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TEMAS DE PEDIATRIA
nº 95
Reflexões sobre a Doutrina pediátrica
TEMASDE PEDIATRIA
NÚMERO 95
Refl exões sobre a Doutrina pediátrica
Dra. Luciana Rodrigues SilvaProfa. Titular de Pediatria, Chefe do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia Pediátricas da Universidade Federal da Bahia.Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria.Coordenadora da Doutrina Pediátrica na Sociedade Brasileira de Pediatria.Membro da Academia Brasileira de Pediatria.
Este material é dedicado a cada pediatra que exerce sua doutrina de forma plena no exercício de sua missão.
O presente trabalho refl ete exclusivamente o ponto de vista da autora.
“É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo.”
Endereço para correspondência:
Dra. Luciana Rodrigues SilvaE-mail: [email protected]
3Nestlé Nutrition Institute
REFLEXÕES SOBRE A DOUTRINA PEDIÁTRICA
O que é uma Doutrina? Uma Doutrina
representa um conjunto de valores, prin-
cípios, crenças e normas que servem de
base para um sistema fi losófi co, religioso
ou científi co. A Doutrina Pediátrica se
constrói devagar e sistematicamente
desde os anos da graduação do médi-
co, mas em verdade está associada aos
princípios de cada indivíduo e começa
de fato a ser construída no seio familiar
desde a infância destes indivíduos e vai
sendo burilada ao longo da vida e com
o enfrentamento das experiências. Para
nortear uma ação, necessitamos de uma
Doutrina; a doutrina estimula o desen-
volvimento de sensibilidades imprescin-
díveis ao desempenho das atitudes. Que
ferramentas e instrumentos necessitamos
para lidar com os desafi os do dia a dia?
Teriam estes instrumentos se modifi cado
com as mudanças que vêm ocorrendo
ao longo do tempo? Provavelmente estes
instrumentos continuam os mesmos. Se
tivéssemos que escolher os pilares ou
ferramentas da Doutrina Pediátrica, estes
seriam compostos dos seguintes aspectos:
– A verdade.
– A justiça.
– A empatia.
– A instrução.
– A ampliação da consciência.
– O conhecimento técnico atualizado
e a necessidade de aperfeiçoamento.
– O compromisso.
– A ética.
– A beleza.
– A gratidão.
– A gentileza.
– O respeito.
– A disposição e abertura para querer
aprender sempre.
– O amor pelas crianças.
– A responsabilidade por seus próprios
atos.
Deve-se enfatizar que estes são requisitos
não somente para os pediatras; devem
estar presentes nos indivíduos mais
civilizados e que queiram contribuir
para a melhoria da sua comunidade e
do mundo globalizado. São requisitos
para aqueles que não pensam apenas
em si mesmos e em seus benefícios,
mas que se importam com uma vida de
mais qualidade para todos os indivíduos.
Por outro lado, para o pediatra que lida
com os pequenos pacientes e servem
de exemplo também muitas vezes,
essas características são fundamentais
e representam pontos para refl exão. A
autorrefl exão e a atenção talvez repre-
sentem as principais ferramentas para o
aprimoramento pessoal e profi ssional e
devem ser exercitadas periodicamente
por parte dos profi ssionais que lidam
com pessoas e que têm em alguma
momento, a vida dos outros em suas
mãos e sob seus cuidados.
Numa consulta, vários desses manda-
mentos surgem espontaneamente para
quem estiver atento e é exatamente o
preenchimento desses mandamentos
que deve dar ao pediatra a sensação de
realização, o orgulho e o sentido da sua
profi ssão. Desse modo, é exatamente
o preenchimento desses mandamentos
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que também oferecem ao paciente e
seus familiares a segurança e a confi ança
no profi ssional. Há muito se sabe que a
formação de um médico e o exercício
da medicina requerem um esforço her-
cúleo, associado à dedicação de tempo
para assistir pacientes, estudar, muitas
vezes desenvolver outras atividades, mas
de fato a sensação de satisfação existe
nos profi ssionais que além dos proce-
dimentos técnicos, aprenderam também
um pouco de fi losofi a, de humanismo e
de psicologia, desenvolvendo assim um
prazer inigualável pela sua profi ssão. A
sensação de possuírem uma missão e a
sensação frequente de tê-la cumprido.
Os bons profi ssionais de Saúde e todos
os membros da equipe que lidam com
crianças sentem um prazer genuíno
ao lidar com elas e ao examiná-las;
desempenham suas tarefas com prazer,
competência e habilidade, segurança,
paciência e empatia e contribuem de
fato para o futuro desses indivíduos. Não
raro servem de modelo e contribuem
para a melhoria de vida dos que assis-
tem. Essa contribuição pode ocorrer de
várias formas e ao serem identifi cadas,
ampliam o sentido da missão do médico
e o sentimento de gratifi cação.
E para você que é pediatra ou está em
processo de formação para ser pediatra,
qual sua missão nessa tarefa de exer-
cer a pediatria? Quando a descobriu?
Como se sente exercitando essa missão?
Como pode a cada dia aperfeiçoá-la?
Essas perguntas têm repostas diversas
e absolutamente individuais, conforme
as experiências pregressas e diárias de
cada um, mas ao conscientizar-se delas,
o pediatra tem maior chance de exercer
sua tarefa com satisfação, encontrando
beleza e signifi cado em seus atos.
Quando começamos a pensar na escolha
pela pediatria ou por qualquer outra es-
pecialidade, em geral surge um modelo
que admiramos ou até mais de um, seja
um professor, um pediatra, um familiar
que nos chama atenção não apenas por
suas palavras, mas pelo exemplo. Um
exemplo que admiramos e que tem algo
que nos chama atenção. Essa admiração
surge pelo reconhecimento da doutrina
exercitada pela pessoa modelo que nos
inspira. Doutrina que transparece nas
atitudes e gestos, no tom de voz, na
forma como realiza as coisas, na forma
como ouve e acolhe outras pessoas, na
criatividade e inteligência para resolver
problemas, na resiliência para seguir
diante de difi culdades, no entusiasmo e
na forma como se surpreende diante do
novo. Talvez até pela forma espontânea
e infantil de ver o mundo, pela criança
alegre que ainda aparece em suas atitu-
des em alguns momentos. De todo modo,
há um modelo ou mais de um, que nos
impressionam e nos marcam com sua
doutrina. E junto com nossa experiência,
vamos introjetando o que observamos e
seguimos construindo individualmente
a nossa própria doutrina, que também
se amplia e muda, de acordo com as
nossas percepção e avaliação constantes.
Para aqueles que além de pediatras, são
também professores e ensinam pediatria,
as responsabilidades e os papéis que
exercem são também relevantes, porque
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ensinam aos mais jovens a assistir às
crianças, suas famílias e a refl etir e
ressignifi car seus atos. Alguns profes-
sores têm a consciência de seu papel;
outros não. Alguns o exercitam de modo
natural, enquanto outros, mesmo com
esforço, o fazem de modo insufi ciente.
Entre as tarefas dos professores de me-
dicina e pediatria, algumas merecem ser
enfatizadas, pois são sempre carregadas
de caraterísticas doutrinárias para seus
alunos. Entre elas sobressaem:
– Assistir os pacientes.
– Ensinar a assistir os pacientes.
– Perceber o outro – o paciente, sua
família, o estudante em cada uma
das situações presentes.
– Estruturar o ensino no conteúdo
curricular proposto, fazendo as co-
nexões com as matérias básicas e a
sua relação com os quadros clínicos
que envolvem todos os sistemas.
– Pensar criticamente e muitas vezes
ensinar a pensar criticamente.
– Avaliar e reavaliar.
– Aperfeiçoar e estimular o aperfeiço-
amento.
– Aceitar as mudanças e contribuir com
elas.
– Dar o suporte para que os jovens pas-
sem a exercitar o raciocínio diagnós-
tico para se tornarem bons médicos.
– Respeitar as peculiaridades de cada
um.
– Estimular a pesquisa bibliográfi ca após
a discussão de cada paciente.
– Ver o estudante atender o doente,
discutir seu atendimento e raciocinar
com ele sobre as hipóteses diagnósti-
cas e as condutas tomadas – formular
os problemas do paciente, discutir os
mecanismos da doença em pauta, as
consequências a curto e longo prazos
da mesma e a necessidade do acom-
panhamento.
– Ver o paciente no ambulatório ou à
beira do leito sempre de modo indivi-
dualizado, com respeito, aprender um
pouco com cada paciente e sempre
perguntar-se após cada consulta: “o
que aprendi com este caso?” Este sem
dúvida é o melhor método para apren-
der medicina e continuar aprendendo
por toda a vida de médico. (Fig. 1)
– Realizar seminários interdiscipli-
nares com outras escolas e outros
especialistas para o aprimoramento
e o enriquecimento da conduta para
cada caso, compartilhar dúvidas e
pedir ajuda para ampliar o trabalho
em equipe e aprender a enxergar
outros lados de uma mesma questão.
Este exercício deve ser contínuo na
atividade profi ssional, sob a forma de
encontros, seminários e congressos.
– Os professores que atuam na área
clínica devem desenvolver junto a
seus alunos o raciocínio clínico com
crítica, discutir sobre as habilidades
e os conhecimentos teóricos neces-
sários, assim como o desempenho
de seu comportamento, buscando a
excelência na qualidade desse aten-
dimento. O professor deve estimular
a autoestima do aluno, encorajando-o
a ler e buscar fontes atualizadas, que
o ajudem a descobrir a missão de ser
médico e ser pediatra e ele próprio,
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introjetando os princípios da doutrina
pediátrica, desenvolvendo suas ativi-
dades como cidadão ativo em sua
comunidade. Dessa forma, também o
jovem pediatra onde quer que chegue
irá estimular seus pares nos serviços,
retroalimentando as equipes das quais
fi zer parte.
Figura 1 – De fato, a assistência ao doente requer uma boa história detalhada,
um exame físico completo e sistematizado, alguns momentos de refl exão, a
construção da formulação diagnóstica com as principais suspeitas e a avalia-
ção crítica da conduta a ser seguida. Todos esses passos devem ser ensinados
e praticados de modo minucioso e repetido por todo o tempo no exercício da
medicina. A discussão em grupos estimula esse processo.
E se em qualquer ocasião o pediatra
sentir-se insatisfeito, deve considerar
se está na hora de mudar de atividade
ou de profi ssão. Não é possível tratar
de crianças sem alegria, gentileza, en-
tusiasmo e interesse genuíno. Alguns
profi ssionais precisam ter coragem e
enfrentar suas mudanças também.
O pediatra exerce um papel importante
como educador, como orientador das
medidas preventivas a curto e longo
prazos, contribuindo de modo signifi -
cativo para a melhoria da qualidade de
vida de seus pacientes e suas famílias.
A depender da faixa etária em todas
as consultas, além de resolver a situ-
ação que trouxe a criança ao médico,
deve-se orientar sobre as imunizações
e seus reforços; sobre a alimentação
adequada, fazendo as correções dos
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erros alimentares; estimular a atividade
física regular da criança; orientar sobre a
prevenção dos acidentes; explicar quais
os requisitos para um ambiente seguro
dentro de casa e na escola; identifi car
precocemente os problemas de esco-
laridade e os problemas de assédio e
abuso físico ou emocional; conversar
sobre os comportamentos de risco;
estimular a leitura e outras tendências
artísticas que a criança possuir; estimular
o comportamento dos pais e da criança
para reforçar sua autoestima; discutir
sobre os limites necessários para cada
uma das faixas etárias da criança no
processo educativo; propor o diálogo na
resolução dos problemas; fazer a criança
participar e fazê-la compreender a reali-
zação de procedimentos diagnósticos ou
terapêuticos, tratando-a como indivíduo
e fazendo ver à família a importância
dessa postura para o futuro da criança.
É importante que se estimule sempre na
criança a responsabilidade com seus atos
e o autocuidado com seu corpo e sua
saúde. Será que os pediatras se dão conta
de como são importantes para as famílias
e os pequenos pacientes, assim como
têm um papel fundamental de educar
e contribuir para a qualidade de vida
de muitos indivíduos, de sensibilizá-los
para as mudanças de hábitos que podem
refl etir no futuro? Ter esse sentimento da
importância que pode exercer é funda-
mental em sua atuação como pediatra.
A consulta representa o momento mais
signifi cativo da atuação do pediatra e
nela, desempenhará seu papel mais
importante para o acompanhamento do
crescimento e do desenvolvimento da
criança em todas as suas etapas, na saú-
de e na doença. O paciente pediátrico
deve ser acompanhado de modo inte-
gral, com observação do seu físico, do
seu psíquico, do ambiente que o envol-
ve, das suas relações sociais e afetivas,
do seu desempenho escolar e esportivo.
Conforme a orientação do Prof. Pedro
de Alcântara, “a assistência integral da
criança se baseia na identifi cação dos
problemas físicos e psíquicos, com atu-
ação preventiva e curativa, levando-se
em conta as peculiaridades da criança
e a fase de desenvolvimento na qual se
encontra, sua situação socioeconômica
e cultural e contribuindo para que a
mesma se torne um adulto sadio e útil
à sua comunidade”.
Na consulta pediátrica, o médico tam-
bém muda constantemente de atitude, a
depender da idade do paciente. Como
o pediatra atende do recém-nascido ao
adolescente, sua consulta é inteiramente
diversa para cada faixa etária. Ele precisa
estar a par e conhecer profundamente
os interesses, as habilidades, aspirações
e medos do lactente, do pré-escolar, do
escolar e do adolescente pré-púbere,
púbere e pós-púbere. Além disso, pre-
cisa também entender os interesses,
as aspirações e as apreensões do pai
e da mãe sobre seus fi lhos nessas di-
versas idades. Para essa compreensão
ampla, são indispensáveis sensibilidade
e dedicação. Faz-se necessária uma
disciplina ativamente exercida sobre
seus princípios e sobre sua doutrina
pessoal. O pediatra deve desenvolver
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algumas estratégias para aproximar-se
mais da criança, principalmente da-
quelas arredias ou que já tiveram uma
experiência prévia ruim ou já foram
hospitalizadas e muito manipuladas
ou aquelas que sofrem negligência e
abuso (Fig. 2). Comunicando-se com a
criança de modo adequado, de acordo
com sua idade, o pediatra terá mais
chance de sucesso na consulta para
obter informações adequadas da história
e para realizar o exame físico com-
pleto. É necessário saber as principais
reações gerais da criança, dependendo
da faixa etária, a fim de contornar
com habilidade algumas difi culdades.
Todas as crianças e adultos querem ser
respeitados e cada um é um indivíduo
único; este é o principal presente que se
pode dar a todos as pessoas. Ninguém
jamais esquece como foi tratado e se
foi respeitado, esta é uma das regras de
ouro para o relacionamento humano,
sobretudo em condição de fragilidade,
como é aquela situação de doença,
quando se procura ajuda do médico.
Alguns exemplos de comportamentos
comuns de acordo com a idade:
• Entre 6 e 7 meses – a criança tende
a fi car ansiosa diante de estranhos.
A aproximação do pediatra para o
exame deve ser gradual, sempre com
os pais bem próximos da criança.
• Entre 8 e 9 meses – a criança chora
ao se separar dos pais. Muitas mano-
bras podem ser necessárias e parte do
exame respiratório e cardiovascular
às vezes pode ser realizado com a
criança no colo de um dos pais.
• Entre 2 e 5 anos – deve-se demonstrar
um exame em um boneco e explicar
todos os procedimentos que serão
realizados. Fazer o contato com a
criança desde o momento em que ela
entrar para a consulta e se comunicar
com ela é essencial.
• O pré-escolar – a criança nesta ida-
de apresenta o pensamento mágico,
egocentrismo, iniciativa e culpa. Tem
medo de estar longe dos pais, tem
medo da mutilação, da dor e da perda
de controle. O médico deve informá-lo
como vai examinar e elogiar a criança
que colabora, conversando com ela
desde o início, informando-a de todas
as etapas do exame, respondendo com
atenção suas dúvidas.
• O escolar – aprecia as informações
científicas, começa a desenvolver
o raciocínio concreto, tem medo
de separar-se dos amigos, medo da
dor e da perda de controle. Todas
as perguntas devem ser respondidas
com vocabulário adequado. Todos os
procedimentos devem ser explicados.
Nessa idade a comunicação direta é
indispensável, estimulando o paciente
para seu autocuidado.
• O adolescente – desenvolve sua pró-
pria identidade, luta pela individualida-
de e independência, já tem pensamen-
to formal, preocupação com o corpo,
com o fato de ser diferente. Tem medo
da mudança da imagem corporal, da
separação dos amigos, da perda de
controle e medo da morte. O exame
deve ser privado, informando todas as
etapas. Fundamental aproveitar essa
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oportunidade para educar sobre o
corpo, os comportamentos de risco e a
atividade sexual e ajudar nos processos
de individualização, independência,
atitude crítica e refl exiva do paciente.
Colocar-se disponível para o paciente
para adquirir sua confi ança e manter
sigilo sobre as informações, exceto
se houver perigo ou risco de vida e,
nessa situação, consultar se o próprio
adolescente não prefere comunicar
algum fato à família. O adolescente
precisa sentir que o médico o respeita
como indivíduo.
Figura 2 – Nesse interessante dese-
nho, o autor (Norman Rockell) capta
exatamente uma das belas táticas que
podem ser utilizadas pelo pediatra para
se aproximar da criança e depois conse-
guir examiná-la mais espontaneamente.
É necessário, portanto, aprofundar-se
e descobrir quais são as referências
da criança, quais são seus projetos de
vida; se estivermos diante de escolares
e adolescentes, quem são seus mode-
los, que fi guras de adultos são modelos
para esses adolescentes e porque, que
conhecimentos têm dos problemas da
comunidade que os circunda, qual o
seu grau de instrução e como podem se
aperfeiçoar como pessoa e ser humano.
A pediatria lida com várias peculiarida-
des bastante diferentes das demais es-
pecialidades, porque além do paciente,
que tem a mudança como característica
constante, há que lidar também com
seus familiares. A consulta pediátrica
tem, portanto, um perfi l diferente das
outras especialidades médicas, além de
vários pontos sobre os quais precisamos
refl etir com cuidado, quais sejam:
• As variações do normal, as especifi ci-
dades e as patologias das crianças em
cada uma das diversas faixas etárias
pediátricas, desde o recém-nascido
até o fi nal da adolescência.
• Na sala de consulta a pessoa mais
importante é a criança. O médico deve
esquecer-se de si, lembrar-se que ao
estar conversando com outra pessoa,
a criança e/ou seus familiares, deve
estar pensando nela. Essa prática talvez
represente em todas as circunstâncias
a maior qualidade a ser desenvolvida
para o ser humano em suas relações
interpessoais – estar atento ao que o
outro diz naquele momento. O médico
deve estar atento e demonstrar atenção
genuína. Os pacientes maiores e os
familiares percebem a diferença de
atitude quando o médico é atento e
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desempenha sua tarefa de modo ade-
quado ou quando mostra-se distraído
ou distante.
• Não se trata apenas de se mostrar inte-
ressado; é de fato estar genuinamente
interessado no outro. É saber ouvir e
exercitar a empatia com o paciente e
seus familiares. Cada um dos membros
da família tem suas necessidades e
precisa ser compreendido e acolhido.
• A realização da anamnese e do
exame físico deve ser feita de modo
sistematizado e completo em todas
as oportunidades. Ao pediatra não
deve bastar o exame em apenas um
segmento da criança, ou orientar uma
criança pelo telefone. Deve sempre
colher a anamnese e fazer o exame
completo. Algumas vezes necessitará
reavaliar o paciente.
• Há necessidade de amplitude mental
para perceber a criança em casa, no
consultório, na escola, no hospital,
perto e longe da família e do meio
onde está inserida. Desde o primei-
ro contato já se começa a observar
atentamente a criança e seus acompa-
nhantes. Com a observação atenta e
a experiência, pode-se avaliar melhor
todos os aspectos e até descobrir
alguns escondidos. A curiosidade e
o interesse devem estar presentes de
modo pró-ativos no desempenho da
missão do pediatra. O exercício da
leitura das entrelinhas e do não-dito
é fundamental.
• Assim como o médico avalia o pacien-
te e a família, a família e o paciente
também avaliam o médico a todo o
momento. Os gestos e o tom de voz
são muitas vezes mais esclarecedores
que a fala – deve-se então lembrar da
linguagem não verbal para facilitar a
interlocução entre as pessoas. Deve-
-se fazer observação da postura e da
expressão facial do cliente e de sua
família e observar a linguagem não
falada. Quando observamos atenta-
mente, conseguimos enxergar algo
mais.
• Ao ouvir, é necessário estar atento
ao tom de voz, à mímica facial, aos
gestos e às conexões entre as pessoas.
• Há sempre efeitos e consequências
relacionados com a saúde e a doença
aguda e, sobretudo, com a doença
crônica sobre a criança e seus fami-
liares. O bom médico pode ajudar o
enfrentamento das situações difíceis
sendo claro, verdadeiro e cuidadoso
nas suas colocações.
• Analisar os processos de crescimento e
desenvolvimento da criança de modo
sistemático representa um dos pilares
da pediatria. Diante desse aspecto,
cabe perguntar como o pediatra lida
com as mudanças em sua própria
vida? E como a família lida com as
mudanças da vida e de suas crianças?
Com naturalidade ou sofrimento? O
que representam estas crianças para
seus pais ou cuidadores? Os pais
aceitam com facilidade as mudanças
e a independência da criança? E como
o pediatra reage diante da mudança
em seus próprios fi lhos?
• Fundamental é a percepção adequada
do vínculo da família com a criança
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e o vínculo do próprio pediatra com
a criança ou adolescente e seus fa-
miliares.
• Qual a relação do pediatra com a
criança e o adolescente e com os seus
familiares próximos ou distantes? O
pediatra identifi ca em algum momento
sinais de satisfação ou de irritação
em si mesmo no desempenho do seu
trabalho? Esse achado de satisfação
ou irritação é comum? Como essa
situação é elaborada? Muitas pergun-
tas devem ocorrer e é necessário ter
sempre um tempo para refl etir sobre
elas e seus signifi cados. Tais pergun-
tas podem revelar a necessidade de
ressignifi car a atuação profi ssional ou
pessoal do pediatra.
• E como o pediatra se sente no seu am-
biente de trabalho, com a equipe que
trabalha com ele? Já identifi cou em
alguma oportunidade a sua síndrome
de “burnout” (síndrome de exaustão)?
Já identifi cou pessoas que fazem seu
trabalho mais estimulante? E pessoas
que tornam seu trabalho mais difícil
e aquelas que o tornam mais fácil?
• O profi ssional deverá ter EMPATIA, ser
educado e gentil, com sensibilidade e
preparo técnico, ética e respeito, ten-
tando minimizar as diferenças sociais,
culturais e linguísticas, os seus próprios
preconceitos e mitos. Pouco se fala
dos próprios sentimentos do médico
diante de determinadas circunstâncias,
o que deve servir para o mesmo se
conhecer, aperfeiçoar-se e ampliar
sua conscientização e analisar suas
experiências.
• Uma história bem feita e um exame
físico completo com a adequada
formulação diagnóstica são e sempre
serão os alicerces para a excelência
da prática médica, e de tal forma
devem sempre ser realizados de modo
completo e sistematizado. Nenhuma
tecnologia pode substituir o raciocí-
nio clínico, mas ela pode auxiliar e
complementar esse raciocínio.
• Exercitar o raciocínio clínico com
o diagnóstico diferencial de modo
sistematizado torna o pediatra mais
experiente no desempenho de sua
tarefa.
• Fazer sempre as Hipóteses para o
Diagnóstico e só em seguida a soli-
citação crítica de exames baseados
nas hipóteses
• Todas as informações da consulta são
confi denciais. Deve-se evitar comentar
os casos em circunstâncias indevidas
e prezar a confi ança do paciente e
seus familiares.
• Há sugestão de desconforto de que
natureza? O desconforto do paciente
ou seus familiares é velado ou clara-
mente colocado?
• O pediatra deve desenvolver o hábito
de raciocinar, fazer inferências – com
pensamento crítico e sempre rever,
interpretar, analisar, avaliar e reavaliar,
e também se autorreavaliar.
• Verifi car quais os problemas ditos e
os problemas adicionais identifi cados
e não ditos.
• Analisar os fatores etiológicos possí-
veis e os problemas concomitantes e
riscos relacionados, não esquecendo
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da situação epidemiológica da região
onde atua.
• A condição socioeconômica da famí-
lia deve ser identifi cada e levada em
consideração sempre, desde a escolha
dos métodos diagnósticos e esquemas
terapêuticos.
• O ambiente, a comunidade, a escola
e a família fazem parte do entorno da
criança e precisam ser estudados.
• Não se pode esquecer os aspectos
culturais, psicológicos, religiosos e
sociais da família e as experiências
prévias de doenças e morte na família.
• Ouvir atentamente as referências
da criança, que são sempre muito
importantes, é exercício obrigatório
com as crianças que já se fazem en-
tender, assim como colocá-las a par
da situação, responder suas perguntas
e ajudá-las a entender que parte do
tratamento tem que ser feito por ela
própria e enfatizar a importância do
autocuidado. Esta condução é im-
prescindível e ajuda no processo de
independência e autoestima.
• O médico deve avaliar a sua forma-
ção / percepção / preconceitos e a
necessidade de educação continua-
da frequente e de aperfeiçoamento
como pessoa. Todos nós temos nossos
preconceitos e precisamos avalia-los,
compreendê-los e nos desprender
deles.
• Tomadas de decisão são frequente-
mente necessárias, na dúvida deve-se
pensar: e se fosse meu fi lho eu seguiria
o processo diagnóstico e terapêutico
dessa forma?
• A base formal e atualizada do co-
nhecimento específi co e técnico é
imprescindível.
• O exercício sobre a fi siopatologia, a
farmacologia, a psicologia, o custo
do tratamento e da investigação são
parcelas que devem ser pesadas em
cada caso atendido de modo indivi-
dualizado, além do conhecimento dos
avanços de imunologia e genética com
proveito para o paciente.
• Ler e reler sobre os casos atendidos
e repetir o aprendizado, pois repetir
é parte do aprendizado para ganhar
experiência.
• Procurar competência e seu aperfei-
çoamento constante como profi ssional
e como pessoa.
• Analisar suas atitudes e refl etir sobre
seus atos impulsivos. Analisar suas
reavaliações e seu aperfeiçoamento.
• Saber trabalhar em equipe, conhecer
como se fazem as conexões entre
as pessoas e como liderar de modo
satisfatório, além de saber pedir ajuda
para discutir um caso ou uma deter-
minada conduta, conhecendo seus
limites com tranquilidade.
• Somar as qualidades individuais em
busca do aperfeiçoamento, analisar os
erros e os acertos e verifi car os apren-
dizados junto com os outros compo-
nentes do grupo, sem permitir-se fi car
na defensiva ao analisar os problemas.
• Fazer reuniões periódicas com os
colegas ou membros do grupo. Com-
partilhar o conhecimento.
• Ouvir sempre com atenção a cada
um dos familiares e ao paciente.
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• Tratar a mãe e a criança pelo nome.
Embora algo simples, esse comporta-
mento é de fundamental importância.
Receber o paciente de pé e lavar as
mãos antes de examinar a criança
são pequenos detalhes que sempre
são percebidos.
• Não subestimar nem superestimar as
queixas.
• Documentar bem as consultas, deta-
lhar o prontuário com letra legível,
preenchendo-o de forma adequada e
completa. Esse procedimento é funda-
mental para o paciente, para outros
profi ssionais que tenham acesso ao
prontuário e para o próprio médico.
• Compreender a dinâmica do mercado
e dos convênios, o avanço e o retro-
cesso que eventualmente ocorram no
mercado de trabalho. Conhecer os
movimentos em defesa do profi ssional
de saúde.
• Ter atitude mais pró-ativa nas suas
associações de classe. Fazer parte
e se comprometer junto a estas
associações. Há um ganho em com-
partilhar os conhecimentos técnicos
e atualizações, no aperfeiçoamento
pessoal e relacionamento humano,
no sentido de fazer parte de um
grupo com aspirações semelhantes
e que atende o paciente pediátrico
de forma integral.
• Trabalhar sempre a autorrefl exão como
exercício contínuo.
• Identifi car a criança e a família de
risco e encaminhá-las adequadamente.
Não se omitir diante de problemas
identifi cados.
• Verifi car a idade dos pais e relação
entre eles e suas expectativas com
relação à criança.
• Verifi car se é mãe de primeiro fi lho e
que inseguranças e dúvidas existem,
procurando aumentar a autoestima
e a confi ança da mãe em cuidar e
alimentar a criança.
• Mostrar a necessidade de trazer a
criança periodicamente para avaliação
e orientação, não só quando adoecer,
e informar a importância do acompa-
nhamento da criança saudável.
• Avaliar se a criança é prematura,
desnutrida, com doenças na família,
com doença prévia e como está a
saúde de outros irmãos.
• Avaliar se o quadro é de emergência
e risco de vida e atuar imediatamente.
• Analisar a escolaridade e a condição
socioeconômica da família e empre-
gar linguagem de fácil compreensão.
Qualquer informação pode ser dada
se a forma de comunicação é ade-
quada.
• Compreender as técnicas de comuni-
cação mais efi cientes.
• Como a comunicação adequada re-
presenta a base para a coleta de uma
boa história, e também vai se refl etir
claramente no sucesso profi ssional e
pessoal dos indivíduos, faz-se necessá-
rio analisar com atenção as estratégias
para a boa comunicação, enfatizando:
– Os períodos de silêncio.
– A escuta atenta e empática que
representa uma das características
mais importantes, sabendo quando
interromper ou perguntar.
14 Nestlé Nutrition Institute
– A transmissão de aceitação por
gestos ou palavras.
– Fazer perguntas relacionadas.
– Utilizar paráfrases.
– Fazer o esclarecimento e detalha-
mento das condutas a serem toma-
das no diagnóstico e tratamento.
– Realizar o confronto cuidadoso
quando for necessário.
– Dar o retorno efi caz com informação
adequada, quando solicitado.
– Ser conciso e preciso.
– Compreender e enfatizar a importân-
cia do vínculo entre os pais e o fi lho,
sobretudo entre a mãe e o fi lho na
determinação a curto e longo prazo
de vários fatores físicos e emocionais
para a criança. (Figs. 3 e 4).
Figura 3 – Vários fatores instintivos e
racionais estão envolvidos no desenvol-
vimento do vínculo mãe-fi lho, sendo
fundamental que o pediatra converse
sobre esse aspecto detalhadamente e
seguidas vezes, antes e depois do nas-
cimento da criança, contribuindo assim
para evitar alguns erros que podem ser
danosos e estimulando o desenvolvimen-
to das habilidades da criança, sobretudo
nos primeiros anos de vida.
Figura 4 – Cada vez mais o pai tem
se envolvido no cuidado da criança,
o que representa um fato importante
e benéfi co para o desenvolvimento da
criança e a estabilidade da família, pois
alguns comportamentos são mais carac-
terísticos dos pais e outros das mães
para a formação da personalidade da
criança. Compreender que o papel de
cada um é muito importante em todas
as fases do desenvolvimento infantil,
além de compreender suas aspirações
e apreensões.
15Nestlé Nutrition Institute
A consulta, portanto, em todas as
especialidades da atividade médica
deve obedecer a uma sistematização
e, apesar dos grandes avanços que
têm ocorrido nas técnicas diagnós-
ticas e nos recursos terapêuticos,
a anamnese detalhada e o exame
físico minucioso permanecem como
os elementos mais importantes para
a formulação diagnóstica adequada
e a orientação correta do paciente.
O avanço incessante da medicina
jamais alterará a natureza humana
do ato médico, que representa uma
combinação entre ciência e arte. O
médico necessita do conhecimento
técnico integrado com a habilidade de
comunicação e empatia no desempe-
nho da sua atividade profi ssional. Na
relação do médico com o paciente e
seus familiares, vários fatores estão em
constante interação e são dependentes
das pessoas envolvidas: a instrução,
a personalidade, a sensibilidade, a
capacidade de empatia e de comu-
nicação, a cultura, os preconceitos
e os mitos dos indivíduos envolvidos
na relação, os quais devem servir
sempre ao propósito maior de ajudar
o doente e interpretar corretamente o
seu quadro clínico. O médico deve
desenvolver a capacidade de compre-
ender as pessoas que atende, de fazer
um exercício diário para ampliar sua
análise crítica, além de conhecer as
técnicas e procedimentos adequados
e sempre atualizados a utilizar. Do
mesmo modo que o médico avalia
seu paciente desde o início, também
o paciente e seus familiares avaliam
o médico em todas as suas atitudes,
gestos, posturas, entonação de voz,
interesse, atenção, modo de realizar
cada procedimento e como as palavras
são empregadas e em que contexto.
A realização de um bom exame clíni-
co com uma anamnese e um exame
físico completos representam o aspecto
diferencial mais importante entre os
médicos. Infelizmente, a ênfase nesse
aspecto é ainda menos abordada do
que deveria nos cursos de graduação
e especialização em nosso meio e
pouco considerada pelos planos de
saúde. A parte mais difícil da medicina
é fazer o diagnóstico correto e, para
tanto, são necessários sistematização,
conhecimento, atualização e refl exão.
Um aspecto que nunca pode ser negli-
genciado é que todas as informações da
consulta são estritamente signifi cativas
e confi denciais.
A atitude do médico é muito importan-
te, devendo ser sempre atenta, gentil,
criteriosa e crítica, observando todos os
detalhes, sistematizando as etapas da
anamnese e exame físico e respeitando
a individualidade de cada criança e de
seus pais. A complexidade da relação
que envolve o pediatra e os familia-
res do paciente necessita da refl exão
constante do médico, sobretudo diante
das frequentes mudanças na própria
relação entre esses indivíduos e também
diante das constantes mudanças que as
crianças demonstram em todo o seu
percurso, desde o recém-nascido até o
adolescente.
16 Nestlé Nutrition Institute
Outro aspecto diz respeito ao tipo da
consulta que o pediatra tem diante de
si. A consulta de uma criança sadia
que vem para acompanhamento do
seu crescimento e desenvolvimento
e de orientações preventivas próprias
para sua faixa etária é absolutamente
diferente da consulta de uma criança
previamente sadia que tem um quadro
grave e agudo, muitas vezes necessi-
tando de atendimento hospitalar, como
uma hemorragia digestiva ou um quadro
de abdome agudo ou trauma. E ainda
completamente diferente da abordagem
necessária para uma consulta de acom-
panhamento ambulatorial periódico de
uma doença crônica, como hepatite
autoimune ou doença infl amatória in-
testinal. Nessas situações os pacientes
podem apresentar recaídas e requerer
mudanças na orientação terapêutica.
Nessas situações diferentes, o pediatra
precisa de experiência, atualização
técnica, interlocução com outros espe-
cialistas de uma equipe multidisciplinar
e, sobretudo, dedicação e análise indi-
vidualizada para cada paciente. Embora
existam consensos para orientação de
diversas patologias, é fundamental que
o médico saiba examinar seu paciente
como um indivíduo e veja as suas
particularidades, estabelecendo que
condutas deve ou não seguir, em que
momento e de modo mais maduro, pois
cada paciente tem suas características
próprias, que não podem ser ignoradas
ou esquecidas para decisões diagnósticas
e terapêuticas racionais. O bom senso
muitas vezes é muito importante, pois
individualiza o paciente e orienta a
melhor conduta. Os consensos servem
como um modelo, mas cada paciente
tem que ser visto e orientado como
único com características individuais
respeitadas.
O paciente pediátrico apresenta pe-
culiaridades especiais, a depender da
faixa etária em que se encontra, pois
o crescimento, o desenvolvimento e as
mudanças são características próprias da
criança. Tais processos ocorrem desde a
concepção, e o atendimento pediátrico
está envolvido no período que
se estende do nascimento ao fi nal da
adolescência. A maioria das variações
observadas nas diversas faixas etárias
pediátricas – recém-nascido, lactente,
pré-escolar, escolar e adolescente – é
explicada pela diferença nas taxas de
crescimento dos vários sistemas do
organismo e no desenvolvimento de
habilidades adquiridas. Por exemplo,
o tecido linfoide é relativamente bem
desenvolvido no período de lactente,
atinge seu desenvolvimento máximo na
segunda infância e regride às propor-
ções encontradas no adulto, durante a
puberdade. O sistema nervoso, por sua
vez, continua a se desenvolver após o
nascimento e atinge o tamanho adulto
por volta do 5º ano de vida e necessita
nesses primeiros anos de vida, de atenção
e estímulo especiais. O sistema genital
só passa a se desenvolver na puberdade.
A normalidade em pediatria inclui mui-
tas diferenças em torno da média para a
idade da criança estudada, devendo-se
levar normalmente em consideração,
17Nestlé Nutrition Institute
os fatores hereditários e o ambiente.
A determinação da normalidade em
um indivíduo em constante mudança
é ainda mais difícil.
Uma anamnese feita de modo adequado
permite ouvir bem o paciente ou seu
acompanhante, estabelece o vínculo
e a confiança na relação médico-
-paciente e orienta o exame clínico e
as solicitações dos exames diagnósticos.
Uma anamnese funciona como uma
entrevista detalhada, que fornece ao
médico a possibilidade de fazer uma
hipótese sobre o contexto da queixa do
paciente. Todos os elementos devem ser
questionados com tempo sufi ciente na
consulta, para que o paciente ou seus
familiares sejam ouvidos com calma e
com atenção. Todos sabem quando são
de fato ouvidos com atenção. Em vários
relatos, parece que a melhor ferramenta
para colher uma boa história é ser um
bom ouvinte. Ao ouvir o paciente e seus
acompanhantes, o médico deve estar
atento ao tom de voz, à mímica facial,
aos gestos e à conexão dos adultos com
a criança. À medida que se aprende
a arte da observação cuidadosa, o
diagnóstico a partir do exame clínico
torna-se mais fácil. Algumas técnicas
devem ser lembradas, pois auxiliam a
coleta da história, tais como:
– Silêncio enquanto ouve quem fala,
fazendo contato visual.
– Evitar interromper quando o paciente
ou seus acompanhantes falam.
– Encorajá-los a falar;
– Fazer permanente contato visual com
todos os presentes na consulta.
– Ter uma postura amistosa, acolhedora
e polida. Ser sempre educado e gentil.
– Transmitir aceitação com gestos, mí-
mica e voz.
– Fazer perguntas abertas com paráfrases
(“como posso ajudá-lo? Fale a respei-
to... Descreva-me o que aconteceu...”)
e interrompê-los de modo adequado
quando necessário, esclarecendo e
detalhando.
– Demonstrar que se está atento ao que
o paciente informa.
– Quando necessário, fazer contrapor
argumentos de forma cuidadosa com
delicadeza e fi rmeza.
– Desde a anamnese, já começar e
levantar possibilidades diagnósticas.
Ao término da anamnese, deve-se fazer
um resumo. Os médicos mais jovens
devem refl etir sobre as pessoas ou os
médicos que se comunicaram bem e
que tenham presenciado a consulta, e
se perguntar: por que a comunicação
foi fácil e adequada com eles?
Para qualquer abordagem com os
pacientes da faixa etária pediátrica, é
fundamental que o pediatra exercite a
habilidade de ouvir a mãe, o acompa-
nhante da criança ou o próprio paciente,
que faça um exame sistematizado e
completo do paciente e que pratique
o exercício sobre a formulação diag-
nóstica, baseada nos dados positivos
encontrados na história e no exame
físico. Essas etapas devem ser seguidas
sempre, independentemente da queixa
que leva o paciente à consulta. Natural-
mente que, após ouvir as informações
de modo adequado, algumas perguntas
18 Nestlé Nutrition Institute
deverão ser feitas, mas essas devem ser
formuladas com bom senso e atitude
crítica, exercendo a empatia, o conhe-
cimento técnico, a experiência, a sensi-
bilidade e a intuição. As perguntas que
habitualmente devem ser feitas depois
de ouvir o paciente ou seu acompa-
nhante são:
– O que o preocupa?
– O que pensa a respeito?
– Que perguntas gostaria de fazer sobre
a situação?
– Fale-me sobre o paciente.
– Até quando ele estava bem?
– Fale-me sobre a sequência como tudo
aconteceu.
– Qual o padrão de periodicidade e de
achados associados?
– O que tem sido feito até agora a
respeito?
Essas perguntas, além de esclarecedoras,
demonstram interesse e fornecem dados
importantes para o diagnóstico que está
sendo construído ao longo da consulta.
Mudanças importantes vêm ocorrendo
na relação médico-paciente nas últimas
décadas. Hoje o paciente é um par-
ticipante ativo da consulta, dividindo
decisões e informações, o que repre-
senta uma aliança terapêutica. Esses
avanços parecem não ter atingido de
modo semelhante a relação do pediatra
com a criança, pois muitas vezes os
pais desempenham o papel central na
consulta. Os pais e o pediatra, que
ignoram a contribuição da criança,
por acharem que esta não é capaz
de discutir sobre os problemas de sua
própria saúde, difi cultam o desenvol-
vimento do seu autocuidado e da sua
autoestima.
Durante as últimas décadas ocorreram
mudanças na relação médico-paciente.
O médico passou a dividir mais in-
formações e decisões com o paciente
e, com isso, este último vem se tor-
nando cada vez mais consciente dos
seus problemas. No entanto, a relação
pediatra-criança não parece ainda ter
sido muito afetada por esta evolução
em todos os aspectos; alguns estudos
identifi caram os pais e não a criança
como o principal interlocutor na consul-
ta pediátrica. Além das alterações vistas
na relação médico-paciente, a própria
interação da criança com seus pais têm
evoluído. Os pais têm se tornado cada
vez menos autoritários e repressivos. Isso
favorece ainda mais uma participação
efetiva da criança no contexto médico.
É função tanto dos pediatras como
dos pais incentivarem a criança a se
pronunciar diante do seu médico. Essa
participação é fortemente infl uenciada
pelo comportamento dos adultos que
convivem com a criança e que devem
estimulá-la a participar. Por outro lado,
muitas vezes os pais não sabem dar os
limites necessários e também alguns
pediatras falham nessa orientação para
com os pequenos pacientes. Os pais que
assumem uma postura paternalista, que
tendem a falar pela criança, ignorando
suas contribuições por acreditarem que
seus fi lhos não são capazes, ou que
infantilizam seu discurso quando con-
versam com a criança, desestimulam o
seu autocuidado. Com essa postura, não
19Nestlé Nutrition Institute
contribuem para o desenvolvimento da
independência, autonomia e autoestima
das crianças. Os poucos estudos que
existem sobre a comunicação entre a
criança e o pediatra revelam que a
participação das crianças em consultas
médicas é limitada. Os médicos tendem
a conversar com a criança para obter
informações quanto à sintomatologia, no
entanto, as exclui das explanações sobre
diagnóstico e tratamento na maioria das
vezes. O modelo de interação do médi-
co com a criança é restrito ao domínio
afetivo, quando o pediatra apenas faz
brincadeiras e questiona sobre a vida
social, não colocando as crianças na
participação ativa de suas vidas.
Vale ressaltar que o vínculo entre o
paciente e o médico pode se tornar
fragilizado com os novos sistemas de
saúde, no qual vários médicos podem
atender um mesmo paciente, criando,
assim, uma relação impessoal com con-
sultas mais rápidas. Vale ainda destacar
a referência repetida das crianças à ne-
cessidade de gentileza no tratamento dos
médicos. Existem estudos teóricos que
indicam que as crianças entendem mais
de saúde e doença do que se costuma
pensar. Tem sido demonstrado que uma
comunicação mais direta entre o pedia-
tra e a criança leva à maior satisfação
com o cuidado médico e maior adesão
ao tratamento, portanto, melhores re-
sultados. As crianças devem aprender
a contribuir ativamente no tratamento
de suas doenças e, portanto, é função
do médico prover um ambiente ade-
quado para essa integração, oferecendo
oportunidades para que se manifestem.
É possível estimular a criança a descrever
seu problema, dirigindo as questões dire-
tamente para o paciente e envolvendo-a
em discussões sobre saúde, prevenção,
diagnóstico e tratamento.
Algumas crianças, principalmente aque-
las em idade escolar, demonstraram
insatisfação quando o médico se dirige
predominantemente aos seus pais, e não
a elas ou quando este trata a criança,
como se ela não fosse capaz de enten-
der o que lhe estava sendo explicado,
infantilizando o diálogo.
A maioria dos profi ssionais de saúde
costuma valorizar as informações dos
pais em detrimento da perspectiva da
criança. No entanto, já está comprovado
que a percepção dos pais não refl ete os
sentimentos e necessidades completas
das crianças, especialmente quando
estas se tornam mais independentes. Não
excluindo os obstáculos que o discurso
infantil traz, é necessário um treina-
mento dos profi ssionais de saúde para
que se possa interpretar corretamente
os sentimentos dos pacientes pediátri-
cos, estimulando o desenvolvimento
da sensibilidade e habilidades para
compreenderem o estágio evolutivo e
cognitivo da criança e da família na qual
está inserida. O nível de contribuição
da criança está fortemente relacionado
com sua idade e o profi ssional de saúde
deve estar apto a conduzir a consulta
pediátrica nas diferentes faixas etárias.
Não se pode deixar de mencionar a
mudança no estilo atual de vida que
também modifi cou a própria relação
20 Nestlé Nutrition Institute
entre o paciente e seus familiares. A
exemplo disso, pode-se citar a dupla
jornada de trabalho de ambos os pais,
a escola muitas vezes defasada e o
despreparo das cuidadoras que fi cam
com as crianças a maior parte do tempo.
Crianças em idade pré-escolar acham
que os médicos e enfermeiras têm o
intuito de machucá-las. Os pacientes
com idade abaixo de sete anos vêem
a causa da doença como infecciosa ou
como punição por mau comportamento.
Já as crianças entre sete e 11 anos, apesar
de possuírem melhor conhecimento e
compreensão, vêem a causa da doença
como um fator individual e, geralmente,
não intuem as razões para o tratamento.
A partir dos 11 anos, as crianças já têm
uma clara compreensão do processo de
adoecer, da necessidade do tratamento
e consciência de que esse pode ser
afetado por fatores psicológicos. Boa
parte do comportamento das crianças
ainda refl ete o que é aprendido com
os familiares, com relação a conceitos
e preconceitos.
A relação com o adolescente tem como
ponto chave a confi ança que este de-
posita no seu médico. Essa confi ança
depende de elementos já bem estabe-
lecidos na relação médico-paciente do
adulto tais como fi delidade, honestidade
e sigilo médico. Os adolescentes mais
novos demonstram particular interesse
pelo caráter confi dencial da informa-
ção médica. Questionar a opinião do
paciente sobre dados da sua patologia,
envolvendo-o em decisões importantes,
manter em sigilo informações conce-
didas, além de não esconder do pa-
ciente alguns aspectos de sua doença
são maneiras de obter a confi ança do
adolescente.
Observa-se, portanto, que embora haja
uma postura protecionista e paternalista
por parte das famílias e dos pediatras,
as crianças em idade escolar e, sobre-
tudo os adolescentes, devem interagir
mais com os profi ssionais de saúde,
demonstrando que, se estimuladas, po-
dem colaborar mais com as investigações
diagnósticas e com a participação ativa
no tratamento das doenças. Essa postura
deve ser incentivada para o pediatra
desde o seu curso de graduação, com
o objetivo de colaborar para a eleva-
ção da autoestima, do autocuidado, da
conscientização e do conhecimento das
crianças sobre suas próprias condições
de saúde e doença.
Há grande importância da comunicação
com o paciente, exigindo uma relação
empática, a qual se revela não somente
através da linguagem falada, mas tam-
bém com gestos, atitudes, gentileza e
respeito à criança ou adolescente, en-
quanto indivíduo singular e único. Esses
aspectos devem ser sistematicamente
enfatizados nos cursos de pediatria de
graduação e de pós-graduação, além dos
cursos de outros profi ssionais de saúde
que vão assistir os pacientes pediátricos.
Há uma necessidade fundamental no
treinamento da semiologia pediátrica
para todas as fases da criança e do
adolescente para que o pediatra colha
uma boa história e realize um bom
exame físico.
21Nestlé Nutrition Institute
Com os dados positivos da anamnese e
do exame físico, realiza-se a formulação
diagnóstica, o diagnóstico sindrômico
e o diagnóstico diferencial. Todos os
dados devem ser completamente regis-
trados, pois esse registro representa uma
informação específi ca de determinado
momento na vida de uma criança
em constante mudança, além de que
o acompanhamento de seu ritmo de
crescimento e desenvolvimento é funda-
mental para com as alterações que vão
sendo sucessivamente identifi cadas. Um
prontuário adequadamente preenchido,
com todos os registros e com letra legí-
vel é importante para o paciente, para
a instituição e para o próprio médico,
que eventualmente pode necessitar desse
prontuário até por questões legais. Outro
aspecto importante do registro adequa-
do é a possibilidade de ser facilmente
analisado por outro médico. Em cada
exame, a criança deve ser despida, de
modo a ser examinada completamente.
Se o ambiente é frio ou o paciente está
assustado ou envergonhado, há que
cobri-lo parcialmente, à medida que se
examina, garantindo sua privacidade e
confi ança. O pudor é variável entre as
crianças e deve ser sempre respeitado.
A sequência e a sistematização são in-
dispensáveis na anamnese e no exame
físico, pois muitos erros diagnósticos
ocorrem em virtude da omissão inadver-
tida de algumas etapas de procedimentos
simples. Também não se deve esquecer
de problemas psiquiátricos relacionados,
difi culdades intrafamiliares ou escolares,
uso de drogas, depressão e somatização
de sintomas. Algumas vezes, o exame
precisa ser repetido para detectar mu-
danças. Por exemplo, se uma criança
com náuseas e vômitos for examinada
adequadamente duas semanas antes da
doença e o fígado era impalpável na-
quela ocasião e agora está aumentado,
o diagnóstico leva em consideração esse
aspecto dinâmico, e é completamente
diferente do caso da criança já ser porta-
dora de uma hepatomegalia prévia. Daí
a importância de também sistematizar
a reavaliação periódica completa nas
consultas subsequentes.
A partir da formulação diagnóstica e da
lista de problemas apresentados pelo
paciente, são feitos o diagnóstico sindrô-
mico e a lista das possibilidades diag-
nósticas. Os exames complementares
são, então, solicitados de modo racional,
bem orientado e progressivo, nunca de
forma intempestiva ou desnecessária. Os
exames complementares, que, por sua
vez, podem ser invasivos ou dolorosos,
devem ser explicados detalhadamente e
solicitados apenas quando necessário,
com base na suspeita diagnóstica que
os justifi ca. A partir daí, são traçadas
as orientações terapêuticas, dietéticas,
vacinais e sobre a atitude dos pais e do
paciente frente à situação. Não se deve
esquecer de verifi car se as explicações
foram claras e compreensíveis para os
pais e a criança.
Na orientação terapêutica, é fundamen-
tal que o especialista esteja familiarizado
com os medicamentos que prescreve,
suas características farmacodinâmicas e
farmacocinéticas, de acordo com a faixa
22 Nestlé Nutrition Institute
etária da criança e atento às interações
entre drogas que possam existir e aos
efeitos colaterais a curto e longo prazo.
O pediatra deve ter o hábito permanente
de consultar livros e artigos de forma
sistemática para manter-se atualizado
e poder contribuir da melhor forma
na assistência ao seu paciente, além
de ajudar em algumas tomadas de
decisão das famílias, instruindo-as de
modo adequado com as informações
que desejarem.
Os melhores médicos sabem que a
história é fundamental e que o exame
físico deve ser feito integralmente, pois
que complementa o diagnóstico diferen-
cial adequado, e sabem também que a
experiência na especialidade é obtida
por meio das experiências repetidas em
atender muitas crianças.
São múltiplos os exercícios diários de
um especialista na área pediátrica, de-
vendo incluir:
– Prontuário completo, bem documen-
tado em todas as consultas e pro-
blemas identifi cados: hipóteses para
o diagnóstico e solicitação crítica e
criteriosa de exames, individualizando
cada paciente e cada situação.
Considerar os fatores etiológicos pos-
síveis, possibilidades e riscos, situação
socioeconômica, ambiente do pa-
ciente (comunidade, escola, família),
aspectos culturais e psicológicos.
– Identifi car as pessoas que representam
os modelos para a criança e para o
adolescente, que podem ser suporte
signifi cativo em situações de doença
e saúde.
– Comportamento ético com o paciente
e seus familiares, com os colegas e
consigo próprio, preservando os prin-
cípios da relação médico-paciente e
os princípios de confi dencialidade, ho-
nestidade, veracidade, confi abilidade,
qualidade de vida, da solidariedade
na saúde, doença, incapacidade e
morte. Evitar a qualquer custo peque-
nas mentiras, comentários e condutas
inadequados, paternalismo, tráfi co de
infl uência, desrespeito no trato dos
pacientes e colegas, ruptura de sigilo,
manuseio inadequado do prontuário,
perda de exames, tratamento autori-
tário com a família, atestado falso,
negligência, omissão e outras medidas
inadmissíveis no exercício da prática
médica.
– Tomadas de decisão com avaliação
individualizada e crítica da situação,
somando qualidades individuais dos
membros da equipe de saúde, ouvindo
com atenção, empatia e gentileza,
tratando a mãe e a criança pelo nome,
não subestimando nem superestiman-
do as queixas ou sua própria atitude.
– Saber seus limites e pedir ajuda a
outros colegas e outros especialistas
sempre que considerar necessário.
– Reuniões periódicas com o grupo em
que trabalha.
– Compreender a dinâmica da política
de saúde no país, do sistema de
mercado/convênios e ter atitude mais
proativa nas suas associações.
– Trabalhar seus preconceitos e autor-
refl exão e reavaliar sua realização na
atividade profi ssional que exerce.
23Nestlé Nutrition Institute
Com a ampliação da intuição e do
pensamento, a percepção e a expe-
riência aumentam.
O especialista deve raciocinar, fazer
inferências com exercício do pensa-
mento crítico, revendo, interpretando,
analisando, avaliando e reavaliando
os dados que tem diante de si.
E também se reavaliando sempre
como profi ssional e como pessoa,
procurando desenvolver sua tarefa
com virtuosismo, técnica, gentileza
e ética.
Outra questão fundamental que me-
rece ênfase é o relacionamento do
pediatra com seus colegas e com
outros profi ssionais de saúde. Esse
aspecto é pouco discutido nas escolas
médicas e pode ocasionar grandes
problemas nos serviços, caso a co-
municação seja quebrada e a solução
não ocorra. Atitudes de interpretações
equivocadas ou até comentários mal
conduzidos devem ser evitados e, ao
ocorrerem, deve-se chamar a aten-
ção dos mais jovens para discutirem
sobre a ética nos comportamentos
como profi ssionais. Muitas brigas de
poder, ressentimentos, inveja, ciúme
e problemas mal resolvidos individu-
ais podem surgir e interferir no bom
andamento das equipes. Alguém deve
estar encarregado de identifi car e aju-
dar a solucionar tais problemas. Além
disso, lembrar sempre o cuidado ao
discutir sobre pacientes em recintos
fechados, evitando comentários na
frente de funcionários ou pacientes
nos corredores ou no elevador.
É fundamental respeitar as individu-
alidades dos membros das equipes e
procurar desenvolver estratégias, como:
– Atenção contínua na realização de
procedimentos, prescrição e adminis-
tração de medicamentos.
– Discussões periódicas com todo o
grupo.
– Interlocução com todos os membros
da equipe.
– Comunicação dos fatos adequados e
inadequados, com exercícios de refl e-
xão, aperfeiçoamento e aprendizado.
– Rotina sistematizada / disciplina /
respeito / hierarquia/ compromisso.
– Abertura para aprendizado contínuo e
discussões sobre acertos e sobre erros.
Muitas vezes a atenção do médico já faz
parte do processo terapêutico. Ao trazer
uma criança doente ao médico, a família
está fragilizada e insegura; é necessário
que o médico faça o acolhimento e a
orientação adequados. Ao ouvir bem
a história, examinar completamente e
com atenção, o médico já está iniciando
o processo de tratamento da doença.
Como último ponto a destacar, deve-se
lembrar que em algumas circunstâncias,
a presença do médico e a prescrição
de medicamentos não são sufi cientes
para determinar a cura do paciente.
Há necessidade também da parcela
realizada pelo paciente e pela própria
família através de ressignifi cações na
estrutura de vida, em algumas situações
da utilização de placebos, ajuda com
a psicanálise, a terapia comportamental
e com a reformulação do pensamento,
manutenção da fé diante da experiência
24 Nestlé Nutrition Institute
da doença com a cura ou não. E o mé-
dico pediatra precisa de compromissos
fundamentais para exercer a doutrina
pediátrica da melhor forma (Fig.5).
Figura 5 – Compromissos fundamentais
para o exercício da doutrina pediátrica:
Compromisso com a criança; Compro-
misso com a Pediatria; Compromisso
consigo e com a equipe; Compromisso
com o aprendizado feito com os mais
importantes professores – os pacien-
tes; Compromisso com a vida e com
o tempo. E quanto tempo leva para
aprendermos Medicina ou Pediatria?
A vida inteira.
Muitas são as características necessárias
para o desempenho de uma função
profi ssional, sobretudo uma atividade
que lida com pessoas para cuidar delas,
e tem a atenção voltada especialmente
para os pacientes pediátricos. É neces-
sário, portanto, desenvolver e ampliar a
doutrina para subsidiar essa ação.
Penso que o horizonte de futuro para
as crianças e adolescentes brasileiros
de modo geral ainda é bastante es-
treito e cabe a todos nós lutar para
a ampliação deste horizonte, através
de programas para uma melhor edu-
cação, melhor saúde e, sobretudo de
programas para que as nossas crianças
tenham uma melhor postura, melhor
atitude e maior conscientização do au-
tocuidado, da autoestima, do seu lugar
no mundo e das suas perspectivas de
escolhas e prioridades. E quem deve
pensar sobre estes pontos para então
traduzi-los de modo palatável para
as crianças e adolescentes? Muitos
dos gestores, muitos dos profi ssionais
liberais, muitos dos que conseguiram
alcançar a educação formal completa
e conseguiram ampliar sua sabedoria
e experiência sobre a vida, muitos
dos que mesmo sem educação formal
conseguem perceber os problemas da
comunidade com sua sensibilidade e
atenção aguçada. E seguramente a es-
tes, nós pediatras que somos estudiosos
do desenvolvimento humano devemos
nos unir e somos fundamentais nessa
discussão. As mudanças, a instabilida-
de e a fragilidade da vida, as grandes
diferenças sociais, os sonhos e desafi os
que constroem o futuro necessitam de
indivíduos que questionem, argumen-
tem e ofereçam soluções possíveis,
indivíduos que possam pensar e con-
25Nestlé Nutrition Institute
tribuir de modo positivo para enrique-
cer a nossa vida grupal de hoje e de
amanhã, aprendendo com o que nos
aconteceu ontem e tentando diminuir
os grandes prejuízos e preconceitos
que ainda presenciamos.
A Doutrina pediátrica se fortalece dentro
de uma entidade associativa maior, pois
assim reúne colegas da mesma especiali-
dade que ampliam suas alianças quando
juntos, compartilhando ideias, princípios
e atitudes, movimentos em prol da
defesa dos profi ssionais e movimentos
que buscam aperfeiçoamento técnico-
-científi co, sempre com o objetivo fi nal
voltado para melhor assistir a criança. O
Núcleo sobre a discussão da Doutrina
pediátrica da Sociedade Brasileira de
Pediatria tem congregado discussões
entre pediatras experientes e formadores
de profi ssionais mais jovens para estu-
dar as tendências, as particularidades,
os novos cenários e os desafi os para a
pediatria no novo milênio, com o intuito
de elaborar estratégias em conjunto com
as escolas formadoras dos pediatras no
Brasil. Novos programas nos cursos de
graduação e especialização sob forma
de Residência vêm sendo discutidos
para melhor preparar o pediatra para
sua ação e atuação, acompanhados
sempre pelo suporte doutrinário que
dê adequado apoio às ações diante das
novas situações dinâmicas no mundo
globalizado dos dias atuais.
Entre os temas propostos por esse nú-
cleo de Doutrina pediátrica, estão os
seguintes para serem periodicamente
discutidos entre os pediatras:
1. O ressignifi cado do culto da infância
para o Pediatra na atualidade
2. A valorização pelo pediatra do seu
trabalho e de si mesmo
3. As diretrizes para a atuação pediátrica
no mercado atual
4. A conscientização do pediatra sobre
sua imagem na sociedade
5. O pediatra e a comunidade: como
era, como é e como deve ser hoje
6. Porque a comunidade precisa do
pediatra
7. Como deve ser a consulta pediátrica
ideal
8. Como lidar com a alta complexi-
dade versus baixa tecnologia e as
repercussões para a vida futura dos
indivíduos
9. A inserção de discussão sobre a
doutrina e a ação pediátricas nos
cursos de graduação, nas Residências
Médicas, nos hospitais e ambulató-
rios e nos programas de medicina
comunitária na atualidade.
Questões várias ocorrem no dia a dia do
médico que merecem refl exões sempre
permeadas pela sua doutrina e por seu
código de ética, tais como: opiniões
divergentes entre colegas que envolvem
diagnóstico, terapêutica e prognóstico;
falta de informações adequadas, abuso
de poder, crises de importância, cor-
porativismo, competição, concorrência
desleal e tantas outras posturas que
não devem fazer o pediatra se afastar
da sua doutrina e da sua retidão. Daí
a necessidade indispensável de refl etir
no dia a dia sobre suas atitudes e como
aperfeiçoá-las. O exercício de encontrar
26 Nestlé Nutrition Institute
sua própria doutrina é fundamental para
o pediatra, empregando o livre arbítrio,
refl exão e sensibilidade em sua atuação
profi ssional.
A Doutrina nos dá acesso à beleza da
prática pediátrica e amplia as possibili-
dades de gratifi cação com sua atuação.
Temos muitas perguntas na vida. E na
maioria das vezes quando achamos
as respostas, as perguntas mudam.
A mudança é a característica mais
importante da vida e também da
pediatria. A pergunta que deve ser
respondida por cada um dos leitores
de forma diferente é: Porquê e quando
me tornei pediatra? Haverá uma res-
posta diferente para cada um. Posso
dar meu depoimento pessoal: muitas
coisas boas tenho recebido da vida e
sou muito grata a ela. E talvez eu seja
pediatra porque a maioria das coisas
boas me aconteceu quando eu era
criança, quando descobri que queria
trabalhar com crianças, quando convivi
com crianças e também convivi com
adultos, que em muitas oportunidades
sabiam compreender e voltar a ser
crianças e, sobretudo, quando ainda
hoje me percebo sentindo em algumas
circunstâncias, as coisas boas e ruins
da vida como uma criança.
Ao fi nalizar, compartilho uma prece que
me foi encaminhada por uma aluna,
cujo autor é desconhecido:
27Nestlé Nutrition Institute
Eu, pediatra, prometo com sinceridade e emoção que todo dia será Dia da
Criança em meu coração. Assim prometo. Eu, pediatra, prometo que todo
dia será dia de alegria, de louvor, de caridade e de amor, de ternura e de
candura para com a Criança. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo que todo dia de trabalho visará à felicidade e ao
bem-estar da criança. Assim prometo. Eu, pediatra, prometo que dedicarei
à Criança minha Ciência, minha Arte e meu Amor. E se Ciência e Arte me
faltarem, prometo que meu Amor nunca faltará. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo sempre me afl igir pelo sofrimento da Criança e que
tudo farei para eliminá-lo ou atenuá-lo. Assim prometo. Eu, pediatra, prometo
ser grato e reconhecido pelo muito que cada Criança sadia ou doente me
ensinar no decorrer dos anos. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo que farei pela Criança que me é confi ada o que
faria pelo fi lho de minha carne. E assim, minha consciência de nada me
acusará. E poderei dormir o sono dos justos. Assim prometo. Eu, pediatra,
prometo que manterei a liberdade de chorar quando, malgrado todos os
esforços - Ciência, Arte e Amor – a morte levar aquele que não foi possível
salvar. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo que, diante da Criança, minhas lágrimas rolarão sem-
pre, sob a forma de risos, pela boca. Assim prometo. Eu, pediatra, prometo
dedicar o maior respeito e consideração, caridade e compreensão à mãe
da Criança que me for confi ada para ensiná-la, carinhosamente, a melhor
compreender e a melhor proteger seu fi lho. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo que tudo farei para evitar que a Criança adoeça. E
doente, tudo farei para evitar sua hospitalização. E hospitalizada, tudo farei
para devolvê-la, o mais rapidamente possível, ao convívio da família. Assim
prometo. Eu, pediatra, prometo cercar meu trabalho do maior rigor científi co,
contribuir para o progresso da Pediatria, lutar contra a mortalidade infantil,
para assim engrandecer o meu país. Assim prometo.
Eu, pediatra, prometo espargir ternura em minha volta. E que meu beijo será
terno. E que meu aperto de mão será amigo. Assim prometo.
Nota importante:
O aleitamento materno é a melhor opção para a alimentação do lactente proporcionando não somente benefícios nutricionais e de proteção, como também afetivos. É fundamental que a gestante e a nutriz tenham uma alimentação equilibrada durante a gestação e amamentação. O aleitamento materno deve ser exclusivo até o sexto mês e a partir desse momento deve-se iniciar a alimentação complementar mantendo o aleitamento materno até os 2 anos de idade ou mais. O uso de mamadeiras, bicos e chupetas deve ser desencorajado, pois pode prejudicar o aleitamento materno e dificultar o retorno à amamentação. No caso de utilização de outros alimentos ou substitutos de leite materno, devem-se seguir rigorosamente as instruções de preparo para garantir a adequada higienização de utensílios e objetos utilizados pelo lactente, para evitar prejuízos à saúde. A mãe deve estar ciente das implicações econômicas e sociais do não aleitamento ao seio. Para uma alimentação exclusiva com mamadeira será necessária mais de uma lata de produto por semana, aumentando os custos no orçamento familiar. Deve-se lembrar à mãe que o leite materno não é somente o melhor, mas também o mais econômico alimento para o bebê. A saúde do lactente pode ser prejudicada quando alimentos artificiais são utilizados desnecessária ou inadequadamente. É importante que a família tenha uma alimentação equilibrada e que, no momento da introdução de alimentos complementares na dieta da criança ou lactente, respeitem-se os hábitos culturais e que a criança seja orientada a ter escolhas alimentares saudáveis.Em conformidade com a Lei 11.265/06; Resolução ANVISA n° 222/02; OMS - Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (Resolução WHA 34:22, maio de 1981); e Portaria M.S. n° 2.051 de 08 de novembro de 2001.
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