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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS - GRADUAÇÃO “LATU SENSO”
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E SOCIAL DA CRIANÇA
DE O A 5 ANOS SEGUNDO A PSICOLOGIA DA GESTALT E A
PSICANÁLISE DE DONALD WINNICOTT
Por
Marcia Cristina Gomes Sanches
Orientador
Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas
Rio de Janeiro
Março 2004
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS - GRADUAÇÃO “LATU SENSO”
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E SOCIAL DA CRIANÇA
DE O A 5 ANOS SEGUNDO A PSICOLOGIA DA GESTALT E A
PSICANÁLISE DE DONALD WINNICOTT
Apresentação de monografia à
Universidade Cândido Mendes como
condição prévia para a conclusão do
Curso de Pós-Graduação “Latu-Sensu”
em Psicopedagogia.
Por
Marcia Cristina Gomes Sanches
Rio de Janeiro
2004
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DEDICATÓRIA
À minha amada mãe, por sua presença tão
constante e ativa durante toda a minha vida, o
que foi fundamental para que eu superasse
todas os desafios que a vida naturalmente me
proporcionou no decorrer de todo o meu
percurso permitindo a descoberta de valores
realmente importantes.
Ao meu marido, tão querido e especial, por
todo seu amor e dedicação.
4
AGRADECIMENTOS
À Deus que sempre esteve ao meu lado
em toda a caminhada por esta vida.
Ao Mestre Nilson Guedes de Freitas por
toda a paciência durante a orientação
deste trabalho.
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RESUMO
O objetivo desta pesquisa será tentar compreender o significado da chamada primeira infância e idade pré-escolar na vida total do ser humano, identificando as diferentes fases do desenvolvimento infantil (fases mãe-filho, pais-filho, criança-escola) e os elementos responsáveis pela formação do indivíduo. É um estudo contextualizado tendo como orientadores a Psicologia da Gestalt e a Teoria de D. Winnicott tentando promover a importância de ambas para o conhecimento e aprofundamento do ser procurando conhecer teoricamente o desenvolvimento da criança pequena em interação com sua mãe.Somente a partir de um prévio conhecimento da bibliografia teórica e de pesquisa, aliado à observação constante da criança, é que o profissional poderá adquirir competência visando um trabalho fecundo, produtivo e profundo. Portanto, serão utilizados os livros que constarem na bibliografia, além de artigos da Internet e Revistas relacionadas ao tema para complementar e acrescentar dados novos sobre o tema escolhido.O conteúdo deste trabalho será delimitado no aprofundamento e ampliação de conceitos iniciais em cada fase da infância. Enfatizando como fator determinante o tipo de vínculo que a mãe estabelecerá com seu filho. A base teórica de referenciais será o desenvolvimento da criança de zero a cinco anos, considerada primeira infância, tendo como embasamento teórico principal a Psicologia da Gestalt confrontando com a visão psicanalítica de Donald Winnicott. Serão utilizados teóricos como Donald Winnicott e Violet Oklander.
Palavras- chaves: Criança. Psicologia da Gestalt. D. Winnicott. Mãe.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I 10
O QUE É A PSICOLOGIA DA GESTALT? 10
CAPÍTULO II 39
VIDA E OBRA DE DONALD WINNICOTT 39
CAPÍTULO III 47
O QUE É A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO? 47
CAPÍTULO IV 70
DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA 70
CAPÍTULO V 83
O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA 83
CONCLUSÃO 107
BIBLIOGRAFIA 110
ANEXOS 112
ÍNDICE 120
FOLHA DE AVALIAÇÃO 123
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INTRODUÇÃO
O objetivo desta pesquisa será descrever, analisar e esclarecer
tentando compreender o significado da chamada primeira infância ou
infância inicial e idade pré-escolar na vida total do ser humano, identificando
as diferentes fases do desenvolvimento infantil (fases mãe-filho, pais-filho,
criança-escola) e os elementos responsáveis pela formação do indivíduo. É
um estudo contextualizado tendo como orientadores a Psicologia da Gestalt
e a Teoria de D. Winnicott diante da tentativa de promover a importância
fundamental de ambas para o conhecimento e aprofundamento do ser,
mostrando a proximidade e o antagonismo destas tendências. Apresentar os
principais elementos do processo de desenvolvimento psicológico presentes
no momento da vida que se convencionou chamar de infância inicial ou
primeira infância até a idade pré-escolar. Procurar conhecer teoricamente o
desenvolvimento da criança pequena em interação com sua mãe.
O interesse pelo assunto proposto se deve à necessidade em
conhecermos melhor a construção do sujeito através de uma reflexão
direcionada aos pressupostos e fundamentos teóricos da Psicologia da
Gestalt e a Psicanálise de D. Winnicott; reconhecendo a diversidade do
assunto no que se refere à primeira infância.
Deve-se considerar este período fundamental porque são lançadas
sementes de um processo que objetiva uma personalidade saudável,
adaptada, feliz e capaz de lidar de maneira satisfatória tanto com o seu
mundo interno como com as exigências do mundo externo (físico e social)
ou, ao contrário, desenvolvendo dificuldades poderá levar a desvios,
desajustes e insatisfações na criança quando atingir a maturidade e em toda
sua família, pois, conflitos ou vivências traumáticas desta época da infância
podem ter repercussões imediatas ou se manifestar durante toda a vida do
indivíduo repercutindo em suas atividades profissionais, em sua vida sexual
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e familiar; e futuramente, gerando dificuldades no exercício do papel de pai
ou de mãe.
A escolha deste tema para abordagem se deve ao fato do contato
com crianças dessa faixa etária, em especial, o que estimula a uma profunda
curiosidade à respeito do bem-estar comportamental e emocional da criança
apresentando a organização afetiva, cognitiva e social do bebê e da criança
e como estes aspectos do desenvolvimento se integram no que podemos
denominar “organização inicial da personalidade”.
O conteúdo deste trabalho será delimitado no aprofundamento e
ampliação de conceitos iniciais em cada fase da infância. Enfatizando
também como fator determinante o tipo de vínculo que a mãe estabelecerá
com seu filho, fator que, sem dúvida, é fundamental para a vida da criança.A
base teórica de referenciais será o desenvolvimento da criança de zero a
cinco anos, considerada primeira infância, tendo como embasamento teórico
principal a Psicologia da Gestalt confrontando com a visão psicanalítica de
Donald Winnicott.
Somente a partir de um prévio conhecimento da bibliografia teórica e
de pesquisa, aliado à observação constante da criança, é que o profissional
poderá adquirir competência visando um trabalho fecundo, produtivo e
profundo. Portanto, serão utilizados os livros que constarem na bibliografia,
além de artigos da Internet e Revistas relacionadas ao tema para
complementar e acrescentar dados novos sobre o tema escolhido.
Assim, no primeiro capítulo, é definida a Gestaltpsicologia, uma vez
que o trabalho é baseado nesta teoria, é necessário que sejam esclarecidos
alguns detalhes à respeito da mesma.
No segundo capítulo, inicia-se a pesquisa a respeito da vida e obra de
Donald Winnicott, pois apesar deste trabalho ser baseado na
Gestaltpsicologia, é imprescindível que haja uma pesquisa sobre este
psicanalista e pediatra, que dedicou seu estudo ao extraordinário mundo da
criança, começando pelo vínculo natural entre mãe e filho.
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Winnicot aborda problemas de alimentação, moralidade, primeiros
passos e outros da fase inicial da evolução do ser humano representando
uma abordagem para a compreensão da criança através da descrição e
exploração das mudanças psicológicas que a crianças sofrem no decorrer
do tempo.
O terceiro capítulo trata do desenvolvimento emocional na primeira
infância, com uma reflexão da natureza humana baseada nas concepções à
respeito da criança, mais precisamente, durante a primeira infância;
objetivando, com isso, que desde cedo, a criança tome consciência de si
mesma, dos seus sentimentos e da sua existência em seu mundo. A partir
dessa consciência, a criança toma esse mundo como um espaço dela, o que
viabiliza, nesse momento, conviver com as mudanças e expectativas se
torna mais fácil e tudo flui melhor.
O quinto capítulo esclarece o desenvolvimento social na primeira
infância Já tendo compreendido no capítulo anterior que através do
desenvolvimento emocional podemos mostrar a importância dos primeiros
anos de vida na estruturação da personalidade, neste capítulo será
determinado o curso do desenvolvimento futuro da criança no sentido da
adaptação social adequada.
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1. O QUE É A PSICOLOGIA DA GESTALT?
A Psicologia da Gestalt ou Gestaltpsicologia nasceu na Alemanha dos
anos vinte e trinta sendo uma das tendências teóricas mais coerentes da
história da Psicologia.
Foi iniciada por Max Wertheimer, juntamente com Wolfgang Kohler e
Kurt Koffka. A Gestalt psicologia se dedicou sobretudo ao estudo da
percepção, da aprendizagem e solução de problemas, mais tarde Fritz Perls
criou a Gestalt-terapia.
A Gestaltpsicologia vê o problema da percepção, da aprendizagem e
solução de problemas como algo determinado pela realidade do campo visto
como um todo. Quando existe problema em alguma destas três modalidades
é porque falta algo à verdadeira solução da situação, o que torna necessário
uma restauração do campo perceptual, sendo que na solução de problemas,
já existem elementos anteriormente conhecidos, já na aprendizagem pode
haver aquisição de elementos novos. A tese da Gestalt psicologia é: o todo é
mais que a soma de seus elementos, ou seja, é preciso levar em conta, na
análise dos processos psíquicos, a análise do processo global dos fatores
que interferem nele.
A palavra Gestalt surgiu em 1523, em uma tradução da bíblia; é
formada a partir de um particípio passado: vor augen gestalt – “colocada
diante dos olhos, exposta aos olhares”.
Gestalten significa dar forma, dar uma estrutura significante.
Gestaltung é uma palavra que significa uma ação prevista, em curso
ou acabada, que implica um processo de dar forma, uma “formação”.
A Gestaltpsicologia é uma teoria segundo a qual nosso campo
perceptivo se organiza espontaneamente, sob a forma de conjuntos
estruturados e significantes – “formas boas” ou gestalts fortes e plenas. Uma
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parte num todo é algo diferente desta mesma parte isolada ou incluída num
todo, por exemplo: um grito num jogo de um grito em uma briga.
A Gestaltpsicologia desenvolveu-se a partir de duas fontes: da recusa
dos pontos de vista atomísticos da psicologia estrutural e da psicologia
associacionista; e da aceitação dos trabalhos de Wertheimer relativos à
estrutura da percepção.
Perls afirma:
A suposição básica da gestaltpsicologia é que a natureza humana se organiza em estruturas ou totalidades, sendo dessa maneira percebida pelo indivíduo e só pode ser compreendida como uma função daquelas estruturas ou totalidades das quais se compõe.
(Perls 1976b, p. 22)
Para compreender um comportamento, é necessário analisá-lo e ter
dele uma visão sintética, percebendo-o em seu aspecto global, considerando
as condições que alteram a percepção do estímulo. Gestaltpsicólogos
justificam essa postura baseando-se na teoria de que a parte está
relacionada com o todo.
A percepção é o ponto de partida e também um dos temas centrais
dessa teoria. Para os gestalt psicólogos, entre o estímulo que o meio
fortalece e a resposta do indivíduo, encontra-se o processo de percepção, o
que o indivíduo percebe e como percebe são os dados importantes para a
compreensão do comportamento humano.
O homem é um todo integrado, que se relaciona com o universo como
um todo no qual ele está todo imerso, logo, o modo como a pessoa vê
fisicamente a realidade externa está relacionado com o modo como ela se
relaciona com seu meio comportamental e psicológico, ou seja, a maneira
como percebemos um determinado estímulo irá desencadear nosso
comportamento. A questão é como a pessoa, a partir da concepção que tem
de si mesma e do mundo, se organiza nele, como apreende e soluciona a
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realidade e as lições do cotidiano, pois, entre o modo como ela organiza sua
percepção e como se organiza na vida existe uma conexão.
A Gestaltpsicologia vê a aprendizagem como a relação entre o todo e
a parte, onde o todo tem papel fundamental na compreensão do objeto
percebido.
Nem sempre situações vividas por nós apresentam-se de forma clara
que permitam sua percepção imediata. Acontece, às vezes, de estarmos
olhando para uma figura que não tem sentido para nós e, de repente, sem
que tenhamos feito qualquer esforço especial para isso, a relação figura-
fundo elucida-se. A esse fenômeno a Gestalt dá o nome de insigth
(introvisão) que designa uma compreensão imediata enquanto uma espécie
de “entendimento interno”; é uma súbita alteração do campo perceptual, o
que nos coloca em contato com uma série de comportamentos novos.
A filosofia da Gestalt serve como uma orientação de vida, um
elemento de que a consciência é sempre útil e oferece técnicas e estratégias
que podemos usar para caminhar em direção a uma maior tomada de
consciência; uma forma particular de conceber as relações do ser vivo com o
mundo. Desenvolve uma perspectiva unificadora do ser humano, integrando
ao mesmo tempo as dimensões sensoriais, afetivas, intelectuais, sociais e
espirituais, permitindo consciência dos mecanismos interiores.
O objetivo central da gestaltpsicologia é ajudar a pessoa através de
diferentes métodos, de modo que ela possa ter uma percepção, sem erros
de si próprio e do campo e, conseqüentemente, fechar assuntos em aberto
(gestalts), visto conceber que o acúmulo de situações não resolvidas (=
gestalts em aberto) leva à confusão.
Em 1940, a Psicologia da Gestalt já era aplicada em muitas áreas da
psicologia mas não havia uma dinâmica da estrutura da personalidade e do
crescimento pessoal.
A partir de Fritz Perls a Gestalt passou a ser chamada de Gestalt-
terapia.
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1.1 Conceitos da Gestalt
Os conceitos teóricos da gestalt podem ser resumidos em dois
aspectos básicos: a imagem do ser humano e o conceito de doença.
A imagem de ser humano se expressa nos conceitos de self-support,
totalidade e integração, contato e fronteira de contato, percepção,
consciência e aqui-e-agora. O conceito de doença da gestalt se baseia na
visão das neuroses.
O gestalt psicólogo exige que o indivíduo aceite partes dissociadas de
sua personalidade e consiga agir com auto-responsabilidade objetivando
que se fortaleça condições para novos progressos.
A gestalt vê o homem como possuidor de todo o equipamento
necessário para enfrentar a vida devido à sua imagem positiva do ser
humano, mas para isso ele precisa se conscientizar de suas forças; a gestalt
supõe que o paciente carece de self-support, logo, é objetivo da terapia
facilitar os meios que estejam à disposição no aqui-e-agora para que ele
consiga resolver tantos seus problemas presentes como os que possam
surgir, alcançando, assim o self-support.
Totalidade e Integração
A gestalt vê o ser humano como um todo, além de seu
comportamento perceptível externo, vê também seu comportamento interior
e não totalmente perceptível, sua intuição interna, seus processos internos.
São sinônimos da palavra totalidade: unidade, estrutura e gestalt (no
sentido de uma gestalt fechada). A gestalt é a totalidade retirada de seu
meio (fundo).
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O objetivo da gestalt, segundo Kölher, será a integração, sempre que
a totalidade não estiver presente no ser humano e cuja falta estiver lhe
causando problemas.
O ser humano como unidade de corpo-alma-mente
Uma vez que o organismo do ser humano forma uma unidade, corpo-
alma-mente não são separáveis.
Analogicamente à unidade corpo-alma-mente pode-se falar da
unidade sentir-pensar-fazer. Segundo Perls (1976), o organismo alcança e
mantêm seu equilíbrio através do processo homeostático que pode ser
considerado como o de auto-regulação, através do qual o organismo
interage com o meio conseguindo manter sua saúde. Quando o processo
homeostático falha, o organismo está doente.
A unidade de passado, presente e futuro
Deriva do conceito holístico da gestalt sobre o tempo. O presente é o
ponto de transformação entre passado e futuro.
A unidade do se aceitar e do se modificar
Verifica-se uma mudança quando alguém se torna o que é e não
quando procura ser o que não é.
Somente a percepção clara e a aceitação da situação presente (eu sou eu) e sua aceitação sendo sentida e vivida liberta de ideais do eu e de pretensões, ambos irrealistas, que só podem levar à frustração e à decepção. A suposição do ser assim, no momento, liberta as forças para a percepção de possibilidades de ação realistas e alternativas. Ao mesmo tempo não deve ser perdido de vista o perigo do apego ao estado presente.
(FRECH 1977/78, p.5)
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Mudança é auto-encontro, auto-realização, antes sentimentos
negativos eram combatidos como perturbações, agora o indivíduo pode
permiti-los e aceitá-los, ganhando, assim, força.
O ser humano não está à disposição dos limites que se colocam à
auto-realização, ao crescimento pessoal, ao desenvolvimento da
dependência e à independência; ele pode através da utilização de suas
capacidades, habilidades e conhecimentos agir sobre esses limites. É
importante então, pensar em possibilidades de modificações que faça
sentido, tornando as condições, mesmo à longo prazo, favoráveis em
relação aos objetivos próprios. A parcela individual do problema pode ser
terminada se houver possibilidades de mudança de acordo com limites
impostos pelas condições.
De acordo com Perls (1976, p. 34), nenhum indivíduo basta a si
próprio, ele é, a todo instante, parte de um campo. Seu comportamento é
uma função do campo todo que o engloba e que engloba seu meio.
A unidade do ser humano como determinante e determinado
O ser humano é determinante e determinado ao mesmo tempo. Ele
pode, como afirma Frech, reagir à estímulos do meio ou avançar objetiva e
ativamente para mudá-lo.
O ser humano tem a escolha de fazer o que quiser de uma maneira
ou de outra; pode tomar decisões sendo responsável por elas uma vez que
pode reagir e também agir, ser passivo e também ativo. O que não significa
ter liberdade ilimitada de fazer ou não o que quiser, e sim, perceber com
consciência no aqui e agora a própria condição de vida avaliando o grande
espaço próprio e ação. Ou seja, todo problema apresenta uma parcela social
e outra individual.
Besems (1977, p. 45-77) diferencia três tipos de relações
interpessoais:
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- a relação objetiva funcional – o ser humano é visto sob o ponto de vista do
valor de troca e sob aspecto de sua funcionalidade para o processo de
produção. Os aspectos pessoais que não pertencem à esses pontos de vista
seriam empurrados para o fundo.
- a relação objetal: aqui o outro é objeto de manipulação, é visto como um
objetivo a ser alcançado. A força de coesão entre os dois se constitui de
“algo em nós mesmos”.
- a relação inter-subjetiva: é uma relação horizontal. Os indivíduos
encontram-se uns com os outros também como sujeitos.
A relação subjetiva aponta a meta a ser alcançada: o ser humano
precisa tomar consciência de seu papel de determinante e determinado.
O ser humano como unidade indivíduo-meio
Por um lado precisamos de nossa independência e de nossa responsabilidade por nós mesmos e ao mesmo tempo necessitamos do outro ou dos outros. (...) A concomitância de autarquia biológica (eu sou uma ilha) e dependência social (eu não posso existir sem um diálogo com um tu) leva cada um de nós a conflitos, desejos não realizados e à necessidade de zelar constantemente pelo nosso equilíbrio interno e externo.
(FRECH et al, 1978a, p.4)
A consciência de nossa independência pode levar a uma auto-
avaliação realista, a uma auto-confiança e a uma capacidade de
relacionamento com um tu. A consciência de nossa dependência nos
possibilita assumir compromissos sociais sem renunciar à nossa
independência pessoal.
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Limite de contato
É o limite no qual indivíduo e meio se tocam. Existe um limite de
contato físico (pele, boca, sentidos) e outro psíquico (desejo de carinho que
pode corresponder a um desejo de retraimento).
O indivíduo pode estar em contato:
- consigo mesmo (corpo, estados internos)
- com o meio: meio animado (amigos, natureza)
meio inanimado (objetivos, situações)
Este contato acontece em três níveis humanos de ação. Nível
cognitivo, nível emocional e nível comportamental.
Contato é a percepção e aceitação do que pode ser assimilado ou sua
rejeição. Segundo Perls (1979), o limite de contato é o órgão de uma
determinada relação entre o organismo e o meio.
Só quando o indivíduo alcança o seu limite de contato, onde experiencia ao mesmo tempo estar ligado e estar separado em relação ao meio, onde está aberto para o novo, exposto a coisas ameaçadoras, ocorre contato e possibilidade de modificação. Os limites, os pontos de contato constituem o ego. Só onde e quando o próprio encontrar o “desconhecido”, o ego começa a funcionar, torna-se existente, determina o limite entre o campo pessoal e o impessoal. (PERLS, 1978)
Para que haja contato não é necessário que se esteja junto, pois a
interação ente dois indivíduos acontece mesmo que não exista contato, por
exemplo, uma conversa.
Segundo Perls (1976, p.40), podemos expressar nossa maneira de
lidar com os acontecimentos psíquicos através do contato e retraimento que
nos possibilita, ainda, tratar no limite de contato, objetos do campo.
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Percepção
A percepção sensorial, as formas de comportamento e os fenômenos
são definidos através de sua organização, adquirindo um sentido
independente através dessa organização.
O processo de percepção é um constante aparecimento de gestalts,
apesar da dinâmica constante e viva entre figura e fundo existir.
A figura corresponde àquilo que tem maior significado ou importância
em determinado momento.
Consciência
Estar consciente é uma condição de vigília quanto ao que ocorre no
aqui-e-agora no indivíduo e ao redor dele.
Há outros estados de consciência: vigília, semi-consciência, sonho,
devaneio, ausência.
Existem três níveis de consciência: um interno, um externo e um de
mediação.
Nível interno – auto-percepção, ou seja, auto-consciência; necessita de
contato consigo mesmo.
Nível externo – consciência em relação às outras pessoas e ao meio.
Nível de mediação – domínios das fantasias, das projeções em geral e de
mecanismos de defesa que ajudam a evitar contato com a
realidade.
A consciência está sempre voltada para um conteúdo de percepção. Este se torna figura, enquanto os outros elementos do campo perceptual se tornam fundo.
A consciência é um processo contínuo de percepção... daquilo que ocorre no aqui e agora.
(FRENCH 1977/78. p.6)
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A consciência deve ser nutrida em seus três níveis, ou seja, a
consciência no âmbito interpessoal a consciência sobre processos de nosso
meio, nos âmbitos político, econômico e cultural.
Ênfase no aqui-e-agora
Para mim não existe nada a não ser o agora. Agora = experiência = consciência = realidade. O passado não existe mais e o futuro ainda não existe. Só o agora existe.
(PERLS, citado em Frech 1977/78, p. 4)
Segundo Frech (1978), o indivíduo recrimina a si mesmo por ter agido
de forma diferente diante de inúmeras possibilidades que teve frente à
determinada situação, assim, acaba tão preso ao passado que realmente
não vivencia aquilo que existe agora, no momento. Esse pode ser um
exemplo de orientação para o passado.
Quanto à orientação para o futuro um bom exemplo é o fato de que o
indivíduo, durante toda a vida mantém a expectativa de uma velhice
tranqüila e despreocupada; trabalha pensando no futuro, é como se, na
realidade, a vida só tivesse sentido e só começasse em qualquer dia do
futuro. Essa felicidade, tão esperada no futuro elimina sentimentos atuais.
Permanecer no aqui e agora é voltar-se para aquilo que é agora,
vivendo conscientemente aquilo que acontece no momento.
O significado do passado e do futuro para o aqui-e-agora
Para a Gestalt, os processos de lembrar e planejar são funções
atuais, mas também estão relacionados com passado e futuro, pois estes
não devem ser excluídos quando atuantes no aqui-e-agora. O presente,
então, ocupa posição central já que vivemos nele; enquanto viver no
passado ou no futuro, significa esquiva, porém, são importantes quando
exercem influência no presente perturbando o indivíduo.
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Frech (1977/78) afirma que a experiência ocorre no aqui-e-agora,
sendo, portanto, o fundamento mais importante do aprender. Significado e
experiências estão relacionados de maneira complexa. Para cada indivíduo,
dependendo da experiência que tem em sua vida, o significado da
experiência terá um valor diferente. Por isso, a Gestalt não interpreta o
comportamento com opiniões preconcebidas e sim, propicia que a
experiência seja vivenciada e atue como valor independente permitindo que
o significado naturalmente se desenvolva.
O indivíduo tem tanta necessidade em encontrar sentido em sua
experiência que não aproveita o que foi experienciado.
O conceito de doença da Gestalt
A Gestalt fala de distúrbios de desenvolvimento e de crescimento a
partir do “modelo weducativo”.
Segundo Perls (1976), não distingue doente e sadio, pois todos os
indivíduos são neuróticos seja em maior ou menor escala; ele diz, ainda que
a perturbação neurótica a aparece sempre que o contato consigo ou com o
meio esteja perturbado. A neurose acontece como uma auto-defesa do
indivíduo em situações de medo, por exemplo, como escreve Perls:
Todas as perturbações neuróticas se originam da incapacidade do indivíduo de encontrar e manter o equilíbrio correto entre si e o resto do mundo, e todas elas têm em comum a sensação do neurótico de que a sociedade e seu meio avançaram demais seus limites, indivíduo adentro. O neurótico é um indivíduo que a sociedade pressiona extremamente. Sua neurose é uma manobra de defesa que deve protege-lo da ameaça de ser eliminado pelo superpoderoso mundo. (Perls 1976b, p.49)
Para se alcançar o equilíbrio todos devem encontrar um caminho de
crescimento, o que leva um certo tempo, procurando conhecer a si próprio e
seu meio.
21
1.1.1 Vida e obra de Fritz Perls
Frederick Salomon Perls, ou simplesmente, Fritz Perls, foi o
descobridor da Gestalt-terapia. Nasceu em 7 de julho 1893, num bairro judeu
de Berlim. Desde menino, Perls manifestava seu gosto pelo teatro, ópera e
museus, influenciado por sua mãe, já que seu pai foi se afastando da família
afetiva e fisicamente. Desenvolveu incrível capacidade de detectar sutilezas
de entonação de voz e linguagem corporal no teatro, exploradas mais tarde
no seu trabalho terapêutico.
Estudou medicina, formando-se em 1921, trabalhou como
neuropsiquiatra; à seguir fez sua formação psicanalítica.
Segundo Perls, a tarefa central da Gestalt é ajudar a pessoa a se
tornar viva para a experiência imediata no momento presente, é acordar
para a imediatez e simplicidade do agora.
O clássico “por que” da Psicanálise dá lugar ao “o que” e ao “como”.
Preocupa-se mais com a estrutura do que com o conteúdo da fala.
Perls baseia seu trabalho na auto-regulação do organismo. O objetivo
do trabalho terapêutico é fazer com que essa auto-regulação, inerente ao
organismo humano, porém, perturbada por diversas influências da
sociedade e das condições socializantes seja novamente posta em
condições de funcionamento. Fritz chega à conclusão de que a ênfase da
terapia deve ser dada ao aqui-e-agora do comportamento.
Com relação ao objetivo do trabalho terapêutico Perls desenvolve:
Na terapia nós precisamos... restabelecer as habilidades do neurótico para uma diferenciação. Precisamos ajudá-lo a redescobrir aquilo que ele mesmo é e o que não é, o que o satisfaz e o que o inibe. (Perls 1977, 2 A, p. 39)
Perls buscava trilhar novos caminhos cujos fatores determinantes
foram o questionamento e a integração dos conceitos da psicanálise, da
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Teoria de Reich e a delimitação em relação aos princípios do
comportamentalismo.
Durante anos de questionamento à psicanálise, aos poucos foi se
aproximando da gestaltpsicologia.
Em 1926, foi assistente de Kurt Goldstein no Instituto de Soldados
Portadores de Lesão Cerebral onde estudava as manifestações
comportamentais de lesões cerebrais com base nas noções da Psicologia da
Gestalt de Wertheimer, Köhler e Koffka.
Nesta época compreendeu a importância de se considerar o
organismo como um todo, uma unidade biopsicossocioespiritual.
Em 1927, Perls começou o seu treinamento em Psicanálise e foi
analisado por Wilhelm Reich, a partir disso, incorporou a influência de se
encorajar a awareness corporal como meio de expressão. Foi encaminhado
para análise à Reich cuja influência se encontra em muitos aspectos da
Gestalt-terapia como a identificação de resistências psíquicas em termos de
“couraça muscular”, reconhecendo-as na sua manifestação corporal. Perls
introduziu a noção de “retroflexão” para designar a retenção de impulsos
para a ação pela contração muscular na direção oposta. Através de seu
contato com Reich, Perls incorporou o significado dos processos físicos nos
doentes psíquicos.
Casou-se com a psicanalista Lore Posner, graduada em psicologia
dentro da Escola da Gestalt que exerceu grande influência no
desenvolvimento da Gestalt-terapia.
Alguns filósofos existencialistas influenciaram Perls, já que
evidenciavam a singularidade e concretude do homem diante de suas
relações e de sua responsabilidade em suas escolhas.
Em 1934, fazia experiências com novas formas de terapia que
divergiam da psicanálise ortodoxa.
23
Em 1936, apresentou no Congresso Internacional de Psicanálise o
trabalho “As Resistências Orais”, cuja expectativa era de que
complementasse o trabalho de Freud “As Resistências Anais”. Foi um
encontro decepcionante para Perls, uma vez que sua apresentação foi mal
recebida pelo congresso e Freud lhe recepcionou de forma fria, não
explorando suas idéias de complementaridade, conforme esperava há anos.
Em 1942, Perls publicou o livro “Ego, Fome e agressão”, no qual
questiona os princípios teóricos e práticos da Psicanálise e da gestalt-
terapia, lançando suas novas idéias, reexamina a teoria psicanalítica à luz
de novas pesquisas sobre percepção e motivação.
Em 1946, Perls rompe com o movimento psicanalítico e imigra para
os Estados Unidos. Em NovaYork, associou-se ao grupo de intelectuais Paul
Goodman e Ralph Hefferline, co-autores do livro “Gestalt-therapy”, publicado
em 1951 e considerado até os dias atuais como a Bíblia da Gestalt-terapia.
No ano seguinte fundou o Instituto Nova-iorquino de Gestalt-terapia.
Dez anos depois, num profundo questionamento, inclusive sobre seu
papel como terapeuta, Perls fez uma viagem ao redor do mundo, ficando
dois meses num mosteiro budista em Kioto no Japão e um mês num kibutz
em Israel.
De 1964 a 1969, se radicou em Esalen (Califórnia) o mais conhecido
dos centros “do movimento do potencial humano”, lá passaram milhares de
pessoas em busca de novas experiências de vida e de expressão em arte e
ciência, filosofia oriental, conscientização sensorial, comunicação
interpessoal.... Foi onde Perls ensinou Gestalt-terapia durante cinco anos.
Nesse último ano publicou o livro “Gestalt-terapia Explicada”. Ainda em
1969, mudou-se para o Canadá para fundar uma comunidade gestáltica,
mesmo ano da autobiografia “Escarafunchando Fritz – Dentro e Fora da Lata
do Lixo”.
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Perls morreu no dia 14 de março de 1970, com 76 anos, deixando
inacabado o livro “A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da
Terapia”.
Atualmente, existem inúmeros institutos de Gestalt-terapia nos
Estados Unidos, Canadá, Europa, América Latina, Japão e Israel. No Brasil,
o início da Gestalt se dá entre 1972 e 1973.
1.2 A imagem de ser humano da Psicologia da Gestalt
A Gestalt se coloca do lado das psicologias humanísticas, o que
significa que contém e promove a idéia do homem como centro, como valor
positivo, como capaz de se autogerir e regular-se. Vê o homem como um ser
particularizado, singularizado no seu modo de ser e agir, concebendo-se
como único no universo e individualizando-se a partir do encontro verdadeiro
entre sua subjetividade e sua singularidade. Com isso, há uma inquietação
em busca da realidade própria e pessoal; a existência é a grande
interrogação.
O homem é visto como um ser particular, concreto com vontade e
liberdades pessoais, consciente e responsável; é um todo existencial no seu
sistema inter e intra-relacional, portanto, é preciso que se caminhe à procura
de um único discurso na compreensão da totalidade do ser humano. Logo, a
posição gestáltica propõe uma integração da quantidade, ordem e
significado como correspondente àquela globalidade que define e
caracteriza a relação homem-universo.
A Gestaltpsicologia desenvolve uma perspectiva unificadora do ser
humano, integrando ao mesmo tempo as dimensões sensoriais, afetivas,
intelectuais, sociais e espirituais.
Para Perls, a construção que o ser humano faz da sua vida se torna
uma escolha e não um fato do destino.
25
1.2.1 A Gestalt e a criança
A Gestalt considera a criança, um ser singular, digno, com todos os
direitos humanos, possuindo características próprias e que, muitas vezes,
infelizmente não correspondem à expectativa de seus pais.
O trabalho gestáltico com a criança visa fazer com que ela tenha
consciência de si, de seus sentimentos e da sua existência em seu mundo,
tomando, assim, um espaço dela. A criança aprende a fazer escolhas,
examinar opções, lidar com temores que tem ocultos e aceitar quem ela é,
na sua individualidade. Com uma consciência maior vem a oportunidade de
mudança. Consciência está ligada ao experienciar, são uma coisa só.
Uma das diferenciações da Gestalt-terapia de outras terapias é o fato
de que o psicólogo não faz interpretações. O importante é o como: como
construímos o senso de eu da criança, como fortalecemos suas funções de
contato, como renovamos o seu próprio contato com os seus sentidos, com
seu corpo, com seus sentimentos e com sua mente.
A Gestalt vê o trabalho com crianças como uma redescoberta do
experienciar, fazendo terapia, a criança volta para localizar e restaurar a
função mal colocada.
O bebê, por exemplo, se desenvolve através do experienciar.
A criança necessita, segundo a Gestaltpsicologia, que um espaço à
expressão livre de suas fantasias e sentimentos seja aberto à ela. Uma
criança com problemas emocionais necessita de experiências que lhe
proporcione prazer e mantenha seu gosto para aproveitar esta fase tão
decisiva que é a infância.
O psicólogo que segue uma abordagem gestáltica está interessado
em humanismo e igualdade tendo como projeto seguir o curso da própria
existência infantil favorecendo, por exemplo, a saída do sentimento de
solidão ou isolamento de uma criança para que ela encontre no outro um
eco aos seus anseios mais escondidos, isso pode ser realizado através da
26
utilização de argila, areia, água, tinta, estórias, gravuras, ferramentas, enfim,
materiais lúdicos que permita ao psicólogo ver e responder às pistas dadas
pela criança, visando que ela seja capaz de contar com sua própria força e
auto-sustentação.
Qualquer pessoa que trabalhe com crianças precisa gostar delas,
estabelecer uma relação de confiança, conhecer como a criança se
desenvolve, cresce e aprende, compreendendo as questões importantes que
correspondem a faixas etárias específicas, além de estar familiarizado com
os tipos de dificuldades de aprendizagem que afetam as crianças
bloqueando o caminho da aprendizagem e causando efeitos colaterais
emocionais. Deve-se ter a habilidade de ser direto sem ser invasor, de ser
leve e delicado sem ser passivo e não-diretivo; ter senso de humor
permitindo a manifestação da criança brincalhona e expressiva que existe
em cada um.
A gestalt psicóloga Violet Oaklander especialista em Aconselhamento
Infantil, Educação Especial de Crianças emocionalmente perturbadas e com
dificuldades de aprendizagem, em seu trabalho gestáltico cuja essência é o
desenvolvimento e crescimento normal de uma criança, coloca a fantasia
como campo de ação e tem a expressão afetiva como guia terapêutico.
Segundo a experiência de Oaklander, isso acaba conduzindo sempre à
possibilidade de a criança exprimir em palavras aquilo que antes era sem
nome e sem lugar e, assim, conseguir se situar melhor no complexo de
circunstâncias que a cercam.
Em seu livro “Descobrindo Crianças” (1980), Oaklander coloca que
uma parte substancial do livro são crianças falando de si mesmas com muita
honestidade possibilitada pela autora, pois os adultos freqüentemente, lhes
negam informação e expressão, deixando-as confusas. Basta que se
recorde a própria infância e a luta para entender o mundo da “gente grande”;
Oaklander tem recordações claras de sua infância e esta é uma parte
importante do seu conhecimento e compreensão de crianças. A autora se
apóia em suas memórias, na compreensão única de “como as crianças
27
acabam se perdendo”. Infelizmente, alguns adultos nunca chegaram a
encontrar a si próprios e seria interessante um processo de auto-descoberta,
um reencontro com partes abandonadas na infância. Violet, apresenta ainda,
inúmeras técnicas que oferecem ao psicólogo infinitas possibilidades de
libertar seu próprio processo criativo, tão indispensável no tratamento de
crianças.
Oaklander destaca que não criou nenhum dos métodos que emprega,
mas a maneira como os emprega é original e criativa, é uma Gestalt viva e
flexível. Oaklander afirma:
“Eu vou aonde a minha observação e intuição mandam, sentindo-me livre para mudar de direção a qualquer momento”. (1978, p.14)
Oaklander revela ainda que se sente à vontade com seus erros; ela
diz:
“Eu acredito que não como cometer um erro se você tem boa vontade e abstém-se de interpretações e julgamentos”. (1978, p. 14)
Durante uma sessão de psicoterapia, o gestaltpsicólogo tem a
oportunidade de tornar cada sessão única, pois cada criança é única,
singular, logo, o psicólogo adquire experiência de crescimento também
única, uma vez que nenhuma sessão é igual à outra, nenhuma criança é
igual à outra. Mesmo utilizando a mesma atividade, a mesma técnica, com o
mesmo objetivo, o resultado final será diferente para cada criança, pois cada
uma tem sua forma própria de redescobrir o experienciar e é fundamental
que isso seja respeitado. Além disso, o tom de voz da criança, sua postura
corporal, sua expressão facial, sua respiração e seu silêncio podem
significar muito. O psicólogo deve mover-se junto com a criança no sentido
de saber quando falar e quando permanecer em silêncio.
28
Através da fantasia o psicólogo pode se divertir com a criança
descobrindo qual o processo dela, pois, geralmente seu mundo fantasioso é
o mesmo que seu processo de vida. Muitas vezes, a criança oculta a
maneira de como enfrenta as forças exteriores ou evita muitas coisas, e isso
é mostrado durante a sessões pela perspectiva da própria criança através da
fantasia sendo este instrumento terapêutico muito valioso, um recurso
considerado uma forma encontrada por ela para expressar seus
sentimentos, pois, muita vezes, as pessoas que com ela convivem não a
ouvem, não a entendem ou não aceitam seus sentimentos. Mas a criança
nem sempre precisa assumir as coisas, pois às vezes ela apenas não está
pronta ou ficam assustadas, conseguindo expressar somente o que tem
necessidade naquele momento à sua própria maneira. A criança, então, cria
eu próprio mundo porque ela julga seu mundo real difícil de viver. É preciso
começar a conhecê-la, ouvi-la, entendê-la e aceitá-la, encorajando-a a
compartilhar sua forma de ser.
Muitas crianças vêem a fantasia como algo tão real que as mantém
dentro delas o que faz com que se comportem de maneiras inexplicáveis.
São as fantasias reais-imaginadas que despertam sentimentos de medo e
ansiedade, então precisam ser trazidas para terem fim a partir de um estudo
cuidadoso por parte do psicólogo; existem muitos tipos de material
fantasioso como a dramatização, estórias em todas as suas formas, poesia e
muitas outras, que como resultado, acima de tudo fazem com que a criança
crie algo belo e sinta satisfação.
Oaklander (1980) coloca que, muitas vezes, os pais se preocupam
porque seus filhos parecem perdidos num mundo de fantasia. Mas mentir é
um padrão de comportamento, é um sintoma de algo que não está certo
para a criança; não deve ser confundido com uma fantasia. Crianças
mentem porque têm medo de assumir uma posição com respeito à si
próprias, de encarar a realidade como ela realmente é, uma vez que, se
tornam incapazes de encarar o mundo real que as cerca e em conseqüência
disso, adotam um comportamento defensivo, o que as faz agir de forma
29
oposta àquilo que realmente sentem com culpa e uma auto-imagem
deficiente.
Quando a criança mente, costuma acreditar em si mesma, então a
fantasia se torna um meio de expressar as coisas que ela tem dificuldade em
admitir como realidade, logo, a mentira sendo subseqüente à fantasia acaba
se tornando um comportamento adotado pela criança para sua própria
sobrevivência.
A mentira, muitas vezes, é incentivada pelos pais que, tendo
expectativas difíceis de serem correspondidas pelas crianças ou pelo fato de
não as aceitarem como realmente são, as obrigam a mentir.
Singer (1967) autor do livro “The Child’s World of Make-Believe” (O
Mundo do Faz-de-Conta da Criança) tem conduzido numerosos estudos que
demonstram estatisticamente que crianças capazes de serem imaginativas
possuem QI mais alto e maior capacidade de enfrentar; encorajar uma
criança a ser imaginativa melhora sua habilidade de enfrentar e aprender.
Algumas crianças sentem a raiva como algo que a cerca congelando
seus sentimentos bons que estão dentro dela e não conseguem sair. Muitas
vezes, a criança que está contendo muita raiva necessita soltá-la antes que
os sentimentos bons possam fluir. A criança pode expressar intensa raiva no
decorrer da sessão, então o que lhe proporcionaria um grande alívio, seria
que ela desenhasse sentimentos, o que certamente a faria sentir-se calma e
relaxada.
O desenho permite que situações de vida da criança, seus negócios
inacabados surjam. Pedindo-lhe que desenhe, por exemplo, uma figura da
sua semana ou da sua vida, pode nos dar abertura para uma conversa
honesta e direta.
Um método bem pouco ameaçador para ajudar a criança a expressar
exteriormente algo do seu eu interior é o rabisco. A pintura também possui
grande valor terapêutico, pois flui assim como a emoção; a criança tem
prazer em pintar, adora o brilho das tintas, espalhar e misturar cores,
30
experienciando, com isso novas descobertas. A pintura com os dedos e com
os pés, por exemplo, é calmante e a criança não experiência tanto o
fracasso já que não necessita de tanta habilidade;
A criança parece representar sentimentos com tinta mais facilmente
do que com qualquer outro meio de expressão artística, além disso, a cor e a
tonalidade nos apresenta os estados de sentimento da criança.
Oaklander (1980), destaca, ainda que quando está com uma criança
que revela algum tipo de perturbação, já sabe que existe alguma disfunção
no equilíbrio e no fluxo do organismo total.
O bebê faz pleno uso do seu corpo. Está em contato com os seus
sentidos, ou seja, ele se delicia em sua nova consciência de cheiro, som,
luz, cores, faces, gosto, tato, florescendo em sua sensoriedade. Logo, toma
consciência do seu corpo e aprende que pode tocar, alcançar, agarrar,
soltar; mexe as pernas, os braços e descobre domínio e controle. O bebê
não oculta sentimentos, expressa-os plenamente, ou seja, percebemos
quando ele está bravo, magoado, assustado, calmo ou satisfeito. O bebê
acaba descobrindo, à medida que o tempo vai passando, que pode se
comunicar verbalmente com os outros através dos sons que ouve e depois
faz, a fim de tornar suas necessidades conhecidas, inicialmente através de
sons, depois palavras e depois sentenças. À medida que o intelecto da
criança vai se desenvolvendo, ela começa a expressar curiosidade,
pensamentos e idéias. O bebê não tem problemas de auto-estima, ele
simplesmente é; o bebê é em todos os sentidos um ser existencial.
A base do senso de eu da criança é constituído pelo desenvolvimento
sadio dos sentidos, do corpo, dos sentimentos e de seu intelecto. Um senso
de eu forte contribui para um bom contato com o meio ambiente e com as
pessoas, assim, os sintomas e comportamentos que ela utiliza para a
expressão e crescimento mal dirigidos se diluem sem que ela tenha
consciência de que sua conduta está mudando, porque a sua consciência é
re-dirigida para a percepção sadia de suas próprias funções de contato, seu
próprio organismo indo em direção a comportamentos mais satisfatórios.
31
A criança logo aprende que a vida não é perfeita. Muitas crianças
encontram dificuldades no viver, crescer, aprender, portanto, estas
necessitam de ajuda. A criança com problemas não consegue fazer bom uso
de uma ou mais de suas funções de contato ao se relacionarem com os
adultos de suas vidas, com outras crianças e com o ambiente. Os
instrumento de contato são: olhar, falar, tocar, escutar, mover-se, cheirar e
sentir o gosto. A forma como usamos nossas funções de contato evidencia a
força ou fraqueza relativa ao que sentimos.
Todas as emoções possuem um correspondente físico.
A criança pequena não culpa os pais ou o mundo exterior pelo
problema que está enfrentando; acaba imaginando que ela própria é má ou
fez algo errado, mas, ao mesmo tempo, existe uma vontade muito forte de
sobreviver porque ainda existe algo do bebê que não foi esmagado.
Não há limite para o que a criança pode fazer na tentativa de atender
às suas necessidades: podem agir de forma agressiva, hiperativa, podem ter
medo de todos e de tudo, ou de alguma coisa em particular que afete sua
vida, podem fazer xixi na cama, ter alergias, dores de cabeça ou de barriga,
sofrer acidentes, falar o mínimo possível ou até nada, se recolher para
mundos de sua própria imaginação , etc.
A criança costuma assumir características e descrições que absorvem
dos outros, por exemplo, ela pode achar que é desajeitada porque os pais
riem dela quando deixa cair algo, então o psicólogo pode ajudar a criança a
separar-se destas avaliações externas e auto-conceitos errôneos,
auxiliando-a a recuperar uma postura sadia diante da vida.
1.3 Da Gestalt-Terapia à Gestalt-Pedagogia
Gestaltpedagogia é o termo abrangente para conceitos pedagógicos
que se orientam de idéias teóricas e práticas da gestaltpsicologia.
32
A gestaltpedagogia encontra-se no princípio, ao contrário da gestalt-
terapia que conta com uma longa prática.
Autores como Besems (1977) e Phillips (1978) dedicam-se à tentativa
de esboçar o contorno teórico. Ambos se utilizam dos princípios mais
importantes da gestalt-terapia. Porém, Besems exige que sejam incluídas as
condições sociais como elemento de formação.
Paul Godman foi gestalt-psicólogo nascido em 1911, em Nova York.
Relacionou pontos de vista na Gestalt-terapia com questionamentos político-
pedagógicos; criticava a sociedade, em especial, o sistema educacional
americano. Goodman preocupou-se em ampliar os horizontes da gestalt-
pedagogia no que se refere ao inter-relacionamento da sociedade como um
todo.
1.3.1 Objetivos educacionais e valores da Gestalt-pedagogia
O professor deve ter clareza de quais objetivos deseja alcançar no
seu ensino e educação sobre os objetivos cognitivos e sobre os objetivos
afetivos e sociais de seus ensinamentos. Segundo a gestaltpedagogia não
existem ciência, teorias ou pedagogia isentas de valores.
Objetivos, meios e conteúdos de ensino são dependentes e precisam
se harmonizar. Primeiro, deve-se ter claro quais são os objetivos, à seguir,
pensar quais os métodos e conteúdos mais adequados para que tais
objetivos possam ser melhor alcançados.
Os objetivos da gestaltpedagogia derivam de conceitos e princípios
da gestalt-terapia e da psicologia humanística: auto-encontro, auto-
satisfação, recuperação de partes perdidas e reprimidas da pessoa,
crescimento pessoal, desenvolvimento do potencial humano como um todo,
auto-responsabilidade, estímulo da consciência e concentração sobre o
aqui-e-agora são também os objetivos da gestaltpedagogia que supõe que o
ser humano seja: um organismo digno de confiança, um ser social, ativo,
33
que muda constantemente a si mesmo e suas relações com o meio e que
carrega em si um grande potencial de possibilidades pronto para ser liberado
dependendo apenas da criação de condições necessárias para isso.
1.3.2 A crítica da Gestalt-pedagogia à realidade escolar
Paul Goodman já criticava desde 1964 a centralização e a
burocratização das escolas assim como o reduzido direito de discussão dos
diretamente envolvidos. Para ele, o sistema escolar em prática mais
prejudica do que ajuda o aluno.
A gestaltpedagogia dá preferência à estabelecimentos menores e
descentralizados com cinco a seis professores (como na Holanda) porque se
torna mais fácil aplicar tendências inovadoras além de vantagens como a
visualização, do importante contato pessoal e da participação.
A gestaltpedagogia não aprova a função eletiva nas escolas, ao invés
de seleção deveria haver estímulo partindo-se do princípio de que o
pedagogo, em diversas situações está em condição de promover todas as
crianças diante do modelo educacional, e da concepção de
crescimento.Rejeita o sistema de notas por considerá-lo incentivador de
concorrência, é um sistema de formação baseado na padronização.
Os alunos apresentam dificuldades para constituir um todo
significativo a partir de conhecimentos fragmentados porque o conhecimento
do ambiente e do mundo é fracionado. Para a gestaltpedagogia o
aprendizado deve ser feito em unidades integradas em conteúdo,
correspondentes aos contextos reais de vida.
Emoções quando demonstradas em sala de aula tornam-se
indesejáveis e costumam ser punidas de alguma forma pelo fato de estarem
atrapalhando a transmissão do conhecimento. A escola não percebe que o
aluno é dotado de psique e sentimentos e que ambos se influenciam, porém,
para a escola o aluno se compõe apenas de uma cabeça que serve para ser
34
treinada. Em gestalt-terapia isso é chamado de unidade corpo-mente-alma,
conseqüentemente, de acordo com essa visão da escola, o desenvolvimento
da personalidade do aluno é prejudicado assim como a consideração de
seus sentimentos, valores, atitudes e comportamentos.
Os objetivos de ensino poderiam ser vistos como aprendizagem de
prestatividade, solidariedade, capacidade de compreensão do outro,
capacidade de decisão, educação para a auto-responsabilidade, para a
cooperação ao invés de rivalidade, para a criatividade e espontaneidade.
A gestaltpedagogia quer integrar o aprendizado cognitivo e
emocional, motivo pelo qual é designada na literatura como “educação
integrativa”.
A escola não considera que a mente só funciona no corpo e através
dele. Exige-se de uma criança de cinco anos que fique sentada e quieta
durante toda a manhã exceto durante o recreio, desde que ela não corra
pelo pátio. Ruth Cohn faz um comentário a respeito disso afirmando que as
aulas teóricas negligenciam o corpo enquanto que as aulas de educação
física negligenciam a mente dos alunos.
A falta de disciplina da classe é considerada um perturbação que se
torna objeto de extensa conversa entre os professores que não chegam a
conclusão alguma, fato que distorce a imagem da criança diante de si
mesma e em seu ambiente, fixando os problemas em vez de resolvê-los. À
respeito disso, Ruth Cohn propõe:
“As perturbações têm de fato precedência... Não pedem licença, estão aí: como a dor, a alegria, o medo, a distração; a questão é saber como dominá-las”. (1975, p.156)
A psicopedagogia critica a postura do professor: a de um ser sem
emoções, neutro. O professor deve mostrar abertamente suas emoções,
estando em contato consigo mesmo e com a classe, assim, através da
franqueza, estará estabelecendo uma relação de confiança com a classe. O
35
professor deve estar em condições de encontrar sua parcela nas
perturbações que são imputadas somente aos alunos.
Os alunos são obrigados a aprender o material de ensino,
armazenando-o e durante as provas apenas reproduzi-lo. O ensino não
sendo auto-determinado acaba não tendo sentido algum para o aluno. O
professor, supõe que aquilo que foi ensinado foi realmente aprendido, mas
na verdade, o aluno acaba não assimilando a matéria devido ao excesso
desta, não se tornando parte da própria pessoa, à isso a gestaltpedagogia
destaca um mecanismo chamado de introjeção.
1.3.3 A Gestalt-pedagogia e o comportamento do professor
A questão é: como se comporta um professor gestalt pedagógico? O
comportamento do professor mostra-se em sua personalidade e em suas
habilidades. Ambas devem ser desenvolvidas.
“A maioria das técnicas específicas de ensino aparentadas com a gestalt, aplicadas pela pedagogia integrativa, está diretamente relacionada com o desenvolvimento pessoal do professor, não podendo ser utilizada se não houver esse desenvolvimento concomitante”.
(PHILLIPS, 1976, p. 8)
Para Besems (1977,p.61) a modificação do comportamento do
professor deveria se orientar em relação à modificação da própria
personalidade; a modificação da relação interpessoal entre aluno e professor
é o início da gestaltpedagogia. Para tanto, escolheu o conceito denominado
relação intersubjetiva. Subjetividade significa, para Besems, ver e aceitar o
aluno em sua existência como ser humano, esta seria a base para o
desenvolvimento de uma confiança mútua, franqueza e autenticidade de
comunicação na sala de aula. A relação intersubjetiva entre aluno e
professor significa que o professor compreende e trata bem o aluno como
ser humano total. Total significa, neste contexto, que Besems não trata o
36
aluno como ser humano somente enquanto aluno, mas também em suas
funções de criança, irmão, vizinho; o aluno como ser humano é uma unidade
orgânica de sentir, pensar e agir que sempre está presente também na sala
de aula.
Besems (1977) destaca que, assim como o relacionamento
perturbado produz um feito negativo sobre a concentração, o relaxamento e
a atitude diante do trabalho em classe, as boas relações exercem um efeito
positivo sobre os mesmos.
A questão principal para o professor é como conseguirá realizar a
intersubjetividade com seus alunos e não como conseguirá transmitir da
melhor forma seus conhecimentos. O que importa, para Besems é criar no
ensino situações, ofertas de aprendizagem aos alunos, em que eles
experienciem a si próprios, conhecendo sua necessidades e interesses para
chegar a um ensino auto-determinado e à auto-responsabilidade. O
professor deveria convidá-los para o aprendizado.
Para Phillip (1976, pp. 7s) a base do expressar-se, da autoconfiança e
da responsabilidade pessoal acontece quando o professor encoraja o aluno
a dizer “eu” ao invés de “a gente”, “alguém” ou “nós”; “você” ao invés de “ele”
ou “alguém”; esta é a correta identificação.
Os professores que se dispuserem a isso, devem treinar estas
modificações em seu próprio comportamento pessoal e em suas habilidades
e técnicas de ensino, uma vez que, para a educação de alunos conscientes,
responsáveis e integrados, são necessários professores conscientes e
responsáveis. Assim, Brown destaca a necessidade de um treino gestáltico
na formação e no aperfeiçoamento do professor:
Na transformação da teoria em prática, é extremamente importante que as verbalizações e as ações coincidam. O que significa que os educadores devem ter a possibilidade de um treino prático, de uma vivência própria para que experienciem eles mesmos as técnicas e abordagens de ensino que mais tarde vão utilizar e para que concomitantemente
37
tenham a possibilidade de crescimento pessoal... Só quando o próprio educador cresce, poderá ele fazer mais do que simplesmente aplicar a educação integrativa como um conceito. Caso contrário, não estará em condições de inventar e improvisar estruturas de aprendizagem que sejam moldadas exatamente para a situação de sua classe. Continuará sendo um técnico ao invés de se tornar um artista, deparará com restrições em ser criativo em suas possibilidades e em encontrar satisfação no seu trabalho. A qualidade do professor determina a qualidade do aprendizado. (Brown, in Petzold/Brown 1977, pp. 41 ss).
Brown e Phillip em suas pesquisas sobre os efeitos da formação
gestalt-pedagógica para o professor, concluíram que o grupo pôde enfrentar
melhor a vida de forma significativa, esse sentimento fez com que a classe
se tornasse menos formal; os professores, através de seu crescimento
psíquico social alcançaram maior contato pessoal, maior franqueza,
consciência e flexibilidade na sala de aula.
1.3.4 O objetivo da Gestalt-pedagogia
O desenvolvimento de personalidade do aluno pressupõe uma
mudança de comportamento do professor e implica novos objetivos e
métodos de ensino. Criando possibilidades de ampliar o potencial de ação e
de vivência, estímulo da consciência e capacidade de percepção,
sensibilização do sentido do tato, conhecimento dos limites do próprio eu
são novos objetivos de ensino em contraposição aos tradicionais.
A essência do ensino gestalt-pedagógico é:
◆ considerar a unidade indivíduo-meio do ser humano. Para isso, é
fundamental estar atento à relação interpessoal do aluno considerando as
interações com o professor, seus colegas de classe, seus pais, amigos,
enfim, seu meio social. Trata-se de como os diversos elementos do mundo
influenciam a criança e quais as influências que ela sofre;
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◆ constituir uma relação subjetiva entre alunos e professor, ou seja, o
contato indireto que acontece através das disciplinas deve ser revertido em
contato direto;
◆ lembrar que o aluno é uma unidade existencial de corpo-alma-mente
também na classe, conseqüentemente, o aluno não pode ser formado e
estimulado apenas intelectualmente, mas também emocional e
fisicamente. Como exemplo, temos o fato de que quando o aluno lê ele
deve vivenciar a literatura descobrindo que sentimentos o texto desperta
nele, verificando se realmente entendeu o que o escritor quis transmitir.
◆ desenvolver uma situação horizontal, ou seja, entre aluno e professor
deve haver uma parceria como seres humanos totais, como duas pessoas
diferentes mas que participam de igual modo do processo de ensino e de
aprendizagem. A condição psíquica de ambos é o instrumento no processo
de ensino e aprendizagem, pois na relação subjetiva o aprender refere-se
aos dois parceiros: o aluno apreende do docente e o docente apreende do
aluno. Lembrando que os seres humanos sempre aprendem uns dos
outros, o conteúdo e abrangência da aprendizagem é que são sempre
diferentes.
◆ criar novas situações e possibilidades que permitam aos alunos uma
aprendizagem repleta de sentido.
◆ uma vez que esse ensino gestáltico baseia-se no método pela vivência, o
professor deve captar conscientemente o aqui-e-agora na sala de aula,
reagindo com criatividade, fantasia e capacidade de compreensão. É um
ensino flexível e rico em alternativas porque o professor cria situações
através das quais o aluno vivencia as coisas que lhes são realmente
importantes, tornando-se conscientes de suas possibilidades e
necessidades.
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2. VIDA E OBRA DE DONALD WINNICOTT
Donald Woods Winnicott nasceu em 7 de abril de 1896 na Inglaterra e
morreu em 1971.
Winnicott foi pediatra antes de tornar-se psicanalista introduzindo na
pediatria o estudo do desenvolvimento da criança e da teoria psicanalítica.
Defendeu a teoria do amadurecimento pessoal, permitiu inovadoras
contribuições teóricas para as áreas profissionais que se dedicam à
compreensão dos distúrbios de bebês, crianças e adolescentes, buscando
novas formas de tratamento e de prevenção
Winnicott é, hoje, considerado uma das figuras mais significativas da
história da psicanálise. Sua extensa obra é dedicada à reformulação dos
problemas fundamentais da clínica e da teoria psicanalíticas. Além de
questionar o primado da função sexual na vida dos indivíduos e das
sociedades, afirmado por Freud, Winnicott propõe um novo paradigma para
a psicanálise, baseado em problemas da relação originária da criança com a
mãe e não mais em problemas gerados pela situação edípica.
Contribuiu para uma compreensão do significado da infância na vida
total dos seres humanos teorizando o desenvolvimento emocional até antes
do nascimento; sua obra trata das origens de uma vida psíquica dedicada à
exploração verbal daquilo que é pré-verbal na história do indivíduo.
A teoria total do desenvolvimento do indivíduo inclui a história total do
ambiente específico da criança individual. Winnicott se preocupava com a
prática, pois foi a partir dela que surgiu sua teoria. Ao final de uma palestra
dada na Associação de Professores de Matemática em 1986, ele revela:
“Para mim, sinto que devo voltar para o meu final que é simplesmente o tratamento psiquiátrico de crianças doentes e a construção de uma teoria melhor, mais exata, e mais útil ao desenvolvimento emocional o ser humano.” (Sum, I Am Association of Teachers of Mathunaties, Londres 1967)
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Acreditava que a essência da Psicanálise e da psicoterapia estava no
fato de ambas envolverem uma relação na qual o paciente está em pé de
igualdade com o médico. As hierarquias desaparecem quando o profissional
se encontra face a face com um adulto ou uma criança, são reduzidos a dois
seres humanos de igual status.
Não gostava de tratamentos físicos das doenças, pois, representavam
uma fuga da aceitação da psicologia do inconsciente e ele não via base para
este tipo de tratamento no conhecimento objetivo.
“A psique e a alma (...) dependem de um cérebro intacto” (“Physical Therapy of Mental of Mental Disorder” in British Medical Journal, 1947)
Uma vez que o potencial inato é inacessível ao conhecimento
direto, só podemos conhecer a singularidade de uma pessoa através de
suas manifestações num meio cultural determinado. A obra de Winnicott é
uma expressão dessa singularidade.
Para ele, a essência da criatividade está no processo de destruição
(que neste contexto, não tem um sentido negativo) e recriação dos objetos.
Esta idéia faz parte de sua teoria das relações objetais. Utilizando a
metáfora da relação do bebê com o seio materno, propõe que a destruição
do objeto-seio, na fantasia, precede o uso criativo dos objetos. Sua
contribuição original à teoria psicanalítica foi um esforço para recriar, de
maneira pessoal, aspectos de uma teoria imaginariamente destruída por ele.
Quanto à origem e ao desenvolvimento do sujeito psíquico, dizia que
o ser humano resulta do encontro de um potencial inato qualquer com a
cultura. É nesse encontro que cada indivíduo, ou o verdadeiro self, processa
sua singularidade e torna-se uma entidade viva e real.
Em seu livro “A criança e seu mundo” (1985) Winnicott enfatiza o
vínculo natural entre mãe e filho, abordando problemas de alimentação e
moralidade, primeiros passos e outros da fase inicial da evolução do ser
humano.
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O amor é visto como a chave para a formação da personalidade em
qualquer fase: mãe-filho, pais-filhos, criança-escola.
Winnicott sempre acreditou que sua própria experiência de vida o
influenciasse ao falar sobre a natureza humana. Tinha plena consciência de
que a vida apresenta dificuldades, a vida é difícil, inerentemente difícil para
qualquer ser humano, para cada um de nós desde o seu princípio, porém
acreditava que a vida vale a pena ser vivida. Sua infância aconteceu num lar
afetuoso onde lhe era oferecido muita liberdade para lidar com dificuldades e
desenvolver confiança em si mesmo para assim, pudesse confiar nos outros.
Nas obras de Winnicott, é difícil separar uma idéia da outra, assim como é
impossível separar as idéias do homem.
Segundo Madeleine Davis (1982), Winnicott era homem feito de um
só pedaço. Ele identificava-se com as pessoa que o consultavam porque
sabia a respeito da ansiedade e da dúvida. Havia um imenso prazer em sua
própria vida o que contribuiu para que reconhecesse que para cada
indivíduo a vida pode ser criativa e valiosa; acreditava que em cada ser
humano, em um determinado ambiente, existe uma vontade muito grande
que o impulsiona a crescer rumo à maturidade emocional e física, em busca
de uma contribuição positiva à sociedade.
Priorizava a ética profissional dizendo, por exemplo, que a
Psicanálise estava sendo usada por pessoas inescrupulosas para obter
poder sobre os outros.
Em seu livro “O bebê e suas mães” (1999) destaca a importância da
amamentação como primeiro diálogo, pois a relação mãe-criança formam
uma unidade inicial, sendo necessários alimentação e cuidados para uma
vida independente da criança.
Winnicott deixa uma mensagem para os profissionais para que
fortaleçam a confiança da mãe em si mesma, objetivando que ela perceba o
seu bebê no decorrer do processo natural, como total dependente dela e
42
entendendo que possui forte identificação com ele; Winnicott destaca o fato
de que a mãe pode facilitar o desenvolvimento emocional inicial do bebê.
O trabalho de Winnicott é direcionado para o conceito mais difícil de
saúde mental e não para a doença mental, embora ele soubesse que não é
fácil descrever a “normalidade”, mas ele está voltado para a flexibilidade na
organização das defesas e não para a rigidez.
O conhecimento de Winnicott sobre o desenvolvimento humano inicial
tem origem na observação direta dos bebês e suas mães e, até mesmo na
psicanálise dos adultos.
Dizia Winnicott que o homem maduro é aquele capaz de identificar-se
com a sociedade sem ter que sacrificar excessivamente sua
espontaneidade, é capaz de atender suas necessidades pessoais sem
tornar-se por isto um ser anti-social, e de aceitar certa responsabilidade
quando isto se tornar necessário.
Winnicott, atuando como pediatra, psicanalista e cidadão em vários
setores da sociedade, mostrou, na prática, a importância dada ao
entrelaçamento do indivíduo com o meio.
Winnicott dava importância a capacidade imaginativa da criança a sua
possibilidade de utilizar recursos simbólicos e criativos na atividade de
brincar. Acreditava que uma boneca é muito mais do que um bebê não vivo.
O brinquedo não tem que ser igual a realidade, caso contrário a partir daí a
conclusão lógica seria fazer um ursinho de pelúcia que mordia de verdade
quando provocado. Os fenômenos da ilusão e da criatividade serão, mais
tarde, ponto central nos seus estudos sobre os objetos e fenômenos
transicionais.
Durante a guerra, Winnicott trabalhou com crianças separadas
precocemente dos pais, o que o colocou frente a frente com angústias
infantis graves, assim como com as tendências anti-sociais. A partir daí foi
aprofundando sua compreensão sobre a importância de um ambiente
43
facilitador e de uma mãe, presente e confiável. Vê a tendência anti-social e
delinqüência como reação à falha ambiental.
Freqüentava a sociedade Britânica de Psicanálise, na época das
famosas controvérsias que dividem aquela instituição em dois grupos,
vinculados respectivamente às psicanalistas Anna Freud e Melanie Klein,.
Embora as divergências principais se referissem a questões teóricas e
técnicas, logo transformaram-se em verdadeira luta pelo poder, quase
levando aquela sociedade a uma total cisão. Winnicott, que inicialmente
pertencia ao grupo Kleiniano, com o passar dos tempos tornou-se bastante
crítico ao trabalho de Klein, apesar de continuar admirando as suas
primeiras contribuições.
Durante muito tempo, Winnicott foi um caso singular na medicina: um
pediatra em formação analítica. Sua experiência como pediatra teve um
grande impacto sobre sua teoria do desenvolvimento afetivo e sobre sua
prática analítica cujo modelo do enquadramento não era o modelo do sonho
as a relação mãe-bebê. Da observação das mães com os bebês nasceu
nele a convicção de que existe um processo natural do desenvolvimento que
não deve ser interrompido, e essa convicção serviu de fundamento para sua
teoria do self.
A tradição da filosofia empirista inglesa teve bastante influência no
pensamento e na conduta de Winnicott. De acordo com os empiristas, a
observação é o método da investigação científica e o conhecimento surge de
percepções e experiências, e não de idéias inatas. As hipóteses, para eles,
podiam ser avaliadas e descartadas com bases nas evidências; na
aprendizagem, o erro tem o mesmo valor da verdade e a dúvida pode ser
saboreada. Winnicott foi um grande observador da relação mãe-bebê. Ele
dizia que suas idéias eram apenas tentativas de compreensão, e acreditava
que aprendia mais com seus erros com os pacientes do que com seus
sucessos. As falhas do analista tinham muitas vezes, para ele, um valor
positivo para o desenvolvimento do tratamento.
44
A psicanálise expande o território científico para abranger os
fenômenos da personalidade humana, do sentimento humano e do conflito
humano. Existe uma linha de investigação subjetiva. A objetividade vem
depois, por meio de um trabalho planejado e por meio de comparações das
observações feitas.
Winnicott dará ênfase às noções de criatividade primária e de
percepção criativa da realidade, algo cuja definição implica na consideração
de um núcleo pessoal inato, e não apenas de informações obtidas
primariamente através dos órgãos dos sentidos. Para Winnicott, a percepção
criativa da realidade é uma experiência do self, núcleo singular de cada
indivíduo. Noções deste tipo indicam uma tendência mais existencialista que
empirista no pensamento de Winnicott.
A importância da subjetividade e da espontaneidade, a preferência
pelo criativo sobre o complacente, pela vida interna natural sobre a vida
artificial imposta de fora, a consideração das emoções como forma de
conhecimento são temas comuns aos poetas românticos, que se
apresentam centrais na obra de Winnicott.
Winnicott se desenvolveu em um período em que a ciência e a arte
dialogavam de maneira intensa, salientam aqueles que se dedicaram ao
estudo de sua vida e de sua obra. Em 1965, afirmou: Pode-se dizer que
existem dois caminhos para a verdade: o poético e o científico. (...) O poeta
que existe em mim alcança a verdade num lampejo, e o cientista que há em
mim busca uma faceta da verdade.
Winnicott define a imaginação como: a criatividade e as atividades
simbólicas do ser humano. São elas que fazem a vida ser sentida como real
e válida de ser vivida.
Winnicott encontrou seu próprio interesse pelas origens da
imaginação. Para Winnicott, a condição da criatividade encontra-se na
possibilidade de o bebê ver refletido, no olhar da mãe, aquilo que ele é e não
o que ela teme, ou o que ela deseja. Winnicott encontra afinidades quando
45
se interroga sobre as condições ou estados da mente que tornam a
criatividade possível. Winnicott pede que o paradoxo seja tolerado e
respeitado ao invés de resolvido por processos intelectuais.
O estado não-integrado da mente, próprio ao início da vida do recém-
nascido, estado em que o indivíduo fica sem orientação determinada, capaz
de flutuar, de existir sem ter que agir ou reagir é considerado, por Winnicott,
essencial ao ato criativo.
Winnicott através de paradoxos, descreve poeticamente as condições
essenciais para o desenvolvimento da atitude criativa em qualquer indivíduo.
Ele credita à mãe suficientemente boa a capacidade de possibilitar, a seu
bebê, a ilusão de que o mundo é criado por ele, concedendo-lhe, assim, a
experiência da onipotência primária, base do fazer criativo.
Winnicott estava convencido do quanto a tarefa científica é dolorosa.
Embora suas pesquisas fossem animadas pelo espírito poético, o tipo e
meios de investigação eram clínicos e científicos.
Winnicott destaca diferença entre agressividade e agressão. A
agressividade é necessária e saudável, pois nos faz reivindicar nossos
direitos. No caso das crianças pequenas, muitas vezes brigar por um lugar
na fila ou por um brinquedo é saudável e necessário. E nós , adultos, sem
perceber, reprimimos esses atos e sufocamos (ou ao menos tentamos
sufocar) na tentativa de a criança lutar para conseguir seu lugar no mundo e
na sociedade. Assim, a criança que aceita tudo não luta pela vida; essa
passividade pode até interferir no processo de aprendizagem, uma vez que,
para aprender é preciso arriscar, lutar, e para isso a agressividade é
fundamental. Mesmo que isso se transforme em socos e pontapés. Isto não
quer dizer que não devamos discutir posteriormente sobre uma forma que
seja mais adequada de conseguir o que se deseja.
Porém, agressão é diferente; agredir para machucar é um problema
que deve ser combatido. É necessário que o professor procure descobrir
46
qual a causa da agressão. Pode ser que uma criança tenha tanto medo da
vida que agrida as pessoas para garantir a própria sobrevivência.
Muitas vezes, por exemplo, a criança apanha dos pais com tanta
freqüência que essa é a única forma de relacionamento que a faz sentir-se
segura, por ser a mais familiar. Nesse caso, se não houver um
acompanhamento psicológico a situação pode agravar-se. É muito diferente
da simples falta de limite.
Winnicott trouxe contribuições sobre uma série de temas que marcam
a vida cultural e social dos nossos dias, tais como a origem e a natureza da
moral, as raízes e as formas da agressividade, a criatividade humana, a
solidão essencial do indivíduo humano, o significado da arte e da religião.
47
3. O QUE É A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL?
É uma abordagem para a compreensão da criança, através da
descrição e exploração das mudanças psicológicas que as crianças sofrem
no decorrer do tempo.
A psicologia do desenvolvimento infantil pretende descrever e explicar
o processo de desenvolvimento da personalidade em termos de como e por
que aparecem certos comportamentos, conhecendo os processos internos
que direcionam o comportamento infantil.
Freud no início do século XX, descobria a respeito do
desenvolvimento da personalidade da criança, constatando que certos
acontecimentos vivenciados na infância eram determinantes principais de
distúrbios de personalidade na idade adulta, além disso, mostrou a
importância dos primeiros anos de vida na estruturação da personalidade
determinando o curso do seu desenvolvimento futuro no sentido da saúde
metal e da adaptação social adequada, além disso, mostrou a presença de
processos inconscientes em todas as fases da vida.
Portanto, nossa ciência pretende:
a) Observar e descrever os fenômenos(ex: choro, agressão,
linguagem, solução de problemas, etc.)
b) explicar mecanismos psicológicos internos que atuam para
possibilitar o aparecimento destes fenômenos comportamentais;
A Psicologia do desenvolvimento deve fornecer uma visão adequada
do processo como um todo e não fragmentado, como destaca a
Gestaltpsicologia.
48
3.1 Psicologia da Gestação
É importante que o psicólogo tenha noções de como ocorre o
processo de fecundação e crescimento da criança no útero materno porque
muitos problemas de comportamento, deformidades físicas e distúrbios de
personalidade tem origem nesta fase.
Acreditava-se que qualquer evento influenciando a mãe durante a
gravidez afetaria o feto; eram crenças derivadas de uma suposta conexão
neural entre o sistema nervoso da mãe e do filho e da transmissão direta de
emoções, desejos e angústias, mas isto não tem sentido porque existem
grandes forças de maturidade do sistema nervoso central da mãe e daquele
que ainda está se formando no feto.
Segundo Sontaz (1941), do ponto de vista emocional, substâncias
químicas que surgem no sangue materno durante o stress emocional são
transmitidas ao feto, gerando diversos efeitos. Por exemplo, movimento
fetais aumentam por várias horas, assim, crianças nascidas de mães sob
stress emocional prolongado podem apresentar alto nível de atividade após
o nascimento.
Fatores que influenciam na gestação: idade da mãe, drogas, radiação,
raio X em excesso podem provocar deformações no cérebro, fator RH; a má
qualidade de vida, alimentação inadequada e insuficiente da gestante gera
defasagem (2 anos de retardamento no seu desenvolvimento), déficit no
crescimento físico e intelectual.
Existem outros fatores que também podem prejudicar o
desenvolvimento e o bem-estar psicológico e social tanto da mãe quanto do
bebê, como por exemplo, o processo de parto: a mulher é recebida num
momento que lhe é desconhecido, num ambiente hospitalar de forma
impessoal; ou seja, suas emoções, medos, ansiedades e expectativas não
são considerados. A assistência poderia ser mais calorosa, mais humana,
menos rotineira, com a participação do marido e promovendo uma interação
familiar mais sadia.
49
O tratamento mecânico dispensado à mulher faz com que ela fique
numa posição passiva, com ausência de informações e pouco contato com o
bebê o que pode gerar sentimentos de culpa e frustrações, fatos que podem
provocar a depressão pós-parto, pois, ela pode se sentir privada de suas
funções femininas, embora do ponto de vista obstétrico o parto tenha sido
um sucesso.
As drogas induzidas no parto concentram-se na circulação fetal e no
Sistema Nervoso Central, podendo levar a um comportamento menos
responsivo após o nascimento, menor sucção, problemas de respiração e
disfunção cerebral mínima. Este estado da criança e a sonolência da mãe
após o parto (decorrente das drogas) levam a alterações nas respostas
maternas e dependendo do par mãe-criança, podem levar à conseqüências
imprevisíveis.
Os cuidados pós-parto com o bebê são executados num ambiente
com muita luz e tumultuado, essa luz pode prejudicar o comportamento de
olhar mútuo que ocorre entre a mãe e a criança durante a amamentação.
Gravidez e parto têm profundos significados emocionais para a mãe.
A mulher grávida revelará continuação das tendências psicológicas
que possuía antes da gravidez, podendo aumentar a intensidade de
tendências emocionais já existentes. Há o sentimento de auto-realização na
primeira gravidez para um novo estado de existência.
Se a gestante pertence ao tipo de pessoa que costuma acusar-se a si
mesma com severidade e se possui sentimentos de culpa, provavelmente,
terá sentimentos culposos relacionados com a sua gravidez. Pode
preocupar-se em não ter agido acertadamente ou de mau pressentimento de
que a criança será defeituosa em conseqüência de alguma coisa que fez ou
deixou de fazer. Seus receios quanto a si mesma podem levá-la a imaginar
que a desgraça recairá sobre ela ou a criança, como uma espécie de
punição. São sentimentos culposos que costumam ser intensos se a mãe
tem apreensões quanto ao fato de ter um filho, ou, embora já esteja grávida,
50
se resiste à idéia de ser mãe. Se a mãe está feliz em seu papel de mulher e
tem uma atitude saudável em relação a si mesma a geração e um filho é um
meio de manifestar sua feminilidade.
O parto cesariano, com anestesia geral, pode levar a um sentimento
de incerteza em relação ao bebê (será mesmo meu filho?) e a um
sentimento de falha como mulher.
As primeiras semanas de vida são fundamentais no estabelecimento
da ligação afetiva sadia mãe-criança; se constituem no denominado período
de reconhecimento, quando mãe e filho estão explorando um ao outro,
conhecendo-se, portanto, é importante que o parto seja realizado num
ambiente de maior afetividade e de um contato contínuo com o bebê.
Basta que mãe e filho sejam deixados juntos, num ambiente
adequado para que desenvolvam a ligação afetiva. Quando o pai (ou outras
pessoas da família) assiste ao parto, oferece segurança emocional para a
mãe que está se ligando afetivamente ao bebê.
Constatou-se que crianças nascidas em casa e cuidadas desde o
início pelas próprias mães, estabelecem bioritmo próprio em poucos dias. Já
nas enfermarias, demoram 10 dias e apresentam maior dificuldade de
alimentação e mais choro. O período pós-parto pode determinar a qualidade
da ligação afetiva que irá se estabelecer entre criança-mãe.
3.1.1 Fantasias e sintomas específicos da gestação
Quando uma criança é concebida já existe, na mãe e no pai
expectativas e fantasias quanto à concepção e ao desenvolvimento da
criança.
Do ponto de vista biológico, a gravidez começa com a concepção, já
do ponto de vista psicológico, há uma história do pai e da mãe onde já estão
reservados padrões de relacionamento a serem estabelecidos com a vinda
51
da criança; estruturas psíquicas do pai e da mãe reservam para a criança
um lugar pré-determinado.
A mãe é a figura central do desenvolvimento psicológico infantil. O pai
só é percebido mais tarde. No plano da fantasia, a criança é sentida mais
como produto da mãe do que do pai.
Há um significado psicológico específico da gravidez para a mãe, este
significado pode facilitar ou dificultar.Muitos pais erram na tentativa de
acertar; deve haver uma ideologia coerente de mundo, transmitida para a
criança com mensagens claras de que é amada e de que se confia nela,
assim ela poderá desenvolver seu potencial.
Muitas vezes, a mãe adota uma postura defensiva diante dos temores
gerados, isso leva a mãe à fantasias ou sintomas de rejeição, mas o desejo
de ser mãe é preponderante sobre a rejeição, mesmo que no plano
inconsciente, mesmo que a vinda da criança crie enormes problemas reais e
seja rejeitada a nível consciente.
Mas mesmo a gravidez bem aceita, planejada com pais saudáveis
pode trazer também temores, como a ansiedade originando rejeição e
fantasias quanto à gravidez.
Sintomas que indicam que a gravidez já está mobilizando a
organização psíquica: hipersonia, o tema dos sonhos, aumento de apetite,
náuseas, diarréia e a constipação intestinal.
A mãe diante do recém-nascido, balbucia ao falar com o filho, adota
comportamentos mais corporais do que verbais, sente prazer em manusear
a criança e limpá-la. Este processo é chamado de regressão, tem por
finalidade adaptar o psiquismo da mãe à compreensão e atendimento das
necessidades infantis (é uma afetividades infantil), uma vez que a criança
(assim o diálogo mãe-filho pode ser estabelecido mais facilmente) não pode
formalizar seus desejos e necessidades em termos adultos.
52
A natureza desenvolve esse processo que é regressivo e de
identificação, a criança é sentida como uma extensão da mãe. Se negado,
dificultará para a criança o estabelecimento dos vínculos de amor com a
figura básica de seu desenvolvimento inicial.
O aumento do sono é um sintoma positivo indicando a existência de
dois processos psíquicos ligados à gestação: demonstrar identificação
fantasiada com o feto, é um sintoma de aceitação da gravidez que se inicia,
é indicador do processo de regressão materna, inicia a adaptação afetiva
que permite que ela se sinta como o bebê, compartilhando do mesmo
processo que ele, dormindo junto com ele. Assim, ela poderá compreendê-lo
em seus desejos e necessidades.
O outro fator presente na hipersonia é o início da organização
defensiva que se mobilizará contra as ansiedades específicas da gestação.
Repousar é desligar-se do mundo externo das preocupações e ansiedades
possibilitando um fortalecimento orgânico importante para enfrentar
momentos de crise.
Há dois temas básicos nos sonhos das gestantes: sonhos com
filhotes de animais e crianças (relação simbólica clara); o outro é o próprio
processo de gestação, sonhando com objetos onde há coisas dentro, como
por exemplo, interior de casas com objetos que representam o corpo da
mãe.
Ao nascer, a criança está livre para se desenvolver, ela crescerá com
amor e fantasias positivas que os pais depositarem nela, mas também
reagirá e sofrerá as crises decorrentes do lugar persecutório que ocupa nas
fantasias parentais.
Só poderemos compreender a patologia infantil se tivermos a
compreensão das fantasias familiares ligadas a esta criança.
53
3.1.2 Movimentação do feto e nascimento
A motilidade surge no feto a partir do 4º mês, em geral, não há
percepção consciente destes movimentos; pois são inconscientemente
percebidos podendo ser negados no plano da percepção consciente devido
às ansiedades ligadas à percepção destes movimentos.
A movimentação fetal acentua a configuração de uma relação
triangular pai-mãe-filho.
O processo em que o pai tenta escutar o bebê falar com ele,
acompanhar seus movimentos é fundamental para o desenvolvimento do
sentido da paternidade, pois, parece que o instinto materno é inato, já o
paterno deve ser desenvolvido. Com a movimentação fetal surge a
percepção concreta de que o feto está vivo.
Nos primeiros anos de vida a criança não tem o pensamento
conceitual, mas é dotada de inteligência sensorial-motora.
Na infância inicial (0 a 18 meses) o desenvolvimento intelectual estará
diretamente ligado à maturação do Sistema Nervoso Central, à capacidade
de receber e apreender impressões sensoriais, de executar movimentos, etc.
O desenvolvimento físico e motor dependem da maturação que são
forças biológicas geneticamente programadas, embora também possa ser
influenciada positiva ou negativamente por fatores ambientais, pois, a
hereditariedade e o meio direcionam o desenvolvimento.
O bebê é um sujeito ativo desde o nascimento.
Todos os aspectos do desenvolvimento são interligados e
interdependentes.
Bebê ao nascer pesam em média 3 k e 3 500 k e aproximadamente
50 cm de altura. Ocorrem, nesta fase, grandes modificações nas proporções
do corpo, nas estruturas neural e muscular. A cabeça do recém nascido tem
¼ do tamanho total do corpo.
54
Ao nascer, a criança é dotada praticamente de todos os sentidos e
está biologicamente pronta para experimentar a maioria das sensações
básicas de sua espécie. Pode ver, ouvir, cheirar, tem sensibilidade à dor, ao
tato e às mudanças de posição, o sabor pode se desenvolver após o
nascimento ou no momento.
Chora em situações de desconforto, tosse, suga, vomita, vira para o
lado quando sua face é estimulada. Tem inúmeros comportamentos reflexos
(alguns tem valor de sobrevivência,como reflexo de sucção) que indicam
adequação do desenvolvimento de seu Sistema Nervoso Central.
Há também outros reflexos: de preensão que consiste em fechar a
mãe quando colocamos nela qualquer objeto (o dedo, por exemplo).
O reflexo de Moro que consiste numa resposta de abrir os braços,
esticar dedos e pernas em resposta a um som intenso ou qualquer estímulo
forte e repentino e o reflexo de Basinski que consiste na curvatura do artelho
maior para cima e os menores se estendem abertos, quando a sola do pé é
estimulada.
Andar, nadar, segurando-o andará na posição, dará alguns passos.
Desaparecem enquanto comportamento reflexo com oito semanas e 6
meses de idade, voltando depois como comportamento voluntário.
O bebê tem necessidades básicas como o sono que regula o corpo,
mantendo o equilíbrio na constituição química e preservando as energias do
organismo para as atividades subseqüentes. No primeiro mês de vida, o
bebê dorme 80% do tempo em sonecas curtas e irregulares, no final do
primeiro mês dormirá 50% do tempo, esta evolução será lenta e gradual. Os
padrões de sono apresentarão diferenças individuais em função de seu nível
de atividade.
A eliminação das fezes e urina no início da vida é reflexa e
involuntária; o tipo de alimentação oferecida ao bebê irá influenciar sua
eliminação e as reações da mãe. Com o aleitamento natural terá uma
digestão mais completa.
55
A fome e a sede implicam relacionamento social e emocional,
manifestam-se através do choro e de movimentos violentos de todo o corpo.
Não há necessidade de estabelecer rigidamente horário de amamentação e
nem da mãe estar à disposição de seu filho, pois, em poucos dias, ela
desenvolverá naturalmente ritmo adequado de alimentação. A partir de trinta
dias de idade suco de frutas e em torno de 4 meses há o início da
alimentação sólida (sopas, papinhas). Quando a criança é alimentada
naturalmente não há necessidade de qualquer outro tipo de alimento por
aproximadamente 6 meses.
O desenvolvimento psicomotor é o resultado da maturação de certos
tecidos nervosos, crescimento de ossos e músculos. São comportamentos
não aprendidos que surgem espontaneamente desde que a criança tenha
condições adequadas para exercitar-se.
As funções psicomotoras são o desenvolvimento da estruturação do
esquema corporal reconhecimento do próprio corpo, a evolução da preensão
e evolução da fixação ocular, a evolução da preensão e olhar, a evolução da
coordenação óculo-manual, o desenvolvimento da postura em pé e a
estruturação espaço-temporal (tempo, espaço, distância e ritmo).Esses
aspectos de desenvolvimento físico são vivenciados pela criança e pela
família, formando a base da noção de eu corporal (este acontece à medida
que o bebê se auto-explora), aspectos intelectuais, emocionais e sociais. A
noção de eu corporal vai incluir os afetos positivos e negativos que o bebê
terá à respeito de si mesmo e como este auto-conceito inicial dependerá
fundamentalmente da reação das pessoas do ambiente (principalmente a
mãe).
Durante o período de 2 a 3 anos há domínio muscular voluntário do
andar, do falar, das primeiras produções pessoais.
É difícil para o adulto senão por um grande esforço de introspecção e
imaginação compreender o sentido das emoções infantis.
56
O reflexo de sucção é inato; o impulso destinado à alimentação é fator
central da organização infantil inicial e está relacionado com a busca de
adaptação ao mundo x procura do prazer.
O período sensório motor se estende do nascimento até o final de 2
anos; é o nascimento da inteligência (capacidade de adaptação psicológica
ao meio). Um ato será considerado “inteligente” quando tiver sido realizado
intencionalmente.
É com os mecanismos presentes já no nascimento (inatos) que a
criança vai enfrentar o meio e este vai também se adaptar às suas
necessidades e exigências.
A inteligência é a possibilidade de variar os meios, as formas de agir,
em função da realização de determinados objetivos.
À medida que se liberta dos padrões rígidos de comportamentos a
repetição vai dando lugar à invenção, à criação de novas formas de
adaptação.
Os esquemas referem-se à estrutura básica subjacente às ações
manifestas da criança. É utilizado para designar a essência de seu
comportamento; esquemas são padrões de comportamento organizados que
também organizam a experiência da criança. Ao nascer, o bebê possui
esquemas, padrões de comportamento e organização (os reflexos que
caracterizam-se por sua natureza repetitiva).
O relacionamento da criança com ela mesma e com o meio que a
cerca nos dois primeiros anos, se dá através de ações, sensações e
percepções, do pensamento, da simbolização, inteligência prática ou
sensório motora – se refere à manipulação de objetos, aquisição de
habilidades e adaptações de tipo comportamental. O pensamento deriva de
ação e não da linguagem, existindo antes do aparecimento da linguagem.
A criança, embora não disponha de linguagem e não possa imaginar
mentalmente os acontecimentos, pode variar os meios para chegar a um
57
determinado fim desejado apresentando condutas inteligentes. É durante
este primeiro período de desenvolvimento que integra informações obtidas
das várias modalidades, vários órgãos sensoriais e agir como se o mundo
fosse um lugar permanente onde os objetos existem independente da
percepção dos mesmos.
No final do período, será capaz de organizar dados da realidade
externa e interna e de separar-se como um elemento da realidade
localizando-se em relação aos demais.
3.2 O mundo que rodeia o recém-nascido
Muitas influências ambientais que rodeiam o recém-nascido são
visíveis, já outras não podem se vistas. O bebê é cercado por um ambiente
invisível, formado por pensamentos e sentimentos, atitudes, desejos,
esperanças e expectativas dos membros de sua família. Esse conjunto pode
lhe proporcionar um ambiente confortável. Sua mãe sente orgulho em ter
dado existência a uma criança, tem um impulso no sentido de protegê-la. O
pai cheio de sentimentos; os irmãos estarão preparados para recebê-la bem
sabendo o que isso significa para suas própria vidas, a experiência de uma
nova pessoa em seu lar.
Desde o início, a criança não é um produto de seu ambiente, ela
também ajuda a construir esse ambiente, mesmo na sua fraqueza, há força,
pois sua fragilidade arrasta os outros para ela. Através de sua aparência e
de todos os seus modos, exige atenção, causa impressões e sem ter essa
intenção, influencia as atitudes dos mais velhos.
Caso não seja um ambiente acolhedor, a criança logo sentirá os
efeitos de emoções hostis em sua vida.
Os pais que idealizaram uma imagem de bebê ao constatarem que o
real é outro, temendo responsabilidades, podem fugir ao contato com a
58
criança por nunca terem aprendido a manter um contato emocional íntimo
com qualquer outro ser humano.
3.2.1 O comportamento do recém-nascido
Uma característica de seu comportamento é um conjunto de
movimentos dispersos e incoordenados. A criança apresenta numerosos
movimentos generalizados, mas há, desde o início, certa especialização do
comportamento. É possível encontrar uma variedade infinita de atividades na
criança, ela é capaz de ir longe para enfrentar o mundo e tornar sua
presença notada.
O ato reflexo serve para designar reação involuntária específica e fixa.
Os reflexos mostrados inicialmente pelo recém-nascido são mais fenômenos
fixos do que serão com o correr do tempo. A sucção é uma reação pronta a
funcionar desde o nascimento da criança. Mas o ato de sugar pode ser
provocado por acontecimentos que nada têm a ver com a alimentação.
No curso do desenvolvimento, algumas atividades reflexas
desaparecem ou são substituídas por outras formas de comportamento. À
medida que amadurece o sistema nervoso da criança, ela é capaz de
controlar ou inibir alguns movimentos que como atos reflexos, ocorriam a
princípio. O reflexo de Moro ou reflexo de abraçamento sofre modificações
durante os primeiros meses de vida.
O reflexo de preensão é o ato de agarrar, parece involuntário e
desaparece à medida que a criança amadurece se tornando capaz de
exercer o controle voluntário das mãos.
59
3.2.2 As emoções do recém-nascido
Os sentimentos são um elemento essencial à consciência de si
mesmo, a maioria das crianças manifesta uma grande dose de emoção.
Choram e se agitam.
Freud emitiu o conceito de que a criança está sujeita a profundas
experiências emocionais e tem necessidade de ser amada.
Isaacs (apud Winnicott 1936) afirma que as vontades e os desejos, o
medo e a ira, o amor e o ódio, existem desde o princípio. De acordo com
Despert (1946), a criança chega solitária ao mundo e por isso sente medo.
A criança é capaz de ter variada experiência emocional. Se
atendermos ao choro dela, e às suas outras manifestações emocionais,
chegando-nos a ela, prestando-lhe cuidados isso não causará qualquer
dano, estamos lhe realizando o bem, e poderia haver danos se não lhe
déssemos atenção. É a solicitude e compaixão. Somente presumindo que a
criança é capaz de sentir, e supondo ser possível apreender a emoção que
ela experimenta e busca comunicar, poderemos esta atentos para seus
sentimentos, captar os sinais de emoção, aprender a participar desses
sentimentos e ter com ela certa espécie de comunicação.
Isso se aplica às relações à crianças de todas as idades. Quanto mais
procurarmos responder à humanidade dos outros e pôr em uso a nossa
própria humanidade, mais atentos estaremos para os sentimentos alheios e
para os nossos.
3.2.3 O recém nascido e sua mãe
Para Winnicott (1966), ao considerarmos um bebê, também
consideramos as condições ambientais e, por trás delas, a mãe.
60
É necessário reconhecer a grande diferença que deve haver entre a
personalidade da mãe e da criança. A mãe é uma pessoa sofisticada, o
contrário daquilo que o bebê é inicialmente.
É no recém-nascido que a fisiologia e a psicologia formam uma
unidade. A data do nascimento é um momento de grandes transformações.
As mães se tornam capazes de colocar-se no lugar do bebê, ou seja,
desenvolvem uma capacidade surpreendente de identificação com o bebê, o
que possibilita ir ao encontro das necessidades básicas do recém-nascido. A
maneira como seguram o bebê também é importante.
Angústias muito fortes são experimentadas nos estágios inicias do
desenvolvimento emocional antes que os sentidos estejam organizados e
antes que exista algo que possa ser chamado de “ego autônomo”.
Na experiência de segurar adequadamente o bebê, a mãe foi capaz
de atuar como um ego auxiliar, o bebê teve um ego desde o primeiro
instante, ego frágil e pessoal, mas impulsionado pela adaptação sensível da
mãe e pela capacidade de identificar-se com seu bebê em suas
necessidades básicas. A criança que precisou desenvolver prematuramente
seu ego talvez tenha se tornado confusa.
Na psicologia do desenvolvimento emocional, os processos de
maturação do indivíduo precisam de um ambiente de facilitação para que
possa se concretizar. Esse ambiente de facilitação torna-se complexo. A
maturação nos estágios iniciais é uma questão de integração.
O desenvolvimento emocional primitivo abrange três tarefas
principais: integração do eu, psique que habita o corpo, relação objetal e
correspondência a estes três itens.
As três funções da mãe são: segurar, manipular e apresentar o objeto.
Os bebês são humanos desde o início. O bebê é, porque se encontra
ali para juntar e confrontar experiências, sentir e estabelecer distinções entre
61
os sentimentos, ficar apreensivo no momento adequado e começar a
organizar defesas contra o sofrimento mental.
A Psicanálise criou uma única teoria do desenvolvimento emocional.
Mas ainda há muito por realizar quanto ao tema das lembranças do
nascimento e o significado que tem para o bebê a experiência de nascer.
Reflexo de Moro (médico alemão, 1874-1951): a resposta reflexa de
uma criança com a contração dos músculos dos membros e do pescoço
quando perde subitamente o apoio ou se assusta com um súbito barulho.
Quando a cabeça do bebê perde o apoio ele reage de modo previsível.
Para Winnicott, o Reflexo de Moro pode ou não depender da
existência de um arco reflexo. Ele afirma que não precisa haver um
substrato neurológico, ou seja, a reação pode ser neurofisiológica e
psicológica, uma pode transformar-se na outra.
As chamadas agonias primitivas ocorrem quando há sensação de
queda no vácuo, e todos os tipos e desintegração e coisas que geram uma
desunião entre a psique e o corpo. Estas questões dizem respeito ao avanço
do desenvolvimento emocional que ocorre quando está presente uma
maternagem suficientemente boa (movimento de avanço do
desenvolvimento emocional d bebê), enquanto que na esquizofrenia há um
movimento de retrocesso.
Uma mãe pode não ter palavras para descrever o que sente por um
bebê mas o aconchega em seus braços sempre que o levanta.
Winnicott (1964), destaca que maternagem insuficiente é exatamente
aquilo que a mãe não faria ao seu bebê.
O Reflexo de Moro não perturba a psicologia de um bebê mas,
imagine se uma mãe que se interessasse muito pelo Reflexo de Moro, a
cada 20 minutos erguesse o bebê e deixasse sua cabeça pender para ver o
que aconteceria, este bebê não teria uma mãe suficientemente boa.
62
Para Winnicott, num parto normal, do ponto de vista do bebê, ele
próprio possibilitou a ocorrência do nascimento porque estava preparado
para o evento. Por meio de esforços convulsivos, por uma necessidade de
respirar ou por algum outro motivo, o bebê fez alguma coisa, de tal forma
que o nascimento é “algo realizado pelo bebê”. São fatos que se
manifestaram em tratamentos analíticos mas principalmente através de
simbolismo, nas invenções criativas e nas brincadeiras.
3.3 O aprendizado nos primeiros dias de vida
As mães, às vezes, percebem sinais de aprendizagem uma semana,
ou pouco mais, após o nascimento, quando a criança faminta pára de chorar
ao ser erguida e amparada nos braços de sua mãe. Antes disso, a criança
só calava quando era realmente alimentada. É como se a criança aceitasse
o fato de ser apanhada como sinal de alimentação. Se a criança assim reage
a um sinal quando anteriormente era preciso receber o alimento real, parece
haver ela “aprendido”.
Durante os primeiros dias de vida, a criança revela elasticidade,
capacidade de adaptação àquilo que o meio exige ou oferece. À medida que
o tempo passa, continua ela a demonstrar essa capacidade, adaptando-se a
inúmeras exigências inevitáveis, há limites além dos quais não se pode
impelir a criança e há exigências a que ela é incapaz de se submeter.
3.4 A Alimentação
A alimentação da criança é uma questão de relação mãe-filho, o ato
de pôr em prática a relação de amor entre dois seres humanos. No aspecto
físico, uma mãe natural, levando uma vida sadia, terá pensado na
alimentação do bebê como uma simples relação entre ela e seu filho.
63
A doença e a morte de uma criança pode fazer a mãe perder a
confiança nela própria.
A mãe e o recém-nascido terão primeiro de se conhecer antes de
aceitarem os grandes riscos emocionais envolvidos. Assim que chegam a
uma compreensão mútua passam a confiar um no outro e a entender-se
reciprocamente e a alimentação começa.
Um bebê tomará a porção exata de leite no ritmo adequado e saberá
quando tem que parar. Todo o processo físico funciona precisamente porque
a relação emocional está se desenvolvendo naturalmente. A mãe pode
aprender sobre bebês com o seu bebê, tal como o bebê aprende a respeito
da mãe através da própria mãe.
A mãe pode permitir ao bebê que decida o que está em sua
capacidade decidir.
A alimentação natural é dada exatamente quando o bebê a quer e
cessa quando o bebê não a quer mais. É nessa base que um bebê pode
começar a transigir com a mãe; o primeiro sinal de transigência é a
aceitação de uma alimentação regular, de três em três horas que é
conveniente para a mãe e pode ainda ser aceito pelo bebê como o
cumprimento de um desejo seu se ele puder arranjar as coisas de maneira a
ter fome regularmente com intervalos de três horas. Se este intervalo for
demasiado extenso para a criança, sobrevém a angústia e o método mais
rápido de recuperar a confiança consiste na mãe amamentar o bebê como e
quando for exigido, por certo período, voltando a um horário regular e
conveniente assim que o bebê for capaz de o tolerar.
Se a mãe estiver orientando suas relações com o bebê à sua própria
maneira, estará fazendo o melhor que pode pelo seu filho e por ela.
64
3.5 A amamentação como forma de comunicação
É a partir do prazer inicial, da satisfação tida com a amamentação que
se aprenderá a amar e a desenvolver os vínculos de amor em seguida
dissociados da exigência biológica básica de alimentação.
A organização oral é o elemento central da motivação infantil inicial. A
criança ama com a boca e a mãe ama com o seio.
Amamentação é o elemento central da maternagem; organiza a
evolução afetiva normal mas pode ser perturbada pela inadequação afetiva
da mãe, pela maior fragilidade constitucional da criança e por fatores
acidentais.
O relacionamento com a mãe é qualitativo. Não importa apenas dar o
seio, o que importa é como o seio é dado, como as solicitações paralelas da
criança são atendidas, ou seja, não está se incorporando somente o leite da
mãe mas também sua voz, seus embalos, suas carícias segundo a
Gestaltpsicologia e Winnicott.
O bebê discrimina mais a mãe pelo cheiro e pela voz do que pelo
olhar já que o rosto humano só será discriminado no quarto mês. As carícias
de mãe proporcionam prazer, fornecem à criança a configuração de seu
próprio corpo e auxiliarão a configuração do esquema corporal.
O eu da criança começa a configurar limites, ou seja, a ter existência
própria pelo contorno que lhe é dado pelo corpo materno.
O leite e o seio não são em si suficientes para o desenvolvimento
sadio.
Mamar deve ser acompanhado de um ritual prazeroso de
conhecimento de uma figura amada e permanente; figura que seja capaz de
dar amor, criar laços estáveis e de configuração com o bebê.
65
Caso a mãe não possua leite ou em caso de filho adotivo, é o
relacionamento amoroso e corporal como totalidade que alimentará os
processos introjetivos da criança.
A maternagem é um processo global de envolvimento mãe-filho. Falar
com ele, embala-lo o ajudará a organizar e amar o objeto primordial de toda
sua evolução afetiva: sua mãe.
Muita vezes, a ausência de aleitamento materno está correlacionada
à problemas emocionais no desenvolvimento.
Angústias inconscientes poderão bloquear a formação do leite. O que
faltou não foi o leite mas a mãe, o que revela o sintoma de rejeição
inconsciente da criança.
Winnicott afastou-se da atitude sentimental em relação à
amamentação; existem outras formas através das quais um bebê pode
experimentar um contato físico íntimo com a mãe, prova disso é que existem
muitas pessoas que se desenvolveram satisfatoriamente sem que se tenha
passado pela experiência da amamentação. Ele reconhece o valor positivo
da amamentação, mas esclarece que esta não é absolutamente essencial e
que não se deve insistir nela, quando a mãe tiver alguma dificuldade
pessoal.
O que importa não é a doença e sim, a riqueza da personalidade com
a força do caráter e a capacidade de ser feliz, de revolucionar e revelar-se.
O bebê é muito mais do que sangue e ossos.
Winnicott enfatiza que a saúde do indivíduo está sendo construída
desde o início pela mãe, que oferece ambiente facilitador, ou seja, um
ambiente em que os processos evolutivos e as interações naturais do bebê
com o meio podem desenvolver-se de acordo com o padrão hereditário do
indivíduo, assim, a mãe está proporcionando, sem que saiba, as bases da
saúde mental do indivíduo.
66
A mãe, se agir de forma adequada, também estará criando os
fundamentos da força de caráter e da riqueza de personalidade do indivíduo,
a partir dessa base positiva o indivíduo tem, com o passar do tempo,
oportunidade de lançar-se no mundo de uma forma criativa e de usar tudo
aquilo que o mundo tem a lhe oferecer, inclusive a cultura. Mas se uma
criança não começa bem, poderá não desfrutar da beleza do mundo. Uma
pessoa começa bem a sua vida quando os recursos ambientais que pode
dispor são suficientemente bons. Mas isso não é tudo. O seio bom significa
uma maternidade e paternidade satisfatórios.
O ato de segurar o bebê e manipulá-lo em termos vitais é mais
importante do que a experiência concreta da amamentação.
Muito bebês passam por uma experiência bem sucedida de
amamentação e são insatisfatórios apresentando deficiência observável em
seu processo de desenvolvimento e em sua capacidade de relacionamento
com as pessoas e utilização de objetos (deficiência resultante de terem sido
segurados e manipulados de forma insatisfatória).
As mães não devem ser obrigadas a amamentar seus bebês. Pois,
tanto a mãe quanto o bebê sofrem com o fato de lutar para que o seio
desempenhe suas funções, algo que ela, por natureza é incapaz de fazer, já
que escapa ao controle consciente. Se a tentativa de aleitamento for forçada
deve fracassar.
As mães têm a crença de que o médico sabe como estabelecer um
contato mútuo entre mãe e filho. A intimidade é vital para mãe e seu bebê.
Nem a mãe nem o bebê precisam de conselhos, precisam de recursos
ambientais que estimulem a confiança da mãe em si própria.
Coisas muito pequenas, que no início, se passam entre mãe e o bebê
são muito significativas, são naturais, sólidas e inquestionáveis.
Grande parte da vida de vigília do bebê está voltada para a
alimentação. O bebê está acumulando material para o sonho, embora outra
67
coisas se manifestem que também passam a fazer parte do processo e que
podem refletir-se na realidade da criança que está sonhando.
Se, por um lado as experiências de uma determinada criança são
fracas ou entediantes, por outro lado, há crianças cuja experiências são
intensas, cheias de cor e sensações.
Ao se examinar a experiência de amamentação de um bebê, a primeira
coisa a fazer é pensar em termos da riqueza da experiência e
desenvolvimento total da personalidade. Muitos dos aspectos importantes da
situação de amamentação também estão presentes quando se utiliza a
mamadeira. Por exemplo, o fato de a mãe e seu bebê se olharem nos olhos
que é uma característica do estágio inicial é algo que não depende do uso
do verdadeiro seio, porém, o gosto, o cheiro e a experiência sensual da
amamentação estão ausentes quando o bebê está em contato com o bico de
borracha da mamadeira, mas os bebês tem outras formas de superar esta
desvantagem.
A capacidade de experiência sensória do bebê pode ser vista no uso
de objetos transicionais. Coisas imensas se passam no pequeno universo do
bebê.
Existe agressividade no bebê, com o passar do tempo, começa a
chuta, gritar e arranhar. No início, não está suficientemente desenvolvido
para que a agressividade já possa significar alguma coisa. Com o passar do
tempo, os bebês tem o impulso de morder. É o início da crueldade, impulsos
e utilização de objetos desprotegidos. Os bebês passam a proteger o seio, é
raro que mordam com o objetivo de ferir, mesmo quando já possuem dentes.
A função da mãe é sobreviver à chutes, mordidas, etc., assim o bebê
encontrará um novo significado para a palavra amor.
Estamos falando de bebês de seis meses e crianças de dois anos - a
criança passa a fazer parte do mundo, usá-lo e contribuir com ele, em vez de
viver num mundo protegido, subjetivo, criado pela capacidade da mãe em
adaptar-se às necessidades de seu filho.
68
Em breve, o pai, animais e brinquedos passam representar o mesmo
papel da mãe.
3.6 Desmame
O momento da interrupção da amamentação concretizará diferentes
posturas no relacionamento com o mundo que tendem a se expandir para
todo o desenvolvimento futuro.
O processo de desmame deve ser progressivo e situado entre a
percepção da mãe e o início da dentição. A frustração é assimilada porque
os ganhos são maiores que a perda. O processo de desmame é a maior
frustração de nosso desenvolvimento afetivo. Se perdido, porém, restam a
mãe e o pai amorosos e adequados permitindo que novos vínculos sejam
progressivamente estabelecidos, à medida que o vínculo inicial com o seio
for sendo reduzido a criança sentirá a perda.
Distorções no processo podem concretizar fantasias infantis de
carência ou de destrutividade provocando modelos de relação distorcidos
que poderão perdurar por toda a vida.
A amamentação deve perdurar até o sexto mês; por volta do terceiro
mês ocorre o desmame.
O seio é o primeiro objeto de amor, é o ponto de partida para as
relações objetais. Não pode ser perdido antes que outros objetos possam
ser amados e valorizados para servir de suporte para esta perda
fundamental, outras fontes de satisfação e ligações afetivas que compensem
a perda. Esta é a interrupção correta.
Se interrompida antes que surjam outros vínculo de prazer para
suportar a frustração, o sentimento que fica é a carência, a sensação de que
é preciso comer, é preciso incorporar e de que o que é recebido não basta.
69
A base do desmame é uma boa experiência de amamentação, a
maneira como o bebê e a mãe se uniram. O mundo foi ao encontro da
criança e assim esta podia ir ao encontro do mundo.A cooperação da mãe
com o bebê, no princípio, conduziu naturalmente à cooperação do bebê com
a mãe.
Por volta dos nove meses, a maioria dos bebês tem idéias claras de
como livrar-se das coisas, portanto, eles próprios podem decidir desmamar.
A finalidade do desmame é usar a crescente capacidade da criança para
livrar-se das coisas e fazer com que a perda do seio materno não seja
apenas uma questão do acaso. Por que um bebê tem que ser desmamado?
Porque seria sentimental e irrealista nunca desmamar. O bebê que foi
alimentado com êxito se sente feliz por ser desmamado no devido tempo,
especialmente se isso for acompanhado pela ampliação de seu campo e
experiências.Quando chegar a hora de desmamar, a mãe estará
apresentando outras coisas a seu filho, assim, ele estará preparado para
uma possível recusa de qualquer coisa nova.
As reações do desmame são complexas., o desmame é uma
experiência que ajuda o desenvolvimento da criança se a mãe providenciar
um ambiente estável.O bebê adora ter contato com uma nova experiência. O
bebê fica triste em momentos como o desmame porque as circunstâncias
fizeram surgir a raiva e estragaram algo que era bom, mas também pode
ocorrer uma reação grave com relação ao desmame, ele pode mostrar o
desejo que tem do mesmo através do choro e da irritabilidade, então a mãe
persiste preparando-se para um gradual retorno da alimentação. Para o
bebê recém-nascido, trata-se realmente da boa mãe cujos seios se tornaram
maus, de modo que se deve conceder algum tempo para a recuperação e o
reajustamento. O desmame inclui o processo gradual de demolição de
ilusões.
O pai e a mãe normais não desejam ser adorados pelos filhos.
Suportam os extremos de serem idealizados e odiados esperando que os
filhos os vejam como os seres humanos comuns que realmente são.
70
4. DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL NA PRIMEIRA
INFÂNCIA
Para compreender uma criança, precisamos conhecer o máximo de
coisas possíveis sobre quatro dimensões da sua experiência: suas ações
abertas, seus pensamentos privados, seus sentimentos e seus motivos.
Quando uma criança sabe e conta o que pensa, sente e quer, agindo de
acordo com isso, essas quatro dimensões se fundem numa só.
Mas a criança deixa de revelar seus pensamentos e sentimentos e,
algumas vezes, eles são contrários às suas palavras e seus atos, isso ocorre
quando a razão que dá para sua conduta não é uma razão que realmente
tenha em mente, quando encobre seu desapontamento com um sorriso ou
quando amadurece.
É importante tentar compreender os sentimentos da criança, pois
através deles ela tem a experiência mais íntima do saber de sua existência
como pessoa. Essa dimensão da experiência de uma criança – seus
sentimentos – torna-se menos perceptível para os outros quando ela fica
mais velha. Uma criança de cinco anos é capaz de dizer o que pensa, mas
também é capaz de refugiar-se no silêncio; adequando suas ações aos seus
impulsos, mas também é capaz de adotar uma fachada.
4.1 O significado da emoção
Emoção significa o estado de ser “movido”. Externamente revela-se
no riso ou nas lágrimas. Ela envolve o sentimento, que pode ser de
depressão, de ira ou de medo. Inclui um impulso na direção de dado tipo de
ação, como um impulso para correr, para procura ou para prolongar um
acontecimento agradável. No ângulo subjetivo, a emoção envolve a
consciência ou percepção do que é ou do que poderia ser, que produz tais
impulsos e sentimentos.
71
Esses sentimentos e impulsos assim como a percepção intelectual do
que os produziu, podem ser ou não bem definidos na experiência de uma
pessoa. Muitas condições emocionais comuns, como a ansiedade não são
claramente definidas nas percepções da pessoa emocionalmente instigada.
4.2 O bebê como pessoa
Todas as coisas que a mãe faz em virtude do seu amor pelo bebê
entram nele tal qual a comida. O bebê edifica algo a partir de tudo, ele tem
fases em que usa a mãe e depois a põe de lado, como acontece na
alimentação.
O bebê desenvolve seu interesse por algo e o torna integrante de si
próprio, dá uso à esse objeto e depois o rejeita. Quando estamos
apressados ou preocupados, não podemos facilitar acontecimentos totais
(com princípio, meio e fim para o que aconteceu) o bebê fica mais pobre.
Mas quando se tem tempo, a mãe pode permitir essas experiências. Os
acontecimentos totais habilitam os bebês a dominar o tempo. Eles não
começam por saber de antemão que quando alguma coisa está em marcha
terá um fim.O meio das coisas pode ser melhor desfrutado se houver
princípio e fim.
Concedendo ao bebê tempo para experiências totais e participando
nelas, a mãe estabelece gradualmente as bases para a capacidade do bebê
desfrutar de todas as espécies de experiências sem precipitação.
No princípio, o bebê está disposto a consultar a mãe se acaso ela
estiver presente quando surgir uma nova situação. A mãe precisará saber
exatamente o que convém deixar que o bebê toque e o que proibir.
O bebê tenta chegar aos princípios subtendidos nas decisões da mãe,
de modo que, seja capaz de prever as coisas que a mãe lhe permite.
72
Como poderá ajudar o bebê a evitar uma completa desorientação
sobre o que é bom e o que é mau que ele toque? Sendo positivamente clara
sobre o que proibir e por que e desde que a mãe esteja sempre presente,
prevenindo em vez de remediar e fornecendo coisas que o bebê gostará de
agarrar e chupar. Em termos de habilidade o bebê aprende a procurar as
coisas, alcançá-las e metê-las na boca.
O bebê não é apenas um corpo, mas uma pessoa.
Há mais do que gêneros de habilidades a se desenvolver, há
brincadeira. Ao brincar, o bebê mostra que reúne algo em si próprio, que
pode denominar-se o material para brincar, um mundo interior de vivacidade
imaginativa, que se manifesta pela brincadeira.
Não se sabe, ao certo, em qual idade se inicia essa vida imaginativa
do bebê que enriquece e é enriquecida pela experiência física.
As mães não tem dificuldade em ver a pessoa, desde o princípio em
seus próprios bebês.
Se o bebê encontrar na mãe uma correspondente disposição lúdica, a
riqueza íntima do bebê desabrochará e as brincadeiras entre a mãe e o bebê
tornam-se a melhor parte da relação entre ambas.
4.2.1 O conceito do EU
Os instintos do id são fundamentais da tarefa do bebê humano de
adaptar-se à realidade, nenhum uso poderia ser feito da experiência
baseada nestes instintos até que se pudesse dizer que havia presente uma
pessoa que vivencia (ego ou self).
Winnicott (1960, p. 47), enfatiza:
Ir ao encontro das necessidades do bebê, eu não estou me referindo à satisfação de instintos. (...) O ego do bebê está acumulando sua força e, conseqüentemente, está evoluindo para um estado no qual as exigências do id serão sentidas como parte
73
do self, e não ambientais. Quando este desenvolvimento ocorre, a satisfação do id se torna um fortalecedor muito importante do ego.
A teoria de Winnicott surgiu em termos do eu em evolução. Winnicott
verificou que o conceito de eu, apesar de inseparável da anatomia, fisiologia
e biologia, era necessário numa avaliação completa do que se quer dizer por
saúde do ser humano.
Há uma necessidade de identidade pessoal para que possamos nos
sentir reais e para que possamos ter alguma influência sobre o decurso dos
eventos.
No início da vida, a palavra eu não possui relevância. O início da
pessoa foi por ele denotado pela palavra Ego. Winnicott (1962) destaca que
“com o advento da auto-consciência, ou seja, depois que a criança começou
a usar o intelecto para olhar aquilo que os outros vêem, sentem ou ouvem e
o que concebem quando se defrontam com este corpo de bebê.” A palavra
eu passa a ser apropriada, é na área de transição de um ego fraco e
fragmentário para a auto-consciência do bebê novo que foram feitas as
contribuições mais originais de Winnicott para a Psiquiatria.
4.2.2 A realidade interna
A realidade psíquica interna de acordo com Winnicot (1949) “surge da
fantasia do bebê, que nos primórdios da vida, consiste de uma elaboração
imaginativa muito simples de partes, sentimentos e funções somáticas.” Esta
elaboração simples nunca é perdida, fica totalmente esquecida para a
consciência. Fundamentando-se em uma experiência cada vez mais ampla,
juntamente com um desenvolvimento neurológico concorrente emerge o
mundo interno.
Segundo Winnicott (1951, p. 48) “(...) existe uma realidade interna
para este indivíduo, um mundo interno que pode ser rico ou pobre e pode
estar em paz ou em estado de guerra.”
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A realidade interna apesar de não ser exatamente a mesma coisa que
o eu, está intimamente relacionada a este termo.
O eu central, segundo Winnicott (1960, p. 49), “está adquirindo à sua
própria maneira e na sua própria velocidade, uma realidade psíquica pessoal
e um esquema corporal pessoal.” O eu central ou núcleo da personalidade
permanece isolado, é por meio da realidade interna que o eu “adquire”.
A palavra psique é sinônimo de “fantasia” e “realidade interna” –
aquelas partes do ser integral disponíveis para a análise, mas também pode
possuir um aspecto amplo como “eu”.
4.3 Primeiras reações emocionais
Por ocasião do nascimento, o comportamento emocional não é muito
preciso, nem bem diferenciado. A criança não chega a ser perturbada por
muitas condições que a irão estimular e torná-la madura.
À medida que a criança vai crescendo, em torno de três anos em
diante, suas manifestações de emoção tornam-se mais claramente
distinguíveis. Os sons que uma criança emprega para manifestar emoção se
tornam mais definidos após certo tempo.
4.3.1 Prazeres, alegrias e satisfações
As alegrias da infância e das atividades da criança são múltiplas e
variadas. Quando cresce um pouco, seu prazer passa a ser derivado de uma
crescente variedade de atividades. A criança tem satisfação em ser ativa.
Em sua atividade há uma espécie de espontaneidade, que decorre da
economia total do seu organismo no que se distingue da pressão das
exigências do ambiente exterior.
75
Desde a infância, a criança não pára. Aventura-se, procurando a
excitação. Parece ter gosto especial em brincar com emoções que não são
agradáveis. Brinca com o medo,voltando por sua própria vontade a
situações que lhe parecem um tanto assustadora. A criança procura
confusão. Se sente que está em segurança, tem probabilidades de se
arriscar, é capaz de rir e gritar de satisfação, ao vencer uma dificuldade.
Entre seus prazeres estão aqueles que ocorrem quando satisfaz sua
curiosidade e aplica sua mente em tarefas intelectuais. Muitas ficam felizes
quando descobrem pela primeira vez que são capazes de ler.
Destacadas entre as experiências capazes de produzir alegria na vida
da criança, são aquelas que lhe dão uma nova percepção de si mesma, uma
nova visão de sua habilidade, uma visão mis ampla da sua capacidade de
enfrentar a coisa, de vencer uma dificuldade, de resolver um problema que a
incomode. Muitas descobrem tais satisfações no processo de vencer seus
temores, processo pelo qual ganham liberdade em relação a uma ameaça e
ao mesmo tempo uma compreensão maior da sua força.
Para muitas, um presente é muito mais do que apenas outra pose
material: é um símbolo de aceitação, um sinal de boa vontade. Pode ser
uma expressão de confiança. Uma pessoa que sabe pensar, dá não
simplesmente o presente que leva nas mãos, mas também algo de si
mesma.
4.3.2 O riso e o humor
Risos e sorrisos estão entre as muitas qualidades humanas que
atraem uma criança. Riem com gosto em resposta a moderada dose de
brincadeiras violentas. O riso de um bebê é provocado por um prazer
antecipado, como quando está sendo vestido para sair em seu carrinho.
Muitas crianças, antes de um ano de idade, riem de simpatia pelos gracejos
dos outros, embora não possam tomar parte neles. O riso ocorre também
ligado às próprias aventuras da criança.
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Os bebês possuem senso cômico bem antes do tempo em que são
capazes de expressar o seu humor por meio da linguagem.
Em torno de dois anos em diante, a criança ri durante os seus
contatos sociais ativos com outras pessoas. A criança é mais inclinada a rir
entre amigos do que entre estranhos. O riso é uma manifestação de boa
vontade, mas também pode expressar nervosismo.
No nível pré-escolar, o riso ocorre em conexão com uma forma de
atividade física. Situações em que se verifica produzir o riso: surpresa, o
sorriso do outro, repentino alívio de uma pressão, o dar e receber em termos
de brincadeira.
O desenvolvimento do humor está inter-relacionado com outros
aspectos do desenvolvimento. Quando uma criança é capaz de apreciar as
relações de tamanho e espaço, é capaz de rir de incongruências que não
percebia antes. Quando já tem domínio da linguagem, ela pode achar
engraçado quando uma criança mais nova comete enganos iguais aos eu
ela própria cometia antes. Quando aumenta a sua compreensão, a criança
gosta de brincar com palavras.
A maior parte das crianças gosta de se considerar dotada de senso
de humor e uma porção delas fará grandes esforços para descobrir como
poderão fazer com que as pessoas riam.
4.3.3 Por que os bebês choram?
Os bebês necessitam tanto de leite como de carinhos maternos e
precisam do amor e da compreensão da mãe. Se a mãe conhece bem o seu
bebê, está em condições de ajudá-lo quando ele precise e como ninguém
pode conhecer um bebê melhor que a própria mãe, ela poderá ser a pessoa
indicada para prestar-lhe essa ajuda. Ele solicita ajuda quando chora.
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A maioria dos bebês chora bastante e se deve deixar que o bebê chore
ou tentar acalmá-lo, alimentá-lo, pedir ao pai uma ajuda. A mãe decide isso.
Há quatro tipos de choro: de satisfação, dor, raiva ou pesar.
O choro suscita no bebê uma sensação de que está exercitando os
pulmões (satisfação) ou uma canção de tristeza (pesar).
Temos de reconhecer que o prazer participa do choro como do
exercício de qualquer outra função física, certa dose de choro pode ser
considerada, algumas vezes, satisfatória ao passo que uma dose inferior a
essa não seria bastante.
Os bebês tem e tem que ter seus métodos próprios de lidar com suas
dificuldades.
Qualquer exercício do corpo é bom do ponto de vista da criança. A
respiração poderá ser muito interessante até que se transforme em hábito e
os gritos e todas as formas de choro devem ser excitantes. O choro atua
como tranqüilizante num momento de dificuldade. Os bebês choram porque
se sentem ansiosos ou inseguros e o recurso funciona; o choro ajuda
bastante e devemos, portanto, concordar que há nele algo de bom.
O choro continua sendo um sinal de saúde e energia, uma forma inicial
de exercício físico, o desempenho ativo de uma função satisfatório e
agradável, porém, é mais que isso, pode ser um modo natural de comunicar
que o bebê está em dificuldade e necessita do auxílio da mãe.
Um tipo de dor é chamado fome. Essa dor depressa é esquecida se
resultar numa alimentação satisfatória.
O grito de dor é algo que ouvimos a qualquer momento após o
nascimento do bebê. Há, mais tarde, um novo tipo de choro dolorido: o choro
de apreensão. Isso significa que o bebê está travando conhecimento com
uma ou duas coisas. Aprendeu que em certas circunstâncias deve esperar a
dor. Começou a ligar os acontecimentos, a ter uma experiência própria e
uma coisa faz-lhe lembrar outras. Por exemplo, o bebê chora quando está
78
sujo; significa apenas que ele teme as perturbações que se habituou a
esperar nessas circunstâncias.
A base do choro de medo é a dor. É uma dor recordada e que ele já
espera ver repetida. Depois de um bebê ter conhecido qualquer sensação
dolorosamente aguda, poderá chorar de medo quando acontece qualquer
outra que o ameace de voltar a ter essa mesma sensação. E, logo, começa
a ter idéias assustadoras e então volta a chorar porque alguma coisa
recordou ao bebê a dor, embora essa alguma coisa seja agora imaginária.
A terceira causa de choro é a raiva. O bebê sabe o que é estar
completamente furioso. Por mais que a mãe se esforce, nada impede que
ela o decepcione algumas vezes, e ele chorará de raiva. Esse choro furioso
significa que o bebê acredita em sua genitora. Um bebê que perdeu a crença
não fica raivoso, deixa apenas de querer ou chora num ar lamentoso e
desiludido.
É uma coisa saudável para o bebê conhecer a extensão completa da
sua capacidade de fúria. O bebê, certamente, não se sente inofensivo
quando está raivoso. As mães conhecem bem como ele fica: grita, esperneia
e se já tiver idade para isso levanta-se e sacode as grades do berço.
Por alguns minutos, sua intenção é realmente destruir ou pelo menos
danificar tudo e todos, e nem sequer lhe importa destruir a si próprio no
decorrer da crise.
O bebê chora num acesso de raiva, sente como se tivesse destruído o
mundo inteiro,mas em sua volta, as pessoas mantêm-se calmas, essa
experiência fortalece sua capacidade de apreender que o que ele acha ser
verdadeiro não é necessariamente real, que a fantasia e o fato concreto são
distintos um do outro. A mãe não poderá evitar que ele se enfureça quer ela
goste ou não.
Sabe o que quer, sabe como conseguir o que quer e recusa-se a
perder a esperança de o conseguir. Só muito vagamente pode saber que
seus gritos ferem.
79
A quarta causa de choro é o pesar. Os sentimentos dos bebês são
muito diretos e intensos; podendo desenvolver poderosas defesas contra a
tristeza dolorosa.
Quando o bebê mostra que pode chorar de tristeza ele percorreu uma
longa jornada no desenvolvimento de seus sentimentos. A mãe nada
ganhará em tentar causar nele um choro triste, não será capaz de evitar
fazê-lo triste como não poderá evitar fazê-lo furioso, mas há uma diferença
entre a raiva e a tristeza, já que enquanto a raiva é uma reação mais ou
menos direta à frustração, a tristeza implica acontecimentos bastante
complexos na mente infantil.
As lágrimas pertencem mais ao choro triste do que à raiva e a
incapacidade para chorar tristemente significa olhos secos, as lágrimas são,
portanto,0 saudáveis física e psicologicamente.
O choro triste é algo muito complicado, algo que significa já ter a
criança conquistado seu lugar no mundo. Já começou a assumir sua
responsabilidade em relação ao meio. Em lugar de reagir apenas às
circunstâncias, passou a sentir responsabilidade pelas circunstâncias. O
problema está em que começa a sentir-se totalmente responsável pelo que
lhe sucede e pelos fatores externos da sua vida. Só gradualmente começa a
fazer distinção entre aquilo por que é responsável e aquilo tudo por que se
sente responsável.
Chorar de dor ou de fome pode-se notar em qualquer ocasião desde o
nascimento. A raiva aparece quando o bebê está apto a concatenar certos
acontecimentos, e o medo indicando a expectativa de dor, significa que o
bebê elaborou idéias próprias.
Se as mães compreenderem até que ponto são valiosas as coisas
subtendidas na tristeza estarão capacitadas a evitar a perda de algo
importante.
Um bebê triste poderá necessitar do amor físico e demonstrativo da
mãe. O que ele não precisa é ser distraído da sua tristeza. Ele se encontra
80
num estado de luto e requer tempo para recuperar-se; precisa saber que a
mãe continua a amá-lo e, pode ser até preferível deixá-lo chorar à vontade.
Não existe melhor sensação na infância do que a ligada a uma verdadeira e
espontânea recuperação da tristeza e sentimentos de culpa. A mãe
verificará que o filho se comporta de modo desobediente para que possa
sentir-se culpado, chorar e depois ser perdoado, ele está ansioso de reaver
aquilo que experimentou numa verdadeira convalescença da tristeza.
No choro de desamparo e desespero todos os outros tipos se diluem se
não restar qualquer esperança no espírito do bebê.
Ele estará em condições de seguir decididamente para a frente
demonstrando à mãe quando está zangado com ela e quando a ama,
quando quer livrar-se dela, quando está ansioso ou com medo, ou quando
apenas quer que a mãe compreenda que ele está triste.
4.5 A moralidade inata do bebê
Como fazer para que o bebê se torne bom e obediente, sociável,
moral? O sentido de bom e mau é adquirido por cada criança.
É complexo o processo de desenvolvimento desde a impulsividade e
a pretensão de controlar todos e cada um, até a capacidade para a
informação.
Nas fases iniciais, o que é fácil de adaptar ou bom no meio que o
cerca, se acumula no depósito de experiências da criança como uma
qualidade própria, do princípio do próprio funcionamento saudável do bebê.
Existem duas maneiras para apresentar à criança a norma de limpeza
e moralidade. A primeira, é a implantação de normas e crenças, forçarem o
bebê ou a criança a aceitá-las, não fazendo qualquer tentativa para integrá-
las na personalidade em desenvolvimento. A segunda, é facilitar e incentivar
as tendências inatas para a moralidade. Por causa dos métodos sensíveis
81
usados pela mãe que pertencem à realidade do seu amor, a raízes do senso
moral pessoal o bebê estão salvas.
Um bebê odeia desperdiçar uma experiência.
Há uma gradual formação de uma capacidade para adquirir o sentido
de responsabilidade, o qual, na sua base é um sentido de culpa.
0 a 2 anos há a destruição objeto e, ao mesmo tempo, ama esse
mesmo objeto.
A criança torna-se gradativamente apta a tolerar o sentimento de
angústia (culpa) a respeito dos elementos destrutivos nas experiências
instintivas porque sabe que haverá uma oportunidade de recompensar e
reconstruir.
Os pais deveriam ter um código moral à espera do filho para quando
ele começar a procurar algum. A função dessa atitude é humanizar a própria
moralidade imperfeita da criança, sua aversão à obediência às custas de um
modo de vida pessoal. Essa moralidade exaltada deve ser humanizada mas
não eliminada.
Os adultos facilmente confundem obediência com crescimento porque
a obediência acarreta compensações imediatas.
4.6 Primeiras fases do desenvolvimento sexual
O desenvolvimento sexual da criança começa antes do nascimento e
seu comportamento sexual tem início logo após ter nascido. Os órgãos
genitais são ativos desde muito cedo.
O brinquedo com os órgãos genitais no primeiro ano de vida, é
aparentemente uma das atividades normais da criança. A manipulação
desses órgãos na infância e formas semelhantes de comportamento, são
acompanhadas, às vezes, por outros sinais de interesse pelo sexo, dos 2
82
aos cinco anos de idade. Podem ser transitoriais e persistir por certo tempo
ocupando a criança muitas vezes ao dia, ou ocorrer a largos intervalos.
Por serem incapazes de reconhecer que o interesse pelo sexo e os
brinquedos sexuais são aspectos normais e comuns do desenvolvimento,
alguns pais se alarmam sem razão. Se aplicarem castigo ou demonstrarem
repulsa, os pais poderão estimular um interesse da criança ainda maior,
despertando sentimento de ansiedade.
Grande parte das crianças que se excitam abandonam essa prática
espontaneamente. Muitas crianças tem vivo interesse por questões relativas
a sexo durante certo período e depois parecem perder esse interesse para
mais tarde demonstrá-lo de novo. Mais cedo ou mais tarde, as crianças
notarão as diferenças anatômicas entre o homem e a mulher.
83
5. DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA PRIMEIRA
INFÂNCIA
O aspecto social exerce enorme influência na vida de uma criança.
Dependendo da maneira como for conduzido poderá gerar experiências
agradáveis ou não no decorrer de seu desenvolvimento.
5.1 Primeiras relações sociais e o processo e auto-
descoberta
Desde o nível pré-escolar, as outras crianças desempenham um
importante papel na determinação, para uma criança daquilo que ela é e do
que pode fazer. As crianças recebem apoio e elevado grau de disciplina
umas das outras. Uma criança pode ser lembrada de que outras a apóiam,
ou pode ser informada por elas de que é estúpida, chorona ou insuportável.
O fato de ser aceito, em relação de reciprocidade com os outros
encerra um toque de emoção. Por outro lado ser alvo de apelidos
depreciativos constitui uma experiência muito amarga e dolorosa para uma
criança.
5.2 A família
Winnicott (1957, p. 150), comenta sobre a família:
“(...) A forma como organizamos nossa família praticamente mostra como é nossa cultura, assim como a fotografia de um rosto retrata o indivíduo. Todos precisam de uma família.”
À respeito do papel da família no desenvolvimento individual Winnicott (1957, p.151), escreveu:
84
“(...) a família tem seu próprio crescimento e a criança pequena em si vivencia as mudanças que pertencem à expansão gradual da família e seus problemas. A família protege a criança do mundo mas gradativamente o mundo começa a entrar. Esta penetração gradativa do ambiente é a forma através da qual a criança pode lidar com o mundo mais amplo e segue o padrão de introdução da realidade externas realizada pela mãe.”
A base da família é a relação entre os próprios pais e seu vínculo
entre eles mesmos em termos de interesses e objetivos culturais. A relação
envolve o significado de cada criança em termos da fantasia consciente e
inconsciente dos pais quanto ao ato que produziu a concepção. Fantasias
que geram poderosas forças que significam, na saúde um senso de
responsabilidade por cada criança.
Winnicott percebia que os pais tem suas próprias dificuldades e,
embora já tenham uma família, anda estão em seu próprio processo de
crescimento.A capacidade dos pais de se relacionarem com a sociedade em
que vivem é muito importante.
“Aquilo com que os pais podem contribuir para a família que estão construindo depende bastante de sua relação geral com os círculos mais amplos que os circundam, o seu ambiente social imediato.”
(ibidem,1957, p. 152)
A integração da família deriva-se da tendência integrativa de cada
criança individualmente.
“(...)Cada criança individualmente, através do crescimento emocional saudável de sua personalidade de forma satisfatória estimula a família e sua atmosfera. A capacidade de identificar-se com a criança depende de termos feito uma evolução suficientemente boa no nosso próprio desenvolvimento da personalidade quando tínhamos esta mesma idade. Assim, nossas próprias capacidades são fortalecidas e ampliadas através do que nossos filhos esperam de nós: de formas sutis, bebês e crianças produzem uma família ao seu redor, talvez por precisarem de alguma coisa, logo que lhe damos por causa do que sabemos sobre expectativas e realizações. Vemos o que as criança criam quando estão brincando de família e sentimos que queremos tornar reais os símbolos de sua criatividade.”
(ibidem,1957, p. 153)
85
Winnicott acreditava (The Child and the family,1966, p.154) que uma
das funções cruciais para o desenvolvimento emocional do bebê e da
criança pequena é fornecer “um período de tempo no qual experiências
estáveis nas relações podem ser utilizadas para o desenvolvimento de áreas
intermediárias nas quais fenômenos transicionais ou lúdicos podem tornar-
se estabelecidos para aquela criança em particular.
Cada criança contribui para a criação da família através de suas
expectativas e contribuição pessoal e cria por si mesma, imaginativamente a
família. Nenhuma família é igual à outra.
Quando a criança tem a oportunidade de criar e recriar a família
através do jogo, sendo esta assimilada pela realidade interna, a criança está
pronta a utilizar a família em sua função que leva a uma relação com grupos
sociais mais amplos. É um tipo de relacionamento descrito por Winnicott
como “excursões e voltas”.
Segundo Winnicott (The family and emotional maturity, 1960), o
indivíduo no decorrer de seu crescimento emocional, vai da dependência à
independência e sendo saudável, retém para si a capacidade de ir e vir de
um ponto para outro. A família existe como algo que é solidificado pelo fato
de que cada membro da família individualmente o pai e a mãe reais estão
vivos na realidade psíquica interna
Winnicott (1966, p.156), enfatiza que:
“o padrão familiar da criança é o elemento que fornece à criança relíquias do passado de forma que quando a criança descobre o mundo, há sempre uma viagem de volta que faz sentido, se este padrão é a própria família da criança, então a viagem de volta não impõe um esforço a qualquer dos elementos porque faz parte da essência da família que esta permaneça orientada para si mesma e para as pessoas que a compõem”.
86
5.2.1 A criança e seus pais
Pelas aventuras da vida familiar, tiramos proveito de podermos ter
uma visão de nós mesmos. Somos produtos da espécie de criação que
recebemos quando crianças e temos uma responsabilidade a mais: todo
adulto que lida com crianças desempenha o papel de pai. No curso da vida,
não há satisfação mais compensadora que a de ser um pai bem sucedido”,
nem tragédia mais pungente que a de ser um genitor “fracassado”.
Os pais tem que tomar inúmeras decisões no dia a dia. As qualidades
do pai como pessoa tem importantes relações com que faz ou não. As
atitudes e a personalidade de mãe determinam seu modo de conduzir casa
fase da criação de seus filhos. Estudos concluem que a criação de um filho é
mais influenciada pela qualidade da “estrutura do caráter” da mãe e seus
efeitos sobre a “interação total entre mãe e filho” do que por técnicas e
práticas específicas sobre a criação. É mais importante avaliar o papel dos
pais, procurar conhecer as atitudes de base do que se concentrar apenas
em métodos e técnicas.
Nenhuma personalidade é completamente fixa e imutável.
Para compreendermos as relações entre pais e filhos, é necessário
considerar as características do genitor e as da criança, seu ritmo, suas
exigências, sua tendência a ser ou não receptiva. Crianças apresentam
traços individuais marcantes quase a partir do nascimento. As relações entre
pais e filhos são interpessoais. Seja qual for a personalidade ou a estrutura
do caráter da mãe, ela trata um filho de forma diferente do outro dependendo
do temperamento de cada um.
5.2.2 O acúmulo de experiências nas mães e nos pais
Winnicott fez uma lista das experiências pessoais de pais e mães que
ele considerava importantes como contribuições para o padrão e a qualidade
dos cuidados de bebês:
87
a) há a experiência de ter nascido, de ter sido um bebê e a
elaboração desta experiência na fantasia. Winnicott acreditava que nenhuma
experiência da primeira fantasia influenciam a qualidade da função de mãe.
A respeito da mãe, disse Winnicott (The ordinary devoted mother,1966): “ela
foi bebê um dia e ela tem suas recordações de ter sido um bebê; ela
também tem recordações de ter sido cuidada e estas recordações auxiliam
ou prejudicam sua própria experiência como mãe.”
Já a respeito da mãe e do pais Winnicott (Stresses at pré-school age:
the building up of trust,1969), revela:
“A mãe e o pai efetivamente trazem consigo recordações ocultas de terem sido eles mesmos bebês, e de terem sido cuidados em temos de confiabilidade, proteção da imprevisibilidade, oportunidade de lidar com sta questão altamente individual do crescimento pessoal.”
Em conseqüência de cuidados maternos inicias suficientemente bons,
desenvolve-se uma capacidade de criar uma criança viva na fantasia.
Winnicott afirma (The beginning of the individual,1966), que “o começo das
crianças é quando elas são concebidas. Elas surgem nos jogos de várias
crianças depois dos dois anos de idade, sendo parte do material dos sonhos
e de várias ocupações.”
Segundo Winnicott (1967), qualquer experiência que a criança em
crescimento tem de “ver pais com bebês” ou “tomar parte dos cuidados dos
irmãos” pode enriquecer a brincadeira e a informação assim adquirida e
tornar-se parte da assimilação ao eu do mundo da realidade compartilhada.
Assim, uma futura mãe torna-se profundamente afetada pelos hábitos locais,
os quais ela pode posteriormente aceitar ou busca modificar.
A experiência da concepção real da criança é um fator importante na
natureza da vinculação dos pais a ela. Costumam dizer que é estranho que
as crianças possam ser tão diferentes umas das outras quando têm os
mesmos pais e são criadas na mesma casa e na mesma família. Esta idéia
não leva em conta o todo da elaboração imaginativa da importante função do
88
sexo, e a forma pela qual cada criança adequa-se especificamente ou falha
em adequar-se a uma dada organização imaginativa e emocional, uma
ambiência que nunca pode ser das vezes a mesma, mesmo quando tudo
mais no ambiente físico permanece constante. Winnicott isolou como
importante aquela parte da fantasia total do sexo que está ligada “ao senso
de preocupação ou culpa que deriva dos elementos destrutivos (amplamente
inconscientes) que acompanham o impulso amoroso quando expresso
fisicamente”.
Os pais precisam das crianças reais no desenvolvimento da sua
relação mútua. Essa necessidade tem conseqüências para o
desenvolvimento da criança porque, segundo Winnicott (Integrative and
disruptive factors in family life, 1957):
“Os impulsos positivos gerados desta forma são muito poderosos. Não basta dizer que os pais amam seus filhos. Eles realmente muitas vezes conseguem amá-los e eles têm todos os tipos de outros sentimentos. As crianças precisam mais de seus pais do que de serem amados, eles precisam de algo que permanece quando são odiados ou mesmo odiosos.”
Winnicott revela, ainda:
“Aqueles pais que adotaram crianças saberão como tais crianças podem preencher o vazio nas necessidades imaginárias decorrentes de um casamento. E pessoas casadas sem filhos podem e conseguem encontrar diversas outra formas de ter realmente uma família, muitas vezes observa-se que elas tem as maiores famílias”.
(ibidem,1957)
Ele acreditava que as relações mais ricas para os pais e para os
filhos são as que surgem quando o amor expresso fisicamente redunda em
um fato físico. É uma questão de comprometimento corporal e da fantasia
inconsciente que acompanha a função corporal e a experiência corporal
ligada à experiência da primeira infância.
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O comprometimento corporal é o destino da mãe que carrega em si a
criança, Winnicott (The relationship of a mother to her baby at the
beginning,1960) acreditava que o bebê no útero torna-se ligado na fantasia
ao “objeto interno bom”. Com a mãe suficientemente boa da própria primeira
infância da mãe grávida, com a mãe subjetiva e do cuidado confiável que ela
criou enquanto bebê.
Este ambiente bom foi internalizado e é mantido internamente sendo
sentido como parte do eu, ele constitui sua reserva interna. O resultado disto
é que a mãe mostra uma crescente identificação com o bebê que é
característico do estado que Winnicott (Mother-fetus relationship,1966)
denominou de “preocupação materna primária”. Se o ambiente inicial é
pobre, a mãe tem dificuldades em produzir na fantasia uma criança viva e
completa e isto pode levar a dificuldades em sua relação com seu bebê
desde o começo.
Nas semanas anteriores e posteriores ao nascimento do bebê que
compartilha com a mãe de certas experiências. Estas fornecem a
identificação da mãe com o bebê e provocam em ambos, segundo Winnicott
(1969), a “experiência de mutualidade.” São experiências tranqüilas estando
ligadas a provas grosseiras de vida como movimentos respiratórios e
batimentos cardíacos. Winnicott afirma (Birth memories, birth trauma and
anxiety,1949):
“Entre as características típicas da verdadeira recordação do nascimento encontra-se o sentimento de estar nas mãos de algo externo, de forma que se está indefeso. Há uma relação muito nítida aqui entre o que o bebê experimenta e o que a mãe experimenta no parto. Surge uma fase no parto na qual, em condições agradáveis, a mãe deve ser capaz de resignar-se a um processo quase comparável à experiência do bebê naquele mesmo momento.”
5.2.3 Aceitação, rejeição e excesso de proteção
Há acentuada aprovação quando dizemos que um pai é aceitador e
amoroso e de reprovação quando falamos de um pai rejeitador. Todos os
90
pais tem sua parcela de fraqueza e debilidades humanas, mas o pai
rejeitador é considerado ruim.
Cada pai aceita o filho a seu próprio modo, não se pode fazer o
retrato do pai aceitador. Há muitas qualidades que se entrelaçam numa
atitude de aceitação. Nenhum pai possui todas elas no mesmo grau. A
aceitação envolve muitos paradoxos, o pai que aceita é firme, sentimental e
realista. Ama seu filho, mas se for honesto consigo mesmo admitirá que, às
vezes, se irrita com ele, sente-se ligado ao filho, embora deseje por vezes,
que este desapareça de sua presença.
À medida que a criança cresce, o amor do pai por ela torna-se maior e
se expressa de inúmeras maneiras.
Há pais rejeitadores, mas também há filhos rejeitadores. Quando os
filhos se tornam desobedientes ou insensíveis, durante uma fase de
“resistência” ou negativismo,os pais tem a impressão de estarem sendo
rejeitados. Como exemplo, temos o bebê que não tolera o leite de sua mãe
rejeita em certo sentido, a própria mãe, embora não seja esta a intenção.
Podemos notar também proteção excessiva quando os pais exageram
seu papel protetor não permitindo que a criança se aventure no desempenho
do próprio papel.Quando os pais rondam constantemente a criança, pode
ser que se trate de um pai extremamente ansioso, parecendo dedicar-se
muito está tentando, na verdade, compensar a sensação de não ter cuidado
do filho de forma satisfatória. Uma atitude protetora pode ser conseqüência
de uma decepção ou frustração anterior ao nascimento da criança, morte de
outro filho ou de condições que ameaçaram a vida da criança.
O genitor que aceita seu filho é sensível às suas necessidades na
medida em que as pode perceber. Notará sinais de ansiedade, desconforto,
medo ou dor. Protegerá a criança contra incômodos desnecessários, e à
medida que cresce o filho continuará a protegê-lo sabendo, entretanto, que
no mundo que se estende além do lar, a criança enfrentará muitas situações
difíceis que escapam ao alcance da protetora mão paternal.
91
5.2.4 A falta relativa de irmãos e amigos
Podemos observar também crianças que parecem não possuir
amigos particulares, ela pode se comportar de maneira a fazer com que os
outros a rejeitem. Talvez se sinta pouco à vontade, em companhia de outras
crianças, e procure associar-se a adultos. Ou tenha interesse, no momento,
em levar suas atividades solitárias ou em que os outros não participem.
Crianças solitárias, geralmente, são precoces no desenvolvimento da
linguagem, empregam palavras que outras crianças não podem entender,
fazendo com que dirijam a ela um olhar de incompreensão e prossigam em
suas próprias tarefas como se ela não estivesse ali.
Podem também perguntar: Que é que vocês estão fazendo? Por que
estão fazendo isso? Para que é isto? Está buscando, na verdade, a seu
próprio modo a aceitação dos outros.
Na primeira infância, o esforço de uma pessoa para encontrar um
amigo ou para tornar-se amiga, não pode ser aferido pelos sinais comuns de
ajustamento social. Aos três anos de idade, pesquisas mostram que, em
busca de amizade, diante de solidão, a criança pode construir um grupo de
companheiros imaginários, dotando-os da amizade que não pudera
encontrar na realidade e tentando obter através dos seus companheiros
imaginários a intimidade que não tivera com sua família.
Quando uma criança simpatiza com outra, essa experiência combina
percepção, sentimento e ação, ou impulso para a ação. A criança deve ser
capaz de perceber os sinais do sofrimento alheio, ser capaz de permitir que
entrem em jogo os próprios sentimentos, e ser capaz. de comunicar seus
sentimentos através do que faz ou diz. Crianças com dois a quatro anos de
idade confortam, auxiliam ou defendem uma criança em dificuldade,
enquanto as mais novas olham com surpresa e indagam ansiosamente
sobre os sofrimentos das outras; mas se uma criança estiver profundamente
absorvida em suas próprias preocupações, pode não ser capaz de reagir
frente as preocupações alheias.
92
Uma criança sem amigos, numa escola maternal, tenta conquistar a
dedicação de um recém-chegado ou de uma criança tímida, através de
técnicas como rondar à volta do colega, sorrir, sugerir brinquedos que
poderiam fazer juntos.
5.3 As crianças e as outras pessoas
A evolução emocional da criança tem início no começo da sua vida,
assim, podemos ver como edifica a sua personalidade e vida e como um ser
humano trata com os seus semelhantes.
As crianças precisam de um bom lar normal com que se identifiquem
e necessitam de um lar estável, de um ambiente emocional estável em que
possam ter a oportunidade de realizar firmes e naturais progressos no
devido tempo, no decorrer das fases iniciais do desenvolvimento. A criança
deve ser vista como um todo.objetivando que sua saúde mental seja sólida
para que possa ostentar uma personalidade rica e estável, suscetível de
adaptar-se não mundo e de participar de um mundo que exige adaptação.
A assistência adequada a um bebê só pode ser feita com o coração,
mas os sentimentos devem estar livres para agir em conjunto com a cabeça.
Uma mãe incapaz de viver no mundo do bebê faz com que o bebê
tenha que viver no mundo da mãe, com isso, quando este chegar à
adolescência encontrará a saúde mental numa atitude de rebeldia ou
desafio. Já a mãe que se adapta dá ao seu bebê uma base para estabelecer
contato com o mundo e propicia ao bebê uma riqueza em suas relações com
o mundo que pode desenvolver-se e atingir quando a maturidade chegar.
Uma parte importante dessa relação do bebê com a mãe é a inclusão na
mesma de impulsos instintivos, a sobrevivência do bebê e da mãe ensina ao
bebê através da experiência, que são permissíveis as experiências
instintivas e as idéias excitadas e que elas não destroem o tranqüilo tipo de
relações de amizade e de participação.
93
5.3.1 Amizades entre crianças
Tão logo as crianças começam a perceber ativamente as outras e a
brincar com elas, mostram preferências entre seus companheiros. Antes dos
dois anos, é provável que a criança comece a demonstrar que tem
preferências entre as outras, com as quais brincam e, aos três ou quatro
anos, ocorrem firmes ligações entre as crianças que podem durar alguns
dias, semanas, meses ou anos. Uma das maiores alegrias da infância é ter
um amigo íntimo, no qual pode confiar, uma das maiores tristeza é a perda
de tal amigo.
As amizades entre crianças pequenas, são influenciadas por fatores
óbvios, tais como: idade igual, inteligência, sociabilidade e interesses à
semelhança com um antigo companheiro e a capacidade de obter
cooperação. Cada amizade tem suas características próprias e pode
representar ampla variedade de relações. Uma criança que se une a um
novo grupo pode, a princípio, ligar-se a um membro mais acessível do grupo
e depois, ao sentir-se mais segura de si mesma, desligar-se e procurar
outros amigos.
Um dos amigos pode ser dominante e o outro submisso.
As relações também podem ser de líder e seguidor. Uma criança
pode tornar-se líder por ser capaz de fazer várias coisas. Outra pode
escolher e controlar as atividades lúdicas de um grupo, por força de seus
métodos agressivos. Outra, por estar sempre descobrindo possibilidades
novas e originais, travando sempre relações amistosas com outras crianças.
O líder mais aceito é, talvez, o que torna agradável a posição de
liderado.
A escola fornece para a criança a companhia de outras da mesma
idade; é a primeira experiência da criança como participante de um grupo
criando a necessidade de desenvolver a capacidade de relações
harmoniosas no grupo.
94
5.3.2 A rivalidade entre crianças pequenas
A primeira experiência da criança quanto à competição sobrevém,
geralmente, no próprio lar. Ela pode ser rival de um ou ambos os pais,
exigindo a atenção de um ou dos dois. Se houver duas ou mais crianças no
lar, será inevitável a ocorrência de certa rivalidade entre irmãos que, pode
ser moderada ou de grande intensidade.
Quando existe um estado de intensa rivalidade esta é, às vezes,
apresentada abertamente, outras não. Mostra-se quando uma criança, por
exemplo, tenta ferir um irmão sufocando-o, empurrando-o pela escada. Às
vezes, as crianças reprimem seus sentimentos em relação a um irmão rival,
e se convencem mesmo de que não existe rivalidade.
A rivalidade torna-se um problema difícil quando uma criança é muito
exigente monopolizando tudo, atenção, cuidados e favores. Outras, mesmo
com pouca idade, podem achar fácil dividir as coisas. As atitudes dos pais
em relação à rivalidades das crianças serão influenciadas por suas próprias
experiências; se os pais mostram-se injustos ou favorecem e admiram uma
criança mais que outra, é compreensível que a criança menos favorecida se
sinta mal.Não se pode evitar a situação de rivalidade pelo simples processo
de controlar o ambiente.A proporção que uma criança recebe pode ser, para
ela mais importante que a quantidade.
5.4 O brincar
O brincar preocupado das crianças foi visto por Winnicott como uma
extensão do uso dos fenômenos transicionais, pertencendo também ao
espaço potencial entre o eu individual e o ambiente.
Segundo Winnicott (1946), What do we mean by a normal child?
devemos dar uma grande importância à capacidade de brincar da criança.
Se a criança é capaz de usufruir do brinquedo tanto só, como com outras
crianças, não há perspectiva de problemas sérios. Se, neste brinquedo for
95
utilizada uma imaginação rica e se derivar prazer de jogos que dependem da
percepção exata da realidade externa, então os pais podem ficar felizes,
mesmo que a criança esteja molhando a cama, gaguejando, com raiva ou
sofrendo de depressão. O brincar mostra que a criança é capaz de
desenvolver um modo pessoal de vida e de vir a ser um ser humano total,
desejado como tal e aceito pelo mundo em geral.
Nos anos pré-escolares, a brincadeira é um meio fundamental para a
criança resolver os problemas emocionais que fazem parte do
desenvolvimento. A brincadeira é um dos métodos característicos da
manifestação infantil – um meio para perguntar e para explicar.
Qualidades especiais do brincar segundo Winnicott:
A preocupação caracteriza o jogo das crianças pequenas, o conteúdo
não importa, o que importa é a concentração das crianças mais velhas;
Brincar implica confiança no ambiente e a capacidade de ficar só na
presença de alguém.
O jogo é essencialmente satisfatório. O brincar atinge seu próprio
ponto de saturação que se refere à capacidade de conter a experiência.
Winnicott destaca (1971), que “o brincar é inerentemente excitante e
precário por causa da inter-relação na mente da criança entre o que é
subjetivo e o que é objetivamente percebido.”
Comparando as idéias de Winnicott acerca do brincar com a
descrição do jogo simbólico de Piaget temos:
Para Piaget (1969): “A criança é obrigada a se adaptar
constantemente a um mundo social de pessoas mais velha, cujos interesses
e regras permanecem externos a ela e um mundo físico que só compreende
ligeiramente. A criança não consegue satisfazer as necessidades afetivas e
intelectuais de sua personalidade pó meio destas adaptações. Portanto,é
indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual que ela tenha disponível
96
para si uma área de atividade cujo motivo não seja a adaptação à realidade,
mas ao contrário, a assimilação da realidade ao eu, sem coerções nem
sanções. Uma destas áreas é o jogo, que transforma a realidade mediante a
assimilação às necessidades do eu, ao passo que a imitação (quando
constitui um fim em si próprio) é acomodação aos modelos externos.”
O jogo simbólico da criança é transportado para o mundo adulto
apenas no sonho, para Winnicott (1971), o próprio brincar é a base para
“toda a existência vivencial do homem.”
Winnicott revela (1942), que Why children plays? “crianças fazem
amigos e inimigos durante o brincar ao passo que não fazem amigos
facilmente à parte do brincar.”
5.4.1 Por que as crianças brincam?
Porque gostam, têm prazer em todas as experiências de brincadeira
física e emocional. São capazes de encontrar objetos e inventar brincadeiras
com muita facilidade, e isso dá-lhes prazer.
A criança gosta de concluir que os impulsos agressivos podem
exprimir-se num meio conhecido, sem o retorno do ódio e da violência do
meio para ela. Um bom meio ambiente sentiria a criança, deveria ser capaz
de tolerar os sentimentos agressivos, se estes fossem expressos de uma
forma mais ou menos aceitável. Deve-se aceitar a presença da
agressividade na brincadeira da criança e esta sente-se desonesta se o que
está presente tiver de ser escondido ou negado.
A agressão pode ser agradável, mas acarreta dano real ou imaginário
de alguém. Ao aceitar a disciplina de exprimir o sentimento agressivo sob a
forma de brincadeira e não apenas quando está zangada. Pode-se usar a
agressividade numa forma de atividade que tenha uma finalidade básica
objetiva, não ignorando a contribuição social feita pela criança ao exprimir
seus sentimentos agressivos através das brincadeiras em lugar de o fazer
em momentos de raiva.
97
As crianças brincam por prazer, é muito mais fácil par as pessoas
verem que as crianças brincam para dominar angústias, controlar idéias ou
impulsos que conduzem à angústia se não foram dominados.
A angústia é sempre um fator na brincadeira infantil e um fator
dominante. A ameaça de um excesso de angústia conduz à brincadeira
compulsiva, à brincadeira repetida ou a uma busca exagerada dos prazeres
que pertencem à brincadeira.
A criança adquire experiências brincando. A brincadeira é uma
parcela importante da sua vida, pois, experiências externas e internas
encontram-se na brincadeira e na fantasia. A personalidade da criança
evolui por intermédio de suas próprias brincadeiras e das invenções de
brincadeiras feitas por outras crianças e por adultos.Ao enriquecerem-se as
crianças aplicam gradualmente sua capacidade de exagerar a riqueza do
mundo externamente real. A brincadeira é a prova evidente e constante da
capacidade criadora, que quer dizer vivência.
Os adultos contribuem pelo reconhecimento do grande lugar que cabe
à brincadeira e pelo ensino de brincadeiras tradicionais, mas sem obstruir a
iniciativa própria da criança.
No início, a criança brinca sozinha ou com a mãe, as outra crianças
não são imediatamente procuradas como companheiras. É através da
brincadeira em que as demais crianças são ajustadas a determinados papéis
preconcebidos, que uma criança começa a permitir às outras que tenham
uma existência independente.
As crianças fazem também amigos e inimigos durante as
brincadeiras. A brincadeira fornece uma organização para a iniciação de
relações emocionais e, assim, propicia o desenvolvimento de contatos
sociais.
A brincadeira, o uso de formas e artes e a prática religiosa tendem,
por diversos métodos para uma unificação e integração geral da
personalidade. Por exemplo, pode-se ver que as brincadeiras servem de elo
98
entre a relação do indivíduo com a realidade interior e a relação do indivíduo
com a realidade externa ou compartilhada.
É nas brincadeiras que a criança liga as idéias com a função corporal.
A tendência saudável que existe na brincadeira que relaciona
mutuamente os dois aspectos da vida, ou seja, o funcionamento físico e a
vivência das idéias.
5.5 O mundo dos sonhos e das fantasias
Através do faz-de-conta e de outras atividades da imaginação é a
criança capaz de ampliar a extensão do seu mundo.
A imaginação de uma criança desempenha um papel importante em
todos os aspectos do seu desenvolvimento. Na esfera intelectual ela é capaz
de dar graças à imaginação, experimentar, explorar, manipular idéias, sem
ficar presa à regras da lógica. Na esfera emocional, pode ampliar seus
desejos, temores, esperanças e impulsos agressivos. Freqüentemente
emprega a imaginação no seu desenvolvimento social, pois, grande parte
das suas brincadeiras com outras crianças se desenrola em cenários
imaginários. Há interação entre a atividade imaginativa da criança e seu
desenvolvimento motor: muitas habilidades importantes são adquiridas ou
praticadas e atividades lúdicas, nas quais há elevado conteúdo imaginativo,
como no brinquedo com bonecas e de dona-de-casa. Muitas vezes o faz-de-
conta proporciona o contexto ou a finalidade, quando a criança pratica
atividades motoras tais como nadar ou andar de bicicleta.
A capacidade de imaginação aparece na criança já ao tempo em que
adquire a capacidade de falar. Outros dos primeiros sinais de atividades
imaginativas aparece quando as crianças imitam os mais velhos. O faz-de-
conta se torna mais evidente depois que a criança aprende a falar.
Descobertas mostram que os jogos de imaginação aumentam durante o
período entre 2 e 4 ano.
99
5.5.1 Uso do faz de conta nas relações sociais
Muitas vezes, quando duas ou mais crianças pequenas brincam entre
si, o que as prende é uma atividade da fantasia. As atividades da fantasia
fornecem um cenário no qual as crianças são capazes de tolerar e apreciar
umas as outras mais do que num cenário real.
Por exemplo, uma criança de 5 anos pode ficar aborrecida quando na
vida real, sua irmã de dois anos chora à toa, precisa de ajuda para vestir
suas roupa ou deixa cair sua comida. Mas num cenário de faz-de-conta no
qual é ela a mãe e a criança de dois anos é o bebê, a mesma criança de
cinco anos não só aceita como pode até encorajar esse tipo de
comportamento próprio dos bebês. Freqüentemente, parece ser num cenário
de faz-de-conta enquanto brincam com outras crianças que os meninos
acham tempo para realizar façanhas de auto-restrição, paciência,
perseverança numa tarefa, boas maneiras que os adultos vivem
constantemente a promover.
Para o fim do período pré-escolar e nos anos que se seguem grande
parte da atividade imaginativa da criança toma a forma de fantasias e
devaneios particulares diferentes da representação que aparece no faz-de-
conta. Essas fantasias servem como meios ora de realização de desejos ora
de alívio, ora de fuga, ora de compensação, ora de vingança. Em muitos
desses devaneios, a criança faz papéis dramáticos e heróicos, que se
acham mais afastados dos acontecimentos do quotidiano do que as
atividades do faz-de-conta de alguns anos antes.
Os devaneios prosseguem pela vida inteira. Os temas envolvidos e a
medida em que o indivíduo se entrega a eles variam conforme vão surgindo
diferentes situações na vida.
100
5.5.2 Companheiros imaginários
Uma forma especialmente interessante de imaginação, na infância é a
dos companheiros imaginários. É difícil definir um companheiro imaginário já
que a diferença entre esse personagem imaginário e o que ocorre no
brinquedo comum da imaginação parece ser, uma diferença de grau.
Geralmente, aplica-se o rótulo de “companheiro imaginário” a uma criatura
ou coisa imaginada que se mostra vívida.
A personagem pode ser uma pessoa, um animal, ou um objeto. É
quase tão vívida quanto a alucinação. Embora seja uma criação da mente da
criança pode assumir o que parece ser uma realidade independente.
O companheiro imaginário pode aparecer sob muitas formas, com
diferentes graus da vivacidade e pode servir a uma variedade de fins. Um
dos fins é proporcionar à criança um companheiro que pode ser dotado de
características que a criança deseja, mas ao encontrar em seus
companheiros da vida real.
Esta pode possuir poderes e virtudes que a criança não tem; pode ter
muitos privilégios que são negados à própria criança:pode ter a coragem de
fazer coisas que a própria criança gostaria de fazer.Pode servir de base para
defender a conduta da criança ou as suas exigências.
5.5.3 Os sonhos das crianças
Muitas crianças sonham antes de serem capazes de recordar ou
descrever seus sonhos. O sonho, possivelmente, começa já no primeiro ano
da criança. O primeiro sinal de sonho pode ocorrer quando a criança chora
durante o sono, acorda aparentemente amedrontada, faz movimentos de
sucção, estende repentinamente os braços ou sorri enquanto está dormindo
A idade em que aparecem os primeiros sinais de sonho, segundo as
informações dos pais, varia consideravelmente em diferentes crianças.
101
Algumas crianças dizem que nunca sonham, mas podem ter
esquecido seus sonhos. Uma pessoa que é repentinamente despertada
quando mostra sinais de estar sonhando pode ser capaz de contar sonhos
no momento, embora não se lembre de qualquer sonho após uma noite de
sono.
Algumas crianças quando começam a sonhar confundem o sonho
com a realidade, não apenas enquanto dormem e sonham mas ao
despertar. Quando emerge do sono, a criança pode olhar em volta e
perguntar: “cadê o cavalinho que estava ali?”
Os sonhos de crianças são mais explícitos. Sonhos que contém uma
dose de violência ou de medo tem mais probabilidades de fazer despertar
uma criança pequena que uma criança maior. Desejos e aspirações
parecem surgir mais abertamente nos sonhos da criança pequena. Um
sonho é sempre algo que teve sua origem no próprio sonhador. Cada
imagem do sonho, por mais estranha, cada emoção, cada impulso, cada
sensação de prazer e alegria brota do reservatório dos pensamentos e
sentimentos do próprio sonhador. O terrível monstro que ameaça devorar a
criança deixando-a gritar é produto da sua própria criação. As ferozes
criaturas que ameaçam atacá-la são criaturas dela mesma. Desejos
satisfeitos em seus sonhos são os seus próprios desejos. Os
acontecimentos que tem lugar num sonho podem ser irreais. Mas a
substância dos sonhos não é irreal, provém da substância da vida do
sonhador.
Cada sonho contém uma mensagem que poderia revelar alguma
coisa com relação às experiências da vida de onde nasce. Um estudo dos
sonhos pode ser muito instrutivo, em conexão com os esforços de uma
pessoa para compreender a si mesma e nos seus esforços para entender
uma criança.
102
5.6 A consciência do corpo
Um aspecto importante da idéia que a criança vem a fazer é o de sua
imagem corporal, o quadro que forma das propriedades físicas de seu corpo,
sua aparência, inclusive a figura que faz aos olhos dos outros. Essa imagem
do corpo não é apenas uma impressão fotográfica como todos os outros
aspectos da maneira pela qual uma pessoa vê a si mesma é provável que
seja colorida por sentimentos e atitudes.
Como uma criança percebe o próprio corpo? As sensações
desempenham importante papel na demarcação das linhas em que a criança
enquadra a imagem do próprio corpo. Mas a criança não possui, a princípio,
nada que se aproxime de uma percepção clara de seu corpo como um todo,
ou uma consciência bem definida das suas partes. Isso ocorre, por exemplo,
quando a criança brinca com as próprias mãos ou as examina,
contemplando-as como se contemplasse um objeto estranho. Alguns bebês
parecem tratar as partes do seu corpo quase como se fossem objetos à
parte, por exemplo, quando um bebê morde o dedo e chora, não aparecendo
compreender que mordeu a si mesmo.
Um meio de se estudar a consciência de si mesmo consiste em notar
como as crianças reagem à sua própria imagem refletida num espelho, já se
observou que as crianças reconhecem os outros (a mãe, por exemplo).
5.7 Rumo à escola
Para muitas crianças, o início da vida escolar assinala um radical
afastamento do eu modo de vida anterior. A criança acha-se
psicologicamente sob os cuidados de alguém fora do lar, durante várias
horas do dia. Algumas entram animadas nessa nova fase da existência,
outras ansiosas pela escola já há muito tempo, mas para muitas essa é uma
época de pressões. Muitas mostram sua tensão abertamente frente ao
aumento de seus problemas de comportamento, apegando-se muito aos
103
pais, choram nas primeiras semanas de escola. Mas não se deve julgar os
sentimentos de uma criança como as expressões de alegria ou tristeza
baseando-se simplesmente em seus sorrisos e lágrimas.
Pesquisas mostram que crianças que haviam se mostrado mais
explosivas na manifestação de seus sentimentos por terem ingressado na
escola, se ajustaram à vida escolar tão bem ou até melhor, quanto as
crianças que pareciam encarar tranqüilamente essa aventura. Isso sugere
que as crianças que parecem angustiadas ao ingressar na escola podem
não estar, no fundo, mais perturbadas que as que se conservam
exteriormente calmas; pode ser que essa diferença se deva ao fato de
algumas crianças manifestarem livremente suas emoções, enquanto outras
mantêm escondidas. É muito comum as crianças e, até mesmo os pais
sentirem-se profundamente emocionados ao entrarem numa nova fase da
sua existência. A criança está dando um importante passo numa longa
jornada e ao fim, se tudo correr bem, não será mais criança e sim, um adulto
independente.
5.7.1 O raciocínio das crianças
Quando completou cinco anos, um menino disse orgulhosamente a
seus pais: “Eu tenho cinco anos, agora vocês podem conversar comigo.”
Sua pronúncia era deficiente, mas o que ele pretendia era verdadeiro e
profundo. Uma das capacidades mais queridas é a capacidade de raciocinar,
ter opinião sobre as coisas, reconhecer relações, chegar a conclusões
lógicas. Por meio do raciocínio, a criança ganha novas visões do
funcionamento do mundo em que vive aumentando sua capacidade de lidar
com seu ambiente físico e social. A eficiência no trato os assuntos da sua
vida interior aumenta quando é capaz de aceitar uma conclusão razoável
mesmo que seja contrária aos seus desejos e às suas crença.
104
5.7.2 A professora e as necessidades da criança
A função da escola maternal é ampliar o papel que, nos primeiros
anos da criança só a mãe desempenha. Será possivelmente considerada
uma ampliação da família. Só através do papel da mãe e das necessidades
da criança é que se pode conseguir uma compreensão real da maneira
como a escola maternal pode dar continuidade ao trabalho da mãe.
A mãe não precisa ter uma compreensão intelectual da sua tarefa,
uma vez que está preparada para a mesma em sua essência, pela
orientação biológica em relação ao seu próprio bebê. Para uma professora
de crianças com idade que variam até cinco anos, é necessário ser levada
gradualmente a compreender que está na presença de uma psicologia
complexa de crescimento e adaptação infantis, a qual necessita de
condições especiais de meio ambiente. Deverá estar habilitada a reconhecer
a natureza dinâmica do crescimento emocional normal e curiosa por
aumentar o seu conhecimento dos detalhes mediante as observações
objetivas.
No período entre dois e cinco anos de idade, as relações começam a
se estabelecer entre seres humanos integrais. Nessa idade, o menino ou
menina está aprendendo a perceber a realidade externa e a compreender
que a mãe tem uma vida própria.
Os anos da escola maternal são significativos pelo fato de uma
criança nesse período estar em transição de uma fase para
outra.Conquanto, a criança de dois a cinco anos, em certos momentos,
atinja uma maturidade, em outros momentos, a mesma criança é imatura e
infantil. Só quando os cuidados iniciais da mãe forem bem sucedidos e
quando os pais continuarem a fornecer os elementos essenciais de um bom
ambiente, é que as professoras de escola maternal podem dar à sua função
de assistência um segundo lugar em relação à instrução pré-escolar.
Uma das funções importantes da escola maternal é o fornecimento,
durante algumas horas diárias de uma atmosfera emocional que não é a
105
mesma do lar, o que propicia à criança uma pausa para o desenvolvimento
pessoal. Novas relações triangulares menos intensamente carregadas do
que as familiares podem ser formadas e expressas entre as próprias
crianças.
A escola, que é um apoio mas não uma alternativa para o lar da
criança, pode fornecer oportunidade para uma profunda relação pessoal com
outras pessoas que não os pais. São oportunidades que se apresentam na
pessoa das professoras e das outras crianças e no estabelecimento de uma
sólida estrutura em que as experiências podem ser realizadas.
Na educação da escola maternal criam-se condições propícias para o
que é intermediário entre o sonho e o real; as brincadeiras são respeitadas
de um modo positivo e empregam-se estórias, desenhos e música É neste
setor que a escola enriquece e ajuda a criança a encontrar uma relação
operante entre as idéias que são livres e o comportamento que precisa
tornar-se relacionado com o grupo.
Ao procurar e ao ver o ser humano que existe no filho, a mãe habilitou
a criança gradualmente a estruturar-se como personalidade, a integrar-se de
dentro até constituir uma perfeita unidade. Esse processo não fica concluído
na idade em que a criança freqüenta a escola maternal e durante esse
período, continua a necessidade de um tipo pessoal de relações, sendo
cada criança conhecida pelo nome, vestida e tratada segundo o que essa
criança é e sente que é. A individualidade da criança torna-se firme, com o
decorrer do tempo, portanto, é a própria criança quem vai querer participar
de atividades grupais.
A capacidade da criança para sentir que o corpo é um lugar onde
habita a psique não poderia desenvolver-se sem uma técnica coerente de
tratamento e quando a escola maternal continua a propiciar um meio físico e
a assistência corporal à criança, está desempenhando uma tarefa básica de
higiene mental. A alimentação não constitui uma questão de dar comida à
criança e sim, outra maneira pela qual a professora continua a tarefa da
mãe. A escola à semelhança da mãe, mostra amor mediante a alimentação
106
da criança e espera ser recusada (odiada, rejeitada) como ser aceita
(confiança). Na escola não há lugar para tudo quanto seja impessoal ou
mecânico, já que para a criança isso signifique hostilidade ou indiferença.
A entrada na escola é uma experiência social exterior à família,
podendo gerar inquietações na mãe, que pode interpretar de forma errada a
necessidade infantil de oportunidade de desenvolvimento e pensar que essa
necessidade resulta de sua própria inadequação e não do desenvolvimento
natural da criança. Nesse período, a professora tem a oportunidade de dar
assistência à mãe na sua descoberta das próprias potencialidades maternais
e de assistir à criança para que esta supere os inevitáveis problemas
psicológicos com que o ser humano em desenvolvimento tem que enfrentar.
As crianças em idade pré-escolar tendem a ser vítimas de suas
próprias emoções fortes e agressivas, a professora deve proteger as
crianças delas próprias exercendo controle e orientação necessários na
situação imediata; assegurar o fornecimento de atividades lúdicas
satisfatórias para ajudar a criança a guiar sua própria agressividades para
canais construtivos e para adquirir habilidades eficazes.
A educação na escola maternal exige que a professora esteja pronta
a exercer restrições e controles sobre aqueles impulsos e desejos instintivos,
comuns a todas as crianças, que são inaceitáveis em suas próprias
comunidades, fornecendo os instrumentos e oportunidades para o pleno
desenvolvimento criador e intelectual da criança, assim como os meios de
expressão para a sua fantasia e vida dramática.
A professora assume o papel de uma amiga apta a ajudá-la no
momento de suas necessidades especiais.
107
CONCLUSÃO
Este trabalho tem como objetivo principal definir a gestaltpsicologia e
mostrar sua postura frente ao desenvolvimento da primeira infância. Porém,
se torna imprescindível a colocação das idéias do psicanalista Donald
Winnicott, principalmente, no que diz respeito ao recém-nascido. Os
primeiros anos de vida são formadores da personalidade e muito vulneráveis
às mais diversas alterações, logo, quanto melhor for atendida a criança, nos
seus primeiros tempos, maior será a probabilidade de, no futuro,
desenvolver-se de modo equilibrado.
É fundamental que o profissional de Psicologia tenha algum
conhecimento acerca do desenvolvimento da primeira infância, pois muitas
coisas ocorrem neste período.
O bebê tem muita coisa a nos dizer, embora muitas pessoas pensem
ao contrário.
A Gestaltpsicologia nos mostra que o importante é concentrar o
estudo do problema no aqui e agora, levando em consideração, ao trabalhar
com a criança, o que ela está sentindo, seus desejos, suas emoções, sua
verdade e sua forma de perceber o mundo e interagir com ele. A criança,
então, é vista e respeitada como um ser humano único.
A Gestalt destaca, ainda, a importância da imaginação, da fantasia e
do lúdico na experimentação da criança como ser no mundo. É importante
que a criança viva intensamente essas experiências, dando livre curso à
imaginação cujas imagens produzidas irão traduzir-se em realidade, em
atitudes, em comportamento, pois, a criança precisa de estímulo para
crescer
O psicanalista e pediatra Donald Winnicott dedicou seu estudo no seu
desenvolvimento da criança enfatizando a importância da mãe no contato
afetivo com o recém nascido desde a sua concepção. Através de interações
afetivas com a mãe, a criança desenvolverá um sentimento de confiança no
108
mundo e em si mesma. Recebendo amor de uma pessoa consciente ela
sentirá que o mundo que ela está explorando é um lugar bom.
Winnicott destaca, também, a importância da família como principal
agente socializador. Os pais tem a responsabilidade de fazer com que o filho
desenvolva características de personalidade e de comportamento
adequados ao ambiente e cultura em que vive, para que, no futuro seja um
adulto seguro, consciente e independente para que possa enfrentar as
dificuldades com sabedoria.
A positividade e o estímulo amoroso são a alma propulsora do
desenvolvimento infantil. É necessário transmitir muito amor para a criança
para que ela recomece todos os dias com a mesma alegria, criando um
mundo positivo, com mensagens alegres.
Seria interessante se as escolas desenvolvessem projetos com os
professores através de leituras sobre Psicologia do Desenvolvimento Infantil
para que estes profissionais pudessem ter a oportunidade de renovar e
aperfeiçoar seus conhecimentos a respeito da criança que educa,
despertando também a intuição, a sensação e o sentimento. Com isso, a
escola estaria propondo uma educação holística, ou seja, uma nova forma
de pensar e perceber a vida, repensar a educação buscando o equilíbrio.
Essa proposta poderia ser concretizada através de livros, reportagens
ou vídeos que despertassem interesse, promovendo pesquisas a respeito de
determinado assunto, estimulando os professores cada vez mais a
desempenhar um trabalho coerente e responsável.
Os pais também poderiam participar através de debates e palestras.
A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem; os
profissionais não devem temer o debate, a análise da realidade; não podem
fugir à discussão criadora, principalmente na Educação Infantil que é o pré-
requisito para uma Educação Fundamental satisfatória.
109
O mundo infantil é imensamente complexo, portanto, qualquer dúvida
que possa ser esclarecida, será de extrema utilidade para os pais e todos
que estiverem envolvidos com crianças ou qualquer pessoa que se preocupe
com o processo de desenvolvimento infantil.
110
BIBLIOGRAFIA:
BIJOU, Sidney W. O desenvolvimento da criança. São Paulo: EPU., 1980.
FAGAN, Joen. Gestalt-Terapia. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
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RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia – Refazendo um Caminho. 3 ed. São Paulo: Summus, 1985.
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111
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__________. Da pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
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112
ANEXOS
113
114
115
116
117
Exposição de 77 fotografias polaróides produzidas por Andy Warhol.
Visita à exposição de 55 obras entre desenhos e pinturas do artista pop americano Keith Haring.
118
119
120
ÍNDICE INTRODUÇÃO
07
CAPÍTULO I 10
O QUE É A PSICOLOGIA DA GESTALT 10
1.1 - Conceitos da Gestalt 21
1.1.1 - Vida e Obra de Fritz Perls 21
1.2 - A imagem de ser humano da Psicologia da Gestalt 24
1.2.1 - A Gestalt e a criança 25
1.3 - Da Gestalt-terapia à Gestalt-pedagogia 31
1.3.1 - Objetivos educacionais e valores da Gestalt-pedagogia 32
1.3.2 - A crítica da Gestalt-pedagogia à realidade escolar 33
1.3.3 - A Gestalt-pedagogia e o comportamento do professor 35
1.3.4 - Objetivo da Gestalt-pedagogia 37
CAPÍTULO II 39
VIDA E OBRA DE DONALD WINNICOTT 39
CAPÍTULO III 47
O QUE É A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO? 47
3.1 - Psicologia da gestação 48
3.1.1 - Fantasias e sintomas específicos da gestação 50
3.1.2 - A movimentação do feto e nascimento 53
3.2 - O mundo que rodeia o recém-nascido 57
121
3.2.1 - O comportamento do recém-nascido 58
3.2.2 - As emoções do recém-nascido 59
3.2.3 - O recém-nascido e sua mãe 59
3.3 - O aprendizado nos primeiros dias de vida 62
3.4 - A alimentação 62
3.5 - A amamentação como forma de comunicação 64
3.6 – Desmame
68
CAPÍTULO IV 70
DESENVOLVIMENTO EMOCIONAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA 70
4.1 - O significado da emoção 70
4.2 - O bebê como pessoa 71
4.2.1 - O conceito do EU 72
4.2.2 - A realidade interna 73
4.3 - Primeiras reações emocionai 74
4.3.1 - Prazeres, alegrias e satisfações
4.3.2 - O riso e o humor 75
4.3.3 - Por que os bebês choram? 76
4.5 - A moralidade inata do bebê 80
4.6 - Primeiras fases do desenvolvimento sexual
81
CAPÍTULO V 83
O DESENVOLVIMENTO SOCIAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA 83
5.1 - Primeiras relações sociais e o processo de auto-descoberta 83
5.2 - A família 83
122
5.2.1 - A criança e seus pais 86
5.2.2 - O acúmulo de experiências nas mães e nos pais 86
5.2.3 - Aceitação, rejeição e excesso de proteção 89
5.2.4 - A falta relativa de irmãos e amigos 91
5.3 - As crianças e as outras pessoas 92
5.3.1 - Amizades entre crianças 93
5.3.2 - A rivalidade entre crianças pequenas 94
5.4 - O brincar 94
5.4.1 - Por que as crianças brincam? 96
5.5 - O mundo dos sonhos e das fantasias 98
5.5.1 - Uso do faz de conta nas relações sociais 99
5.5.2 - Companheiros imaginários 100
5.5.3 - Os sonhos das crianças 100
5.6 - A Consciência do corpo 102
5.7 - Rumo à escola 102
5.7.1 - O raciocínio das crianças 103
5.7.2 - A professora e as necessidades da criança
104
CONCLUSÃO 107
BIBLIOGRAFIA 110
ANEXOS 112
ÍNDICE 120
FOLHA DE AVALIAÇÃO 123
123
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E SOCIAL DA CRIANÇA
DE O A 5 ANOS SEGUNDO A PSICOLOGIA DA GESTALT E A
PSICANÁLISE DE DONALD WINNICOTT
Por
Marcia Cristina Gomes Sanches
Foi analisada e aprovada com grau: ____________
Rio de Janeiro, março de 2004
________________________________________
Professor Orientador