treinamento de forÇa no judÔ

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TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ Sérgio Ricardo de Souza Oliveira, Guilherme Artioli, Hélio Serassuelo Júnior, Antonio Carlos Simões Nas competições atuais, o alto nível do judô é resultado do desenvolvimento das habilidades técnicas, táticas e psicológicas apoiadas pelas capacidades motoras condicionadas – resistência cardiovascular-respiratória, força muscular e flexibilidade, principalmente. 1 O rendimento inadequado dessas capacidades pode interferir na organização dos movimentos que dependem de habilidade e capacidade de coordenação. Respeitando o que é determinado pela maioria das atividades atléticas, para executar um movimento esportivo efetivo deve haver precisão e velocidade, sugerindo uma ação dependente da intensidade, do tempo e duração de aplicação da força muscular, a ponto de ser considerada uma capacidade motora determinante para a excelência do desempenho esportivo. 2 Pulkinen, 3 considera a força como o principal componente do sucesso na execução técnica de um dado movimento, entre as demandas físicas requeridas durante o combate do judô. A força demonstra a sua importância, durante o combate, nos momentos iniciais de desequilíbrio que antecedem a execução da técnica (kuzushi), onde a passagem da contração estática para a dinâmica, em máxima velocidade, é fator tático contra o adversário; ou ainda quando, previamente ao kusushi, é realizado um deslocamento (shintai). O aproveitamento do momento de menor resistência do corpo para executar uma puxada com a máxima força e velocidade, 4 caracteriza o princípio da máxima eficiência na utilização energética, prerrogativa conceitual dos princípios do Judô defendido por Jigoro Kano. 5,6 O aumento singular da força concêntrica ou excêntrica, sugerido por Cronin et al., 7 pode ter uma correlação com o desempenho sob determinadas circunstâncias, levando-nos a supor que um treinamento de força compatível com as necessidades competitivas dos judocas resultaria em um melhor rendimento.

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Page 1: TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

Sérgio Ricardo de Souza Oliveira, Guilherme Artioli, Hélio Serassuelo Júnior, Antonio Carlos Simões

Nas competições atuais, o alto nível do judô é resultado do

desenvolvimento das habilidades técnicas, táticas e psicológicas apoiadas pelas

capacidades motoras condicionadas – resistência cardiovascular-respiratória,

força muscular e flexibilidade, principalmente.1 O rendimento inadequado dessas

capacidades pode interferir na organização dos movimentos que dependem de

habilidade e capacidade de coordenação.

Respeitando o que é determinado pela maioria das atividades atléticas,

para executar um movimento esportivo efetivo deve haver precisão e velocidade,

sugerindo uma ação dependente da intensidade, do tempo e duração de aplicação

da força muscular, a ponto de ser considerada uma capacidade motora

determinante para a excelência do desempenho esportivo.2

Pulkinen, 3 considera a força como o principal componente do sucesso na

execução técnica de um dado movimento, entre as demandas físicas requeridas

durante o combate do judô.

A força demonstra a sua importância, durante o combate, nos momentos

iniciais de desequilíbrio que antecedem a execução da técnica (kuzushi), onde a

passagem da contração estática para a dinâmica, em máxima velocidade, é fator

tático contra o adversário; ou ainda quando, previamente ao kusushi, é realizado

um deslocamento (shintai). O aproveitamento do momento de menor resistência

do corpo para executar uma puxada com a máxima força e velocidade,4

caracteriza o princípio da máxima eficiência na utilização energética, prerrogativa

conceitual dos princípios do Judô defendido por Jigoro Kano. 5,6

O aumento singular da força concêntrica ou excêntrica, sugerido por Cronin

et al., 7 pode ter uma correlação com o desempenho sob determinadas

circunstâncias, levando-nos a supor que um treinamento de força compatível com

as necessidades competitivas dos judocas resultaria em um melhor rendimento.

Page 2: TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

Entretanto, quais programas de treinamento de força contra-resistência

potencializariam ações técnicas no judô?

O conhecimento científico existente sobre meios e métodos de

treinamentos contra-resistência são muito abrangentes e generalistas, o que torna

difícil verificar quais influenciariam de forma positiva as execuções técnicas dos

judocas de maneira potencial. Dessa forma, esse manuscrito tem como objetivo

fornecer informações sobre as questões que abrangem essa temática.

Tomando como ponto de partida os tipos de ações que o músculo realiza,

os modelos de treinamento existentes apresentam propostas de ganhos de força

através de exercícios contra-resistência de características isométricas, isotônicas

e isocinéticas (concêntrico-concêntrico ou concêntrico excêntrico).

A isométrica, ou estática, é considerada como aquela em que nem o

comprimento muscular, nem o ângulo articular, sobre o qual o músculo está

agindo, sofre alteração, não aumentando ou diminuindo. 8 A isotônica, ou

dinâmica, é toda ação muscular que envolve movimento e consiste da mudança

do comprimento da fibra muscular. Esta se divide em concêntrica e excêntrica. Na

primeira, o músculo encurta-se, e a força produzida por ele tem a mesma direção

que o deslocamento do segmento.8

Distintamente dos objetivos proporcionados pelos exercícios isométricos e

isotônicos, os isocinéticos baseiam-se na manutenção das contrações

musculares, que ocasionam a movimentação dos membros independente da força

aplicada, a um padrão constante de velocidade angular e encurtamento de fibras

musculares. Porém para que isso ocorra de forma coerente são necessários

aparelhos especiais. 9 O tipo de resistência encontrada para a conseqüente ação

de contração muscular é a maior diferença entre eles. 10

A perspectiva relacional entre a volutividade em agir, produzir movimento, e

a permissividade orgânica para ação, em nível de musculatura esquelética,

desencadeia uma série de processos que provocam a mudança da conformação

das fibras musculares e conseqüentemente da musculatura. A isso chamamos de

força.

Page 3: TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

A força é uma qualidade muscular que se manifesta de maneiras distintas

em função das necessidades da ação. A manifestação ativa da força é composta

pelas forças: máximas, rápida e resistente.11

A força resistente envolve complexos mecanismos que agem sob a

influência de processos energéticos – de controle, regulação e manutenção –

relacionados com o volume e intensidade da atividade desenvolvida ao longo do

tempo. Ações musculares instantâneas, executadas no menor intervalo de tempo

possível, caracterizam a força rápida. A força máxima, por sua vez, caracteriza-se

por uma ação motora complexa, uma contração máxima única e voluntária contra

uma dada resistência ou força, interna e/ou externa, envolvendo a participação

efetiva do sistema nervoso e muscular.8

Em dois grupos de indivíduos que não praticavam regularmente exercícios

musculares foram aplicados treinamentos de musculação durante um período de

10 semanas, por três vezes a cada semana. As séries tinham como referência a

carga máxima e eram compostas por exercícios isotônicos executados em quatro

repetições, em um grupo, e 10 repetições no outro. Verificou-se, após esse

período, que ambos produziram aumento da força apesar do nível de hipertrofia

ter sido reduzido.12

Da mesma forma, estudantes praticantes de musculação há, pelo menos,

um ano, quando submetidos a um treinamento regular e orientados por 8

semanas, apresentaram aumento em média de 21% para 1 RM no agachamento,

21% no salto vertical com contra movimento (CMJ) e 6% no teste de salto

concêntrico isoinercial. Para membros superiores também houve significantes

aumentos para 1 RM de supino (12%), pico de força (8%) e desenvolvimento

proporcional da força (16%) em arremesso isoinercial de supino.13

Jogadores de beisebol colegiais apresentaram melhora significativa na

média da velocidade de arremesso da bola após realizarem oito semanas de

treinamentos variados de musculação para membros superiores devidamente

controlados quanto à metodologia utilizada. 14

Os exercícios de musculação com pesos livres, quando aplicados à

jogadoras norueguesas de handebol, promoveram uma melhora significativa no

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arremesso da bola, 15 demonstrando que estes podem melhorar a potência e,

conseqüentemente, o desempenho na modalidade.

McBride et al., 16 realizaram um estudo em que os atletas foram divididos

em três grupos, nos quais cada um tinha uma participação distinta quanto aos

métodos utilizados. Os treinos foram desenvolvidos em equipamento adequado

para realizar salto vertical de ação excêntrica com a sobrecarga adequada. O

primeiro treinou com 30% (G30) de 1RM, o segundo 80% (G80) de 1 RM e o

terceiro foi o controle. Observou-se o desempenho do salto vertical com contra-

movimento e verificaram após o treinamento que G30 quando testado com outras

cargas apresentou aumento de no pico da velocidade, o mesmo não ocorrendo

com G80. Em contrapartida G80 obteve aumentos no pico de força mais

significantes que G30.

Como pôde ser observado, a musculação tradicional passa a servir de

referência para a maioria das pesquisas sobre força contra-resistência. Da mesma

forma ela tem sido utilizada como meio de treinamento para obtenção da força

requerida pelos judocas.

Lembrando que no judô as manifestações e ações musculares agem em

uma constante sobreposição e que procedimentos diferentes de treinamento de

força – isométrica e isocinética, por exemplo – são caracterizados pela alta

especificidade dos efeitos – onde o treinamento isométrico aumenta a força

estática enquanto o isocinético aumenta a força dinâmica (17) – poderíamos supor

que outros meios poderiam ser empregados no treinamento promovendo,

conseqüentemente, melhoras substanciais da força em judocas.

No trabalho apresentado por Baker, 18 com Levantamento de Peso

Olímpico, foi avaliado que os movimentos pertinentes à modalidade incrementam

mais a altura do salto vertical do que os outros meios de treinamentos de força.

Tendo em vista as características multiarticulares, intra e inter-musculares e

de alta velocidade encontradas nos movimentos de arranco e arremesso,

poderíamos supor que tal meio pode vir a influenciar na eficácia das técnicas

individuais de judocas pelo aumento da ação muscular requerida.

Page 5: TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

Todas as representações que a força muscular assume podem ser

exploradas pelo treinamento, entretanto nem todas ao mesmo tempo. Elas variam

em magnitude, velocidade e precisão, e dependem tanto de fatores periféricos –

anatômicos e de composição das fibras musculares – quanto de centrais –

comando motor. 19 Cada exercício determina o grau de atividade de vários órgãos,

diferente tipos de músculos e unidades motoras. A dependência da natureza do

treinamento é relacionada diretamente a cada atividade que a célula, ou que

qualquer sistema de controle metabólico de regulação corporal, desenvolva. 20

Portanto, precisar a carga, volume e intensidade que promova as alterações

necessárias para o desempenho esportivo é um fator extremamente complexo.

Em princípio, o treino depende da natureza do trabalho de força. Um alto volume

de força de trabalho aumenta o potencial motor. Por outro lado, reduzindo-o para

níveis moderados, determina-se um meio propício para o desenvolvimento

técnico. Exercícios físicos diferentes alcançam diferentes resultados. Alguns

estimulam as capacidades motoras, outros melhoram coordenação, e um terceiro

grupo pode vir a influenciar nos desempenhos técnicos e físicos ao mesmo

tempo.21

Toda adequação do treinamento físico deve ser realizada em função dos

objetivos da modalidade que é praticada e com a fase de treinamento . A maioria

dos meios e métodos propostos para judô não respeita as formas específicas de

manifestação da força durante um combate e, menos ainda, as fases em que cada

uma poderia ser explorada, de tal forma que devemos considerar que, em atletas

com nível avançado, o correto emprego metodológico de treinamento contra-

resistência poderia resultar na potencialização das técnicas de projeção.

Com isso podemos ressaltar que a co-participação da força durante o

processo de treinamento geral deve ter como meta, em um primeiro momento, que

toda e qualquer ação técnica no judô é extremamente rápida e instantânea,

milésimos de segundos a mais no momento da aplicação podem tornar a técnica

ineficaz. Em seguida, devemos pensar que deve existir o rompimento de uma

posição estática contra a força de um adversário a partir de um estímulo inicial

que, por sua vez, é obrigatoriamente muito elevado em função de alcançar o

Page 6: TREINAMENTO DE FORÇA NO JUDÔ

primeiro objetivo. Simultaneamente temos que estar atentos em um terceiro ponto,

a complexidade de relações e inter-relações sincrônicas que devem existir entre

os segmentos corporais em função, novamente, da eficácia da técnica e

manutenção do equilíbrio.

Estes três pontos nos têm levado a acreditar que definir um meio de

treinamento que respeite essas limitações impostas pelo contexto competitivo é

primordial para o sucesso do treinamento. Apesar dos poucos estudos envolvendo

Judô e Levantamento Olímpico, esse passa a ter características de ações

musculares que se aproximam com quase todos os tipos de manifestações que

tem a força durante um confronto no judô.

Ao mesmo tempo, não descartamos outros tipos de treinamento de força,

visto que qualquer atividade tem suas limitações, e que pode passar a

desequilibrar a estrutura orgânica. Outrossim, tais trabalhos devem visar minimizar

pontos indesejáveis dentro de um processo de treinamento global.

Além disso, devemos estar atentos para a metodologia empregada no

processo de treino que, por sua vez, deve estar relacionada intrinsecamente com

a periodização geral e específica para a modalidade.

O Judô, enquanto atividade humana de representatividade mundial, ainda

apresenta muitas lacunas que, por muitas vezes, só servem pra aguçar nosso

desejo em buscar mais conhecimento. As comunidades científicas e práticas têm

um vasto campo a ser explorado e, para isso, devem unir-se na criação de

mecanismos interativos e, assim, contribuir efetivamente para o desenvolvimento

desse esporte.

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