do sistema de
trabalho, sem os incentivos de interesse próprio e com desgosto e má
vontade. Furtando nas roças, nas fábricas e nos armazéns produtos que vão vender para embebedar-se. [...] Suicidando-se subitamente,
ou aos poucos, quando por nostalgia, enfezação ou desespero morno e
profundo contraem e alimentam enfermidades que acabam por matá-
los. Fugindo à escravidão por dias, semanas, meses ou para sempre, e nos quilombos, seduzindo outros escravos para fugir como eles. Não
poupando o gado e os animais, não zelando os instrumentos rurais,
não compreendendo a necessidade de cuidados não tendo nem podendo ter amor à propriedade do senhor, não se ocupando das
perdas ou os lucros do senhor [...].
Entretanto, caso a liberdade fosse dada, o negro poderia sim, tornar-se uma boa
pessoa como podemos observar nesse trecho de Macedo: “Não condeneis o crioulo;
condenai a escravidão. O crioulo pode ser bom, há de ser bem amamentado, educado,
regenerado pela liberdade” (MACEDO, 2010, p. 6).
O livro Vítimas-Algozes quadros da escravidão foi estruturado (três novelas),
que compõem a obra “Simeão, o crioulo”; “Pai-Raiol, o feiticeiro”; e “Lucinda, a
mucama”. Nessas histórias, Macedo tenta, por meio da persuasão da literatura, atingir os
senhores mostrando-lhes que estavam se tornando verdadeiros algozes e vítimas dos
escravos por conta de suas rebeldias, de suas agressividades, e sustentava que a melhor
solução para tal cenário seria a emancipação.
Simeão, o crioulo.
A primeira novela da obra de Joaquim Manuel de Macedo narra a história do
crioulo Simeão, que não era perfeitamente livre e nem escravo. Simeão foi adotado por
Domingos Caetano e por Angélica depois que sua mãe, ama de leite de sua filha
Florinda, faleceu. Simeão foi criado diferente dos outros escravos, possuía regalias e
não trabalhava, vivendo em completa ociosidade. No entanto, permanecia escravo.
A história gira em torno da promessa de que com a morte do senhor Domingos
Caetano, Simeão receberia alforria através da carta de testamento. Quando Domingos
Caetano adoece, Macedo descreve minunciosamente o caráter de Simeão, que era
essencialmente ingrato e desejava a morte do seu Senhor. No entanto, além da
liberdade, o crioulo desejava também dinheiro, desta forma permanecia presente
cuidando do senhor, afim de que no momento de sua morte pudesse se aproveitar da
situação de desespero e furtar as riquezas da família.
O clímax da novela acontece quando a morte de Domingos Caetano demora a
acontecer, e para não deixar sua esposa e filha desamparadas ele planeja rapidamente o
casamento de sua filha Florinda com Hermano Sales. Alguns dias após o casamento,
Domingos Caetano falece, no entanto em seu testamento não liberta Simeão, mas o
deixa na condição de escravo de Angélica até que esta morra.
O desfecho da novela acontece com o assassinato cruel de Angélica, Florinda e
seu marido Hermano Sales, executados por Simeão e um amigo conhecido da venda,
José Borges, o Bardudo, com a ajuda de mais dois escravos e da mucama de confiança
da família.
Nessa novela, de acordo com Cruz (2011), o personagem central é um crioulo
criado no seio da família, porém, não há benefício que possa neutralizar o ódio que os
escravos nutrem por seus senhores: nem mesmo todo o zelo da criação. Nesse cenário, o
que predomina por parte dos cativos é sempre a ingratidão e o ódio contra seus
opressores sejam eles os senhores, administradores, feitores e suas respectivas famílias.
Com esta narrativa, Macedo demonstra para os leitores que mesmo os escravos
mais amados e cuidados não são confiáveis, e que todos eles possuem sentimentos de
vinganças não havendo amor ou amizade possível entre escravos e senhores. Nesta
história a resistência à escravidão aparece em forma de homicídio, e é utilizada por
Macedo para amedrontar os senhores e senhoras de escravos, mostrando a face terrível
da escravidão.
Pai-Raiol, o Feiticeiro
A segunda novela Pai-Raiol, o Feiticeiro, assim como a primeira novela,
Macedo tem o intuito de relatar possíveis perigos que os negros escravos poderiam
trazer aos seus senhores. O enredo se dá com os personagens Paulo Borges e Teresa;
casal simples que se dedicava somente aos filhos e à fazenda do Rio de Janeiro na qual
moravam. Pai-Raiol foi um negro comprado em uma arrematação de escravos, dentre
outros vinte escravos que Paulo comprou com a intenção de aumentar suas terras e
também sua mão de obra.
Macedo se refere a Pai-Raiol como um "negro feio e desfigurado por moléstia
ou por castigos". Atribuindo ainda a ele características como: assassino, ladrão e
escravo que gostava de tumultuar e criar confusões. Paulo, mesmo sabendo desses
desvios de Pai-Raiol, arrematou-o juntamente com Esméria, pois os mesmos viviam
juntos e, por isso, Pai-Raiol teria se tornado melhor devido à companhia de Esméria.
Entretanto, na verdade, Pai-Raiol tinha uma influência satânica sobre a moça, dessa
forma, ela só estava junto dele por medo e por acreditar em seu suposto poder.
A novela de Pai-Raiol trás muitas informações acerca das tradições, crenças e
culturas trazidas da África, bem como a opinião particular do narrador, que não hesita
em fazer julgamentos destas práticas. Pai-Raiol na concepção de Macedo é um
feiticeiro, profundo conhecedor de plantas, raízes e venenos. O autor analisa que esta
prática é comum no Brasil e tenta por meio deste personagem emblemático demonstrar
os perigos de tais crenças, afirmando que enquanto a “luz sagrada da liberdade não
destruir todas as sombras” ainda haverá ameaças no Brasil.
Macedo (2010, p.37), considera que a feitiçaria é uma forma de resistência
escrava utilizada como meio para vingar-se da violência da escravidão: “O feitiço, como
a sífilis, veio d’África. Ainda nisso o escravo africano, sem o pensar, vinga-se da
violência tremenda da escravidão.” Considerando também que como forma de oposição
à escravidão acabou por africanizar os lugares para onde foram levados, como podemos
notar neste trecho:
E assim, o negro d’África, reduzido à ignomínia, malfez logo e naturalmente a
sociedade opressora, viciando-a, aviltando-a pondo-a um pouco asselvajada, como ele.
O negro d’África africanizou quando pôde e quanto era possível todas as colônias e
todos os países, onde a força o arrastou condenado aos horrores da escravidão.
A trama se desenvolve quando Esméria, juntamente com Pai-Raiol são vendidos
a Paulo Borges. A escrava, para conseguir melhores condições de vida e tornar menos
dolorosa e torturadora a sua vida de escrava, utiliza-se do fingimento e da dissimulação
para conseguir trabalhar dentro da casa grande, cativando o respeito e o amor de sua
senhora Teresa. Macedo analisa que todas as ações, aparentemente boas de Esméria, são
na realidade fingimento.
Quando a luxúria de Esméria encontra abrigo nos planos de Pai-Raiol, que
desejava utilizar da proximidade da Escrava com Paulo Borges e Teresa para matá-los e
tornar-se assim o senhor da propriedade. Esméria, por desejo e por medo de Pai Raiol
aceita fazer parte do plano e encontra maneiras de seduzir Paulo Borges.
Após algumas tentativas de Esméria, Paulo Borges passa a vê-la não mais como
escrava e sim como mulher, e se rende a sua sedução e encantamento. “tornou-se
escravo da escrava.” A partir deste fato, acontece uma série de coisas ruins na família de
Paulo Borges: Teresa descobre a traição do marido, em seguida é assassinada por
envenenamento por Esméria a mando de Pai-Raiol. Esméria, após ficar grávida do
senhor, mata os filhos que Paulo Borges tinha com Teresa, e por fim passa a envenena-
lo dia-a-dia. Novamente, a principal forma de resistência narrada, é a tentativa de
assassinato dos senhores, desta vez por meios silenciosos, o envenenamento. Segundo
Cruz (2011), Macedo busca com a segunda novela enfatizar os perigos aos quais os
senhores ficavam expostos, por pensar apenas em expandir sua produção sem abrirem
mão do trabalho escravo.
Lucinda Mucama.
A terceira novela “Lucinda, a Mucama” conta a historia de Lucinda uma menina
negra de doze anos que se tornou um presente de aniversário de Plácido Rodrigues, um
grande e poderoso fazendeiro, para sua afilhada Cândida que completaria onze anos.
Plácido Rodrigues queria dar uma escrava de presente para Cândida por causa de Joana,
a senhora que foi sua ama de leite e que havia partido com um novo amor. Como se
pode comprovar no trecho de Macedo (2011, p. 90):
E em substituição da companheira livre, amiga, e devotada, recebeu
alegre a crioula quase de sua idade, a mulher escrava, uma filha da
mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade
congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro
desumanizador de criaturas humanas, que se chama escravidão.
Cândida demostrou um carinho e empatia fáceis por Lucinda que a conquistou
por saber fazer bonecas. O que parecia ser duas crianças brincando, Macedo explora de
uma maneira que Lucinda acaba por se tornar má influência para Cândida, pois a ensina
a namorar e a se envolver com vários rapazes. Cândida acaba mudando seu
comportamento e até a sua relação com os pais.
Na sequência, Lucinda se envolve com um professor de francês de Cândida
chamado Souvanel que, na verdade, era um criminoso fugitivo da França que tinha
como verdadeiro nome Dermany, que mais tardiamente, Frederico, filho do padrinho de
Cândida, desmarcara-o. Anterior a isso, Souvanel tira a virgindade de Cândida e a
engravida. Porém, depois do escândalo, como Frederico sempre foi apaixonado por
Cândida, resolve protege-la das calúnias e acaba a assumindo e também ao seu filho.
Essa passagem é capaz de ilustrar a visão do autor sobre os males que a
escravidão expunha a todos os que com ela viessem a se envolver. No lugar de sua
companheira livre, a pequena Cândida teria agora como companheira uma mucama, a
qual exatamente por ser escrava trazia consigo um mar de vícios e imoralidade.
Nessa novela Macedo foca o grande perigo que as famílias brasileiras passam a
correr no momento em que deixam mucamas perto de suas jovens filhas inocentes,
ainda em formação da moral. Lucinda não atenta contra a vida física de seus senhores,
no entanto, dissimula, engana, ataca a moralidade da jovem Cândida e desvirtua a moça
dos bons costumes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se considerar que os discursos emancipacionistas da época não obtinham
razões puramente humanitárias e, sim questões politicas e econômicas. Não foram
somente as forças externas e nem as pressões de países já aderidos à emancipação e
abolição que cravaram o processo abolicionista no Brasil. Os próprios negros escravos
tiveram um papel de protagonistas principais da sua liberdade.
A obra As Vítimas algozes tem uma narrativa interessante, na qual Macedo
defendia a emancipação dos escravos, mas pensando no bem dos senhores. Investiu no
viés de cativar a elite, donos de escravos, por meio da inserção do pensamento da
emancipação ser benéfica para os donos de escravos e não para os escravos.
Macedo não buscava despertar a piedade pelos negros, pois para ele não seria o
caminho certo, mas sim o medo, a ameaça constante daqueles que ansiosos por
liberdade e cometedores de crimes escabrosos contra seus senhores e suas famílias,
ressaltando ainda, como sendo consequências das condições degradantes e desumanas
dos próprios senhores para com seus escravos sendo um retrato da violência física e a
violência moral dos mesmos.
O intuito do autor era convencer os senhores da necessidade de colocar um fim à
escravidão, argumentando e defendendo a emancipação para beneficiar a classe
senhorial. Podendo assim, ser considerada uma estratégia narrativa centrada no público
alvo, uma maneira envolvente de leitura, na qual vai se trabalhando a reflexão dos
pontos positivos que havia na emancipação dos escravos.
Ainda que defenda a libertação dos escravos pelo bem do branco proprietário e
não do negro escravo, Macedo ao escrever pela emancipação, inegavelmente defendeu
uma ideia que mais favoreceu ao negro, que deixa a condição de escravo, coisa, objeto,
para ser humano.
A luta e resistência dos escravos serviram como transformação social da época,
mas até hoje não são reconhecidas, porém serviram de exemplo na luta pela igualdade,
contra a discriminação racial e na busca de todos exercerem a cidadania e requererem
respeito e dignidade.
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