uma abordagem histÓrica sobre o processo de … (283).pdf · processo de produção do espaço...

14
UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DA CONURBAÇÃO DO ARAGUAIA Alexandre Eduardo Santos 1 RESUMO A cidade pode ser pensada como uma realização humana, uma criação que vai se constituindo ao longo do processo histórico e que ganha materialização concreta diferenciada, em função de determinações históricas específicas. Nesse sentido ao longo de seu desenvolvimento enquanto fenômeno humano, as cidades adquirem as mais variadas formas espaciais ao longo do tempo. Barra do Garças e Pontal do Araguaia no estado de Mato Grosso e Aragarças no estado de Goiás unidas, formam um tipo peculiar de cidade, conceituada como conurbação. Assim, o objetivo desse texto é analisar como se deram os processos de ocupação e urbanização da Conurbação do Araguaia que é discutido baseado na divisão histórica proposta por autores locais. Foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental a cerca da história e da geografia das cidades que compõem a Conurbação do Araguaia em suas quatro fases de desenvolvimento econômico, sendo a primeira relacionada à atividade garimpeira, a segunda à implantação da Fundação Brasil Central, a terceira ao avanço da agropecuária e os incentivos fiscais e a quarta fase com a migração sulista e a disseminação da agricultura, além das características das cidades atualmente. Dessa forma, o texto apresenta as cidades vistas do ponto de vista da integração que as torna uma conurbação, por meio da literatura regional, de documentos, de dados e de entrevistas e observações, a fim de contribuir para a compreensão do processo de urbanização da Conurbação do Araguaia através do tempo e do espaço. PALAVRAS-CHAVE: Cidade. Urbanização. Conurbação. Processo histórico. Barra do Garças. INTRODUÇÃO A Conurbação do Araguaia é formada pelas cidades de Barra do Garças e Pontal do Araguaia no estado de Mato Grosso e pela cidade de Aragarças no estado de Goiás, estando localizada na região conhecida como Vale do Araguaia. Assim, a conurbação que é entendida como o fenômeno geográfico em que duas ou mais cidades estão física e socioeconomicamente integradas, é formada por três municípios em duas unidades federativas do Brasil. A produção e a organização do espaço acontecem sob a égide de uma estrutura espaciotemporal que promove as mais singulares formas de organização espacial, impossibilitando que uma cidade seja igual à outra. Nesse sentido, pensamos a cidade como 1 Licenciado em Geografia pela UFMT Campus do Araguaia, mestrando em Geografia pela UFG Regional Jataí. ([email protected]).

Upload: nguyenmien

Post on 13-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DA

CONURBAÇÃO DO ARAGUAIA

Alexandre Eduardo Santos1

RESUMO

A cidade pode ser pensada como uma realização humana, uma criação que vai se constituindo

ao longo do processo histórico e que ganha materialização concreta diferenciada, em função

de determinações históricas específicas. Nesse sentido ao longo de seu desenvolvimento

enquanto fenômeno humano, as cidades adquirem as mais variadas formas espaciais ao longo

do tempo. Barra do Garças e Pontal do Araguaia no estado de Mato Grosso e Aragarças no

estado de Goiás unidas, formam um tipo peculiar de cidade, conceituada como conurbação.

Assim, o objetivo desse texto é analisar como se deram os processos de ocupação e

urbanização da Conurbação do Araguaia que é discutido baseado na divisão histórica proposta

por autores locais. Foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental a cerca da história e

da geografia das cidades que compõem a Conurbação do Araguaia em suas quatro fases de

desenvolvimento econômico, sendo a primeira relacionada à atividade garimpeira, a segunda

à implantação da Fundação Brasil Central, a terceira ao avanço da agropecuária e os

incentivos fiscais e a quarta fase com a migração sulista e a disseminação da agricultura, além

das características das cidades atualmente. Dessa forma, o texto apresenta as cidades vistas do

ponto de vista da integração que as torna uma conurbação, por meio da literatura regional, de

documentos, de dados e de entrevistas e observações, a fim de contribuir para a compreensão

do processo de urbanização da Conurbação do Araguaia através do tempo e do espaço.

PALAVRAS-CHAVE: Cidade. Urbanização. Conurbação. Processo histórico. Barra do

Garças.

INTRODUÇÃO

A Conurbação do Araguaia é formada pelas cidades de Barra do Garças e Pontal do

Araguaia no estado de Mato Grosso e pela cidade de Aragarças no estado de Goiás, estando

localizada na região conhecida como Vale do Araguaia. Assim, a conurbação que é entendida

como o fenômeno geográfico em que duas ou mais cidades estão física e

socioeconomicamente integradas, é formada por três municípios em duas unidades federativas

do Brasil.

A produção e a organização do espaço acontecem sob a égide de uma estrutura

espaciotemporal que promove as mais singulares formas de organização espacial,

impossibilitando que uma cidade seja igual à outra. Nesse sentido, pensamos a cidade como

1 Licenciado em Geografia pela UFMT – Campus do Araguaia, mestrando em Geografia pela UFG – Regional

Jataí. ([email protected]).

Page 2: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

“uma realização humana, uma criação que vai se constituindo ao longo do processo histórico

e que ganha materialização concreta diferenciada, em função de determinações históricas

específicas” (CARLOS, 2009, p.57).

Partindo dessa concepção de cidade, entendemos que as três cidades que se

desenvolvem sincrônica e diacronicamente. Destarte, pensar essas cidades a partir do

fenômeno de conurbação, nos permite pensar as influências e as inter-relações entre elas no

processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo.

Autores locais como Varjão (1985; 1992) e Diniz (1995) dividem a ocupação e o

desenvolvimento econômico dessa região em quatro fases, sendo a primeira relacionada à

atividade garimpeira, a segunda à implantação da Fundação Brasil Central, a terceira fase com

o avanço da agropecuária e os incentivos fiscais e a quarta fase com a migração sulista e a

disseminação da agricultura. Assim, este texto busca fazer uma retomada aos processos de

ocupação e urbanização da Conurbação do Araguaia que é discutido baseado nesta divisão

histórica.

A pesquisa de cunho qualitativo foi realizada por meio de pesquisas bibliográfica e

documental a fim de investigar a história e a geografia das cidades que compõem a

Conurbação do Araguaia. Nesse sentido, os dados coletados por meio da literatura regional,

de documentos e de dados estatísticos além de entrevistas e observações in loco, foram

analisados a fim de compreender o processo de urbanização da Conurbação do Araguaia

através do tempo e do espaço.

Dessa forma o texto está estruturado em quatro sessões que correspondem a cada fase

de desenvolvimento econômico da região além das considerações finais que apresentam

caraterísticas recentes das cidades que compõem a conurbação, podendo pensar a ocorrência

de uma quinta fase de desenvolvimento econômico.

Primeira fase: garimpeira

Por volta da primeira metade do século XX têm início na região do Vale do Araguaia,

os primeiros núcleos de não índios “civilizados”, em função da descoberta de minas de

diamante. Nesta região vivia populações indígenas das etnias Bororo, Xavante, Kalapalo e

Caiapó, paulatinamente surgem os primeiros fazendeiros e os garimpeiros que se instalaram

nas margens dos rios Araguaia e Garças (RIBEIRO, 2005).

A fase garimpeira estaria compreendida entre os anos de 1924 e 1942, quando um

grupo de garimpeiros liderados por Antônio Cristino Cortes e Francisco Bispo Dourado,

Page 3: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

chegou à foz do rio Garças. Nesta localidade havia apenas uma moradia, do senhor José

Pedro, esta casa servia como ponto de pernoite de passageiros. Esse senhor informou ao

Cristino Cortes e Francisco Dourado que havia encontrado pedrinhas de diamante na barra do

córrego Voadeira, que despertou o interesse pela exploração da região, assim o ano de 1924

marca a fundação do povoado que hoje é a cidade de Barra do Garças. Um ano depois já era

grande o número de garimpeiros no local, que atraiu também os primeiros comerciantes e

outros exploradores (VARJÃO, 1985).

Contudo este pequeno povoado que acabara de ser fundado, sofre um desfalque em

sua população. Conforme esse autor no ano de1925, deflagrou-se a revolta “Morbeck x

Carvalhinho”, que contribuiu para o despovoamento do lugarejo. Assim, a partir do ano de

1926 a região teve sua população muito reduzida e somente em 1933 voltou a atrair

garimpeiros quando Joaquim Mendes de Souza encontrou em sua garimpagem um diamante

de 10 quilates, na margem oposta ao rio2.

Conforme aponta Varjão (1989) a notícia da descoberta desse diamante espalhou e a

localidade atraiu cerca de dois mil garimpeiros que formaram um arraial dentro da Fazenda

Pio de Barros pertencente ao município de Baliza-GO, fato este, ocasionou a fundação do

arraial de Barra Goiana em 23 de julho de 1933, cujas formas urbanas podem ser visualizadas

na (Figura 01).

FIGURA 1 - Rua Pedro Ludovico Teixeira na década de 1930.

Fonte: acervo pessoal de Claudemiro Luz.

2 Área do atual Município de Aragarças – GO.

Page 4: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

De acordo com a professora Zélia Diniz (1995), a instalação desses garimpos

fomentou o inicio da lavoura e a criação de gado para a subsistência. No povoado de Barra

Cuiabana foram construídas as primeiras casas em ordem de arruamento sob a orientação do

Coronel Antônio Cristino Cortes (Figura 02), além da instalação de pensão, escola, cartório,

subdelegacia e casas de comércio.

Este desenvolvimento econômico e o aumento da população permitiram que o no ano

de 1936, o povoado identificado como Barra Cuiabana fosse elevado à categoria de vila pelo

Decreto do Governador Mário Correia da Costa. (VARJÃO, 1985).

FIGURA 2 - Rua Antônio Cristino Cortes na década de 1930.

Fonte: http://valdonvarjao.com.br/?Pg=Galerias.

A atividade garimpeira e os grandes achados de diamantes atraíram para a região,

migrantes advindos de diferentes lugares do país, possibilitando o surgimento de dois

povoados que adquiriam lentamente características urbanas e se elevaram à categoria de vila,

passo importante para a consolidação da segunda fase de desenvolvimento da região que

aconteceu com a instalação da base da Fundação Brasil Central na Barra Goiana.

Segunda fase: Fundação Brasil Central

Esta fase do desenvolvimento econômico pode ser considerada a mais importante para

a região. No dia 6 de agosto de 1943, chega à região, a bandeira “Expedição Roncador-

Page 5: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

Xingu”, que objetivava desbravar o Brasil Central, chefiada pelo Cel. Vanique. A expedição

seria o passo definitivo para a efetivação da Marcha para o Oeste, criada pelo Ministro João

Alberto de Lins e Barros, juntamente à Coordenação de Mobilização Econômica, na

realização do desejo de “integrar” o Brasil do então presidente Getúlio Vargas. A Expedição

Roncador-Xingu tinha como finalidade explorar as terras desconhecidas, e em seguida,

colonizar a região, fundando bases para a penetração no território (VARJÃO, 1992). Nesse

sentido, Ribeiro (2005) destaca que

A “Marcha para o Oeste” tinha objetivos claros: mapear as terras do Brasil Central e

proporcionar as condições para a formação de uma frente agropastoril nessa região,

tese defendida à época por técnicos do Governo. Por outro lado, a Fundação Brasil

Central tinha a função de organizar, captar recursos e traçar medidas destinadas à

montagem de uma estrutura logística para o desenvolvimento do Centro-Oeste

(RIBEIRO, 2005, p. 52).

De acordo com Maciel (2006), os expedicionários saíram da base de apoio localizada

em Uberlândia – MG e seguiram em direção à margem esquerda do Rio Araguaia. Assim,

Barra Goiana foi à localidade escolhida para servir de base avançada da Expedição. No

povoado que já tinham erguidas rústicas construções, foi aberto um campo de pouso onde

pousou no dia 14 de agosto de 1943 o avião que transportou o Ministro João Alberto, que

escolheu pessoalmente a área onde seriam construídas as primeiras edificações permanentes

da base de Aragarças, cujo nome foi dado por ele próprio à localidade.

No mesmo ano, sob o Decreto N. 5.878, de 04 de outubro de 1943 foi criada a

Fundação Brasil Central que presidida pelo Ministro João Alberto com o propósito de tomar

para si a missão antes atribuída a Expedição Roncador-Xingu, de desbravar e colonizar as

regiões do Brasil Central e Ocidental (MACIEL, 2006).

Dessa forma o povoado de Barra Goiana, que se constituía tendo o garimpo como base

econômica, torna-se base de Aragarças ganha impulsos para seu desenvolvimento urbano por

meio das estruturas erguidas pela Fundação Brasil Central e a organização do espaço urbano

com uma rápida transformação, tendo a importante função de ser à base do trabalho de

exploração dos territórios desconhecido na porção oeste do Brasil.

O governo federal instalou a infraestrutura necessária para subsidiar seu projeto, o

Hospital Regional Getúlio Vargas, o Grupo Escolar Mercedes Zétola, o Grande Hotel (Figura

03), prédios administrativos, aeroporto, serraria, olaria, estabelecimento industrial para o

beneficiamento de grãos, residências, clube recreativo, casas de comércio e de serviços além

da instalação de energia elétrica, água encanada e central telefônica. Toda esta estrutura

acabou atraindo migrantes que buscavam melhores recursos de saúde, emprego e moradia,

Page 6: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

principalmente os araguaianos3 que se transferiram para Barra Cuiabana, aumentando

significativamente a população (DINIZ, 1995; VARJÃO, 1989).

FIGURA 3 - Prédio do Grande Hotel

Fonte: acervo pessoal de Claudemiro Luz.

A vinda de migrantes para Barra Goiana e principalmente para Barra Cuiabana, que

paulatinamente se estruturava como cidade, causou uma diminuição na população de

Araguaiana. De acordo com Varjão (1985) em 1948, o Deputado Estadual Heronides Araújo

apresentou Projeto de Lei de transferência da sede do Município de Araguaiana para a Barra

Cuiabana, e em 15 de setembro do mesmo ano, o Governador Arnaldo Figueiredo sancionou a

Lei nº 121, transferindo a sede do município, passando para Barra do Garças a cidade, como

sede do município no mesmo nome, e Araguaiana a condição de distrito de Barra do Garças.

Com a eleição de Getúlio Vargas no ano de 1950, no ano subsequente o jornalista

Archimedes Pereira Lima foi nomeado o novo presidente da Fundação Brasil Central. Durante

sua gestão, Aragarças renovou seu ritmo de crescimento desenvolvimentista com importantes

obras de construção civil e de embelezamento da área urbana, assim como a instalação de

novos serviços básicos. Este período também é marcado pelo inicio da construção das pontes

sobre os rios Araguaia e Garças (Figura 04), que devido à grande complexidade técnica só

viriam a ser concluídas e inauguradas em 1958, com a presença do então Presidente da

3 Moradores da cidade de Araguaiana do município do qual Barra Cuiabana era distrito.

Page 7: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

República Juscelino Kubitscheck em razão da grande importância da obra para o

desenvolvimento de toda a região Centro-Oeste (MACIEL, 2006).

FIGURA 4 - O presidente da Fundação Brasil Central, Archimedes Pereira Lima acompanhando a construção

das pontes que levariam o seu nome.

Fonte: acervo pessoal de Claudemiro Luz.

A então Barra Goiana oficialmente intitulada Vila de Aragarças pertencente ao

município de Baliza se emancipa em 02 de outubro de 1953 pela Lei Estadual nº 788

elevando-se a categoria de município. Maciel (2006) destaca que no mesmo ano entra em

vigor o Código de Obras da cidade, elaborado em conformidade com um projeto urbanístico

concebido pela Fundação Brasil Central, que tinha como objetivo ordenar as edificações no

perímetro urbano da cidade, uma vez que a demanda de terrenos urbanos para esta finalidade

só aumentava. O plano diretor geral de Aragarças compreendia uma área a ser ocupada em 50

anos, basicamente esquematizado como vias anulares concêntricas em torno do centro

administrativo, como pode ser observado na Planta do Plano Diretor de Aragarças, de autoria

da empresa Urbs Construções e Urbanismo Ltda. (Figura 05).

Page 8: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

FIGURA 5 - Planta apensa do Plano Diretor de Aragarças

Fonte: Arquivo Nacional – Coordenação Regional do Distrito Federal Maciel (2005).

Dessa forma, conforme aponta Ribeiro (2005) Barra do Garças era uma cidade sem

qualquer importância no contexto da região do Araguaia, ao contrário de Aragarças que era a

base da Fundação Brasil Central. Assim, o desenvolvimento de Barra do Garças permaneceu

durante anos condicionado a Aragarças, que recebia os investimentos do governo federal para

a implantação da infraestrutura para servir de base ao projeto geopolítico a fim de transformar

esta porção do país disponível para o capital atrelado à construção do projeto de concepção

de Estado-Nação, desenvolvendo e (re) territorializando a região.

Esta fase é marcada então pelas emancipações políticas de Barra do Garças e de

Aragarças e pela instalação da infraestrutura necessária ao processo de urbanização da região,

principalmente da cidade de Aragarças, tendo como principal obra a construção das pontes

que possibilitou a integração necessária para atender as necessidade locais, além dos objetivos

estratégicos da Fundação Brasil Central.

A partir desse momento começam a consolidarem-se nesse espaço os fixos, com a

crescente instalação de instituições públicas e privadas nas cidades, além do significativo

aumento populacional, ocasionado pela migração do campo para a cidade além do contínuo

Page 9: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

fenômeno de atração de moradores de diversas partes do país, principalmente do Nordeste,

intensificando as relações e os fluxos na região.

Terceira fase: agropecuária e os incentivos fiscais

A terceira fase está compreendida entre os anos de 1964 e 1973 e é basicamente

caracterizada pelos incentivos fiscais do governo federal no município de Barra do Garças.

Vale ressaltar o apontamento de Barroso (2007) que diz que o município ocupava um

território de mais de 200 mil quilômetros quadrados, limitando-se ao norte com o estado do

Pará. Neste imenso território havia apenas alguns povoados: Xavantina - base avançada da

FBC -, São Félix do Araguaia, Luciara e Santa Terezinha.

No final da década de 1960 as terras da região foram apropriadas privadamente por

grandes grupos empresariais, sobretudo de São Paulo, estimulados pelos incentivos fiscais da

SUDAM e pelo crédito subsidiado, oferecido para a implantação de projetos agropecuários. A

apropriação dessas extensas áreas de terra para criação de gado deu inicio a fragmentação do

antigo território pertencente ao município de Barra do Garças.

Quanto ao espaço urbano pode-se afirmar que foi a partir deste momento que a cidade

de Barra do Garças muda sua fisionomia, com padrões urbanos mais modernos com o

asfaltamento das principais ruas, plano diretor de arborização e instalação de redes de energia

elétrica, água e esgoto. Além das especialidades do comércio que começam a surgir para

atender a nova e crescente demanda para a atividade agropecuária como os comércios de

produtos agrícolas e veterinários, além dos gêneros alimentícios, confecções, móveis,

livrarias, farmácias entre outros como se pode observar nas figuras 06 e 07 (VARJÃO, 1992;

DINIZ, 1995).

Page 10: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

FIGURA 6 - Fachada do comércio do setor agropecuário.

Fonte:http://valdonvarjao.com.br/?Pg=Galerias.

FIGURA 7- Construção do Mercado Municipal em fase final.

Fonte: http://valdonvarjao.com.br/?Pg=Galerias.

Este período marca o desenvolvimento urbano de Barra do Garças em detrimento de

uma estagnação da cidade de Aragarças, fato que pode ser explicado pela divisa existente

entre as cidades. Maciel (2006) afirma que como ocorreu em outros centros urbanos

planejados no Brasil, o planejamento, o controle e regulação do uso do solo pelo governo – no

caso pela FBC – podem gerar obstáculos à iniciativa de indivíduos e de empresas. Em razão

disso, Barra do Garças beneficiada por políticas de desenvolvimento econômico e territorial

como a SUDAM, passa a acolher a maior parcela dos habitantes da região, pela “facilidade”

de implantar estabelecimentos residenciais, comerciais ou industriais.

Page 11: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

Neste contexto, com a extinção da FBC no ano 1967 que teve seu patrimônio

incorporado à Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), a cidade

de Aragarças diminui consideravelmente seu ritmo de crescimento e desenvolvimento urbano.

Enquanto que Barra do Garças com a onda desenvolvimentista incentivada pelo Estado

desenvolve-se e nesse processo, surgem inúmeros bairros (RIBEIRO, 2001).

Neste momento, Pontal do Araguaia começa a tomar forma de cidade, como podemos

inferir pelo relato do entrevistado.

Os prefeitos de Barra do Garças ajudaram muito, que isso aqui era de Torixoréu e

era esquecido por Torixoréu que era emancipado [...]. Mas foi muito importante a

gestão de prefeitos que entraram em Barra do Garças. O Pontal do Araguaia começa

a tomar forma de cidade a partir de 1971, que realmente começou quando meu pai

loteou a área do Bairro João Rocha que leva o seu nome, a SUDECO já tinha gente,

mas era desorganizado, não era loteado, não era feito o mapa, tudo certinho, quando

fizeram aqui o loteamento feito mapa, ai já mudou, e o pensamento já transformou,

decidindo fazer cidade. O Pontal é uma cidade plaina muito boa, então isso tudo

ajudou. (entrevista em 14/02/2014.)

Esta fala do pode ser corroborada pela informação de outro depoente.

O Pontal do Araguaia só se desenvolveu bem depois, ficando espremido entre as

duas pontes, era uma região de chácaras com poucas construções e não tinha de

imediato um comércio consolidado e era um distrito de Torixoréu, que estava a 70

km de distância, de estradas ruins a municipalidade nem sempre vinha administrar

os poucos moradores [...] o grande proprietário era um fazendeiro, lá tudo era uma

fazenda, começou a vender parte e lotear [...] (entrevista em 18/02/2014).

Assim, é possível identificar o surgimento da cidade de Pontal do Araguaia nesta fase

do desenvolvimento regional. A partir do loteamento da fazenda com um planejamento de

urbanização da área do setor João Rocha, o distrito inicia um processo de atração

populacional acompanhado de algumas poucas instituições que culminaram em sua

emancipação política na década de 1990.

Quarta fase: Colonização sulista

Esta fase que se inicia na década de 1970 é considerada como a fase contemporânea e

é marcada pela implantação da agricultura intensiva no circuito econômico da região.

De acordo com Ribeiro (2001), a cidade de Barra do Garças foi uma das cidades

mato-grossenses que mais recebeu investimentos financeiros na década de 1970. O autor

chama a atenção para a influência política e econômica regional que a cidade alcançou neste

período, chegando a atingir um raio de aproximadamente 300 quilômetros, num processo de

Page 12: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

hierarquização dos núcleos urbanos da região em subordinação à Barra do Garças pelo seu

dinamismo econômico.

A concessão de incentivos fiscais para a subvenção de projetos aprovados pela

SUDAM e a criação de uma infraestrutura viária, [...], foi a maneira encontrada para

atingir uma agricultura e uma pecuária em moldes capitalistas. Portanto, trata-se de

um conjunto de medidas que contou com a participação direta do estado federal,

visando atrair para a região, o capital e seus agentes (RIBEIRO, 2001, p.37).

Nesse sentido é possível perceber a “liberação” das terras do município para o capital

por meio de grandes empresas, fenômeno que atingiu praticamente todo o Planalto Central do

Brasil a partir da união entre técnica e ciência possibilitando a globalização dos processos

produtivos desenvolvidos na região. Tais condições atraíram para o município uma grande

leva de migrantes sulistas subsidiados por projetos de colonização financiados pelo governo,

que de acordo com Diniz (1995), trouxeram consigo novos usos, costumes e tecnologia no

manejo do solo, fazendo do município o maior produtor de arroz do estado de Mato Grosso na

época.

Aos poucos os núcleos urbanos fundados para abastecer as produções agrícolas como

Água Boa e Canarana, desenvolveram-se e obtiveram suas emancipações políticas,

desmembrando-se do território barra-garcense. Esta onda de desenvolvimento da agricultura

também refletiu sobre a área do distrito de Pontal do Araguaia que por sua proximidade com

Barra do Garças e Aragarças, passa a desenvolver sua área urbana, com o surgimento de

novos bairro e a implantação do campus da Universidade Federal de Mato Grosso. Isso

possibilitou a conquista de sua emancipação política através da lei nº 5.097, de 20 de

dezembro de 1991de autoria do deputado Evaristo Roberto Cruz4.

Merece destaque a abordagem de Valdon Varjão que na maioria de seus livros exalta o

Estado e os sulistas como os responsáveis pelo “progresso” da cidade e da região. “Os

gaúchos foram os responsáveis por esse programa avançado de desenvolvimento da região”

(VARJÃO, 1992, p.80), enaltecendo personalidades políticas que possibilitaram a

implantação da fase por ele chamada de desenvolvimentista e produtora. Em momento algum

o autor retrata as questões relacionadas ao genocídio dos povos indígenas, com a extinção das

culturas locais como nos lembra Ribeiro (2005), e muito menos a expropriação dos pequenos

produtores e posseiros para a apropriação agrária do capital.

4 Informação colhida no histórico do Município no site IBGE Cidades.

Page 13: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Levando em consideração a produção bibliográfica que divide o desenvolvimento

econômico da região nessas quatro fases, sendo a última a representada pela migração gaúcha

e implantação da agricultura intensiva que se desenvolve até o final da década de 1990, faz-se

importante considerar as características atuais que resultaram dessas quatro fases de

desenvolvimento econômico.

De acordo com o IBGE, a população estimada da conurbação em 2014 era de 83.518

habitantes, sendo 58.099 de Barra do Garças, 19.426 de Aragarças e 5.993 de Pontal do

Araguaia e estão numa média de 90% nas áreas urbanas dos municípios. Barra do Garças

segue com um aumento significativo em relação as demais cidades, no entanto, de acordo

com dados do mesmo instituto, Pontal do Araguaia é a cidade que mais cresce

proporcionalmente em quantitativo populacional na região.

A partir de dados do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) das cidades da

conurbação, é possível identificar que a economia das três cidades está predominantemente

baseada na prestação de serviços, com destaque para a cidade de Barra do Garças. Os

números relacionados à indústria também são relativamente significativos nas cidades de

Barra do Garças e Aragarças, enquanto que Pontal do Araguaia tem a agropecuária como o

segundo setor mais importante de sua economia.

O espaço se transforma de acordo com a dinâmica econômica que nele se desenvolve

ao longo do tempo. Assim, as cidades que tiveram sua gênese a partir da atividade garimpeira,

passando para a pecuária e para a agricultura, atualmente tem sua base econômica sustentada

pelo comércio e pela prestação de serviços, podendo ser admitida a existência de uma quinta

fase de desenvolvimento econômico da região.

Nessa quinta fase, em que Barra do Garças é considerada a cidade central da

conurbação além de ser polo regional, é nesta cidade que estão instalados a maioria das

instituições como universidades federal e privadas, institutos federal e estadual de educação,

além instituições das três esferas do governo. Também apresentam filiais de grandes

corporações, bem como de grandes empresas nacionais de comercialização e prestação de

serviços. São por meio dessas instituições que se estabelecem o forte vínculo entre as três

cidades unidas física, cultural, social e economicamente, possibilitando a ocorrência do

fenômeno de conurbação.

Page 14: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O PROCESSO DE … (283).pdf · processo de produção do espaço urbano no decorrer do tempo. ... obras de construção civil e de embelezamento da

REFERÊNCIAS

BARROZO, João Carlos. Incertezas no Araguaia: a enxada enfrenta o trator. In: NETO,

Joanoni V. (Org.) Política, Ambiente e Diversidade Cultural. Cuiabá: EdUFMT, 2007.

CARLOS, Ana Fani A. A cidade. São Paulo: Contexto, 2009.

DINIZ, Zélia dos Santos. Conhecendo Barra do Garças. Goiânia: Gráfica e Editora Kelps,

1995.

IBGE Cidades. Disponível em: < http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php> Acesso

em: 10 de janeiro de 2014.

MACIEL, Dulce Portilho. Aragarças (1943-1968): a moderna urbe na rota para o oeste.

Revista Plurais. Anápolis, v. 1, n.4, 2006.

RIBEIRO, Hidelberto de S. Geopolítica e memória: uma discussão do processo de

desenvolvimento. Relatório de Pós-Doutoramento. Instituto de Geociências – Departamento

de Geografia. Campinas: UNICAMP, 2005.

______. O migrante e a cidade: dilemas e conflitos. Araraquara: Gráfica Wunderlich, 2001.

VARJÃO, Valdon. Aragarças: portal da marcha para o Oeste. Brasília: Senado Federal,

1989.

______. Barra do Garças: do presente ao passado. Brasília: Senado Federal, 1992.

______. Barra do Garças: migalhas de sua história. Brasília: Senado Federal, 1985.