universidade federal da bahia faculdade de educaÇÃo ... alba... · this thesis falls within the...

137
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Salvador - BA 2013 PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO: ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA FORMAÇÃO Alba Lúcia Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Upload: others

Post on 26-Sep-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Salvador - BA 2013

PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:

ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO

REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA

FORMAÇÃO

Alba Lúcia Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

ALBA LÚCIA GONÇALVES

PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:

ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO

REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA

FORMAÇÃO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia – UFBA como requisito final para a obtenção do título de Doutora em Educação.

Orientação: Prof. Dr. Roberto Sidnei

Macedo

UFBA Salvador - BA, abril de 2013

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

 

 

G624 Gonçalves, Alba Lúcia. Proação formando professores em atuação: entrecurrículo, experiência e metaformação como referências para uma hermenêutica no campo da formação./ Alba Lúcia Gonçalves. – Salvador, 2013. 137 f.; Il. Orientador: Roberto Sidnei Macedo.

Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Instituto de Letras. Pós-graduação em Educação. 2013.

1. Formação de Professores 2. Formação Docente 3. Experiência – Professores 4. Teoria e prática I. Macedo, Roberto Sidnei

II. Titulo III. Subtítulo.

CDU 371

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

FOLHA DE APROVAÇÃO

PROAÇÃO FORMANDO PROFESSORES EM ATUAÇÃO:

ENTRECURRÍCULO, EXPERIÊNCIA E METAFORMAÇÃO COMO REFERÊNCIAS PARA UMA HERMENÊUTICA NO CAMPO DA FORMAÇÃO

Doutoranda: Alba Lúcia Gonçalves Orientador: Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito final para a obtenção do título de Doutora em Educação.

Banca de defesa: _____________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo Orientador _____________________________________________________ Prof. Dr. André Luiz Brito Nascimento UEFS _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Denise Guerra UFBA _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Isaura Santana Fontes UNEB ______________________________________________________ Profª. Dr.ª Leila Pio Mororó PPGEd/UESB ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Roseli Gomes Brito de Sá PPGE/UFBA

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

QUADRO DE SIGLAS AFS - Atividades de Formação em Serviço

ANFOPE - Associação Nacional pela Formação de Professores

ANPED - Associação Nacional de Pesquisa em Educação

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CONSEPE - Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão

DCIE - Departamento de Ciências da Educação

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC - Ministério da Educação

NTS - Núcleos Temáticos

PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica

PROAÇÃO - Programa de Formação de Professores em Exercício na

Educação Básica

PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

TCM - Trabalho de Conclusão de Módulo

UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana

UESC - Universidade Estadual de Santa Cruz

UFBA - Universidade Federal da Bahia

UNEB - Universidade Estadual da Bahia

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a Berenice e Clara, por terem

me aprofundado nos papéis mais importantes da vida: ser

MÃE e ser FILHA. A dor e a beleza de ser mãe e filha são

marcantes em minha formação. OBRIGADA.

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

AGRADECIMENTOS

Quero expressar a minha gratidão e o meu reconhecimento às pessoas cuja

contribuição tornou decisiva a realização deste trabalho. Alguns na condição de

coautoria

Aos professores-alunos que compuseram as turmas do PROAÇÃO, pela

convivência, discussões e reflexões responsáveis pela construção dessa pesquisa.

Aos atores sociais Ana Dalva, Kátia, Tatiana, Janacira, Gilmara, Damasceno, Antonio,

Diva, Geórgia, Magda, Eliene, Rosineide, Núbia, Anaiara e Lidiane, colaboradores dessa

investigação, protagonistas das ricas narrativas de seus currículos em atos

formativos. Para vocês, meu carinho e admiração.

A Roberto Sidnei Macedo, pela orientação tão recheada de carinho e reflexões.

Às amigas Leila e Raimunda, pela leitura, críticas e sugestões tão necessárias a

este texto final.

As professoras Maria Elizabete e Eronilda pelas valiosas e incansáveis

contribuições

A Genebaldo, Gleydson, Licínia e Soraia, por terem estado tão disponíveis nos

momentos em que precisei.

Aos professores Álamo Pimentel, Roseli Sá, Denise Guerra, Leila Mororó, pela

participação na banca de qualificação, momento fundamental para que eu me

encontrasse na pesquisa.

Aos companheiros do FORMACCE/FACED, por se constituírem em um

espaço formativo na minha itinerância.

Outras pessoas foram importantes, por preservarem meu tempo,

compreendendo minha ausência, mas reclamando minha presença.

Meus irmãos Albenice e Carlinhos, por compreenderem o significado da família e

preservarem a nossa.

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

Aos cunhados Gilmar e Viveca, por terem complementado nossa família com

alegria e maturidade

À Rafaella, Isis, Murilo e Mariana por viverem a vida em toda sua beleza e

responsabilidade. Sigam em frente.

Às minhas pequenas Júlia Veloso, Laís, Natália, Amanda e Alice, por entreterem Clara

enquanto eu me concentrava nas palavras.

Às companheiras de doutorado, hoje amigas, pela cooperação, apoio, carinho

e, em especial, a Ana Verena Paim, Ednalma, Maria Claudia e Marina, por me receberem e

minimizarem as dificuldades impostas pela vida em alguns momentos tristes e

difíceis.

Obrigada!

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

RESUMO

Essa tese se insere no campo das pesquisas sobre a formação de professores, precisamente a formação de professores em atuação. Teve como movimento central a compreensão do processo formativo vivido por um grupo de professores da Educação Básica, tomando como ponto de partida o espaço ocupado por suas experiências. Tomei como inspiração teórica estudos a respeito de formação e experiência, dentre eles, os realizados por Roberto Macedo, Gaston Pineau e Christine Josso, e os estudos específicos da formação de professores realizados por Helena Freitas, Graça Mizukami e Leila Mororó. A pesquisa esteve assentada nos princípios da etnometodologia e de seu encontro com a multirreferencialidade. Utilizei como dispositivos para a busca de informações o questionário, para levantar informações acerca do perfil desses professores-alunos, a entrevista, para levantar opiniões e impressões a respeito do vivido no curso e na Instituição, e o grupo focal, para o aprofundamento com o coletivo das ideias levantadas a respeito da formação dos atores sociais participantes dessa pesquisa. Participaram da pesquisa 15 professores-alunos egressos do curso de Formação Inicial de Professores em atuação, oferecido pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). No movimento de análise das informações, foi possível perceber a necessidade de a Instituição definir seu projeto institucional de formação, desenvolver ações mais significativas para assegurar o acesso, a permanência e as condições objetivas para que esse público possa compreender e assumir sua formação como um direito. A disciplina Estágio Supervisionado constituiu-se em um dispositivo importante na formação desses professores-alunos, pois assegurou a compreensão do seu processo formativo e o lugar da experiência nesse processo, bem como da relação teoria e prática, enquanto discussões fundantes para gerar um movimento de práxis e, assim, também novas necessidades de aprendizagem.

Palavras-chave: Formação. Experiência. Teoria e prática.

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

ABSTRACT

This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who are currently working. Its central objective was to understand the formation process lived by a group of Basic Education teachers and its starting point was based on their experiences. As theoretical inspiration, we adopted studies on formation and experiences, among them, those by Roberto Macedo, Gaston Pineau and Christine Josso, as well as specific studies on teacher formation carried out by Helena Freitas, Graça Mizukami and Leila Mororó. The research stands on ethnomethodology principles and its characteristics of multi referentiality. Questionnaires were used to collect information on the profile of these learner teachers; interviews were used to collect opinions and impressions concerning what they live in the course and in the institution; and focal group for a deeper collective view about the ideas on the professional formation of these social actors engaged in this research. This study included 15 learner teachers from the Teaching Initial Formation course offered by the State University in Santa Cruz (UESC) for those who are already working. By analyzing the information, it was possible to realize that the institution must set its institutional formation project, develop more meaningful actions to assure their access, their staying and objective conditions so that they understand, and face their formation as a right. The discipline Supervised Internship is an important device for these learner teachers‟ professional development, once it enables them to understand their formation process and where their experience fits in the process, as well as the relation between practice and theory as basic discussion for a movement of praxis and, thus, bring along new learning necessities.

Keywords: Formation. Experiences. Theory and practice.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

METODOLOGIA 21

1.1 CIÊNCIA E PESQUISA: MINHAS OPÇÕES 22

1.2 DISPOSITIVOS DE CONVERSA 28

1.2.1 O questionário 28

A) Os atores sociais participantes dos questionários 29

1.2.2 As entrevistas 30

A) Os atores sociais participantes das entrevistas 30

1.2.3 O grupo focal 32

A) Os atores sociais participantes do grupo focal 33

B) Os temas geradores do grupo focal 34

1.3 A ORGANIZAÇÃO DAS INFORMAÇÕES 35

1.4 A ANÁLISE 36

O CONCEITO DE FORMAÇÃO E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA FORMAÇÃO NO

CONTEXTO DE TRABALHO 39

CAPÍTULO 2 39

2.1 A FORMAÇÃO: NOÇÕES 42

2.2 A TEORIA TRIPOLAR DA FORMAÇÃO 46

2.3 A FORMAÇÃO E O MUNDO DO TRABALHO 49

2.4 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: TRILHAS E ITINERÂNCIAS 52

2.5 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O SUJEITO DA FORMAÇÃO 57

O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO ANUNCIADA DE PROFESSORES 61

CAPÍTULO 3 61

3.1 POLÍTICAS INSTITUÍDAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO 62

3.2 O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO NA UESC 67

3.2.1 Trajetória histórica 68

3.2.2 O PROAÇÃO na Sede em ação 69

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

3.2.3 A proposta curricular do curso 71

3.2.3.1 Os núcleos temáticos 72

3.2.3.2 A organização curricular 73

3.2.4 A estrutura física e logística 75

3.2.5. Os professores-alunos, seus sonhos e realidades 76

CAPÍTULO 4 81

A EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS 81

4.1 O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA 83

4.2 O SABER DA EXPERIÊNCIA E O SABER DA PRÁTICA 87

4.3 A EXPERIÊNCIA NO SUJEITO E O SUJEITO DA EXPERIÊNCIA 89

4.4 A EXPERIÊNCIA COMO DISPOSITIVO FORMATIVO DO CURSO 93

4.4.1 A negação da experiência 94

4.4.2 A escuta da experiência 95

4.4.3 A reflexão sobre a experiência 96

4.5. A EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES 98

TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM DIÁLOGO

NECESSÁRIO 101

CAPÍTULO 5 101

5.1. A PRÁTICA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 103

5.2 A TEORIA 107

5.3 O DIÁLOGO ENTRE TEORIA E PRÁTICA 108

5.3.1 Movimento formativo dos professores-alunos: relação teoria e prática 111

5.3.2 O papel dos professores formadores no debate sobre teoria e prática 113

5.3.3 O papel da disciplina Estágio Supervisionado e a relação teoria e prática 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS 123

REFERÊNCIAS 130

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

13

INTRODUÇÃO

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

14

Pesquisar a formação de professores em atuação é pesquisar

a minha própria formação.

Alba Lúcia, 2013

A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n.°

9.394/96, observou-se no Brasil o crescimento de cursos de formação de

professores em nível superior, não só em quantidade, mas, também, na

diversificação de modalidades de oferta. Dentre essas modalidades emergentes

destacarei a formação inicial em atuação, a qual tem apontado formas diferenciadas

de estruturação da Educação Superior como, por exemplo, os programas especiais

destinados aos profissionais do magistério que já atuam nas redes públicas de

educação e que não têm formação em nível superior, ou estão atuando em áreas do

conhecimento diferentes daquelas para as quais foram formados, isto é,estão em

desvio de função.

Aproximadamente por seis anos trabalhei em um desses programas

especiais, denominado por “Curso de Formação de Professores para a Educação

Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental – PROAÇÃO”, desenvolvido pela

Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Convivi com os alunos e seu

processo formativo durante todo o curso e, nessa caminhada, cada vez mais, fui

sendo implicada com/e nesse movimento. Nesta minha trajetória como professora

formadora, algumas inquietações foram se fazendo presentes no meu dia a dia, a tal

ponto que posso afirmar que minha formação acadêmica, ao longo dessa

convivência, foi-se refinando e assumindo um caráter formativo implicado com a

formação do outro e com a minha própria formação.

Na convivência com esses professores me percebi e, lançando mão das

lembranças, fui refazendo os caminhos trilhados na minha própria formação. Nossas

histórias, apesar de terem começado em épocas diferentes, trazem marcas bem

semelhantes.

Durante o período em que trabalhei no curso, incomodaram-me as histórias

de vida desses atores sociais e a responsabilidade assumida ao aceitar esse

trabalho. Minha formação para esse e nesse trabalho se deu na atuação e na busca

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

15

da experiência vivida como professora da Educação Básica, militante da escola

pública e formadora de professores.

As questões, as dúvidas e as certezas, presentes nesse trabalho, foram

construídas na transformação da vivência em experiência, pois ao estabelecer uma

relação de alteridade com essas histórias, fui alterando meu olhar a respeito da

formação e dos sujeitos da formação, refazendo minhas trilhas formativas. Eu faço,

portanto, parte do contexto da pesquisa aqui relatada. Tenho e assumo minhas

implicações enquanto escolha e vontade política para instituir, por meio dessa

pesquisa, o debate acerca da formação, trazendo ao cenário aqueles que viveram a

experiência formativa possível no/e durante o curso pesquisado. Entendo que essa

não é e jamais poderia ser, a única compreensão existente a respeito do fenômeno

estudado, mas afirmo e assumo que essa é uma compreensão. E, assim, o meu

compromisso passou a ser o de apresentar um ponto de vista a mais a respeito da

temática.

Imersa nessas reflexões surgiu esse trabalho de pesquisa, cuja pretensão é

desenvolver um estudo acerca da formação de professores. Para isso, tomei como

objeto de análise a experiência vivida por professores-alunos1 durante o curso de

formação em atuação, o Programa PROAÇÃO, buscando, através da constituição

do diálogo, construir uma compreensão mais aprofundada a respeito da formação de

professores.

Após essa decisão, outras se fizeram necessárias, uma delas foi o cuidado de

não cair na “sobreimplicação” que, segundo Macedo (2012), favorece o ativismo e,

às vezes, a militância cega e digressiva que, no fazer da pesquisa, leva para

caminhos que significam “não-pesquisa”. Minha pretensão foi buscar cotidianamente

um certo distanciamento, colocando minhas implicações em questão para, assim,

chegar à reflexão necessária que possibilite a aproximação da essência da

pesquisa.

Neste sentido, foi necessária uma discussão teórica com autores que têm

desenvolvido estudos acerca da formação, de um modo geral, e da formação de

professores em atuação profissional, de maneira especifica, para, então, entender o

lugar dessas pesquisas e suas relações com a produção do conhecimento a respeito

dos professores da Educação Básica.

1 Nesse texto denomino de professor-aluno os professores da Educação Básica que assumem o

papel de aluno no Curso de Formação Inicial de Professores em Atuação (N.A.).

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

16

Centrei a pesquisa empírica no entendimento do lugar das experiências

individuais e coletivas dos sujeitos nos processos formativos vivenciados no

PROAÇÃO, pois acredito que a discussão sobre a formação de professor passa,

necessariamente, por seu desenvolvimento pessoal e profissional, o que, de certa

forma, me obrigou a explicitar melhor esses conceitos.

Partindo do pressuposto de que o desenvolvimento pessoal só é possível

quando os seres humanos desenvolvem a capacidade de reflexão sobre a

complexidade da vida, ou seja, quando, cotidianamente, nos preparamos para os

desafios da nossa própria existência, tanto individual quanto coletiva, uma proposta

de formação de professores que tenha como intencionalidade a formação desse ser

humano precisa privilegiar as itinerâncias de aprendizagens nas quais os

professores possam desenvolver a capacidade de análise e de tomar decisões,

interiorizando conhecimentos, aprendendo a lidar com situações complexas e

controversas da própria vida. Isto significa vivenciar um processo formativo

experiencial.

Esse movimento formativo só acontece quando os atores sociais estão e são

implicados, ou seja, quando os sentidos individuais são negociados entre eles, pois

esta é a condição essencial para a construção de novas implicações. Neste sentido,

a experiência individual e coletiva precisa fazer parte das propostas de formação de

professores como uma referência que, sendo essencial, é eleita como formativa.

Essa experiência, quando tensionada, alimenta a reflexão acerca da formação e cria

sua identidade.

Essas reflexões impuseram a necessidade de uma discussão mais

aprofundada a respeito do termo experiência. Para tanto, inicialmente tomo Larrosa

(2002), referencial importante para a pesquisa, que afirma ser a experiência aquilo

que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca, não o que se passa, não o que

acontece, ou o que se toca. Da mesma forma, Walter Benjamin (1994) observa a

pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo, onde se passaram e

passam tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.

A partir dessas perspectivas, não há como confundir a experiência com a

informação. O excesso de informação acaba por não deixar lugar para a

experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por

outro lado, a experiência, para tornar-se um elemento importante, tanto na formação

pessoal quanto na profissional do sujeito, precisa ser refletida, tensionada,

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

17

explicitada, e a falta de informação pode comprometer esse debate e essa reflexão.

O desafio é trazer informações que se constituam dispositivos necessários ao

debate da/e na experiência para que essa seja formativa.

A formação, sob essa ótica, terá que ser crítica/intercrítica, pois, nesse

movimento formativo a crítica não se reduz a uma postura que busca enxergar as

“impurezas” de tal realidade, para, a partir daí, estabelecer verdades a seu respeito.

Uma postura formativa será sempre um movimento intercrítico, conforme já

explicitado por Macedo (2010), que busca se aproximar das compreensões que

foram ou são possíveis de serem construídas naqueles contexto, espaço, cenário e,

neste movimento interpretativo, vão-se construindo as compreensões necessárias e

possíveis.

No caso específico da formação, aos professores terão que ser asseguradas

as condições necessárias para que sejam capazes de fazer a crítica numa postura

intercrítica, isto é, se responsabilizando pelo seu próprio processo construtivo em

relação ao outro, ao saber, à formação.

Este trabalho, portanto, não se constitui em uma comparação entre o

anunciado, proposto no curso, e o vivido, mas pretende ser um estudo interpretativo

das ações assumidas pelos professores-alunos a fim de instituir os seus processos

formativos no referido curso.

Sendo assim, a pesquisa realizada teve como movimentos centrais: 1) a

compreensão, por parte dos professores-alunos do PROAÇÃO, sobre as

aprendizagens adquiridas por eles no referido curso; 2) a relação dessas

aprendizagens com o processo formativo vivido por esses atores sociais no curso; 3)

o lugar ocupado por suas experiências individuais e coletivas nos atos de currículo,

(MACEDO,2013) do referido curso, ficando clara a necessidade de aproximação da

experiência, desses atores, para que entender suas aprendizagens.

É possível afirmar que, atualmente, existe uma aparente certeza de que o

curso em nível superior é a única possibilidade de formação inicial para os

professores. Os programas especiais de formação inicial destinados a cumprir esta

meta, são encarados, muitas vezes, com certo “deslumbramento”. Isso pela crença

de que as instituições de educação superior, ao se aproximarem da Educação

Básica, permitindo a presença da experiência do docente no desenvolvimento dos

currículos, melhoram a formação dos professores e, em consequência, possibilitam

uma melhor qualidade para esse nível educacional.

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

18

Diante destas defesas, questiono: Essas experiências são, realmente,

contempladas no currículo do curso? Qual tem sido o debate formativo acerca

dessas experiências? Quais são os debates acerca do mundo do trabalho desses

sujeitos e seus espaços formativos nas itinerâncias de suas vidas profissionais?

Movida por essas inquietações senti a necessidade de compreender tal

proposta, no sentido de identificar as possibilidades de instigar esses

professores(as) que estão na posição de alunos(as) e, portanto, inseridos no mundo

do trabalho, para novas necessidades de aprendizagem. A revalorização e a

redescoberta do potencial formativo das situações de trabalho podem propiciar tanto

a produção de estratégias, dispositivos e práticas de formação que valorizem

fortemente a aprendizagem, pela via experiencial, quanto o entendimento do papel

central de cada sujeito num processo de autoconstrução, como pessoa e como

profissional.

Partindo dessas razões, propus investigar o processo formativo vivido pelos

professores-alunos no curso/programa de formação de professores desenvolvido na

Universidade Estadual de Santa Cruz, o PROAÇÃO, tomando como ponto de partida

o espaço ocupado pela experiência desses atores sociais.

Outras questões inquietaram-me; elas dizem respeito à compreensão que

esses professores-alunos tinham das aprendizagens adquiridas por eles no curso, e

que relação estabeleciam com o trabalho pedagógico desenvolvido, tanto na sala de

aula como na escola.

Como professora do curso observei que o mesmo provocou algumas

mudanças nos professores-alunos. Essas mudanças, tal como foram explicitadas na

tese de doutorado de Mororó (2005), consistiram em melhorar a autoestima do

sujeito, sua relação com o estudo e transformações na forma de condução do

ensino.

Desta forma, o objetivo geral desta pesquisa foi definido a partir da

necessidade de compreender de forma contextual e relacional o movimento

formativo dos professore-alunos do PROAÇÂO, identificando possíveis mediações

estabelecidas com a experiência dos formandos no seu desenvolvimento pessoal e

profissional.

Para tanto, foi preciso realizar um estudo teórico sobre o conceito de

formação, identificando suas implicações na formação em atuação dos professores;

problematizar a formação de professores, discutindo o espaço que a experiência dos

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

19

diversos atores sociais ocupou em seus processos formativos, e discutir o

movimento de construção da relação teoria e prática a partir da experiência dos

professores-alunos.

Nesse esforço de compreensão do vivido, um movimento relevante foi o da

reflexão refinada e crítica por parte desses professores-alunos, tanto no nível

individual quanto no coletivo, sobre a sua formação, entendendo-a como "um

acontecimento encarnado, implicado e relevante" (MACEDO, 2010, p. 30). Portanto,

uma necessidade identificada desde o início da pesquisa foi a de captar como os

professores-alunos avaliavam a sua própria formação (metaformação)2 e como

relacionavam sua formação com o mundo do trabalho docente (entrecurrículo)3. Meu

desafio foi aproximar-me da experiência desses atores para entender suas

aprendizagens através da escuta sensível de questões que, ao longo da pesquisa,

foram se apresentando como significativas para o seu processo formativo.

Outra decisão inevitável foi em relação à metodologia da pesquisa a ser

utilizada. Dentre os vários caminhos, e esses não foram aleatórios, surgiram

necessidades da própria pesquisa, a qual entende os atores sociais não apenas

como fornecedores de informações e sim como protagonistas do vivido e realizado

em seus processos formativos, sendo, portanto, coautores, logo, os instituintes

ordinários de suas realidades, (MACEDO, 2012). Isso fez com que, desde o início da

pesquisa, apresentasse as minhas inquietações ao grupo e, conjuntamente,

definíssemos, depois de muito estudo o caminho a seguir.

A etnometodologia se constituiu a eleita. Isso por ser ela uma teoria voltada à

compreensão da ordem social a partir da valorização das ações cotidianas. O meu

desejo era compreender o processo de formação desses protagonistas por meio da

escuta respeitosa de seus relatos.

Desta forma, o trabalho com entrevistas individuais se constituiu no espaço

narrativo de suas percepções e implicações, e o grupo focal em lócus do debate

acerca dessas percepções. Daí cheguei a uma reflexão coletiva acerca do vivido e

de suas marcas individuais e coletivas na formação desses homens e mulheres,

professores da Educação Básica.

2 Compreensão de que os atores sociais vão construindo em suas itinerâncias a respeito da sua própria formação (N.A.). 3 São conhecimentos tidos como não oficiais, institucionais, mas que estão presentes nas itinerâncias de formação descritos pelos sujeitos em formação (N.A.).

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

20

Para entender melhor a organicidade deste estudo, observo que ele foi

estruturado da seguinte maneira: o primeiro capítulo apresenta o desenvolvimento

da pesquisa, sua metodologia e os processos de coleta de informações realizados,

bem como os procedimentos adotados na organização e análise dessas

informações. No segundo capítulo discuti teoricamente os conceitos de formação e

suas implicações na formulação das propostas de cursos para a formação dos

professores. O terceiro capítulo apresenta o Programa PROAÇÃO, Curso de

Formação em Atuação de Professores para Educação Infantil e Anos Iniciais do

Ensino Fundamental, ofertado pela Universidade Estadual de Santa Cruz,

procurando identificar o cenário político do debate a respeito da formação de

professores em atuação, as razões que levaram a universidade a ofertar esse curso,

e como o construiu e o constituiu no seu dia a dia,tendo em vista a formação de

professores que já estavam em atuação. No quarto capítulo, as vozes dos atores

sociais (os professores-alunos), por meio de suas narrativas, proporcionam uma

compreensão do lugar da experiência em sua formação. Para tanto, tomo como eixo

de discussão as reflexões teóricas a respeito da experiência. No quinto capítulo

discuto a visão dos atores sociais a respeito da relação teoria e prática,

evidenciando o movimento de compreensão desses sujeitos sobre esse debate e o

seu impacto na formação de professores que já estão em atuação. Por fim, as

considerações finais apresentam reflexões a respeito da formação de professores

em atuação, tomando, para tanto, as categorias de tempo, currículo e os próprios

sujeitos professores-alunos e o professor formador.

Acredito que experiências de formação de professores em atuação precisam

ser tensionadas, discutidas e analisadas para que, possam, realmente, produzir um

debate a respeito das possibilidades de se constituírem dispositivos de formação e

desenvolvimento pessoal e profissional de seus professores-alunos; como também

na produção coletiva de novas possibilidades teórico-metodológicas de pesquisa na

área de formação de professores.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

21

METODOLOGIA

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

22

1. METODOLOGIA

As conversas mexeram comigo, comecei a reviver alguns

momentos e perceber como eles foram importantes pra mim; o

engraçado era que eu não achava que você estivesse me fazendo

perguntas para depois analisar minhas respostas. Era um papo... um

dialogo entre eu, você e o curso. Depois vieram as reuniões em

grupo. Encontrar meus colegas e reviver juntos aqueles momentos

foi demais. Eu no início me perguntava sobre o que vamos

conversar, já falei tudo. Mas, a cada reunião, eu saía em parafuso.

Continuava pensando nas discussões, nas falas das colegas, elas

traziam informações que eu nunca tinha parado para pensar. Isso foi

forte.

Magda, 20114

1.1 Ciência e pesquisa: minhas opções

Buscando delimitar a minha postura teórico-metodológica de investigação,

parti de alguns pressupostos sobre os quais enxerguei a pesquisa qualitativa

ancorada nos princípios da etnometodologia como sendo a postura teórica que

melhor se adéqua ao objeto de estudo que investigo, pois, esse, ao mesmo tempo

em que está inserido em uma realidade histórica e multirreferenciada, também

consiste em “uma interpretação singular” dessa mesma realidade, deixando à

mostra essa natureza multirreferenciada da realidade e as suas contradições.

Apoiada nos estudos de Macedo (2006), concordo com a sua defesa da

etnometodologia enquanto orientação teórica fundante. Desta forma, minha opção

pela etnometodologia se deu por acreditar que este procedimento me possibilitaria

uma melhor compreensão do processo formativo dos professores-alunos, haja vista

o trabalho voltado para os microcontextos de formação vividos por eles no interior do

curso, por meio das aulas dos professores, das reuniões de estudos, das atividades

de formação em serviço, entre outras vivências ocorridas no cotidiano dos estudos,

como as conversas com os autores estudados, com os docentes e entre eles, como

forma de apreender o que se passa nos “entrelugares” do dia a dia da formação

desses professores-alunos.

4 Magda, participante dessa pesquisa

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

23

Com esse entendimento busquei empreender uma leitura plural acerca da

formação dos professores, observando como esses homens e mulheres construíram

e (re)construíram a sua história e o seu processo formativo. No primeiro momento

deste texto apresento uma breve reflexão teórica sobre a abordagem

etnometodológica, focalizando como esse conhecimento possibilita a compreensão

do movimento formativo dos professores, nosso objeto de pesquisa.

Estudos apontam que a teoria da etnometodologia surgiu como uma corrente

da sociologia americana nos anos 1960, nos Estados Unidos, e, posteriormente,

difundiu-se na Europa, particularmente nas universidades inglesas e alemãs. A obra

de Harold Garfinkel, Stuties in Ethnomethodolgy,1967,é considerada o marco inicial

desta corrente. Essa publicação provocou discussões e reviravoltas acadêmicas,

tanto na América do Norte como na Europa, pois rompeu efetivamente com a

sociologia tradicional. Neste texto ele revela que, ao deixar a Universidade de Ohio,

em 1954, havia trabalhado na análise das fitas gravadas durante as deliberações de

um tribunal do júri, e que, dessa forma, ele pôde descrever os procedimentos

adotados pelos jurados em seus etnométodos. No dizer de Macedo (2009), estas

maneiras de ser, as formas e o jeito como os atores sociais compreendem,

mobilizam e implementam suas ações, interpretando-as e descrevendo-as para

todos os fins práticos, fundamentam o estudo da etnometodologia.

Posso afirmar que a etnometodologia se fundamenta no estudo do raciocínio

prático do cotidiano, buscando evidências para reconstruir uma explicação da

realidade observada. Na concepção de Coulon (1995, p. 15), “trata-se da análise

das maneiras habituais de proceder, mobilizadas pelos atores sociais comuns a fim

de realizar suas ações habituais”. Portanto, o objetivo da etnometodologia é a busca

empírica dos métodos que constituem o conjunto dos etnométodos que os

indivíduos utilizam para comunicar-se, tomar decisões, raciocinar, isto é, o conjunto

de procedimentos que são usados para produzir e reconhecer o seu mundo, de

forma que se saiba como eles constroem as suas atividades no cotidiano.

Os trabalhos de Macedo (2009), Coulon (1995) e Garfinkel (2005) me

permitem entender que a etnometodologia não pode ser considerada

exclusivamente como uma metodologia ou mesmo como um método de pesquisa.

Ela se destaca por ser uma teoria social voltada para a compreensão da ordem

social, a partir da valorização das ações cotidianas dos atores envolvidos nos

processos sociais. Daí se poder falar de pesquisa inspirada na etnometodologia.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

24

Neste sentido, ela é uma perspectiva de pesquisa, uma nova postura intelectual

(COULON, 1995, p. 7).

Nesta direção, a valorização do ator social tem uma relevância fundamental

dentro da etnometodologia. Garfinkel (2005) atende às necessidades de muitos

pesquisadores que não se interessam pelas teorias positivistas, que dão ênfase às

pesquisas quantitativas e aos conhecimentos científicos, desprezando todo O

conhecimento popular. Macedo (2009, p. 68) afirma que, para Garfinkel, “[...] o ator

social não é um idiota cultural”. Ele tem, portanto, seus valores e conhecimentos que

não podem e nem devem ser desprezados pelas ciências. Santos (2008, p. 111)

sustenta essa nossa posição quando diz que “é fundamental transformar ausências

em presenças reconhecendo nas práticas cotidianas inovações emancipatórias”.

Macedo (2009) assinala que etnometodologia e educação fundem-se num

encontro tão seminal quanto urgente, face à inércia compreensiva fundada pelas

análises “duras”. Tomando o viés interpretacionista, os etnometodólogos

interessados no fenômeno da Educação buscam o traching dos etnométodos

pedagógicos, isto é, uma pista através da qual tentam compreender uma situação

dada, bem como praticam a filature, ou seja, o esforço de penetrar

compreensivamente no ponto de vista do ator pedagógico, nas suas definições das

situações, tendo como orientação forte o fato de que a construção do mundo social

pelos membros é metódica, apoia-se em recursos culturais partilhados, que

permitem não somente o construir, mas, também, o reconhecer.

Penso que os atores sociais criam seus etnométodos para comunicar-se,

tomar decisões e reconhecer o seu mundo nas ações do cotidiano. Enfim, eles

sistematizam, teorizam e produzem descritores da realidade vivida.

O autor esclarece que o objetivo da etnometodologia é a busca empírica dos

métodos ou procedimentos, entendidos como as realizações práticas que os

indivíduos utilizam para dar sentido e, ao mesmo tempo, construir suas ações, seus

etnométodos, produzindo, assim, os fatos sociais. Também acrescenta que foi a

partir da introdução da etnometodologia no âmbito das pesquisas que se ampliaram

os pensamentos sociais e se inverteram as posições na busca pela compreensão do

objeto de estudo. Este posicionamento possibilita a interlocução com a abordagem

multirreferencial, que admite a busca pela compreensão do objeto-pesquisa por

meio da observação, da escuta, do entendimento, da procura, da implicação, da

incorporação do sujeito e da história do sujeito com a realidade investigada. É,

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

25

portanto, aqui que me incluo como professora pesquisadora do contexto pesquisado,

já que, como pesquisadora da área de formação, vivencio, experiencio e, quando

pesquiso e reflito sobre a sua formação com os professores, pesquiso a minha

própria formação.

Correia (2006) corrobora com essa ideia afirmando que, nesse aspecto,

reside uma interrelação da concepção teórica da etnometodologia com a abordagem

multirreferencial, já que ambas procuram ultrapassar os limites de uma disciplina

única, de uma teoria, e buscam, no pensar diferente das disciplinas, dos

procedimentos, das teorias, das concepções, a compreensão do objeto estudado. É

uma ampliação de olhares epistemológicos.

Essa ampliação de olhares para a leitura do objeto, proposta por Ardoíno

(1998), pode se constituir na articulação e no diálogo entre a multirreferencialidade e

a etnometodologia. Segundo Coulan (1995), as duas noções podem dialogar na

prática concreta da pesquisa e não apenas em debates teóricos, como se poderia

pensar inicialmente.

Minha escolha pela multirreferencialidade se deu pelo fato desta abordagem

utilizar a “interpretação/compreensão/explicação, rompendo com a expectativa

construída ao longo da história das ciências macrossociais, da explicação assentada

na análise lapidante” (MACEDO, 1999, p. 58). Meu movimento foi na direção,

sempre, da compreensão do processo formativo dos professores-alunos no curso de

formação de professores em atuação. Essa compreensão foi pela escuta atenta

desses atores sociais e, sendo assim, eles são coautores desta pesquisa e não

apenas informantes.

Minha postura ética foi no sentido de promover, por meio da pesquisa, uma

discussão implicada acerca da formação inicial de professores em atuação. Um dos

primeiros desafios foi romper com julgamentos já estabelecidos entre o bem e o mal,

o certo e o errado, com aqueles que acreditam e se apaixonam por esses tipos de

cursos e com aqueles que rejeitam totalmente essa modalidade de formação de

professores. Sendo assim, não foi minha intenção ficar presa a apenas uma teoria,

pois acredito que nenhuma delas, isoladamente, poderia dar conta de compreender

o objeto estudado, sendo necessário pluralizar os olhares epistemológicos.

Nessa perspectiva, o encontro com a multirreferencialidade foi fundante na

construção desse trabalho. Macedo (2000) foi o primeiro brasileiro que uniu a

etnometodologia e a abordagem multirreferencial na construção e apresentação de

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

26

sua tese “A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na

educação”. Em seu trabalho procurou organizar e sistematizar a pesquisa, fazendo o

papel de sujeito que observa e de sujeito observador. O movimento vivido por esse

pesquisador se deu ao procurar romper com as concepções tradicionais de se fazer

pesquisa, as quais enaltecem o método, a objetividade, a quantificação e a

obsessão pelo medir, buscando expandir o presente no sentido de valorizar a

inesgotável experiência social no mundo de hoje em nossas escolas.

O autor ainda evidencia a construção do sentido do objeto estudado, levando

em conta a subjetividade. Há, logicamente, um esforço para examinar o sentido do

lugar ocupado pelo prático pesquisador, como assinala, buscando compreender

suas ações e os significados a elas ligados. As posições teóricas assumidas trazem

as discussões, fazendo um entrelaçamento das correntes adotadas por Coulan

(1995), Ardoíno (1998) e seus colaboradores.

Ele nos esclarece que o conceito de multirreferencialidade é

inicialmente forjado pelo trabalho de reflexão crítica sobre a

pretensão purista de uma única ciência da educação. Foi com

Jacques Ardoíno, no seio dos debates do Departamento de Ciências

da Educação da Universidade de Paris Vincennes à Saint-Denis,

inspirado nos movimentos emancipacionistas dessa Universidade

desde a sua fundação a partir dos movimentos de maio de 1968 em

Paris, que a perspectiva multirreferencial vai afirmar a emergência

impura, paradoxal e mestiça das ciências da educação (MACEDO,

1999, p 123, grifos do autor).

A discussão da abordagem multirreferencial no âmbito da Educação vem

romper com pressupostos teóricos positivistas a respeito dessa área. De acordo com

Ardoíno (1998), o surgimento dessa abordagem no contexto educacional está ligado

ao reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade no processo educativo.

Os estudos que tenho realizado acerca dessa abordagem mostram que ela está

aberta à complexidade da realidade e à interiorização significante do sujeito

observador, e que não é fechada em si, mas está aberta às contribuições advindas

das pesquisas e dos estudos, outra característica próxima da etnometodologia.

Outra inspiração na compreensão da multirreferencialidade veio do Morin

(2000, p. 48), quando afirmou que "só podemos entrar na problemática da

complexidade se entrarmos na da simplicidade, porque a simplicidade não é tão

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

27

simples quanto parece”. Pensar, portanto, a formação de professores em atuação

pode parecer simples para quem tem um olhar simplificador, mas, sei, ou passei a

saber durante o desenvolvimento dessa pesquisa, que construir uma compreensão

acerca da formação dos atores sociais participantes do curso foi um ato complexo e

difícil.

Entendo que a abordagem multirreferencial assume a hipótese da

complexidade, uma vez que propõe uma leitura plural de seus objetos, numa

perspectiva teórica e prática, sob os diferentes pontos de vista, reconhecendo a

heterogeneidade no campo das Ciências Humanas e das Ciências da Sociedade.

A opção pela multirreferencialidade deu-se por entender que a discussão por

ela implementada sobre a heterogeneidade, como o cerne da construção do

conhecimento, constitui-se em um caminho possível para a compreensão do

processo formativo de homens e mulheres que, implicados na sua própria formação,

foram à universidade fazer um curso de graduação e produziram conhecimento a

respeito de si e do seu trabalho.

A ampliação de olhares para a leitura desse objeto, a formação de

professores só foi possível por meio da articulação e do diálogo entre a

multirreferencialidade e a etnometodologia.

Nesse processo compreendi que tanto os resultados como a minha

interpretação a respeito deles não podem ser considerados como únicos. O

processo investigativo vivenciado por mim estabeleceu uma relação entre sujeitos,

uma relação dialógica, na qual o pesquisador e os pesquisados formaram partes

integrantes da pesquisa e nela se ressignificaram e alcançaram a compreensão

possível (MACEDO, 2009).

Tal pensamento se consolidou pelo fato de os atores sociais participantes

dessa pesquisa não terem sido considerados idiotas culturais e sim aprendentes e

ensinantes, numa ambiência de formação. Minha intenção não foi vê-los como

meros informantes, mas, como autores que se autorizam nas narrativas a expressar

sua experiência formativa vivida no referido curso (MACEDO, 2009).

Em relação ao tratamento dado às narrativas, meu papel foi o de interpretar

as diversas falas desses atores sociais e produzir este texto como registro científico

do conhecimento construído e expresso a respeito de sua formação e dessa

formação no curso que participaram na condição de aluno. Meu desejo foi assumir o

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

28

papel do etnógrafo de campo (CLIFFORD, 1998), ou seja, aquele que descreve e,

também, vivencia a cultura do outro.

Na segunda parte desse texto apresento uma descrição da materialização da

pesquisa de campo.

1.2 Dispositivos de conversa

A busca de informações, constituiu-se no resultado da minha aproximação

com esses atores sociais, no esforço de compreender os etnométodos construídos

e produzidos por eles durante a realização do curso. Neste sentido, me apropriar do

conceito dos instrumentos como dispositivos provocadores do diálogo tornou-se

essencial para a compreensão acerca da formação desses professores-alunos.

Sendo assim, utilizei como dispositivos para alimentar o debate e assim

chegar às informações o questionário, a entrevista e o grupo focal. Essas

escolhas se deram pelo fato deles possibilitarem uma escuta sensível das histórias e

itinerâncias formativas dos diversos atores sociais participantes da pesquisa. Dessa

forma, com esforço interpretativo pude compreender, de forma contextual e

relacional, os limites e as possibilidades apresentadas pelo curso de formação de

professores da Universidade Estadual de Santa Cruz e como ele se constituiu em

um espaço formativo para os educadores da Educação Básica que se dirigiram a

essa Instituição na crença de que ali se tornariam melhores professores(as).

As informações dos atores sociais ecoaram via subjetividade, através da

observação. Entendo que mesmo não tendo sido um dispositivo eleito, ela esteve

presente em toda a minha trajetória no campo, por meio do olhar atento aos gestos,

falas, movimentos corporais e outros que expressavam as ações e as reações dos

atores sociais.

1.2.1 O questionário

A pesquisa teve início com a aplicação do questionário (ANEXO I). De inicio

não era minha intenção utilizar esse dispositivo, mas, em função do curso estar

sendo finalizado e da minha necessidade de obter algumas informações que me

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

29

ajudariam na organização da pesquisa, o apliquei. Elaborei esse instrumento com

questões abertas e fechadas que continham dois tipos de informações: os dados

pessoais e os dados profissionais. Neste mesmo questionário os atores sociais

expressaram seu desejo e sua disponibilidade para participar da pesquisa na fase

das entrevistas.

A aplicação desse dispositivo se deu na última semana de aula do curso, no

mês de fevereiro de 2010, quando os docentes me cederam um horário e

apresentei a proposta da pesquisa, explicando e pontuando o surgimento dela como

uma demanda manifestada por eles durante as aulas ministradas por mim, no caso,

as disciplinas Currículo e Estágio Supervisionado. Essa conversa inicial com a turma

acabou por se prolongar, converteu-se em um debate a respeito do objeto da

pesquisa, suas questões e implicações na e para a formação de professores.

Após este momento, os professores-alunos receberam o questionário e

ficaram à vontade para respondê-lo ou não. Dos 153 professores-alunos, 115

responderam ao questionário, correspondendo a 65% dos presentes no encontro.

Essas informações foram organizadas e me permitiram ter um perfil introdutório

acerca dos atores sociais, e selecionar os que participariam da etapa seguinte da

pesquisa.

A) Os atores sociais participantes dos questionários

Os professores-alunos residiam em dez municípios, todos com histórias e

expectativas diferentes, com serviços prestados na regência de classe há um

tempo entre 5 e 20 anos, e trabalhando em um regime de 40 horas semanais.

Era um público formado, majoritariamente, por mulheres, 95%, dos quais 55%

reconheciam-se negras e cuja idade variava entre trinta e cinquenta anos.

Casadas ou com outra forma de união, 55%, delas dividiam seu tempo entre a

casa, os filhos e uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. 30%, delas

tinham outra atividade de trabalho, o que ampliava sua jornada de trabalho

extracasa em, aproximadamente, 60 horas semanais.

Com relação à formação inicial, os dados da pesquisa mostraram que 70%

já tinham participado de exame vestibular em outra modalidade de estudo, 99%

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

30

não tinham curso superior e apenas 1% era portadora de diploma de Educação

Superior.

1.2.2 As entrevistas

Outro dispositivo utilizado foi a entrevista (ANEXO II). Essa escolha se deu

em razão desse recurso possibilitar ao pesquisador um diálogo individual com cada

ator social participante da pesquisa, permitindo uma maior proximidade com o ator

social. Isso me possibilitou rever conceitos já estabelecidos. Esta interação foi

importante porque esses atores sociais possuíam um conhecimento experiencial

acerca do fenômeno estudado: a formação de professores em atuação. Tal fato

promoveu uma revisão e, até mesmo, a alteração de alguns conceitos já definidos.

Nas falas e entrefalas que moveram nosso diálogo foi possível esse movimento.

Durante a realização das entrevistas busquei sempre reconstruir os processos

interativos que produziram a construção dos diversos pontos de vista desses

sujeitos a respeito do processo formativo vivido por eles no curso. Participaram das

entrevistas quinze professores-alunos.

A) Os atores sociais participantes das entrevistas

Os atores sociais participantes da pesquisa na fase das entrevistas (aqueles

que apontaram no questionário o desejo de participar delas) eram oriundos de vários

municípios. Tal fato nos impôs a necessidade de definir qual o município que

participaria dessa etapa da pesquisa. Escolhi o município de Itabuna pela facilidade

de acesso para os atores sociais. Para selecionar os quinze professores-alunos que

participariam da fase de entrevistas escolhi aqueles que demonstraram mais desejo

de trazer para a pesquisa os relatos acerca de sua experiência formativa.

Outros momentos paralelos à seleção foram o da definição de um roteiro para

alimentar nosso diálogo com os atores sociais e a preocupação de que este não

tomasse uma única direção. A ideia era a de ter uma conversa cuidadosa a respeito

da participação desses atores sociais no curso. No roteiro previ dois encontros com

cada entrevistado. No primeiro momento buscaria conhecer um pouco da história de

vida dos atores sociais, sua trajetória familiar e profissional e sua estadia na UESC.

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

31

No segundo momento, teria uma conversa acerca do curso propriamente dito. De

posse do roteiro, e com essa preocupação, organizei minha ida a campo.

Passei a fazer os contatos por e-mail e telefone, convidando-os para essa

conversa. Eram quinze professores da rede municipal de Itabuna que trabalhavam

em instituições diferentes e, por conseguinte, em locais também diferentes. Minha

preocupação era a de que cada participante indicasse o local mais apropriado para a

realização das entrevistas. A consulta foi feita, e no final utilizei os espaços das

unidades escolares, da Casa do Educador e a residência de duas entrevistadas.

Durante a realização das entrevistas foi possível observar e conviver com o

cuidado, a receptividade, a cordialidade e a alegria de cada ator social em participar

dessa pesquisa. Eles estavam abertos e confiantes. Esse comportamento foi

imprescindível para criar uma ambiência descontraída, mas tendo o cuidado de não

perder o rigor necessário nessa etapa da pesquisa (MACEDO, 2009).

As entrevista aconteciam com um intervalo de tempo de três dias entre elas,

e isso alterava a rotina de trabalho desses professores mas, ao mesmo tempo,

refrescava a memória deles em relação à materialidade do curso.

As professoras e os professores participantes da pesquisa optaram por ser

identificados no corpo do texto por seus nomes verdadeiros, fato que, para o estudo,

foi muito importante, pois acreditamos que “o sujeito encarnado" participa de uma

dinâmica criativa de si mesmo e do mundo com que ele está em permanente

intercâmbio” (NAJMANOVICH, 2001, p. 23). Ao trabalhar com o princípio de que o

outro é um sujeito ativo, participante da ação, o seu nome marca a sua participação,

enquanto ser social e profissional, com uma história própria. Vale a pena destacar

que, ao questionar a possibilidade de utilizar seus nomes verídicos, uma das

professoras me disse que não via motivos para não ser identificada, já que assume

o que fala e faz, é um sujeito de seu tempo.

As entrevistas individuais foram realizadas no período entre abril e agosto de

2011. No período de setembro a outubro realizei a transcrição das entrevistas e me

concentrei na leitura das informações para encontrar, nas narrativas, os aspectos

anunciadores do movimento formativo vivido por eles no curso. Ao mesmo tempo em

que buscava pontos comuns nas falas, também via seus pontos singulares.

Esse movimento me permitiu encontrar conflitos vividos por eles no

desenvolvimento do curso, os quais se tornaram temas para o debate no grupo

focal.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

32

1.2.3 O grupo focal

Para a realização do grupo focal (ANEXO III) reuni um conjunto de dez ex-

professores-alunos do curso, selecionados por meio de “convites com

disponibilidade espontânea” entre os quinze que haviam participado das entrevistas

individuais, para conversarmos a respeito de quatro temáticas que se evidenciaram

nas entrevistas individuais, a saber: a relação teoria e prática na formação de

professores em atuação, a relação de pertencimento junto à instituição formadora, o

lugar das experiências pessoais e profissionais no curso e a relação entre a

formação e a atividade profissional exercida agora. Minha ambição foi aprofundar o

debate para compreender o processo formativo desses professores-alunos no curso.

Neste sentido, como aconselha Gatti (2005), procurei criar as condições para

que cada participante do grupo se situasse, explicitasse seu ponto de vista, fizesse

as análises que julgasse necessárias e abrisse perspectivas diante da temática

sobre a qual estávamos conversando coletivamente. Enfim, meu desafio foi criar

condições para que o debate mais geral a respeito da formação de professores

acontecesse, e que, nesse cenário, os participantes do grupo pudessem, realmente,

emitir seu juízo de valor a respeito das questões anunciadas nas entrevistas

individuais sobre a participação deles no curso.

Realizei uma primeira reunião com todos os participantes das entrevistas

individuais, para tomar as decisões coletivamente a respeito da próxima etapa da

pesquisa. No dia 9 de novembro de 2011, compareceram dez professores. As

pessoas foram chegando e conversando entre si, tentando saber como tinham sido

as entrevistas individuais e quais as expectativas para a continuidade da pesquisa.

Todos e todas estavam empolgados e querendo saber das novidades. Após a

recepção individual a cada ator social, sentamos à mesa e começamos nossa

reunião. Expliquei que o encontro tinha dois objetivos, um era construirmos os

próximos passos da pesquisa e organizarmos a agenda de encontros, e o segundo

era entregar a cada um a transcrição das entrevistas individuais para que eles

fizessem a leitura e, se assim desejassem, acrescentassem ou retirassem alguma

informação dada nas entrevistas. Neste momento entreguei as cópias das

transcrições das entrevistas para cada ator social, que realizou a leitura,

imediatamente. Como estavam muito animados com a leitura, parei a nossa

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

33

conversa. Este momento foi muito rico, pois, na medida em que realizavam as

leituras, eles mesmos iam fazendo comentários e acrescentando mais informações.

Começamos então o planejamento da próxima etapa da pesquisa. Fiz uma

breve apresentação a respeito do grupo focal e esclareci as funções das pessoas

que trabalhariam nas reuniões: os membros do grupo, o animador, o narrador, (que

ao longo do debate fará as anotações) e, por fim, a assistente que filmará os

encontros. Ainda defini os atores sociais que participariam dessa etapa da pesquisa

e como havia ali dez deles, e todos demonstraram desejo de participar dos

encontros, formamos o grupo com esses debatedores. Outra definição foi a respeito

da periodicidade das reuniões. Ficaram agendados encontros semanais, às quartas-

feiras, no final da tarde. Todos os presentes preferiram que os encontros seguintes

ocorressem naquele local onde nos encontrávamos. Em relação ao tempo de

duração das reuniões, o grupo concordou que cada encontro aconteceria em uma

hora e trinta minutos, mais ou menos.

As reuniões do grupo focal foram filmadas, e após a conclusão dos encontros,

entreguei a mídia com a filmagem para que eles assistissem e acompanhassem a

fidedignidade das transcrições.

A) Os atores sociais participantes do grupo focal

Realizei quatro reuniões com os participantes do grupo focal. Na primeira,

compareceram José Gomes, Magda, Tatiana, Roseneide, Ana Dalva, Lidiane e

Janacira. Faltaram à reunião Adivanildes, que estava doente, Gilmara, que teve um

compromisso urgente, e Geórgia, que não justificou sua ausência. No início fiquei

apreensiva e com medo de que os atores sociais não viessem, mas, aos poucos,

eles foram chegando, sentando, conversando entre si para se descontrair.

No começo do trabalho apresentei ao grupo a equipe de trabalho composta

por eles, por mim e mais duas pessoas: a professora Licínia, que desempenharia o

papel de narradora, e a professora Soraya, que faria as filmagens dos encontros.

Em seguida, resumidamente, explanei a respeito da técnica de grupo focal e me

coloquei à disposição para as perguntas que fossem necessárias. Eles acharam que

a ideia era boa, pois lhes possibilitaria conhecer a opinião uns dos outros, ficando à

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

34

vontade, já que se conheciam há tanto tempo como colegas, tanto da rede municipal

de Educação quanto do curso.

O ambiente escolhido para as reuniões foi organizado com bastante cuidado.

Havia uma mesa grande com cadeiras suficientes para todos(as); cada um tinha um

crachá com seu nome bem visível, papel e lápis para quem quisesse fazer

anotações. Foram providenciados café, água, suco e biscoitos para o lanche.

Na segunda reunião estiveram presentes os/as professores(as) Janacira,

Diva, Tatiana, Ana Dalva, Magda, José, Lidiane e Roseneide, oito dos dez

participantes. Gilmara e Geórgia não puderam vir e justificaram suas ausências.

Todos os professores-alunos compareceram à terceira reunião.

Na quarta e última reunião estiveram presentes Magda, Tatiana, Ana Dalva,

Diva, Roseneide e Lidiane, seis participantes, o número mínimo que tínhamos

estabelecido para que os eventos pudessem acontecer. No final dessa reunião

tomamos decisões a respeito da continuidade do trabalho, e nosso acordo foi o de

apresentar minhas análises para o grupo e promover um debate final a respeito dos

resultados da pesquisa.

As reuniões aconteceram obedecendo ao cronograma estabelecido na

reunião de planejamento ocorrida no dia 9 de novembro de 2011.

B) Os temas geradores do grupo focal

Comecei a nossa reunião apresentando a questão a ser debatida, “Qual é o

lugar da teoria na formação de professores em atuação”? Pontuei que este tema

surgiu a partir das entrevistas individuais, e que, respaldada pela literatura a respeito

da formação de professores e pelas próprias falas deles, foi eleito.

Após a pergunta percebi que eles pararam um pouco, como se estivessem

respirando fundo e buscando as lembranças do curso para se situarem. Em seguida

Ana Dalva começou a falar.

No início estavam meio constrangidos e se comportavam como se estivessem

falando para mim, mas, aos poucos, as tensões foram cedendo lugar à

descontração e o debate aconteceu com certa tranquilidade. O tempo passou, não

percebi. No final da reunião eles/elas falaram sobre as impressões iniciais, o medo,

a vergonha, a incerteza e, como, no debate, na medida em que iam sendo

tomados(as) pela temática, foram se afastando desses sentimentos.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

35

Na segunda reunião o debate foi a respeito do sentimento de pertencimento

deles com relação à Universidade. Comecei a reunião, pois já tinha o número

suficiente de participantes e a questão foi “Ter entrado para a Universidade por meio

do PROAÇÃO fez com que você se sentisse pertencente ao quadro de alunos da

Universidade?” Eles narraram seus sentimentos, discordaram do posicionamento

uns dos outros e foram apresentando seus argumentos, foram conversando

naturalmente e, assim, o debate fluiu.

Na terceira reunião a temática discutida foi a respeito da experiência. Nas

entrevistas individuais todos eles afirmaram que a experiência profissional havia

entrado no curso, mas eles não tinham muita clareza a respeito do lugar que ela

tinha ocupado na formação. As leituras das entrevistas apontaram a necessidade de

uma discussão mais profunda a respeito do próprio conceito de experiência, para,

então, compreendermos o seu lugar na formação de professores em atuação. A

conversa se deu a partir da seguinte questão: “Por que a experiência de vocês

entrou para o currículo do curso?”.

Na quarta e última reunião, com a presença reduzida dos professores-alunos,

nossa conversa foi a respeito de como se sentiam naquele dia, tanto nas atividades

profissionais quanto na vida pessoal, pois queria compreender o impacto da

formação na vida desses atores sociais. A questão foi: “O que vocês estão fazendo

hoje e quais as implicações de vocês nesse fazer?”

1.3 A organização das informações

As informações foram organizadas durante a realização da pesquisa em três

tempos: o do questionário, o das entrevistas e o do grupo focal. As informações

coletadas através do questionário foram agrupadas em três temas: dados pessoais,

dados profissionais e continuidade da pesquisa. Esse perfil dos atores sociais foi

complementado com as entrevistas individuais.

Em seguida organizei as informações contidas nas entrevistas. Como as

narrativas eram muito amplas, fiz o exercício de separá-las e agrupá-las por

temática. Esse movimento só foi possível após várias e exaustivas leituras. Foi com

elas que enxerguei as temáticas maiores que continham as narrativas.

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

36

Para chegar às temáticas, primeiramente reafirmei a questão da minha

pesquisa e os objetivos, a partir daí fui realizando as leituras e, ao mesmo tempo,

destacando as falas mais presentes nos diálogos. Como resultado, encontrei as

categorias: o sujeito da experiência, as condições objetivas da formação de

professores em atuação e o curso como espaço formativo.

Após a organização dessas informações foi possível voltar à literatura acerca

da formação de professores em atuação e, então, organizar a realização do grupo

focal. As informações coletadas nas reuniões do grupo me permitiram acompanhar o

aprofundamento e a clareza com que os professores-alunos foram construindo a

analise a respeito da sua formação, como, também, definir as categorias empíricas

dessa análise.

1.4 A análise

Cabe ressaltar que minha pretensão com esta tese é trazer a compreensão

do processo de formação vivido por um grupo de professores e, sendo assim, utilizei

as narrativas como espaços de descrição das suas vivências no curso, pois acredito

que esses relatos constituem-se, até certo ponto, na própria história desses sujeitos

e da sua formação. Neste sentido, meu foco não é chegar a resultados ou a

compreensões já fixadas a respeito da formação de professores em atuação, e sim

trazer à tona, por meio da voz desses atores, uma nova compreensão desse

processo.

Nesse movimento realizei a análise das informações, entendendo que esta

esteve presente em toda a pesquisa, e que este movimento interpretativo permitiu a

construção dessa tese como um produto final aberto. Produto porque ela traz como

já afirmei, uma compreensão a respeito do fenômeno estudado, e aberto porque

logicamente essa não é a única compreensão a respeito desse fenômeno. Tal

postura impôs a necessidade de estar atenta ao exame detalhado das informações

coletadas pelos diversos atores sociais participantes da pesquisa, condição

necessária para que pudesse entender suas relações com as questões e objetivos já

definidos e, a partir desse exercício, avaliar a relevância dessas informações para o

desenvolvimento do estudo a respeito dos limites e das possibilidades do curso,

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

37

frequentado por esses atores sociais, ter se constituído em um espaço formativo

para os professores que já estão em atuação.

Outro esforço foi no sentido de enxergar as informações que iam além do

previsto e que se constituíam em um conhecimento indispensável para que pudesse

me aproximar do fenômeno estudado, pois, como afirma Macedo (2006, p. 209),

O pesquisador postula que a significação real e profunda do

material analisado reside além do que é expresso. Trata-se de

descobrir o sentido velado, em opacidade, das palavras, das frases e

das imagens que constituem o material analisado.

Este movimento foi positivo e me permitiu selecionar as informações

consideradas essenciais ao diálogo entre teoria e empiria, a respeito da formação de

professores em atuação e, assim, definir as categorias que utilizei nessa análise.

Macedo (2009, 2006) afirma que o movimento de análise começa com o

exame atento e extremamente detalhado das informações coletadas no campo de

pesquisa. Essa tarefa foi exercida com rigor. As falas dos professores-alunos foram

registradas por meio de gravador de áudio e filmagens, que foram transcritas na

íntegra e, em seguida, entregues a esses atores sociais para que as conferissem.

Após o aval deles realizei a leitura totalizante e exaustiva dessas informações e fiz o

confronto dessas informações com a questão da pesquisa e seus objetivos. Neste

movimento fui indagando-me sobre a relevância das informações coletadas e

separando as informações consideradas relevantes para a análise. Selecionei as

partes da descrição consideradas essenciais para a compreensão do processo

formativo vivido pelos atores sociais no curso.

Enxerguei como necessária uma busca histórica a respeito da formação de

professores. Precisava situar, historicamente, o momento em que surge a formação

de professores em atuação, no Brasil, e como, os elementos apresentados por

esses atores sociais se constituem demandas para se pensar a formação de

professores em atuação; outra necessidade foi compreender como se

estabeleceram as condições objetivas para que eles participassem do curso.

Esses estudos me permitiram entrar no contexto para construir uma

“triangulação ampliada” (MACEDO, 2009) necessária, a princípio, à compreensão e

discussão das informações e, mais adiante, a própria formação de professores em

atuação.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

38

Após realização desses estudos, foi possível encontrar, nessas unidades de

significação, as chamadas categorias empíricas, e realizar a interpretação

compreensiva desse objeto de pesquisa, a saber: a formação de professores. Nos

próximos capítulos estarei registrando o movimento da análise.

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

39

CAPÍTULO 2

O CONCEITO DE FORMAÇÃO E O

PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA

FORMAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

40

2. CONCEITO DE FORMAÇÃO E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA

FORMAÇÃO NO CONTEXTO DE TRABALHO

Eu sou uma pessoa em constante formação, tanto nas questões pedagógicas como na vida pessoal. Sempre quero me envolver mais com as questões da educação, aí eu percebo que eu tenho que estudar mais, que eu tenho que ler mais, que eu preciso saber mais....

Tatiana, 20115

A nossa condição humana nos caracteriza como seres inacabados, com

capacidade de criar e, consequentemente, sempre buscar algo. É a inquietude, a

curiosidade e a insatisfação que alimentam e estimulam o ser humano para novas

conquistas cotidianas, como tenho constatado ao longo da história. Essa história é

escrita e modificada, a cada segundo, por determinações culturais, sociais,

econômicas e outras. Essas mudanças impõem novas necessidades e entre elas

cito a formação humana. Estas reflexões me impõem a necessidade de buscar

estudos que me permitam uma compreensão a respeito do termo formação.

O termo formação, etimologicamente, vem do latim formare, que significa dar

forma, colocar-se em formação e ir-se desenvolvendo. A formação, o ato ou modo

de formar-se, como pontua o Aurélio([20--]), significa dar forma a algo; ter a forma;

por em ordem; fabricar; tomar forma, educar. Percebo um elemento comum às

várias acepções dessa palavra, a ideia do tornar-se.

Como pode ser notado, não existe, etimologicamente, um conceito único e

fechado de formação. Este seria, a meu ver, um termo polissêmico, isto é, com

muitos sentidos. Nos estudos de Macedo (2012, 2009), Dominicê (2012) e Pinau

(2003), dentre outros, percebi o uso do termo formação em três sentidos: como

lapidação do ser humano, como a busca incessante da perfeição e como

capacidade de transformar em experiência significativa os acontecimentos

cotidianos.

No sentido lapidação do ser humano, a formação é a purificação, o

melhoramento visando ao ideal já existente. O produto final já existe e está pré-

5 Tatiana, participante dessa pesquisa

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

41

determinado. Na formação de professores, por exemplo, ela deve acontecer para

que se chegue ao “professor perfeito”, isto é, à apropriação de um conjunto de

comportamentos e habilidades que o caracterizam.

A formação como a busca incessante da perfeição – Bildung – não se refere,

aqui, a um simples desenvolvimento de aptidões e faculdades do herói; ela refere-se

a um processo de construção e realização de um Eu em ascensão, esforçando-se

em adquirir consciência do mundo e de apreendê-lo em sua essência, no esforço de

desvendar o porquê e para quê a vida. Nesse movimento ressalta-se o processo

como sendo formativo e, sendo assim, a formação de professores é um exemplo.

Mesmo tendo um ideal definido, a formação se dará no processo de aproximação do

sujeito com esse ideal, pois essa aproximação é singular para cada sujeito. Neste

movimento é que se constrói a formação.

Por fim, a formação como a capacidade de transformar em experiência

significativa os acontecimentos cotidianos sofridos no horizonte de um projeto

pessoal e coletivo é algo que se processa, é uma atitude ou uma função que se

cultiva e pode, eventualmente, desenvolver-se. A formação pode ser concebida

como uma atividade através da qual se busca, com o outro, as condições para que

um saber recebido do exterior, logo interiorizado, possa ser superado e

exteriorizado, de novo, de forma enriquecida, pelo significado de uma nova

atividade.

Esse sentido permite entender que, na formação, tanto inicial como

continuada, os professores se formam, conhecendo-se a si mesmos. Não se

transformando em outros, em sujeitos ideais, mas revelam-se no que se é. Trata-se,

pois, de um processo (ato) eminentemente revolucionário. (CARVALHO,2008).

Essas considerações a respeito da palavra formação motivaram-me a

aprofundar os estudos sobre esse conceito. A princípio busquei construir sua

evolução histórica para, em seguida, apresentar uma discussão acerca da teoria

tripolar da formação elaborada por Gaston Pineau e, posteriormente, uma discussão

a respeito da formação de professores.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

42

2.1 A formação: noções

O primeiro teórico a realizar estudos sobre o termo “formação” foi Platão, para

esse filósofo da Grécia Antiga, a educação consistia em um conjunto de

mandamentos e preceitos morais (regras e normas de conduta social) e de

conhecimentos profissionais (as regras e artes dos ofícios, chamadas de techne

pelos gregos). A formação consistia, portanto, na lapidação interior do ser humano,

tendo em vista a forma ideal.

Diferentes autores apontam que o termo formação constituiu-se como a busca

de uma imagem ou forma (Bild, eidos) interior ideal ou arquetípica, claramente

definida por cada cultura, relacionando a formação com a atitude interior do ser

humano.

Gaston Pineau (1988) afirma que o termo formação surgiu na língua francesa,

antes do termo “educação”, entre os séculos XII e XIV, e que desde o século XIX as

acepções deste termo são muito amplas.

Cristine Josso (2010), sistematizando as definições atuais do conceito de

formação, afirma que os diversos autores que refletiram sobre ele concordam com a

ideia de que o aprendiz desempenha um papel decisivo em sua formação, e que

esses processos formativos emergem de três perspectivas ou ênfases gerais: 1) as

que pontuam a ação educativa, a aprendizagem de competências e os

conhecimentos, e dão pouca atenção ao processo formativo do sujeito; 2) as que

vão além da questão do processo de aprendizagem e tratam o conceito de formação

como um processo de mudança; 3) aquelas que tratam o conceito de formação

como um projeto de produção de vida com seu sentido.

Couceiro (2001) citando GOGUELIN, lembra que o campo semântico de

“formar” constrói uma constelação original, praticamente independente da de

“ensinar”. Formar evoca uma intervenção profunda e global que arrasta/provoca um

desenvolvimento do sujeito nos domínios intelectual, físico e, ou moral, bem como,

uma mudança nas estruturas que correspondem a estes domínios, de tal modo que

esse desenvolvimento não é um mero acréscimo colado à estrutura já existente,

mas integrado em novas estruturas. Para esse autor, o conceito de formar aponta

para finalidades que “não se esgotam nem na aquisição de saberes, nem no

incremento de competências técnicas e profissionais, nem mesmo no mero

desenvolvimento das potencialidades da pessoa” (COUCEIRO, 2001, p. 15-16), mas

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

43

que a formação constitui-se através da globalidade da sua existência e de sua

inserção nas diferentes esferas da vida. Nessa direção, Pineau (1988) afirma que

formação é uma intervenção muito completa, muito profunda e muito global, na qual

o ser e a forma são indissociáveis.

O sentido da formação resgatado por esses autores contemporâneos remete-

me, de novo, ao conceito platônico de formação e ao conceito medieval alemão de

Bildung, retomados pelos romantismos germânico e geral apresentados a seguir.

Gadamer (1999) encontra a origem da palavra Bildung na mística medieval.

Segundo ele, o termo continua presente, ao longo dos séculos, percebido por ele

inclusive na mística barroca. No século XVIII, Herder a contextualiza quando a

vincula ao conceito de cultura. Para ele, a formação é mais elevada e interior, é o

modo de perceber que procede do conhecimento e do sentimento de toda a vida

espiritual e ética que enriquecem a sensibilidade e o caráter.

A origem na mística medieval dá à noção de Bildung uma grande densidade

filosófica, e esta equivale a imitação. No contexto espiritual é que ela encontra sua

primeira inscrição, pois a Bildung está no centro da teoria da imagem de Deus. Ela

designa o movimento pelo qual o cristão dá uma forma à sua alma, esforçando-se

para nela imprimir Deus.

Para Sommerman (2003), foi a partir dessa origem místico-filosófica que o

conceito de Bildung chegou aos pensadores alemães do fim do século XVIII:

pensadores como Lessing, Herder, Humbolt, Schiller e outros que o transformaram,

mas sem tirar dele essa dimensão de interioridade e profundidade. Voltaram, de

algum modo, ao conceito platônico e pré-cristão de formação, e, assim, o

universalizaram, dando-lhe uma dimensão transcultural. Wilhelm Von Humboldt

(1767–1835), filósofo e educador alemão, foi considerado o grande teórico da

Bildung, mas pode ser afirmado que Herder, ao combater o racionalismo iluminista,

fez com que o conceito de formação (Bildung) se tornasse o pensamento maior do

século XVIII, nos diz Sommerman.

Ainda para este autor (2003) foi Kant (1724–1804) que, ao resgatar o ideal

pedagógico grego e reconhecer que o ser humano era o único ser vivo que poderia

e precisava ser educado, dividiu esse processo em quatro etapas: cuidado,

disciplina, instrução e formação. O cuidado refere-se às atenções que devem ser

dadas ao recém-nascido (alimentação, higiene e amor). A disciplina é tratada como

um processo de transformação do lado selvagem ou animal em humano, conduzindo

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

44

a criança a fazer uso da razão, a adquirir o autocontrole e seguir as normas sociais

consideradas corretas. A instrução corresponde à educação básica, através da qual

são transmitidas as técnicas e práticas que possibilitarão à pessoa se mover no

contexto histórico-social em que está inserida. A última etapa, a da formação,

corresponde ao ensinamento Kantiano que trata do processo de “moldagem” através

do qual o educador procurará desenvolver no educando um “padrão de excelência”,

ou seja, uma consciência moral, calcada na razão e na justiça.

Como pode ser visto, o conceito de Bildung, para Kant, não tem uma acepção

tão forte como teve o de formação para Platão e para os místicos alemães do século

XIII, que forjaram o termo Bildung, e para vários outros autores do romantismo, uma

vez que, para eles o termo se apoia numa cosmologia, numa antropologia e,

consequentemente, numa epistemologia menos amplas ou menos

multidimensionais.

Os ideais suscitados por esse conceito de formação inspirou um “novo”

gênero literário: o Bildungsroman, o romance de formação. O romance Wilhelm

Meister6, de Goethe, é um exemplo paradigmático desse gênero literário. Segundo

Bárbara Freitag (2001, p. 85),

A Bildung não se refere aqui a um simples desenvolvimento

de aptidões e faculdades do herói; a formação refere-se a um

processo de construção e realização de um Eu em ascensão,

esforçando-se em adquirir consciência do mundo e de apreendê-lo

em sua essência. Em outras palavras, trata-se da busca incansável

do homem pela proximidade com o seu Criador, no esforço de

desvendar o porquê e para que da vida.

Veja o quão próxima essa noção de Bildung está dos romances de formação

do século XVIII, e também da concepção platônica de formação do ser humano em

direção à união com a sua forma arquetípica. Essa mímesis, essa imitatio, para a

qual o Bildungsroman serve de suporte, é análoga àquela da formação grega antiga,

mítica e mística, através das quais se buscava imitar os heróis arquetípicos para

chegar ao mundo totalmente dominado pela virtude e pelo bem – o mundo dos

deuses, aquele das formações heróicas, dos iniciados, vividos pelos membros das

6 O romance é dividido em oito livros, dos quais cinco remetem a uma peça teatral (Theatralische

Sendung). Essa remessa teatral surgiu entre 1777 e 1786, mas apenas vinte anos depois foi publicado como romance.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

45

cavalarias do Ocidente e do Oriente, daqueles que tomam a obra do monge alemão

Tomás de Kempis, século XV, Imitação de Cristo, como exemplo. Há, em todas elas,

um modelo, um herói que venceu as provas, que atravessou os níveis de realidade e

de percepção perdidos pela humanidade “comum”, que reencontrou a estatura do

homem perfeito (ou é a encarnação do homem perfeito, como no caso de Cristo) e

pôde entrar de novo no Paraíso, cujo caminho, portanto, deve ser imitado pelo

nobre, pelo cavaleiro, pelo monge ou pelo artesão.

Essas breves considerações a respeito da formação me permite ver, por um

lado, a profundidade do processo formativo que pode ser estimulado pelo conceito

de formação, que abarca diferentes níveis do sujeito e, por outro, perceber as

consequências inadequadas dos processos formativos que se apoiam em conceitos

de formação demasiadamente estreitos e reducionistas, ou que remetem a modelos

ou ideais a serem imitados. Tal fato tem sido constatado, por exemplo, nas políticas

de formação de professores, na qual se percebe claramente a presença de uma

formação apoiada apenas na instrução, no ensino e nas ideologias reducionistas.

Sommerman (2003) afirma que Max Horkheimer critica a Bildung, enquanto

formação da personalidade voltada para a interiorização afirmando que esta

formação repele o vínculo com a civilização, o social, e reforça o individualismo. E

que Horkheimer postula um caminho contrário ao da Bildung, pois não nos tornamos

cultos, formados, apenas pelo que fazemos de nós mesmos, e sim pela dedicação à

coisa, seja no trabalho intelectual, seja na práxis consciente de si mesma, de modo

que a formação de si só ocorreria, de fato, pelo outro, seja este outro uma coisa, um

indivíduo ou a sociedade.

Historicamente, como vimos, o conceito de formação como busca de uma

imagem ou forma (Bild, eidos) interior ideal ou arquetípica, claramente definida por

cada cultura, está mais relacionada com a dimensão interior. Vejo que a

profundidade da dimensão interior do ser humano foi se modificando, ao longo da

história, conforme a concepção cosmológica e antropológica de cada cultura e de

cada pensador. Portanto, o conceito de formação de Paidéia e de Bildung é tanto

mais forte quanto mais se apoia em cosmologias e antropologias estruturadas em

níveis ontologicamente cada vez mais altos e psicologicamente mais profundos.

Acredito que uma cosmologia e uma antropologia materialistas darão lugar a

um conceito de formação advindo de uma cosmologia e uma antropologia

tradicionais ou platônicas. Num extremo, umas irão colocar o foco da formação na

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

46

profissão, se o homem for visto como reduzido à sua dimensão física; no outro

extremo, se o ser humano for visto como composto de múltiplos níveis,

correspondentes a múltiplos níveis do cosmo, o foco da formação será sua

formação/transformação profunda e global, que o levará à união com sua forma

arquetípica. Para umas, a utilidade da lapidação ou da disciplina da formação é

exterior; para outras sua utilidade é a forma interior ideal, a beleza interior

decorrente dessa lapidação.

Nesse sentido, os diferentes polos do processo formativo definidos por

Gaston Pineau (1988), como auto, hetero e ecoformação, ajudam-me a perceber os

diferentes níveis de formação e a entender que quanto mais níveis cada um desses

três polos forem incluídos na formação do sujeito, mais profundo e amplo será o

resultado e menos riscos haverá, de um lado, de hipertrofia do individualismo e de

egocentrismo, e de outro, de empobrecimento da dimensão interior do sujeito, com

seu consequente aprisionamento a ideologias e a visões reducionistas da realidade.

2.2 A teoria tripolar da formação

Na caminhada pela trilha da formação, me deparei com a necessidade de

uma nova parada, dessa vez para compreender a teoria tripolar da formação. Um

autor que me inspirou foi Gaston Pineau (1988) que, influenciado pelos três mestres

fundamentais na Educação, a própria pessoa, os outros e as coisas, conforme

definidos por Rousseau (1712-1778), construiu estudos acerca da teoria tripolar da

formação. É explorando a metodologia das histórias de vida e as diversas

formulações que os sujeitos dão para seus trajetos de formação que Pineau

identificou os três movimentos que interferem na formação: personalização,

socialização e ecologização. Essa percepção o levou a criar os conceitos de auto,

hetero e ecoformação.

Observo que os estudos de Pineau não priorizam nenhum dos três polos, mas

os coloca em ação estudando a complexidade de sua interação ao longo de toda a

sua vida. Contudo, ele observa que os prefixos auto, hetero e eco indicam que cada

uma dessas polaridades da formação é extremamente complexa. Por exemplo, uma

pessoa cuja formação é tão original que a torna incompreensível para os outros é

um sinal claro de que o polo da autoformação prevaleceu excessivamente sobre os

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

47

outros dois polos. Outra pessoa cuja formação a torna semelhante a uma multidão

de outras pessoas é indicação de que houve um predomínio excessivo da

heteroformação, que impediu a emergência de qualquer forma singular.

Ainda de acordo com o autor, entre a ação dos outros (heteroformação) e a

do meio ambiente (ecoformação) parece existir, ligada as duas e dependente delas,

uma terceira força formadora que é a do eu (autoformação). Essa terceira força é

que toma o decurso da vida mais complexo e cria um campo dialético de tensões

rebelde a toda simplificação unidimensional.

O termo “autoformação” apareceu antes dos outros dois, catalisando as

pesquisas sobre “a autonomização dos atores pela apropriação de seu poder de

formação” (PINEAU, 1988, p. 66), personalizando, individualizando e subjetivando a

formação. A autoformação é, portanto, essa apropriação, por parte do sujeito, da

condução de sua própria formação.

A autoformação simboliza a tomada de consciência do sujeito sobre o seu

próprio funcionamento, ou seja, é a tomada de consciência e retroação de si sobre si

e sobre as integrações com os meios social e físico. Trata-se de um processo

paradoxal que se alimenta de suas dependências. Ela é constituída pela tomada de

consciência e de retroação sobre as influências heteroformativas e ecoformativas.

Sendo assim, a autoformação ultrapassa, integrando os limites da educação,

entendida como transmissão que gera aquisição de saberes e de comportamentos.

O termo heteroformação designa o polo social da formação, e refere-se aos

outros, que se apropriam da ação educativa/formativa da pessoa. O processo de

formação conduzido pelo polo hetero inclui a educação, as influências sociais

herdadas da família, do meio social e da cultura, as ações de formação inicial e

continuada etc. A heteroformação é definida e hierarquizada de maneira heterônima

pelo meio ambiente cultural.

Já o termo ecoformação é a dimensão formativa do meio ambiente material,

que é mais discreta e silenciosa do que as outras duas. A formação conduzida pelo

polo eco se compõe das influências físicas, climáticas e das interações físico-

corporais que dão forma à pessoa. Ela inclui a dimensão simbólica. O meio

ambiente físico com todas as suas variedades, produz uma forte influência sobre as

culturas humanas, bem como sobre o imaginário pessoal, que organiza o sentido

dado à experiência vivida.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

48

A heteroformação e a ecoformação simbolizam as tomadas de consciência e

as retroações da pessoa sobre as influências físicas e sociais recebidas na interação

com os elementos formadores do meio ambiente físico ou social. A autoformação é

compreendida, por mim, como sendo um movimento no qual o formador forma a si

próprio através de uma reflexão sobre suas itinerâncias de aprendizagens pessoais

e profissionais, constituindo-se, portanto, num processo interno.

Para Josso (2004), esses processos de formação dão-se a conhecer, do

ponto de vista do aprendente, através de interações com outras subjetividades, ou

seja, numa aprendizagem experiencial por meio da qual a formação se daria a

conhecer.

Neste sentido, o conceito de formação se enriquece com práticas biográficas,

ao longo das quais esse objeto é pensado tanto como uma história singular, quanto

como a manifestação de um ser humano que objetiva as suas capacidades, isto é, a

produção de si mesmo.

Formar-se é integrar-se numa prática, no saber-fazer e nos conhecimentos,

na pluralidade da própria vida. Aprender designa, mais especificamente, o próprio

processo de integração.

Esse movimento será o aprender pela e com a experiência, o que implica na

capacidade de resolver problemas quais ainda não conhecemos soluções teóricas.

Josso (2004) nomeia esse movimento como aprendizagem experiencial, uma

capacidade de resolver problemas, mas acompanhada de uma formulação teórica

e/ou de simbolização a respeito tanto do problema quanto do processo de sua

resolução.

Ainda pensando neste movimento, Cunha (2006) traz a ideia de que a

formação centrada no trabalho, como estratégia formativa é, basicamente, composta

de três elementos principais: fazer coincidir o trabalho/formação no

espaço/tempo/pessoas, fazendo que o trabalho permita aprender a aprender com a

experiência, instituindo um processo de aprendizagem permanente; organizar a

formação por meio de projetos de ação para responder aos problemas identificados

no contexto; abandonar a ideia de transferência da formação segundo uma lógica de

aplicação, instrumentalização, escolarizada.

Cunha (2006), tratando especificamente da formação de professores, traz à

pauta o debate acerca da possibilidade dessa formação se constituir numa

comunidade profissional de aprendizagem marcada por uma cultura colaborativa. A

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

49

ênfase da formação deixa de ser colocada em de cada professor individualmente e

passa a ser coletiva, um movimento capaz de gerar a heteroformação para que seja

estabelecida uma relação com a autoformação de cada professor.

2.3 A formação e o mundo do trabalho

O debate sobre a formação tem sua origem desde a época em que a

educação de uma pessoa começa a ser considerada um bem de utilidade pública,

um instrumento para o desenvolvimento econômico dos povos. Surge aí o problema

da adaptação do sistema educativo, sobretudo nos seus caminhos em busca da

profissionalização e do mundo do trabalho.

A inevitável rapidez das mudanças nas tecnologias de produção abala o

mundo do trabalho, implicando sempre na construção de um processo de adaptação

e incerteza permanente.

Assim sendo, a heteroformação acompanha todo o processo formativo de um

sujeito, desde a fase de diagnóstico das necessidades de formação até a maneira

de tratar essas necessidades, passando pelos lugares, tempos e modos de ação

formativa.

A relação entre educação e trabalho, nesse contexto, altera e acaba gerando

uma dessincronização entre formação e trabalho, impondo a necessidade de

enfrentarmos três problemas ou objetivos: o diagnóstico, a aquisição e a certificação.

Correia (1997), alerta para o fato de que quem se aventura na pesquisa a

respeito das relações entre formação e trabalho terá que tomar precauções quanto a

sua abordagem, pois esta nunca será axiologicamente neutra, pois a escolha será

sempre ética, cívica e politicamente estruturada. O pesquisador deverá estar

consciente da necessidade de valorizar as valências críticas dos “decursos

científicos” para não cair na armadilha de trocar uma normatividade por outra.

Neste sentido, a compreensão da historicidade dos problemas e dos

instrumentos cognitivos acionados na sua definição é um recurso suplementar de

gestão desta tendência. Precisa-se estar sempre consciente da importância de

introduzir uma dimensão prospectiva, que permita a reabilitação analítica dos

fenômenos perturbadores, e encará-los como fatos portadores de verdade. E, por

fim, é preciso precaver contra as tendências, que procuram encontrar uma

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

50

consistência teórica e epistemológica, num esforço reflexivo que, por se apoiar numa

diversidade de contribuições e tendências, e por visar apenas uma aproximação

progressiva os fenômenos que toma como objeto, deverá ser interpretado no

registro da bricolage.

Para Canário (1997), a articulação entre a formação e os contextos de

trabalho representa, hoje, uma problemática central na formação de professores,

tanto no nível da formação profissional inicial quanto o da escolaridade básica, onde

a relação com o mundo do trabalho aparece como uma dimensão fundamental na

perspectiva de uma educação para a cidadania. Neste sentido, podemos perceber a

relevância desta pesquisa quanto ao que Canário (1997) aponta como a direção da

expansão quantitativa de cursos e a difusão das práticas de formação; à construção

de novas maneiras de pensar e agir no campo da formação profissional contínua,

que aparece estreitamente associada a novas maneiras de organizar os processos

de trabalho; ao papel e à importância, cada vez mais decisivos, atribuídos ao fator

humano na vida das organizações de trabalho que tornam, dificilmente, dissociáveis

as capacidades individuais e as de mudanças coletiva das organizações e da sua

cultura. A formação tende a articular-se com a produção de mudanças de natureza

organizacional. Não mais a formação para a mudança, e sim a formação na

mudança, aquela que devolve a ação interativa dos atores em contextos, o principal

protagonismo.

A relação entre formação e trabalho, segundo Correia (1997), tem sido

pautada pela existência de um desconhecimento instituído por parte de cada um dos

mundos das lógicas que estruturam o outro. Para esse autor, a dicotomia das

relações entre formação e trabalho já não pode, como no capitalismo liberal, ser

considerada como dicotomia entre dois mundos incomunicáveis, mas, como, “a

separação temporal de dois mundos intercomunicáveis” (CORREIA, 1997, p. 21), a

sequência educação-trabalho.

Esta cisão gerou dois domínios distintos: o da educação popular de jovens e

adultos, preocupada com o desenvolvimento dos cidadãos, (o primeiro); o domínio

da formação e da promoção profissional, em que o trabalho, embora esteja

presente, não é conceitualizado como um espaço social susceptível de vir a ser

transformado, o (segundo).

Correia (1997) alerta para a importância atribuída às formações adaptativas,

terapêuticas e ortopédicas, que se propõem, também, a transformar os indivíduos,

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

51

mas adotam a mudança como eixo privilegiado de referência para essa

transformação. A lógica destas formações se organiza em torno dos seguintes

pressupostos:

a) a mudança é, fundamentalmente, uma mudança técnica, cuja formação

intervém a posteriori, isto é, contribui apenas para o restabelecimento do equilíbrio

dos sistemas, assegurando a adaptação técnica e, eventualmente, a adaptação

psicológica dos indivíduos no novo contexto;

b) a mudança, para ser eficaz, tem de se apoiar numa segmentação social

acrescida entre os conceptores e os executantes;

c) a formação visa apenas produzir qualificações novas ou substituir aquelas

que se mostram obsoletas.

A aceitação desses pressupostos tem contribuído decisivamente para que o

campo da formação assuma um currículo que tem como ponto de referência a

identificação prévia das carências de formação adaptativas. Neste sentido, o campo

da formação passou a ser dirigido a indivíduos carentes e tendencialmente

desadaptados, e não a indivíduos experientes e agentes de mudança. Sendo assim,

a formação deixa de ser um direito para, na melhor das hipóteses, se transformar

num dever ou, na pior das hipóteses, em maldição e suplício.

A relação entre formação e trabalho coincide com a institucionalização do

capitalismo desorganizado na sequência do reconhecimento do caráter estrutural da

crise do fordismo, na transformação do círculo virtuoso fordista em um círculo

vicioso. Diante do exposto, Correia (1997, p. 23) afirma que:

Submetido a um conjunto de solicitações sociais contraditórias, o

campo da formação tem vindo a deslocar-se do seu papel tradicional

de instância de produção de qualificação individual, para

desempenhar um papel cada vez mais relevante como instância de

regulação social intervindo ao nível da empresa e da gestão global

da sociedade.

Para esse autor, o campo da formação ainda é tendencialmente tributário de

discursos teóricos e epistemológicos, normativos, gestionários e funcionalistas. Mas,

também entendo que a formação encarada como dispositivo deve ser susceptível de

modificar o sentido da evolução em que se inscreve, de gerar novas coerências e

que não pode ser deduzido a partir de uma lei determinista.

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

52

Segundo Dujo (2003), o que se está pedindo da Educação, e muito

concretamente do sistema educativo, é que recupere uma visão mais global e mais

social dos processos de produção e da vida, uma lógica apoiada nos modos de ação

que tem lugar no mundo da vida e do trabalho. Trata-se mais concretamente de uma

mutação pedagógica que põe uma ênfase maior na capacidade de atualização,

adaptação e uso de conhecimentos, procedimentos e comportamentos, que na mera

aquisição dos mesmos de acordo com um status diferente do indivíduo enquanto

cidadão, produtor congruente com as mudanças econômicas, tecnológicas e sociais

do nosso tempo. Tal realidade deslocaria a lógica da formação como adaptativa do

sujeito ao mundo do trabalho, para a de espaço de estabelecimento de relações

densas e diversificadas nos contextos de trabalho; não exclusivamente com

competências cognitivas dos seus destinatários individuais, mas com o que Josso

(2004) chama de formação experiencial.

Essa possibilidade formativa, a meu ver, corroboraria a superação das lógicas

“disciplinares” da especialização em benefício das lógicas “transversais”. Nesse

contexto se poderia, sim, pensar a formação de professores.

Essas reflexões me incomodam e levam a pensar se o PROAÇÃO sozinho

seria capaz de “formar” os professores. Isso porque há que se considerar suas

instituições, as políticas educacionais, os conflitos etc. Esses terão que estar na

mudança para se constituírem, junto com o curso, em dispositivos formativos para

esses professores. A lógica não pode ser a d que os professores devem se formar

para mudar a realidade da Educação, pois essa formação não existe, está no vazio.

2.4 A formação de professores no Brasil: trilhas e itinerâncias

A partir das reflexões construídas acerca da formação, numa caminhada

originada no estudo epistemológico do termo, passando por sua construção

histórica, sua polaridade e relação com o mundo do trabalho, discutirei, a seguir, as

tendências político-pedagógicas da formação de professores. Meu objetivo com

estes estudos foi analisar como, historicamente, as discussões a respeito do assunto

foram se delineando no Brasil a partir da década de 1970. A escolha de iniciar estas

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

53

reflexões a partir dessa década se deu em razão de ser esse o período em que

começou a se travar o debate mais denso a esse respeito.

Segundo Candau (1982), na década de 1970, a maioria dos estudos sobre

formação de professores privilegiava a dimensão técnica, a partir da influência da

psicologia comportamental e da tecnologia educacional. Assim sendo, a grande

preocupação, no que se refere à formação de professores era a instrumentalização

técnica. Concordando com esse posicionamento, Feldens (1984, p. 17) afirma que

nesta época havia um caráter funcionalista de educação na qual a "experimentação,

racionalização, exatidão e planejamento tornaram-se questões fundantes na

formação de professores".

A partir da segunda metade da década de 1970 inicia-se um movimento de

oposição e rejeição aos enfoques técnico e funcionalista então predominantes.

Segundo Candau (1982), essa movimentação ocorreu por influência de estudos de

caráter filosófico e sociológico sobre o papel da Educação, em que ela passa a ser

vista como uma prática social em íntima conexão com o sistema político e

econômico vigente. Feldens (1984) ratifica que essas teorias consideravam a escola

como reprodutora das relações sociais. Essa discussão chega ao campo

educacional influenciando a formação de professores por meio da literatura e das

próprias instituições formadoras.

Nos últimos anos da década de1970, começa a aparecer um novo paradigma,

influenciado pelos estudos marxistas, que considera a relação que se estabelece

entre os determinantes históricos, políticos, sociais e a Educação

Esses estudos, na década de 1980, já apresentam uma forte crítica à forma

neutra, isolada e desvinculada de aspectos político-sociais que vem fundamentando

a formação de professores. Essa discussão ganha força e espaço no Brasil entre os

educadores e estudiosos do campo educacional, acalorando o debate. Esse

movimento passa a privilegiar dois princípios, o do caráter político da prática

pedagógica e do compromisso do educador com as classes populares. Esses

princípios expressam o próprio movimento, da sociedade brasileira, de superação do

autoritarismo implantado a partir de 1964 e da procura por caminhos que levem à

redemocratização do país.

Entendo que não se trata de trocar uma concepção de formação por outra e

sim compreender que o movimento de formação de professores pode estar aliado,

sempre, ao debate sobre as necessidades da educação. Neste sentido, o debate da

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

54

época era sobre a função mediadora da educação como prática social global. Nesta

direção, Pereira (2006, p. 27) ressalta o caráter político da prática pedagógica

dizendo que

[...] a importância do professor em seu processo de formação é

conscientizar-se da função da escola na transformação da realidade

social dos seus alunos e ter clareza da necessidade da prática

educativa estar associada a uma prática social mais global.

Nessa dimensão, o fundamental era formar o educador, enfatizando o caráter

político da formação desse profissional. Na segunda metade dos anos 1980 o

debate presente foi a respeito da competência técnica versus compromisso político.

Esse debate, um dos mais polêmicos do período, foi travado por meio das teses de

doutorado dos professores Paolo Nosela e Guiomar Namo de Melo, ambos

orientados pelo professor Dermeval Saviani.

Nesse contexto surgem os estudos do professor Miguel Arroyo,

principalmente o texto "Quem de-forma o profissional do ensino", publicado em

1985, que trazem para o centro da discussão o ser professor, enquanto coletividade

e singularidade, fazendo a denúncia do processo de (de)formação do professor

brasileiro, destacando a desvalorização do seu trabalho, as condições objetivas de

trabalho e a própria condição de vida desses profissionais, inclusive os baixos

salários que recebem. O autor critica a ênfase dada à formação como maneira de

garantir a qualidade do ensino, sem ao menos mencionar os processos

"deformadores" e "desqualificadores" aos quais os profissionais estão submetidos.

Não se discutem nos cursos de formação de professores, suas condições de

trabalho e sua própria profissionalização.

Outra discussão relevante diz respeito à relação teoria e prática na formação

do professor, recorrente até os dias de hoje. Na década de 1980, uma grande

influência nesse debate foi o trabalho de Vázquez, de 1977, "Filosofia da Práxis".

Além dele as autoras Candau e Lelis (1983), ao realizarem estudos referentes à

relação teoria e prática, perceberam que a forma como isso tem ocorrido é sempre

por meio da separação entre esses elementos. Eles, às vezes, podem ser

considerados componentes isolados e mesmo opostos ou, conforme outros pontos

de vista, polos separados, mas não opostos. As autoras ainda afirmam que essa

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

55

maneira dicotômica e hierarquizada de separar teoria e prática se relaciona, em

última instância, com a perspectiva positivista de conceber o mundo.

Segundo Pereira (2006), no início dos anos 1990 as mudanças ocorridas no

cenário internacional influenciaram o pensamento educacional e, mais

especificamente, a questão da formação de professores. Novos paradigmas surgem,

voltando-se crescentemente para a compreensão dos aspectos microssociais,

destacando e focalizando o papel do agente-sujeito. Neste contexto, privilegia-se a

formação do professor pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação

do profissional reflexivo, aquele que pensa-na-ação, cuja atividade profissional se

alia à atividade de pesquisa. Neste sentido, novos debates se impõem, dentre eles o

sobre a relação ensino-pesquisa na formação de professores.

Vários autores defendem a formação do professor pesquisador, podendo ser

destacadas as contribuições de Donald Schön (1992), que afirma que o profissional

que "reflete na ação" torna-se um pesquisador no contexto prático. Nessa direção,

as autoras Ludke e André (1986) defendem a ideia de que a pesquisa não se realiza

em uma estratosfera situada acima da esfera de atividades comuns e correntes da

vida do ser humano. Soares (1993) destaca a necessária interação, na formação do

professor, entre a produção do conhecimento (pesquisa) e a socialização do

conhecimento (ensino). Essa interação, quando refletida e tensionada, produz um

novo conhecimento a respeito da prática.

Uma das marcas dos anos 1990 foi o crescimento dos estudos acerca do

cotidiano escolar, nos quais estão explícitos os saberes escolares, saber docente e

formação prática do professor. Esses estudos voltaram-se para as análises sobre o

saber docente, e se direcionam para o estudo dos processos através dos quais se

desenvolve a formação prática do professor durante o desempenho de sua atividade

profissional. Eles buscam compreender como, no cotidiano da escola, no dia a dia

de sua atividade, o professor vai adquirindo um saber sobre sua profissão. Nesta

direção o trabalho de Tardif (2002, p. 228) esclarece que esses saberes

[...] formam um conjunto de representações a partir das quais os(as)

professores(as) interpretam, compreendem e orientam sua profissão

e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões. Eles

constituem, poder-se-ia dizer, a cultura docente em ação.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

56

Essa tendência considera a atuação do professor uma questão central e

passa a valorizar os processos de formação que asseguram a “voz ao professor”,

buscando identificar os seus saberes, a construção de sua identidade profissional e

a constituição de sua profissionalização. Nesta direção Nóvoa (1992) enfatiza o

quanto o modo de vida pessoal interfere na prática profissional. Para ele, esse

movimento surgiu "[...] num universo pedagógico, numa amálgama de vontades de

produzir outro tipo de conhecimento, mais próximo das realidades educativas e do

cotidiano dos professores” (1992, p.16).

Esses estudos me levam ao encontro de duas “compreensões” até então

pouco divulgadas pela academia. A primeira reconhece que o trabalho do professor

tem uma especificidade que não pode ser reduzida à sua função técnica e

funcionalista. Como afirma Perrenoud (1993, p. 25), ensinar é fabricar

artesanalmente os saberes, tornando-os ensináveis, exercitáveis e passíveis de

avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de uma comunicação e um lugar.

Fica claro, para mim, que o profissional que produz esse conhecimento é o professor

que, no seu dia a dia, vai produzindo esses saberes.

A segunda compreensão é a percepção do sujeito professor enquanto ator

social que, na medida em que vai construindo um conhecimento a respeito do seu

trabalho, vai desenvolvendo a capacidade de se ver diante do mundo e tenta, no seu

tempo-espaço, reconfigurar sua própria existência.

Estas constatações me desafiaram a pensar que os processos formativos

precisam considerar a prática pedagógica como lócus de construção/desconstrução

de saberes profissionais, e na qualidade dos conhecimentos, atitudes e práticas que

vêm sendo trabalhados nos cursos de formação inicial. Não basta considerar que os

professores “sabem alguma coisa”, é preciso ir adiante, procurando conhecer o que

eles já sabem, para então estabelecer uma relação com os seus saberes, e a

influência de diferentes fatores presentes na sua formação.

Percebi que, a partir da década de 1990, estudiosos brasileiros têm

desenvolvido pesquisas a respeito de temas relacionados à pratica docente, ao

processo ensino-aprendizagem e à relação teoria e prática no cotidiano escolar.

Neste movimento vou me aproximando da ideia de que os professores

produzem saberes em suas práticas baseados em suas experiências e nos

contextos em que atuam.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

57

2.5 Formação de professores e o sujeito da formação

Os estudos e as pesquisas realizados por Dominicé (2012, 1988), Freire

(1996), Honoré (1980), Josso (2010, 2004), Macedo (2011, 2010), Nóvoa (1992) e

outros marcam um novo movimento de compreensão a respeito da formação de

professores, trazendo para o centro do debate o sujeito da formação como

protagonista desse processo. Nesses estudos, tornam-se fundantes a discussão a

respeito da condição de autoria/autorização/alteridade e formação/atos de

currículo/experiência. Isso significa trazer a voz dos professores para a centralidade

da sua formação. Implica no reconhecimento da condição de autoria desse sujeito

que, ao representar seu papel, vai colocando nele suas implicações, marcas,

trajetórias e compreensões ele vai se instituindo e, assim, assumindo sua condição

de autoria e alteridade, e nesse movimento, o seu processo formativo vai se

constituindo.

Sendo assim, constata-se, no processo formativo do professor, esse

movimento de alteridade no qual as potencialidades e as necessidades formativas

desses atores sociais são desveladas. Nesse sentido, a formação estará se

configurando nas suas várias dimensões política, ética, estética, cultural e

pedagógica, tornando-se, efetivamente, um ato de currículo, estando presente a

existência e a autoria do sujeito em formação (MACEDO, 2011; PAIN; CARMO,

2012).

Nessa direção, Nóvoa (2001) afirma que a formação é algo que pertence ao

próprio sujeito e se inscreve em um processo de ser (sua vida, experiências, marcas

etc.) e ir sendo (seus projetos, ideias de futuro etc.)

Estudiosos implicados com a formação de professores vêm desenvolvendo

pesquisas que consideram o profissional da educação como um sujeito em formação

permanente, que busca suas referências nos saberes profissionais e nas

experiências construídas em suas vivências pessoais e no trabalho. Esse processo

formativo “[...] não se dá em um vazio histórico e social, mas sim através de atores

sociais e individuais complexos, determinados e determinantes, portanto, instituintes,

ao mesmo tempo” (BARBOSA, 2004, p. 76).

Esse novo olhar leva em consideração o caráter subjetivo e dinâmico das

compreensões construídas pelo sujeito em seus itinerários e as imbricações do

currículo em ato neste processo formativo. Nessa dinâmica, a abordagem

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

58

multirreferencial constitui-se numa inspiração para se pensar um currículo em ato,

pois envolve conceitos como complexidade, mediação, implicação, imaginário,

escuta-sensível e pesquisa. Portanto, um educador que forma-se em processo, na

perspectiva da complexidade, sob a ótica multirreferencial, é capaz de

[...] reinventar sua própria prática, abrindo para fluxos de interações e

informações com outros profissionais, professores e alunos; criando,

inovando, estimulando e vivenciando novas propostas e projetos

coletivos e integrados, sem fronteiras (KENSKI ,2004, p. 103).

Logo, é impossível pensar formação fora do currículo e pensar currículo fora

da formação. Eles estão e são implicados. O conceito de currículo assumido por mim

é o de um artefato cultural pensado por alguém ou por um coletivo de atores/autores

situado no mundo e que se apresenta sob um formato organizativo que se consolida

e ganha vida na medida em que os atos vividos pelos seus protagonistas são eleitos

como conhecimentos relacionados com a sua formação. Por isso, o currículo é um

texto em constante escrita, tomado como um “dispositivo formativo” (MACEDO,

2011, p.44). Nesta concepção, os atos dos sujeitos em formação vão potencializar

um currículo dinâmico, vivo, próximo e possível de ser vivenciado pelos seus

protagonistas.

O termo ato, nos estudos de Bakhtin, segundo Sobral (2009), significa o

mostrar-se diante do outro, como alguém que assume necessariamente a

responsabilidade por aquilo que fala/faz e, nesse plano, o sujeito assina aquilo que

diz/faz. Embora todo ato seja social, assim sendo, repetível, ele é individual,

irrepetível, porque nunca ocorre da mesma maneira que outros atos. Cada sujeito

realiza o mesmo de “outra” maneira, ao seu jeito, sem que isso deixe de se alterar

no contato com o outro.

Não existem, portanto, atos isolados nem atos abstratos, assim como não

existem atos pelos quais o sujeito possa não se responsabilizar, ainda que lhe seja

dado justificar-se por seus atos e justificar também os seus atos. O próprio ato de

pensar de si para si é um compromisso com as circunstancias do sujeito e da

situação concreta em que os dois interagem.

Macedo (2011), inspirando-se nos estudos de Bakhtin sobre o conceito de

ato, desenvolve essa ideia no campo do currículo. O autor considera que os atos

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

59

dos sujeitos em formação vão potencializar um currículo dinâmico, vivo, próximo e

possível de ser vivenciado pelos seus protagonistas. Esta visão é o que Macedo

(2011) denomina de “atos de currículo”, ou seja, as atividades que se organizam

intencionalmente e que são materializadas ao longo de um curso visando ao debate

formativo a respeito da experiência individual de cada aluno, como, também, a

experiência coletiva construída no debate entre a formação acadêmica e sua relação

com o mundo, o mundo do trabalho e as histórias dos sujeitos da formação.

Macedo (2011) continua afirmando que os atos de currículo vinculados à

formação são, ao mesmo tempo, maneiras de resolução epistemológica para

compreendermos a relação profundamente implicada entre currículo e formação,

como também uma forma de “empoderar” o processo de democratização do

currículo, uma experiência que pode ser singularizada e um bem comum

socialmente referenciado.

Percebi serem os atos de currículo ações humanas que expressam, de

alguma maneira, concepções, posições e intenções. Neste sentido, não há como

separar e, tão pouco, compreender o ato fora do sujeito, nem sua concretude no agir

fora de uma situação histórica e social. Posso então, afirmar que os atos de currículo

são singulares e irrepetíveis.

Nessa perspectiva, é importante que um programa de formação de

professores em atuação assuma essas implicações para que possa se constituir em

um espaço capaz de compreender a formação como fenômeno interno, próprio do

sujeito, que está intimamente relacionado a ele, e das relações que estabelece com

seu entorno, seu contexto, seu mundo (MACEDO, 2010).

Essas reflexões me remetem à necessidade de olhar de forma refinada e

sensível os cursos de formação de professores de maneira geral e, mais

especificamente, os cursos pensados e organizados para os professores que já

estão em atuação.

Diante do exposto, esclareço que este trabalho situa-se nesta perspectiva, e

meu movimento está direcionado aos estudos acerca da formação de professores

que tomam como eixo a existência desses atores sociais. O que me move é a

necessidade de compreender os processos formativos vividos pelos professores-

alunos que estão em formação e, para tanto, me debruço sobre a realidade da

Universidade Estadual de Santa Cruz. Minha vontade é ultrapassar o debate acerca

da validade ou não desses cursos e buscar, por meio da escuta daqueles que

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

60

viveram seu processo formativo neste formato de curso, a compreensão dos limites

e das possibilidades na formação de professores em atuação.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

61

CAPÍTULO 3

O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO

ANUNCIADA DE PROFESSORES

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

62

3. O PROAÇÃO E A FORMAÇÃO ANUNCIADA DE PROFESSORES

Estar na UESC foi a realização de um sonho já adormecido.

Damasceno, 20117

Minha pretensão, é apresentar uma discussão a respeito das políticas

públicas para formação de professores, aproximando-me desse cenário e nele

inserir o PROAÇÂO, o seu surgimento e sua implementação na Universidade

Estadual de Santa Cruz. Também trago as narrativas de seus professores-alunos

para, nesse movimento, construir uma compreensão a respeito dos processos

formativos desses atores sociais, o que será indispensável.

3.1 Políticas instituídas para a formação de professores em atuação

A partir dos anos de 1990 a política de formação de professores cresceu

muito no Brasil, e as universidades, como instituições de produção do saber,

precisaram assumir em seu interior (Faculdades/Centro e Departamentos de

Educação), a organização e realização dos programas/cursos de formação de

professores em atuação.

No Estado da Bahia, desde 1998, foram implantados programas de

formação inicial de professores em atuação diferenciados nas cinco universidades

públicas: Rede UNEB 2000, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB); Rede

UEFS, criado pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); PROAÇÃO,

gerado pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC); um curso de formação

de professores das séries iniciais foi organizado pela Universidade Estadual do

Sudoeste da Bahia (UESB). Observo que a Universidade Federal da Bahia (UFBA)

instituiu o Programa de Formação Continuada dos Professores do Município de

Irecê-Bahia, conhecido como Projeto Irecê, resultante de uma parceria entre a

FACED/UFBA e a Prefeitura do Município de Irecê, Bahia.

Esses programas/cursos destinavam-se aos professores que atuavam na

Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e ainda não possuíam

7 Damasceno, participante dessa pesquisa.

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

63

formação em nível superior, ou a formação que possuíam não correspondia à área

especifica onde estavam atuando.

A intenção desses programas/cursos de formação de professores em

atuação das universidades públicas da Bahia era o de oferecer turmas especiais,

dentro e fora de seus campi, em caráter provisório e emergencial, aos professores

que estavam atuando nas redes públicas, na Educação Infantil e nos anos iniciais do

Ensino Fundamental. Segundo Gatti (2003), a necessidade de oferecer aos

professores em atuação uma qualificação compatível com as exigências sociais e

profissionais para o seu nível era premente.

Durante a década de 1990 muitos estudiosos, dentre eles Brezezinsk (1996),

Ludke (1994) e Pimenta (1994), apontavam para a necessidade de políticas públicas

de formação para os professores que considerassem as questões curriculares e as

condições objetivas de trabalho. A Associação Nacional pela Formação de

Profissionais da Educação (ANFOPE) e a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Educação (ANPED) tiveram papéis decisivos na luta pelo

estabelecimento da política nacional para a formação de professores, discutindo a

responsabilidade do Estado no que diz respeito à formação dos professores

brasileiros. Além disso, alternativas foram instituídas para essa formação e

ampliadas em várias instituições públicas de ensino superior das diversas regiões

brasileiras.

Foi a partir de 2009 que o governo brasileiro assumiu a formação inicial em

atuação dos professores. O Ministério da Educação (MEC), por meio do Decreto n.°

6.755, de 29 de janeiro de 2009, instituiu a Política Nacional de Formação dos

Profissionais do Magistério da Educação Básica e disciplinou a atuação da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na

promoção de programas de formação inicial e continuada, dando origem ao Plano

Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – PARFOR. A intenção

era formar, até 2014, 330 mil professores, que atuavam na Educação Básica e que

ainda não eram graduados. De acordo com o Educacenso 2007, cerca de 600 mil

professores em atuação na Educação Básica pública ainda não possuíam

graduação ou atuavam em áreas diferentes das licenciaturas em que se graduaram.

Mororó (2011), pesquisadora das políticas públicas de formação de

professores no Estado da Bahia, afirma que a criação de tal política, alvo de

reivindicações do movimento nacional pela formação de professores, significa um

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

64

avanço, pois tenta formular uma política global capaz de contribuir para extinguir as

desigualdades existentes, a partir do estabelecimento dos seguintes princípios:

O reconhecimento da formação de professores como um

compromisso público de Estado para assegurar o direito a uma

educação de qualidade, através de regime de colaboração entre a

união, os estados e os municípios, revertendo para a federação a

obrigatoriedade de financiar essa formação em instituições públicas,

o estabelecimento da modalidade presencial de formação e a

superação da noção da docência como mero „ofício‟ pela noção de

„profissão‟, como o próprio título do documento apresenta

(MORORÓ, 2011, p. 33-34,).

A Política Nacional de Formação de Professores, ao criar o PARFOR,

estabelece que sua execução seja em regime de colaboração entre a CAPES/MEC,

as Secretarias de Educação dos estados e dos municípios e as instituições públicas

e comunitárias de educação superior. O PARFOR tem como objetivo assegurar a

formação exigida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) por

meio da oferta de cursos de graduação, gratuitamente, aos professores que já

atuam nas escolas públicas, mas sem formação superior, ou atuantes em disciplina

diversa daquela de sua habilitação.

A iniciativa de criação do PARFOR parte do pressuposto de que, ao longo

do curso de formação, os professores-alunos podem ressignificar o trabalho que

desenvolvem em suas escolas, fundamentar e refinar suas práticas, para melhorar

os índices de desempenho das escolas de Educação Básica. O documento que

normatiza o plano traz como princípios fundantes alguns temas que se constituíram

debates importantes nas últimas décadas.

O Decreto n.° 6.755/09 traz, em seu art. 2° os princípios que abordam o

compromisso com uma formação docente e o direito à educação de qualidade –

construída em bases sólidas, científicas e técnicas – por parte das crianças, jovens e

adultos. Dentre esses princípios destaco abaixo os incisos que se referem à

qualidade da formação e sua articulação com a vida dos sujeitos que dela

participam.

IV – a garantia de padrão de qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas instituições formadoras nas modalidades presencial e à distância;

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

65

V – a articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;

VI – o reconhecimento da escola e demais instituições de educação básica como espaços necessários à formação inicial dos profissionais do magistério;

VII – a importância do projeto formativo nas instituições de ensino superior que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação e garantindo sólida base teórica e interdisciplinar;

VIII – a importância do docente no processo educativo da escola e de sua valorização profissional, traduzida em políticas permanentes de estímulo à profissionalização, à jornada única, à progressão na carreira, à formação continuada, à dedicação exclusiva ao magistério, à melhoria das condições de remuneração e à garantia de condições dignas de trabalho;

IX – a equidade no acesso à formação inicial e continuada, buscando a redução das desigualdades sociais e regionais;

X – a articulação entre formação inicial e formação continuada, bem como entre os diferentes níveis e modalidades de ensino;

XI – a formação continuada entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da escola e considerar os diferentes saberes e a experiência docente; (BRASIL, 2009).

No inciso V observo o reconhecimento da articulação entre a teoria e a prática

fundada no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Constata-se que há uma

compreensão da formação enquanto processo contínuo que se articula à vida

profissional do sujeito e, nesse movimento, são criadas novas possibilidades de

aprendizagem para esses professores. Os conhecimentos acerca da articulação

entre a teoria e a prática só serão possíveis por meio da unidade entre esses dois

elementos. Isso não significa a perda da sua especificidade e sim a compreensão de

que o ato pedagógico, para ser refletido, debatido e tensionado, precisa ser visto na

sua totalidade.

Outro princípio presente no texto é o da articulação entre formação inicial e

formação continuada, um desafio importante para as instituições de Educação

Superior, visto que, ao assumir a formação inicial dos professores em atuação, é

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

66

preciso estabelecer a proximidade e o distanciamento necessários entre estas duas

modalidades formativas. A aproximação ocorre quando se busca as experiências já

construídas pelo sujeito e os contextos geradores dessas experiências. Quanto ao

distanciamento, este se faz necessário para que possamos gerar as

problematizações essenciais ao debate e à reflexão, ou seja, à formação

experiencial.

No último princípio em destaque, os diferentes saberes e a experiência

docente dos formandos, observo que há o reconhecimento de que o professor, ao

longo da sua atuação profissional, foi adquirindo um conhecimento no cotidiano do

seu trabalho e nessa trajetória foi construindo sua experiência docente, que se

constituirá em dispositivo formativo a partir do momento em que é compreendido

como ato de currículo (MACED0, 2011).

Pelo que percebo, essa legislação abre espaço para a compreensão da

formação enquanto processo contínuo, uma vez que coloca a integração das

demandas formativas no cotidiano da escola, considerando os saberes e as

experiências docentes como campo de uma formação continuada. Entender a

construção de saberes docentes, sua atualização e o teor experiencial da formação

pessoal/profissional dos sujeitos da educação são possibilidades de práticas

formativas que podem se definir diante desse panorama.

A partir dessas diretrizes existe uma responsabilidade posta para as

universidades públicas deste País, a de assumir essa formação dos professores. Ao

assumi-la, essas instituições precisam, até mesmo para atender ao exposto no

Decreto n.° 6755/09, definir de maneira coletiva, seu projeto institucional. Um desafio

presente, neste movimento, é a superação da ideia de programa isolado e, portanto,

solitário, para a construção de uma política institucional mais ampla, tanto para os

futuros professores quanto para os que estão em atuação (MORORÓ, 2011).

Outro desafio é trazer o sujeito em formação para a centralidade do currículo

dessas propostas, pois esses alunos são sujeitos que já trazem, na sua história, as

marcas e os dilemas de sua totalidade como ser humano:

O professor é um sujeito que deve estar aberto a um mundo que não

se reduz ao aqui e agora, portador de desejos e movido por esses

desejos; um ser social, que nasce e cresce em uma família, ocupa

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

67

uma posição em um espaço social (filho/filha, pai/mãe,

marido/mulher, tio/tia, primo/prima, sobrinho/sobrinha, irmão/irmã) e

na escola pode ser professor/professora, gestor/gestora etc.; um ser

singular, com uma história, capaz de interpretar o mundo, dá sentido

a esse mundo, à posição que ocupa, bem como às suas relações e à

maneira como constrói novas relações (COUTO, 2012, p. 9).

A partir da compreensão historicamente constituída acerca da formação de

professores no Brasil, e da consciência de que cada professor é sempre individual e

coletivo, uma categoria e um conjunto, é que lanço a possibilidade de pensar a

formação de educadores com outro olhar, para problematizar a tendência à

homogeneização do sujeito e de sua formação e, assim, provocar possíveis

deslocamentos e rupturas que levem a possíveis (re)direcionamentos no (re)pensar

o sujeito-professor. Isso concordando com Nóvoa (2002) quando afirma que “o

campo da formação de formadores não pode limitar-se apenas às dimensões

técnicas e tecnológicas e necessita de uma compreensão mais profunda dos

processos através dos quais as pessoas se formam” (NÓVOA, 2002, p. 11).

Neste sentido, entendo a relevância de trabalhos que buscam compreender o

lugar das experiências e dos saberes dos diversos sujeitos no seu processo

formativo nos cursos de formação de professores.

3.2 O PROAÇÃO e a formação de professores em atuação na UESC

O PROAÇÃO surgiu nesse cenário de políticas públicas de formação de

professores. A Instituição procurou seguir as determinações legais quanto à

formação dos educadores, mais precisamente a LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases

da Educação, n.° 9.394/96) e, posteriormente, o Decreto n.° 6.755/09, os quais

motivaram o acesso de professores que atuam na Educação Básica à Educação

Superior. Essas motivações atingiram principalmente os professores dos anos

iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que eles atuavam na profissão apenas

com a formação do Normal Médio. Essa exigência acabou instituindo uma demanda

formativa diferenciada para os cursos de licenciatura, especialmente Pedagogia.

Essa nova realidade gerou dois tipos de curso nas instituições de Educação

Superior (IES): o curso de formação inicial de professores em atuação e o curso de

formação inicial de professores.

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

68

Tomei como referência, para as nossas reflexões, o curso de pedagogia da

UESC, o PROAÇÃO. Ele se constituiu parte de um programa institucional

denominado Programa de Formação de Professores em Atuação na Educação

Básica, da Universidade Estadual de Santa Cruz, aprovado pelo Conselho Superior

de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) em 22 de julho de 1999, e funcionou

até março de 20108. Esse programa ficou diretamente subordinado à Reitoria, que

indicou a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) como responsável pela

elaboração e coordenação geral da proposta.

3.2.1 Trajetória histórica

Inicialmente houve uma forte resistência por parte dos docentes da UESC à

política de criação desses cursos. Entendia-se que o caminho mais adequado seria

a ampliação dos cursos já existentes, ao invés de criar cursos “temporários”. Essa

posição de resistência acabou por definir a pouca participação dos departamentos e

colegiados nas discussões e na elaboração do referido curso.

Mesmo diante das insatisfações, a PROGRAD argumentava a urgência da

criação de tais cursos e continuou o processo de elaboração da proposta. Justificava

que a Bahia era um dos estados brasileiros com maior indicador de professores, nas

redes de ensino estadual e municipal, não graduados, sendo que cerca de 96%

deles atuavam na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental.

Outra alegação apresentada era de que o curso poderia constituir-se em um

dispositivo para a revisão das práticas dos cursos de licenciatura, ora em vigência

na Instituição, em especial as do curso de Pedagogia.

A partir dessas justificativas iniciou-se o trabalho e, aos poucos, a Comissão

foi sendo ampliada; novos professores passaram a compor a equipe para a

elaboração da proposta.

Nesse cenário, alguns municípios procuram a UESC externando seu desejo

de criar cursos de formação de professores em atuação em seus municípios e/ou

participando de cursos ofertados na própria Instituição. Diante dessa demanda a

UESC reuniu os municípios do seu entorno para apresentar a proposta de curso de

licenciatura plena em Pedagogia, curso de Formação de Professores para a

Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, fora de sede. A primeira

8 A partir dessa data o PROAÇÃO foi substituído pelo PARFOR (N.A).

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

69

oferta atendeu aos municípios de Santa Luzia, Jussari, Pau Brasil, Arataca e

Camacã. O curso teve como sede a cidade de Camacã, por apresentar melhor

estrutura, com matrícula de 150 alunos. Outro município também contemplado foi

Porto Seguro, atendendo 50 alunos. Esses cursos foram financiados pelas

prefeituras municipais participantes de um consórcio.

A demanda potencializada pelos dispositivos da LDB para a formação de

professores era crescente e, sendo assim, os municípios próximos do campus

começaram a pressionar a UESC para ofertar novos cursos de formação. Atendendo

a essas solicitações, a Universidade criou uma comissão com representantes da

Reitoria/PROGRAD, do Departamento de Ciências da Educação (DCIE) e das

Secretarias Municipais de Educação para que, a partir da proposta já existente,

fosse reelaborada a proposta do curso de Pedagogia na Sede. As várias reuniões

realizadas pela comissão levaram à proposta final de curso, que foi aprovada pelo

CONSEPE na reunião realizada em 20 de dezembro de 2002. Em seguida

organizou-se o consórcio entre a Universidade Estadual de Santa Cruz e catorze

municípios da área de influência da UESC. O curso teve suas atividades iniciadas

em maio de 2003. Em sua primeira oferta atendeu a uma demanda de 200 alunos.

Vale ressaltar que essa primeira oferta, na sede, ocorreu após três anos da

aprovação do curso fora de sede. Este espaço de tempo foi rico em experiências e

os docentes da Universidade, agora na condição de professores formadores, foram

assumindo sua condição de autoria e alteridade na materialização do trabalho e,

assim, construindo uma nova compreensão a respeito tanto da formação de

professores em atuação como também do impacto dessa formação na vida desses

sujeitos. No que pesem essas vivências e aprendizagens acerca do processo

formativo, ainda continuavam as críticas e resistências a essas políticas públicas

para formação de professores.

3.2.2 O PROAÇÃO na Sede em ação

O debate sobre a formação de professores continuava, sendo tema central

nas conferências e nos seminários sobre Educação, mantendo, assim, a motivação

para a procura de cursos em nível superior pelos professores da Educação Básica.

Nessa conjuntura, a UESC viu-se na obrigação de continuar ofertando novas

turmas.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

70

Em setembro de 2006 foi criada a segunda turma do PROAÇÃO, na Sede,

ofertando 200 novas vagas para atender à demanda apresentada por dez

municípios. O processo de implantação do referido curso seguiu a mesma

tramitação da primeira turma: elaboração de um projeto; apresentação e discussão

do projeto com os representantes dos municípios envolvidos, e no CONSEPE, onde

foi aprovado.

Para a efetivação do curso, um novo convênio foi estabelecido pela UESC e

as prefeituras municipais: a de Aiquara, com 4 vagas; Barro Preto, 15 vagas;

Canavieiras, 31 vagas; Ibicaraí, 5 vagas; Ilhéus, 40 vagas; Itabuna, 40 vagas;

Itacaré, 25 vagas; Itajuípe, 15 vagas; Una, 15 vagas e Uruçuca, 10 vagas. Esse

convênio contemplava as questões de gestão financeira (pagamento de ajuda de

custo aos professores da rede, pagamento de pró-labore para os professores

formadores, a equipe técnico-administrativa e os professores substitutos dos

cursistas); administrativa (dispensa dos professores para frequentarem as aulas na

UESC); atendimento aos professores-alunos (colocar um professor da rede para

fazer a mediação entre a UESC, as Secretarias de Educação e os professores-

alunos).

No convênio estava estabelecido o custo aluno, que foi calculado com base

no valor estabelecido a partir de uma planilha na qual se previam todas as

despesas: pagamento de pró-labore, compra de equipamentos, aquisição de

materiais de consumo e manutenção. A soma dessas despesas resultou no valor

total do curso, calculado pelo número de alunos. A partir daí cada prefeitura decidia

quantas vagas poderia assegurar para seu município. O que resultou em um número

diferente de professores-alunos estudando na UESC por município. Esta época foi

anterior à da criação do Decreto n.° 6.755/09, quando o governo federal passou a

assumir o custo financeiro da formação dos professores da Educação Básica,

conforme citado no início deste capítulo.

O processo seletivo para essa turma do PROAÇÃO na Sede foi publicado em

edital específico, que estabelecia os critérios para inscrição dos professores da rede.

Segundo esses critérios, as vagas seriam destinadas aos docentes que estivessem

na efetiva regência de classe e pertencessem ao quadro permanente das

prefeituras. Foram inscritos 670 professores. A aprovação foi classificatória, por

município, e de acordo com as vagas definidas pelo convênio.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

71

Após a matrícula dos 200 alunas(os) aprovadas(os), as turmas foram

distribuídas em quatro salas, sendo duas para as turmas do diurno e outras duas

para o noturno. Todos os alunos(as) eram professoras(es) em efetiva regência de

classe, condição básica para a realização do curso. Esses alunos não tinham

redução da carga horária de trabalho e as prefeituras assumiram, apenas, a

substituição dos professores-alunos na semana em que eles realizavam os estudos

na UESC. Essa segunda turma concluiu seus estudos em março de 2010.

3.2.3 A proposta curricular do curso

O objetivo do PROAÇÃO consistia em formar os professores que já atuavam

como docentes na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Para tanto, almejava-se que o Curso fosse capaz de

[...] proporcionar condições para que os profissionais possam atuar

com competência na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino

Fundamental, tendo a docência como base obrigatória de sua

formação e identidade profissional; preparar profissionais

capacitados para a elaboração de projetos que envolvam

experiências educacionais escolares e não escolares; refletir e

intervir, para a melhoria do sistema educacional e a qualidade de

vida, atentando para as especificidades regionais; reconhecer o

professor/aluno como ser de experiências e vivências múltiplas:

emocionais, cognitivas, religiosas, políticas e culturais; relacionar

teoria-prática, tendo como referência a ação pedagógica cotidiana e

preparar profissionais para pesquisar e intervir na própria escola

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ, 2007, p. 19 -20).

A proposta curricular do curso buscava superar a visão de currículo tradicional

ou tecnicista e, à luz das teorias progressistas, defendia a formação de um

profissional capaz de atender às demandas educacionais caracterizadas nos

espaços escolares e não escolares que respondem pela Educação Infantil e anos

iniciais do Ensino Fundamental. Seu texto apresenta como princípios norteadores da

formação desses professores, os defendidos pela ANFOPE, a saber: a valorização

do trabalho pedagógico; sólida formação teórica; pesquisa como forma de

conhecimento e de intervenção na realidade escolar; trabalho coletivo/partilhado;

trabalho interdisciplinar e relação teoria-prática. Consta no projeto que foi a partir

desses princípios que se propôs

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

72

[...] um currículo voltado para a formação do profissional da

educação que compreenda o fenômeno educativo, a escola e a

sociedade com toda a sua dinamicidade, adquirindo de modo crítico

e reflexivo a capacidade de elaborar e reelaborar conhecimentos que

lhe permitam atuações mais articuladas e efetivas, nos vários e

diferentes espaços e contextos educacionais, de modo a considerar

enquanto conseqüência de um movimento social maior, os

problemas específicos das respectivas localidades (UNIVERSIDADE

ESTADUAL DE SANTA CRUZ, 2007, p. 21).

A proposta curricular apresentava quatro princípios orientadores: primeiro a

compreensão do conhecimento como produto da construção histórica do ser

humano que, nas suas interações, o constrói e o reconstrói, conforme suas

necessidades. O segundo era a compreensão das características da sociedade

atual, multifacetada, plural e complexa, exigindo ações voltadas para uma melhor

qualidade de vida, inclusão e justiça social. O terceiro é a formação do professor

pesquisador e interventor da própria prática, orientando ações diretamente

relacionadas ao seu fazer no cotidiano das relações que se estabelecem no interior

dos espaços de atuação, compreendendo a pesquisa como fio condutor e elemento

aglutinador dos demais componentes curriculares, e constituindo-se em elemento

articulador entre a teoria e a prática. Por fim, o quarto princípio, que é a

compreensão da práxis (reflexão-ação-reflexão) pedagógica sob a perspectiva

teórica e prática do fazer docente (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ,

2010).

O curso foi ofertado nos turnos diurno e noturno, estruturado em três anos e

em nove módulos que tinham a duração de quatro meses cada. Os estudos foram

organizados e concebidos como Núcleos Temáticos (NTs), e pretendiam assegurar

um trabalho pedagógico interdisciplinar e compartilhado. As temáticas de estudo

foram definidas a partir de conhecimentos considerados essenciais para a formação

de um professor reflexivo e pesquisador. A partir desses NTs, surgiram as

disciplinas, os minicursos e as oficinas.

3.2.3.1 Os núcleos temáticos

No primeiro módulo, “A construção do eu”, foram discutidos os aspectos

pessoais. Os professores-alunos, durante o módulo, tiveram a oportunidade de

resgatar/escrever memórias e histórias de suas vidas (nascimento, relações

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

73

familiares, infância, adolescência e a vida adulta), com a finalidade de reconstituir

sua história pessoal.

No segundo módulo, “Como me tornei professor/a”, a finalidade foi o

reencontro do professor-aluno com o seu curso de magistério, em um esforço para

compreender o início de sua formação profissional.

No terceiro módulo, “O conhecimento”, o objetivo era que o professor-aluno

compreendesse o conhecimento como essencial à profissão de professor,

concebendo-o como o objeto do trabalho docente, refletindo sobre os

conhecimentos já construídos e aqueles a serem construídos.

“Relação teoria e prática” foi o tema do quarto módulo. Nele buscava-se uma

atitude reflexiva sobre a prática, um encontro com o fazer pedagógico, percepção da

interdependência entre teoria e prática, a presença dessa relação na sala de aula e

no espaço escolar; reflexões acerca de como se desenvolvem a docência e o saber

fazer.

No quinto módulo, “Escola como espaço de aprendizagem”, a expectativa

era a de que os professores-alunos compreendessem que a escola é um espaço de

aprendizagem colaborativo para todos os atores sociais que a compõem. Essas

aprendizagens se materializam por meio de diferentes espaços e relações.

O sexto módulo tinha como tema “Sequências didáticas diálogo e saberes”. A

pretensão era de que os professores-alunos compreendessem que o trabalho

pedagógico é um campo-espaço de diálogo entre os saberes dos professores e dos

alunos.

O sétimo módulo, “Projeto de Ensino”, teve por objetivo que os professores-

alunos entendessem o projeto de ensino nas dimensões construção, intervenção,

elaboração, aplicação e avaliação, a partir dos princípios da interdisciplinaridade.

Com o tema “Reencontro do EU pessoal e profissional”, os oitavo e nono

módulos, que tiveram por base o movimento ação-reflexão-ação, buscava-se

analisar as práticas do sujeito professor e as marcas da vida profissional na

construção da sua humanidade.

3.2.3.2 A organização curricular

O PROAÇÃO foi concebido com uma carga horária de 3.200 horas,

distribuídas entre conteúdos curriculares de natureza científico-cultural (2.235

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

74

horas); trabalho de conclusão de curso (TCC) (180 horas); estágio curricular

supervisionado (345 horas); seminários temáticos (340 horas) e as atividades

acadêmico-cientifico-culturais (100 horas).

A carga horária total do curso foi organizada com atividades presenciais e não

presenciais. As atividades presenciais ocorriam no campus da Universidade, com

uma semana de aula por mês, no turno diurno, e duas semanas por mês, no

noturno. As atividades não presenciais, chamadas atividades de formação em

serviço, constituíram-se a diferença curricular entre esse curso e os cursos

regulares. Essas atividades consistiam na realização de trabalhos de pesquisa e na

intervenção dos professores-alunos durante as aulas e na escola como um todo.

Elas eram sistematizadas, planejadas, orientadas pelo professor de estágio a partir

das temáticas de cada módulo. Essas atividades eram oficializadas junto à

coordenação do curso, que encaminhava as solicitações para as Secretarias de

Educação dos municípios, através do professor articulador9, que deveria

providenciar as condições necessárias para execução do trabalho proposto.

Cabe destacar que o movimento de articulação entre as diferentes disciplinas

que compunham o núcleo temático a ser trabalhado, em cada módulo, era

potencializado pela disciplina Estágio. Ela possuía um papel estratégico, pois além

de estar presente em todos os módulos, desenvolvia, no início de cada módulo,

junto com a coordenação, um trabalho de articulação com os novos professores

formadores, apresentando a dinâmica do curso e as especificidades do currículo,

constituindo-se em um fórum de debates e reflexões sobre o currículo do curso.

A disciplina Estágio tinha como campo de trabalho a experiência dos

professores-alunos. Os docentes dessa disciplina se mantiveram durante todo o

curso acompanhando 25 alunos, distribuídos por município. Os encontros

presenciais eram mensais, com carga horária de 10 horas aula.

Cabia, ainda, ao professor de Estágio acompanhar a aprendizagem dos

alunos. A cada módulo concluído, realizava-se um trabalho interdisciplinar a partir

das experiências e aprendizagens construídas pelos professores-alunos, no

movimento formativo vivido durante a realização dos estudos do módulo. Essas

9 O professor articulador tinha formação em curso de licenciatura, era indicado pela Secretaria de

Educação de cada município, e cumpria o papel de articulação entre a SEC e a UESC. Mensalmente, após cada semana de aula, em reunião, tomava conhecimento das atividades desenvolvidas e da formação em serviço para fazer o acompanhamento dos professores- alunos do curso. Esse profissional participava das atividades de encerramento de cada módulo, dos minicursos e das oficinas, se assim desejasse.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

75

aprendizagens eram sistematizadas por sala e, ao final, acontecia um seminário

integrador envolvendo as quatro turmas e os docentes das disciplinas daquele

módulo.

Os relatos contendo o movimento de realização das atividades de formação

em serviço davam origem ao conteúdo estudado nas aulas da disciplina Estágio,

que se organizava para ampliar e aprofundar o conhecimento acerca do vivido por

esses professores-alunos.

3.2.4 A estrutura física e logística

A UESC manteve duas salas de aulas reservadas para o curso, criou um

laboratório de informática, disponibilizou sala para o colegiado, um secretário e um

assistente administrativo. Foi explicado, aos professores-alunos, que o acesso à

biblioteca e ao restaurante universitário era um direito deles. Para integrar os

professores-alunos e dar-lhes uma noção da estrutura organizacional e física da

UESC, foi desenvolvido o projeto “Conhecendo a UESC”. Os professores-alunos

reconhecem que essa atividade os ajudou no trânsito pela Instituição, mas não o

suficiente para se sentirem alunos “reais” da UESC, pois traziam as marcas de

serem alunos de um projeto e não “os alunos” da UESC. A narrativa de Kátia (2011)

mostra essa sensação:

A gente, às vezes, falava que não se achava pertencente, realmente,

à UESC. Era como se a UESC tivesse cedido seu espaço físico para

o PROAÇÃO,mas o PROAÇÃO e a UESC não eram a mesma coisa.

Era meio esquisito.

Com relação aos acordos financeiros, esses foram sofríveis. O curso foi

interrompido duas vezes, uma por dois meses e outra por quatro meses. A

suspensão das atividades, que quase inviabilizou a realização do curso de

Pedagogia, deu-se em razão do atraso nos pagamentos do pró-labore aos

professores formadores e a equipe técnica. Essa foi uma responsabilidade assumida

pelos municípios que não foi devidamente cumprida. A alternativa encontrada foi os

professores-alunos se organizarem e passarem a cobrar e acompanhar a efetivação

dos pagamentos. Essa situação acabou trazendo para eles a responsabilidade

financeira por sua formação.

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

76

3.2.5. Os professores-alunos, seus sonhos e realidades

A política de formação gerou uma expectativa no imaginário dos professores.

Nesse cenário de discussões, as redes municipais de ensino começaram a divulgar

um possível convênio entre o município e a UESC para a formação dos professores.

Foram várias as reuniões, seguidas de discussão com a categoria, e nesse

movimento os "sonhos silenciados" foram tomando espaço, aquilo que era um sonho

distante tornava-se uma possibilidade, finalmente a realização.

Era um sonho estar ali, eu achei um privilégio. Eu não tive que ir pra

uma faculdade particular; eu não tive que ir para um curso a

distância, e ainda, estava na UESC. Mesmo com todas as

dificuldades eu me sentia muito feliz de estar ali, naquele lugar. Eu

sempre comento com as pessoas que a UESC é outro universo, é

uma cidade, que temos acesso a muita coisa, é só você querer, você

buscar. Talvez eu não tenha tido o tempo suficiente para usufruir

todos os benefícios que ela pode me dar. Não tive a oportunidade de

fazer meu curso na época certa. Estar na UESC foi a realização de

um sonho. Espero que meus filhos possam estudar na UESC,

também (Janacira, 2011).

Embora esse relato seja de Janacira, essa fala é comum aos quinze atores

sociais entrevistados. Todos acalentaram o sonho de estar na UESC, como seu

aluno.

Esses alunos confessaram que estar na UESC era motivo de orgulho e de

alegria, porque estavam finalmente frequentando uma universidade referência, na

condição de aluno. Mas era, também, um peso, representado pelo aumento da

carga horária de trabalho, dentro e fora da Instituição.Para os professores-alunos

era um sonho realizado.

Mas descobriram que este lugar tem seus problemas: a infraestrutura, a

organização, as relações pessoais e de adaptação. Os sonhos foram abalados.

Compreenderam que o “mundo” e o lugar UESC têm problemas como quaisquer

outros. Questionam-se: - Quais seriam nossos lugares e espaços nesse contexto?

Nas suas narrativas percebi que um dos espaços significativos para eles

foram as salas de aulas destinadas ao curso, lugares de refúgio e reclusão. Esses

espaços, segundo os depoimentos, tornaram-se os lugares de estudo, de

alimentação, do lazer, do descanso etc. Os professores-alunos do turno diurno

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

77

“enclausuravam-se” das 7h30min às 17h30min nesse espaço, isolando-se do

convívio universitário no primeiro momento.

Aos poucos esse isolamento foi sendo rompido. Os mais de 200 professores

da rede básica de educação dos 10 municípios, pessoas e realidades diferentes,

constituíram-se um grupo com características e implicações próprias às suas lutas e

jeito de ser e ver os fatos, às pessoas e à própria Instituição. Esse processo de

convivência universitária, segundo os depoimentos, foi aos poucos se ampliando

pelas discussões e reflexões nas aulas e pelas atividades de formação em serviço.

Minimizado o impacto inicial de adaptação a esta realidade, os professores-

alunos mantinham a confiança na Instituição formadora. Eles afirmaram, em

momentos diferenciados, que a formação acadêmica, quando realizada pela UESC,

difere das demais instituições de educação superior,haja vista as informações que

circulam a respeito da qualidade formadora da UESC.

Os professores-alunos, ao darem continuidade aos seus discursos, trouxeram

as tensões presentes no seu processo formativo.

Eu assumia o ônus de pagar a alguém para ficar na minha sala de

aula, enquanto estava no PROAÇÃO e, assim, aconteceu. Durante

todo curso eu paguei uma pessoa, do meu próprio bolso, para ficar

lá, enquanto estava na UESC. Os trinta e três reais [que recebia de

ajuda de custo] se transformaram em nada. [...] Só no ultimo ano foi

que eu encontrei uma pessoa fixa, que ficou durante todo o período

do meu afastamento. E foi bom, porque eu estava com uma turma de

alfabetização e o trabalho ficava quebrado, na sala com as crianças,

pois era divido entre diferentes pessoas. No primeiro ano foi difícil, eu

tive umas quatro ou cinco pessoas que me substituíram. A direção da

escola, no último ano, aceitou que eu colocasse uma professora que

não era da rede. A Secretaria de Educação só queria alguém que

fosse da Rede, mas estava difícil conseguir (GILMARA, 2011).

Em relação a um professor substituto para assumir minha classe,

não houve. Havia um acordo entre a Secretaria de Educação e a

UESC. No caso especifico do meu município, somente as cinco

primeiras classificadas teriam direito a um professor substituto e,eu,

que fiquei em segundo lugar, achei que teria esse direito respeitado.

Mas na semana de começar o curso eles fizeram uma reunião e

falaram que a prefeitura não tinha verba para isso, e que cada um

procurasse alguém para substituir, pagar ou fazer um acordo com a

escola. Primeiramente falaram que nós pagássemos. Depois houve

alguns problemas e algumas conversas, eles pediram que

fizéssemos um acordo com a escola. Eu, nesse momento, decidi não

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

78

fazer um acordo com a escola e não deixar os meninos sem aula. Eu

pagava todos os meses do meu bolso uma pessoa para me

substituir. Eu passei os quatro anos pagando essa pessoa, exceto

nas férias. Nesse período, eu fazia os cursos de extensão para

completar a carga horária do curso. Eu fazia nas férias, para não ter

que estar pagando uma pessoa para me substituir nos períodos de

cursos de extensão que complementavam nossa carga horária. Mas,

o resto do curso eu paguei todos os meses. A prefeitura

disponibilizava trinta e três reais, que era uma ajuda de custo. Esse

dinheiro não dava para pagar nem as xerox, imagine um substituto

(JANACIRA, 2011).

Outros professores organizavam sua saída com a escola e essa ia

encontrando os substitutos.

Eu não tive substituição nenhuma. As vagas do meu município

seriam para o turno noturno. A prefeitura fez um acordo conosco, os

cinco primeiros colocados no processo seletivo fariam no turno de

trabalho e a prefeitura ia assumir o pagamento de um substituto. Eu

fui a décima segunda colocada. Mas, como a quinta colocada

preferiu fazer em turno oposto ao trabalho, porque ela não queria

deixar seus alunos com uma substituta, pois tinha crianças com

atendimento especial, ela trocou comigo, eu que tinha sido a décima

segunda colocada passei para o quinto lugar, ela ficou em décimo

segundo. Nessa situação eu poderia fazer meu curso diurnamente, e

ter direito a um professor substituto. E aí, do dia para a noite, a

prefeitura voltou atrás, e não pagaria mais um substituto prometido. E

aí, para eu frequentar as aulas teria que pedir à diretora da escola.

Então, você perde o seu direito e passa a depender da boa vontade

de alguém. A diretora teve que concordar. Como eu morava em

Buerarema e trabalhava 40 horas, em outro município, e tinha uma

filha pequena, se eu fosse para a turma do noturno ficaria quinze

dias sem vê-la. Eu teria que ir da escola para UESC e voltar para

Buerarema muito tarde, chegando por volta da meia-noite. Então, a

diretora terminou atendendo à minha solicitação. Aí está o favor.

Porque eu não poderia estar de dia, era um favor que a escola

estava me fazendo. Com o decorrer do curso, diante das explicações

da coordenação, fui percebendo: “Poxa, não foi favor”. Eu poderia

estudar no meu horário de trabalho e a prefeitura teria que por um

professor substituto. Era o meu direito que virou um favor (LIDIANE,

2011).

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

79

Aqui na escola os alunos sempre ficavam com alguém; com a

secretária, a coordenadora, a diretora ou a auxiliar de secretaria e

assim por diante... Era difícil porque era eu e Rose (outra colega que

também estava no PROAÇÃO). Eram duas turmas de Educação

Infantil, duas turmas do Ciclo da Infância, eram crianças pequenas e,

muitas vezes, juntavam as turmas, pois, as pessoas que assumiam a

sala, às vezes, precisavam sair para ir à prefeitura ou, então,

estarem nos seus lugares de trabalho. Era complicado, pois eram

duas turmas pela manhã e duas pela tarde. Sempre juntavam as

turmas da tarde, porque a maioria dos funcionários trabalhava só

pela manhã e a diretora nunca queria que liberasse os alunos, eram

muitos dias sem aulas. Se bem que no meu caso, eu estudava à

noite e, sendo assim, só faltava para participar dos seminários, das

oficinas e dos trabalhos de conclusão do módulo (ELIANE, 2011).

Meus alunos ficavam com um colega meu. Ele era professor. Só que

ele estava afastado de sala de aula. Ele estava na secretaria da

escola. Mas, quando eu me afastava, por um período de uma

semana, a cada mês, ele se disponibilizava, não precisei pagar. A

prefeitura queria que a gente pagasse uma pessoa para ficar no

nosso lugar. Mas, acho que ele via a luta da gente, então falava que

não precisaria pagar nada a ele. Agora, eu deixava todas as

atividades prontas, deixava tudo prontinho, só pra ele ficar, só pra ele

tomar conta. Às vezes, ele não conseguia fazer todas as atividades e

quando eu voltava retomava essas atividades (KÁTIA, 2011).

Estes depoimentos mostram que as Secretarias Municipais de Educação

não assumiram a responsabilidade pela substituição dos professores durante os

encontros na UESC. Cada professor-aluno foi encontrando alternativas para

assegurar a sua permanência no curso e o cumprimento dos dias letivos para seus

alunos.

Esta realidade provocou impactos importantes, de diferentes ordens, na vida

dos professores-alunos. No âmbito das Secretarias de Educação houve

descumprimento do pacto firmado, no que diz respeito à substituição dos

professores. Esse comportamento gerou prejuízo financeiro e emocional para os

professores-alunos e comprometeu o atendimento pedagógico dos alunos. Cada um

tornou-se responsável por sua frequência no curso, gerando um desgaste

emocional, físico e financeiro para eles.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

80

Esses fatos mostram que embora as Secretarias de Educação tenham

procurado a UESC para externar e se comprometer com as condições mínimas para

que seus professores participassem do curso, na prática isso não ocorreu. Isso

demonstra a inconstância no atendimento às crianças. Essas ficavam sem o seu

professor e sem um substituto no período de encontros presenciais. Os substitutos

arranjados eram pessoas, na maioria das vezes, sem a formação adequada. Não

faziam o planejamento das aulas para aquele período, em conjunto com o professor

que se afastava. Essa situação tanto prejudicava os professores-alunos em seu

processo de formação, quanto os alunos da Educação Básica que não tinham

assegurado o seu direito a um atendimento escolar com qualidade.

A forma encontrada pelos professores-alunos para que pudessem dar conta

do acúmulo de atividades foi o envolvimento de suas famílias que assumiram muitas

tarefas que antes eram responsabilidade delas. A professora-aluna Kátia (2011)

afirmou: “Antes eu arrumava o guarda roupa da minha filha pequena toda semana,

mas agora é meu marido quem faz esse trabalho”. Núbia que tinha dois filhos bem

pequenos, mudou-se para perto da mãe, pois não tinha como pagar uma empregada

e a mãe se disponibilizou a ajudá-la. A família também se mobilizava para ajudar no

cumprimento das tarefas da Universidade. Uma das entrevistadas nos falou:

Minha filha mais velha via tanto a minha aflição que, quando, eu

chegava em casa e deixava a atividade de formação em serviço em

cima da mesa, ela pegava e ia para o computador procurar leituras

adicionais sobre aqueles temas. Isto foi muito bom para ela,

desconfio que ela ficou meio apaixonada pela carreira de docente

(GILMARA, 2011).

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

81

CAPÍTULO 4

A EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E

ITINERÂNCIAS

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

82

4. EXPERIÊNCIA: CONCEITOS E ITINERÂNCIAS

Todos nós somos compostos de nossas experiências, somos

um tiquinho de cada experiência que nós vivemos. Então, ninguém

trata de nenhum tipo de formação sem levar em conta a experiência

da pessoa. No nosso caso, era nossa formação profissional, não há

como você não levar em consideração a experiência.

Lidiane, 201110

Ao me debruçar sobre os relatos para compreender a formação de

professores em atuação, parti do pressuposto de que a experiência trazida pelos

docentes (tanto de sua vida profissional quanto de sua vida pessoal) deveria ter um

espaço de destaque neste estudo. Neste sentido, o desafio foi pensar a formação

desses professores a partir da experiência e do significado que teve no seu

processo formativo.

Durante as entrevistas individuais com os professores-alunos pesquisados, a

todo momento eles se reportavam às suas experiências. A professora-aluna Gilmara

exemplifica bem esses momentos. Expressou que, ao entrar no Curso de

Pedagogia, ofertado por meio do Programa PROAÇÂO, a sua experiência também

entrou, pois ela, a experiência, faz parte da sua vida e, sendo assim, não tem como

ficar de fora; essa não depende dos professores formadores ou da proposta

curricular do curso, ela é própria do sujeito. O diferencial, segundo esta professora-

aluna, é o que se faz no processo formativo com a experiência. Esse depoimento

confirma a ideia inicial de que os professores-alunos têm clareza do que é a

experiência e o lugar que ela ocupa na vida humana.

Ratificando o pensamento da professora-aluna Gilmara, os estudos de Josso

(2004) e Macedo (2010), dentre outros estudiosos, que apontam que uma das

maneiras de entender a formação de professores é pensá-la a partir da conexão

entre a prática e a teoria, ou seja, pensar a formação a partir da experiência e do

10

Lidiane, participante dessa pesquisa.

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

83

seu significado. Nesse cenário, esse movimento precisa ser considerado nos

currículos dos cursos por meio do reconhecimento de que os professores-alunos são

sujeitos de subjetividades e constroem o seu conhecimento de forma intersubjetiva,

trazendo para as aulas suas experiências para serem tematizadas, refletidas e

reconfiguradas no movimento formativo entre professores-alunos e professores

formadores. Neste sentido, os cursos de formação de professores em atuação

deveriam considerar a experiência individual e coletiva que os sujeitos trazem do

mundo do trabalho para a centralidade dos currículos dos cursos.

A partir dessas reflexões, elegi a experiência como um potente dispositivo

para construir a reflexão acerca do movimento formativo vivido por esses atores

sociais no curso investigado. Esta se constituiu, portanto, numa categoria de análise

nesta aventura que é o estudo da formação de professores em atuação.

Iniciei os estudos lançando mão das ideias de alguns teóricos que, implicados

com esse debate, têm realizado reflexões a esse respeito, buscando encontrar uma

inspiração, mas nada que substituísse ou direcionasse as falas dos atores sociais

que constroem conosco este estudo. O lugar de tal inspiração é o do movimento,

das tensões e das implicações que vão tomando forma e me levando para essa

compreensão de que a experiência, enquanto fenômeno, é ao mesmo tempo uma

construção interna e completa do sujeito e, também, uma construção social com e a

partir das vivências desse sujeito da experiência

4.1 O conceito de experiência

O termo experiência deriva do Latim experientia, do verbo experiri, que

significa “fazer ensaio”. A origem etimológica é grega, e significa prova. Os estudos

de Pineau e Courtois (1991 apud CAVACO, C.,2009) descrevem que a experiência é

entendida como um contato direto, como um reencontro, como um choque de

identidades e de realidades, como um estado que altera os estados anteriores. Ela é

constituída de uma espécie de copresença, de correferência, de convivência.

(PINEAU; COURTOIS, 1991 apud CAVACO, C., 2009).

Neste sentido, Josso (2004) nos esclarece que todas as experiências são

vivências, mas nem todas as vivências tornam-se experiências. A experiência é

produzida por uma vivência que escolhemos ou aceitamos como fonte de

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

84

aprendizagem. As vivências constituem o tecido do nosso quotidiano, Mas, nem

sempre elas ficam em nossa memória ou propiciam uma ocasião de aprender.

Seguindo essa linha de pensamento, é possível afirmar que o desafio das situações

educativas se encontra na imaginação de formas de aprendizagem que vão

surpreendendo o aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de

transformar a vivência proposta em experiência analisada, no decorrer da situação

educativa.

Nessa direção, Pineau e Courtois (1991 apud CAVACO, C., 2009) apontam

que o conceito de experiência é impreciso, é aberto, porque engloba a amplitude dos

elementos que lhe são inerentes. Afirmam, ainda, que a experiência apresenta um

caráter dinâmico; ela é questionada e alterada em função das novas situações

vivenciais. Isso permite a evolução do indivíduo e dá origem a um processo de

formação ao longo da vida. Esses autores explicitam que a experiência assume dois

sentidos: um de orientação para o futuro e outro voltado para ações passadas.

No primeiro sentido, a experiência é uma tentativa, um ensaio, um pôr à

prova, cujo resultado se pode esperar, mas tem sempre algo de imprevisível. A

experiência é entendida como uma “confrontação com qualquer coisa nova para a

pessoa, como ruptura no curso habitual das coisas” (CAVACO, C., 2009, p. 222). No

segundo sentido, a prova tem lugar e o sujeito obtém experiência nessa questão,

tornando-se um perito, alguém que adquiriu conhecimento num determinado

domínio. A experiência é compreendida como algo “já constituído, estabilizado,

imobilizado, estruturado como quadro de pensamento e de ação” (CAVACO, C.,

2009, p. 222). A experiência incorpora uma dimensão de processo, no primeiro

sentido, e expressa uma dimensão de resultado, no segundo sentido.

Continuam os autores afirmando que a experiência, enquanto processo,

corresponde a um conjunto de condições, de situações, de acontecimentos que se

sucedem numa certa ordem. É esse processo que permite construir a experiência

como um produto. Tal experiência enquanto produto corresponde ao conjunto de

modos de ser, de pensar e de fazer. Nesse sentido, a experiência não é linear na

progressão, nem biunívoca no sentido. Ela pode resultar de uma situação pontual e

muito breve ou de um acontecimento dilatado no tempo. Assim, uma mesma

situação não origina necessariamente o mesmo resultado em pessoas diferentes.

Podemos dizer que a experiência resulta da influência recíproca das condições

objetivas dos contextos e das condições subjetivas e quem a vive.

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

85

Outra contribuição importante sobre o conceito de experiência são os estudos

de Jorge Larrosa (2002), John Dewey (1980) e François Dubet (1994). Esses

autores formularam conceitos teóricos que, embora andem por caminhos diferentes,

compreendem a experiência como um processo que envolve a interação do sujeito

que vivencia essa experiência, e não um fenômeno construído naturalmente.

Dewey (1980) afirma ser a experiência uma ação constante no sujeito em

razão de sua interação com as condições que o cercam, enquanto processo de vida.

Para Dubet (1994), as formas sociais de construção da realidade fazem com que a

experiência não seja considerada uma forma passiva de incorporação do mundo

através das sensações e emoções, mas uma maneira de construir o próprio mundo.

Larrosa (2002) chama a atenção para o fato de que, muitas vezes, a

experiência é confundida com trabalho. Ele alerta para o fato de que a experiência

se torna cada vez mais infrequente por conta do excesso de trabalho. Isso é

consequência do ritmo de vida do sujeito moderno, que está sempre achando que

pode realizar tudo o que lhe é proposto. Destaca que o sujeito moderno deseja

produzir, modificar ou regular algo, e com isso investe toda a sua existência em

fazer coisas. Essa movimentação pode afastar o sujeito da experiência e transformá-

lo em um tarefeiro.

O autor entende que a experiência é a possibilidade de que algo aconteça ou

toque o sujeito e, para que isso ocorra, é preciso parar para refletir com calma,

sobretudo, parar para sentir. Quando se fala de experiência é preciso falar do sujeito

da experiência que, na verdade, é um lugar que possibilita que algo aconteça. Esse

sujeito deve obter uma passividade e, acima de tudo, uma disponibilidade

fundamental, por isso é um ser passional. Outro componente fundamental que o

caracteriza é a sua capacidade de transformação. Ao contrário, um sujeito definido

por seu poder, seu saber, forte e inatingível, é um sujeito incapaz de experiência.

John Dewey (1980) entende a experiência como uma ação constante no

sujeito em razão de sua interação com as condições que o cercam, enquanto

processo de vida. No entanto, ressalta que frequentemente as coisas são

experienciadas, porém são incompletas. Para obter uma experiência se faz

necessário que o material experenciado siga o seu caminho até a completude.

Quando Dewey (1980) afirma que uma experiência se integra a outras, ele

expõe uma ideia de continuum e de interação das vivências em um rol de

conhecimentos e sentidos que são construídos ininterruptamente. Para esse

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

86

pensador, existe, portanto, um “continuum experiencial” em que uma experiência é

completa e, ao mesmo tempo, distinta das anteriores, porque as atualizou, e conta

com novas experiências que ocorrerão, porque elas nunca se repetem na íntegra.

O autor (1980) ainda afirma que a experiência é dinâmica, gerando produtos

provisórios, os quais vão sempre fomentando novas experiências em um processo

de atualização que, por sua vez, constitui-se em novos movimentos experienciais.

Percebe-se, então, que os princípios de interação e continuidade em sua

indissociabilidade constituem-se elementos presentes na experiência. Destaca que

toda a experiência decorre da interação entre o sujeito e algo do mundo vivido. A

sua percepção só ocorre se a ação e sua consequência estiverem juntas. E diz:

Um homem faz algo; levanta uma pedra, por exemplo. Em

consequência padece, sofre alguma coisa: o peso, a resistência, a

textura da superfície da coisa levantada. As propriedades assim

sofridas determinam o agir subsequente (DEWEY, 1980, p.95).

Na caminhada para compreensão da experiência e de sua força na formação

do sujeito, recorri a François Dubet (1994), pois este afirma que o conceito de

experiência tem sido utilizado para designar as lógicas de ação presentes na

experiência escolar dos diversos segmentos sociais. Esse autor, reconhecendo a

ambiguidade que pode haver nessa noção de experiência, faz referência a dois

fenômenos contraditórios. O primeiro é que ela pode ser considerada como "uma

maneira de sentir, de ser invadido por um estado emocional, suficientemente forte

para que o ator deixe de ser livre, descobrindo uma subjetividade pessoal" (DUBET,

1994, p. 94). Esta representação do que é “vivido” pelo sujeito é ambivalente. No

entanto, ela aparece como individual manifestação do ser único e da sua história

particular e, tomando outro viés, pode ser considerada como a recobertura da

consciência individual pela sociedade.

O segundo fenômeno é que a experiência é tida como “uma atividade

cognitiva, é uma maneira de construir o real e, sobretudo, de o “verificar”, de

experimentá-lo. A experiência constrói os fenômenos a partir das categorias do

entendimento, ou seja, razão" (DUBET, 1994, p. 95). Para o autor, essas categorias

são sociais, isto é, são formas de construção da realidade. Isso faz com que a

experiência não seja considerada uma forma passiva de incorporação do mundo

através das sensações e emoções, mas uma maneira de construir o mundo.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

87

Segundo o autor, a experiência só existe aos olhos do individuo na medida

em que é reconhecida, partilhada e confirmada pelos outros. A experiência social é

crítica, pois os indivíduos estão constantemente justificando as suas ações,

explicando o que fazem e porque o fazem. Nestas situações eles se distanciam de

suas experiências e julgam-na a partir de normas mais ou menos latentes,

mobilizadas para o caso. Uma sociologia da experiência requer que cada indivíduo

seja considerado “como um intelectual, como um ator capaz de dominar

conscientemente, pelos menos em certa medida, a sua relação com o mundo”

(DUBET, 1994, p.107).

Para Carmen Cavaco (2009), a experiência é analisada numa relação

dialética entre processo e produto, e assumida como algo não linear, que pode ser

associado a um percurso labiríntico, pois há percurso com continuidade que dá

origem a processos e a resultados, mas, também há vias sem saída e outras,

passíveis de serem percorridas, que não são ensaiadas. Estas últimas ficam latentes

e podem emergir a qualquer momento, dependendo do contexto e das condições

subjetivas de cada sujeito. Neste sentido, entendo que a experiência não pode ser

descrita e analisada por meio de referenciais de sequência linear, tendo em vista

que ela apresenta um caráter dinâmico, é questionada e alterada em função das

novas situações vivenciais, o que permite a evolução do indivíduo, e dá origem a um

processo de formação ao longo da vida e do tempo. Jobert (1991, p.75) ratifica esse

posicionamento quando afirma que a experiência é construída ao longo do tempo,

de forma individual e coletiva, “na intimidade das pessoas, no seu corpo, na sua

inteligência, no seu imaginário, na sua sensibilidade.” Enfim, posso depreender

desses estudos que não é tarefa fácil apresentar um conceito de experiência que

possa reunir as suas diferentes dimensões.

4.2 O saber da experiência e o saber da prática

Tomando as referências apresentadas anteriormente, percebi o quanto é

fundamental a incorporação do conceito de experiência para o desenvolvimento do

currículo nos cursos de formação de professores em atuação. Ao examinar a

proposta curricular do PROAÇÃO, meu objeto de pesquisa, observo que as ações

desenvolvidas tinham como referência a experiência dos professores-alunos. Esse

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

88

conceito foi o eixo norteador das ações pedagógicas desenvolvidas no curso que, a

partir da sua interação com a prática, processavam mudanças marcadas tanto por

fatores individuais quanto coletivos.

Nessa concepção, fica demonstrado que a experiência dos professores se

constrói no decorrer da profissão, através das ações e decisões pedagógicas

tomadas diante de determinadas situações, nas interações com os pares, a partir

dos contextos em que estão inseridos, constituindo-se um saber. Um saber oriundo

do cotidiano prático e do meio vivenciado pelo professor-aluno que apresenta uma

natureza dinâmica e interativa.

Larrosa (2002) coloca que o saber da experiência funda uma ordem

epistemológica e uma ordem ética, provenientes do saber e da práxis dos sujeitos.

Para ele, esse saber é distinto do saber científico e do saber da informação, como

se diferencia de uma práxis limitada pela técnica e pelo trabalho. Para esse autor, o

saber da experiência se dá na mediação entre o conhecimento e a vida humana; é

um saber de existência.

O saber da experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do

sem-sentido do que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado

à existência de um indivíduo ou de uma comunidade humana

particular. Ou, de um modo ainda mais explícito, trata-se de um

saber que revela ao homem concreto e singular, entendido individual

ou coletivamente, o sentido ou o sem-sentido de sua própria

existência, de sua própria finitude. Por isso, o saber da experiência é

um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. [...] A

primeira nota sobre o saber da experiência sublinha, então, sua

qualidade existencial, isto é, sua relação com a existência, com a

vida singular e concreta de um existente singular e concreto. A

experiência e o saber que dela derivam são o que nos permite

apropriar-nos de nossa própria vida (LARROSA, 2002, p. 27).

Os saberes das experiências são, portanto, saberes polilógicos que traduzem

as inferências da história de vida dos sujeitos em suas dimensões pessoais, em

suas relações com a educação formal, em sua personalidade e em sua formação

profissional. Eles se entalham como um repertório de atuação do educador e

traduzem as experiências formativas do ethos do sujeito em ação, ou seja, em

práxis. Assim sendo, se atualizam, a partir das múltiplas referências que se

enviesam, na itinerância formativa do ser e refletem desse modo as atualizações de

existências singulares.

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

89

Então, o saber da experiência requer um pensamento complexo, aqui

concebido como saberes das experiências, em sua pluralidade, tanto se referindo à

diversidade de saberes, como à gama de experiências formativas que os compõem;

tanto em sua gênese criativa, quanto em suas atualizações contínuas; são saberes

de experiências diversas e coexistentes na construção dos repertórios de atuação

dos educadores, em suas práxis.

Diante dessas colocações, os saberes experienciais não podem ser

entendidos como saberes cumulativos que são copiados e repetidos rotineiramente

por anos e anos de docência de cada professor. Os saberes experienciais partem da

experiência como intermediária entre o conhecimento e a vida humana.

4.3 A experiência no sujeito e o sujeito da experiência

Para encontrar e compreender o lugar ocupado pelas experiências dos

professores-alunos em seus processos formativos fui a campo para, por meio das

entrevistas individuais e do debate nos grupos focais11, travar diálogos com os

professores-alunos sobre: o conceito de experiência e do sujeito dessa experiência e

a experiência como dispositivo de formação durante o curso. As entrevistas e os

grupos focais deram voz aos professores-alunos por meio das narrativas e foi

possível ter visibilidade de suas práticas, o que possibilitou uma compreensão dos

seus processos formativos. Em um movimento respeitoso, levantei questões que me

impulsionaram para novas necessidades de debate e aprofundamento do diálogo, a

fim de encontrar as marcas deixadas pelo curso na formação desses professores, no

tocante ao uso das suas experiências no currículo do curso.

Nas analises das entrevistas individuais encontrei um conceito de experiência

muito ligado ao fazer docente. Os professores-alunos relatavam que existiam

momentos, durante o curso, em que podiam falar a respeito do trabalho

desenvolvido na escola. Neles, eles iam falando, falando, relatando tudo o que

viviam, sem filtrar o que era mais significativo para aquele momento. Contavam os

“causos” e alguns colegas, que sempre tinham algo para narrar, chegavam a ser

apelidados de: "Zé Falante", "Maria um Causo Só", entre outros.

11 Tal como está especificado no capítulo 1 deste trabalho (N.A.).

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

90

Estas falas despertaram a minha atenção porque constatei que mesmo os

professores-alunos não verbalizando um conceito de experiência, eles já

desconfiavam que nem tudo que era narrado em sala poderia ser considerado como

experiência, pois não tinham as marcas da diversidade de saberes construídos nas

suas práxis pedagógicas. Os estudos de Josso (2009) me ajudaram a compreender

a diferença e a relação entre vivência e experiência, ao afirmar que toda experiência

contém uma vivência, mas que nem toda vivência resulta necessariamente em uma

experiência. Segundo a autora (2009, p.136),

As vivências constituem o tecido do nosso quotidiano. Nem sempre

estas vivências ficam na nossa memória ou propiciam uma ocasião

de aprender qualquer coisa recente que vai ficar, enquanto recurso

novo, daqui para frente [...] para perceber que a experiência é

produzida por uma vivência que escolhemos ou aceitamos como

fonte de aprendizagem particular ou formação de vida. Isto significa

que temos de fazer um trabalho de reflexões sobre o que foi

vivenciado e nomear o que foi aprendido. Todas as experiências são

vivências, mas nem todas as vivências tornam-se experiências. É por

isso que o desafio das situações educativas se encontra na

imaginação de formas de aprendizagem que vão surpreendendo o

aprendizado. Estas formas oferecem uma oportunidade de

transformar a vivência proposta em experiência analisada, no

decorrer da situação educativa.

A realização de uma sessão do grupo focal a respeito dessa temática foi

indispensável para que, no debate com seus pares, os professores-alunos

pudessem aprofundar a discussão e, assim, chegar a um conceito mais elaborado

sobre o termo experiência. Nessas discussões não levavam conceitos teóricos para

serem analisados, o que existia era o debate, a discussão e reflexão, o diálogo

fundado em nossas vivências. E nesse movimento eles iam refazendo suas ideias

com e a partir das falas e da análise dos exemplos trazidos para o debate.

Comecei o debate a respeito da experiência utilizando a seguinte questão

provocadora: Até que ponto a experiência de vocês entrou para o currículo do

curso? Esta provocação tinha a finalidade de promover uma certa descontração e

assegurar o debate. Os primeiros minutos foram de silêncio, os atores sociais

pareciam voltar no tempo, viajando até o curso, rememorando as lembranças. Logo

em seguida me perguntam se tinha como, em um curso de formação de professores

em atuação, deixar de fora a experiência. Silenciei. Eles começaram a debater.

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

91

A primeira a falar foi Tatiana, que afirmou:

Por ser um curso específico para professores que já estão trabalhando, não tem jeito, não há como esquecer a nossa experiência, mesmo se a gente não quisesse, as nossas experiências estariam lá. E todos que estavam lá não iam deixar de socializar a experiência que cada um tem, porque estava no currículo de cada um, mesmo que fosse oculto (2011).

O debate foi se constituindo primeiro por falas individuais e, aos poucos, com

falas entrecruzadas. Todos queriam falar, complementar a fala do colega,

acrescentar mais informações, e fomos ouvindo, gravando e pensando. No início do

debate os professores-alunos traziam a ideia de que a experiência era sinônimo da

prática. Para eles, experiência e prática tinham o mesmo significado. Nos trinta

primeiros minutos essa marca foi se constituindo, aí lancei outra questão: O que é

experiência?

A primeira a apresentar o conceito foi Diva, com a espontaneidade que lhe é

peculiar: “É viver, ralar, é sofrer, é ficar feliz, tudo isso é experiência. É tudo o que a

gente vive de verdade” (2011).

Magda, uma das mais atentas à discussão, afirma que:

Experiência é saber fazer alguma coisa que você se propõe fazer. Experiência é saber-fazer; você tem um período fazendo aquela coisa e você aprende a fazer, pode estar certa, pode casar com as teorias ou não. Minha experiência me proporcionou isso. Sei, por exemplo, como trabalhar com crianças de creche, de um ano e meio a três anos, isso é uma experiência minha, foi o tempo que me proporcionou esse aprendizado de trabalhar com esse grupo, com essa faixa-etária. Se ele está coerente com o que as teorias dizem, não sei, pode não estar, mas eu sei fazer aquilo que eu estou me propondo a fazer, dentro do que eu compreendo (2011).

Em seguida, Tatiana, uma boa ouvinte, complementa o pensamento da

colega: “É porque eu já vivenciei, já passei por aquele processo, então, eu tenho

experiência naquilo” (2011).

Respondendo, Lidiane, aquela que está sempre preocupada com a sua

formação, se posiciona da seguinte maneira:

Quando você tem a experiência, ainda que você não se dê conta, você já sabe como é. É capaz de escolher: „Isso aí eu já vivi, eu não quero mais. Eu já passei por isso, não deu certo, aí eu vou por outro caminho. Eu já vivi‟. Então, experiência para mim é uma vivência refletida (2011).

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

92

A discussão foi alimentada com a intervenção de José, o tímido, o único

homem do grupo, que afirmou: “Experiência é você estar, no seu dia a dia, em sua

sala de aula, revendo a sua prática, fazendo uma reflexão, se está certo ou não,

porque você tem que fazer o seu trabalho (2011).

Diva retorna ao debate complementando seu pensamento anterior, dizendo

que:

Eu vejo a experiência como uma situação meio abstrata, porque, realmente, você a sente. Foi como eu coloquei. É viver de verdade, porque se você tem uma experiência e você passa superficialmente por aquela coisa que você está vivendo, não se torna uma experiência, torna-se uma passagem ali [...]. Mas, quando você realmente se envolve, você tem sentimento envolvido naquilo, tem toda uma dedicação, aí se torna uma experiência, porque, mesmo sendo uma situação negativa, você diz: „Valeu à pena!‟ (2011, grifo da autora).

Constatei que para conceituar experiência os atores sociais consideraram sua

própria experiência como lócus de construção desse conceito.

As narrativas me mostraram que os professores-alunos compreendem o

conceito a partir das suas próprias vivências, leituras e reflexões. Os conceitos

apresentados trazem marcas discutidas por teóricos que têm se debruçado sobre o

tema, em todas as falas está presente a necessidade de reflexão, movimento que,

segundo Josso (2004 e 2009), é necessário para que a vivência se transforme em

uma experiência. Outra marca das narrativas diz respeito ao fato de que a

experiência produz uma aprendizagem e, aí, é possível enxergar a contribuição de

Larrosa (2002), quando afirma que o saber da experiência é um saber particular,

subjetivo, relativo, contingente e pessoal.

Percebi que os alunos têm uma compreensão acerca da experiência,

contudo, ela se apresenta difusa, como sinônimo de prática, conforme demonstram

as narrativas acima. Para problematizar esses dois conceitos, prática e experiência,

lancei uma segunda questão sobre a relação entre prática e experiência. A

discussão tomou um novo fôlego e as narrativas continuaram.

Gilmara, politicamente definida, diz:

Eu, realmente, acho que experiência é tudo que te marca, que dentro de você gera um sentimento. Então, assim... no universo de uma sala de aula, a gente vê muitas crianças, dessas, algumas acrescentarão experiências à sua vida de forma marcante, outras marcam, mas é algo que você viveu superficialmente. A experiência

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

93

é aquilo que resulta da vivência; daquilo que você viveu; daquilo que você apurou; daquilo que ficou com você e que o tempo lapida, mas, não apaga (2011).

Diva intervém buscando a centralidade da discussão. “Entendo que a

experiência lhe deixa íntima da prática; elas têm uma relação assim... quase que

conjugal” (2011).

Gilmara retoma a fala:

Eu ia dizer que uma dá suporte à outra, a experiência dá suporte à prática, não é? A experiência lhe deixa... Mas a colega foi assim, mais profunda na questão, que é isso mesmo, é quase um casamento, uma relação conjugal (2011).

Lidiane na mesma linha de pensamento completa: “A experiência garante a

prática” (2011). E Magda sintetiza o pensamento do grupo:

Prática e experiência têm uma relação que é de completude, elas se completam; elas precisam uma da outra, não existe experiência sem a prática, pois, eu sinto e penso sobre aquilo que faço (2011).

Percebi que os atores sociais, no transcorrer da discussão, foram

aprofundando o debate acerca da experiência e da prática. E, nesse movimento, foi

possível ampliar os conceitos, deixando claro que a prática é o fazer, é a ação. A

relação desses elementos de forma refletida constitui-se em experiência.

Esse instante de aprofundamento e reflexões sobre os conceitos debatidos

veio comprovar o que já havia intuído a respeito da pesquisa formativa. Os atores

sociais deixaram de ser meros informantes e assumiram o papel de protagonistas do

seu conhecimento, criando tensões, concordando, discordando e revisitando

conceitos e práticas vivenciadas no curso de formação de professores.

4.4 A experiência como dispositivo formativo do curso

Nos diálogos com os atores sociais a respeito das suas experiências no

desenvolvimento do curso, materializado tanto nas disciplinas como nas atividades

interdisciplinares (minicursos, oficinas, seminários), eles apontaram que a maioria

dos professores formadores sempre começava as aulas levantando os relatos de

situações vivenciadas no cotidiano da sala de aula dos professores-alunos.

Afirmavam que as narrativas compartilhadas seriam significativas para enriquecer o

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

94

processo formativo. Declararam, ainda, que a articulação da experiência nas

variadas ações desenvolvidas era realizada em alguns momentos timidamente, em

outros, intensamente, e, às vezes, de forma concomitante.

Nessa perspectiva, os depoimentos dos professores-alunos foram

delineando-se e definindo o lugar que suas experiências ocuparam no processo

formativo vivenciado, apresentando-se sob três perspectivas: a negação da

experiência, a escuta da experiência e a reflexão sobre a experiência.

4.4.1 A negação da experiência

Segundo as narrativas apresentadas pelos professores-alunos, a negação da

experiência esteve presente no desenvolvimento do curso. Esta conduta foi

marcante nos atos dos professores formadores que se limitavam a ministrar as aulas

programadas sem estabelecer a escuta e o debate sobre as experiências.

Justificavam ser essa atitude consequência da escassez de tempo, e que os

cursistas precisariam ter conhecimentos teóricos para, em outro momento,

estabelecer as articulações entre as experiências do mundo do trabalho e o

conhecimento adquirido na aula. Essa realidade pode ser constatada nos

depoimentos que seguem:

Eu sei que era importante a gente falar a respeito do nosso trabalho,

mas, você sabe, o tempo era pouco e se ficássemos falando,

falando, alguns professores achavam que ia faltar tempo para

estudar o conteúdo e que a gente poderia pensar a respeito da

prática depois, em grupo (não sei quando) ou em casa. Mas, como

íamos encontrar tempo para conversar? (GEÓRGIA, 2011).

Algumas disciplinas ficavam apenas no conhecimento teórico. Os

professores pareciam que nem sabiam que, nós, já éramos

professores. Uma disciplina que caracterizou muito bem isso foi a

Sociologia, que ficou com a gente em dois módulos, um como

Sociologia e o outro como Sociologia da Educação. Nessas duas

disciplinas a professora trouxe, basicamente, a teoria para gente. Ela

veio somente dos teóricos e não da escola [suas práticas

pedagógicas] para a universidade ou do casamento das duas. Aí veio

da disciplina mesmo. Então, a professora estava lá; ela era muito boa

por sinal, tudo muito proveitoso, mas, em relação à nossa

experiência não havia o debate. Isso não foi em alguns momentos

não; todas as aulas eram assim. Vinham as informações e a gente ia

recebendo essas informações da professora (MAGDA, 2011).

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

95

Diante das narrativas apresentadas verifiquei que a bagagem experiencial

trazida por esse público não tinha um lugar nessas aulas. A experiência era

silenciada, sufocada. Com essa conduta perde-se a presença do grupo e o fomento

de reflexões coletivas, tempo em que cada sujeito se vê individual e coletivamente.

No entender de Larrosa (2002), esta postura assumida por alguns professores, de

silenciar a experiência dos sujeitos, constitui-se, até certo ponto, em uma

antiexperiência.

4.4.2 A escuta da experiência

De acordo com esta visão, constatei que os professores formadores criavam

espaço, no tempo das aulas, para a escuta de experiências dos professores-alunos.

Eles motivavam os professores-alunos a trazer os seus relatos de experiências a

respeito do fazer cotidiano. Entretanto, não eram criadas situações que

provocassem uma reflexão a respeito das práticas e dos saberes utilizados por eles

no desenvolvimento do trabalho docente nas salas de aulas. As narrativas

registradas mostram a vivência com essa conduta:

Eu sempre percebi que pelo menos a maioria dos professores tinha a

preocupação em saber sobre as nossas experiências na sala de

aula. Eles valorizavam muito nosso trabalho, pois elogiavam nossa

conduta e, às vezes, até as usava como exemplo nas aulas. Era

muito fácil, a gente relatava e o professor estava sempre aguçando

essa troca entre nós mesmos. Eu acho que eles recebiam de nós

uma diversidade de informações que acrescentava algo a eles,

também. Então, a gente era sempre instigada a falar (ANA DALVA,

2011).

Eu percebia que nossos relatos eram como algo que fazia parte da

dinâmica do curso, porque eram vários professores que nos pediam

para fazê-los. Era muito bom; a gente ficava conhecendo muito o

trabalho dos nossos colegas e eles o nosso (TATIANA, 2011).

A maioria dos professores gostava de ouvir nossas experiências. Às

vezes alguns colegas se prolongavam muito contando “causos” da

sala de aula ou, mesmo, da comunidade onde a escola estava

inserida. O problema era que ficava muito cansativo e, quando eles

terminavam de falar não dava mais tempo para o debate e no dia

seguinte já tínhamos outra atividade para fazer. Eu me perguntava se

não era melhor o professor ter determinado o tempo das falas para

que pudéssemos discutir o conteúdo delas (ANAIARA,2011).

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

96

Levando em consideração esses depoimentos, percebi que a experiência

tinha um lugar no curso, mas a dúvida é: até que ponto ela se tornava formativa,

uma vez que os depoentes não mencionam reflexões e tensões presentes nas

experiências narradas. Com esta preocupação busquei fundamentos em Josso

(2004), quando afirma que é possível aprender pela experiência e que esta se torna

formativa pela percepção de como essa formação se processa. Nessa direção, a

autora (2004) chama a atenção para o fato de que a experiência precisa ser uma

ação refletida, sob pena de transformar-se em uma antiaprendizagem.

4.4.3 A reflexão sobre a experiência

Este procedimento de “reflexão da experiência” durante o processo formativo

dos professores-alunos se fez presente no desenvolvimento do curso. A escuta das

experiências individuais e coletivas envolvia tensões necessárias à reflexão das

experiências relatadas. O debate se instalava de forma tematizada sobre os diversos

conhecimentos dos quais o professor-aluno lançava mão para lidar com as questões

impostas pela prática docente. Essa discussão era planejada e sistematizada,

constituindo-se no movimento necessário à formação experiencial dos sujeitos em

formação. Essa formação Josso (2004) define como a atividade consciente de um

sujeito que efetua uma aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de

competências existenciais (somáticas, afetivas e de consciência, instrumentais ou

pragmáticas, explicativas ou compreensivas, na ocasião de um acontecimento, de

uma situação, de uma atividade que coloca o aprendente em interação consigo

próprio, com os outros, com o meio natural ou com as coisas que o rodeiam.

Nessa linha de raciocínio, Pineau (2003) afirma que a formação experiencial é

uma atitude por contato direto, mas refletido. Para Cavaco (2009) é a descoberta

progressiva, por parte de um sujeito (individual ou coletivo), da sua capacidade de

pensar e de produzir a realidade a partir de cada experiência, capitalizando, de um

modo singular, as potencialidades heurísticas das situações nas quais se inscreve a

sua identidade.

Neste sentido, pode-se afirmar que a experiência formadora tem como

centralidade o processo de aprendizagem experiencial, articulado em nível

hierárquico, que envolve: o saber-fazer, os conhecimentos, a funcionalidade e a

significação, as técnicas e os valores, em um espaço-tempo, e a oportunidade de

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

97

uma presença, para si e para a situação, por meio da mobilização de uma

pluralidade de registros.

Nos depoimentos dos professores-alunos são percebidos ações

desenvolvidas por alguns docentes do curso que caminharam nesta direção, de

modo particular nas disciplinas Estágio Supervisionado, Fundamentos da

Alfabetização e nos trabalhos de conclusão de módulo (TCM). Veja algumas falas e

observações constatadas: “Nossos relatos não serviam apenas para alguns

desabafos. Eles davam vida às aulas” (ANA DALVA, 2011)

Nossas vivências eram muito confusas em relação à alfabetização. A

professora da disciplina Alfabetização pediu que a gente falasse

sobre nosso trabalho. Ela queria saber como a gente alfabetizava.

Falamos bastante e ela foi anotando, depois, selecionou várias

atividades, leituras, vídeos e outras coisas para a gente comparar o

nosso trabalho com aqueles relatos e, a partir daí, rediscutir e

apresentar algumas reflexões a respeito do que fazíamos [...] Então,

partiu muito da nossa prática e houve o retorno à nossa prática.

Aplicava-se as atividades da disciplina Alfabetização em nossas

salas de aulas e, depois, retomava-se os resultados das práticas

para as análises. Durante as apresentações, a professora formadora

nos questionava para esclarecer essas práticas. Foram momentos de

reflexão a respeito do nosso trabalho, da nossa experiência e da

nossa prática em sala de aula, refletindo nosso fazer pedagógico, ou

seja, a nossa experiência (LIDIANE, 2011).

A disciplina Estágio Supervisionado tinha claramente essa intenção,

essa dimensão, esse olhar mais holístico, voltado para a gente e

para nossa experiência. Em outras disciplinas esse debate era mais

tímido. Porém, não dava para apresentar um seminário sobre a

alfabetização, por exemplo, sem trazer à tona nossa própria

experiência, enquanto alfabetizadora. Poderia, até, não ser uma ação

intencional, mas, pelo fato de a experiência fazer parte da nossa vida

e do nosso fazer, ela estava presente nos nossos atos. As docentes

da disciplina Estágio foram muito enfáticas. A professora Yasmine,

mais ainda, porque ela valorizava demais as nossas experiências.

Acho que a vertente da nossa formação no curso era essa

(TATIANA, 2011).

Uma atividade importante presente no curso e apontada pelos professores-

alunos como um espaço de reflexão da experiência foi a dos trabalhos de conclusão

de módulo (TCM), que eram realizados ao final de cada módulo de estudos. Essas

atividades eram organizadas em grupos pequenos sob a orientação de um professor

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

98

do curso. Os professores-alunos escolhiam a temática para análise e após estudos

individuais, constituía-se em uma aprendizagem coletiva, refletida e tornada

consciente através de descobertas sucessivas, mesmo de forma sofrida, que eram

significativas para a sua formação. Em seguida eram socializadas com todos os

professores-alunos através de um seminário.

Esses depoimentos sinalizam que a reflexão intencional sobre a experiência

era uma marca da disciplina Estágio Supervisionado. Havia uma mediação que

assegurava o debate acerca dos conhecimentos presentes nas falas, extraindo-se

deles o próprio processo formativo. A fala de Lidiane anuncia a preocupação no

sentido de compreender a dimensão da experiência e possibilitar uma aprendizagem

a partir dela:

A experiência requer tempo. Não existe experiência sem um tempo.

Eu nunca vou dizer que a professora que eu sou hoje é a mesma

professora que eu era há 10 anos. Porque a experiência vai lhe

enriquecendo, vai lhe melhorando. A experiência permite você avaliar

o que você é, o que você faz e o que você precisa melhorar. Então,

só o tempo com a experiência lhe garante melhoria, lhe garante

aprendizado (2011).

4.5. A experiência na formação de professores

A minha itinerância literária em busca de uma compreensão mais elaborada

do processo formativo dos professores em atuação me levou a revisitar estudos que

permitissem compreender a formação experiencial, pois, esta, parece ser um

possível caminho para a formação desses professores. Josso (2004) defende que a

formação é experiencial, sendo esta um conceito multidimensional a partir do qual

surgem várias definições que, de algum modo, se complementam. Para a autora

(1991, p. 198), a formação experiencial

[...] designa a atividade consciente de um sujeito que efetua uma

aprendizagem imprevista ou voluntária em termos de competências

existenciais (somáticas, afetivas e de consciência), instrumentais ou

pragmáticas, explicativas ou compreensivas na ocasião de um

acontecimento, de uma situação, de uma atividade que coloca o

aprendente em interação consigo próprio, os outros, o meio natural

ou as coisas que o rodeiam.

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

99

Para Pineau, (1989 apud CAVACO, C., 2009), a formação experiencial é uma

formação por contato direto, mas refletido, ou seja é no exercício de reflexão que o

processo formativo vai se constituindo.

Para Roelens (1991, p. 220)

É a descoberta progressiva por um sujeito (individual ou coletivo) da

sua capacidade de pensar e de produzir a realidade a partir de cada

experiência, capitalizando, de um modo singular, as potencialidades

heurísticas das situações onde se inscreve a sua identidade.

Nessas três definições, algumas ideias lhes são transversais: o papel ativo

que o sujeito assume e a sua capacidade de experimentar e de refletir sobre as

situações e acontecimentos que ocorrem no seu dia a dia; e o fato de a formação

experiencial ocorrer através de um contato direto entre o sujeito e o objeto, o que

origina, normalmente, uma ação, e resulta num saber real com aplicação prática na

vida desse aprendiz. Quando falo de formação experiencial tenho, subjacente, o

pressuposto básico de que se aprende através da experiência.

Diante desses fundamentos, uma questão me intrigava: Como articular a

formação a partir dessa experiência? Os caminhos que percorri foram sinalizados

pelos próprios atores sociais. Eles anunciavam, através do diálogo, a necessidade

de se trabalhar, no curso, as suas experiências. Na escuta desses atores sociais foi

possível me aproximar do processo formativo vivido por eles.

Os professores, algumas vezes, iam puxando os conteúdos

presentes nos nossos relatos para o debate. Quando os docentes

promoviam o debate acerca das experiências relatadas era melhor,

pois, aí, tanto os colegas davam suas opiniões como os professores

formadores também e, assim, eles ainda podiam ir mostrando os

saberes que utilizamos na construção daquela experiência, essa aula

também se tornava uma nova experiência (LIDIANE,2011).

Eu acredito que era uma intenção do curso promover esse encontro

da experiência que a gente tinha com o debate teórico acerca daquilo

que acreditávamos. A gente achava que a nossa própria experiência

ensinava, mas, na hora de arrumar isso, de compreender melhor o

nosso trabalho, tivemos que buscar os teóricos. Isso foi feito no

curso, acho que esse foi o grande acréscimo do curso, porque a

gente já tinha uma caminhada (GILMARA, 2011).

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

100

Esses e outros relatos mostram que os professores-alunos entendiam que a

formação está ligada à experiência. Esse movimento formativo só é possível quando

existe o reconhecimento de que a experiência traz em si conhecimentos que

precisam ser debatidos e articulados com o pensar do sujeito em formação. Eles

mostram que no movimento formativo é necessária a presença do professor

formador fomentando esse debate e acrescentando novas necessidades de

aprendizagem para os sujeitos. Esse movimento, anunciado por essas narrativas,

vai ao encontro da formação experiencial, pois essa não se limita ao vivido e à

experiência, ela supõe uma atividade intelectual intensa a fim de confrontar essa

experiência, integrá-la e dar-lhe sentido.

Posso afirmar, corroborando a ideia de Josso (2004, p. 123), que “a formação

não é senão experiencial”, porque lhes são inerentes a atribuição de sentido e a

reflexão sobre o vivido, e isso exige a apropriação das situações por parte do sujeito:

a experiência é condição necessária para que ocorra formação.

No próximo capítulo vou apresentar uma discussão a respeito da relação

teoria e prática e do lugar ocupado por essa relação no processo formativo vivido

por esses atores sociais.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

101

TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO

DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM

DIÁLOGO NECESSÁRIO

CAPÍTULO 5

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

102

5.TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM ATUAÇÃO: UM

DIÁLOGO NECESSÁRIO

A atividade teórica por si só não leva à transformação da

realidade; não se objetiva e não se materializa, não sendo, pois,

práxis. Por outro lado, a prática também não fala por si mesma, ou

seja, teoria e prática são indissociáveis como práxis.

Adolfo Sánchez Vázquez, 2007

Uma discussão sobre os modelos de formação de professores com o

propósito de compreender o lugar da relação teoria e prática no processo formativo

dos professores, é indispensável. Interessa-me saber como esse debate foi se

configurando ao longo do tempo e como se materializou no curso de formação de

professores em atuação do programa PROAÇÃO.

Inicialmente apresentarei algumas reflexões a respeito dos termos prática e

teoria, em seguida, um debate a respeito dessa relação, tomando uma visão de

unidade, e no diálogo com os atores sociais participantes dessa pesquisa, irei

desvelando o processo formativo vivido por eles. Espero, nesse movimento,

encontrar o lugar ocupado por esse debate na formação desses professores-alunos.

Durante os diálogos mantidos com os atores sociais, o debate sobre a relação

teoria e prática foi se configurando. Nas entrevistas individuais essa temática

emergiu naturalmente, e a necessidade de reapresentá-la em uma das sessões do

grupo focal surgiu.

Durante o debate o meu desejo era me aproximar da compreensão que os

professores-alunos tinham sobre essa relação; encontrar o lugar desse debate na

materialização do curso; saber como a relação teoria e prática foi se constituindo e,

também compreendê-los em suas práticas pedagógicas, já vivenciadas, e

analisadas durante o curso.

Minha aspiração não foi fixar lugares e sim me aproximar, por meio da leitura,

das narrativas dos atores sociais e das compreensões que esses possuem a

respeito da relação teoria e prática na sua formação. Meu desejo foi desvelar essas

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

103

compreensões inspirada nesses depoimentos e nos escritos acadêmicos. A partir

daí foi possível travar um diálogo que viesse a contribuir para a formação de

professores em atuação.

A compreensão dessas verdades é refletida a partir de uma teoria. Os

estudos de Kinchoeloe (1997) me respaldam quando explica que a teoria não é

apenas uma explicação do mundo, mas uma explicação da nossa relação com o

mundo. Uma leitura mais ampliada desse posicionamento me permite compreender

que a escolha do caminho teórico é uma opção entre várias outras. Escolhi não

aquele que apenas possibilita caminhar, mas aquele, que me leva aonde preciso

chegar. Isso implica em dizer que caminho com as minhas crenças, objetividades,

subjetividades, enfim, ando como sou em minha totalidade.

Acredito que, em qualquer escolha teórica, para compreender a relação

teoria e prática, não se pode desconsiderar que elas traduzem uma relação da

sociedade com o mundo do trabalho e, nesse sentido, existe o esforço para separar

trabalho intelectual de trabalho manual e, consequentemente, vivenciar as tentativas

de separação entre teoria e prática (CANDAU; LELIS, 1983). Nesse trabalho minha

intenção é buscar a unidade entre teoria e prática, sem, com isso, negar as

especificidades tanto da teoria quanto da prática.

5.1. A prática e a formação de professores

As pesquisas na área de formação de professores vêm anunciando o

crescimento de estudos investigativos a respeito da prática docente. Reconheço que

esse movimento representa um avanço, considerando-se que o professor deixa de

desempenhar o papel de mero aplicador de teorias e passa a assumir o status de

quem, também, produz conhecimentos. Em outras palavras, é a compreensão de

que a prática cotidiana é um lugar de construção dos saberes da docência.

A prática, em qualquer campo, indica atividade. No campo educacional a

essência da prática, ou seja, da atividade do professor, é o ensino–aprendizagem.

Essa atividade é sistemática e acadêmica porque envolve modos de proceder,

objetivos, finalidades e conhecimentos. Esses aspectos são determinados em razão

de uma realidade histórico-cultural da própria atividade docente, que é constituída e

constituinte das relações sociais, sendo uma atividade intencional, portanto, teórica

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

104

(de conhecimento e intencionalidade), e uma atividade prática (de intervenção e

transformação). Desta forma, o trabalho docente é uma atividade teórica e prática

que o profissional da educação realiza no processo ensino–aprendizagem.

No movimento de pensar a relação teoria e prática senti a necessidade de

realizar um percurso histórico do lugar da prática na formação de professores. Isso

me permite pensar a prática no que era, no que é e no que poderá ser (COUTO,

2011, p. 50).

Os professores convivem, ainda hoje, com três modelos teóricos de formação,

e, consequentemente, três modos de olhar a prática, a saber: o modelo positivista,

pautado na racionalidade técnica; a epistemologia da prática, que enfatiza a reflexão

a respeito da prática; a racionalidade crítica, que traz a compreensão da prática

inserida no contexto social.

Na racionalidade técnica, a prática constitui-se no instrumento de aplicação

da teoria a partir de uma perspectiva utilitarista. O professor reproduz modelos, ele é

um ser passivo, não define, não avalia, apenas aplica técnicas já pré-estabelecidas.

Contudo, não se pode negar que esses espaços se constituam num local de

contradição entre o elaborado e o vivido no interior das salas de aula.

Outro modelo presente na formação de professores é o da epistemologia da

prática que, ancorado na racionalidade prática, vai se constituindo como modelo

alternativo da formação, tendo como princípio básico a reflexão. Este modelo surgiu

pela crítica à racionalidade técnica que, por si, não dá conta dos problemas

vivenciados pelos professores no cotidiano das escolas. Essa habilidade de resolver

problemas no cotidiano assenta-se na confluência entre o conhecimento e a técnica,

a qual Tardif (2002) nomeou como “conhecimento prático”.

Tardif (2002, p. 255) conceitua a epistemologia da prática como o “estudo do

conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de

trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas”. Por saberes

compreende-se os hábitos, atitudes, conhecimentos, competências, habilidades.

Esta definição propõe a epistemologia da prática profissional enquanto campo

de investigação, cuja ideia é a de construir um objeto de estudo (saberes docentes);

um compromisso em favor de certas posturas teóricas e metodológicas. Logo, a

epistemologia da prática tem a finalidade profícua de revelar os saberes, conhecer

sua natureza, compreender como esses saberes estão integrados concretamente

nas tarefas dos profissionais, como são incorporados nas atividades do trabalho

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

105

docente e qual o papel que desempenham no processo de trabalho de identidade

profissional.

Como campo de pesquisa, a epistemologia da prática pode evidenciar, por

exemplo, o paradigma epistemológico no qual os professores fundam seu trabalho e,

por extensão, a racionalidade pedagógica de suas ações educativas.

Schön (2000) entende epistemologia da prática como um modelo explicativo

de formação para o trabalho profissional. Esse autor afirma que é na reflexão

baseada nos problemas que surgem na prática cotidiana dos profissionais, que se

produz uma base epistemológica. Neste sentido, a epistemologia da prática pode ser

entendida como um campo teórico-metodológico que procura explicar o modelo em

que se situam as práticas, bem como os saberes e os sentidos por ela produzidos,

ou seja, a racionalidade em que estão apoiadas. Neste caso, o profissional é um

sujeito epistêmico que estabelece ”uma conversação reflexiva de um investigador

com a sua atuação” (SCHÖN, 2000, p. 69).

Esta postura reflexiva, apresentada por Schön no campo de estudos sobre a

epistemologia da prática docente, pode contribuir para a constituição da

profissionalização no sentido de autenticar os saberes da profissão, legitimando-a.

Na área da Educação, por exemplo, a composição do movimento de

profissionalização da docência passa por questionamentos no sentido de constituir-

se como profissão, a partir da legitimação de seus conhecimentos e de suas

competências.

Estas competências, estão condicionadas ao desenvolvimento do saber

oriundo da experiência, fundado em uma prática ética. Significa que a competência

do trabalho pedagógico é indissociável da evolução do saber ensinar, na perspectiva

da emancipação dos sujeitos aprendizes. Neste caso, se a profissionalidade docente

envolve a produção de saberes, sua dominação e socialização, a ética profissional,

enquanto campo teórico-metodológico, colabora para que a profissão dos

professores possa tornar-se autônoma.

Estas reflexões permitem-me entender que a epistemologia da prática pode

ser apreendida como um campo teórico-metodológico que procura caracterizar e

compreender o modelo em que se situam as práticas. Saliento, contudo, que a

questão principal não é ampliar a prática em detrimento da teoria ou vice-versa, mas

adotar uma nova forma de pensar e produzir conhecimento no interior dos cursos de

formação.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

106

Outro modelo presente na literatura, que busca situar a prática, é a

epistemologia emancipatória ou crítica. Estudar a prática nesta perspectiva exige o

reconhecimento da complexidade que tal conceito envolve. Segundo Morin (1998, p.

176), a complexidade pode ser entendida como "aquilo que tenta conceber uma

articulação entre a identidade e a diferença." Nesse horizonte, um estudo que

pretenda se aproximar desse modelo precisa, a meu ver, movimentar-se na busca

do protagonista da prática e dos processos que ele mesmo constrói, estabelecendo

as relações necessárias à dinâmica de construção da sua própria identidade.

Nesse movimento é preciso superar a lógica instrumental, presente nos

modelos, e avançar para estudos que apresentem o interesse emancipatório,

visando à libertação e à autonomia do ser humano a fim de alcançar um

conhecimento que permita, numa postura intercrítica, avaliar as

condições/determinações sociais, culturais e políticas em que são produzidas as

práticas.

Paulo Freire (1921-1997) constituiu-se em uma referência, para o estudo, as

ações e as práticas emancipatórias. Seus escritos e sua prática de vida trouxeram

uma contribuição significativa ao "olhar" emancipatório da e na prática. O seu

método do "diálogo de levantamento de problemas" contribuiu tanto para interpretar

a realidade, como para, no diálogo crítico, dar condições de se tomar novas

decisões. Neste sentido, Pereira (2002) mostra que essa tomada de decisão se

constrói a partir de três necessidades. A primeira é o reconhecimento do ensino e da

aprendizagem como veículos para a promoção de uma maior igualdade,

humanidade e justiça social na sala de aula, na escola e na sociedade. A segunda,

por conceber a Educação como expressão de um ativismo político e a sala de aula

como um local de possibilidades, permite ao professor construir modos coletivos

para ir além dos limites, transgredindo os modelos sociais vigentes. Por fim, a

terceira, que é a necessidade de desnudar, interromper e interpretar as

desigualdades dentro da sociedade e, principalmente, facilitar o processo de

transformação social.

Essas breves reflexões evidenciam que a prática não pode ser reduzida ao

controle técnico. Sendo assim, na formação de professores em atuação, não se

pode olhá-la como sendo certa ou errada, pois o conhecimento dos professores não

pode ser visto como um conjunto de técnicas ou mesmo como um kit de ações para

a produção da aprendizagem dos alunos, mas como um processo formativo que

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

107

exige do sujeito que ensina uma reflexão ancorada na transformação do indivíduo e

da sociedade.

Considerando os estudos já realizados a respeito da prática, entendo que

esta pode significar ruptura e reflexão, como também alienação, quando vista

apenas como uma ferramenta para assegurar o conservadorismo.

5.2 A teoria

Eu não vejo a teoria como certificação do que está certo. Eu

não vejo a teoria como forma de saber se o que estamos fazendo na

prática, está certo. Não me conformo que seja apenas isso.

Magda (2011)12

A discussão sobre o tema teoria foi muito presente tanto nas entrevistas

individuais quanto nas sessões do grupo focal. Busquei compreender o seu lugar na

formação desses homens e mulheres, professores da Educação Básica no Curso de

Formação de Professores em Atuação (PROAÇÃO).

As reflexões que tenho realizado sobre a teoria me permitem compreendê-la

como a organização das representações que o ser humano vai construindo sobre os

objetos e os fenômenos presentes em sua existência, isso em sua relação consigo

mesmo, com o outro e com o mundo.

Esse conceito traz algumas ideias básicas, a de que a teoria “vai se

constituindo na vida”, na existência do sujeito. Logo, não é possível concebê-la

como um produto final, fechado, para ser generalizado e assimilado por todos. Fica

claro, pelo menos para mim, que a teoria, sendo construída pelo ser humano, com e

a partir das suas experiências, estará sempre em movimento.

Outra ideia refere-se ao “o esforço do sujeito na construção da teoria”. Isso

implica, a meu ver, na plenitude do vivido, ou seja, na proximidade com esse vivido,

sendo tomado pelas diversas situações e encarnando nelas, ou seja, sendo inteiro.

Macedo (2010) afirma que esse é um processo erótico por trazer o prazer pleno no

vivido. Esse movimento, ao mesmo tempo em que exige do sujeito certa

passividade, dar-lhe-á a capacidade de mobilidade para que, no esforço humano,

possa compreender esse vivido.

12

Magda, participante dessa pesquisa.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

108

Acarreta, também, tornar necessário o estranhamento ao vivido para que ele

incomode e gere a indispensabilidade da reflexão, a qual se constitui na articulação

constante entre o vivido, os sentidos e os significados que são atribuídas a essa

experiência. Nesse processo tenso e tensionado, a teoria vai se construindo. Não é

que a teoria surja de forma espontaneista, e sim que ela seja o resultado de um

exercício muitas vezes duro e sofrível de um sujeito que reflete sobre si, os objetos e

os fenômenos.

Nesse sentido, Gamboa (2003, p. 125) afirma que

Não é possível conceber a teoria separada da prática. É a relação com a prática que inaugura a existência de uma teoria; não pode existir uma teoria solta. Ela existe como teoria de uma prática. A prática existe.

Assim, compreendo a prática como o vivido, e a teoria como o exercício de

compreensão desse vivido, ou seja, a organização das representações elaboradas a

respeito desse vivido. Sendo assim, a teoria passa a ser vista como um

conhecimento elaborado por um sujeito partícipe de um determinado contexto

histórico-social e, portanto, com suas implicações e suas próprias experiências.

Essas reflexões acerca da teoria trazem o sujeito que age, pensa, analisa,

reflete a respeito do seu cotidiano e, nesse movimento, vai criando novas formas de

existência, isto é, a práxis vai surgindo como movimento em que o ser humano vai

se apropriando da sua condição humana. Esse momento de produção é o que

Vázquez (2007, p. 265) conceituou como práxis criadora.

Neste sentido, além de concordar com Magda, enxergo como um possível

lugar da teoria, na formação de professores em exercício, o espaço de reflexão do

vivido, no esforço de compreensão desse vivido, abrangendo tanto as práticas como

os sujeitos e os contextos geradores.

5.3 O diálogo entre teoria e prática

Ao longo dos estudos realizados a respeito da relação teoria e prática fui

defrontando-me com duas visões. Uma, a dicotômica, que compreende a prática, de

um lado, e a teoria, de outro. Isso significa que existem os que pensam e aqueles

que apenas realizam, como se isso fosse possível nas atividades laborais do ser

humano. Nessa visão dicotômica, a relação teoria e prática será sempre de oposição

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

109

e, nessa condição, a teoria é sempre posta numa posição infinitamente superior à da

prática, podendo até derivar dela, mas, nunca, ter igual importância.

Outro desdobramento da visão dicotômica é a da relação de justaposição

entre teoria e prática. Compreende-se que a teoria já não é autossuficiente, ou pura

abstração, isolada e antagônica à prática, mas são justapostas, onde a teoria

comanda a prática, que, por sua vez, não cria, não concebe, apenas realiza a

prática, e nessa visão aplica os conhecimentos que a teoria elabora.

A outra visão se apresenta como unidade onde teoria e prática são dois

componentes indissolúveis na vida humana. O diálogo entre teoria e prática só

poderá ser construído a partir dessa visão de unidade. Minha análise vai nesta

direção, a de que teoria e prática são dois elementos que, mesmo tendo suas

especificidades, mantêm entre si uma relação indissolúvel.

Meu desafio consistiu em compreender o diálogo travado na literatura e nas

narrativas dos nossos atores sociais a respeito dessa unidade. Os relatos foram

desvelando essa relação ao longo da formação dos professores-alunos. Esta visão

de unidade expressa a síntese superadora da dicotomia entre teoria e prática, sendo

condição fundamental para a busca de alternativas na formação de professores em

atuação.

A escolha da visão de unidade me liberta de um pensamento marcado por

"armadilhas" que ora privilegiam e enfatizam a formação essencialmente teórica,

estimulando o contato com os autores considerados clássicos, sem se preocupar em

modificar ou fornecer instrumentos para a intervenção na prática educacional, e em

outros momentos enfatizam uma formação prática, admitindo-se que esta tem sua

lógica própria, que independe da teoria. Neste caso, a prática é esvaziada da teoria,

daí observa-se uma ênfase nas disciplinas instrumentais, sem a preocupação com

sua articulação com as disciplinas consideradas teóricas, segundo Candau e Lelis

(1983)

Teoria e prática são dois componentes indissolúveis da “práxis” definida como

atividade teórico-prática. Em outras palavras, tem um lado ideal, o teórico, e um lado

material, a prática propriamente dita. Entretanto, essa separação ocorre,

artificialmente, através de um processo de abstração. Essa relação não é direta nem

imediata, ela se realiza através de um processo complexo, no qual, algumas vezes,

se passa da prática à teoria, e outras, desta à prática (VÁZQUEZ, 2007).

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

110

Os estudos atuais acerca da formação de professores em atuação no Brasil

mostram que esta ainda traz as marcas da racionalidade técnica. Compreendem

que, mesmo sendo concebida politicamente a partir desse paradigma, é possível

encontrar espaços de contradição nessa realidade e, assim, fazer o anúncio do

modelo da emancipação e daautonomia discutido por Paulo Freire em toda a sua

obra e vida.

Nessa perspectiva, o olhar a respeito da prática não poderá ser reduzido ao

cumprimento de um conjunto de procedimentos técnicos e metódicos de

transmissão de conhecimentos distantes da realidade e da possibilidade de

mudança dessa realidade.

A racionalidade emancipatória, segundo Giroux (1986), realiza a crítica àquilo

que é restrito e opressor, mas apoia a ação orientada para a liberdade e o bem-estar

individual e social. A racionalidade emancipatória investe na prática da reflexão e,

consequentemente, na prática da autorreflexão de forma consciente e crítica,

compreendendo esse movimento como uma ação social por estar dentro de um

determinado contexto e política, por exigir uma tomada de posicionamento por parte

dos formadores, sejam esses os docentes da Universidade e/ou os alunos que, em

nesse caso, já são docentes da Educação Básica.

Concordo com Freire (1996) quando afirma ser necessário e urgente que o

professor assimile os princípios que orientam a atividade docente em direção à

autonomia, condição essencial para a formação de um profissional autônomo, que,

compreendendo seu papel, possa atuar de maneira mais efetiva rumo à liberdade.

Essa formação anunciada só será possível por meio da reflexão acerca da

prática, sendo essa compreendida como uma prática social educativa, ou seja, numa

visão ampliada de Educação e de sua relação com o mundo. Segundo Pimenta e

Gredin (2005), a Educação não só retrata e reproduz a sociedade, ela também

projeta a sociedade desejada.

Nesse modelo de racionalidade, a relação teoria e prática deverá ser vista no

movimento triplo apresentado por Schön (1992): reflexão na ação, reflexão sobre a

ação e reflexão sobre a reflexão na ação. Esses movimentos exigem a atividade de

reflexão e também de crítica, se constituindo, assim, na formação de um professor

reflexivo e crítico. Ao trazer a categoria crítica estou dando um passo à frente em

relação ao conceito de professor reflexivo e me aproximando de um ser humano

autônomo: o professor. Tal postura gera a compreensão de que a formação pessoal

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

111

e profissional caracteriza-se como um continuum, envolvendo as experiências de

formação inicial e continuada e, também, as experiências da/na atuação profissional.

5.3.1 Movimento formativo dos professores-alunos: relação teoria e prática

Aqui trago à tona a discussão sobre a relação teoria e prática vivida pelos

professores-alunos em seus processos formativos. E em seguida, apresentarei os

argumentos utilizados por eles para transformar esse diálogo em um dispositivo

formativo.

A análise das informações mostra a dinamicidade da formação construída a

partir do curso de graduação, sob o olhar dos professores-alunos. Percebi que eles,

ao apresentarem suas narrativas a respeito desse processo vão reelaborando novas

compreensões. Essas reflexões permitem fazer uma retomada do vivido e, no

debate com seus pares, reorganizar sua trajetória a partir de um ato reflexivo sobre

a relação teoria e prática no curso e na vida de cada um. Esse movimento tem uma

relação com a ação dos professores formadores e as disciplinas que compõem o

currículo do curso.

As narrativas revelaram que, no início do curso, os professores-alunos

acreditavam estar levando sua prática para o curso a fim de que a academia, por

meio dos professores formadores, se responsabilizasse pela teoria, proporcionando,

assim, o encontro teoria e prática. Nessa relação haveria o confronto com a sua

prática e novos caminhos seriam mostrados para, finalmente, ocorrer a mudança na

prática pedagógica desenvolvida nas salas de aula. É o que confessa a professora-

aluna Ana Dalva:

Quando eu fui para a UESC, achei que iria aprender todas as teorias

e, aí, sim, eu poderia mudar minha prática. Eu era professora da

Educação de Jovens e Adultos e achava que a teoria ia me ensinar a

ser uma professora melhor, eu pensava assim. O curso mostrava

sempre a necessidade de buscar os conhecimentos teóricos. O curso

mostrava muito isso. Que o conhecimento teórico serviria para que

as coisas não ficassem soltas, simplesmente no que eu acho e no

que eu penso, [mas,] que tinha alguém, algum autor, que afirmaria

como eu deveria pensar e como deveria caminhar. Achava que isso

ia ajudar na minha prática (2011).

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

112

O pensamento dessa professora-aluna mostra que o debate acadêmico

acerca da relação teoria e prática, numa visão de unidade, não havia ainda chegado

a eles. O curioso é que a maioria já participava de momentos de formação

continuada oferecida pela rede municipal de ensino. Eles tinham uma vivência

profissional de mais de cinco anos na docência e, mesmo assim, ainda traziam a

marca da dicotomia nessa relação. Este pode ser o anúncio da distância entre o

conhecimento produzido acerca dessa relação e a forma como esse conhecimento

tem chegado aos educadores da Educação Básica.

Além do exposto, a situação indica a necessidade das agências formadoras

elegerem essa “crença” como tema a ser debatido, refletido na formação dos

professores em atuação. As narrativas apresentadas mostram que, quando

colocados frente a essa discussão, os professores-alunos foram adquirindo

informações e ações que lhes possibilitaram compreender a relação teoria e prática

numa visão de unidade.

Vejamos:

Eles trabalhavam, sim, o que acontecia. As atividades sempre eram

direcionadas para a nossa prática, então, todas as nossas atividades

eram direcionadas para o que a gente fazia em sala de aula, eles

queriam saber como a gente estava trabalhando na sala de aula, se

estava de acordo com a teoria que a gente via na Universidade

(KÁTIA, 2011).

Então, diziam: "Olha, você fez, saiu dessa maneira, mas é preciso, é

necessário que você retorne com essa mesma atividade, em outro

momento, agora, seguindo tais passos". Aí, dava até um roteiro pra

que a gente pudesse seguir, dava um texto primeiro, pra gente ler,

fazer uma reflexão, ver o que alguns estudiosos falavam daquela

prática, de como trabalhar daquela forma. Isso acontecia. Aconteceu

muito (DAMASCENO, 2011, grifo nosso).

Os professores-alunos trazem essas narrativas como sendo um pensamento

inicial a respeito dessa relação e, durante o curso, com as mediações dos

professores formadores, no convívio com os colegas, nas leituras realizadas e,

principalmente, na disciplina Estágio, foram se distanciando desse primeiro

pensamento, foram compreendendo que a prática envolve tomada de decisões,

escolhas e, mesmo que, naquele momento, se eles não tivessem tanta clareza,

percebiam que nesse movimento de pensar a prática estava presente a teoria.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

113

Embora todos os professores que estavam conosco soubessem do

programa, sabiam que éramos professores que já atuavam, mas,

ainda assim, no início do curso havia alguns que nos tratavam como

se a gente não conhecesse as teorias, não tivesse conhecimento

teórico. Mas, eu fui me distanciando desse pensamento, porque no

decorrer das aulas, quando a gente começava a discutir, os

professores iam percebendo isso... A partir de um bom tempo, eu

comecei a perceber que aí, eu não tinha só a prática mais... Eu era a

teoria e prática e o professor era teoria e prática também (MAGDA,

2011).

Talvez faltasse uma teorização a respeito da prática docente, pois esta não se

constitui em um exercício intelectual desligado da prática, e sim um processo de

abstrações ancorado em problemáticas geradas na análise e na reflexão de

situações reais que surgem no movimento de compreensão da prática, ou seja, o

esforço de pensar a prática, pensar os sujeitos da prática e os contextos vivenciados

no exercício dessa mesma prática. Sendo assim, vamo-nos libertando de temas

alheios à realidade e criando novas necessidades de reflexão e crítica, condições

indispensáveis para o processo de formação.

5.3.2 O papel dos professores formadores no debate sobre teoria e prática

Nesse movimento, outro aspecto importante apontado pelos atores sociais

nas discussões do grupo focal foi o papel desempenhado pelo professor formador

para fomentar o debate e a reflexão a respeito do lugar da relação teoria e prática no

conhecimento profissional. A narrativa de Lidiane mostra a necessidade de se

promover no curso reflexões que produzissem um debate mais aprofundado a esse

respeito. Ela sinaliza que os professores-alunos já traziam um conhecimento a

respeito de suas práticas e já percebiam a teoria presente nessas práticas, então, o

debate precisaria ser mais denso.

Eu entendi, por vezes, que alguns professores ficavam confusos a

respeito do seu papel, ou melhor, do seu trabalho com a gente. As

suas aulas não tinham tanto sucesso, suas teorias não nos serviam.

A gente não se via ali naquelas aulas, era como se a gente estivesse

ali para cumprir um papel burocrático. Elas já têm teoria, mas

precisam passar por esse sistema, por essa etapa pra consolidar a

teoria e a prática que elas já têm. Eu penso que, no contexto do

curso, alguns professores nos entendiam como profissionais que já

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

114

tinham a teoria e a prática, e que estávamos ali só para cumprir uma

formalidade. Outros professores entendiam que a gente já tinha

teoria, mas que nós poderíamos ter teorias mais avançadas. E esses

nos fizeram avançar no processo de compreensão a respeito da

relação teoria e prática. Eles achavam que, como nós tínhamos um

conhecimento tanto da teoria como da prática, a gente poderia

crescer mais. Então, eles poderiam tirar mais de nós, nos fazer

avançar. Esses professores fizeram a diferença, era isso que

queríamos (LIDIANE, 2011).

Nesses momentos nos defrontamos com uma questão a nosso ver

significativa sobre a formação do formador. Segundo depoimentos dos

alunos/professores, alguns docentes do curso acreditavam que, sendo esses alunos

já professores e muitos com uma vasta experiência, não tinham mais o que aprender

e, assim, o curso e o estar na Universidade era apenas para se cumprir uma

burocracia para emissão da certificação.

Aí o professor ficava falando: „E aí, mas quem é que fundamenta

essa prática?‟ A prática na formação fez um diferencial porque como

Lidiane falou, a gente ficava muito exigente; porque parecia que o

professor lá na frente não sabia relacionar a teoria que ensinava com

a nossa prática. Parecia que o professor que estava ali na frente, não

todos, mas, em algumas situações, pareciam não saber o que

estavam falando. E parece que a gente, pela ousadia e pela

experiência, queria mais do professor (MAGDA, 2011, grifo da

autora).

Tal fato nos chama atenção para a formação dos formadores, em sua maioria,

formados na lógica da racionalidade técnica, a qual, segundo Korthagen (2009), traz

a ideia da teoria para a prática numa abordagem dedutiva, cuja característica

fundamental é deixar que o formador decida o que é importante para que os futuros

professores aprendam, ou seja, a preocupação básica é a apresentação, aos futuros

professores, das teorias educativas "úteis", com o objetivo de serem aplicadas na

sua prática pedagógica.

Nesta direção, Mizukami (2005) traz uma significativa colaboração ao

estabelecer o debate a respeito da formação dos formadores. Afirma ela que:

Mesmo fundamentados em literatura recente que tem discutido e

explicado processos de aprendizagem da docência, deparamo-nos

com um quadro peculiar nas agências formadoras. Os formadores de

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

115

professores, com formação e atuação próprias da concepção de

processos formativos orientados pelo paradigma da racionalidade

técnica, são os mesmos que irão oportunizar processos formativos

sob uma nova visão. Se, por um lado, os formadores percebem os

limites e dificuldades do paradigma da racionalidade técnica e

procuram superá-los pela adoção de um novo paradigma por outro,

eles têm toda uma formação e prática pedagógica que lhes garante

autonomia e segurança no desenvolvimento de suas atividades, o

que lhes dificulta aderir integralmente à nova concepção, assim como

operacionalizar de forma pertinente seus cursos / disciplinas a partir

de uma nova forma de compreender e de interferir em processos

formativos da docência (MIZUKAMI, 2005, p. 7).

Este problema não pode ser minimizado: a formação dos formadores. Como

avançar na formação de professores da Educação Básica que já estão em atuação,

se os seus formadores estão presos aos paradigmas da racionalidade técnica? Um

provável caminho seria se debruçar sobre o seu próprio processo de formação, e na

interação com a realidade trazida pelos professores-alunos, criar possibilidades para

que esses docentes entrem em formação na atuação da sua função de formar

outros professores.

Essa possibilidade poderá criar ações individuais e pontuais, mas isso não

resolve o problema da formação dos formadores, porém potencializará o debate a

esse respeito. Essas situações corroboram a defesa de alguns estudiosos a respeito

da necessidade das instituições formadoras construírem seus projetos de formação

de professores de forma democrática e em sintonia com as escolas de Educação

Básica.

Conforme os relatos dos atores sociais, os professores formadores que se

mantiveram presos ao paradigma da racionalidade técnica, quando se depararam

com professores-alunos que já estão na docência e trazem os saberes construídos a

respeito do seu trabalho, e nesse movimento vão compreendendo e visualizando o

lugar da teoria e da relação teoria e prática na sua formação, sentem-se

encurralados e passam ver o curso apenas como o cumprimento de uma exigência

burocrática para a certificação. Quando isso acontece professores formadores e

professores-alunos se distanciam da formação para atuarem apenas na certificação.

No entanto a realidade é dinâmica e as pessoas não ficam apenas em um

lugar, mas se movem, desafiadas pelas necessidades de construir novos

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

116

conhecimentos com e a partir das problematizações trazidas pelos professores-

alunos e as geradas no diálogo com as teorias ensinadas e aprendidas.

Confirmando esse entendimento, uma professora-aluna chega a expressar

que uma professora formadora, que deu aulas em duas disciplinas, no final já

conseguia demonstrar interesse e segurança nas suas reflexões e, portanto, já

fomentava o debate, rompendo o distanciamento inicial e estabelecendo uma

relação formativa com o curso.

Esse debate não pode ser excluído das políticas públicas governamentais,

das instituições formadoras e das escolas de Educação Básica. Esse diálogo torna-

se fundante para constituição de espaços formativos para todos os atores sociais

participantes desse processo.

As narrativas apresentadas neste texto mostram que chega um momento em

que os professores-alunos percebem que, na formação, eles precisam ir além de um

olhar a respeito da relação teoria e prática, a partir das situações visíveis do ensino

e da aprendizagem, como revela a fala da professora-aluna Lidiane: "eles poderiam

tirar mais de nós, nos fazer avançar. Esses professores fizeram a diferença. Era isso

que queríamos [...]” (2011).

Esses depoimentos anunciam o rompimento com a crença inicial que só se

aprende teoria na universidade, para compreender que a prática, em si, já contém

uma teoria. A partir desses debates o conflito se instalou e os professores-alunos

sentiram a necessidade de definir mais claramente o que estavam fazendo na

Universidade.

Esse novo conflito vivido por eles instala novas necessidades formativas. Não

lhes serve mais um estudo teórico que não seja capaz de avançar na compreensão

mais ampliada do trabalho, da Educação e da sociedade, a ser desenvolvido por

eles nas escolas, bem como das implicações políticas, éticas e pedagógicas que

envolvem tal postura.

Esse movimento traz a necessidade da reflexão crítica para que a prática seja

compreendida como uma prática social e educativa, conforme o anunciado por

Pimenta e Gredin (2005), pois a Educação não só retrata e reproduz a sociedade,

como também projeta uma sociedade desejada, movimento possível pela práxis.

A práxis é uma prática que se faz pela atividade humana de transformação da

natureza e da sociedade, consolidando-se, assim, em uma atitude humana diante do

mundo, da sociedade e do próprio ser humano. Entendo que a práxis é desejada e

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

117

necessária por contribuir para a emancipação dos sujeitos e por anunciar a

possibilidade de uma nova ordem social. Sendo assim, a relação teoria e prática não

poderá ser vista e tomada como categoria de formação apenas pela reflexão das

situações recortadas de ensino e aprendizagem, mas como uma ação maior,

contextualizada, sobre o que é a própria formação do sujeito.

Quando os professores-alunos trazem, em suas narrativas, a necessidade de

ampliação e aprofundamento desse diálogo, acredito que esses acabam por colocar

em xeque a própria Universidade, que precisa dizer qual é o seu projeto de

formação e em que bases ele está assentado. Nesse movimento é possível

enfrentar os limites de um curso de formação inicial para professores em atuação e

suas implicações na formação dos professores formadores para, nesse processo,

tentar criar novas possibilidades formativas, tanto para os professores-alunos como

para os professores formadores. Isso é assegurar que novas práxis possam ser

constituídas.

5.3.3 O papel da disciplina Estágio Supervisionado e a relação teoria e prática

As narrativas apresentadas mostram o papel que a disciplina Estágio

Supervisionado desempenhou na articulação do currículo como ato. Para os

professores-alunos, a disciplina possibilitou a reflexão acerca do vivido e gerou

novos conhecimentos que permitiram a ampliação da compreensão acerca da

relação teoria e prática na formação de professores em atuação. E, nesse cenário,

entraram suas próprias histórias de vida e suas relações com o trabalho

desenvolvido, chegando-se a eles próprios e, por extensão, ao seu trabalho docente

e à relação teoria e prática.

A disciplina Estágio Supervisionado ocupava um espaço central no curso,

com uma carga horária de 400 horas, distribuídas em nove módulos, e proporcionou,

aos professores-alunos, a possibilidade de debater a respeito de sua própria

constituição como sujeito/autor de sua história pessoal e profissional. Sua ementa

manifesta esse movimento:

Dimensões teórico-metodológicas do Estágio Supervisionado,

Estágio como espaço de formação, o sujeito dessa formação.

Elaboração, aplicação e avaliação de projetos de ação e de

intervenção. Ação. Planejamento e execução de projeto

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

118

interdisciplinar. (Re)construção dos saberes e fazeres docentes

(UNIVERSIDADE ESTADUAL SANTA CRUZ, 2007).

O enunciado desta ementa traz no bojo o papel da disciplina enquanto

articuladora do processo formativo dos sujeitos. Ela realiza ações práticas que

permitem, por meio da reflexão, a compreensão necessária para a construção da

identidade desses atores sociais.

A disciplina Estágio Supervisionado perpassava todo o currículo, ou seja,

esteve presente desde o primeiro módulo, e cada docente trabalhava com uma

média de 25 alunos. Um fato importe a destacar foi o processo de escolha desses

docentes realizado a partir de critérios profissionais, tais como: serem docentes da

Universidade, ter uma relação com a escola de Educação Básica; ter disponibilidade

de tempo para replanejar ações e estudos, conforme as necessidades

apresentadas, capacidade de problematizar os conhecimentos já naturalizados,

fazer o acompanhamento do seu grupo de professores-alunos e, por fim, criar um

clima favorável à formação desses profissionais.

A disciplina foi organizada por meio das atividades de formação em serviço

(AFS), conforme descrevo no terceiro capítulo desta tese. Os professores

formadores buscaram ter uma atitude investigativa, conforme orienta Mizukami

(2005). O movimento básico e fundante foi o processo contínuo e sistemático em

que os professores-alunos e os professores formadores questionavam suas próprias

posições e as dos colegas, desvelando não o dito, mas o vivido no interior das salas

de aula em que esses professores-alunos eram os docentes. Esse movimento criou

situações formativas que possibilitaram, ao longo da itinerância profissional e

pessoal, a construção de uma atitude investigativa.

Os professores-alunos, em suas narrativas, destacam esse movimento de

reflexão como motor da compreensão acerca da teoria e prática na formação;

Eu acredito que a teoria e a prática caminham juntas, têm que estar

concomitante, as duas. E, assim, nós chegamos na universidade não

vazias de conhecimentos teóricos, até pela caminhada que todos nós

já tínhamos. Mas os novos conhecimentos que adquirimos veio

desconstruir algumas coisas e fortalecer outras. Eu acho que o

melhor de tudo foi a percepção que nós passamos a ter quando

estávamos lá na prática, na nossa sala de aula. A gente se

preocupava em enxergar mais coisas a respeito daquele

conhecimento. Isso eu vejo como positivo, para mim a relação teoria-

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

119

prática é isso. A disciplina Estágio Supervisionado foi fundamental

para que eu chegasse a essa compreensão (TATIANA, 2011).

No estágio era recorrente o pedido para desenvolvermos uma

atividade com nossa turma. A gente desenvolvia o trabalho e relatava

para o grupo na aula seguinte. A professora selecionava alguns

elementos desses relatos e os apresentava ao grupo para o debate.

Às vezes discordávamos, o que era muito bom, porque para

defender nosso ponto de vista estudávamos ainda mais, [risos] e

replanejávamos nossa próxima ação. Na próxima aula continuava o

debate e os estudos de textos, filmes e outras coisas. Em Estágio

nós vivenciamos muito isso. Eu acho que foi a disciplina que mais

nos deu retorno (LIDIANE, 2011).

As nossas práticas eram valorizadas. Com os nossos relatos

fazíamos a ponte entre o que estávamos estudando na UESC, a

realidade da nossa sala de aula e ainda as experiências de colegas

de outros municípios. Era como se uma voz complementasse a

outra. Eu sentia a riqueza naquilo que a gente contava nos nossos

relatos. Tinham poucos professores-alunos que estavam começando

o ensino na rede. A maioria já tinha dez, quinze e vinte anos, então,

isso tornava riquíssimo o trabalho a ser construído naquele

momento. Tinha também as experiências de outros municípios. Na

disciplina Estágio havia esse debate (ANA DALVA, 2011).

A leitura e a análise das narrativas demonstram o papel que a disciplina

desempenhou enquanto espaço de investigação. Ela fazia a reflexão do movimento

de compreensão dos atores sociais da relação teoria e prática. É isso que afirma a

professora-aluna Janacira: “No estágio tinha as atividades de formação em serviço,

era como se o estágio entrasse em nossa sala de aula e nossa sala de aula na

UESC. Era complicado, às vezes dava um nó na cabeça” (2011).

Compreendendo que o processo formativo estabelecia uma relação de mão

dupla entre professor-aluno e professor formador, então, para instigar mais o debate,

senti a necessidade de lançar uma nova provocação, a questão dos

desdobramentos políticos e sociais na prática educativa como elemento de

emancipação humana, considerando que a disciplina tinha o eixo da formação de

professores em atuação, a práxis pedagógica, e que isso implicava no conhecimento

do objeto, no estabelecimento de finalidades e na intervenção do objeto para que a

realidade fosse transformada enquanto realidade social.

Ao me debruçar sobre essas reflexões, dois estudiosos me inspiraram:

Pimenta (1997), por ter a coragem de afirmar que a atividade docente é sempre

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

120

práxis, uma vez que esta ação envolve necessariamente o estabelecimento de uma

intencionalidade, que dirige e dá sentido à ação. E Freire (1996, p. 32), por afirmar

que

[…] faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a

pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o

professor se perceba e se assuma como sujeito em formação e

sujeito formador.

Movida por essas inquietações e implicações trouxe uma questão para

continuar fomentando o debate e a reflexão do grupo. Perguntei aos professores-

alunos se eles achavam que o debate em pauta sobre a relação teoria e prática era

um objetivo do curso.

Essas indagações provocaram inquietação, o grupo parou, respirou fundo,

como se estivesse se transportando para as aulas e, então, começou a falar bem

baixo. Nesse momento tive a sensação que eles estivessem pensando alto... foi

bonito e inspirativo.

Acho que era um desejo, mas não uma prática, se fosse uma

intenção, os docentes teriam esse debate mais amadurecido nos

seus posicionamentos. Era um desejo porque a coordenação do

curso sempre falava isso e os professores de Estágio também. Para

eles, os docentes de estágio, esse debate estava acontecendo em

todas as disciplinas [...] mas não era bem assim (LIDIANE, 2011).

Eu acho que existiam docentes do curso que participavam das

reuniões promovidas pela coordenação e que se envolviam mais

com a gente, também tinham aqueles que não se limitavam a ouvir

nossos relatos, mas que buscavam neles elementos para promover o

debate sobre nosso trabalho. Mas também tinha aqueles que

ensinavam as teorias que não entendíamos nada, o vocabulário era

muito distante da nossa linguagem, ficávamos sentados ouvindo...

ouvindo... e nada (MAGDA, 2011).

Mesmo que não fosse a intenção do curso esse debate, ele acabava

acontecendo, porque a gente forçava a barra. Às vezes o docente

não participava. O debate ficava entre nós mesmos e os textos que

líamos, o docente apenas ouvia (JANACIRA, 2011).

Mas também não era o tempo todo assim! Não existia um docente

que nunca dialogasse com a gente, o que eu percebia era que

alguns podiam falar pouco porque não conheciam nosso trabalho.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

121

Outros não acreditavam que nossa realidade era assim (ANA

DALVA, 2011).

Perceber, compreender e trazer o processo formativo vivido por esses atores

sociais exigiu sensibilidade por parte do professor formador. Um deles diz respeito

ao desejo e à intencionalidade de se trazer um debate mais denso a respeito da

relação teoria e prática na formação desses atores sociais. Isso só foi possível

porque um grupo de professores formadores se permitiu avançar no debate, mesmo

que esse movimento lhes tirasse a aparente zona de conforto estabelecida pela

racionalidade técnica que reduz a formação à apropriação de um conjunto de

técnicas utilizadas na prática docente.

Esses debates trazem, em sua essência, a formação, pois nesses momentos

tem-se a presença dos argumentos utilizados pelos formandos e formadores a

respeito da questão debatida, como também os percursos e as itinerâncias desses

sujeitos na construção dos seus posicionamentos. Acredito que mais valioso não é a

mudança/troca de um argumento por outro e, sim, o processo de elaboração que,

mesmo sendo individual, traz as marcas do outro (heteroformação) e da ambiência

(ecoformação).

Compreende-se que esses debates devam ser respeitosos quanto às ideias

dos sujeitos em formação, não pode ser a defesa do individual e sim do que foi

compreendido e tido como mais uma possibilidade de entendimento do mundo.

Esses momentos serão de práxis e, portanto, formativos para formandos e

formadores.

Outra questão posta pelas narrativas diz respeito à necessidade do professor

formador pensar, a formação de professores em atuação, durante o processo.

Existe, portanto, a necessidade de pensar o trabalho continuamente. Nesse aspecto

é que os professores-alunos expõem a diferença na atuação dos professores

formadores, tanto aqueles que se permitiam entrar em formação, quanto aqueles

que não se envolviam. Ana Dalva fala: "o que eu percebia era que alguns podiam

falar pouco porque não conheciam nosso trabalho. Outros não acreditavam que

nossa realidade era assim" (2011). Fica claro que a formação exige implicação, ou

seja, o estar comprometido com sua formação e a formação do outro. Nesse caso,

envolvido com o curso e a formação de seus alunos.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

122

Outro problema presente nas narrativas era que os docentes que trabalhavam

no curso precisavam aproximar mais das experiências dos professores-alunos.

Assim, podiam provocar/promover um debate reflexivo sobre a prática pedagógica e

seus desdobramentos para e na formação desses sujeitos. Portanto, os professores-

alunos e os professores formadores estariam mutuamente se formando.

O espaço eleito como fórum desses debates, exemplificado anteriormente, foi

o das reuniões de coordenação do curso, que se constituíram espaços formativos de

envolvimento e participação de docentes e representantes dos professores-alunos.

Elas se constituíram em lugares político-pedagógicos para o debate das múltiplas

questões que surgiam e precisavam de soluções.

A formação dos professores formadores e professores-alunos, embora

apresente marcas diferenciadas pelas itinerâncias e formas de implicação vividas

por esses atores sociais, traz uma necessidade comum, ou seja, a de que eles se

debrucem para compreender a formação do outro e possam, desta forma, se formar.

Encerro esse capítulo pensando que esse movimento formativo anunciado só

é possível pela práxis. As ações anunciam uma transformação compreendida pela

ideia de “trans” que evoca não apenas a passagem de uma situação para outra e,

sim, os processos vividos pelo sujeito na (trans)formação da vida em existência.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

124

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um saber que só vê sua finalidade não consegue perceber

que tudo o que se quer do final está justamente no meio do caminho

[…]

Evandro Ghedin e Maria Amélia Santoro Franco

Ao tomar como foco de investigação os processos formativos dos professores

da Educação Básica, esta pesquisa se insere no campo dos estudos que têm

ganhado visibilidade entre as pesquisas educacionais, por trazerem a necessidade

de buscar, no cotidiano desses processos, um conhecimento a respeito de seus

protagonistas, das aprendizagens realizadas e seus desdobramentos na vida dos

sujeitos. Estudos como este têm sido fundamentais para construir uma nova lógica a

respeito do trabalho docente e do papel do professor na reorganização das relações

de trabalho. Sendo assim, ao buscar compreender, de forma contextual e relacional,

o movimento formativo dos professores/alunos que frequentaram o curso de

formação de professores em atuação, procuramos identificar, nessa formação as

mediações estabelecidas com a experiência desses atores sociais.

A opção metodológica me permitiu uma aproximação maior e mais

significativa com os protagonistas sociais e, por conseguinte, com suas impressões

e implicações com a sua formação. Meu desafio foi captar o movimento formador

desses professores/alunos por meio das entrevistas individuais e das sessões de

grupo focal realizadas com o coletivo desses atores sociais.

Meu compromisso não é apresentar resultados fechados e, portanto,

inquestionáveis. Acredito que os resultados estão na leitura desses escritos que

vamos realizar com nossas implicações e inspirações, mas reconheço que esse

conhecimento construído por nós, na condição de pesquisadora, constituiu-se em

um produto aberto, cujo legado está no compromisso político e ético de apresentar

os resultados encontrados por nós, com as implicações e limitações inerentes a

quem a apresenta e a quem os interpreta.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

125

Na organização do currículo do curso foi possível estabelecer o dialogo entre

formação inicial em atuação e formação continuada. Isso possibilitou a criação de

um espaço formativo. Esse diálogo foi essencial para estabelecer uma relação com

a vida e o trabalho dos professores/alunos e assim assegurar a voz e a autoria a

esses protagonistas. Nas discussões ocorreu também o estranhamento desse vivido

para se estabelecer o epochê necessário às análises e reflexões sobre as situações.

Nos estudos que realizei sobre formação ficou clara, para mim, a necessidade

de pensar a formação de professores a partir de um conceito mais amplo desse

termo. Foi possível perceber que o movimento formativo vivido pelos atores sociais

oscilou entre dois conceitos: um mais ampliado, presente nas discussões

fomentadas por alguns professores formadores, principalmente os da disciplina

Estágio, que viam a formação como uma atividade pela qual se busca, com o outro,

as condições para que o saber recebido do exterior seja internalizado para ser

transformado em um novo saber, chegando a uma nova forma, enriquecida, com

significado para uma nova atividade. O outro conceito, velado, entende a formação

como a aprendizagem de um conjunto de saberes formulado tendo em vista a

preparação técnica do professor/aluno para a atuação profissional. Percebi que,

nesse embate e vivência, os professores/alunos foram (re)elaborando o seu próprio

processo formativo.

Os estudos apontaram que na relação formação e trabalho, esta não pode ser

compreendida apenas como um espaço para o levantamento das possíveis

carências profissionais, mas sim um local que propicia experiências formativas.

Pareceu que essa relação ficou um pouco difusa e diluída. As discussões abordaram

mais questões referentes a fazer melhor o trabalho pedagógico e menos a

reelaboração das bases conceituais e práticas do trabalho enquanto categoria mais

ampla.

A formação se deu no tempo do trabalhador e não na extensão do tempo para

o trabalhador. Eles tiveram que negociar esse tempo com as escolas e a

Universidade. As narrativas apontaram que faltava tempo... tempo para o estudo,

tempo para frequentar a biblioteca, tempo para estar na Universidade por inteiro,

tempo para transformar informação em experiência. Isso deu origem à aplicação de

estratégias de sobrevivência durante a realização do curso, como, por exemplo, a

mobilização das famílias e a reorganização das escolas. Ficou claro que, para

assegurar a estadia desses professores/alunos no curso, as dificuldades que iam

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

126

surgindo se transformavam em desafios a serem encarados, perseguidos e, por fim.

resolvidos por eles próprios. O problema foi que, nesse percurso, a Instituição se

afastou de algumas das suas responsabilidades e os sujeitos da formação passaram

a assumir encargos que não lhes cabiam. Como, por exemplo, o não cumprimento

pelas prefeituras dos encargos financeiros, a não contratação de professores

substitutos e também a não frequência dos professores formadores nas reuniões de

planejamento e acompanhamento do curso. Tal postura não possibilitou as

condições necessárias para que esses professores/alunos seguissem o caminho

formativo planejado no início do processo.

O estudo evidenciou que os professores/alunos viveram momentos

significativos. Primeiro, no movimento de compreensão do que era a experiência. O

debate ocorrido no grupo focal foi decisivo para que eles, por meio das reflexões

acerca de suas próprias narrativas, fossem se afastando da compreensão inicial da

experiência como vivência e percebessem que toda experiência contém uma

vivência que escolhemos ou aceitamos como fonte de aprendizagem. Isso implica

na interação que o sujeito precisa estabelecer com esse vivido para que se torne

uma experiência. Ao realizar essas reflexões, foi possível perceber que, na

formação, os professores/alunos passaram a perceber a experiência como a

centralidade da discussão destinada a ampliar a compreensão de que as suas

vivências cotidianas poderiam ser transformadas em experiência refletida. Nesse

processo de análise e desvelamento da experiência, os atores sociais foram

constituindo sua formação

À medida que os professores-alunos foram desenvolvendo essas reflexões,

outras foram se estabelecendo, em razão da necessidade de compreender o lugar

que a experiência ocupava no processo formativo vivenciado no curso; mesmo

considerando que este não era o meu objetivo, não foi possível negá-las. Os

professores-alunos conviveram, durante o curso, com situações de silenciar a

experiência, de escutar a experiência e refletir sobre a experiência. Compreendo que

esse movimento deixou claro qual o papel que cada professor formador ocupou

dentro do curso. No processo de compreensão a respeito da relação teoria e prática,

vi que os professores-alunos, no início da formação, concebiam essa relação a partir

de uma visão dicotômica, marcada pela separação desses elementos. Entendiam

que possuíam a prática e, na Universidade, seria realizado o encontro da teoria com

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

127

a prática com a finalidade de modificar a prática docente vivenciada por eles em

seus espaços de trabalho.

Conforme o curso foi avançando e os estudos foram sendo aprofundados e,

gradualmente, incorporados outros conhecimentos de natureza teórica, esses

professores-alunos começaram a perceber que a sua prática continha alguns

elementos teóricos, e iam se distanciando da visão dicotômica e se aproximando da

visão de unidade dessa relação.

Esses acontecimentos geraram um movimento de tensão, exigindo que os

professores-alunos buscassem novas compreensões a respeito da relação teoria e

prática, agora não mais para entender recortes de situações de ensino, mas para

compreender a prática docente como uma prática social. As implicações dessa nova

visão passaram a exigir novas posturas, novos estudos e novas reflexões, tanto para

os professores-alunos como para os professores formadores.

Partindo dessas reflexões, procurei considerar a importância do papel dos

professores formadores, visto serem esses os responsáveis diretos pela mediação

pedagógica, gerando, assim, o conflito e a necessidade de novos estudos. Ficou

reconhecido, no olhar dos atores sociais, que os professores de estágio tiveram uma

atuação decisiva para que se distanciassem da compreensão difusa que tinham a

respeito da relação teoria e prática e entendessem a prática educativa como uma

prática social. Essa dinâmica propiciou reflexões e análises necessárias ao conflito

para que esses protagonistas buscassem novos estudos, novos debates.

Nesse movimento de práxis foi possível perceber, por meio dos depoimentos,

que os protagonistas apresentavam um novo olhar a respeito da prática educativa.

Eles já traziam para os debates uma consciência política e ética em relação ao seu

trabalho, uma visão mais crítica acerca dos conhecimentos que estavam

trabalhando com seus alunos e verbalizavam as implicações políticas e sociais do

seu próprio trabalho. Isso sinalizava a compreensão da prática docente a partir de

suas implicações sociais.

Nesse contexto, a disciplina Estágio Supervisionado como eixo articulador do

currículo, teve um papel importante na formação desses professores-alunos. Ela foi

concebida para ser o ponto de convergência, além de dialogar com as outras

disciplinas para replanejar ações formativas que permitissem aos sujeitos ter uma

prática, conforme o anunciado por Freire (1996), dentro de uma dimensão histórica,

emancipatória do sujeito. Nesse processo, outra função dessa disciplina era fazer o

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

128

acompanhamento e a avaliação do seu grupo de professores-alunos, numa postura

formativa que buscasse compreender as impressões que eram possíveis de ser

construídas naquele contexto, espaço e cenário. Ao assumir esse lugar essa

disciplina constituiu-se em um espaço formativo.

Essas, portanto, poderiam ser as conclusões que arrolaria. Entretanto, para

finalizar este trabalho, penso ser importante defender três ideias fundamentais para

a construção do sentido dessa investigação.

A primeira delas diz respeito ao caráter formativo da pesquisa. Ao finalizar

essa investigação, reconheço que os estudos e as mediações realizadas por meio

dos dispositivos usados para estabelecer os diálogos com os atores sociais,

constituíram-se em um espaço político e ético de escuta sensível, o que nos levou a

perceber que a dinâmica da pesquisa, em si mesma, constituiu-se um espaço

formativo, possibilitando aos atores sociais não apenas a narração dos fatos já

vividos, mas também a reflexão a respeito do vivido. Esta postura e dinâmica

permitiram que eles (re)elaborassem sua compreensão da formação. Não apenas

aquela construída durante o curso, mas também a vivida no momento atual.

Nos encontros, tanto individuais como coletivos, existia a autoria do sujeito, a

narração do vivido, sua problematização e suas impressões estavam ali. Eles não

eram apenas informantes, e sim protagonistas, nessa caminhada. Sua voz estava ali

e se misturava a outras para se construir uma compreensão a respeito do vivido no

curso. Esse processo resultou em uma nova formação para esses atores sociais,

tencionando suas experiências.

A segunda ideia que defendo é a de que o alcance da formação não estava

propriamente no curso, e sim nas estratégias que, durante o processo formativo,

foram se constituindo para assegurar essa formação. As narrativas dos professores-

alunos mostraram que as estratégias se forjaram em duas esferas: uma na própria

vivência do/e no curso e, outra, na dinâmica da vida pessoal e profissional. Na

primeira delas, a reunião sob um mesmo contexto de uma diversidade de

professores-alunos com histórias e experiências diferentes, por si só, já oportunizou

uma formação a todos que dele participavam. Na segunda esfera, a mobilização das

famílias, das escolas, dos professores formadores e dos próprios professores-alunos

para assegurar a frequência e o desempenho no curso também gerou novas

aprendizagens e novas transformações. Essas estratégias foram geradas pelo curso

e esse foi o seu alcance formativo.

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

129

Finalmente, a terceira ideia defendida é a de que, apesar do aparente

antagonismo existente entre a formação inicial em atuação desejada para impactar

na melhoria do desempenho da educação básica e a busca (nessa formação) da

compreensão dos processos de aprendizagem dos professores envolvidos, apesar

de distintos, são movimentos que se complementam. De acordo com Pineau (2003),

toda formação terá sempre a capacidade de transformar em experiência significativa

os acontecimentos cotidianos sofridos no horizonte de um projeto pessoal e coletivo.

Neste caso, a formação é algo que se processa, é uma atitude ou uma função que

se cultiva e pode eventualmente desenvolver-se.

Reafirmo, assim, a partir das três ideias acima apresentadas, a intenção deste

trabalho: a de se constituir como um registro reflexivo acerca do movimento

formativo de homens e mulheres, reconhecendo que o outro, por ser humano,

sempre terá o direito à formação.

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

130

REFERÊNCIAS

ARDOÍNO, José. Abordagem multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas. In: BARBOSA, J. G. (org.). Multirreferencialidade nas ciências e na educação. São Carlos: EDUFSCar, 1998. ARROYO, Miguel G. Quem de-forma o profissional do ensino? Revista de Educação AEC, Brasília, DF, v. 14, n.58, p. 7-15, out./dez.1985. BARBOSA, Raquel Lazzari Leite (ed.). Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo: UNESP, 2004. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnicas, arte e política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet São Paulo: Brasiliense, 1994. BRASIL. Decreto n.° 6.755, de 19 de janeiro de 2009. Institui a política nacional de Formação dos Profissionais do Magistério e regulamenta a ação da CAPES. Brasília, DF, (2009). Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 22 mar. 2012 . ______. Lei n.° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1996. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>. Acesso em: 23 out. 2009. BREZEZINSKI, Iria. Pedagogia e pedagogos e formação de professores. Campinas: Papirus, 1996. (Coleção de magistério: formação e trabalho pedagógico). CANÁRIO, Rui. Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Editora, 1997. CANDAU, Vera Maria Ferrão. A formação de educadores: uma perspectiva multidimensional. Em Aberto, Brasília, DF, v. 1, n. 8, p. 19-21, ago. 1982. ______ (coord.). Novos rumos da licenciatura. Brasília, DF: INEP, 1987. CANDAU, Vera Maria Ferrão; LELIS, Isabel Alice. A relação teoria-prática na formação do educador. Revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, [ano 11], n. 55, nov./dez. 1983. CARVALHO, Maria Inez. O a-con-tecer de uma formação. Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 17, n. 19, p. 159-168, jan./jun. 2008.

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

131

CAVACO, Maria Helena. Ofício do professor: o tempo e as mudanças. NÖVOA, Antonio Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995. CLIFFORD, James. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Tradução José Reginaldo Santos Gonçalves. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1998. CORREIA, José Alberto. Formação e trabalho: contributos para uma transformação dos modos de os pensar na sua articulação. In: CANÁRIO, Rui. Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Editora, 1997. CORREIA, Vasti G. de Paula. Processos de inclusão escolar: um olhar prospectivo e multirreferencial sobre os saberes fazeres de um grupo de educadores. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação)– Programa de Pos- Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006. COUCEIRO, Maria do Loreto. A autoformação e a ecoformação no feminino. 2001. Tese (Doutorado em Ciências da Educação)– Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2001. COULON. Alain. Etnometodologia e Educação. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes. 1995. COUTO, Maria Elizabete Souza. A “prática” e a atuação docente: revisitando um conceito para além dos muros da escola. In: ALMEIDA, José Rubens Mascarenhas de; MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha; BERTONI, Luci Mara (org.). As redes científicas e o desenvolvimento da pesquisa: perspectivas multidisciplinares. São Carlos: Pedro&João Editores, 2011. ______. Formação de professores em serviço e a educação a distância: entre a emergência e a urgência de formar professores. In: LEITE, Y. V. F; MARIN, A. J.; PIMENTA, Selma Garrido.; REALI, A. M. de E.(org.). Políticas de formação inicial e continuada de professores. Araraquara: Marin & Junqueira, 2012. v. 2. CUNHA, Renata Barrichelo. Pelas telas, pelas janelas: a coordenação pedagógica e a formação de professores nas escolas. 2006. Tese (Doutorado em Educação)– Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. DOMINICÉ, Pierre, O processo de formação e alguns dos seus componentes relacionais. In: NÓVOA, Antonio; FUNGER, Mathias. O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde: Departamento de Recursos Humanos da Saúde: Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional, 1988. (Coleção Cadernos de Formação, 1.). ______. A Epistemologia da formação ou como pensar a formação. In: MACEDO, Roberto Sidnei (org.). Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: Edufba, 2012. DUBET, F. Sociologia da experiência. Tradução Fernando Tomaz. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

132

DUJO, Ángel Garcia Del. Auto-formação: a competência chave do século xxi. Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, Aveiro, 2003. Disponível em: <http://www2.dce.ua.pt/congresso/conglnter>. Acesso em: 20 dez. 2010. FELDENS, Maria das Graças Furtado. Educação de professores: tendências, questões e prioridades. Revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, ano 13, n. 61, p. 16-26, nov./dez. 1984. FORMAÇÃO. In: NOVO DICIONÁRIO Eletrônico Aurélio. Versão 7.0. 5. ed. [S.l.]: Positivo Informática, 2010. 1 CD-ROM. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREITAG, Barbara. O indivíduo em formação. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2001.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Paulo Flávio Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999.

GAMBOA, S. S. A contribuição da pesquisa na formação docente. In: REALY, A. M. M. R.; MIZUKAMI, Maria das Graças. Formação de professores: tendências atuais. São Carlos: EDUFSCAR, 2003. GARFINKEL, H. Studies in ethnomethodology. In LAPASSADE, G. As microssociologias. Série pesquisa em educação. Brasília: Liber Livro, 2005 GATTI, Bernadete Angelina. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília, DF: Líber Livro Editora, 2005. ______. Formação de professores: seus desafios, a pesquisa e seus contornos sociais. Educação e Filosofia, Uberlândia: UFU, 2003. GHEDIN, Evandro. FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pesquisa em educação: alternativas investigativas com objetos complexos. São Paulo: Edições Loyola,2006 GIROUX, Henri. Teoria crítica e resistência em educação: para além das teorias de reprodução. Tradução Daniel Bueno. Petrópolis: Vozes, 1986. JOBERT, G. La place de l´expérience dans les entreprises. In: COURTOIS, B.; PINEAU, Gaston. (orgs) La formation expérientielle des adultes. Paris: La Documentation Française, 1991. JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Tradução José Cláudio e Júlia Ferreira: São Paulo. Cortez Editora, 2004. ______. Caminhar para si. Tradução Albino Pozzer. Porto Alegre: EdiPUC RS, 2010.

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

133

______. O caminhar para si: uma perspectiva de formação de adultos e de professores. Revista @mbiente Educação, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 136-139, ago./dez. 2009. ______. L´expérience formatrice: un concept en construction. In: COURTOIS, B.; PINEAU, Gaston. (org.). La formation expérientielle des adultes. Paris: La Documentation Française, 1991. KENSKI, Vani. Reflexões e indagações sobre a sociedade digital e a formação de um novo profissional/ professor. Revista Latino Americana de Tecnologia Educativa, Cáceres, v.3, n.2,p.99-107, 2004. semestral. Disponível em:http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo/codigo=1212850. acesso 15 de maio de 2008. KINCHELOE, Joel. A formação do professor como compromisso político: mapeando o pós moderno. Tradução Nize Maria Campos Pellanda. Porto Alegre: Artmed,1997. KORTHAGEN, Fred. A prática, a teoria e a pessoa na aprendizagem profissional ao longo da vida. In: FLORES, Maria Assunção; SIMÃO, Ana Margarida Veiga (org.). Aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores: contextos e perspectivas. Mangualde: Edições Pedago, 2009. LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: http: <//www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf>. Acesso em: 5 maio 2010. LÜDKE, Menga. Combinando pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores. Revista da ANDE, São Paulo, v. 12, n. 19, p. 31-38, 1993. ______. Avaliação institucional: formação de docentes para o ensino fundamental e médio (as licenciaturas). Cadernos CRUB, Brasília, DF, v. 1, n. 4, p. 5-95, set. 1994. LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MACEDO, Roberto Sidinei. Atos de currículo e autonomia pedagógica: o sócio construcionismo curricular em perspectiva. Petrópolis: Vozes, 2013. ______. Etnopesquisa implicada pertencimento, criação de saberes e afirmação. Brasília, DF: Líber Livro Editora, 2012. ______. Atos de Currículo e formação em ato? Para compreender,entretecer e problematizar currículo e formação. Ilhéus: Editus, 2011. ______. Compreender/mediar a formação – o fundante da educação. Brasília, DF: Líber Livro Editora, 2010. ______. Um rigor outro sobre a questão da qualidade na pesquisa qualitativa. Salvador: Edufba, 2009.

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

134

______. Etnopesquisa crítica etnopesquisa-formação. Brasília, DF: Líber Livro Editora, 2006. ______. Currículo e complexidade. Salvador: EDUFBA, 2002. ______. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: Edufba, 2000. ______. Por uma epistemologia complexa e multirreferencial nos meios educacionais. In: BARBOSA, Joaquim Gonçalves (org). Reflexão em torno da multirreferencialidade. São Carlos: UFS Car, 1999. MIZUKAMI, Maria das Graças Nicoletti. Aprendizagem da docência: professores formadores. Revista Científica e-Curriculum, São Paulo, v. 1, n.1, p. 1, 2005. Semestral. Disponível em: <http:Científica//www.pucsp.br/ecurriculum>. Acesso em: 13 jan. 2009. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1998. ______. A inteligência da complexidade. 3ª. ed. São Paulo: Peirópolis, 2000.

MORORÓ, Leila Pio. A política nacional de formação de professores e o papel das universidades públicas. In: ALMEIDA, José Rubens Mascarenhas de; MAGALHÃES, Lívia Diana Rocha; BERTONI, Luci Mara (org.). As redes científicas e o desenvolvimento da pesquisa perspectivas multidisciplinares. São Carlos: Pedro&João Editores, 2011. ______. Rede UNEB2000: da euforia ao espanto, as contradições se estabelecem. 2005. Tese (Doutorado em Educação)– Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005. NAJMANOVICH, Deise. O sujeito encarnado. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. NÓVOA, Antonio (coord.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote: Instituto de Inovação Educacional, 1992. ______ (org.). Os professores e as histórias da sua vida. Porto: [s.n.], 1995. ______.Formação de professores e trabalho e trabalho pedagógico. Lisboa: EDUCA, 2002. . ______. Professor se forma na escola. Revista Nova Escola, [São Paulo], n. 124, p. 1, maio 2001. Disponível em:<http:/revistaescola.abril.com.br/formação /formação-continuada/professor-se-forma-escola.shtml>. Acesso em: 9 fev. 2013. PAIN, Ana Verena; CARMO, Maria Cláudia Silva do. Formação de professores em atuação: um olhar multirreferencial. In: MACEDO, Roberto Sidnei (org.). Currículo e processos formativos: experiências, saberes e culturas. Salvador: Edufba, 2012.

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

135

PEREIRA, Júlio Emílio Diniz. Formação de professores – pesquisa, representações e poder. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas.Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1993. PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? São Paulo: Cortez, 1994. ______. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: ______ (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999. PIMENTA, Selma Garrido; GREDIN, Evandro (org.). Professor reflexivo no Brasil: gêneses e critica de um conceito. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005. PINEAU, Gaston. Temporalidades na formação. Tradução Lúcia Pereira de Souza. São Paulo: Triom, 2003. ______. Dictionnaire encyclopédique de l’éducation et de la formation. Paris: Natan, 1994.

______. A autoformação no decurso da vida: entre a hetero e a ecoformação. In: O método (auto)biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde, 1988. ROELENS, N. Le métabolisme de l´expérience en réalité et en identité. In: COURTOIS, Bernadette; PINEAU, Gaston (coord.). La formation expérientielle des adultes. Paris: La Documentation Française, 1991. SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência. 7. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2008. SAVIANI, Dermeval. Uma estratégia para a reformulação dos cursos de pedagogia e licenciatura: formar o especialista e o professor no educador. Em Aberto, Brasília, DF, v. 1, n.8, p. 13-18, ago. 1982. SOARES, Magda Becker. As pesquisas nas áreas específicas influenciando o curso de formação de professores. Cadernos da ANPED, [s.l.], v. 5, p.103-118, set. 1993. SOBRAL, Adail. O conceito de ato ético de Bakhtin e a responsabilidade moral do sujeito. BIOETHIkOS, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 121-126, 2008. SCHÖN, Donald A. Educando o professor reflexivo: um novo desing para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, RS:Artmed, 2000. ______.Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, Antonio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,1992.

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

136

SOMMERMAN, Américo. Formação e transdisciplinaridade, uma pesquisa sobre as emergências formativas do CETRANS. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação)– Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2003. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ, Relatório de Reconhecimento de Curso. Ilhéus, 2010. Mimeografado. ______. Programa de Formação de Professores para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Ilhéus, 2007. Mimeografado. VÁZQUEZ, A.S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2007

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO ... Alba... · This thesis falls within the research field on teacher professional formation, more precisely on teachers who

137

LISTA DE ANEXOS

ANEXO I - Questionário

ANEXO II - Roteiro das entrevistas

ANEXO III - Temáticas para o grupo focal