uma trajetÓria de ensino e aprendizagem para o · desafiou nossa curiosidade e nossa capacidade é...

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UMA TRAJETÓRIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O

DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO

Autora: Sonia Pontes Dutra Yadnak1

Orientadora: Magna Natalia Marin Pires2

Resumo

Este artigo apresenta a trajetória desenvolvida pela autora, professora de Matemática da Educação Básica da rede estadual do estado do Paraná durante sua participação no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. A autora faz uma exposição breve sobre o funcionamento do programa, com a intenção de fornecer subsídios aos colegas para que possam julgar conveniente esta prática. A construção de uma trajetória de ensino e aprendizagem foi projetada na expectativa de que ela proporcione o desenvolvimento do pensamento algébrico utilizando a resolução de problemas e questões investigativas numa abordagem da Educação Matemática Realística. A elaboração de uma trajetória de ensino e aprendizagem pode prever situações, promover correções possibilitando mudanças no modo de proceder do professor que favoreçam o entendimento dos conteúdos e também do mundo pelos alunos, ampliando os conhecimentos do professor e deles. Completam este relato os estudos que proporcionaram a elaboração da trajetória, sua implementação em uma escola pública da rede estadual do município de Londrina, os resultados, juntamente com sua análise, acertos e dificuldades dessa prática.

Palavras-chave: Trajetória de Ensino e Aprendizagem. Educação Matemática Realística. Pensamento Algébrico. Resolução de Problemas.

1 Introdução

Este artigo é parte integrante do Programa de Desenvolvimento Educacional

– PDE. O Programa é oportunizado pelo Estado do Paraná como formação

1 Curso de Especialização no Ensino de Ciências, graduada em Química, atua no Colégio Estadual

Sagrada Família – Ensino Fundamental e Médio, Londrina-PR. 2 Mestre em Educação-UFPR, Especialista em Educação Matemática-UEL, Licenciada em

Matemática–UEL, Professora do Departamento de Matemática da Universidade Estadual de Londrina.

continuada aos professores da rede estadual em que atuam na Educação Básica. É

uma política pública que estabelece o diálogo entre estes e os professores da

Educação Superior proporcionando subsídios teórico-metodológicos para o

aprimoramento de ações educacionais que permitam o redimensionamento de sua

prática, resultando a produção de conhecimento. O Programa se apoia em

atividades desenvolvidas em quatro períodos semestrais: O Projeto de Intervenção

Pedagógica no primeiro período; a Produção Didático-Pedagógica no segundo

período; Implementação da Produção na escola de lotação do professor PDE no

terceiro período, juntamente com os Grupos de Trabalho em Rede – GTR – e no

quarto período, fechando esse ciclo de estudos, a elaboração de um artigo que

contemple toda a trajetória do professor cursista: sua pesquisa, sua prática e os

resultados.

A proposta Didático-Pedagógica para implementação na escola foi no

formato de Trajetória de Ensino e Aprendizagem e utilizou as estratégias de

Resolução de Problemas e de Investigação Matemática que oportunizaram a

reflexão a respeito de temas relacionados a conteúdos e de maneiras de

encaminhamento de tarefas nas aulas de Matemática. A construção de uma

trajetória de ensino e aprendizagem pode permitir prever situações que facilitem o

trabalho do professor, proporcionando entendimento dos conteúdos e também do

mundo pelos alunos, ampliando assim, os conhecimentos de todos os envolvidos.

O Projeto e a Produção Didático-Pedagógica foram apresentados à

comunidade escolar durante a Semana Pedagógica de julho de 2011 e desenvolvido

de agosto a novembro do mesmo ano. Os alunos participantes tinham de 13 a 15

anos, cursavam a oitava série do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Sagrada

Família em Londrina-PR, os encontros eram em contra turno. Constam dessa

implementação trajetórias de ensino e aprendizagem de três problemas que

objetivaram oportunizar a aprendizagem de conteúdos relevantes no Ensino

Fundamental. Para as tarefas propostas tanto os meios para sua operacionalização,

quanto os recursos necessários podem ser os que estão disponíveis em qualquer

escola.

Os Grupos de Trabalho em Rede – GTR – foi uma atividade desenvolvida no

terceiro período do PDE que possibilitou a interação virtual com outros professores

permitindo a socialização de meu Projeto de Intervenção Pedagógica viabilizando

um espaço de estudo e discussão. A troca de ideias e experiências foi gratificante e

enriquecedora.

Este trabalho me proporcionou muitos momentos de reflexão a respeito da

teoria e da prática que a aprendizagem presume. A Matemática como atividade

humana é viva e vibrante e está em permanente construção e reconstrução. Nós,

professores, devemos nos sentir desafiados a aprimorar nossa prática e a partir dela

conduzir os alunos para que sejam agentes ativos na construção do conhecimento e

transformadores da realidade.

2 Elementos Teóricos deste Estudo

2.1 Algumas considerações sobre educação matemática

Saviani (2003, p.7) afirma que para “saber pensar e sentir, para saber

querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalho educativo”. O

trabalho educativo efetivado no âmbito escolar não depende somente dos conteúdos

específicos da disciplina em questão. “Para sua prática docente, alguns professores

começaram a buscar fundamentação não somente nas teorias matemáticas, mas

em estudos psicológicos, filosóficos e sociológicos” (PARANÁ, 2008, p.41). Muitos

elementos precisam ser analisados, conforme Klein: “[...] consideração da intuição

como elemento inicial para a futura sistematização [...]” (PARANÁ, 2008, p.42).

Segundo Piaget (MOREIRA, 1999) o ensino precisa ter vida, movimento e utilidade

para que o aluno sinta-se atraído e o processo de aprendizagem se concretize. “Na

Matemática, essa tendência (histórico-crítica) é vista como um saber vivo, dinâmico,

construído para atender as necessidades sociais, econômicas e teóricas em um

determinado período histórico” (PARANÁ, 2008, p.45).

O Currículo Básico (PARANÁ, 1990, p. 66 apud PARANÁ, 2008, p.46) trata

da abrangência do ensino da Matemática:

[...] aprender Matemática é mais do que manejar fórmulas, saber fazer contas ou marcar x nas respostas: é interpretar, criar significados, construir seus próprios instrumentos para resolver problemas, estar preparado para perceber esses mesmos problemas, desenvolver o raciocínio lógico, a capacidade de conceber, projetar e transcender o imediatamente sensível.

Medeiros (1987 apud PARANÁ, 2008, p. 48) refere-se à importância do

ensino da Matemática para a sociedade.

Nessa ação reflexiva, abre-se um espaço para um discurso matemático voltado tanto para aspectos cognitivos como para a relevância social do ensino da Matemática. Isso implica tanto olhar do ponto de vista do ensinar e do aprender Matemática, quanto do seu fazer, do seu pensar e da sua construção histórica, buscando compreendê-los.

Ainda nas DCE (PARANÁ, 2008, p.48) “[...] assume-se a Educação

Matemática como campo de estudos que possibilita ao professor balizar sua ação

docente, fundamentado numa ação crítica que conceba a Matemática como

atividade humana em construção”.

2.2 A educação matemática realística

A Educação Matemática Realística (RME3) surge na Holanda em 1970 com

o Instituto para o Desenvolvimento da Educação Matemática dirigido por

Freudenthal e tem por foco o desenvolvimento educacional com base nas práticas

educacionais. Com a morte de Freudenthal em 1990, em 1991 o Instituto muda seu

nome para Instituto Freudenthal e agrega um grupo de investigação sendo sua

abordagem inovadora em vários campos: o desenvolvimento curricular; formação de professores; investigação educacional; feedback das escolas e desenho e discussão de exemplos inspiradores (protótipos) (HENRIQUES, MATOS, BRANCO e COSTA, 2005, p.3).

3Do termo em inglês: Realistic Mathematics Education.

Para Freudenthal a matemática é uma atividade humana, isto é, a

matemática é produto da ação do homem, ela só existe a partir do ser humano.

Para o Grupo de Investigação do Instituto Freudenthal a Educação

Matemática Realística – RME – é pensada como Atividade Matemática e

Matematização. Na atividade matemática estão a resolução de problemas, a procura

de problemas e a organização de situações de acordo com padrões matemáticos. A

matematização é uma atividade de organização e estruturação que por meio de

reflexão, justificação e prova, são construídos conhecimentos e habilidades para

descobrir regularidades, identificar relações e reconhecer um padrão presente nos

modelos.

A matematização conduz o aluno a abordar matematicamente as situações

do dia-a-dia, possibilitando o processo de reinvenção matemática.

A educação Matemática Realística caracteriza-se pelos princípios:

atividade, os alunos participam ativamente da resolução de situações

problemas;

realidade, usar a resolução de problemas contextualizados no cotidiano

que possam ser matematizados;

nível, o aprender matemática implica que os alunos façam conexões do

conhecimento já sabido com o que se pretende aprender, ao refletir

sobre as atividades desenvolvidas eles podem avançar de um nível já

dominado para o nível seguinte;

inter-relação, são necessários conhecimentos variados e diversas

ferramentas matemática na resolução de problemas contextualizados

ricamente;

interação, a proposta de problemas que podem ser resolvidos em

diferentes níveis proporciona a partilha de estratégias entre os alunos;

orientação, o professor proporciona ao aluno a oportunidade de

reinventar a Matemática, orientando-o com indagações.

2.3 Resolução de problemas

Resolver um problema, superar um obstáculo, mesmo que seja simples, que

desafiou nossa curiosidade e nossa capacidade é sempre uma descoberta que nos

proporciona uma alegria possessiva como se aquele “episódio” antes um problema

agora nos pertencesse. Nossos dias estão repletos de problemas, estamos sempre

à procura de soluções.

[...] a inteligência é essencialmente a habilidade para resolver problemas: problemas do cotidiano, problemas pessoais, problemas sociais, problemas científicos, quebra-cabeças, toda sorte de problemas. O aluno desenvolve sua inteligência usando-a; ele aprende a resolver problemas resolvendo-os (POLYA, 1949 apud KRULIK e REYS, 2005, p.2).

Stanic e Kilpatrick em um artigo de 1989 citam Polya: “Saber Matemática é

ser capaz de fazer Matemática” (POLYA, 1969/1984, p. 574). “O que é o saber fazer

em Matemática? A capacidade de resolver problemas” (POLYA, 1981, p. xi).

Stanic e Kilpatrick (1989, p.16) informam que

Polya assumia que nem a resolução de problemas por si só, sem uma orientação, conduz a um melhor comportamento, nem o estudo da Matemática pela sua natureza própria, nos eleva o nível geral de inteligência. Em vez disso, reconhecia que as técnicas de resolução de problemas precisam ser ilustradas pelo professor, discutidas com os alunos e praticadas de uma maneira compreendida e não mecanizada.

E mais, na formulação de Polya,

o professor é a chave. Só um professor sensível pode estabelecer o tipo correcto de problemas para uma dada aula e promover a quantidade de ajuda apropriada. Porque ensinar também é uma arte, ninguém pode programar ou mecanizar o ensino da resolução de problemas; ela permanece uma atividade humana que requer experiência, gosto e julgamento.

O professor pode auxiliar seus alunos na resolução de problemas,

sugerindo-lhes algumas etapas:

ler várias vezes o problema, pois é preciso compreendê-lo, identificando

seus dados e o que eles significam. É preciso que o aluno entenda o que

o problema está pedindo, qual a pergunta do problema. Assim, ele pode

estabelecer um “diálogo” com o problema;

encontrar uma conexão entre os dados do problema. Pode-se construir

uma tabela, ou um esquema que possibilite traçar um plano de

resolução;

colocar o plano estabelecido em ação, executá-lo com cuidado,

verificando cada passo se está correto;

analisar o resultado, verificar se a resposta respeita todas as condições

do problema. Analisar a resolução completa, por inteiro e questionar-se a

respeito de outro modo para chegar ao resultado.

Conduzir as aulas de Matemática por meio da resolução de problemas pode

propiciar a criatividade, a curiosidade e o desenvolvimento do raciocínio matemático

em nossos alunos.

2.4 Trajetória de ensino e aprendizagem

A trajetória de ensino e aprendizagem é um planejamento apurado e bem

detalhado que o professor prepara com a finalidade de estar bem inteirado das

ações para conduzir a aula, da melhor maneira possível. Para Simon é importante

que o professor conheça seus alunos e saiba qual poderá ser sua participação nas

atividades a serem desenvolvidas em sala de aula.

Como professor, minha concepção do conhecimento matemático dos alunos está estruturada pelo meu conhecimento da Matemática em questão. Convenientemente, o que observei no gosto pelo pensamento matemático dos alunos e meu entendimento das ideias matemáticas envolveram interconexões. Estes dois fatos são interessantes na esfera do ensino do professor (SIMON, 1995, apud PIRES, 2009, p.155).

A partir dos conhecimentos que o professor tem dos educandos, traça a

Trajetória de Ensino e Aprendizagem. Inicialmente, o foco deve ser nos objetivos, ou

seja, o que se quer que os alunos aprendam, o que se deseja que eles façam. O

próximo passo é planejar o trabalho a ser realizado, podendo-se utilizar as

estratégias de Resolução de Problemas e Investigação Matemática. Bons

problemas e tarefas adequadas são escolhas determinantes para o sucesso da

trajetória e para a consequente efetivação da aprendizagem. Nesta etapa,

conjecturam-se hipóteses sobre o processo de aprendizagem dos alunos, partindo

do diagnóstico que o professor tem da turma, por essas conjecturas, Simon usa a

expressão trajetória hipotética de aprendizagem.

Usaremos o termo trajetória hipotética de aprendizagem tanto para fazer referência ao prognóstico do professor como para o caminho que possibilitará o processamento da aprendizagem. É hipotética porque caracteriza a propensão a uma expectativa. O conhecimento individual dos estudantes ocorre de forma idiossincrática, embora frequentemente em caminhos similares. O conhecimento do indivíduo tem alguma regularidade (cf. STEFFE, VON GLASERFIELD, RICHARDS E COBB, 1983), que em sala de aula adquire com atividades matemáticas frequentes em métodos prognósticos, e que muitos dos alunos em uma mesma sala de aula podem se beneficiar das mesmas tarefas matemáticas (SIMON, 1995, apud PIRES, 2009, p.156).

No decorrer das tarefas em sala de aula, o professor questiona os alunos,

procurando levá-los a trilhar caminhos que possam nortear a construção do

conhecimento. Ato contínuo, o trabalho precisa ser avaliado para que a trajetória

seja reescrita, retomando os conteúdos cujos objetivos não foram atingidos.

2.5 Avaliação na educação matemática

“A avaliação é um processo injusto, parcial, inacabado e carregado de

subjetividade”4. A Avaliação é um processo longo que começa com o planejamento

no início do ano letivo e se encerra na entrega de notas ao final dele. Durante esse

4 Notas de aula do Curso de Especialização em Educação Matemática – UEL – Profa. Dra. Regina

Luzia Corio de Buriasco, 2011.

tempo intermediário, entre o início e o final do ano, a avaliação pode constituir-se de

várias etapas, por meio de diversos instrumentos, dos quais alguns são destacados

a seguir.

O relatório “deve incluir uma descrição o mais detalhadamente possível do

trabalho que realizou” (PONTE, BROCARDO, OLIVEIRA, 2009, p.111). O aluno será

orientado a fazer anotações acerca dos procedimentos e estratégias que utilizou

para a resolução da tarefa proposta. Com base nestas anotações o aluno redige o

relatório explicando suas ações, relatando suas dificuldades e outras

particularidades que achar interessante. É importante que no final ele registre uma

crítica pessoal, revelando as contribuições que aquela tarefa lhe proporcionou.

Para a avaliação de relatórios Buriasco (2011, p. 53) nos recomenda:

[...] além dos aspectos genéricos (compreensão, estratégia, solução), será relevante analisar se o aluno se limita a utilizar mecanicamente procedimentos aprendidos ou se revela uma compreensão mais profunda do problema, bem como apreciar o poder de comunicação e a qualidade de argumentação que o trabalho exibe. Se a tarefa tem uma natureza investigativa, então será importante dar uma atenção privilegiada às capacidades de formular, testar e criticar conjecturas, e de fazer generalizações.

O portfólio é constituído por apontamentos do aluno acerca da resolução de

problemas ou exercícios e o relato de como desenvolveu seu raciocínio, seguidos de

indagações do professor que vão orientando, direcionando a aprendizagem deste

aluno; cada coisa que é inserida no portfólio deve ter uma justificativa, é necessário

que contenha uma reflexão a respeito da aprendizagem. O portfólio pode ser usado

como estratégia de investigação e avaliação.

A prova escrita individual ou em grupo precisa conter situações

problemáticas que despertem a curiosidade, o interesse dos alunos, os problemas

contextualizados na realidade podem proporcionar essa oportunidade. A boa

escolha de problemas é fundamental. Ao analisar a prova, o professor pode fazer

observações, auxiliando o aluno na busca do conhecimento.

Trabalho individual ou em grupo é uma modalidade em que o professor pode

sugerir um tema ou assunto a respeito do qual o aluno pesquise e depois produza

um texto, não necessariamente longo, mas que possa constituir um elemento de

aprendizagem, fazendo parte do processo de avaliação. Resolver um problema

ainda inédito para a turma, ou desenvolver uma investigação matemática, ou

trabalhar em um projeto, depois redigir um relatório comas estratégias e os

procedimentos que permitiram a resolução e posteriormente apresentá-los aos

colegas de sala, também pode constituir-se em fator de aprendizagem. Preparando-

se para a apresentação, esse aluno compreende melhor o problema estudado e, ao

expor aos colegas e ao professor desenvolve sua capacidade de comunicação e

argumentação.

Conversar com o aluno a respeito do que ele fez ou justificou é um

instrumento muito interessante para desvendar pontos obscuros na prova, é

também, um momento de aprendizagem porque ao explicar o que fez, ele retoma o

pensamento percebendo acertos e erros.

Segundo Buriasco (2002, p. 6),

para cumprir a principal função da avaliação é preciso que o professor avalie, não apenas o aluno, mas o desenvolvimento do seu próprio trabalho pedagógico como um todo, e dessa forma utilize a avaliação para orientar ambos – professor e aluno – nas suas escolhas escolares.

A avaliação vista desta forma fornece ao professor parâmetros para a

retomada de conteúdos não assimilados, e o aluno ao perceber o envolvimento do

professor, tendo a crença em que ele, aluno, pode fazer melhor, sente-se

responsável pela sua aprendizagem e passa a acreditar que aprender é possível, o

que propicia o desenvolvimento da autoestima. Assim, o aluno será conduzido a um

melhor desempenho em Matemática no presente e no futuro, eliminando de vez o

conceito de que a referida área do conhecimento é difícil e chata de aprender.

Outra questão importante é a recuperação paralela, que muitas vezes não

acontece de fato. Uma forma muito interessante, que merece atenção e

investigação, é a prova em duas fases (ou mais). Na primeira fase, o aluno responde

a prova sem qualquer explicação do professor. Na segunda fase, com mais tempo e

analisando os comentários e as perguntas que o professor fez ao avaliar as

respostas iniciais, ele refaz a prova. O que se evidencia é o processo, o que importa

é a aprendizagem, pois no segundo momento, o aluno acredita na oportunidade e

dedica-se, procurando fazer o seu melhor.

Alguns estudiosos da Educação Matemática já realizam pesquisas a respeito

da prova em duas fases e essa maneira de ensinar e avaliar vem sendo

implementada. Ponte, Boavida, Graça e Abrantes (1997) sugerem essa modalidade

de avaliação evidenciando o cuidado na seleção das questões, tendo em mente os

objetivos e a maneira de funcionamento da prova, as anotações feitas pelo professor

na prova entre os dois momentos são fundamentais para que orientem o aluno e

esse possa corrigir possíveis erros.

3 A Trajetória

A Unidade Didático-Pedagógica articulada com o Projeto de Intervenção

Pedagógica constitui-se de um material didático com sugestões de tarefas e

encaminhamentos metodológicos com a perspectiva de contribuir na superação dos

problemas relacionados ao processo ensino-aprendizagem. Buscaram-se

alternativas na Educação Matemática Realística com Trajetórias de Ensino e

Aprendizagem de problemas que permitissem explorar diversos conteúdos. Da

Produção Didático-Pedagógica constam o problema dos ovos, o problema

Caminhando5 e o problema das moedas. Neste relato está a experiência vivenciada

com o problema dos ovos, porque foi o primeiro a ser trabalhado em sala de aula e,

no meu entendimento os acertos e as dificuldades ficaram muito evidentes.

No primeiro contato com os alunos falei a respeito do PDE e do projeto que

desenvolveria com eles, procurei deixá-los curiosos quanto a participar dos

encontros que seriam em horário alternativo. O meu receio residia no fato de que

eles não se sentissem motivados e não comparecessem. Argumentei que seríamos

um grupo que tinha como objetivo estudar Matemática, mas de uma maneira

diferente, resolvendo problemas. Usei as palavras de Polya que dizia que “saber

Matemática é ser capaz de fazer Matemática, fazer Matemática é a capacidade de

5Essa questão é uma dos itens liberados da prova do PISA – Programa Internacional de Avaliação de

Alunos (em inglês Programe for International Student Assessment). Acesso em maio de 2011:

http://download.inep.gov.br/download/internacional/pisa/Itens Liberados Matematica.pdf.

resolver problemas”. Resolver problemas é uma questão de treino, nós aprendemos

a resolvê-los, resolvendo-os. Procurei levar os alunos a refletirem que nossas vidas

são povoadas de problemas, problemas sociais, problemas financeiros, problemas

de relacionamento, muitos problemas surgem todos os dias e a toda hora. É

provável que esse “treinamento” em resolver problemas, nos seja útil em nosso

cotidiano, preparando-nos para a vida em comunidade. Que algumas situações

precisam ser analisadas por diversos ângulos, e que muitas vezes necessitamos

planejar uma estratégia de resolução e escolher o melhor procedimento para chegar

à solução de um problema.

Convidei todos os 56 alunos das duas turmas de 8ª série do período

matutino a participarem dos encontros, a cada aluno entreguei um bilhete que eles

levaram aos pais. Neste bilhete eu explicava o motivo e benefícios dos encontros, a

data de início, horário e local. Neste dia alguns alunos já falaram que seria difícil

participar, explicando que trabalhavam à tarde ou que moravam longe da escola ou,

tinham treino de futebol, ou aula de violão ou canto. Dias depois surgiram outras

justificativas, como “não estou precisando de nota”, vale lembrar que em nenhum

momento ofereci nota em troca da participação no grupo, alguém disse que não

tinha interesse nos encontros.

No primeiro encontro solicitei o comprometimento dos alunos quanto à

assiduidade e pontualidade, combinamos algumas normas que facilitariam nossa

convivência, como respeito pela opinião do colega e que procurassem atender

minhas orientações:

a tarefa será executada por duplas de alunos, a comunicação é

permitida só dentro da dupla, uma dupla não se comunica com outra;

ao receberem a folha de papel com o problema impresso fariam

várias leituras do problema para compreendê-lo, identificando seus

dados e o seu significado na busca de entender a pergunta, procurei

deixar clara a importância de entender e compreender o questionamento

do problema. Expliquei-lhes que deveriam tentar resolver o problema

sem minha ajuda, que essa partilha de ideias com o colega na busca da

solução é saudável, pois nos faz pensar, obriga-nos a planejar e a

elaborar estratégias e exercita-se desta forma a cooperação entre os

pares;

a procura de conexões entre os dados do problema poderia levá-los a

construir um esquema, uma tabela, possibilitando a elaboração de um

plano de ação. Solicitei que tudo deveria ser anotado;

durante a execução do plano de ação fariam a verificação se cada

passo estava correto;

quando chegassem à solução, que fizessem uma análise do

resultado, verificando se a resposta respeita todas as condições do

problema;

finalmente, analisar a resolução por inteiro e perguntar-se “haveria

outra maneira de resolver este problema?”

Disse aos alunos que cada problema tem maneiras diferentes de ser

resolvido, isto é, chegar à solução esperada, correta. Procurei deixar claro que uma

maneira não é melhor que a outra, apenas diferente, por esse motivo, cada dupla iria

expor no quadro a resolução pensada e executada para chegar a solução do

problema. Outro esclarecimento foi a respeito das palavras fácil e difícil, que se

relacionam ao sujeito, alguma coisa é fácil para mim e difícil para outro, citei o

exemplo de que para mim é muito difícil nadar, pois não sei, para alguns dos alunos

deve ser uma atividade fácil e muito prazerosa.

O relatório que os alunos fariam ao final da resolução do problema foi

evidenciado, solicitei que anotassem tudo que se relacionasse ao problema porque

esta redação deveria ser uma descrição detalhada do trabalho realizado. No

relatório estariam as estratégias e procedimentos que a dupla utilizou para realizar a

tarefa proposta com explicações claras e organizadas de suas ações. Neste relato

estariam suas dificuldades, particularidades interessantes e uma crítica pessoal

revelando as contribuições que aquela tarefa proporcionou à dupla.

Esclareci aos alunos que a avaliação desta tarefa estava vinculada a

participação/cooperação do aluno dentro da dupla, apresentação da resolução do

problema no quadro e a elaboração do relatório. Neste momento os alunos não

fizeram questionamento algum a respeito do relatório, imaginei que não teríamos

problemas quanto a sua elaboração. Eu estava enganada.

Os alunos organizaram-se em duplas sem a minha interferência, em seguida

distribuí o problema dos ovos impresso em uma folha de papel.

“Uma doceira foi ao mercado comprar ovos para fazer 43 bolos, todos

com a mesma receita, que gasta menos de 9 ovos. O vendedor repara que se

tentar embrulhar os ovos que a doceira comprou em grupos de 2 ou de 3 ou de

4 ou de 5 ou de 6 ovos, sempre sobra 1 ovo. Quantos ovos ela usa em cada

bolo? Qual o menor número de ovos que a doceira vai gastar para fazer os 43

bolos?”

Logo após a primeira leitura algumas duplas já solicitavam minha presença

para ajudá-los na resolução. Lembrei-lhes do nosso combinado, que deveriam fazer

várias leituras para entender a historinha do problema, procurando identificar os

dados, os seus significados, e qual era a pergunta do problema. Uma dupla

perguntou-me se o problema era uma “pegadinha”, pois para eles estavam faltando

dados. Nossos alunos estão acostumados a não pensar, a receber tudo pronto e nós

professores somos os responsáveis por essa acomodação. Tirá-los desta inércia

não é um trabalho fácil, é um desafio.

Na sequência passei a questioná-los:

Quais os personagens do texto?6

A doceira e o vendedor.7

O que significa o número 43?

É o número de bolos que a doceira vai fazer.

O que o problema nos desafia a descobrir?

Notei que a palavra “desafia” causou impacto, pareceu-me que somente

depois desta pergunta eles se sentiram desafiados. Algumas duplas voltaram ao

texto. Repeti a pergunta dando mais ênfase à “palavra-chave”.

O que o problema nos DESAFIA a descobrir? A resposta veio

rápida.

Quantos ovos são gastos em cada bolo.

Qual o menor número de ovos que ela (a doceira) vai gastar para

fazer todos os 43 bolos.

Neste momento senti que havia despertado o interesse dos alunos. Pedi que

analisassem a atuação do vendedor na “história”. Uma dupla protestou dizendo que

nunca viu em nenhum lugar alguém que vende ovos, embrulhá-los de 2, ou de 3, ou

de 4 ou de 5 ou de 6 ovos, que só tinham visto embalagens com 12 ovos. Concordei

com eles, de fato vemos com mais frequência embalagens com 12 ovos, mas nos

mercados também encontramos embalagens com 10 ou 6 ovos para vender. Disse-

6 Fala da professora em negrito.

7 Fala dos alunos em itálico.

lhes que podemos imaginar embrulhos com 2 ou 3 ou 4 ou 5 ovos, procurei guiá-los

para que pensassem nesses supostos embrulhos como pistas que nos levariam à

solução do problema.’

Observando as duplas com atenção percebi o envolvimento dos alunos com

o problema. Relato os fatos que presenciei em duas duplas que em caminhos

diferentes chegaram a solução do problema.

Carla8:Tem que ser menos que 9.

Pedro: Por quê?

Carla: Você já esqueceu? No problema está escrito que é menos que

9.

Pedro: Ah! É verdade, tem que ser menos de 9. Pode ser 1?

Carla: Não sei, será que podemos fazer um bolo com um ovo só?

Podemos fazer um bolo com um ovo só, mas será que o bolo do

problema gasta apenas um ovo, será que esta solução satisfaz as

condições do problema? Verifiquem a ação do vendedor.

Pedro: Verificar que jeito? Nos embrulhos?

Carla: É isso mesmo... mas como vou saber se embrulhando de 2 em

2 sobra 1?

Pedro: Se embrulhando de 2 em 2 sobra 1, quer dizer que o número

total de ovos não é par, porque se fosse par não sobrava 1.

Carla: Então pode ser 1 ovo em cada bolo porque sendo 43 bolos,

seriam gastos no total 43 ovos e 43 é um número ímpar e 1 é menor que

9. Pronto está resolvido.

Vamos analisar, será que ao satisfazermos estas duas condições

o problema está resolvido? Será que esses 43 ovos ao serem

embalados de 3 em 3 sobraria 1 ovo? E de 4 em 4? E de 5 em 5? E

de 6 em 6? Também sobraria 1? Que tal vocês fazerem um quadro

com essas suposições.

Carla: Quadro? Que jeito?

Pedro: Poderíamos colocar o número de ovos por bolo, o total de

ovos gastos e a sobra ao embrulhá-los de 2, ou 3, ou 4, ou 5, ou 6.

8Os nomes dos alunos(as) são fictícios.

Coloquem o que vocês pensaram no papel, façam o quadro.

Número

de ovos

por bolo

Total de

ovos

gastos

Sobra dos

embrulhos

de 2 em 2

Sobra dos

embrulhos

de 3 em 3

Sobra dos

embrulhos

de 4 em 4

Sobra dos

embrulhos

de 5 em 5

Sobra dos

embrulhos

de 6 em 6

1 43 1 1 3 3 1

Para construir o quadro Carla e Pedro realizaram divisões de 43 por 2, por 3,

por 4, por 5 e por 6. Quando fizeram a conta 43 dividido por 4 perceberam que esta

não era a solução do problema porque o resto é 3, fato que contradizia a condição

de sobrar só 1 ovo. Na divisão por 5, a sobra de 3 também contrariou o problema

pois neste caso o resto também deveria ser 1. Diante dos resultados procurei animá-

los, dizendo que estavam no caminho certo, que deveriam testar outros valores para

o número de ovos por bolo. Resolveram aumentar o quadro.

Número

de ovos

por bolo

Total

de

ovos

gastos

Sobra dos

embrulhos

de 2 em 2

Sobra dos

embrulhos

de 3 em 3

Sobra dos

embrulhos

de 4 em 4

Sobra dos

embrulhos

de 5 em 5

Sobra dos

embrulhos

de 6 em 6

1 43 1 1 3 3 1

2 86 0 2 2 1 2

3 129 1 0 1 4 3

4 172 0 1 0 2 4

5 215 1 2 3 0 5

6 258 0 0 2 3 0

7 301 1 1 1 1 1

8 344 0 2 0 4 2

Depois de muitos cálculos, alguns com erro que precisaram ser refeitos,

perceberam que 7 era o número de ovos usados em cada bolo e que o menor

número de ovos que a doceira ia gastar para fazer os bolos era 301. Esta resposta

satisfaz todas as condições do problema, 7 é um número menor que 9. Quando se

divide 301 por 2, o quociente é 150 e o resto é 1; 301 dividido por 3 dá 100 e o resto

é 1; 301 dividido por 4, dá 75 e o resto é 1; na divisão de 301 por 5, o quociente é 60

e o resto é 1; e na divisão de 301 por 6 o quociente é 50 e o resto é 1.

Quando Carla fez a divisão de 301 por 2 o quociente era 15, então fiz alguns

questionamentos quanto aquela operação:

Esta conta está terminada?

Carla: Está.

E se fosse 300 dividido por 2, qual seria o resultado?

Carla: 15 e o resto, zero.

Vamos pensar sobre esta conta, dividir por 2 é a mesma coisa

que encontrar a metade?

Carla: É, porque quando quero encontrar a metade de um número, eu

divido por 2.

E qual é a metade de 20?

Carla: É 10.

Certo. E a metade de 30?

Carla: É 15. Professora espera um pouco, se a metade de 30 é 15, a

metade de 300 não é 15 e sim 150, essa conta está errada. Quando eu

abaixei o 1, pensei 1 dividido por 2 não dá e parei a conta. Eu tinha que

por zero na chave, não é?

Quando o dividendo é menor que o divisor, colocamos zero no

quociente, antes de terminar ou continuar a operação.

Carla: Eu sei disso, mas acho que estava tão envolvida em resolver o

problema que esqueci.

Por que você dividiu 301 por 2?

Carla: Para ver se sobrava 1.

Por que 301 não é divisível por 2?

Carla: 301 não é par.

O que é um número par?

Carla: Números pares são os terminados em 0, 2, 4, 6, ou 8.

Daniel e João também chegaram a solução do problema, mas por outro

caminho.

Daniel: João, pensa comigo, se o número que estamos procurando é

menor que 9, então pode ser 1, ou 2, ou 3, ou 4, ou 5, ou 6, ou 7, ou 8.

Não pode ser 9, tem que ser menor. Não pode ser zero, se não o

problema não chamaria problema dos ovos (risos).

João: E tem outra coisa, esse vendedor, a professora falou que os

embrulhos são pistas, quer dizer que se ele foi embrulhar de 2 em 2 e

sobrou 1, é porque não são dois ovos por bolo.

Daniel: É isso mesmo. E também não 3 ovos por bolo porque

embrulhando de 3 em 3 sobra 1. Podemos pensar da mesma maneira

com relação 4, 5 ou 6 ovos porque sempre sobra 1 nestes pacotes. A

resposta do problema só pode ser 7 ou 8.

João: Não, a resposta só pode ser 7, porque se for 8 o total de ovos

será, deixa eu fazer a conta 43 vezes 8 são 344 e 344 é um número par,

sendo 344 o total de ovos poderiam ser embrulhados de 2 em 2 e o resto

seria zero e não 1 como diz o problema.

Daniel: A professora falou pra gente testar a resposta, vamos ver, 7 é

um número menor que 9, certo. Agora precisamos ver se o resultado de

43 vezes 7 dividido por 2, por 3, por 4, por 5 e por 6 tem resto 1. Vamos

ter que fazer essas contas. Já que ela pediu para fazer algum quadro

para organizar os dados, o que você acha se a gente fizer assim,

lembrando que 43 vezes 7 é igual a 301:

Dividendo Divisor Quociente Resto

301 2 150 1

301 3 100 1

301 4 75 1

301 5 60 1

301 6 50 1

João: Ficou bom. Com esse quadro a gente está provando que a

resposta é mesmo 7 ovos por bolo e que o menor número de ovos que a

doceira vai gastar para fazer os 43 bolos é 301 ovos.

No momento da socialização cada dupla colocou no quadro de giz a sua

resolução, pedi que explicassem como chegaram àquele resultado, os alunos não

queriam falar para os colegas, eles estavam envergonhados, com receio de errar,

mesmo assim ouvimos boas justificativas das soluções obtidas. Com as resoluções

dos alunos no quadro, o problema dos ovos possibilitou rever os critérios de

divisibilidade por 2, por 3, por 4, por 5, por 6. Os alunos não se lembravam do

critério de divisibilidade por 3, foi interessante porque eles sugeriam números de 3

ou 4 ou 5 algarismos para testarmos a divisibilidade por 3. A aula estava no final,

solicitei aos alunos que pesquisassem se havia critério de divisibilidade por 7, por 8,

por 9 e por 10 e trouxessem na próxima aula.

Quando cheguei ao colégio no dia seguinte, um aluno, o Paulo, veio ao meu

encontro para contar que tinha feito uma pesquisa sobre a divisibilidade por 7, fiquei

surpresa, muitas vezes passo uma tarefa para casa e eles não fazem e o motivo

mais frequente é “esqueci”. O problema dos ovos “mexeu” com eles. Sugeri a Paulo

que ele apresentasse sua pesquisa aos colegas, ele pareceu-me indeciso, mas

sendo desinibido e tendo bom relacionamento com os colegas, perguntei-lhe se

tinha alguma dúvida sobre a tarefa, ele respondeu que não, pois havia testado o

procedimento com vários números, fiquei certa de que a curiosidade mais do que a

obrigação levou Paulo a fazê-la. A explanação de Paulo foi muito boa inclusive com

alguns exemplos, ele solicitou uma nota extra pelo trabalho extra da apresentação,

antes de concordar, perguntei a opinião da turma e eles acharam que era justo.

Ainda nesta aula revimos a divisibilidade por 8, por 9 e por 10, testamos alguns

números fazendo a divisão. Perguntei aos alunos se alguma dupla gostaria de

apresentar aos colegas os critérios de divisibilidade por 11 e por 13 na próxima

semana, duas duplas se propuseram, mas percebi que o interesse maior estava na

nota extra que combinamos.

Solicitei aos alunos que se organizassem em duplas, a mesma da aula

anterior quando tinham resolvido o problema dos ovos e que lessem novamente o

problema. Alguns protestaram dizendo que o problema já estava resolvido,

argumentei que ainda tínhamos alguns desafios como verificar se poderíamos

resolvê-lo de outra maneira e a elaboração do relatório. Uma das resoluções

pensadas na trajetória elaborada por mim e que não tinha sido apresentada por

nenhuma dupla utilizava mínimo múltiplo comum, sendo esse um conteúdo previsto,

passei a questioná-los. Pedi que imaginassem um problema parecido, mas que o

vendedor ao embrulhar os ovos em pacotes de 2, de 3, de 4, de 5 ou de 6 ovos não

houvesse sobra, o que essa condição podia nos garantir.

Aluno: Quer dizer que o número total de ovos ao ser dividido por 2, por 3,

por 4, por 5 e por 6, o resto é zero.

Posso dizer que esse número é um múltiplo de 2, de 3, de 4, de 5, de

6 ao mesmo tempo? Qual o significado da palavra múltiplo?

Procurem no dicionário.

Múltiplo adj. 1que se manifesta de várias maneiras; multíplice. s.m. MAT 2

número que pode ser dividido exatamente por outro. (HOUAISS, 2010, p.535)

Verifiquei com os alunos os significados da palavra múltiplos, eles não

sabiam o que era adj. (adjetivo) e s.m. (substantivo masculino), disse a eles que o

significado 2 é que nos interessava pois estava relacionado com a Matemática (no

dicionário, MAT). Explorei com os alunos uma explicação de outro dicionário.

Um número natural m, é múltiplo de um número natural a se m é o resultado

da multiplicação de a por algum número natural. Exemplo: 18 é múltiplo de 6

porque 6.3 = 18. De um modo geral, os múltiplos de 6 são números na forma

6n, com n natural. O número 0 é múltiplo de qualquer número natural. Pode-

se estender a ideia de múltiplo aos números inteiros. Exemplo: -20 é múltiplo

de -5 (IMENES & LELLIS, 1998, p. 201-202).

Aproveitei para falar a respeito de múltiplo comum.

Um número que é múltiplo de dois ou mais números é múltiplo comum

desses números. Exemplo: 36 é múltiplo comum de 2, 6 e 9 (IMENES &

LELLIS, 1998, p. 202).

Voltando ao problema e considerando que é possível separar os ovos em

grupos de 2, 3, 4, 5 ou 6 ovos, então essa quantidade deve ser no mínimo múltiplo

de 60.

2 3 4 5 6 2

2 x 2 x 3 x 5 = 60 (para garantir que seja divisível

por todos)

1 3 2 5 3 2

1 3 1 5 3 3

1 1 1 5 1 5

Como sempre sobra 1, então essa quantidade pode ser: 61, 121, 181, 241,

301, 361, 421, 481...

Buscando os múltiplos de 43 temos: 43, 86, 129, 172, 215, 258, 301, 344...

Portanto 301 : 43 = 7

Resposta: A doceira utiliza 7 ovos em cada bolo. Para os 43 bolos serão

necessários 301 ovos.

Com essa resolução revisamos mínimo múltiplo comum e seu algoritmo.

Após essa resolução pedi que redigissem o relatório e entreguei-lhes um

roteiro para facilitar sua elaboração, explicando cada item.

ROTEIRO PARA CONFECÇÃO DO RELATÓRIO

Nome dos alunos que compõe a dupla

Nome do colégio

Data

Disciplina

Turma e série

Título

Texto: descrever suas ações explicando-as (incluir tabelas, esquemas,

operações, diálogos da dupla, etc.). Relatar suas dificuldades e outras

particularidades que achar interessante. Registrar uma crítica pessoal

revelando as contribuições que a tarefa lhe proporcionou e como se

desenvolveu o trabalho em grupo

Referências

Sendo este o primeiro relatório que os alunos fariam de uma atividade

matemática, procurei orientá-los durante a elaboração, PONTE et al (2009, p.117)

alerta que “será necessário dialogar com os alunos ao longo do processo da sua

elaboração, ajudando a clarificar o que é pretendido e dando-lhes hipótese de

colocarem as suas questões.”

O relatório como avaliação obriga o aluno a “refletir globalmente sobre o

problema, sobre as razões por que o abordou de uma certa maneira e as relações

entre as principais ideias matemáticas envolvidas” (BURIASCO, 2011, p. 48).

Propiciando experienciar a avaliação como uma oportunidade de aprendizagem.

Para a avaliação do relatório procurei definir “parâmetros que considerem a

natureza do problema em estudo e o modo como a atividade foi orientada”

(BURIASCO, 2011, p. 53). Eu pretendia deixar alguns questionamentos nos

relatórios dos alunos que os ajudassem a melhorar suas ideias ou até dissipar

dúvidas.

Parecia que tudo estava planejado, mas na hora de escrever, os alunos

tiveram muita dificuldade. Eles pensavam que apresentar a resolução do problema

era o relatório.

Paralelamente a implementação de meu projeto na escola estava

acontecendo o GTR9.Doze professoras participavam do meu GTR, entre elas uma

de Português. Contei a essas professoras minha dificuldade em fazer com que os

alunos redigissem o relatório. Muitas foram as sugestões, entre elas, a que eu

deveria fazer um relatório coletivo com os alunos escrevendo no quadro com

questionamentos e sugestões. Assim, eu e os alunos fizemos nosso primeiro

relatório coletivo, abordando as três resoluções do problema. Uma aluna

questionou-me, dizendo “isso é aula de Matemática ou Português?”. Respondi-lhe

que era das duas disciplinas porque ao elaborarmos o relatório das resoluções do

problema estávamos revendo os procedimentos e estratégias utilizadas nas

resoluções, portanto aula de Matemática e também de Português, pois se tratava de

uma redação, de uma produção de texto e durante sua elaboração procurávamos

vocábulos mais adequados a cada situação, também tínhamos a preocupação com

ortografia e pontuação. Cada dupla ficou incumbida de finalizar seu relatório com

uma crítica pessoal a respeito desta tarefa.

9Os Grupos de Trabalho em Rede – GTR constituem uma atividade do Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE, que se caracteriza pela interação virtual entre os Professores PDE e os demais professores da Rede Pública Estadual.

4 Considerações Finais

Neste item pretendo analisar se os objetivos de meu projeto foram

alcançados. O objetivo geral era construir uma Trajetória de Ensino e Aprendizagem

utilizando a estratégia de Resolução de Problemas ou Investigação Matemática, que

foi realizado. Quanto aos objetivos específicos estudei elementos da Educação

Matemática Realística e questões teóricas da Resolução de Problemas e da

Investigação Matemática. Foi minha intenção explorar questões do pensamento

algébrico ao construir a trajetória de ensino e aprendizagem. Tenho dúvidas se

posso compreender e definir pensamento algébrico, penso que minha

fundamentação teórica ainda não permite que eu o faça. Algumas pistas a respeito

do assunto fazem-me acreditar que durante a resolução de um problema, na procura

de um valor desconhecido, ou quando utilizamos palavras como muitos, alguns ou

poucos, para representar quantidades, tais atitudes podem nos dar uma ideia de que

o pensamento algébrico esteja se manifestando.

Desenvolvi a trajetória projetada com algumas modificações. Minha proposta

durante sua elaboração era trabalhar com uma turma de 8ª série, mas não foi

possível, pois a orientação que nós, professores PDE, tivemos é que o projeto

deveria ser desenvolvido no horário alternativo das aulas, nem todos alunos

puderam vir, ou quiseram vir. Previ que em duas aulas de 50 minutos seria possível

trabalhar o problema dos ovos, pensei assim porque os conteúdos elencados

pareceram-me que eram de revisão, não eram conteúdos de 8ª série. A trajetória

dos ovos “consumiu” dez aulas de 50 minutos. Nas duas primeiras aulas fizemos o

contrato pedagógico combinando as regras da tarefa, a interpretação do texto do

problema, as primeiras resoluções e apresentação no quadro dessas resoluções

pelas duplas. Na terceira e quarta aulas foram totalmente preenchidas pelo estudo

dos critérios de divisibilidade, divisores, múltiplos e mínimos múltiplos comuns.

Muitos alunos não se lembravam do critério de divisibilidade por 3, por exemplo,

então caminhávamos mais lentamente pela trajetória quando um assunto assim

exigia. Na quinta e sexta aulas, voltamos aos critérios de divisibilidade e às

resoluções do problema para elaborar o relatório, neste dia a produtividade foi baixa.

Na sétima e oitava aulas, os alunos e eu elaboramos um relatório coletivo, ao final

cada dupla faria uma crítica pessoal sobre a tarefa proposta. Em seguida apresento

dois comentários escritos, feitos por dois alunos:

“gostamos, foi legal”.

“resolver o problema nos mostrou que cada um tem o seu modo de fazer

as coisas e que você não pode acreditar que há apenas um modo de

fazê-las. Parece que o raciocínio ficou mais rápido e isso foi legal, você

aprende a ver as coisas com outros olhos, muitas pessoas ficam

pensando que Matemática é difícil, mas elas mesmas acabam se

subestimando e aqui aprendi que você não pode deixar de fazer alguma

coisa só porque você não sabe. E os problemas, nossa o 1 que ela

passou foi super complicado de resolver, foi aquele do bolo, depois ela

ficou fazendo várias perguntas, por que os números são divisíveis por 2,

3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11. [...] a parte mais difícil foi a do relatório porque

antes disso, Matemática, para mim, era só fazer as contas, mas contas

todos sabem fazer, mas o mais complicado foi você expor suas opiniões

em um papel, mas no final das contas valeu muito a pena.”

Nas duas últimas aulas dedicadas ao problema dos ovos vimos o critério de

divisibilidade por 11 e conversamos a respeito da elaboração do relatório,

principalmente sobre as dificuldades, depois promovi uma discussão com os alunos

sobre a nova estratégia de aula, pelas opiniões apresentadas, o resultado foi

positivo.

O encontro no Pró-Mat com os colegas PDE, que também estavam

implementando trajetórias em suas escolas me proporcionou a reflexão sobre minha

atuação e dos alunos, era reconfortante compartilhar dúvidas e anseios.

A construção de uma trajetória de ensino e aprendizagem me permitiu

prever situações, promover correções possibilitando mudanças no modo de

proceder que favoreceram o entendimento dos alunos, ampliando seus

conhecimentos e os meus.

A tranquilidade e confiança da minha orientadora foram fundamentais. Ela

me ajudou muito, com ela aprendi não só conceitos e fundamentos de Matemática e

Didática, mas também de psicologia e muito a respeito da língua portuguesa.

Aprendi que sem teoria não se constrói a prática, ler, interpretar deve ser uma

constante na vida do professor comprometido, ele deve ser antes de tudo um

estudante.

Saio do PDE com muita vontade de estudar e descobrir caminhos que me

levem a melhorar minha prática como docente. O objetivo é conduzir meus alunos

pelas trilhas do conhecimento para que possam contribuir com o desenvolvimento

da sociedade como cidadãos construtivos, críticos e comprometidos.

Referências

BURIASCO, R. L. C. Considerações sobre avaliação. Parte da conferência de Abertura do Encontro Pernambucano de Educação Matemática em 12/01/2002. Apostila Avaliação da Aprendizagem Matemática. Universidade Estadual de Londrina, 2011.

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HENRIQUES, A. et al. Estudo de caso – educação matemática realista. 2005. Trabalho apresentado no Mestrado em Educação – Área de Especialização: Didáctica da Matemática Fundamentos de Didáctica da Matemática – Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – Departamento de Educação, Lisboa, Portugal. 2005.

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PONTE, J. P.; BROCARDO, J.; OLIVEIRA, H. Investigações matemáticas na sala de aula. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 149p.

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