teoria de sturm liouville

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Teoria de Sturm-LiouvilleLeonardo T. [email protected] http://www.mat.ufmg.br/leorollaDepartamento de Matemtica Universidade Federal de Minas GeraisAgosto de 2003ResumoNeste seminrio estudaremos algumas propriedades da equao de Sturm-Liouville regular. Um caso particular a equao de um oscilador harmnico, cuja soluo formada por senos e cossenos. Combinaes innitas de senos e cossenos so usadas para representar a solues gerais de equaes diferenciais parciais elementares, atravs da expanso em sries de Fourier. Vamos extender algumas das propriedades das funes seno e cosseno para solues de um problema mais geral. Em particular, podemos tomar uma representao de funes contnuas por uma srie anloga expanso em senos e cossenos, que encontra aplicao, por exemplo, em um modelo um pouco mais geral da corda vibrante.

Estas so as notas do seminrio nal da disciplina de Equaes Diferenciais Ordinrias, ofertada no 1o semestre letivo de 2003 pelo Programa de Ps-Graduao em Matemtica da Universidade Federal de Minas Gerais. O contedo deste seminrio baseia-se integralmente no captulo IV de [Sotomayor].

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1 IntroduoNo estudo das equaes diferenciais parciais mais elementares, uma tcnica bsica a se aplicar o mtodo da separao de variveis. Por exemplo, no sistema abaixo, 2 2 u= u t2 x2 u(0, t) = u(, t) = 0 u(x, 0) = f (x), u (x, 0) = 0, t supomos que u pode ser escrita como u(x, t) = X(x)T (t), e chegamos s equaes X + X = 0, T + T = 0 X(0) = X() = 0 T (0) = 0. As solues no triviais do sistema de de equaes ordinrias acima so compatveis com uma pequena classe de condies iniciais f . Temos, na verdade, para cada n N, um n = n2 e a soluo um mltiplo de un = sen(nx) cos(nt). O que a teoria de sries de Fourier nos garante que se f C 2 [0, ] satisfaz as condies de contorno (f (0) = f () = 0), ento o sistema tem soluo dada por

u(x, t) =n

N

an sen(nx) cos(nt),

2 onde an = 0 f (x) sen(nx)dx e a srie converge uniformemente. Em outras palavras, {sen(nx), n N} uma base ortogonal de um espao funcional conveniente e de forma que algumas equaes so facilmente resolvidas nesta base e as condies iniciais mais gerais so representadas de forma simples nesta mesma base. Uma boa referncia sobre sries de Fourier e equaes diferenciais parciais [Figueiredo].

O que faremos neste seminrio ser estender esta situao para uma equao mais geral do que X +X = 0 e mostrar que tambm possvel encontrar uma innidade de valores n para as quais a equao tem soluo no trivial un , de forma que {un } seja uma base ortonormal.

2

2 Um modelo mais geral para o problema da corda vibranteConsidere a corda vibrante descrita na Figura 1.

Figura 1: Esquema de um modelo simplicado da corda vibrante. Sabemos, pela segunda lei de Newton, que a resultante das foras ser dada por 2y F = (x)x 2 , t onde a densidade linear da corda. Supondo que a corda faz um pequeno movimento vertical, e como a tenso na corda tangente mesma, a resultante deve ser aproximadamente vertical e dada por

F = T sen 2 T sen 1 .Como o movimento para pequenas vibraes, temos que tg = y(x) . Assim temos x

1 e sen

y F =T x

x+x x

2y T x 2 , quando x 0. x

Portanto, neste modelo a equao satisfeita pela corda dada por

2y (x) 2 y = . x2 T t2Ao tentarmos aplicar o mtodo da separao de variveis na equao acima, obtemos um problema um pouco mais geral, dado por X +(x)X = 3

0. Com isso, as perguntas que queremos responder so se existe uma seqncia {n } e solues {un } para esta equao, quais as condies iniciais f da equao diferencial parcial podem ser representadas nesta base e se a base ortogonal. As Proposies 6, 7 e 14 respondem a estas perguntas.

3 Teoria de Sturm-LiouvilleNesta Seo vamos estudar a equao

(p(x)y ) + ((x) q(x))y = 0,onde R, p(x) > 0, (x) > 0. Vamos considerar neste seminrio a equao denida num intervalo limitado [a, b] e p, q e suaves. Os resultados aqui apresentados podem ser generalizados para o caso de termos singularidades em uma das extremidades do intervalo e para o caso em que o intervalo innito. O leitor interessado pode consultar [Sotomayor].

3.1 Os teoremas de SturmEstudamos aqui propriedades de algumas equaes de segunda ordem. Os resultados aqui apresentados sero fortemente usados na Seo 3.3. O primeiro teorema trata da localizao relativa entre zeros de duas solues de uma mesma equao de segunda ordem. O segundo compara equaes distintas. As proposies que seguem estabelecem cotas que relacionam o nmero de zeros de uma soluo em um intervalo com seu comprimento.

ais e linearmente independentes de

Teorema 1 (Teorema de separao de Sturm) Sejam u e v solues rey + a(x)y + b(x)y = 0,onde a(x) e b(x) so contnuas. Ento os zeros de u e v so alternados. Prova: Basta mostrar que, se x1 < x2 so zeros de u, existe x (x1 , x2 ) zero de v , pois aplicando o mesmo raciocnio para u temos que os zeros de u e v so alternados. Sejam ento tais x1 e x2 e considere

W (x) = det4

v u v u

.

Como u e v so solues linearmente independentes, temos que W (x) = 0 x [x1 , x2 ]. Isso signica que W no muda de sinal em [x1 , x2 ], portanto W (x1 )W (x2 ) > 0. Podemos tambm supor, sem perda de generalidade, que x1 e x2 so zeros consecutivos de u, portanto u no muda de sinal em (x1 , x2 ) e sua derivada tem que ter sinais opostos nesses pontos, ou seja, u (x1 )u (x2 ) < 0. Mas W (x1 )W (x2 ) = v(x1 )v(x2 )u (x1 )u (x2 ), uma vez que x1 e x2 so zeros de u, portanto v(x1 )v(x2 ) < 0. Para que v mude de sinal entre x1 e x2 , v tem que se anular em algum ponto dentro desse intervalo.

Teorema 2 (Teorema de comparao de Sturm) Sejam u e v soluesreais e no triviais de

(p(x)u ) + q1 (x)u = 0, (p(x)v ) + q2 (x)v = 0,onde p, p , q1 e q2 so contnuas, p(x) > 0 e q1 (x) q2 (x) para todo x. Se x1 < x2 e u(x1 ) = u(x2 ) = 0, ento v se anula pelo menos uma vez em (x1 , x2 ), a menos que nesse intervalo tenhamos q1 q2 e v ku, k R. Prova: Multiplicando as equaes satisfeitas por u e v por v e u e subtraindo a segunda da primeira, temos:

(p(x)u ) v (p(x)v ) u (q2 q1 )uv = 0,mas (pu ) v (pv ) u = [pu v pv u] e, integrando de x1 a x2 , temosx2 x1

(q2 q1 )uv dx = [pu v pv u]x2 = [pu v]x2 . x1 x1

Vamos supor que v no se anule em (x1 , x2 ). Sem perda de generalidade, podemos assumir que x1 e x2 so zeros consecutivos de u e que, multiplicando por 1 se necessrio, u(x) > 0 e v(x) > 0 em (x1 , x2 ). Neste caso teremos u (x2 ) < 0 < u (x1 ). Como q2 q1 , e p 0, temosx2

0x1

(q2 q1 )uv dx = [pu v]x2 0. x1

Portanto, q1 q2 e com isso u e v satisfazem mesma equao de segunda ordem. Pelo teorema de separao de Sturm, u e v so linearmente dependentes.

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Proposio 3 Considere a equao(p(x)u ) + q(x)u = 0(1)

denida em [a, b] com p, p e q contnuas e p > 0. Se q(x) 0 em [a, b] ento as solues da equao tm no mximo um zero nesse intervalo.1 Prova: Tome v(x) = a p(t) dt, soluo de (p(x)v ) = 0. Como v se anula apenas em x = a, pelo teorema de comparao de Sturm, u no pode ter dois zeros em [a, b]. x

Proposio 4 (Cotas para intervalos entre zeros) Sejam c, K > 0 taisque c2 q(x) K 2 e seja u : [a, b] R uma soluo no trivial de

u + q(x)u = 0. Se x1 [a, b] raiz de u e A = x1 + K , x1 + est contido em [a, b], ento c u tem razes maiores que x1 . Alm disso, se x1 < x2 so razes consecutivas de u, ento x2 A.

Prova: Considere z(x) = sen(c(x x1 )) soluo de z + c2 z = 0. Temos que x1 e x1 + so zeros consecutivos de z . Pelo teorema de comparao de c Sturm, Existe x2 (x1 , x1 + ] raiz de u. Tomando x2 como a menor raiz de c u maior que x1 , obtemos x2 K se considerarmos v(x) = sen(K(x x1 )) e aplicarmos o mesmo teorema.

Corolrio 5 (Cotas para zeros em intervalos) Nas condies acima, seu(a) = 0 e u tem n razes em (a, b], ento c(b a) K(b a) n . Prova: Sejam a = x0 < x1 < < xn b, onde x1 , . . . , xn so as n razes de u em (a, b]. Temos que b < xn + , pois caso contrrio, pela c Proposio 4, u teria outra raiz xn+1 (xn , b]. Tambm pela Proposio 4, temos K xi xi1 para i = 1, . . . , n. Somando em i, n xn a n . c K c K(ba) c(ba) c(ba) Como b c < xn b, temos que n e n + 1 > , logo n , concluindo a prova.

6

3.2 Problemas de Sturm-LiouvilleChamamos de equao de Sturm-Liouville uma equao da forma

(p(x)u ) + ((x) q(x))u = 0,

(2)

onde um parmetro real e as funes p e so positivas. No caso da equao estar denida em um intervalo nito [a, b] e p, , e q serem suaves, dizemos que esta uma equao de Sturm-Liouville regular em [a, b]. Um problema de Sturm-Liouville regular em [a, b] consiste de uma equao de Sturm-Liouville regular em [a, b] com condies de contorno convenientes que deniremos em breve, chamadas auto-adjuntas. Os valores de para os quais o problema admite soluo no trivial so ditos autovalores do problema. As solues no triviais correspondentes a um autovalor so ditas autofunes do problema associadas a . Denimos o produto interno , dado por f, g = a f (x)g(x)(x)dx e a norma f = f, f . Diremos que duas funes f e g so -ortogonais se f, g = 0. A denio de condies de contorno auto-adjuntas ser motivada pela proposio que segue:b

Liouville regular em [a, b] e u1 e u2 so autofunes a eles associadas, ento u1 e u2 so -ortogonais.No faria sentido tentarmos demonstrar a proposio, uma vez que que deixamos denies pendentes. Neste caso o que vamos fazer ser procurar condies de contorno para as quais a proposio seja vlida.

Proposio 6 Se 1 e 2 so autovalores distintos de um problema de Sturm-

Sejam u1 , u2 : [a, b] R solues de (2) para = 1 e = 2 , respectivamente. Ento, multiplicando por u2 a equao satisfeita por u1 e vice-versa, depois subtraindo a segunda da primeira, obtemos

p(x)[u2 u1 u1 u2 ] + p (x)[u2 u1 u1 u2 ] = (2 1 )(x)u1 u2e o lado esquerdo da igualdade igual a

d [p(x)(u2 u1 u1 u2 )]. dx7

Integrando de a at b, temos:

(2 1 ) u1 , u2

= [p(x)(u2 u1 u1 u2 )]a .

b

Chamaremos ento de condies de contorno auto-adjuntas s condies de contorno que sejam lineares em u e que anulem o termo

[p(x)(u2 (x)u1 (x) u1 (x)u2 (x))]b apara quaisquer u1 , u2 C 1 [a, b]. Exemplos de condies de contorno auto-adjuntas so: 1. u(a) = u(b) = 0, 2. u (a) = u (b) = 0, ou, caso tenhamos p(a) = p(b), 3. u(a) = u(b), u (a) = u (b).

3.3 Existncia de autovaloresConsideremos o problema de Sturm-Liouville regular em [a, b] dado por (3) (4)

u + ((x) q(x))u = 0 u(a) = u(b) = 0.

Usando os resultados da Seo 3.1 vamos exibir uma prova construtiva da seguinte proposio:

Proposio 7 Os autovalores do problema de Sturm-Liouville regular em

[a, b] dado por (3)-(4) formam uma seqncia 0 < 1 < < n < tal que n . A cada n est associada apenas uma autofuno un (a menos de constante) e un tem exatamente n zeros em (a, b).

Observao 8 A equao regular(p(x)u ) + ((x) q(x))u = 0se transforma em uma equao regular do tipo (3) atravs de uma mudana suave na varivel independente para mais detalhes, vide [Sotomayor].8

Observao 9 A proposio tambm vale para condies de contorno autoadjuntas mais gerais do que (4), embora no seja demonstrado neste seminrio.

Para cada R, seja u a soluo da equao (3) com u (a) = 0 e u (a) = 1 (esta soluo existe e nica pelo teorema de Picard). Vamos denir N : R Z que a cada associa o nmero de zeros de u em (a, b].

Lema 10 Com a denio acima, N no-decrescente. Alm disso, se u (b) = 0 ento N descontnua no ponto .Prova: Sejam > arbitrrios. Temos q > q e o teorema de comparao de Sturm diz que u se anula pelo menos uma vez entre dois zeros consecutivos de u , da N () N (). Caso u (b) = 0, temos que b um zero de u que no foi contado pela construo feita na frase anterior, logo N () N () + 1. Como pode estar arbitrariamente prximo de , N descontnua em .

Lema 11 Existe R tal que N () = 0.q(x) Prova: Tome = min[a,b] (x) . Assim temos (x) q(x) 0. Pela Proposio 3, u no se anula em (a, b], logo N () = 0.

Lema 12 N ilimitada.Prova: Seja n N arbitrrio. Tome = max[a,b]1 (x) n2 2 (ba)2

+ q(x) . Temos

(x) q(x) logo N () n.

n2 2 . (ba)2

Pelo Corolrio 5, u tem pelo menos n zeros em (a, b],

Lema 13 N contnua direita e suas nicas descontinuidades so aquelas

mencionadas no Lema 10. Essas descontinuidades so um salto de 1 unidade. Prova: Sejam a = x0 < x1 < < xn b os zeros de u em [a, b]. Como u (xi ) = 0 para i = 0, . . . , n, existem 1 > 0 e > 0 tais que se Mi = {x [a, b] : |x xi | < } e M = n Mi ento x M |u (x)| > 1 . Alm i=09

disso, se u (b) = 0 podemos supor < b xn . Se 2 = inf [a,b]\M |u (x)|, pela continuidade e diferenciabilidade das solues em relao ao parmetro resulta que exite r > 0 tal que |u (x) u(x)| < 2 e |u (x) u (x)| < 1 para todo x [a, b], desde que | | < r. Para tal claro que u (x) no nulo e tem o mesmo sinal e u (x) em [a, b]\M . Alm disso, u tem no mximo um zero em cada Mi , pois u no se anula em M . Segue que u se anula exatamente uma vez em cada Mi para i = i, . . . , n 1. Segue que n 1 N ()n. Como N no-decrescente temos que N contnua direita e que se descontinuidade de N ento um salto de uma unidade. Por m, se u (b) = 0, temos que existe tambm exatamente um zero de u em Mn , logo N () = n e N contnua em . Com os lemas acima temos que N (R) = Z+ e as descontinuidades de N formam uma seqncia innita 0 < 1 < < n < com as seguintes propriedades: 1. Se < 0 ento u no se anula em (a, b]. 2. Para n 1, se (n1 , n ) ento u tem exatamente n zeros em (a, b) e u (b) = 0. 3. Para n 0, un tem exatamente n zeros em (a, b) e un (b) = 0. 4. limn n = . Com isso ca provada a Proposio 7.

3.4 Expanso em sries de autofunesA demonstrao da seguinte proposio obtida por uma construo delicada que usa alguns resultados de anlise funcional. Por fugir aos objetivos deste seminrio a demonstrao ser omitida. Observamos apenas que a demonstrao usa fortemente a construo dos autovalores e das autofunes do problema, o que foi feito nas Proposies 6 e 7.

Proposio 14 Considere um problema de Sturm-Liouville regular em [a, b]com uma das seguintes condies de contorno: (a) u(a) = u(b) = 0,10

(b) u (a) = u (b) = 0, ou, caso tenhamos p(a) = p(b), (c) u(a) = u(b), u (a) = u (b). Ento: (i) Os autovalores do problema formam uma seqncia que tende para +. (ii) Existe uma base -ortonormal de C 0 [a, b] formada por autofunes. (iii) Se f C 2 [a, b] satisfaz uma das condies de contorno acima, ento a expanso de f na base correspondente dada acima por

f=n

f, fn fn

converge uniformemente em [a, b].

Referncias[Figueiredo] D. G. Figueiredo. Anlise de Fourier e Equaes Diferenciais Ordinrias. Ed. IMPA, 1977. [Sotomayor] J. Sotomayor. Lies de Equaes Diferenciais Ordinrias. Ed. IMPA, 1979.

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