teoria da história

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gxÉÜ|t wt [|áà™Ü|t gxÉÜ|t wt [|áà™Ü|t gxÉÜ|t wt [|áà™Ü|t gxÉÜ|t wt [|áà™Ü|t I Sumário Unidade I:…………………………………………………………………... 02 A História da história……………………………………………………………………... 02 A História, hoje em dia…………………………………………………………………… 18 A História do Brasil………………………………………………………………………. 29 Unidade II:…………………………………………………………………. 34 Teoria da História…………………………………………………………………………. 34 Filosofia, metodologia da história: uma delimitação pelas respectivas origens………….. 36 As origens da metodologia da história……………………………………………………. 40 As origens da epistemologia histórica……………………………………………………. 43 Unidade III:………………………………………………………………… 50 A historiografia marxista………………………………………………………………..... 50 Hegel……………………………………………………………………………………… 71 Positivismo………………………………………………………………………………... 79 27/4/2013 A HISTÓRIA DA HISTÓRIA dc193.4shared.com/…/preview.html 1/77

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  • gx|t wt [||t gx|t wt [||t gx|t wt [||t gx|t wt [||t I

    Sumrio

    Unidade I:... 02

    A Histria da histria... 02

    A Histria, hoje em dia 18

    A Histria do Brasil. 29

    Unidade II:. 34

    Teoria da Histria. 34

    Filosofia, metodologia da histria: uma delimitao pelas respectivas origens.. 36

    As origens da metodologia da histria. 40

    As origens da epistemologia histrica. 43

    Unidade III: 50

    A historiografia marxista..... 50

    Hegel 71

    Positivismo... 79

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  • Unidade I:

    A Histria da histria

    A pr-histria da histria

    Histria uma palavra de origem grega, que significa investigao, informao. Ela

    surge no sculo VI antes de cristo (A.C.). Para ns, homens do Ocidente, a histria, como

    hoje a entendemos, iniciou-se na regio mediterrnea, ou seja, nas regies do Oriente

    Prximo, da costa norte-africana e da Europa Ocidental.

    Antes disso, porm, vemos que os homens, desde sempre, sentem necessidade de

    explicar para si prprios sua origem e sua vida. A primeira forma de explicao que surge nas

    sociedades primitivas o mito, sempre transmitido em forma de tradio oral. Entre os

    conhecimentos prticos, transmitidos oralmente de gerao a gerao, essas sociedades

    incluem explicaes mgicas e religiosas da realidade. Para ns, homens do sculo XX,

    acostumados a um pensamento dito cientfico, uma explicao mtica parece pueril, irracional

    e ligada superstio. Mas preciso que reconheamos no mito uma forma de pensamento

    primitivos, com sua lgica e coerncia prprias, no sendo simples inveno ou engodo. O

    mito tem uma fora muito grande no tipo primitivo de sociedade. Ele fornece uma explicao

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  • que para os povos que a aceitam uma verdade.

    O mito sempre uma histria com personagens sobrenaturais, os deuses. Nos mitos

    os homens so objetos passivos da ao dos deuses, que so responsveis pela criao do

    mundo (cosmos), da natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo seu destino.

    Os mitos contam em geral a histria de uma criao, do incio de alguma coisa.

    sempre uma histria sagrada. Comumente se refere a um determinado espao de tempo que

    considerado um tempo sagrado: referem-se a ele como o princpio de todas as coisas, os

    primrdios. Os fatos mitolgicos so apresentados um aps os outros, o que j mostra,

    portanto, uma seqncia temporal; mas o mito se refere a um pseudotempo e no a um tempo

    real, pois no datado de acordo com nenhuma realidade concreta. Da o mito mostrar o

    eterno retorno, a repetio infinita: um tempo circular e no linear.

    Em geral o mito visto como um exemplo, um precedente, um modelo para as outras

    realidades. Ele sempre aplicado a situaes concretas. Existem inmeros mitos da criao

    do mundo (mitos cosmognicos) que so vistos como exemplo de toda situao criadora. As

    sociedades so mostradas como tendo origem, geralmente, em lutas entre as diferentes

    divindades.

    Conhecemos a existncia, entre o IV e o III milnios A.C., de sociedades mais

    complexas, nas quais existe a escrita e um governo centralizado dirige uma sociedade

    organizada em uma hierarquia social.

    Esse governo um geral monrquico, e a sua origem sempre vista como divina. Os

    reis representam os deuses e so eles que tudo decidem, sendo seus atos registrados em

    anais. So esses os primeiros registros voluntrios para a prosperidade. So limitados, pois

    tem objetivos polticos bem explcitos. Nessas sociedades, as fontes histricas mais remotas

    so as inscries, assim como os anais religiosos (listas de sacerdotes, cerimnias religiosas,

    tec.).

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  • Entre essas civilizaes

    destacam-se a egpcia e a

    mesopotmica, das mais

    importantes na chamada

    Antiguidade Oriental. Na

    histria das duas entramos em

    contato com dois mitos da

    origem do mundo, que

    parecem ter sido muito

    significativos para elas.

    No Egito, conta-se

    que, nos primeiros tempos,

    Osris (deus da terra, do sol

    poente, responsvel pela

    fertilidade, e por isso tambm

    visto com deus do Nilo)

    assassinado por um outro deus,

    seu irmo set (deus do vento

    do deserto, das trevas e do

    mal), e seu corpo espalhado

    por vrias partes do pas. Sua irm esposa sis (deusa da vegetao e das sementes),

    auxiliada por seu filho Hrus (deus-falco e do sol levante), vai conseguir, atravs de palavras

    mgicas, reunir todas as partes, e Osris revive, indo morar entre os deuses. Muitos textos

    relatam diferentes formas do mito. Ele visto como a luta entre a luz e as trevas, como a vida

    sucedendo a morte; visto como significando a vida que vem do Nilo, que gera a fertilidade

    do Egito. Essa verso da morte e do renascimento de Osris a forma de os egpcios

    explicarem a noo de imortalidade e sua eterna dependncia da natureza.

    Na mesopotmia, acredita-se em dois princpios originrios: Tiamat (o princpio

    feminino) e Aspu (o principio masculino), deles descendendo de todas as geraes de deuses.

    O ltimo deles, Marduk, vai vencer em luta os deuses antigos que o procederam. Ele vai

    formar o mundo com o corpo de Tiamat, umedecendo-o com o sangue de um arquidemnio,

    Kingu. Marduk, o criador dos homens, o deus da capital da Babilnia. Para alguns, esse

    mito mostra os homens sendo criados pelos deuses para aliment-los atravs de seu trabalho.

    Isso justificaria parcialmente a viso trgica do mundo e o pessimismo caracterstico da cultura

    da mesopotmia, ao explicar por que o homem no obteve, nem poderia obter, a

    imortalidade.

    Esses dois mitos so muito representativos e explicam a origem divina dos homens

    sempre ligada a uma idia de renascimento. a morte de um deus e seu renascimento que

    trazem o aparecimento da vida, da natureza e dos homens.

    Na Grcia, por volta de 1 milnio A.C., o mito comea a ter uma conotao diferente:

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  • vamos encontra-lo na poesia, por exemplo na Ilada, poema pico atribudo a Homero

    (datada provavelmente por

    volta do ano 1000 antes de

    A.C.). Nele encontramos

    lendas e mitos da poca

    micnica, bero inicial da

    civilizao grega. Entre

    outros mitos, l referidos,

    encontramos o da origem da

    Europa. Europa era filha de

    Agenor, rei da fencia, pas

    da sia menor, no Oriente

    prximo. Zeus, o principal

    dos deuses gregos, por ela

    se apaixona. Sob a forma de

    touro, vai seduzi-la e rapt-

    la, atravessando o mar

    mediterrneo e levando-a

    para ilha de Creta. L ela vai

    se tornar me de Minos e

    seu nome vai ser dado a uma

    das trs partes do mundo

    antigo. curioso notar que a civilizao europia , em grande parte, herdeira da civilizao

    grega. Por esse mito, vemos uma relao entre a Europa e a Fencia; ora, os fencios so os

    grandes navegadores que difundiram pelo mediterrneo acivilizao do Oriente Prximo; a

    eles devemos, entre outras contribuies, o alfabeto europeu ocidental.

    O aparecimento da histria

    A explicao mtica no vai, evidentemente, desaparecer. O mito continua at hoje em

    quase todas as manifestaes culturais, mas no como a nica forma de explicao da

    realidade, e sim paralelamente a outras formas de explicao, como a histria.

    Ao recontar ou recopiar essas explicaes, num certo momento, os homens passam a

    refletir sobre elas. especialmente um estudioso dos mitos, Hecateu de Mileto (colnia grega

    da sia menor), no sculo V A.C., que vai, ao voltar do Egito, dizer: Vou escrever o que

    acho ser verdade, porque as lendas dos gregos parecem ser muito risveis. Na regio em que

    Hecateu vive, cruzam-se muitas civilizaes, e os viajantes, em seus contatos mtuos, vo se

    esclarecendo.

    A histria, como forma de explicao, nasce unida a filosofia. Desde o inicio ela esto

    bastante ligadas; e a filosofia que vai tratar do conhecimento em geral. Em seu inicio, o campo

    filosfico abrange embrionariamente todas as reas que posteriormente se iriam afirmar como

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  • autnomas: a matemtica, a biologia, a astronomia, a poltica, a psicologia, etc. So os

    prprios gregos que descobrem a importncia especifica da explicao histrica. Herdoto,

    de acordo com a orientao empreendida por Hecateu de Mileto, se prope a fazer

    investigaes, a procura da verdade. Herdoto considerado o pai da histria, pois o

    primeiro a empregar a palavra no sentido de investigao, pesquisa. Sua obra mais antiga

    comea assim: Eis aqui a exposio da investigao realizada por Herdoto de Halicarnasso

    para impedir que as aes realizadas pelos homens se apaguem com o tempo. Eles e os

    primeiros historiadores gregos vo fazer indagaes entre seus contemporneos,

    aproveitando, para escrever a histria, tambm, as tradies orais e os registros escritos.

    Os cidados gregos querem conhecer a organizao de suas cidades-estado, as

    transformaes que elas sofrem. Percebe-se, nas obras dos historiadores, que eles esto em

    busca de explicaes para a situao especifica que esto vivendo. Por exemplo, Herdoto

    vai estudar sobretudo a guerra entre os gregos e os persas (490-479 A.C.), grande confronto

    entre o Leste e o Oeste que marca o V sculo, no qual ele escreve; nessa guerra, os gregos

    indo contra a expanso imperialista iraniana, garantem sua independncia, o que vai permitir

    seu grande desenvolvimento posterior. Tucdides, outro historiador grego, estrategista de

    Atenas, que vive entre o V e IV sculos A.C., vai estudar as guerras do peloponeso, entre

    Esparta e Atenas.

    Percebe-se, portanto, que os historiadores esto ligados a sua realidade mais

    imediata, espelhando a preocupao com questes do momento. No vemos mais uma

    preocupao com uma origem distante, remota, atemporal (como existia no mito), mas sim a

    tentativa de entender um momento histrico completo, presente ou aproximadamente

    passado. H uma narrao temporal cronolgica, referente agora a uma realidade concreta.

    No procuram mais conhecer uma realidade atemporal, mas a realidade especfica que vivem,

    a realidade de um determinado tempo e de um determinado espao.

    A explicao no mais atribuda a causas sobre-humanas, no so mais os deuses

    responsveis pelos destinos dos homens. Estes comeam a examinar fatores humanos, como

    os costumes, os interesses econmicos, a ao do clima, etc., embora ainda se encontrem

    referncias aos mitos e deuses.

    H uma preocupao explicita com a verdade. Plibio, grego e historiador do II

    sculo A.C. (depois que a Grcia foi conquistada por Roma), escreve: Desde que um

    homem assume atitude de historiador, tem que esquecer todas as consideraes, como o

    amor aos amigos e o dio aos inimigos... Pois assim como os seres vivo se tornam inteis

    quando privado de olhos, tambm a histria da qual foi retirada a verdade nada mais do que

    um conto sem proveito. Ele testemunha a ascenso de Roma: sendo durante 16 anos refm

    em Roma, procura saber como, em aproximadamente 50 anos, os romanos se tornaram

    donos do mundo habitado (na viso de ento, a zona mediterrnea).

    A cultura romana , em grande parte, herdeira da cultura grega. As caractersticas da

    historia na noo utilitria, pragmtica: a histria vai exaltar o papel de Roma no mundo,

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  • servindo ao seu imperialismo. O mesmo Polbio escreve que Roma a obra mais bela e til

    do destino e que todos os homens devem a ela se submeter. A histria vista como mestra

    da vida, levando os homens a compreenderem o seu destino. Roma o centro do mundo e a

    imposio do seu destino o destino histrico mundial.

    A histria teolgica

    A essa viso unificada da humanidade, os judeus, povo do Oriente Mdio dotado de

    uma religio e uma viso do mundo especficas, atribuem um outro sentido. Com a difuso da

    religio judaica no imprio romano, durante o perodo da desestruturao deste, temos

    grandes mudanas. O processo histrico pelo qual passa a humanidade unificado no mais

    em torno da idia de Roma, mas de uma viso do cristianismo como fundamento e justificativa

    da historia. A influncia do cristianismo to grande em nossa civilizao que toda cronologia

    do nosso passado feita em termos de seu acontecimento central, a vinda do filho de Deus

    terra. Cristo, tornando-se homem, possibilita a salvao da humanidade, meta final da histria.

    Todo o nosso passado dividido, como j notaram, nos tempos antes de cristo (A.C.) e

    nos tempos depois de cristo (D.C.). A historia da humanidade se desenrolaria de acordo

    com um plano divino, sendo a vinda de cristo terra o centro desse processo.

    A histria continua tendo uma viso do tempo linear, cujo desenvolvimento

    conduzido segundo um plano da Providncia Divina. a volta de explicao sobrenatural,

    semelhante a do mito, e tambm cosmognica. Ela se impe no inicio do perodo medieval

    (Sculos V e VI D.C.), perdurando como forma nica por toda Idade Mdia, quando se

    forma a civilizao europia ocidental.

    A realidade agora est dividido em dois planos: o superior perfeito (representado por

    Deus) e o inferior imperfeito (representado pelos homens). Essa introduo introduzida na

    historia por Santo Agostinho, em sua obra A Cidade de Deus; ele o primeiro formulador de

    uma interpretao teolgica da histria (do grego teos, ou seja, deus). O plano superior da

    realidade a Cidade de Deus, em quanto que o plano inferior a Cidade dos Homens.

    O cristianismo uma religio eminentemente histrica, pois no prega uma

    cosmoviso atemporal, mas sim uma concepo que aceita um tempo linear, que se ordena

    em funo de uma interveno divina real na histria. Para a f crist, o fato de o prprio filho

    de Deus se ter feito homem (sua vinda na terra preparada pelo povo judeu, atravs de seus

    profetas, seus reis e seus patriarcas) um acontecimento histrico, situado de maneira

    concreta, em determinado lugar e poca.

    O sentido global da histria da humanidade relevado por Deus aos homens e a

    igreja a responsvel pela orientao da humanidade em sua busca da salvao.

    Os primeiros sculos da Idade Mdia vo ser os sculos da formao da civilizao

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  • europia ocidental. ento que temos o aparecimento da Europa na histria, com a afirmao

    de identidade comum a diferentes povos, que vivem uma forma de vida muito semelhante. As

    bases comuns a esses povos so o mundo romano em desestruturao e o chamado mundo

    brbaro (Composto por povos que viviam fora do domnio do imprio romano). Os

    elementos desses dois mundos vo se misturar lenta e completamente do sculo IV ao VII,

    atravs da influencia da igreja, que vai marcar profundamente toda a sociedade.

    este um perodo muito importante para ns, pois somos, em grande parte atravs de

    muitas vias, herdeiros dessa civilizao. Estamos profundamente impregnados por seu modo

    de vida, seus valores, suas atividades culturais, etc. Todos j vivenciamos a atrao que o

    chamado velho mundo exerce sobre ns e a propaganda turstica faz tudo para aumentar esse

    sentimento.

    Os sculos iniciais da Idade Mdia so de regresso cultural; a populao vive em sua

    maior parte no campo e quase ningum sabe ler (at o famoso imperador Carlos Magno era

    analfabeto). A igreja, grande proprietria de terras, quem registra organizao a organizao

    e as formas de trabalhar essas terras. So os inventrios das abadias de Saint-Germain-des-

    Prs e de Saint-Denis, na Frana, os melhores documentos para conhecermos como

    funcionava, no seu incio, o chamado sistema feudal, que vigora o sculo IX em diante.

    Somente membros do clero sabem ler e escrever. A maior parte do que foi escrito

    nessa poca feita pelo clero. Grande parte das fontes so, por exemplo, vidas de santos. A

    prpria palavra clrigo (ou seja, do clero) quer dizer letrado, em ingls. At hoje nessa

    lngua a palavra conservou esses dois sentidos.

    Os documentos leigos vo comear a aparecer s bem mais tarde, nos sculos XII,

    XIII, com o renascimento urbano e comercial; surgem com os registros de comerciantes

    particulares, dirios de escudeiros, cavaleiros famosos, de menestris, etc.

    A histria escrita nesse perodo no apresenta o mesmo rigor crtico de investigao

    que apresentava entre os gregos, nem a mesma procura de compreenso e explicao: ela se

    compe sobretudo das chamadas crnicas ou anais, em que se relatam fatos, mas do que

    outra coisa. Os cronistas (a maior parte membros do clero) so elementos contratados por

    uma casa real, um ducado, etc., para escrever sua histria. H , portanto, nas obras deles,

    uma ntida vontade de agradar a quem os emprega. No h uma preocupao em aferir a

    veracidade dos fatos; h um predomnio da tradio oral, sem se verificar o que j se

    escrevera.

    A Idade Mdia um perodo em que se v, associada predominncia da f, uma

    enorme credulidade geral. Acreditava-se em lendas fantsticas, no paraso terrestre, na pedra

    filosofal, no elixir da vida eterna, em cidades todas de ouro, etc. Existem lendas sobre os

    mares estarem assolados por monstros, sobre a terra que terminava de forma sbita por ser

    plana, etc. Toda essa mentalidade reinante refletiu-se na forma de escrevera histria, na qual

    h uma grande presena do milagre, do maravilhoso e do impossvel.

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  • Aos poucos isso tudo vai ser substitudo por um melhor conhecimento do globo, que a

    Europa vai descobrir e explorar. So publicados estudos de geografia, mapas, h uma

    renovao da viso do mundo como um todo e a histria acaba refletindo essas alteraes.

    A erudio, a razo e o progresso na histria

    A sociedade europia est, no perodo que considerado como incio da

    modernidade (sculo XVI), em plena desestruturao do sistema feudal. As condies de

    sociedade em crise permitem que um grupo social em formao (e burguesia, em geral

    constituda por habitantes das cidades, com interesse no comrcio) v se impor pouco a

    pouco.

    Um mundo real devido expanso comercial se estende frente dos homens da

    Europa Ocidental, e eles vo se dedicar a sua compreenso. Um humanismo que procura

    focalizar sua ateno no homem, como centro desse universo, se impe lentamente desde o

    final da Idade Mdia. O interesse pelo homem como centro do mundo vai surgir dentro e em

    oposio a uma sociedade medieval que est preocupada s com a f crist, a qual ento

    encerra a explicao para todas as coisas; o peso da tradio tambm um dos valores

    dominantes nesse perodo que se encerra. As mudanas so lentas, mas constantes, em

    direo a um abandono da viso religiosa da histria que, porm, ainda influencia os filsofos

    e estudiosos dos sculos posteriores e possui adeptos at mesmo no nosso sculo.

    Aos poucos, porm, vai-se formando uma concepo no teolgica do mundo e da

    histria. O conhecimento no parte mais de uma revelao divina, mas de uma explicao da

    razo.

    E o racionalismo vai se impor da em diante; no se procura mais a salvao em outro

    mundo, mas um progresso e a perfeio aqui neste mesmo; no se mais guiado pela f, mas

    pela razo.

    Durante o renascimento, a cultura europia ocidental, desprezando os dez sculos

    medievais, procura retomar a Antiguidade Greco-romana, seus valores, sua arte, etc. Isso vai

    ter conseqncias importantssimas para toda a histria. Com a preocupao pelos textos

    antigos e por sua exatido, com a pesquisa e formao de colees de moedas, de objetos de

    arte, de inscries antigas, vai ser levantado um enorme material para a reconstruo desse

    passado. Do sculo XVI ao XIX vo se multiplicar as tcnicas para reunir, preparar e criticar

    toda essa documentao, que fornece os dados e os elementos para interpretao histrica.

    Esse conjunto de tcnicas se aperfeioa constantemente nesse perodo e vai auxiliar a histria

    (seu conjunto constitui a erudio).

    Essas tcnicas permitem que, nas polmicas levantadas pela diviso interna que se d

    na igreja nesse perodo (a Reforma), numa procura de exatido se busque saber exatamente o

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  • que se passou com a igreja e o cristianismo. Um desses casos, por exemplo, o de uma

    mulher-papa, que teria existido nos sculos XI, XII ou XIII, a papisa Joana. Descobrem ser

    isso uma lenda que surgiu no sculo XIII, e s ento, no sculo XVI, desacreditada, sendo

    negada a existncia da papisa at por dois historiadores protestantes.

    Outro exemplo tpico o caso da doao de Constantino. Em 1440, descobriu-se

    que esse documento, importantssimo durante a Idade Mdia, era falso. Ele foi forjado no

    VIII ou IX D.C. Seu texto relata a doao feita por Constantino (imperador romano que

    concedeu a liberdade ao cristianismo no ano 313 D.C.), ao Papa silvestre I, da Itlia e da

    cidade de Roma, assim como a primazia sobre os outros bispados mais importantes. Essa

    doao era a base que justificava as pretenses do Papado, na Idade Mdia, a posse de

    territrios na Itlia.

    Os estudiosos humanistas vo,

    portanto, numa linha que surge desde a

    segunda metade da Idade Mdia (sculo

    XII em diante), reviver a tradio de critica

    dos filsofos (estudiosos de texto) e

    historiadores da Antiguidade. Do avano

    desses tcnicos eruditos que nascem ou

    se afirmam a cronologia (estudo da fico

    das datas), a epigrafia (estudo das

    inscries), a numismtica (estudo das

    moedas), a sigilografia (estudo dos selos

    ou sinetes), a diplomtica (estudo dos

    diplomas), a onomstica (estudo dos

    nomes prprios), a herldica (estudos dos

    brases), a genealogia (estudo das

    linhagens familiares), a arqueologia (estudo

    dos vestgios materiais antigos), a filologia

    (estudo dos escritos antigos). H um

    esforo contnuo, atravs dessas tcnicas,

    para se aprender a escolher os

    documentos significativos, situ-los no

    tempo e no espao, classific-los quanto ao gnero e critic-los quanto ao grau de

    credibilidade.

    No sculo XVIII, numa sociedade em plena transformao, com a desestruturao

    final do sistema feudal e o avano da ordem burguesa, surge o Iluminismo, corrente filosfica

    que procura mostrar a histria como sendo o desenvolvimento linear progressivo e interrupto

    da razo humana. Para eles, Idade Mdia foi o perodo das trevas (causadas pela f, como

    explicao de tudo), mas agora, com o Iluminismo, o conhecimento se aproxima da verdade

    (iluminismo vem de luz). Para esses filsofos, a humanidade ir cada vez mais dominar a

    natureza, numa evoluo progressiva constante. Com Voltaire, um dos maiores filsofos dessa

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  • escola, surge a preocupao com a sociedade em seu sentido mais amplo, ele quer ver a

    histria da civilizao, preocupao que acabar se impondo-se na Europa Ocidental.

    O homem, levado pela f em sua prpria razo (o homem iluminado) vai trabalhar

    para o seu progresso. Grandes transformaes se do com a Revoluo Francesa que, no

    final do sculo XVIII, traz a efetivao do poderio burgus; ela acaba, na Frana, com as

    ltimas remanescncias do poder da igreja e dos senhores feudais. Por extenso da influncia

    francesa, isso se transfere aos outros pases da Europa, especialmente atravs das guerras

    napolenicas.

    Essa burguesia no comando poltico da sociedade europia vai procurar reorganizar

    suas formas de pensamento, buscando explicar a nova realidade. No so mais os telogos

    que esto no comando dessa explicao, a justificao dessa nova sociedade; essa corrente

    filosfica reclama o progresso atravs da liberdade, contra as fortes autoridades das

    monarquias e da igreja, que se exerceu, durante muito tempo, em todos os nveis da

    sociedade. Depois da revoluo francesa, esse liberalismo, agora sem funo destruidora, vai

    se fixar mais numa posio organizadora dos estados nacionais liberais, cujo melhor exemplo

    a Inglaterra.

    Alguns historiadores do perodo, so muitas vezes estadistas, homens envolvidos na

    ao poltica: com esse intuito amplo produzem suas obras, em geral de carter poltico-

    partidrio.

    No sculo XIX, temos inmeros conflitos nacionais. Nesse sentido, os Estados em

    organizao e estabilizao (como a Inglaterra e a Frana) e os Estados ainda em processo

    de unificao (como a Alemanha e a Itlia) vo estimular o interesse pelo estudo de sua

    histria nacional. Surgem inmeras sociedades de pesquisa, governamentais ou particulares.

    Cada pas vai levantar a documentao referente ao seu passado. A Alemanha, em

    sua clara preocupao nacionalista, vai pesquisar sobretudo o perodo do medieval e procurar

    valorizar sua origem (brbara, ou seja, germnica).Compila uma serie documental,

    Monumenta Germaniea Histrica, que a mais importe coleo de textos medievais

    existente at hoje. uma obra diretamente estimulada pelo governo e leva dcadas o trabalho

    de recolhimento de textos, classificao, etc. reuniram leis brbaras as mais variadas,

    documentos sobre imperadores e papas, crnicas histricas, poemas, etc.

    Dentro dessa viso nacionalista que se encaixam alguns historiadores que so

    classificados como romnticos, pois, dotados de uma certa contemplao sentimental da

    histria, procuram uma volta ao passado cheia de nostalgia. Para eles, a histria no pode ser

    feita com uma anlise fria: o passado deve ser ressuscitado em todo o seu ambiente prprio.

    A sua poca predileta foi a Idade Mdia, com seus castelos, suas lendas e sua crueldade,

    seus cavaleiros e seus torneios, suas catedrais e seu misticismo.

    Para compreender a histria de cada nao, preocupao geral do sculo, os

    historiadores voltam ao passado, procurando caracterizar o esprito de cada povo; esse

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  • esprito que explica para eles sua situao e sua maneira de ser.

    na Alemanha que surge a preocupao de transformar a historia em uma cincia. A

    Europa vive uma poca de grande desenvolvimento das cincias naturais, como a fsica e a

    qumica. Os historiadores alemes, em reao ao Idealismo (que veremos daqui a pouco),

    querem que a histria se torne uma cincia, o mais segura possvel, como as cincias exatas.

    Pretendem um grau de exatido cientifica semelhante: era necessria a elaborao de mtodos

    de trabalho anlogos e efetivos, que estabelecem leis e verdades de alcance universal. Ora,

    essa era uma tarefa impossvel, devido a diferena da natureza dessas reas.

    Com a finalidade acima, seu trabalho vai se centralizar numa crtica serissima das

    fontes, visando o levantamento criterioso dos fatos. O maior nome dessa tendncia, chamada

    escola cientifica alem, Leopold Ranke, cuja frase famosa exprime toda uma forma de

    contar histria imperante no sculo passado: era preciso levantarem-se os fatos como eles

    realmente se passaram. Seu trabalho exigente, seguro, mas essa linha orientao vai acabar

    dando fora ao positivismo histrico, iniciado no sculo passado, mas com uma enorme

    influncia at hoje.

    O positivismo como filosofia surge ligado s transformaes da sociedade europia

    ocidental, na implantao de sua industrializao. Para ele, cabe a histria um levantamento

    cientifico dos fatos, sem procurar interpret-los, deixando sociologia sua interpretao.

    Para os historiadores positivistas, os fatos levantados se encadeiam como que mecnica e

    necessariamente, numa relao determinista de causas e conseqncias (ou seja, efeitos). A

    histria por eles escrita uma sucesso de acontecimentos isolados, relatando sobretudo os

    feitos polticos de grandes heris, os problemas dinsticos, as batalhas, os tratados

    diplomticos, etc.

    Da influncia dessa tendncia vo surgir inmeros trabalhos de alcance muito

    pequeno, superespecializados e que quase nada explicam. Para realizarem trabalhos que

    considerem realmente especficos, esses historiadores acham que preciso ver o passado

    como algo de morto, com o qual o presente em que vivem nada tem a ver.

    Nessa nova sociedade que se impe no sculo XIX aparece uma corrente filosfica, o

    Idealismo alemo, que traz enormes conseqncias para a histria. Hegel, seu maior nome, vai

    estabelecer uma nova atitude filosfica frente ao conhecimento. Ele supera o racionalismo que

    endeusa a razo, como a verdade absoluta, e mostra que o conhecimento no absoluto, mas

    se constitui como um movimento dos contrrios (lei da dialtica: tese, anttese e sntese).

    Hegel transforma o conceito de processo retilneo e indefinido (prprio do Iluminismo)

    numa evoluo dialtica em que no mais a razo absoluta que explica tudo. A dialtica,

    aceita desde a antiguidade grega por alguns filsofos, agora retomada em outro sentido. O

    idealismo de Hegel uma concepo que mostra a primazia fundamental das idias do homem

    em relao realidade e o desenvolvimento do processo histrico.

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  • O materialismo histrico e a histria acadmica

    No sculo XIX, temos a efetivao da sociedade burguesa e a implantao do

    capitalismo industrial. Ora, desde meados desse sculo o capitalismo criticado como forma

    de organizao da sociedade. Nessa linha de crtica, vo se destacar dois pensadores, Karl

    Marx e Friedrich Engels. Esses dois estudiosos, ao fazerem a crtica da sociedade em que

    vivem e apresentarem propostas para sua transformao, elaboram, retomando a viso do

    filosofo Hegel sobre o movimento dos contrrios, uma nova concepo filosfica do mundo

    (materialismo dialtico), que supe uma nova teoria do conhecimento. Seu mtodo aplicado a

    historia o materialismo histrico.

    Os dois estudam sobre o capitalismo, a sociedade burguesa, suas leis de evoluo e a

    transformao dessa realidade fundamental que, da Europa, se estende ao resto do globo.

    Estudam introdutoriamente, as formas de sociedade que precedem a capitalista. Ao fazer

    esses trabalhos, aplicam o mtodo do materialismo histrico, o que vai provocar uma

    mudana definitiva na forma de pensar e produzir histria.

    Porm, como o materialismo histrico e seus fundadores esto, desde o incio, ligados

    a uma tentativa de transformao revolucionria da sociedade capitalista burguesa, sua

    infncia na produo histrica da segunda metade do sculo passado muito pequena.

    Apesar de uma recusa formal e consciente dessa nova teoria, ela vai acabar

    influenciando todos os historiadores ocidentais, ao chamar a ateno para elementos

    fundamentais que no eram anteriormente levados em conta.

    O materialismo histrico mostra que os homens, para sobreviverem, precisam

    transformar a natureza, o mundo em que vivem. Fazem-no no isoladamente, mas em

    conjunto, agindo em sociedade; estabelecem, para tal, relaes que no dependem

    diretamente de sua vontade, mas dependem do mundo que precisam transformar e dos meios

    que vo utilizar para isso. Todas as outras relaes que os homens estabelecem entre si

    dependem dessas relaes para a produo da vida, no sob uma forma de dependncia

    mecnica, direta e determinante, mas sob forma de um condicionamento. O ponto de partida

    do conhecimento da realidade so as relaes que os homens mantm com a natureza e com

    os outros homens; no so as idias que vo provocar as transformaes, mas as condies

    materiais e as relaes entre os homens, que estas condicionam.

    Essa ateno para o aspecto da produo de vida material vai comear a aparecer

    nos trabalhos dos historiadores no marxistas: desde o inicio do sculo XX h uma reao

    contra a histria positivista, que praticamente nada explicava, e, em sua procura de

    explicao, os historiadores vo comear a levar em conta os fenmenos da produo (para

    eles produo=economia).

    Para Marx e Engels, a histria um processo dinmico, dialtico, na qual cada

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  • realidade social traz dentro de si o principio de sua prpria contradio, o que gera a

    transformao constante na histria.

    A realidade no estatstica, mas dialtica, ou seja, est em transformao pelas suas

    contradies internas. Essas contradies so geradas pelas lutas entre as diferentes classes

    sociais. Ao chamar a ateno para a sociedade como um todo, para sua organizao em

    classes, para o condicionamento dos indivduos classe a que pertencem, esses autores

    tambm vo exercer uma influncia decisiva nas formas posteriores de escrever a histria.

    Seus grandes legados histria, portanto, so a contribuio para a analise do

    capitalismo e a introduo do novo mtodo de analise da realidade. Os trabalhos marxistas

    sobre a histria vo proliferar na Rssia, da segunda metade do sculo em diante, com a

    subida do Stalin ao poder (1924). Eles so, porm, dominados por uma viso dogmtica,

    autoritria, em que as finalidades polticas de uma sociedade socialista, segundo a viso de

    Stalin e seu partido, superam a finalidade de uma procura cuidadosa de explicao da

    realidade. Esse dogmatismo leva a um empobrecimento do pensamento marxista, pois no v

    a realidade como a dialtica. Ele absolutiza o estado e o poder, simplificando e

    esquematizando a histria. O dogmatismo stalinista ajuda a afastar do materialismo histrico

    os historiadores da Europa Ocidental.

    S depois de 1960, quando esse dogmatismo stalinista comea a ser denunciado na

    Unio Sovitica, que se vai, no campo dos historiadores marxistas, procurar superar os

    erros cometidos.

    A maioria dos estudiosos marxistas do mundo ocidental preocupa-se mais com a

    filosofia, teoria do conhecimento, sem se dedicar a analises histricas propriamente ditas. Sua

    preocupao maior preende-se, nesse campo, elaborao de um conceitual terico de

    anlise. A importncia do materialismo histrico como mtodo de analise para a histria um

    legado que ainda est para provar sua importncia; como diz o historiador francs Pierre

    Vilar, a histria marxista uma histria em construo, qual resta um longo trajeto a

    percorrer.

    no sculo passado que a histria entra para a universidade (as primeiras

    universidades datam do sculo XVIII!). Ela se torna, ento, uma disciplina acadmica, ou

    seja, produzida desde ento no mbito das universidades. Nelas domina uma viso filosfica

    liberal, preocupada somente com a explicao do mundo e no com sua transformao. O

    materialismo histrico no a adotado, por estar associado, desde seu surgimento, crtica e

    transformao revolucionria da sociedade capitalista.

    Aos poucos, porm, vo aparecendo influncias dessa teoria da histria; elas so

    parciais e, nos meios universitrios, ainda predomina, at o sculo XX, a histria positivista.

    sobretudo na Frana que ocorrem as primeiras transformaes dessa histria.

    Os trabalhos iniciais que revelam essa reviso so os elaboradores pelos historiadores

    franceses, professores universitrios, da dcada de 30. Esses trabalhos so publicados na

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  • revista anais: Economias-Civilizaes (revista atualmente no seu 35 ano). Esse grupo ficou

    conhecido como a escola francesa ou escola de anais; seus grandes iniciadores foram

    Marc Bloch e Lucien Febvre. Embora sem uma unidade terica, abrem, pelo exemplo de

    inmeros trabalhos de anlise, alm do limitado positivismo. Ao invs do estudo dos fatos

    singulares, procuram chamar a ateno para a anlise de estruturas sociais (econmicas,

    polticas, culturais, religiosas, etc.), vendo seu funcionamento e evoluo. Aceitam uma histria

    total, que veja os grupos humanos sobre todos os seus aspectos e, para tal, uma histria que

    esteja aberta s outras reas do conhecimento humano, numa viso global: economia,

    sociologia, poltica, etc. A chamada produo interdisciplinar (onde colaboram as diferentes

    disciplinas do conhecimento) se torna o lema de seus seguidores.

    Perspectivas atuais

    A segunda guerra mundial, ao projetar a importncia dos EUA, da Rssia e do Japo,

    mostra aos historiadores europeus a necessidade de rever suas posies eurocentristas. A

    expanso colonialista tinha levado a Europa a entrar em contato com outros povos, outras

    formas de vida, outros costumes, outras instituies; mas essas outras formas de organizao

    social eram sempre comparadas com a forma de organizao europia, que considerada

    como padro. A expanso imperialista da Europa (ligada ao seu grande desenvolvimento

    industrial) acentua esses contatos entre povos e culturas. O eurocentrismo, esse

    privilegiamento, essa colocao da sociedade europia com modelos das outras, porm,

    continua. Do ponto vista do eurocentrismo, a histria apresentada como um processo de

    desenvolvimento contnuo, desde a pr-histria at o perodo contemporneo; ela parece ter

    como meta final a civilizao europia ocidental conforme esta se apresenta constituda no

    inicio do sculo, com seu grande desenvolvimento tcnico, econmico e cultural. lgico que

    isto no est assim to claramente enunciado, mas o que se sente nas entrelinhas da maior

    parte das obras de histria da corrente eurocentrista.

    Os acontecimentos da segunda guerra mundial, entretanto, o grande papel

    desempenhado pelos EUA e pela Rssia na vitria contra Hitler e nas posteriores convenes

    de paz levam alguns historiadores, em especial o ingls Geoffrey Barraclough, a rever o

    eurocentrismo. A Europa no pode mais ser vista como centro do mundo; explicar a histria

    em funo da histria da civilizao ocidental no faz mais sentido. preciso, para entender a

    seguinte situao, comear a olhar para as outras partes de nosso globo.

    As mudanas ocorrem muito vagarosamente, e at hoje temos muita influncia dessa

    viso eurocentrista. Nos EUA, o outro plo da civilizao ocidental, o estudo da histria no

    especialmente desenvolvido; uma histria ainda em grande parte mais preocupada com a

    factual.

    As maiores influncias nos trabalhos de histria, de metade do sculo em diante, so,

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  • portanto, no mundo ocidental, a viso do materialismo histrico e a civilizao da histria das

    civilizaes, ligada chamada escola francesa. Elas partem de explicaes da realidade

    bem opostas, pois o mtodo com que abordam o estudo da realidade basicamente

    diferente. Aparentemente podem ser feitas algumas explicaes entre essas duas vises.

    Ambas se preocupam com a sociedade como um todo e com a lenta evoluo do processo

    histrico. H entre seus historiadores uma preocupao com uma explicao histrica do seu

    tempo e com a produo da vida econmica (embora, no materialismo, a produo

    econmica seja vista diretamente ligada a vida da sociedade, atravs do enfoque das relaes

    de produo da vida material).

    Na frana h hoje um grande desenvolvimento do estudo da histria das

    civilizaes, estas entendidas cada vez mais num sentido bem amplo.

    A chamada "nova histria" procura sempre novos objetos para a histria (exemplos: o

    papel do clima na histria; a histria das mentalidades, com o exame, por exemplo, da idia

    da morte no Ocidente; a histria do cinema, a histria da gastronomia francesa, etc.). Os

    herdeiros da "escola dos Anais" hoje em dia so l vedetes populares, ganhando horrios

    nobres na TV, capas de semanrios, etc.

    Este breve resumo procura tratar da histria, do caminho por ela percorrido em um

    trplice aspecto: seu registro ou documentao, as tcnicas para lidar com essa

    documentao, e a interpretao que feita com os elementos levantados.

    Uma sociedade sempre se estrutura em diferentes grupos ou classes, uma das quais

    detm o poder poltico, o poder econmico e o prestgio social. De uma forma sutil e muito

    bem articulada, no visvel pelos incautos, e s perceptvel numa anlise muito acurada, o

    grupo social dominante acaba, por mecanismos complexos, impondo aos outros grupos seu

    modo de ver a realidade, o que vai reforar os seus interesses, pois lhe permite manter sua

    situao de privilgio. Nessa viso de mundo que imposta esto implcitos seus valores, seus

    preconceitos, etc.

    Essa dominao, evidentemente, nunca total (no h nada de "absoluto" na histria

    dos homens), nem completamente consciente e racional. Se assim fosse, no se poderia

    pensar em transformaes. A dominao tem suas prprias contradies e ambigidades.

    Assim, dentro do campo especfico da histria, h um certo controle, no explcito

    mas prtico, do registro e da documentao. muito difcil encontrarem-se, por exemplo,

    documentos da vida dos escravos na Grcia clssica (V sc. A.C.). Sabe-se, porm, que l

    havia uma populao com a proporo de um homem livre para cada trs ou quatro escravos.

    Eram os cidados-livres os elementos que constituam a classe dirigente da sociedade ate-

    niense, e no temos quase documentao sobre esses escravos, embora eles no fossem

    analfabetos (eram prisioneiros de guerra de outras regies).

    sobretudo no campo da interpretao que se sente essa ao de uma classe que

    dirige a sociedade. No caminho percorrido pela histria, no se a escreveu sob a tica dos

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  • escravos da Antiguidade ou dos servos medievais, mas somente sob a dos cidados-livres da

    Grcia e Roma e dos senhores feudais sob a orientao da Igreja; finalmente, viu-se a histria

    escrita sob a tica da burguesia, em diferentes e mltiplos caminhos que nos mostram uma

    sociedade cada vez mais complexa e da qual possumos cada vez mais documentao.

    Do ponto de vista das tcnicas de pesquisa, a histria est em desenvolvimento

    constante. Desde as primeiras investigaes gregas at o uso do computador, as formas de

    registrar os fatos histricos e de utilizar suas fontes vm tendo um contnuo aperfeioamento.

    Os problemas terico-metodolgicos, sobretudo desde meados do sculo passado,

    depois do aparecimento do materialismo histrico, centralizam cada vez mais a ateno dos

    historiadores. Do desenvolvimento desses problemas depende uma melhor forma de

    apreender a realidade.

    A histria da histria chega ento ao sculo XXI; parece-nos que s uma retomada

    das origens e da evoluo dessa histria nos podem fazer compreender sua situao atual,

    que deve ser sempre vista dentro de uma noo de processo.

    A Histria, hoje em dia

    No novo dicionrio Aurlio, ao se procurar o termo "histria", encontramos muitos

    significados para a palavra. Entre uns quinze enumerados, podemos destacar alguns que

    enfocam a histria como: passado da humanidade, o estudo desse mesmo passado, uma

    simples narrao, uma "lorota", uma complicao, etc.

    Como se percebe pelo primeiro captulo, a histria de que aqui tratamos est ligada

    aos dois primeiros sentidos mencionados e que colocam claramente a ambigidade

    fundamental do termo: ele significa, ao mesmo tempo, os acontecimentos que se passaram e o

    estudo desses acontecimentos. Para contornar essa dificuldade, os historiadores s vezes

    acrescentam ao termo "histria" o termo "acontecimento" ou "processo" (a histria-

    acontecimento ou histria-processo), para designar seu primeiro sentido (os acontecimentos

    histricos), e o termo "conhecimento" (a histria-conhecimento), para designar o segundo

    sentido (o conhecimento histrico).

    A histria-acontecimento a histria do homem, visto como um ser social, vivendo

    em sociedade. a histria do processo de transformao das sociedades humanas, desde o

    seu aparecimento na terra at os dias em que estamos vivendo. Desde o incio, portanto,

    pode-se tirar uma concluso fundamental: quer saibamos ou no, quer aceitemos ou no,

    somos parte da histria e temos ento todos, desde que nascemos, uma ao concreta a

    desempenhar nela.

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  • So os homens que fazem a histria; mas, evidentemente, dentro das condies reais

    que encontramos j estabelecidas, e no dentro das condies ideais que sonhamos. Eis a a

    razo de ser, a justificativa da histria, em seu segundo sentido: o conhecimento histrico

    serve para nos fazer entender, junto com outras formas de conhecimento, as condies de

    nossa realidade, tendo em vista o delineamento de nossa atuao na histria.

    Os dois sentidos da palavra esto, pois, estreitamente ligados: os acontecimentos

    histricos (a histria-acontecimento) so o objeto de anlise do conhecimento histrico (da

    histria-conhecimento).

    Numa extenso ampla dos dois sentidos, histria seria ento aquilo que aconteceu

    (com o homem, com a natureza, com o universo, enfim) e o estudo desses acontecimentos.

    Tudo tem sua histria, pois sabemos que tudo se transforma o tempo todo. Mas aqui nos

    interessam principalmente as transformaes das sociedades humanas.

    O sentido mais difundido do termo o primeiro, o de histria-acontecimento; a maior

    parte do tempo em que falamos em "histria", referimo-nos, por exemplo, "histria da

    Amrica", ou "s grandes figuras da histria". Mas aqui tratamos especificamente do segundo

    sentido, o de conhecimento histrico.

    O primeiro captulo apresenta um breve resumo de como foi produzido at hoje este

    conhecimento. Neste captulo veremos como hoje compreendida e produzida a histria.

    Essa conceituao atual resultante do longo caminho da histria, observado no primeiro

    captulo.

    O que a histria e para que serve?

    A funo da histria, desde seu incio, foi a de fornecer sociedade uma explicao

    de suas origens (ou seja, uma explicao gentica). A histria se coloca hoje em dia cada vez

    mais prxima s outras reas do conhecimento que estudam o homem (a sociologia, a

    antropologia, a economia, a geografia, a psicologia, a demografia, etc.), procurando explicar a

    dimenso que o homem teve e tem em sociedade. Cada uma dessas reas tem seu enfoque

    especfico. Uma viso mais ampla e mais completa, entretanto, exige a cooperao entre as

    diversas reas. Isso tem sido tentado pelos estudiosos com maior ou menor xito, no

    chamado trabalho interdisciplinar, pois inclui diferentes disciplinas.

    A histria procura especificamente ver as transformaes pelas quais passaram as

    sociedades humanas. A transformao a essncia da histria; quem olhar para trs, na

    histria de sua prpria vida, compreender isso facilmente. Ns mudamos constantemente;

    isso vlido para o indivduo e tambm vlido para a sociedade. Nada permanece igual e

    atravs do tempo que se percebem as mudanas.

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  • Eis por que se diz que o tempo a dimenso de anlise da histria. O tempo histrico

    atravs do qual se analisam os acontecimentos no corresponde ao tempo cronolgico que

    vivemos e que definido pelos relgios e calendrios. No tempo histrico podemos perceber

    mudanas que parecem rpidas, como, por exemplo, os acontecimentos cotidianos: um golpe

    de estado que toma o poder e que seguimos pelos jornais. Vemos tambm transformaes

    lentas, como no campo dos valores morais: o machismo, por exemplo, um valor que impera

    na maior parte das sociedades que a histria estuda, a ponto de se poder dizer que a histria

    que est escrita mostra um processo praticamente s conduzido pelos homens. No Ocidente,

    aproximadamente de um sculo para c, surge um questionamento mais constante desse valor

    milenar. Isso se d em grande parte devido a uma participao maior da mulher no processo

    de produo: medida que as mulheres saem da esfera exclusiva do lar e comeam a refletir

    na realidade.

    A caminhada que a humanidade fez explica muito sobre a prpria humanidade, assim

    como o que uma pessoa faz explica muito sobre ela. caminhada da humanidade que

    damos o nome de processo histrico.

    Desde que existem sobre a terra, os homens esto em relao com a natureza (para

    produzirem sua vida) e com os outros homens. Dessa interao que resultam os fatos, os

    acontecimentos, os fenmenos que constituem o processo histrico.

    Quase sempre que a histria da humanidade nos apresentada, a evoluo da

    sociedade europia ocidental que tomada como modelo de desenvolvimento desse

    processo histrico. Essa posio eurocntrica errada: do ponto de vista da histria, a

    evoluo da sociedade europia ocidental, com seu alto grau atual de desenvolvimento

    tecnolgico, no deve ser um padro de comparao para se estudar a histria de qualquer

    outra parte do sistema capitalista, como, por exemplo, a Amrica Latina. No se deve, por

    meio desse tipo de comparao, julgar se uma sociedade est "atrasada" ou "adiantada" em

    seu desenvolvimento histrico.

    No h uma linha constante e progressiva de desenvolvimento na histria da

    humanidade, pois temos, ao mesmo tempo, hoje em dia, sociedades com formas de vida

    primitivas, consideradas ainda no chamado perodo pr-histrico (por exemplo, na Nova

    Zelndia), e sociedades com um grau de desenvolvimento que permite exploraes

    interplanetrias (como fazem os americanos e os russos). No se percebe, ainda como

    exemplo, uma linha constante e progressiva da passagem, a partir da Antiguidade, do trabalho

    escravo ao trabalho assalariado: a escravido praticamente desaparece na Europa Ocidental,

    durante a Idade Mdia, para reaparecer na Idade Moderna, imposta pelos europeus nas

    Amricas, como forma de relao de trabalho dominante. No se deve, portanto, identificar a

    idia de processo histrico com uma idia de progresso necessrio.

    Dizer que o processo histrico contnuo no significa dizer que ele obedea a um

    desenvolvimento linear: no uma linha reta com tendncia constante, inclui idas e vindas,

    desvios, avanos e recuos, inverses, etc. H mesmo transformaes que podem ser vistas

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  • como rupturas, pois alteram toda uma forma de viver da sociedade. , porm, uma ruptura

    que foi lentamente preparada, que est sempre ligada com algo que j existia, pois no se

    pode admitir o surgimento de uma situao nova sem ligao com as anteriores.

    As alteraes no processo histrico so decorrentes da ao dos prprios homens, os

    agentes da histria. No uma evoluo natural: a historia da humanidade diferente da histria

    da natureza e a natureza tambm tem sua histria, pois ela tambm passa por mudanas; todo

    universo, nas suas mais diferentes partes, sofre mudanas, e por isso tem sua histria. Mas a

    histria da humanidade diferente justamente por ser feita pelos homens. So os homens

    constitudos em sociedade que, embora nem sempre conscientemente, aluaram e atuam para

    que as coisas se passem de uma ou de outra maneira, para que tomem um rumo ou outro. A

    entidade "Histria" no existe. Uma fora superior externa aos homens, que os conduzisse

    como veculos, no existe.

    No se deve buscar uma razo para os acontecimentos histricos dentro do

    conhecimento da prpria histria; a trajetria do homem na terra indeterminada, em busca

    de sua prpria razo de ser. Vista em si mesma e por si mesma, ela no faz sentido. O sentido

    dos acontecimentos histricos, no deve ser buscado atravs do conhecimento histrico, pois

    a finalidade desse conhecimento no explicar a razo de ser do homem na terra, no dar

    uma justificativa do que aqui estamos fazendo. Sua finalidade estudar e analisar o que

    realmente aconteceu e acontece com os homens, o que com eles se passa concretamente.

    Essa anlise no para buscar uma filosofia da vida, mas para propiciar uma atuao

    concreta na realidade.

    Falamos sempre em "humanidade"; como ela est em constantes transformaes, no

    existe uma "essncia humana imutvel" desde o incio dos tempos, mas homens diversos, em

    situaes diversas. A humanidade no um todo homogneo, e a histria no a analisa assim.

    Na realidade, dificilmente o historiador pode tratar, ao mesmo tempo, de toda a

    humanidade. Ao escrever a histria, em geral ele se ocupa especificamente de uma

    determinada realidade concreta, situada no tempo e no espao. Estudam-se uma tribo, um

    povo, um imprio, uma nao, uma civilizao, como, por exemplo, o povo judeu, antes do

    nascimento de Cristo; a formao do Imprio Macednico, a civilizao greco-romana, o

    surgimento da Frana, etc. Mas a meta de formulao de uma histria-sntese (uma

    explicao global de todo o processo histrico) no deve ser afastada, embora muitos

    historiadores acreditem ser ela uma utopia.

    O homem um ser finito, temporal e histrico. Ele tem conscincia de sua

    historicidade, isto , de seu carter eminentemente histrico. O homem vive em um

    determinado perodo de tempo, em um espao fsico concreto; nesse tempo e nesse lugar ele

    age sempre, em relao natureza, aos outros homens, etc. esse o seu carter histrico.

    Tudo o que se relaciona com o homem tem sua histria; para descobri-la, o historiador vai

    perguntando: o qu? Quando? onde? como? Por qu? para qu?

    Todos percebemos, por experincia, ligao bsica implcita dentro da idia geral de

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  • tempo: passado-presente-futuro. Para a histria, o tempo s interessa nessa perspectiva tripla.

    O que preciso fazer uma histria que, mesmo estudando o passado mais remoto, fao-o

    para explicar a realidade presente. Fazer uma histria do presente no , portanto, escrever

    sobre o presente, mas sobre indagaes e problemas contemporneos ao historiador.

    preciso conhecer o presente e, em histria, ns o fazermos sobretudo atravs do

    passado, remoto ou bem prximo.

    Conforme o presente que vivem os historiadores, so diferentes as perguntas que eles

    fazem ao passado e diferentes so as projees de interesses, perspectivas e valores que eles

    lanam no passado. Eis por que a histria constantemente reescrita. Como diz o historiador

    France Braudel: a histria filha de seus tempo.

    Mesmo quando se analisa um passado que nos parece remoto, portanto, seu estudo

    feito com indagaes, com perguntas que nos interessam hoje, para avaliar a significao

    desse passado e sua relao conosco. O passado nos interessa, hoje, pela sua permanncia

    no mundo atual.

    A histria vista como o estudo do passado parece hoje para todos um ponto pacfico.

    Mas a histria tambm aceita como o estudo do passado em funo de um presente desde

    os historiadores gregos.

    A ligao da histria com o futuro, porm, bem mais sutil: no se pode falar em uma

    histria do futuro. Qualquer colocao nesse sentido mera especulao. Pode-se falar em

    tendncias, probabilidades, possibilidades histricas, mas no mais do que isso. Faz-lo seria

    impor um esquema prefixado de como as coisas se devem passar, o que impossvel. A

    partir de um diagnstico do presente, ela pode ajudar a delinear aes futuras, no mais que

    isso.

    Seu uso, porm, tem sido uma constante pelos que detm qualquer tipo de poder, ou

    mesmo o poder que advm do prprio saber. A histria como forma de conhecimento no

    deve servir a uma manipulao dos poderosos.

    Mas, ao explicar as transformaes resultantes das aes dos homens, a histria leva

    a perceber que a situao hoje diferente de ontem e procura esclarecer os comos e o

    porqus disso. Para os que no sabem das alteraes passadas, a realidade que vivem

    pode parecer eterna ou intransformvel, e como tal justificada. Isto leva a uma atitude

    passiva, uma conformao. Ao contrrio, o conhecimento dessas alteraes passadas e a

    compreenso das condies concreta em busca de outras transformaes.

    A finalidade ltima do conhecimento histrico , portanto, propiciar o

    desenvolvimento das foras transformadoras da histria, ajud-las a se tornarem mais

    conscientes de si mesmas. S atravs dessa conscincia que essas foras tero possibilidade

    de se efetivarem.

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  • Como produzir a histria?

    O homem, ser vivo e consciente, est situado num meio ambiente que deve ser visto

    como uma realidade total. Todos os aspectos dessa realidade se interligam, se inter-

    influenciam e no devem ser analisados separadamente. Os homens agem e interagem,

    constantemente, em diferentes planos, mas todos eles esto unidos dentro dessa realidade

    total que a realidade do homem vivendo em sociedade no mundo.

    Quando, porm, se vai explicar uma realidade histrica especfica, temos a tendncia

    a destacar mais um aspecto ou outro dessa realidade. s vezes, isso necessrio para facilitar

    a anlise; outras vezes, por razes didticas, costuma-se separar os diversos nveis da

    realidade, parecendo isol-los. Ora, isso pode levar a um esquecimento da noo de

    totalidade. Por exemplo, ao estudarmos a Jeddah (a peregrinao anual dos muulmanos

    sua capital religiosa, a cidade de Meca), este fato geralmente visto como de carter

    religioso, esquecendo-se suas outras conotaes polticas e econmicas.

    Ao estudar uma realidade histrica, vamos sempre v-la em conjunto, no analisando

    seus fatos isolados, mas sim dentro de uma realidade mais ampla, como, por exemplo, ao se

    examinar uma crise econmica, ao se procurar entender a organizao de uma classe social,

    um sistema administrativo, etc.

    preciso ver que essa totalidade se estrutura basicamente em alguns planos ou nveis

    inter-relacionados; os trs nveis fundamentais aceitos hoje em dia so os nveis econmico,

    poltico e ideolgico (onde se incluem os aspectos culturais e religiosos). Simplificando muito,

    de uma maneira geral e esquemtica, uma sociedade se organiza em funo do poder poltico

    e da apropriao econmica. Os grupos que comandam nessas reas procuram manter o

    predomnio e organizam-se para que essas relaes de poder se reproduzam nesse tipo de

    sociedade. Ao analisar uma sociedade em determinada poca, temos que levar em conta

    esses trs diferentes nveis. As transformaes estruturais neles, que alteram o conjunto da

    sociedade como um todo, so as que nos interessa conhecer.

    O historiador examina sempre uma determinada realidade, que se passou

    concretamente em um tempo determinado e em um lugar preciso. Sua primeira tarefa situar

    no tempo e no espao o que ele quer estudar: a Inglaterra no incio do capitalismo, os

    descobrimentos portugueses dos sculos XV e XVI, a revolta dos estudantes parisienses em

    maio de 68, etc. Cada realidade histrica nica, no se repetindo nunca de forma igual.

    S se pode conhecer uma realidade do passado atravs do que dela ficou registrado e

    documentado para a posteridade. A maior parte da documentao utilizada em histria

    escrita, a ponto de se considerar, impropriamente, como "tempos histricos" aqueles tempos

    que se iniciam com a inveno e a difuso da escrita. Na verdade, isso no correio. O

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  • homem tem sua histria desde que ele existe na terra, mesmo que ela no esteja devidamente

    documentada para as geraes que vieram depois.

    Alguns perodos

    histricos ficaram muito pouco

    documentados por escrito. Para

    conhec-los preciso o auxlio

    das tcnicas auxiliares da

    histria, que surgem no sculo

    XVI e que so as nicas a

    ajudar a reconstituir uma

    determinada poca. Por

    exemplo, o estudo dos povos

    brbaros que invadem o

    Imprio Romano entre os

    sculos II e V D.C. um dos

    mais incompletos, pois

    praticamente no

    documentado por fontes

    escritas. s com a ajuda da

    toponmia (estudo dos nomes

    de locais), da lingstica (estudo

    das lnguas), da numismtica e

    da arqueologia que se pode

    chegar a algumas concluses.

    O importante e essencial que o trabalho do historiador se fundamente numa pesquisa

    dos fatos reais, comprovados concretamente. Em geral, mais comum, sobretudo em

    realidades histricas mais prximas de ns, que os vestgios dessas realidades sejam inmeros

    e que o trabalho do historiador se inicie por uma seleo desses dados. Essa seleo feita

    em funo dos dados do passado que lhe paream mais significativos.

    A diversidade dos testemunhos do passado muito grande. Tudo quanto se diz ou se

    escreve, tudo quanto se produz e se fabrica pode ser um documento histrico. Antigamente a

    idia de um documento histrico era a de papis velhos, referentes a pessoas importantes

    (reis, imperadores, generais, grandes nomes das artes ou das religies, etc.), a quais eram

    vistas como os condutores da histria. Atualmente tem-se conscincia de que, entre outros

    exemplos, uma caderneta de despesas de uma dona-de-casa, um programa de teatro, um

    cardpio de restaurante, um folheto de propaganda, so verdadeiros documentos histricos,

    significativos e reveladores de seu momento.

    O jornal um exemplo bem especfico de fonte histrica: ele se torna cada vez mais

    utilizado numa sociedade em que, depois do episdio americano de Watergate, a imprensa e

    os outros meios de comunicao (como a TV e o rdio) aparecem cada vez mais com maior

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  • poder. Na poca positivista, em que se procurava uma "verdade absoluta", o jornal era

    desprezado como documento,

    pela subjetividade nele implcita.

    Hoje sabido que um rgo da

    imprensa est sempre

    defendendo posies, querendo

    formar opinies, atravs de uma

    venda de informaes.

    justamente isso que permite ao

    historiador detectar a posio

    poltico-ideolgica do jornal, ou

    seja, o que pensam de poltica e

    qual a viso da realidade que

    tm os proprietrios ou

    diretores do jornal, ou melhor, o

    grupo social que eles

    representam. fcil

    exemplificar, chamando a

    ateno dos leitores para a

    diferena entre um jornal da

    chamada imprensa burguesa e

    um jornal da chamada imprensa

    alternativa ou "nanica".

    O historiador deve trabalhar os documentos, com muito cuidado e critrios rigorosos.

    Nesse trabalho preciso muitas vezes o recurso a tcnicas especiais. Por exemplo, para se

    conhecer a sociedade paulista do sculo XVII, so fundamentais os originais de inventrios e

    testamentos da poca (hoje em sua maioria impressos), guardados, para melhor conservao,

    dentro de latas, no Arquivo do Estado. Para l-los preciso o domnio das j faladas tcnicas

    especiais. Na arqueologia, por inmeras vezes a aliada fundamental da pesquisa histrica, usa-

    se muito a tcnica do carbono 14 para identificar a poca a que pertence um objeto mais

    antigo. Na Inglaterra, hoje comum levar-se os estudantes secundrios a trabalhar nas runas

    e escavaes que testemunham o domnio romano na ilha, na poca do imprio Romano.

    Atividades como as acima descritas (leitura de documentos, escavaes

    arqueolgicas) so as atividades mais tradicionalmente associadas ao trabalho de um

    historiador. Mas hoje ele pode tambm utilizar um computador para trabalhar dados levanta-

    dos, pode servir-se de um gravador para consultas a documentos ou realizao de entrevistas,

    etc. No futuro, descobertas atuais mais sofisticadas como o disco cuja leitura feita por

    meio de raio Laser, e que, num dimetro de 35 cm, pode armazenar aproximadamente 10 mil

    pginas de informaes sero utilizadas na histria, e o historiador ter que saber lidar com

    elas.

    Mas, no meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavaes ou no

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  • manuseio de instrumentos muito desenvolvidos tecnicamente, sempre o homem vivo que o

    historiador procura encontrar, a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou,

    procriou, guerreou, divertiu-se, que o historiador quer decifrar. E, para tal, todo tipo de

    documento que esclarea esses aspectos de fundamental importncia.

    Um historiador, ao se propor fazer uma pesquisa, j faz uma opo bem sua, ao

    decidir qual a realidade que ele vai estudar. Sua escolha sempre encaminhada pela sua

    situao concreta. O historiador um homem em sociedade, ele tambm faz parte da histria

    que est vivendo. Escreve sua histria historicamente situado, ou seja, numa determinada

    poca, dentro de condies concretas de sua classe, sua instituio de ensino ou pesquisa,

    etc. Seu trabalho ser condicionado tanto pelo nvel de conhecimento ento existente, como

    pelos interesses que ele possa estar defendendo, mesmo que inconscientemente.

    De uma maneira geral, o historiador tem suas pesquisas condicionadas s instituies

    que lhe proporcionam a possibilidade econmica e intelectual de trabalho. Essas instituies

    esto ligadas direta-mente a rgos governamentais, a fundaes que usam dinheiro pblico

    ou a fundaes particulares.

    A histria, como vimos, no s levantamento de dados ou fatos; ela os relaciona

    entre si, ela interpreta seu sentido. A histria, como toda forma de conhecimento, procura

    explicar uma relao desconhecida. Nessa explicao, temos duas ordens de elementos: os

    fatos e sua interpretao. Esses dois elementos esto presentes, inseparavelmente ligados,

    num trabalho de histria.

    Esquecer um dos dois ou dar importncia maior a um deles prejudica

    fundamentalmente uma obra. Sim, porque, se fizermos uma listagem de fatos, sem um carter

    explicativo, no estamos fazendo histria. Se fizermos um esquema interpretativo do passado,

    assim no ar, sem bases concretas (tentando interpretar algo que no se passou necessa-

    riamente como se descreve, pois no se verificou concretamente os fatos), tambm no

    estamos fazendo histria. Na maior parte das vezes, nesta hiptese, esse trabalho uma

    "fico histrica", ou propaganda ideolgica, servindo a propsitos poltico-partidrios e no

    a uma procura rigorosa de conhecimento.

    A interpretao dos fatos est ligada diretamente a uma teoria; a teoria um conjunto

    de conceitos que forma uma viso explicativa concatenada da realidade. Qual a importncia

    dessa teoria? Ora, todos sabemos que se pode contar de vrias formas a mesma histria,

    dependendo de como a estamos analisando. O que vai estar por trs das diferentes formas de

    explicao a teoria que aceitamos e que se apresenta estreitamente ligada nossa forma de

    encarar o mundo e sua realidade, ou seja, ligada ideologia.

    Em histria, ao se tentar ordenar o processo histrico como um todo, surge sempre

    uma tarefa primordial: periodizar, isto , organizar a sucesso de diferentes perodos

    cronolgicos. J mencionamos a primeira grande diviso que feita na histria humana: a

    existente entre a histria e a pr-histria. Para a maior parte dos historiadores, a diviso entre

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  • os dois perodos marcada pelo aparecimento da escrita. Outras opinies indicam, como

    critrio para a entrada na chamada "histria", o incio do emprego da agricultura ou da

    metalurgia.

    Seja qual for o critrio, a verdade que o perodo considerado como pr-histrico,

    do qual temos bem pouco (ou quase nenhum) conhecimento, muito maior do que o perodo

    histrico: para aproximadamente 600 mil anos de pr-histria, s temos uns 60 mil de histria!

    Quo pouco realmente sabemos da histria do homem na terra!

    A histria dividida, tradicional e impropriamente, conforme j colocamos, em

    Idades: Antiga, Mdia, Moderna e Contempornea. A maior parte dos estudiosos hoje se

    bate contra essa diviso, herdada de uma forma de contar a histria mundial em funo da

    civilizao europia ocidental. Essa diviso se aplica realmente s histria do mundo

    ocidental. ele o centro das atenes, ficando o restante do globo em plano secundrio. A

    histria que dividida uma histria na qual as outras partes do globo s entram em funo

    de suas ligaes com a Europa Ocidental e, assim mesmo, muito superficialmente. O Brasil,

    por exemplo, durante as Idades Antiga e Mdia est em plena pr-histria, s entrando na

    histria da Idade Moderna, quando descoberto!

    Essa diviso tradicional implica tambm numa viso eurocentrista e progressista,

    porque procura mostrar um padro de desenvolvimento histrico do qual a sociedade

    europia ocidental seria o apogeu. Infelizmente, apesar desses graves defeitos, essa diviso

    est to arraigada em nossos currculos universitrios e escolares quanto em nossas

    mentalidades. A periodizao, porm, muito importante para mostrar as diversas pocas ou

    perodos em que a sociedade se organiza de diferentes formas. Ela deve ter um carter

    explicativo, deve servir para indicar as transformaes que as sociedades viveram, para

    mostrar como estruturalmente a sociedade de um perodo diferente da do outro!

    Alm dessa diviso tradicional, existe, dentro do materialismo histrico, a

    periodizao da histria atravs dos diferentes modos de produo que se verificaram.

    Existiram, para essa diviso, os seguintes modos de produo: o comunista primitivo, o

    escravista, o asitico e o capitalista.

    Dentro da viso aceita de processo, de transformao constante, no se pode ter uma

    periodizao muito rgida, com datas fixas e nicas. comum um aluno de secundrio dizer

    que "a Modernidade se inicia com a queda de Constantinopla, efetuada pelos turcos em

    1453", sem saber que essa uma data simblica, entre outras, e que podem ser indicadas

    outras datas.

    Por que escolher uma data ou outra? Dentro da viso de processo, as transformaes

    em histria sempre so lentas e quase impossvel marcarem-se datas-limite que indiquem

    delimitaes ntidas, as quais implicariam em transformaes sbitas. Embora tenhamos

    conscincia clara de que cada vez mais se acelera o ritmo de mudanas do mundo

    contemporneo a ponto de nos parecer que o mundo mudou mais neste sculo do que em

    todos os anteriores , sabemos que as transformaes profundas e estruturais da histria so

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  • muito lentas.

    Ao concluir o captulo, queremos deixar bem claro que a histria, como todas as

    formas de conhecimento, est sempre se reformulando, buscando caminhos novos e prprios.

    Este captulo no receitinha ideal de como escrever a histria, vlida para todos os

    tempos e todos os lugares! bvio que essa a nossa viso, gerada no nosso tempo.

    Infelizmente, preciso desiludir-se de incio: escrever histria no estabelecer

    certezas, mas reduzir o campo das incertezas, estabelecer um feixe de probabilidades.

    No dizer tudo sobre uma determinada realidade, mas explicar o que nela fundamental.

    Nem por isso se deve cair numa posio de relativismo, em que todas as especulaes

    interpretativas so permitidas.

    Em histria, todas as concluses so provisrias, pois podem ser aprofundadas e

    revistas por trabalhos posteriores. Um saber absoluto, uma verdade absoluta no servem

    aos estudiosos srios e dignos do nome; servem aos totalitrios, tanto de direita como de

    esquerda, que, colocando-se como donos do saber e da verdade, procuram, atravs da

    explicao histrica, justificar a sua forma de poder.

    A Histria do Brasil

    Ns, aqui no Brasil (como os outros pases da Amrica), somos herdeiros da

    civilizao europia ocidental. Dela herdamos instituies, tcnicas, valores, etc., atravs de

    nossa colonizao portuguesa. Os pases da Pennsula Ibrica (Portugal e Espanha) so os

    grandes navegadores do sculo XV e XVI. A eles deve a Amrica Latina o fato de ter

    entrado na histria, e toda a nossa formao histrica est ligada, desde o incio do perodo

    colonial, metrpole portuguesa que nos coloniza. A classe de senhores proprietrios de

    terras aqui, mesmo enquanto depende da metrpole, sempre atuou conforme suas evidencias.

    Com o desenvolvimento capitalista do sculo passado, os laos com a Europa se

    estreitam por outras vias, pois j ramos politicamente independentes desde a terceira

    dcada. O aparecimento de um mercado mundial, atravs da revoluo industrial

    empreendida pelos europeus ocidentais desde o sculo XV, vai acabar constituindo um

    sistema capitalista mundial, do qual o Brasil far parte.

    O sistema capitalista composto essencialmente de partes diferentes e relacionadas

    entre si; no se deve pensar que, necessariamente, vamos seguir o modelo de

    desenvolvimento das outras partes do sistema, que so as regies altamente desenvolvidas,

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  • como os pases do mercado comum europeu, Sucia, EUA, etc. As diferentes partes do

    sistema tiveram e tem ainda hoje uma evoluo histrica prpria. , portanto, dentre desse

    quadro geral amplo, e, ao mesmo tempo, dentro de uma realidade completa concreta prpria

    a realidade brasileira que o nosso historiador produz histria. Esta percorre, de uma

    maneira geral, o caminho descrito no primeiro captulo, da modernidade at os nossos dias.

    Temos, desde o incio, uma histria oficial: a verso escrita pelos cronistas contratados pela

    casa real portuguesa para escrever a histria de seu pas, do qual ramos, depois da perda

    das ndias, a colnia mais promissora. Aqui tambm so criados cargos de cronistas nas

    diferentes cmaras municipais.

    Esse gnero de histria , essencialmente narrativa e registrando fatos, continua sendo

    escrito pelos membros das sociedades histricas, academias e institutos que so aqui

    introduzidos no sculo XVIII. Seus membros so muitas vezes figures (bares,marqueses,

    ministros, senadores), o que mostra ainda uma ligao direta entre a histria escrita e o poder

    oficial, pois os historiadores so vinculados diretamente ao Estado.

    So ento criados e os arquivos e bibliotecas governamentais, que se preocupam

    coma documentao histrica, e que preservam as fontes que possumos de nosso passado,

    embora boa parte da documentao sobre o perodo colonial se encontre nos arquivos

    portugueses.

    H uma documentao muito sugestiva do perodo, como, por exemplo, a escrita

    pelos jesutas (correspondncias, discurso, tratados), ocupados na educao de colonos e

    ndios. Outros exemplos magnficos so as obras Cultura e Opulncia no Brasil (do sculo

    XVII, de autoria discutida); so verdadeiros levantamentos econmicos da situao da

    colnia, essenciais para o conhecimento do perodo. Tambm muito ricos, do ponto de vista

    histrico, so os depoimentos escritos pelos visitantes estrangeiros. Essa histria escrita

    involuntariamente muito mais atraente e elucidativa do que a oficial.

    Ao contrrio da Amrica Espanhola, que possuem universidades desde o perodo da

    colonizao, o Brasil s vai ter universidades a partir do sculo XX. Os historiadores que

    tentam escrever nossa histria fazem-no isoladamente ou no mbito dessas instituies oficiais

    j apontadas.

    Nossa histria, como a histria em geral, tambm , quanto s fontes de

    documentao existentes e quanto s interpretaes, fortemente marcada pela ao dos

    grupos sociais predominantes no pas. Por exemplo: no existe a menor preocupao em

    preservar os documentos referentes aos escravos e esses documentos, mesmo quando

    existem e so descobertos, so postos de lado, no utilizados.

    Como foi dito, a historia sempre filha de seu tempo. Vejamos: um dos nossos

    grandes historiadores Francisco de Varnhagen, de formao da referida escola cientifica

    alem (caracterizada pela grande preocupao com a pesquisa e o levantamento das fontes).

    A ele devemos um enorme impulso na produo da histria brasileira. Ele escreve no segundo

    imprio (segunda metade do sculo XIX), em uma poca que aproximadamente 60% da

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  • nossa populao escrava. Analistas de sua obra mostram como ela se baseia em dois

    elementos interpretativos: a superioridade da forma monrquica (por ser responsvel pela

    unidade do pas aps a independncia) e a superioridade da raa branca. Isso mostra como

    seu trabalho est impregnado valores e preconceitos da sociedade de sua poca. Entretanto,

    o levantamento de fontes feito por ele, juntamente feito por capitalismo de Abreu, so

    fundamentais para os trabalhos posteriores de historia do Brasil. Ao avaliarmos o valor da

    obra de histria, sempre devemos faz-lo dentro do contexto que a produziu.

    Na universidade, a introduo da histria se da sobretudo atravs da influncia da

    faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, fundada na dcada

    de 30. Nessa fundao foi muito marcante a influncia de professores franceses. No campo

    da histria, em especfico essa influncia muito clara, sobretudo nos currculos, programas e

    livros at hoje utilizados.

    Depois de 1930, temos alguns trabalhos de bem melhor nvel, pois se preocupam com

    explicaes coerentes da realidade histrica. Mas s ainda mais recentemente, sobretudo na

    dcada de 60, que comeam a se impor os trabalhos interpretativos. A maior parte dos

    trabalhos, at essa dcada, so encadeamentos de datas, fotos e personagens, sem carter

    explicativo ou preocupao global, sem uma viso de processo; predomina uma viso

    positivista: eles deixam tudo muito solto e provocam e provocam desinteresse por essa falta

    de sentido. Mesmo quando dotados de certa coerncia, esto desarticulados entre si e por

    demais especializados; esse saber fragmentado bastante disponibilizado.

    Faltam-nos ainda obras que se preocupem com a explicao de aspectos estruturais

    da histria de nossa sociedade, e as existentes so apresentadas numa linguagem de carter

    acadmico; isso prejudica sua divulgao entre pblico e alunos, habituados s facilidades dos

    meios de divulgao da cultura de massa.

    E como transmitida essa histria assim produzida? Ela acaba chegando s escolas e

    ao pblico leigo cheia de mitos que precisam ser desfeitos. O mito aqui deve ser entendido de

    forma diferente da mencionada no incio deste livro. Ele agora deve ser visto mais no sentido

    popular como representaes de fatos, personagens ou interpretaes exageradas ou

    errneas -, e no como aquela forma de as comunidades primitivas ou sociedades antigas

    explicarem sua realidade.

    A histria de nosso pas em geral uma histria conservadora, do branco vencedor

    em sua democracia racial. Sua evoluo mostrada sem contradies, incruenta, quase sem

    derramamento de sangue, seja na conquista do territrio nacional, seja na escravido, na

    conquista da independncia e posterior a organizao do pas durante o perodo da Regncia,

    etc. A sociedade brasileira aparece como um todo equilibrado, em que o povo surge de

    forma imprecisa e espordica.

    uma histria feita de viles e heris: a metrpole (Portugal) contra a colnia (Brasil),

    O imperialismo (primeiro ingls, depois americano) contra a nao brasileira, etc., numa

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  • diviso maniquesta, a qual explica a realidade pela oposio dos princpios absolutos, o Bem

    e o Mal. O processo de evoluo mostrado como tendendo a um progresso constante e

    crescente, no qual acabar vencendo o heri Brasil.

    No se v preocupao em descobrir as origens das contradies de nossa

    sociedade; muitos autores, quanto tentam achar essa explicao, atribuem os males ao Brasil

    ao carter nacional de nosso povo; com diferentes variantes, culpam esse povo pela situao

    brasileira, na linha do romantismo histrico do sculo XIX (por ns exposto no primeiro

    capitulo), explicando a realidade

    por fatores imutveis que se

    originam no passado.

    As verses mais recentes

    mostram a preponderncia do

    eixo sul do pas (sobretudo So

    Paulo e Rio de Janeiro), o qual

    impe seus valores s outras

    regies, sem se preocupar com

    os conflitos regionais.

    Exemplificando

    concretamente esse tipo de

    histria: Sob D. Pedro II, o

    imprio mostrado como uma

    fase calma, rsea, com um

    imperador sbio, culto,

    dedicado, com a presena de

    grandes nomes da vida parlamentar, com relaes paternais entre senhores e escravos; esto

    todos elaborando to intensamente para o futuro do pas que surpreendente que tenhamos

    conseguido evitar, posteriormente, qualquer forma de subdesenvolvimento!

    Outro exemplo: a instituio Pernambucana (expulso dos invasores holandeses do

    Nordeste, no sculo XVII) mostrada como incio do movimento nativista, de amor terra

    natal: sua vitria resultado da unio fraternal das trs raas: a branca (o portugus), a negra

    e a ndia.

    No se fala da destruio das tribos indgenas pelos portugueses e o fato de os

    bandeirantes sarem para aprision-las elogiado como um grande feito de conquista

    territorial. No se explicam os quilombos negros, onde se refugiam os negros escravos

    procura da liberdade.

    Os historiadores que, recentemente, tentam rever a nossa histria, procuram alterar

    esses mitos, construir com habilidade sutil, que revela um enfoque explicativo particular a uma

    s camada de nossa sociedade. Mas esse novo tipo de produo histrica encontra as mais

    diversas ordens de dificuldade e vrios empecilhos.

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  • A transmisso nas

    escolas, em geral, feita dentro

    de uma formula sobretudo de

    decorao, num ensino repetitivo

    e memorizador. Isso no

    desperta no aluno o amor pelo o

    estudo da histria, e s vezes

    gera em sua cabea um tipo de

    samba do crioulo doido (em

    que se embaralham

    desarticuladamente nomes, datas,

    fatos e personagens); disto h

    exemplos nos jornais, por

    ocasies dos vestibulares (muito

    engraados pela sua confuso, se

    no fossem tristes pela sua

    significao!).

    Outro aspecto desfavorvel para com a palavra escrita. Os documentos (no sentido

    amplo do termo) no so conservados ou valorizados. Os outros depoimentos do passado e

    seus depositrios (igrejas coloniais, museus, fortes, monumentos) sofrem do mesmo prestigio.

    Sob muitos aspectos, pode-se dizer que a histria do Brasil ainda est por ser escrita.

    O campo est sendo aberto nas mais diferentes: cuidados com o levantamento e organizao

    das fontes em arquivos e bibliotecas, recolhimento de material esparso, livros didticos

    adequados, divulgao para o pblico leigo, alm da j mencionada necessidade de reviso

    de uma histria que oficial e conservadora.

    No momento, a histria no Brasil pare-se defrontar-se com enorme desafio. preciso

    encontrar uma soluo para um problema complexo: a produo histrica deve aproveitar

    toda a experincia existente (do ponto de vista terico-metadolgico, do ponto de vista do

    trabalho crtico de fontes, etc.). Mas, a procurar atender a esses requisitos que garantem um

    bom nvel, uma histria apenas acadmica se fecha na torre de marfim que a universidade.

    Assim, ela no alcana um pblico mais amplo, no atinge a sociedade qual ela se destina.

    A histria no pode ficar to distanciada dos outros vrios saberes que so

    produzidos nas reas mais amplas da sociedade, com as quais a universidade no entra em

    contato. Ela no pode continuar a ser produzida assim to isolada, to de cima para baixo,

    porque os historiadores no so os nicos donos do saber histrico. Como diz o historiador

    francs Jean Chesneaux, a histria , com certeza, algo por demais importante para ficar

    somente por conta dos historiadores.

    preciso, pois, dentro do quadro de nossa realidade, repensar, no apenas na

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  • Universidade, a forma de conceber, escrever, transmitir e divulgar a histria no Brasil.

    UNIDADE II:

    Teoria da Histria

    Denominamos Teoria da Histria ao ramo do conhecimento que procura

    compreender as diversas formulaes do conhecimento histrico. Por no existir uma

    concepo nica e consensual para a anlise do passado, as diversas teorias da Histria

    alimentam debates constantes entre os defensores de diversas concepes.

    Por aproximar-se das Filosofias da Histria no raro encontrarmos conceitos que

    sero caros a cincia Histria. Observemos alguns desses conceitos.

    O Historicismo, de maneira geral, a prtica de uma Histria radical, enfatizando

    no somente sua importncia enquanto saber e reflexo, mas impondo tambm sua posio

    central para uma compreenso do ser humano e da prpria realidade. Pode-se dizer que tem

    suas razes em escritos de Hegel, um dos mais influentes filsofos europeus do sculo XIX. O

    posicionamento historicista proposto por Hegel sugere que no h um critrio objetivo para

    determinar a melhor teoria de anlise de um determinado objeto de estudo. De acordo com

    esse vis, a cincia, filosofia ou quaisquer outras disciplinas, esto fadadas sua historicidade.

    Desde a dcada de 1990, alguns pensadores ps-modernos tm utilizado o termo

    historicismo para descrever a viso de uma verdade absoluta, principalmente sobre questes

    filosficas que persistiram ao longo dos sculos. O termo "novo historicismo" tambm

    empregado para a vertente do pensamento literrio que interpreta os poemas, as peas de

    teatro como a expresso de superestruturas da sociedade. Stephen Greenblatt o nome mais

    proeminente desse pensamento.

    Filosofia da Histria o campo da filosofia e/ou da histria (dentro da 'teoria da

    histria') que observa sobre a dimenso temporal da existncia humana como existncia

    humana scio-poltica e cultural; teorias do progresso, da evoluo e teorias da

    descontinuidade histrica; significado das diferenas culturais e histricas, suas razes e

    conseqncias. No livro Filosofia da Histria , de Hegel,logo na introduo do livro se

    desenrola uma apreciao de uma teoria sobre a histria, dividida em cinco captulos. Para

    Hegel haveria trs formas de tratar da histria, que a encaram diferentemente: a histria

    original, a histria refletida e a filosfica. Na histria original ele cita como exemplos

    Herdoto e Tucdides, que descreviam principalmente os feitos, os acontecimentos e as

    situaes que tinham diante de si traduzindo-os em uma obra de imaginao. Os mitos e

    outras representaes populares, como canes, so excludos por serem principalmente

    imaginao, a histria original tratada por povos cientes de