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Seminário Teológico S. Pio X CURSO DE CRISTOLOGIA Resumo de alguns capítulos da obra: UM JUDEU MARGINAL (Repensando Jesus Histórico) John Meier Docente: Pe. Meloni Discente: Bonifácio Conde 1

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O primeiro volume de Jhon Mayer: Um judeo marginal em sintese de partes essenciais

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Seminário Teológico S. Pio X

CURSO DE CRISTOLOGIA

Resumo de alguns capítulos da obra:

UM JUDEU MARGINAL

(Repensando Jesus Histórico)

John Meier

Docente: Pe. Meloni

Discente: Bonifácio Conde

Maputo, 2012

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Capítulo II

AS FONTES

OS LIVROS CANÔNICOS

A principal fonte do nosso conhecimento de Jesus de Nazaré são os 4 Evangelhos canónicos,

que não são essencialmente obras de história, mas têm por objectivo proclamar e reforçar a fé em

Jesus, morto e ressuscitado. Não são narrativas completas nem sumários da vida de Jesus.

a) Quanto a sequência histórica:

Os autores sinópticos recombinaram os relatos de modo que reflectissem sua própria visão

teológica. Não há como determinar qual seria a ordem histórica dos eventos, se é que existem; sem

um sentido de “antes e depois”, nenhuma biografia de Jesus é possível. Razoavelmente pode admitir-

se que o sacerdócio de Jesus começou depois de ele ser baptizado e terminou em Jerusalém, na

Páscoa.

João se afasta dos sinópticos: coloca o ministério de Jesus na Judeia e Jerusalém, enquanto

que os sinópticos colocam na Galileia. Cada Evangelho não produz ordem cronológica histórica,

mas esquema teológico artificial.

b) Quanto as exactas palavras de Jesus (ou a substância do que Ele disse)

Supõe-se que Jesus, como mestre itinerante, repetia seus temas de formas variadas, dai que

nenhuma das formas de uma fala pode ser apontada como a forma original.

Se é que repetiu, como se explica os 4 relatos diferentes sobre o que Jesus disse na última ceia

(Mc 14,22-25, Mt 26,26-29, Lc 22,19-20, 1 Cor 11,23-26)? Obviamente ele só teve uma

oportunidade de dizer essas palavras uma única vez, e portanto, não podemos invocar supostas

repetições em várias formas.

Para a Igreja primitiva o importante era garantir o acordo em substância, não na exactidão das

palavras. Devemos nos satisfazer com o conteúdo básico e reconstruções hipotéticas da

“forma mais original disponível”.

c) Quanto a fonte

Mc foi escrito por volta de 70 d.C, Mt e Lc 80-90 d.C.

Teoria das duas fontes: a hipótese mais usada hoje é das combinações e modificações em Mc

e a fonte Q (quelle): - uns dizem que Mt foi o primeiro, depois Lc baseado em Mt e finalmente Mc

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compôs uma síntese de Mt e Lc; - outros defendem a primazia de Mc e duvidam da existência de Q.

Contudo, Mc e Q proporcionam duas fontes diferentes para a comparação e verificação.

Para uns, Jo representa uma tradição independente; para outros Jo se baseou em Mc, Mt e Lc.

Contudo, Jo tem grandes diferenças para ser derivado dos sinópticos; é independente destes.

Os 4 Evangelhos nos levam a 3 principais fontes distintas: Mc, Q e Jo.

d) fora dos 4 evangelhos

O N.T. fornece muito pouco sobre Jesus. A mas provável fonte é S. Paulo. Paulo somente em

poucos casos que recorreu às palavras de Jesus e aos acontecimentos de sua vida, na maioria dos

casos, Paulo não “citou” as palavras de Jesus, mas fez alusões, excepto nas palavras eucarísticas de

Jesus, onde Paulo transmite apenas a substância das palavras de Jesus. Paulo faz cuidado em

distinguir o que Jesus dizia sobre o divórcio, e sua própria aplicação dessas palavras a uma situação

(casamento entre cristãos e pagãos) – 1 Cor 7,10-13. Paulo não cria ensinamentos para colocar na

boca de Jesus. Pode-se encontrar nas suas epístolas uns poucos dados adicionais que só

confirmam o que os Evangelhos já dizem (exortações morais de Paulo baseadas em Cristo) e

não servem como fonte de informações novas.

Informações de outros livros não acrescentam nada de substancial aos dados disponíveis nos

Evangelhos.

Capítulo III

AS FONTES

FLÁVIO JOSEFO

A primeira e mais importante “testemunha” da vida e actuação de Jesus é o historiador judeu

Flávio Josefo (José Ben Matthias). Escreveu duas grandes obras: A guerra dos Judeus e Antiguidades

Judaicas. Ambos livros, pelo menos em algumas versões, contêm passagens que mencionam Jesus. O

problema é que no mínimo um desses trechos é com certeza uma produção cristã posterior.

A versão em russo de A guerra dos Judeus é tida como texto falso. Mais difíceis de julgar são

duas referências a Jesus em Antiguidades Judaicas. A primeira fala da condenação de Tiago: “irmão

de Jesus que é cognominado Messias”. Josefo ao designar Tiago como o “irmão de Jesus” não tem

conhecimento da linhagem que poderia usar para identificar esse Tiago, por isso é obrigado a ligá-lo

ao seu irmão mais conhecido, Jesus. A probabilidade de o texto vir de Josefo e não de um cristão

primitivo aumenta pelo facto de sua narração do martírio de Tiago diferir em tempo e em forma de

Hegesipo (Josefo fala de apedrejamento até a morte por ordem de Hananias e Hegesipo fala de um

lavandeiro que o matou a pauladas), usado pelos padres da Igreja – Clemente de Alexandria. A de

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Hegesipo é repleto de lenda e edificante para os cristãos e de Josefo estava interessado na má conduta

de Hananias e não na virtude de Tiago. Poucos estudiosos duvidaram da autenticidade desta

passagem de Josefo. A segunda, é o Testemonium (testemunho de Flávio Josefo). Das várias posições

em relação a sua autenticidade, teremos em consideração duas: a) embora haja sinais de substancial

redacção cristã, alguma menção a Jesus neste ponto de “Antiguidades” fez com que um escriba

cristão o substituísse por sua própria opinião positiva. A redacção original em seu todo se perdeu; b)

o texto é basicamente escrito por Josefo, as duas ou três inserções de algum escriba cristão é fácil

destacar; os pesquisadores fazem modificações no texto após retiradas inserções.

“Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, se na verdade se pode chamá-lo de

homem. Pois ele foi autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a verdade com

prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos judeus como entre muitos de origem grega. Ele

era o Messias. E quando Pilatos, por causa de uma acusação feita por nossos homens mais

proeminentes, condenou-o à cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de amá-lo. Pois

ele lhes apareceu no terceiro dia, novamente vivo, exactamente como os profetas divinos haviam

falado deste e de incontáveis outros factos assombrosos sobre ele. E até hoje a tribo dos cristãos, que

deve este nome a ele, não desapareceu”.

A primeira impressão do que seja interpolação cristã pode ser a impressão correcta. Um

segundo exame confirma essa primeira impressão. Estas 3 passagens cristãs são exactamente orações

que interrompem o fluxo de um texto que, sem elas, é conciso e cuidadosamente escrito num tom

razoavelmente neutro, ou mesmo propositadamente ambíguo.

Contrariamente a passagem de Jesus na versão eslovônica (russa) de A Guerra dos Judeus, o

Testemonium está presente em todos os numerosos manuscritos da tradução latina, feita pela escola

de Cassiodoro no sec. VI. Ora é preciso chegar ao consenso quanto ao estranho silêncio dos padres da

Igreja, anteriores a Eusébio, sobre o Testemonium.

Para explicitar quem é Tiago, Josefo recorre a Jesus, nada disso faria sentido para os leitores

de Josefo, gentios em sua maioria, a menos que ele já tivesse introduzido Jesus anteriormente e dado

alguma explicação sobre ele.

Muitas palavras e frases chaves do Testemonium ou não aparecem no N.T. ou são empregues

com sentido diferente, em contraposição, quase todas as palavras do núcleo do Testemonium são

encontradas em outros textos da obra de Josefo. E as 3 inserções cristãs têm aproximação ao N.T.

Sem estas 3 passagens cristãs, esta descrição resumida de Jesus é concebível na boca de um judeu

que não lhe fosse hostil.

A afirmação de que Jesus conquistou seguidores entre judeus e gentios contradiz as

afirmações dos Evangelhos. Para Jo nenhum gentio aparece interagindo com Jesus. para Mc, Lc e Mt, 4

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Jesus não empreendeu nenhuma missão formal com os gentios. Josefo apenas retrocedeu a situação

do seu tempo quando judeus por Jesus conseguiram muitas conversões entre os gentios, ao tempo de

Jesus.

Quanto a descrição da condenação de Jesus: os Evangelhos demonstram uma tendência em

culpar os judeus e isentar romanos; o Testemonium não reflecte a maneira cristã de encarar os

motivos que levaram Jesus a condenação, não fala da denúncia feita pelos líderes judeus, mas cita

Pilatos como o que condenou Jesus à cruz.

Para Josefo, separados pelo tempo, espaço e localização, Jesus e João Baptista não têm

absolutamente nada a ver um com o outro, já o N.T. faz de Baptista, sempre tratado rapidamente,

como o precursor do personagem principal, Jesus.

O Testemonium podado das 3 cláusulas obviamente cristãs, é o que Josefo escreveu.

Donde Josefo tirou as informações? (fonte)

a) A linguagem não é do N.T, não é provável que serviu-se dele. Thackeray admite que

Josefo teve contacto com Lucas em Roma ou leu a sua obra. Josefo talvez soubesse mais

sobre de Jesus do que sobre os cristãos.

b) Josefo poderia ter acesso aos arquivos dos administradores provinciais guardados na corte

imperial de Roma;

c) Josefo reproduz a opinião geral colhida entre os judeus cultos e esclarecidos do mundo

parcialmente romanizado onde vivia;

d) Não se pode rejeitar o contacto directo com judeus cristãos na Palestina antes de eclodir a

guerra judaica.

Pode se provar que Jesus existiu por meio de fontes extrabíblicas – Josefo. A simples

existência já está demonstrada na breve e neutra referência no relato da morte de Tiago no Livro 20.

O mais extenso Testemonium, no Livro 18, nos mostra que Josefo no mínimo tinha conhecimento de

alguns factos notáveis da vida de Jesus, nos conta que sob o governo de Pôncio Pilatos (26 e 36 a.D)

surgiu na Palestina um homem chamado Jesus, num tom neutro, o que explica o silêncio dos

primeiros escritores cristãos em relação ao Testemonium. Josefo tinha interesse por judeus marginais.

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Capítulo IV

AS FONTES

OUTROS ESCRITOS PAGÃOS E JUDEUS

3.1. Tácito e outros autores pagãos do séc. II a.D

3.1.1. Tácito (56/57-118 a.D), historiador romano, escreveu a história de Roma que abrange o

período de 14-68 a.D, na obra intitulada Anais. Alguns dos livros dos Anais estão perdidos. Existe

uma curta referência retrospectiva a Jesus quando Tácito fala do grande incêndio de Roma ao tempo

de Nero, onde os cristãos – “seu nome deriva de Cristo, executado por Pôncio Pilatos”- de Roma

serviram de bodes expiatórios.

“Assim, para fazer calar o rumor, Nero criou bodes expiatórios e submeteu às torturas mais

refinadas aqueles que o povo chamava de cristãos, odiado por seus crimes abomináveis. Seu nome

deriva de Cristo, que, durante o reinado de Tibério tinha sido executado pelo procurador Pôncio

Pilatos. Sufocada por um tempo, a superstição mortal irrompeu novamente, não apenas na Judeia,

terra onde se originou este mal, mas também na cidade de Roma, onde todos os tipos de práticas

horrendas e infames de todas as partes do mundo se concentram e são fervorosamente cultivados”.

Esta passagem é obviamente genuína: não somente é concentrada em todos os manuscritos

dos Anais, mas o próprio tom anti-cristão do texto torna quase impossível que seja de origem cristã.

A menção de Cristo e seu destino tem um papel importante no quadro negativo que Tácito faz dos

cristãos; uma descrição tão curta e depreciativa de Jesus dificilmente proviria de mão cristã.

Tácito faz 3 afirmações importantes sobre Jesus: 1) fixa a data da morte de Cristo durante o

reinado de Tibério (14-37 a.D) e sob o governo de Pôncio Pilatos (26-36 a.D); 2) afirma que a morte

de Jesus foi determinada pelo governador romano da Judeia; embora não se mencione explicitamente

a crucificação, esta seria a maneira usual de um judeu ser executado na Judeia por um governador

romano. A segunda referência que ocorre nos Anais 15, 44, após a menção à morte de Cristo diz que

eles foram crucificados ou pregados nas cruzes; 3) na opinião de Tácito, a execução desse Cristo

sufocou o perigoso movimento dos cristãos por um breve tempo... Tácito sugere que o movimento

cristão já existia antes da execução de Cristo, não tem noção de que Cristianismo que deve o seu

nome a Cristo, surgiu após a sua morte.

Fonte: provavelmente Tácito lera Josefo; pode ser que Tácito repita o que era de

conhecimento comum sobre os cristãos no início do séc. II; pode ter tido contactos judiciais com

cristãos; Plínio era seu amigo íntimo e pode lhe ter transmitido o que já conhecia sobre os cristãos;

Tácito poderá ter recorrido aos arquivos romanos (entretanto fez erro ao chamar Pilato de procurador

invés de governador). Contudo, não acrescenta nada ao que Josefo já dissera.6

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Josefo é a única fonte não cristã e independente sobre o Jesus histórico do sec. I. Tácito não

traz nada de realmente novo.

Suetônio, Plínio, o Jovem e Luciano são também citados com frequência, porém apenas

relatam algo que os primeiros cristãos dizem ou fazem; não se pode considerar que nos forneçam um

testemunho independente do próprio Jesus.

3.1.2. Suetônio, fala da expulsão de judeus de Roma por Claúdio, porque causavam

constantemente distúrbios por instigação de Cresto. Cresto mencionado aqui é na realidade Cristo. A

fonte usada por Suetônio entendia que Cresto fosse Jesus enquanto que Suetônio erradamente tomou

o nome como sendo o de um escravo ou liberto judeu que provocava distúrbios nas sinagogas

romanas durante o reinado de Claúdio.

3.1.3. Plínio, o Jovem, descreve seu método de lidar com os cristãos que lhe são denunciado,

Plínio menciona o costume de os cristãos se reunirem regularmente para entoar cânticos “a Cristo

como a um deus”.

3.1.4. Luciano: escreveu uma biografia zombateira onde diz que os cristãos estão de tal forma

enamorados de Peregrino, que o reverenciam como a um deus: “aquele que foi crucificado na

Palestina... aquele mesmo sofista crucificado”; mostra que Jesus foi executado na Palestina e a forma

de morte foi a crucificação.

3.2. Fontes judaicas além de Josefo

O judaísmo do tempo de Jesus era composto de muitas diferentes tendências religiosas. A

consolidação das várias correntes num só judaísmo rabínico ou ortodoxo se deu apenas depois de 70

a.D. alguns estudiosos preferem falar de “judaísmos”.

Todo esse acervo de literatura (Qumran, pseudo-epígrafos – literatura apocalíptica hebraica,

escritores judeus helenistas, Fílon e Josefo, e fontes de literatura rabínica posterior) visa a apreender

o ambiente de onde emergiu Jesus. Essa vasta literatura não contém referèncias ou informações

independentes sobre Jesus de Nazaré.

Não existe nenhuma indicação de que Jesus tenha tido contacto directo com a comidade de

Qumran, em qualquer tempo. Ele não é mencionado nos docmentos de Qumran. Mas alguns

investigadores imaginosos viram Jesus e João Baptista em certos textos de Qumran.

Quanto a literatura rabínica (Mishná, Talmude, Tosefta, Targuns, Midrashim), tentar achar

Jesus de Nazaré neles é, quase sempre, procurar em vão num conjunto de obras com seus interesses

próprios. Entre estudiosos da literatura rabínica, Maier defende que os 2 talmudes nunca falaram de

Jesus, tais referências seriam interpolações posteriores, inseridoas na Idade Média. Jesus de Nazaré

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está ausente da Mishná e de outras tradições rabínicas anteriores. Klausner não leva em consideração

textos que falando de um BenStada, um perigoso enganador do povo que supostamente foi

apedrejado até a morte por sábios judeus, e as tradições talmúdicas posteriores é vinculado a Jesus.

Mas liga Jesus a referências rabínicas anteriores a uma pessoa chamada BanPandera ou BenPantera,

cujo nome ocorre em conexão com uma história sobre uma jovem judia que manteve relações ilícitas

com um solado romano de nome Pantera. Outra referência, faz menção a um ão a um Yeshu (=Jesus)

que foi enforcado na véspera da Páscoa judaica. O texto descreve Yeshu como um mago que

enganou e desencaminhou Israel. O mais provável é que o texto talmúdico seja mera reacção a

tradição evangélica. A tradição judaica do nascimento ilegítimo de Jesus decorre da oposição à

doutrina cristã da concepção virginal.

Capítulo V

AS AGRAPHA E OS EVANGELHOS APÓCRIFOS

1. As Agrapha

Literalmente designam palavras e actos não escritos de Jesus. São palavras esparsas que não estão em qualquer dos 4 evangelhos canónicos. Existem também “palavras extra-canónicas de Jesus”. Contudo, o grosso material do corpo das agrapha é lendário e traz a nítida marca de falsificação, a quantidade de material que tem utilidade pra o historiador é incrivelmente pequena.

2. Os Evangelhos apócrifos

Evangelhos apócrifos são aqueles primeiros documentos cristãos que relatavam as palavras e actos de Jesus, mas não foram acolhidos no canon cristão, ou seja, da lista normativa dps livros tidos como inspirados nas Escrituras. Em muitos casos trata-se de um monte de entulho, produzido em grande parte pela imaginação piedosa ou fantástica de alguns cristãos do séc. II.

Crossan defende que por trás do Evangelho de Pedro, um apócrifo do séc. II, havia um Evangelho da cruz, que teria servido como fonte única para a narrativa da paixão nos 4 Evangelhos canónicos. Vaganay, em sua análise minunciosa de frases isoladas, da estrutura geral e da evolução das tendências cristãs, demonstra que o Evangelho de Pedro se baseia nos Evangelhos canónicos.

Crossan também iniste em afirmar que os Sinópticos e João se basearam num evangelho apócrifo: Evangelho secreto de Marcos. Raymond Brown faz ver que, ao contrário das afirmações de Smith, o autor do Evangelho Secreto poderia muito bem ter se inspirado no Evangelho de João, pelo menos de memória.

Estes evangelhos apócrifos são importantes, mas ficariam melhor num estudo da Igreja patrística do séc. II ao séc.IV. infelizmente, o público e a imprensa, sem falar nos editores e nas universidades, estão muito mais interessados em estudos sensacionalistas do N.T. do que nos tediosos estudos da Igreja patrística.

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Capítulo VI

COMO DECIDIR O QUE VEM DE JESUS?

Em nossa busca de Jesus histórico, dependemos dos 4 Evangelhos canónicos, impregnados da fé pascal e escritos entre 40 a 70 anos após os eventos narrados; fica a pergunta: como podemos distinguir o que vem de Jesus (estágio 1), do que foi criado pela tradição oral da Igreja primitiva (estágio 2) e o que foi produzido pelo trabalho de redacção dos evangelistas (estágio 3). Os critérios de historicidade enunciam regras para o julgamento dos Evangelhos, que levarão a julgamentos que são apenas mais ou menos prováveis, raramente a uma certeza. Os critérios podem ser primários e secundários.

a) Primários:1. CRITÉRIO DE CONSTRANGIMENTO OU CONTRADIÇÃO:

Enfoca actos ou palavras de Jesus que poderiam ter constrangido ou criado dificuldade para a Igreja primitiva. A Igreja dificilmente se afastaria da sua linha para criar critérios que pudessem constranger o seu criador ou enfraquecer sua posição nas discussões com adversarios. Dai que todo o material constrangedor seria suprimido.

Exemplo 1: o baptismo de Jesus por João Baptista: Mc relata sem qualquer explicação teológica, Mt introduz um diálogo entre os dois antes do baptismo, Lc simplesmente não diz quem baptizou Jesus, e Jo suprimiu radicalmente os eventos do baptismo de Jesus; narra apenas uma teofania (Jo 1,29-34). O quarto evangelista estava envolvido numa luta com os discípulos contemporâneos de Baptista, que se recusavam reconhecer Jesus como Messias.

Exemplo 2: Jesus afirma não saber o dia e a hora exactos do fim: os Evangelhos afirmam Jesus como o Filho com o dom de predizer o futuro, mas em Mc 13,32 em paralelo com Mt 24,36 encontramos: “nem o Filho sabe, senão o Pai”; em alguns escritos gregos esta passagem aparece suprimida; em Lc nem aparece e em Jo não só não aparece como também procura enfatizar Jesus como aquele que sabe todas as coisas, presentes e futuras. A Igreja não quereria inventar algo para enfatizar a ignorância do seu Senhor e depois querer suprimi-la. O facto do material constrangedor permanecer lembra que ao lado do impulso criativo, havia uma força conservadora na tradição dos Evangelhos.

Limitações: muito o que hoje podemos considerar como constrangedor para a Igreja primitiva não o era necessariamente a seus olhos, em seu tempo.

Exemplo 3: o grito de desamaparo: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonastes?” (Mc 15,34; Mt 27,4b), em Lc o lamento é substituido por Cristo que entrega o Espírito ao Pai (23,46) e em Jo por “tudo está consumado” (19,36). Este relato apresenta Jesus como aquele que obedecia ao padrão do A.T. de homem justo, atacado e levado a morte por malfeitores (...) não expressa dúvida ou desespero.

2. CRITÉRIO DE DISCONTINUIDADE (DA DESIGUALIDADE, ORIGINALIDADE, DUPLA IRREDUTIBILIDADE):

Se concentra nas palavras e actos de Jesus que não podem ser originados nem do Judaismo do seu tempo, nem da Igreja primitiva depois dele.

Exemplos: proibição de todos os juramentos (Mt 5,34.37); rejeição do jejum para os seus discípulos (Mc 2,18-22) e a proibição do divórcio (Mc 10,2-12; Lc 16,18).

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Limitações: para Morna Hooker, este critério pressupõe o que não possuímos: um seguro e total conhecimento de como eram o judaismo no tempo de Jesus e o cristianismo imediatamente depois dele, e o que os dois poderiam ou teriam a nos dizer; - este critério em lugar de nos proporcionar um mínimo assegurado sobre Jesus, acaba por apresentar uma caricatura ao separar Jesus do judaismo que o influenciou e da Igreja que recebeu a sua influencia. Uma ruptura completa com a história religiosa imediatamente antes e imediatamente depois dele, é a priori, improvável; equivale a colocá-lo fora da história. E se Ele tivesse sido descontinuo, desligado do fluxo da história antes e depois dele, não teria sido compreendido por ninguém. Para Jesus ser mestre e se comunicar com sucesso Ele teria de se submeter as restricções da sua situação histórica. Exemplo2: a doutrina de Lutero. – os estudiosos alegaram que este critério isola o que é exclusivo de Jesus. A exclusividade é um conceito traiçoeiro para a investigação histórica. Exemplo 3: Beethoven poderia ter sido diferente de qualquer um que o tenha precedido, é pedir demais que ele também seja singularmente diferente de todos os que o sucederam. O mais provável é que tenha imitadores.

O melhor é falar de “notavelmente característico” ou “incomum” em relação aos actos ou palavras de Jesus isolados, bem como falar do “tipo de coisa que Jesus fez” em lugar de afirmarmos o que Ele fez exactamente. Podemos ter esperança de conhecer a mensagem básica de Jesus, o tipo de coisa que Ele disse de forma geral ou característica (ipsissima vox), raramente ou talvez afirmar ter restaurados suas palavras exactas (ipsissima verba).

3. CRITÉRIO DA MÚLTIPLA CONFIRMAÇÃO OU CORTE TRANVERSAL:

Dirige o seu foco sobre as palavras ou actos de Jesus que são atestados em mais de uma fonte literária independente (por exemplo: Mc, a fonte Q, Paulo, Jo) e ou em mais de um género ou forma de literatura (por exemplo: parábola, história de debates, milagres, profecia, aforismo). A força deste critério aumenta quando um determinado motivo ou tema é encontrado tanto em diferentes fontes literárias como em diferentes formas literárias. Exemplo 1: a frase segundo a qual Jesus falou do reino de Deus ou dos céus, é provável porque se encontra em várias fontes e ao mesmo tempo em diversos géneros literários. Fica bastante difícil alegar que tal material é apenas uma criação da Igreja.

Limitações: um dito inventado depois por comunidade ou profetas cristãos que se adaptassem tão bem as necessidades da Igreja, podia ser logo incorporado a diferentes linhas de tradição. O simples facto de um dito ocorrer apenas em uma fonte não prova que não tenha sido proferido por Jesus, exemplo Abba (meu Pai querido), Mc 14,36.

4. CRITÉRIO DA COERÊNCIA OU CONSISTÊNCIA OU CONFORMIDADE:

As palavras e os actos de Jesus que se ajustam bem à “base de dados” preliminares estabelicida com a aplicação de 3 outros critérios anteriores tem boa probabilidade de serem históricos. Exemplo 1: as palavras relativas ao advento do Reino. Visa ampliar uma base de dados já estabelecida.

Limitações: os primeiros cristãos poderiam ter inventado ditos que reflectiam as palavras autênticas de Jesus, na medida em que transmitem a mensagem do Jesus histórico, mas não podem ser considerados autênticos como realmente do próprio Jesus. A lógica oriental é diferente em certos casos da ocidental. – sua aplicação negativa exclue um material como inautêntico por ser inconsistente ou incoerente.

5. CRITÉRIO DA REJEIÇÃO E DA EXECUÇÃO:

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Exige a nossa atenção para o facto histórico de que Jesus teve um fim violento nas mãos das autoridades judias e romanas, para depois indagar quais das suas palavras e actos históricos podem explicar o seu julgamento e crucificação como “Rei dos Judeus”. Os estudiosos apresentam Jesus como um revolucionário, agitador. O Jesus histórico ameaçava sim, perturbava e enfurecia as pessoas – desde os intérpretes da lei até ao perfeito romano que o julgou e crucificou. A morte violenta de Jesus não é apenas algo imposto pela Teologia cristã. Um Jesus cujos actos e palavras não provocasse antagonismo as pessoas, especialmente entre os poderosos, não é o Jesus histórico.

b) Secundários ou dúbios

6. CRITÉRIO DOS TRAÇOS DO ARAMAICO:

Segundo o estudioso Jeremias os traços de aramaico na versão grega das palavras de Jesus são indicativos de autenticidade.

Limitações: usado negativamente, um dito que não pudesse ser revertido do grego para o aramaico, seria posto em dúvida. – entre o aramaico falado por Jesus e o falado pelos primeiros cristãos judeus não há diferença; - os cristãos de Jerusalém se expressavam quer em aramaico quer em grego.

Pode servir de apoio adicional mas apenas onde o material em questão já tenha dado indicações de ser autêntico com base nos outros critérios.

7. CRITÉRIO DA AMBIENTAÇÃO DA PALESTINA:

Afirma que as palavras de Jesus que reflectem costumes concretos, crenças, procedimentos judiciários, práticas comerciais e agrícolas, ou condições sociais e políticas da Palestina do século I têm boa possibilidade de ser autênticas. Em oposição: um dito que reflicta as condições sociais, políticas, económicas ou religiosas que existem apenas fora da Palestina ou somente após a morte de Jesus deve ser considerado inautêntico. Exemplo 1: parábolas sobre a missão da Igreja junto aos gentios (são criações pós-pascais).

Limitações: a Palestina mostrada em ditos criados por judeus cristãos em 33 A.D dificilemente seria diferente daquela reflectida nos ditos de Jesus em 20 A.D.

8. CRITÉRIO DA VIVIDEZ DA NARRAÇÃO:

Relatos feitos por uma testemunha ocular, por exemplo evangelista Marcos. Taylor tendiam aceitar os detalhes vividos e concretos do Evangelho de Mc como indicadores de alto valor histórico. Alguns episódios fundamentais de Mc, exemplo a escolha dos 12 apóstolos (3,13-19b), são supreendemente pobres e despojados de detalhes concretos. Para Taylor a existência destas narrativas mostra que Mc não se propôs a rescrever tudo de maneira inventiva, algumas narrativas são lacônicas e outras detalhadas porque assim o eram na antiga tradição oral, que Mc seguiu fielmente.

Limitações: - hoje os estudiosos nos ensinam a reconhecer em Mc um autor talentoso que teria suas próprias razões teológicas e artísticas para alternar narrativas pobres e detalhadas. – nem todos os críticos querem admitir que Mc depende directamente da pregações de Pedro.

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Assim como a vividez, por sis só, não prova a historicidade, assim também uma narrativa pálida e austera não é necessariamente não-histórica.

9. CRITÉRIO DAS TENDÊNCIAS DE DESENVOLVIMENTO DA TRADIÇÃO SINÓPTICA:

Os críticos da forma como Bultmann, pensavam que podiam isolar as leis do desenvolvimento da tradição sinóptica. Exemplo: a medida que havia uma evolução de Mc para Mt e Lc, havia uma tendência para tornar os detalhes mais concretos, acrescentar nomes próprios, transformar discurso directo para indirecto e eliminar palavras e construções aramaicas. Para Bultmann conhecidas as leis que regem a transmissão da tradição, poderiam ser aplicadas a Mc e Q e ajudar a reconstruir eventos ou palavras originais de Jesus.

Limitações: não se pode estabelecer que existam tais leis definidas; as tendências ocorrem em ambas direcções.

10. CRITÉRIO DA SUPOSIÇÃO:

Nos leva a discussão sobre a quem cabe o “ônus da prova”: a parte que nega ou afirma a historicidade? Alguns críticos afirmam que: “quem afirmar ter isolado um dito ou uma acção autêntica de Jesus deve arcar com o ônus da prova”. Em oposição estão os que insistem que devemos dar crédito aos primeiros relatos históricos até provar o contrário, “o ônus da prova pretende em desacreditar um dito ou evento como autênticos (in dubio pro taditio)”. Contudo, para críticos como Ben Meyer o ônus da prova simplesmente cabe aquele que pretende provar qualquer coisa. Deve-se admitir que sempre haverá casos dificeis nos quais nenhum critério se aplica ou que permitem vários critérios, cada um apontando por conclusões opostas, o que não será resolvido pelo critério de suposição histórica, no caso dos evangelhos este critério não existem.

Os critérios das tendências da tradição sinóptica e da suposição histórica para todos os fins práticos são inúteis.

Capítulo XI

“NO DÉCIMO QUINTO ANO…”

Uma cronologia da vida de Jesus

Basicamente em um livro sobre Jesus histórico há três pontos onde seria razoável tratar da cronologia: as narrativas da infância, o início do ministério público e as narrativas da Paixão. Para quem está familiarizado com a história antiga, não deve ser motivo de perturbação o facto de que as principais datas de Jesus sejam aproximadas. Na verdade, as datas de nascimento até mesmo de alguns imperadores romanos são incertas.

1. Um exame inicial para a fixação de limites

a) Os limites de tempo básicos: 26-36 a.D.

Os 4 Evangelhos, os Actos dos Apóstolos, Josefo e Tácito, todos estão de acordo que Jesus foi condenado à morte durante o tempo de Pilatos como governador da Judeia. Pilatos exerceu o

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cargo de 26-36 (ou início de 37) a.D. Podemos ter a certeza de que Jesus não foi executado no final do governo de Pilatos. Jesus morreu em algum momento final da década de 20 ou início da década 30 do século I. Josefo tende a confirmar a ideia tornada explícita em Lc 3,1, ou seja que todo o ministério de Jesus ocorreu durante o governo de Pilatos.

b) Estreitando os limites de tempo: Jesus morreu entre 28 e 33 a.D.

A impressão de que a actividade de Jesus se deu por volta do final da segunda década do século I é reforçada pelo sincronismo de Lc 3,1-2: “No décimo quinto ano do reinado de Tibério César (que reinou como imperador único de 14-37 a.D.), sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia (26-36 a.D.), Herodes Antipas tretarca da Galileia (4 a.C – 39 a.D.), e seu irmão Felipe tetrarca da Ituréia e Trancônites (4 a.D.-33 ou 34 a.D.), e Lisânias tretarca de Abilene, e sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás, veio a Palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto”. A menção de Pilatos localiza o início do ministério de João entre os anos 26 e 36 a.D. e indica que o de Jesus começou após Pilatos ter assumido o posto de governador da Judeia. A menção de Felipe, que morreu em 33 ou 34 a.D., também sugere que Jesus não começou sua pregação quase ao final do mandato de Pilatos.

Infelizmente, existem diversas formas de calcular o período em que Tibério governou. Considerando-se os diferentes calendários que Lucas pode ter usado, o décimo quinto ano de Tibério poderia ser qualquer um entre 26-29 a.D.

Uma leitura minimalista do quadro apresentado pelos Sinópticos, o ministério de Jesus durou cerca de um ano. Se o Evangelho de João for levado em consideração, o ministério de Jesus pode ter se prolongado por cerca de dois a três anos, e não mais. Uma data localizada entre 28-33 a.D. parece ser mais provável para a crucificação de Jesus.

c) Na outra extremidade: o nascimento de Jesus pouco antes da morte de Herodes, o Grande (4 a.C.)

Para Mt 2,1; Lc 1,5 Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, o Grande (37- 4 a.C.), o que nos ajuda a estabelecer vagos limites para a vida de Jesus como um todo: ele não nasceu após 4 a.C. Segundo Mt 2,1-12, o Rei Herodes quando descobriu que os magos haviam voltado ao seu lugar de origem sem informá-lo, ele tentou capturar o menino Jesus numa rede assassina, ordenando a morte de todas crianças do sexo masculino de Belém e seus arredores, de dois anos para baixo (2,6). O que coaduna com o facto de Mateus nunca apresenta Jesus como recém-nascido rei dos judeus (2,2). Mateus não chega a dizer directamente quanto tempo o menino Jesus permaneceu no Egipto antes da morte de Herodes, porém dá a impressão que não foi por muitos anos. Jesus nasceu alguns anos antes, porém não antes, da morte de Herodes. O problema é que a historicidade dos relatos sobre os magos e sobre a fuga para o Egipto é questionável.

d) A confirmação de Lucas 3,23

Uma indicação de Mateus localizar o nascimento de Jesus perto do fim de Herodes pode ser histórico é encontrada na afirmação de Lucas segundo a qual Jesus começou seu ministério público, ele tinha “cerca de 30 anos” (Lc 3,23). A correlação de Mt 2 e Lc 3,23 torna provável que Jesus tenha nascido pouco antes, e apenas poucos, antes de 4 a.C.

e) Confirmação do perfil geral a partir de João 8,57 e 2,29

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Em João 8,57, “os judeus” (opositores de Jesus em Jerusalém) reagem à afirmação de Jesus de que Abraão viu o seu dia e regozijou-se (v.56). os judeus objectam: “ainda não tens 50 anos, e viste Abraão?”. À primeira vista, a objecção dos judeus parece indicar que Jesus estaria na casa dos quarenta. Com efeito Ireneu usou este tipo de raciocínio para argumentar que Jesus já havia entrado nos 40 anos quando Jo 8,57 foi dito. Para Ireneu o ministério de Jesus se prolongou por 10 anos.

A melhor interpretação para “cinquenta anos” em 8,57 é que se trata de um número redondo, que rejeita sumariamente as enormes pretensões de Jesus. Outros textos costumam colocar Jesus abaixo dos 50 anos durante o seu ministério.

Um texto que parece mais promissor é Jo 2,20: “em quarenta e seis anos tem sido edificado este santuário e tu, em três dias, o levantarás?”. O verbo usado é um aoristo. Para Brown o aoristo poderia ser entendido com significado que o processo de construção do templo ainda continuava ns dias de Jesus. Finegan prefere enfatizar que a actividade de construção havia sido concluída há muito tempo. Os sinópticos localizam este facto pouco antes da Páscoa do final do ministério de Jesus (Mt 11) enquanto que João localiza na Páscoa próxima ao início do ministério (Jo 2). Para Meier, Jo 2,20 se harmoniza com um ministério de Jesus exercido por volta dos anos 27-30 a.D.

2. À procura de maior exactidão

a) O décimo quinto ano de Tibério

Lucas emprega um sincronismo que encontra paralelos literários nos escritos de Tucídides, Políbio e Josefo, ao mesmo tempo conserva laços com as convenções da narrativa e das profecias do A.T. (Is 1,1; Jr 1,1-3; cf. 1Mc 1,10). O facto de indicar um ano preciso do reinado de Tibério evidencia que Lucas pretende ser o mais específico possível. Vários calendários ainda estavam em uso no mundo mediterrâneo no século I a.D. parece improvável que no início do seu solene sincronismo visando a incluir o evento de Cristo na história greco-romana, ele tivesse usado o calendário judaico ou egípcio. Curiosamente, em todos os métodos de cálculo, o ano 28 a.D, é considerado como o décimo quinto ano. Para Meier o ano 28 a.D é o ano em que João começou seu ministério e baptizou Jesus.

b) As datas da última ceia e da crucificação de Jesus

1. Os dias da semana

Todos os Evangelhos localizam a última ceia na noite de quinta-feira e a crucificação, morte e sepultamento na sexta-feira, antes do pôr-do-sol, tendo em conta que o dia seguinte à crucificação foi o Shabat judiaco, isto é, sábado. Mateus está de acordo com Marcos quanto ao facto de que Jesus morreu numa sexta-feira e celebrou a última ceia na noite de quinta-feira. A sucessão dos dias em todos os três sinópticos é o mesmo quanto à determinação cronológica da semana da paixão. A narrativa de João é especial, pois ele representa uma tradição independente da paixão. Apesar das diferenças cronológicas, as tradições da paixão de Marcos e João estão de acordo em que Jesus celebrou a sua última ceia com os discípulos numa quinta-feira à noite e morreu numa sexta-feira.

2. As datas no mês de Nissan, de acordo com o calendário judaico

Segundo as regras do Ex 12, ao tempo de Jesus, os cordeiros pascais eram sacrificados no templo de Jerusalém no décimo quarto dia do mês de Nissan (Março ou Abril)… Em Ex 12,8 encontra-se a ordem para os cordeiros da Páscoa sejam comidos “naquela noite”. Os sinópticos retratam a última ceia na noite da quinta-feira como uma ceia da Páscoa (Mc 14,12-17, Lc 22,15).

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João apresenta cronologia diferente. Nada indica em sua narrativa que a última ceia tenha sido uma refeição de Páscoa. Na contagem de João a refeição pascal ainda não havia sido celebrada. A partir de João se conclui que no ano fatídico da morte de Jesus, o dia da Páscoa coincidiu com o Shabat. Para João, a última ceia não foi uma refeição de Páscoa, Jesus morreu numa sexta-feira que era o décimo quarto dia de Nissan e, naquele ano era o dia da preparação tanto da Páscoa como para o Shabat.

3. As tentativas para conciliar as cronologias dos sinópticos e de João

Entre as soluções mais antigas: Billerbeck defendeu a teoria segundo a qual, no ano da morte de Jesus, os saduceus e fariseus discordaram sobre o início do mês de Nissan, dai que os cordeiros pascais foram sacrificados nos dois dias, quinta e sexta-feira. Billeberck não consegue provar que no Templo de Jerusalém alguma vez tenha ocorrido um sacrifício dos cordeiros pascais em dois dias, ao tempo de Jesus. Dockx sugere que no ano da morte de Jesus houve um desacordo entre os habitantes da Galileia e os da Judeia sobre que dia da semana seria o décimo quarto de Nissan. Jaubert, baseado no calendário de Qumran diz que Jesus celebrou a última ceia numa terça-feira, nesta mesma noite foi preso, e foi interrogado até sexta de manhã, e neste dia foi condenado.

Nenhuma explicação adequada é fornecida para o facto de Jesus estar a seguir o calendário de uma seita, do Qumran. Os Evangelhos apresentam Jesus em contacto com os líderes oficiais do judaísmo, com autoridades de Jerusalém ou seus representantes, nunca com as autoridades contestadoras do Qumran.

Os Sinópticos e Jo estão em frontal desacordo quanto à última-ceia ter sido uma ceia de Páscoa e quanto à data da morte de Jesus. È chegada a hora de optar.

4. Como optar entre as cronologias da Paixão dos Sinópticos e de Jo

No final de uma série de considerações, Meier apoia o esquema básico da cronologia de Jo como o mais plausível. Cortando na narrativa da paixão de Mc duas passagens (14,1a e 14,12-16) que provavelmente provêm ou do nível secundário da tradição, ou da própria actividade redacional do próprio evangelista, o que fica não contém nenhuma indicação clara de que a última ceia foi uma ceia de Páscoa ou que Jesus morreu no dia da Páscoa. De uma ou de outra forma 14,1a provém de um estágio secundário ou redacional da tradição; é apenas 14,12-16 que explicitamente torna a última ceia um refeição de Páscoa.

Com efeito, sem 14,1 e 12-16 nunca ocorreria ao leitor que esta refeição deveria ser considerada um refeição pascal. Mc 14,12-16 é um desenvolvimento posterior. Igualmente posterior é Lc 22,15-16.

Uma vez removida das narrativas da paixão dos Sinópticos as referências posteriores ou redacionais à Páscoa, percebemos que a última ceia não é a Santa ceia do Evangelho de João. Toda a tradição joanina, antiga ou posterior, coincide perfeitamente com a primitiva tradição sinóptica do carácter não pascal da ceia. O carácter dessa refeição não foi comum, naturalmente teria que ser solene e religioso, incluindo todas as formalidades de uma ceia pascal, mas se tratou de uma refeição especial de despedida, planejada e executada de acordo com as circunstâncias.

A premissa obvia da narrativa de Barrabás (amnistia concedida a um prisioneiro judeu por ocasião da Páscoa judaica), é que essa amnistia ou perdão eram dados justamente para o judeu, uma vez liberto, pudesse participar na ceia pascal. O que dá impressão que o incidente se deu na manhã do 14º dia de Nissan, quando ainda havia tempo para participar da ceia pascal.

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c) O ano da morte de Jesus e a duração do seu ministério

1. O ano da morte de Jesus

Se concluirmos que a cronologia da paixão segundo João tem mais probabilidade de ser historicamente correcta, podemos retirar daí alguma indicação quanto ao ano exacto da morte de Jesus? É bem possível que o ano 28 a.D. tenha marcado o início do ministério de Jesus. O ano da morte de Jesus, na opinião da maioria dos comentadores, deve se situar entre 29 e 34 a.D., os limites mais aceitos estão entre 30 e 33 a.D. De acordo com as tabelas elaboradas por Jeremias, dentro do nosso limite de 29-34 a.D., os únicos anos em que o 14º dia de Nissan provavelmente caiu numa sexta-feira são 30 a.D. (correspondendo a 7 de Abril) e 33 a.D. (3 de Abril). Como conclusão: o ministério de Jesus começou em 28 a.D., e sua morte na cruz ocorreu em 7 de Abril de 30.

2. A duração do ministério de Jesus

Frequentemente se diz que a história de Marcos cobre um período máximo de um ano, ou menos. Existem alguns leves indícios de que o ministério de Jesus se estendeu por mais de um ano e incluiu mais do que uma visita a Jerusalém. O quarto evangelho requer um ministério de dois anos e um mês, mais ou menos. É provável que Jesus tenha começado o seu ministério em 28 a.D. e morrido na sexta-feira, 7 de Abril de 30 a.D., dai o ministério de Jesus durou dois anos mais um ou dois meses.

Advertências finais:

Jesus de Nazaré nasceu por volta de 7 ou 6 a.C., alguns anos antes da morte do rei Herodes, o Grande (4 a.C.). Após ter sido educado de forma convencional numa família devota de camponeses judeus da Baixa Galileia, ele foi atraído pelo movimento de João Baptista, cujo ministério começou na região do Vale do Jordão, entre o final de 27 ou começo de 28 a.D.; baptizado por João, logo Jesus seguiu seu próprio caminho, iniciando seu ministério ainda em 28, com a idade de 33 anos ou 34 anos. Regularmente ele dividiu sua actividade entre a região da Galileia e Jerusalém. Em 30 a.D. estando em Jerusalém para a festa de Páscoa que se avizinhava, celebrou uma ceia de despedida, preso nesta mesma noite, foi inquirido por alguns funcionários judeus e posteriormente entregue a Pilatos na madrugad de 7 de Abril. Morreu na sexta-feira, 7 de Abril de 30, com a idade de 36 anos aproximadamente.

BIBLIOGRAFIA: MEIER, John, Um Judeu Marginal, 3ª ed., Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1993.

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