universidade federal do cearÁ-ufc curso de direito …

75
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC CURSO DE DIREITO LAURA VIRGÍNIA MORAIS DE OLIVEIRA CONTRATO DE FIANÇA: ALTERNATIVAS PARA O FIADOR NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM FACE DO LOCADOR DESLEAL FORTALEZA 2017

Upload: others

Post on 27-Nov-2021

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC

CURSO DE DIREITO

LAURA VIRGÍNIA MORAIS DE OLIVEIRA

CONTRATO DE FIANÇA: ALTERNATIVAS PARA O FIADOR NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM FACE DO LOCADOR DESLEAL

FORTALEZA

2017

LAURA VIRGÍNIA MORAIS DE OLIVEIRA

CONTRATO DE FIANÇA: ALTERNATIVAS PARA O FIADOR NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM FACE DO LOCADOR DESLEAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharela em Direito. Orientadora: Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva.

FORTALEZA

2017

LAURA VIRGÍNIA MORAIS DE OLIVEIRA

CONTRATO DE FIANÇA: ALTERNATIVAS PARA O FIADOR NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA EM FACE DO LOCADOR DESLEAL

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharela em Direito. Orientadora: Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva.

Aprovada em ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof.ª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________ Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________ Prof. Ms. Pedro Cesar da Rocha Neto

Universidade Federal do Ceará (UFC)

Ao meu marido, Leilson

Aos meus pais, Pimentel e Lourdes

RESUMO

O presente trabalho possui o escopo de identificar uma solução jurídica para o fiador

quando o locatário-afiançado não está adimplindo os aluguéis do contrato de

locação do imóvel e o locador se mostra inerte em promover a pertinente ação de

despejo em face do inquilino. A escolha do problema se deu a partir da constatação

de que o fiador, em muitos contratos de locação imobiliária, torna-se refém de um

locador indiligente, podendo vir a comprometer todo o seu patrimônio. Trata-se

essencialmente de uma pesquisa bibliográfica. A ação de despejo é o meio mais

célere para o locador retomar o imóvel do inquilino inadimplente, entretanto ao fiador

não é permitida a legitimidade extraordinária para promover a ação de despejo em

face do inquilino-devedor. Contudo, o fiador pode ajuizar a ação de resolução de

contrato por descumprimento contratual em face do locador desleal uma vez que

este não observou os deveres laterais ou anexos derivados do princípio da boa-fé

objetiva e assim desincumbir-se da garantia prestada ou quando demandado pelo

locador poderá arguir a exceção do contrato não cumprido, pois o desrespeito aos

deveres laterais é uma modalidade de inadimplemento contratual.

Palavras-chaves: Fiança. Locação imobiliária. Ação de despejo. Boa-fé objetiva.

Deveres laterais e anexos.

ABSTRACT

The present work has the scope to identify a legal solution for the guarantor when the

lessee-secured is not paying rent on the lease of the property and the landlord is

inert to promote the relevant action of eviction in the face of the tenant. The choice of

problem arose from the finding that the guarantor, in many real estate leasing

contracts, becomes the hostage of an indigent landlord, and may jeopardize all of his

assets. This is essentially a bibliographical research. The eviction action is the fastest

way for the landlord or landlord to resume the property of the defaulting tenant,

however, the guarantor is not allowed the extraordinary legitimacy to promote the

eviction action in the face of the tenant-debtor. However, the guarantor may file a

contract termination action for breach of contract in the face of the unfair landlord

since he did not observe the lateral duties or annexes derived from the principle of

objective good faith and thus to fulfill the guarantee provided or when demanded by

the landlord can argue the exception of the contract not fulfilled, as the disrespect to

the lateral duties is a modality of contractual default.

Key-words: Bail. Real estate lease. Eviction action. Objective good faith. Lateral

duties and attachments.

LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS.

§ Parágrafo

Art. Artigo

Arts. Artigos

CC Código Civil

CEJ Centro de Estudos Judiciários

CJF Conselho da Justiça Federal

CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados

CPC Código de Processo Civil

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil

n º número

STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

SUSEP Superintendência de Seguros Privados

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 09

2 A GARANTIA NA LEI DE LOCAÇÕES - LEI Nº 8.245/91 E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO

ATUAL ...................................................................................................................................... 11

2.1 As garantias no contrato de locação ...................................................................... 12

2.1.1 A Caução ............................................................................................................ 12

2.1.2 O Seguro Fiança Locatícia ................................................................................ 13

2.1.3 Cessão fidejussória de quotas de fundo de Investimento ............................... 14

3 O CONTRATO DE FIANÇA E SEUS REFLEXOS NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA ............ 15

3.1 Fiança: conceito e modalidades ................................................................................. 23

3.2 A Classificação do Contrato de fiança...................................................................... 25

3.3 A Fiança no Código Civil e na Lei nº 8.245/91 ........................................................... 29

3.4 A fiança e o Bem de Família: aplicabilidade nos contratos de locação imobiliária

.............................................................................................................................................. 42

4 A AÇÃO: UM ESTUDO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO ...................................................... 48

4.1 A Ação de Despejo ....................................................................................................... 56

4.2 A impossibilidade de utilização da ação de despejo pelo fiador do contrato de

locação ................................................................................................................................. 61

5 A EXTINÇÃO DOS CONTRATOS ....................................................................................... 63

5.1 Resolução do contrato e a arguição da exceptio inadimpleti contractus pelo

fiador .................................................................................................................................... 67

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 70

REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 72

9

“Quem fica por fiador de outrem sofrerá males, mas o que foge

de o ser estará seguro”. (Provérbios 11:15)

1 INTRODUÇÃO

A fiança é uma das garantias mais utilizadas nos contratos de locação de

imóveis e devido ao seu uso recorrente também é a que mais provoca conflitos entre

as partes contratantes.

O desenvolvimento da presente monografia compreenderá basicamente

três institutos: a fiança, a legitimidade ativa para ação de despejo em decorrência da

falta de pagamento do aluguel e demais encargos prevista na Lei nº 8.245/91, Art.

9º, III e a resolução contratual.

Será realizado um estudo doutrinário sobre o contrato acessório de fiança

o qual está disposto no Código Civil, entre os Arts. 818 a 839. Também

abordaremos a fiança como modalidade de garantia nas relações locatícias na forma

do Art. 37, inc. II, da Lei das Locações.

O passo seguinte será examinar a legitimidade ativa para a causa, num

paralelo da natureza jurídica da legitimidade para causa no Código de Processo Civil

de 1973 e o Novo Código de Processo Civil de 2015.

Perscrutar a legitimidade ativa é indispensável porque o fulcro do

presente trabalho é apontar uma alternativa para o fiador na hipótese de

inadimplência do locatário-afiançado no contrato de locação e a indiligência do

locador em promover o despejo. Poderia o fiador ajuizar a ação de despejo em face

do locatário? Teria ele legitimidade ativa, uma vez que a Lei nº 8.245/91, Art. 5º

estabelece que ação de despejo deve ser proposta pelo locador?

O passo seguinte será a análise da Lei nº 8.245/91, a Lei de Locações, no

que diz respeito primordialmente sobre a ação de despejo na hipótese de falta de

pagamento do aluguel e demais encargos.

Posteriormente, serão apresentadas as modalidades de extinção

contratual e a possibilidade de se extinguir o contrato de fiança por iniciativa do

fiador ou de forma reativa, quando demandado pelo locador.

No final do presente trabalho espera-se responder ao questionamento

sobre possibilidade da legitimidade ativa do fiador em promover a ação de despejo

10

em face do locatário- afiançado ou apresentar outra solução hábil para o garante a

fim de reduzir o prejuízo financeiro advindo da situação- problema.

11

2 A GARANTIA NA LEI DE LOCAÇÕES - LEI Nº 8.245/91 E SUA

CONTEXTUALIZAÇÃO ATUAL

A locação de coisas é um contrato regulamentado pelos Arts. 565 a 578

do Código Civil. O Art. 565 define o que seja locação: “Na locação de coisas, uma

das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo

de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. Quanto à locação de imóveis, há

uma lei específica que disciplina a matéria, trata-se da Lei nº 8.245/91.

A Lei nº 8.245/91 (Lei das Locações ou Lei do Inquilinato) destina-se a

regular locações de imóveis urbanos, com finalidade residencial ou não residencial,

todavia há locações de imóveis urbanos que não serão disciplinadas pela presente

lei, é o caso da locação de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos

Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; de vagas autônomas de

garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; de espaços destinados à

publicidade; em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados

aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam

autorizados a funcionar e o arrendamento mercantil, em qualquer de suas

modalidades, pois tais situações continuam reguladas pelo Código Civil e pelas leis

especiais, nos termos do Art. 1º, parágrafo único, alíneas ‘a’ e ‘b’ da Lei nº 8.245/91.

Já a locação dos imóveis rurais denomina-se arrendamento rural e está

disciplinada na Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), além da Lei nº 4.947/66 e do

Decreto nº 59.566/66, subsidiariamente utiliza-se o Código Civil.

Destaca-se que o imóvel será considerado urbano conforme sua finalidade

e não pela sua localização. Mesmo que o imóvel esteja situado em área rural, mas

se destinado à moradia ou ao comércio, deve ser caracterizado como urbano para

fins da locação e do direito que a rege (VENOSA, 2013).

Considera-se relevante conceituar as expressões locador, locatário,

aluguel e arrendamento para que não reste qualquer dúvida quanto aos seus

significados. O locador é o proprietário ou possuidor do imóvel o qual será cedido ao

interessado para que ele o use e goze mediante a retribuição. De outra parte temos

o locatário ou inquilino, que é a parte que usa e goza o imóvel. O aluguel é o valor

retribuído pelo locatário ao locador pelo uso e gozo do imóvel. O termo

arrendamento é sinônimo de locação, entretanto mais utilizado para locações

imobiliárias rurais.

12

A Lei nº 8.245/91, em seu Art. 37, estabelece um rol taxativo das

garantias que o locador pode exigir do locatário para que o contrato de locação se

concretize: I- caução, II- fiança, III- seguro de fiança locatícia, IV -cessão fiduciária

de quotas de fundo de investimento. Entretanto, ao locador não é permitido exigir,

por motivo de locação, mais de uma modalidade de garantia em um mesmo contrato

de locação, é que dispõe a Lei nº 8.245/91, Art. 43, II, pois tal prática constitui

contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa

de três a doze meses do último aluguel atualizados, revertida em favor do locatário,

é o que prevê o Art. 43, caput, da Lei das Locações.

2.1 As garantias no contrato de locação

De acordo com Farias e Rosenvald (2015, p.1018), “o termo garantia

advém do francês garantie, que significa ato ou efeito de proteger, de assegurar,

afiançando-se, por isso mesmo, que toda garantia é uma segurança, uma proteção,

que se estabelece em favor de alguém”. Assim, a garantia se revela como um

reforço ao adimplemento de uma obrigação pré-constituída. A garantia é uma

obrigação acessória ao contrato principal, no nosso caso, o contrato de locação.

Verifica-se a necessidade de comentar sobre cada modalidade de

garantia prevista na Lei de Locações, mas quanto à fiança, por ser um dos

fundamentos deste trabalho, será ela analisada mais profundamente em tópico

específico.

2.1.1 A Caução

Segundo Scavone Júnior (2015, p. 1222):

A caução, sinônimo de garantia, é a cautela, precaução e, juridicamente, submissão de um bem ou uma pessoa a uma obrigação ou dívida pré-constituída. Portanto a caução ou garantia é gênero, do qual são espécies a hipoteca, o penhor, a anticrese, o aval, a fiança etc.

Ensina Venosa (2014) que quando a Lei de Locações enumera as

garantias locatícias, o termo caução é utilizado apenas em uma de suas acepções,

qual seja a caução real, tanto que Art. 38 da Lei dispõe que a caução poderá ser em

bens móveis ou imóveis.

13

Verificamos que o Art. 37, inc. I da Lei nº 8.245/91 quando se refere à

caução como modalidade de garantia, na verdade o legislador intencionava dizer

garantia real (hipoteca, penhor, anticrese), isso fica claro quando se faz a leitura do

Art. 37 c/c o Art. 38 da Lei.

A caução em bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos e

documentos a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva

matrícula, é o que estabelece o §1º do Art. 38 da Lei de Locações. Se a caução

dada for em dinheiro, o montante não poderá exceder o equivalente a três meses de

aluguel, devendo ser depositado em caderneta de poupança e no final do contrato

de locação, os valores poderão ser resgatados pelo locatário (§2º do Art. 38).

A caução também pode ser oferecida por meio de valores fiduciários,

como letras de câmbio, títulos da dívida pública, ações de sociedades anônimas,

certificados de depósitos bancários.

Registre-se que a caução pode ser prestada pelo próprio locatário ou por

terceiros.

2.1.2 O Seguro Fiança Locatícia

O seguro fiança locatícia é um contrato de seguro onde uma das partes

(seguradora) se obriga para com a outra (locador), mediante o pagamento de um

prêmio, a indenizá-lo do prejuízo resultante de riscos predeterminados

contratualmente. É possível que o contratante do seguro seja o locatário, mas o

beneficiário da indenização, a ser estipulado na apólice, será o locador (SANTOS,

2011). Salienta-se que e acordo com o Art. 23, XI da Lei de Locações, é o locatário

que deve pagar o prêmio do seguro de fiança.

O seguro-fiança é regulamentado pela Resolução do Conselho Nacional

de Seguros Privados - CNSP nº 202, de 2008, que fixa as características gerais dos

contratos de seguro de fiança locatícia, e pela Circular nº 347 da Superintendência

de Seguros Privados- SUSEP

Scavone Júnior (2015) informa que o seguro-fiança vem sendo pouco

utilizado e os motivos são os mais diversos. Primeiro porque há um custo, que em

tese não existe nas outras modalidades, pois haverá o desembolso com o valor do

prêmio pelo locatário. Segundo motivo são as exigências e limitações impostas pela

Circular nº 347, Art. 12, § 1.º expedida pela Superintendência de Seguros Privados:

14

Art. 12. O prazo de vigência do contrato de seguro de fiança locatícia é o mesmo do respectivo contrato de locação. § 1º Na hipótese de prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado, ou por força de ato normativo, a cobertura do seguro somente persistirá mediante aceitação de nova proposta por parte da sociedade seguradora.

Ora, tal previsão na norma infralegal colide com o que determina o Art. 39

da Lei nº 8.245/91, a qual estabelece: ”Salvo disposição contratual em contrário,

qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel,

ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta Lei”.

Entretanto, as empresas seguradoras vêm se utilizando do texto da Circular nº 347,

Art. 12, § 1º, para restringir as coberturas do seguro-fiança.

Outra razão apontada por Scavone Júnior (2015) da pouca adesão à

garantia seguro fiança é que os contratos são estipulados com espécies de

coberturas distintas, não garantindo todas as obrigações, por exemplo, há contratos

onde a cobertura básica garante apenas o aluguel, acrescido dos encargos. Com

esse comportamento por parte das seguradoras constatamos, assim, outra

inobservância legal, agora ao Art. 41, da Lei nº 8.245/91 onde determina que o

seguro garantia deve abranger a totalidade das obrigações do locatário.

2.1.3 Cessão fidejussória de quotas de fundo de Investimento

Quanto à modalidade cessão fidejussória de quotas de fundo de

Investimento, ela ainda é pouco difundida nos contratos de locações.

Essa modalidade foi incluída em 2005, pela Lei nº 11.196 e a garantia é

oferecida através de títulos de capitalização ou quotas de fundo de investimento das

quais o locatário ou terceiro sejam possuidor. Os títulos de capitalização ou quotas

de fundo de investimento são bens móveis por natureza, sendo que a Lei nº

4.728/65, em seu Art. 66-B autoriza que eles sejam cedidos fiduciariamente a fim de

garantir quaisquer obrigações.

A Lei nº 4.728/65 dispõe ainda que a posse dos títulos deverá ser

transmitida ao credor, que poderá, descumprida a obrigação, vendê-la a terceiros

sem a necessidade de autorização judicial ou a realização de hasta pública. No tópico a seguir, abordaremos detalhadamente o contrato e modalidade

de garantia conhecido por fiança.

15

3 O CONTRATO DE FIANÇA E SEUS REFLEXOS NA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA

Considera-se importante apresentar, neste momento, os conceitos de

contrato e princípio, bem como explanar sobre os princípios para melhor

contextualização do contrato de fiança.

Para Maria Helena Diniz (2013, p.32):

Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.

Segundo Gagliano e Pamplona (2012, p.49) contrato é, Um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.

Quanto aos princípios do direito contratual, estes devem ser observados

em todos os contratos, dessa forma, sendo a fiança um contrato, sujeitar-se-á à

aplicação desses princípios.

Observando a questão dos princípios Reale (2003, p.37) enuncia que: Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.

Já Harger (2001, p.16) propõe a seguinte definição para princípios:

Normas positivadas ou implícitas no ordenamento jurídico, com um grau de generalidade e abstração elevado e que, em virtude disso, não possuem hipóteses de aplicação pré-determinadas, embora exerçam um papel de preponderância em relação às demais regras, que não podem contrariá-los, por serem as vigas mestras do ordenamento jurídico e representarem os valores positivados fundamentais da sociedade.

Portanto, princípios são proposições mandamentais, geralmente com

conteúdo axiológico, que possuem um elevado grau de indeterminação e abstração

e que orientam a interpretação do aplicador do direito.

De acordo com Gonçalves (2014), o direito contratual rege-se por

diversos princípios, alguns tradicionais e outros modernos, considerando os

16

princípios mais importantes: da autonomia da vontade, da supremacia da ordem

pública, do consensualismo, da relatividade dos efeitos, da obrigatoriedade, da

revisão ou onerosidade excessiva e da boa-fé. Incluímos nesse rol o princípio da

função social do contrato, pois ele está previsto no Art. 421 do Código Civil.

Para o doutrinador o princípio da autonomia da vontade se alicerça na

ampla liberdade contratual, no poder dos contratantes de disciplinar os seus

interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem

jurídica. Os indivíduos têm a faculdade de celebrar ou não contratos, sem qualquer

interferência do Estado.

Todavia, essa autonomia não é absoluta, encontrando limitações em

normas de ordem pública e nos princípios sociais, com restrição prevista no próprio

Código Civil, Art. 421 que aduz “a liberdade de contratar será exercida em razão e

nos limites da função social do contrato”

O Enunciado nº 23 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de Direito Civil,

revela com clareza o entendimento moderno sobre o princípio da autonomia da

vontade1.

Venosa (2013b, p.392) afirma que “o atual diploma, o contrato não mais é

visto pelo prisma individualista de utilidade para os contratantes, mas no sentido

social de utilidade para a comunidade”.

Quanto ao princípio da supremacia da ordem pública, Gonçalves (2014,

p.35), leciona:

A doutrina considera de ordem pública, dentre outras, as normas que instituem a organização da família (casamento, filiação, adoção, alimentos); as que estabelecem a ordem de vocação hereditária e a sucessão testamentária; as que pautam a organização política e administrativa do Estado, bem como as bases mínimas da organização econômica; os preceitos fundamentais do direito do trabalho.

As normas de ordem pública não podem ser derrogadas e limitam a

liberdade dos indivíduos e, por conseguinte, restringem a liberdade contratual.

O princípio do consensualismo assegura que o simples acordo de duas

ou mais vontades basta para gerar o contrato válido, pois em regra os contratos se

aperfeiçoam sem necessidade de qualquer forma especial ou solenidade.

1 “A função social do contrato, prevista no Art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da

autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

17

Mas como bem elucida Gonçalves (2014) alguns contratos são reais, pois

somente se aperfeiçoam com a entrega do objeto, subsequente ao acordo de

vontades. Cita-se como exemplo de contrato real o contrato de depósito, que só se

aperfeiçoa depois do consenso e da entrega do bem ao depositário.

Já o princípio da relatividade dos efeitos do contrato apregoa que os

contratos somente vinculam as partes que manifestaram sua vontade em participar

do acordo, não podendo os efeitos do contrato afetar terceiros.

Diniz (2013, p.50) aponta que “o ato negocial deriva de acordo de vontade

das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia em relação a

terceiros”.

No entanto, o princípio em estudo foi minorado, pois na explicação de

Gonçalves (2014) ele era coerente com o modelo clássico de contrato, que buscava

exclusivamente a satisfação das necessidades individuais, e assim só produzia

efeitos entre aqueles que o haviam celebrado, mediante acordo de vontades.

Atualmente, o Código Civil em vigência não concebe mais o contrato

apenas como instrumento de satisfação de interesses pessoais dos contraentes,

mas lhe reconhece uma função social. Como consequência temos, por exemplo, a

possibilidade de terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele

influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.

O princípio da obrigatoriedade estipula que as promessas feitas no

contrato deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial em

face do inadimplente, na forma do Art. 389, do CC (DINIZ, 2013).

Gonçalves (2014) preleciona que o aludido princípio tem por fundamentos

a necessidade de segurança nos negócios e a imutabilidade do contrato, este

personificado pela máxima pacta sunt servanda2.

Sabe-se que os indivíduos mais frágeis economicamente não têm como

discutir o contrato de forma isonômica por quem é o detentor do poder econômico,

logo não se pode falar em absoluta obrigatoriedade dos contratos se não há idêntica

liberdade contratual entre as partes. Dessa forma, a obrigatoriedade dos contratos

cede ao princípio geral do Direito Civil, a socialidade, consistindo este na ideia de

justiça e de progresso social, com a prevalência dos valores coletivos sobre os

individuais.

2 Os pactos devem ser cumpridos.

18

O princípio da revisão ou da onerosidade excessiva constitui uma

exceção ao princípio da obrigatoriedade e baseia-se na ideia de que muitas vezes

há um grande distanciamento do ambiente em que contrato foi celebrado, daquele

onde está sendo cumprido, pois interferências econômicas, políticas, sociais ou

mesmo culturais podem tornar a execução do contrato excessivamente onerosa

para o devedor, logo é necessário que os termos do contrato sejam revistos.

Tem-se, nesse contexto, a aplicação do brocardo rebus sic stantibus, que

significa “enquanto as coisas estão assim”, ou seja, se durantes o curso da

execução contratual se mantiverem as mesmas condições do momento em que foi

celebrado o contrato, não há que se falar em revisão, mas se houver alterações

significativas, é imperativo que o contrato seja revisto.

No que diz respeito ao princípio da boa-fé devemos primeiramente

desmembrar a boa-fé em duas: a boa- fé subjetiva e a boa-fé objetiva.

A boa-fé subjetiva está relacionada ao aspecto psicológico, estado de

espírito, crença dos contratantes de estar agindo conforme o direito, ainda que a

realidade seja outra. O indivíduo ignora o caráter ilícito de seu ato ou que está

desrespeitando o ordenamento jurídico. A boa-fé subjetiva é, assim, sempre uma

crença ou uma ignorância.

Esta boa-fé já estava presente no Código Civil de 1916 e podemos

demonstrar no Código Civil de 2002 os seguintes dispositivos em que a boa-fé

subjetiva é manifesta: Art. 1.561 (efeitos do casamento putativo), Arts. 1.201 e 1.202

(posse de boa-fé), Arts.1.214 a 1.222 (efeitos da posse), Arts.1.238, 1.242, 1.243 e

1.260 (da usucapião), Art.1.268 (adquirente de boa-fé), Art. 879 (alienação de imóvel

indevidamente recebido), Art. 309 (pagamento a credor putativo), Arts. 686 e 689

(revogação ou extinção do mandato).

Com a vigência do Código Civil de 2002, uma inovação foi introduzida: a

boa- fé objetiva. Esta pode ser compreendida pela atuação do contratante lastreada

nos padrões sociais de integridade, honestidade e correção, de modo a não se

frustrar a legítima expectativa da outra parte.

Tartuce (2015) nos ensina que a boa-fé objetiva apresenta-se como

sendo a exigência de conduta leal dos contratantes, estando relacionada com os

deveres anexos ou laterais de conduta, que são ínsitos a todo negócio jurídico, não

havendo sequer a necessidade de previsão dos mesmos no instrumento negocial e

elenca como exemplos de deveres anexos: o cuidado em relação à outra parte

19

negocial; o respeito; o de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio; o de

agir conforme a confiança depositada; o de lealdade e probidade; o de colaboração

ou cooperação; o de agir com honestidade; o de agir conforme a razoabilidade,

equidade e a boa razão.

Ainda com o doutrinador, este explica que a quebra dos deveres anexos

gera a violação positiva do contrato, implicando em inadimplemento contratual e

consequente responsabilização civil, é o que se extrai da leitura do Enunciado nº 24

da I Jornada de Direito Civil que diz “Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no

Art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de

inadimplemento, independentemente de culpa” e do Enunciado nº 363 da IV Jornada

de Direito Civil, segundo o qual: “Os princípios da probidade e da confiança são de

ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência

da violação”.

Farias e Rosenvald (2015, p.160) fazem referência às palavras de Jorge

Cesa Ferreira da Silva onde este afirma que “a violação positiva do contrato, no

direito brasileiro, corresponde ao inadimplemento decorrente do descumprimento de

dever lateral, quando este dever não tenha uma vinculação direta com os interesses

do credor na prestação”, e completam que a violação positiva do contrato pode se

dar com o adimplemento ruim ou insatisfatório da prestação, pois apesar de

alcançar-se o cumprimento da prestação, foram frustrados o exercício da boa-fé e a

salvaguarda da confiança alheia.

Repise-se que o descumprimento dos deveres anexos provocará

inadimplemento- a violação positiva do contrato-, com o nascimento da pretensão

reparatória ou do direito potestativo à resolução do vínculo.

Vejamos o seguinte julgado abaixo colacionado:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. SÚMULA Nº 7/STJ. OBRIGAÇÕES DO LOCADOR. ART. 22, I, DA LEI Nº 8.245/1991. ENTREGA DO IMÓVEL EM ESTADO DE SERVIR AO USO A QUE SE DESTINA. ALCANCE DA NORMA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber o alcance da obrigação do locador, prevista no art. 22, I, da Lei nº 8.245/1991, sobretudo se lhe compete a regularização do bem junto aos órgãos públicos segundo a atividade econômica a ser explorada pelo locatário. 2. A destinação do imóvel para locação urbana pode ser para uso residencial (arts. 46 e 47 da Lei nº 8.245/1991), para temporada (arts. 48 a 50 da Lei nº 8.245/1991) ou para uso comercial (arts.51 a 57 da Lei nº 8.245/1991).

20

3. A determinação legal de que é dever do locador entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina (art. 22, I, da Lei nº 8.245/1991) está ligada à modalidade de locação em si mesma considerada, se residencial, comercial ou para temporada. 4. Na hipótese de locação comercial, a obrigação do locador restringe-se, tão somente à higidez e à compatibilidade do imóvel ao uso comercial. Salvo disposição contratual em sentido contrário, o comando legal não impõe ao locador o encargo de adaptar o bem às peculiaridades da atividade a ser explorada, ou mesmo diligenciar junto aos órgãos públicos para obter alvará de funcionamento ou qualquer outra licença necessária ao desenvolvimento do negócio. 5. Os deveres anexos à boa-fé, especialmente os deveres de informação, cooperação, lealdade e probidade, exigíveis das partes na execução dos contratos, contudo, impõem ao locador uma conduta colaborativa, no sentido de fornecer ao locatário os documentos e informações necessárias à implementação da atividade no imóvel objeto da locação. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ-REsp. 1317731 / SP 2012/0068290-3, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 26/04/2016, T3- TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 11/05/2016)

Há três dispositivos no Código Civil de 2002 que são essenciais para o

estudo da boa- fé objetiva: Arts. 113, 187 e 422.

De acordo com Tartuce (2015), o Art. 113, que aduz “Os negócios

jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua

celebração”, tem função de interpretação, auxiliando o aplicador do direito para a

interpretação dos negócios da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé.

O Art. 187 assevera que “também comete ato ilícito o titular de um direito

que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim

econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Farias e Rosenvald (2015, p.162) ponderam,

Aqui alguém aparentemente atua no exercício de um direito subjetivo. O agente não desrespeita a estrutura normativa, mas ofende a sua valoração. Conduz-se de forma contrária aos fundamentos materiais da norma, por negligenciar o elemento ético que preside a sua adequação ao ordenamento. Em outras palavras, no abuso do direito não há desafio à legalidade estrita de uma regra, porém à sua própria legitimidade, posto vulnerado o princípio que a fundamenta e lhe concede sustentação sistemática. O ilícito típico é uma conduta contrária a uma regra; o abuso é

um comportamento contrário a princípios.

E ainda com os mesmos autores, afirmam que “quando o Art. 187 do

Código Civil se refere à palavra ‘direito’, abrange não apenas os direitos subjetivos

como também outras situações que impliquem poderes, liberdades e faculdades,

incluindo-se aí os direitos potestativos.”(FARIAS, ROSENVALD, 2015, p. 164).

21

Para Tartuce (2015), o Art. 187 do CC tem função de controle e ele alerta

que segundo o Enunciado nº 37 da I Jornada de Direito Civil, a responsabilidade civil

que decorre do abuso de direito é objetiva, isto é, não depende de culpa, uma vez

que o Art. 187 do CC adotou o critério objetivo-finalístico. Assim, o desrespeito à

boa-fé objetiva conduz ao caminho sem volta da responsabilidade

independentemente de culpa, seja pelo Enunciado nº 24 ou pelo Enunciado nº 37.

E quanto ao Art. 422 que assevera “Os contratantes são obrigados a

guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de

probidade e boa-fé”, Tartuce (2015) entende que há uma função de integração, onde

a aplicação da boa-fé deve estar presente em todas as fases negociais. De acordo

com o Enunciado nº 25 da I Jornada, “o Art. 422 do Código Civil não inviabiliza a

aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”. Já

nos termos do Enunciado nº 170 da III Jornada, “A boa-fé objetiva deve ser

observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do

contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato”.

O direito contratual passou por um processo de socialização após a

edição da Constituição de 1988.

Gagliano e Pamplona (2012, p.87) dizem que:

Em verdade, garantias constitucionais, tais como as que impõem o respeito à função social da propriedade, ao direito do consumidor, à proteção do meio ambiente, às leis trabalhistas, à proteção da ordem econômica e da liberdade de concorrência, todas elas, conectadas ao princípio de proteção à dignidade da pessoa humana, remetem-nos à ideia de que tais conquistas, sob nenhuma hipótese ou argumento, poderão, posteriormente, virem a ser minimizadas ou neutralizadas por nenhuma lei posterior.

A fim de estudar o princípio da função social, faz-se necessário analisar a

função social sob dois aspectos: intrínseco e extrínseco.

O aspecto intrínseco refere-se às partes contratantes, devendo haver um

tratamento idôneo das partes, equilibrando-se a desigualdade real dos poderes

negociais dos contraentes e assim assegurar contratos mais isonômicos entre os

contratantes, em última análise, protege-se a dignidade da pessoa humana.

Reforça-se a função social entre as partes o Enunciado 360 da IV Jornada

de Direito Civil: “O princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia

interna entre as partes contratantes”.

Quanto ao aspecto extrínseco da função social, equivale dizer que o

contrato não interessa apenas às partes contratantes, mas também à sociedade,

22

pois é no meio social onde se pactuam os contratos, influenciando e sendo

influenciado pelas relações contratuais.

Já mencionamos o teor do Art. 421 do CC que traz expressamente a

função social como limitador da vontade contratual. Outro dispositivo do CC muito

relevante para o estudo da função social é o seguinte: “Art. 2.035. (...). Parágrafo

único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,

tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos.”

No ensinamento de Tartuce (2015) este comando legal tem três aspectos

primordiais: a) a norma enuncia que o princípio da função social dos contratos é

preceito de ordem pública e como consequência, cabe sempre intervenção do

Ministério Público e conhecimento de ofício pelo juiz; b) o dispositivo coloca a função

social dos contratos ao lado da função social da propriedade, dando fundamento

constitucional à primeira, podendo-se dizer que a função social dos contratos está

baseada na função social da propriedade, constante do Art. 5.º, XXII e XXIII, da

CF/1988 e c) não há inconstitucionalidade do dispositivo em ao possibilitar que a

função social dos contratos seja aplicada a um contrato celebrado na vigência do

CC/1916, mas que esteja gerando efeitos na vigência do CC/2002.

Na lição de Coelho (2012, p. 41) “Cumpre sua função social o contrato

que não sacrifica, compromete ou lesa interesses metaindividuais (públicos, difusos

ou coletivos) acerca dos quais não têm os contratantes a disponibilidade”.

Interessante apontar o posicionamento de Fábio Ulhoa Coelho, pois ele

considera que a função social do contrato tem caráter apenas extrínseco, quando

faz a seguinte afirmação:

Argumentar que a cláusula geral da função social dos contratos aplica-se além da tutela de interesses metaindividuais estranhos à relação dos contratantes configura a tentativa de instabilizar tais contornos, dotando de maior flexibilidade as normas de tutela do contratante débil e disciplinares do equilíbrio contratual [...] . [...] O equilíbrio dos contratantes e do contrato devem continuar sujeitos à disciplina específica, em consonância com o modelo reliberalizante da evolução do direito dos contratos. E a cláusula geral da função social do contrato, por sua vez, deve ser reforçada em sua importantíssima dimensão de amparo aos interesses metaindividuais estranhos aos contratantes (2012, p.41).

Com a devida vênia, não concordamos com Fábio Ulhoa Coelho, pois o

Art. 421 do CC estabelece que a função social do contrato limitará as vontades das

23

partes contraentes, apontando, portanto, uma clara interferência desse princípio nas

condutas das partes. Assim, verifica-se de imediato o caráter intrínseco da função

social do contrato, evitando-se as distorções econômicas nas relações privadas e

mantendo-se o equilíbrio negocial entre os contratantes. Com muita propriedade

Farias e Rosenvald confirmam o caráter interno da função social do contrato:

A função social do contrato exerce importante finalidade sindicante de evitar que o ser humano seja vítima de sua própria fragilidade ao realizar relações contratuais que, mesmo sob o pálio da liberdade contratual, culminem por instrumentalizá-lo ou, como intuiu Kant, convertam a pessoa – que é um fim em si – em meio para os fins alheios (2015, p.190).

3.1 Fiança: conceito e modalidades

Antes de análise do contrato de fiança, apropriado é relembrar-se de dois

elementos importantes do direito das obrigações: schuld (débito) e haftung

(responsabilidade).

Na relação obrigacional, débito (schuld) e responsabilidade (haftung) em

regra vem sempre juntos e incidentes na pessoa do devedor, isso equivale a dizer

que se o devedor contraiu uma obrigação ele tem o dever legal de adimpli-la,

entretanto, caso ele falhe nesse cumprimento surgirá a sua responsabilidade,

oferecendo o Estado meios coercitivos ao credor para conseguir a satisfação da

obrigação em face do devedor inadimplente. Enfatiza-se que se o débito é adimplido

nas condições acordadas, é óbvio que não será necessário a responsabilidade.

No entanto, pode haver schuld sem haftung, como na obrigação natural,

que mesmo existente não pode ser exigida. Damos o exemplo da dívida prescrita,

que pode ser paga por existir, mas não pode ser exigida.

Por outro lado, pode-se ter haftung sem schuld, que é exatamente o que

ocorre nos contratos de fiança, pois o fiador assume a responsabilidade do

cumprimento de uma obrigação no eventual inadimplemento por parte do devedor

originário.

Segalla (2010, p. 37) explana de modo bastante inteligível:

Assim, até o vencimento da obrigação, a dívida deverá ser exigida do devedor, e não do fiador; este somente poderá ser responsabilizado se e quando o devedor (rectius, afiançado) não efetuar o pagamento prometido, pois desse fato é que nasce a sua responsabilidade. É por esta razão, por exemplo, que nos contratos de locação de imóveis urbanos até o vencimento, os aluguéis devem ser exigidos do inquilino, mas não do fiador,

24

cuja responsabilidade surgirá logo que a dívida vença e não seja cumprida pelo devedor principal.

A fiança é uma espécie de contrato e está regulamentada nos Arts. 818

ao 839, do Código Civil de 2002.

O próprio legislador definiu no Art. 818 do Código Civil o conceito de

fiança: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma

obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.

Para Venosa (2013a, p.463), “a fiança é instrumento de garantia em favor

do cumprimento das obrigações”. E, de acordo com Farias e Rosenvald (2015, p.

1021) a fiança consiste “no fato de um terceiro garantir com o seu patrimônio o

adimplemento de uma obrigação alheia, responsabilizando-se por esse cumprimento

pessoalmente perante o respectivo credor”.

Segundo Venosa (2013a, p.463),

A fiança é espécie do gênero denominado caução e esta é toda modalidade de garantia. As formas usuais de caução são a real e a fidejussória ou pessoal. A caução real constitui-se de bens móveis ou imóveis destacados para garantir uma obrigação. Assim se colocam o penhor, a hipoteca e a anticrese, bem como as cauções prestadas no curso de processo a fim de garantir eventual direito ou prejuízo da outra parte. A fiança é garantia fidejussória e é a típica garantia pessoal, baseada na confiança, fidúcia depositada na pessoa do garante, o fiador, que em última análise responderá pela obrigação.

A fiança pode ser convencional, legal, judicial e bancária. Venosa (2013a)

explica que a fiança convencional é a resultante de contrato escrito. Ainda que

inserida em outro contrato, embora acessória, a fiança é contrato com regras

autônomas, como, por exemplo, no contrato de locação, quando o fiador nele apõe

sua assinatura, juntamente com locador e locatário, assumindo a garantia. A fiança

legal é a decorrente da lei, que pode exigi-la previamente para determinados atos ou

atividades. Já a judicial, é determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento das

partes. Por fim, a fiança bancária é modalidade de fiança convencional formalizada

por instituição financeira.

É interessante que se faça breves comentários sobre as diferenças entre

o aval e a fiança a fim de que se dissipem todos equívocos sobre essas garantias.

Apesar da fiança e o aval serem garantias fidejussórias, ou seja, a satisfação do

débito é garantida por uma terceira pessoa, caso o devedor não honre com o

acordado, tais garantias não se confundem.

Segalla (2010, p.59) sobre o assunto explica que,

25

No direito brasileiro a fiança é garantia pessoal de natureza contratual; há entre fiador e o credor um negócio jurídico bilateral. O aval, por sua vez, é também uma garantia pessoal, porém de natureza cambial; há entre o avalista e o credor um negócio jurídico unilateral. Enquanto o fiador garante o adimplemento daquele que figura como devedor em um contrato, o avalista se torna garantidor do adimplemento de um título de crédito.

O aval é autônomo, a fiança é acessória. O avalista pode ser acionado a

cumprir o adimplemento do título antes mesmo do avalizado, pois tanto o avalista

quanto o avalizado são devedores equiparados. Já na fiança não há autonomia, mas

sim acessoriedade e assim o fiador poderá exercer o chamado benefício da

excussão, a fim de que antes dele seja executado o afiançado (Art. 827, do CC).

Tendo em vista a autonomia do aval em face da obrigação avalizada,

caso essa seja nula, a responsabilidade do avalista subsistirá, nos termos do Art.

899, § 2º, do Código Civil. Quanto à fiança, por ter natureza acessória, se nulo for o

contrato, nula será a fiança, na forma do Art. 824 do Código Civil.

3.2 A Classificação do Contrato de fiança

Como a fiança é um contrato, indispensável é conhecer sua natureza

jurídica e classificação, pois como bem leciona Venosa (2013b, p.411):

A classificação dos contratos, examinando suas respectivas características e natureza, não possui utilidade meramente teórica. É questão propedêutica e pré-requisito do exame de qualquer contrato. De acordo com a modalidade de contrato sob exame na prática jurídica, há distintas consequências com variadas formas de interpretação e enfoque da posição das partes e do objeto contratado. Cada contrato apresenta vestes diversas. A função do intérprete é examinar sua natureza. Classificar o contrato é uma premissa inicial para atingir sua natureza jurídica e, consequentemente, seus efeitos, assim como a classificação de todo e qualquer negócio jurídico tem essa finalidade. Doutra forma, o interprete ficaria perplexo, sem poder iniciar o raciocínio lógico e jurídico.

A classificação dos contratos, de uma forma geral, é uma atividade

eminentemente doutrinária, embora um ou outro tipo contratual possa ter sua

classificação prevista em lei. Tendo em vista ser a classificação dos contratos, como

já mencionamos, é um trabalho precipuamente da doutrina, nem sempre haverá

coincidência na classificação entre os autores, contudo, as classificações

tradicionais estão consolidadas.

Para o objetivo deste trabalho, serão apresentadas as classificações mais

relevantes para a compreensão da fiança, portanto algumas classificações não

serão abordadas no presente estudo.

26

Quanto às obrigações das partes, os contratos podem ser unilaterais ou

bilaterais. Farias e Rosenvald (2015) classificam o contrato de fiança como

unilateral. A relação jurídica oriunda de contrato unilateral é simples, pois só uma

parte se constitui devedora, enquanto a que provém de um contrato bilateral é

complexa, uma vez que os contraentes figuram reciprocamente como sujeito ativo e

passivo. Assim, a fiança é um contrato unilateral por que a prestação principal

nasce apenas para o fiador.

Quanto às vantagens patrimoniais, na lição de Gonçalves (2014) os

contratos podem ser onerosos ou gratuitos. São gratuitos quando apenas uma das

partes aufere vantagem e para a outra parte só há obrigações. Outorgam-se

vantagens a uma das partes sem exigir contraprestação da outra. Nos contratos

onerosos ambos os contraentes obtêm proveito, ao qual, porém, corresponde um

sacrifício. As partes possuem sacrifícios e benefícios recíprocos. A fiança se

classifica como contrato gratuito, “[...] porque o fiador, em regra, auxilia o afiançado

de favor, nada recebendo em troca” (GONÇALVES, 2014, p.388). Como

consequência da gratuidade, a fiança não admite interpretação extensiva. A sua

obrigação se limita àquilo que foi declarado, é o que se extrai da parte final do Art.

819 do Código Civil.

Tartuce (2015) ensina que a fiança deverá ser interpretada

restritivamente, uma vez que se trata de um contrato benéfico sem trazer qualquer

vantagem ao fiador. Este somente deve responder por aquilo que expressamente

anuiu no instrumento do negócio. Surgindo alguma dúvida, deve-se interpretar a

questão favoravelmente ao fiador, parte vulnerável, em regra. Nesse sentido, prevê

a súmula 214, do STJ que: “O fiador na locação não responde por obrigações

resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.

Sobre essa matéria, Farias e Rosenvald (2015, p. 1023) pontuam que

“excepcionalmente a fiança poderá ser onerosa, na qual o garante será remunerado

para prestar a fiança, normalmente mediante uma percentagem sobre o valor total

garantido”. Exemplo de fiança onerosa é a fiança bancária, que consiste em um

contrato por meio do qual o banco, que é o fiador, garante o cumprimento da

obrigação de seu cliente (afiançado) por meio de uma carta de fiança. Essa fiança é

atípica, pois a relação se estabelece diretamente entre fiador e devedor e não entre

aquele e o credor.

27

E, prosseguindo com Farias e Rosenvald (2015, p.1024), estes afirmam

que “a fiança onerosa será submetida às normas do Código de Defesa do

Consumidor, se a assimetria se concretizar e o devedor se subsumir ao conceito de

destinatário final pela teoria finalista mitigada”

Quanto ao modo porque existem os contratos classificam-se em

principais e acessórios. Gonçalves (2014) explica que contratos principais são os

que têm existência própria, autônoma e não dependem, pois, de qualquer outro. Já

os contratos que, no entanto, dependem da existência de outros são chamados de

acessórios. Assim, os contratos acessórios são os que têm sua existência

subordinada à do contrato principal, tendo como objetivo primeiro garantir o

cumprimento de obrigações contraídas em contrato principal.

A fiança tem caráter acessório, uma vez que depende da existência do

contrato principal e conforme Tartuce (2015, p.656),

Tudo o que ocorrer no contrato principal repercutirá na fiança. Sendo nulo o contrato principal, nula será a fiança (Art. 824 do CC). Sendo anulável o contrato principal, anulável será a fiança (Art. 184 do CC). Sendo novada a dívida principal sem a participação do fiador, extinta estará a fiança,

exonerando-se este (Art. 366 do CC). No entanto, a nulidade da fiança não implicará na nulidade do contrato

principal, conclusão esta que decorre do caráter acessório da garantia (o acessório

segue a sorte do principal).

Registre-se que se a nulidade da obrigação principal se der pela

incapacidade pessoal do devedor, ainda assim a fiança pode ser reputada válida e

eficaz (Art. 824 do CC). Contudo, o mútuo feito a menor sem autorização do

representante, não pode ser reavido nem do mutuário, nem de seus fiadores (Art.

588, CC).

Se a fiança for estabelecida sem qualquer restrição, compreenderá além

da obrigação principal, todos os seus acessórios, como as despesas judiciais, juros

e cláusula pena (Art. 822, CC).

A fiança pode ser contraída em condições menos onerosas (ser oferecida

por termo certo e inferior ao prazo do contrato principal ou por valor certo e inferior

ao valor que envolva a obrigação do contrato) e caso ela seja estabelecida em valor

superior ou em condições mais onerosas, valerá até o limite da obrigação afiançada

(Art. 823, CC).

28

No que diz respeito à constituição dos contratos, estes podem ser

consensuais ou reais. Conforme expõem Farias e Rosenvald (2015) o contrato

consensual é aquele em que o acordo de vontades das partes é suficiente para seu

aperfeiçoamento. Bastam duas ou mais declarações de vontades convergirem, sem

qualquer exigência adicional. Já o contrato real é aquele que, além do consenso das

partes, demanda a entrega da coisa para o seu aperfeiçoamento. A manifestação de

vontades é insuficiente, sendo necessária a tradição do objeto para a constituição

válida do negócio jurídico.

O Art. 820 do CC preconiza que “pode-se estipular a fiança, ainda que

sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade”. Atente-se que o contrato

de fiança é um consenso das vontades do credor do contrato principal com o fiador,

sendo desnecessária a anuência do devedor, mas absolutamente indispensável o

alinhamento das vontades do credor e do fiador.

Quanto à forma, os contratos podem ser formais e não formais. Na lição

de Venosa (2013b, p. 438), “o contrato só deverá obrigatoriamente conter uma forma

se assim for determinado pela lei. Na omissão legal quanto à predeterminação da

forma, o contrato vale e é eficaz, qualquer que seja sua forma”. Assim, serão formais

os contratos cuja validade depender da observância de uma forma preestabelecida

pela lei, caso não haja previsão legal de forma para um determinado contrato, ele

será, por óbvio, não formal.

A fiança é um contrato formal, pois além da exigência da manifestação

de vontade do fiador seja expressa e inequívoca, ela deve ser escrita, é o que

dispõe a parte inicial do Art. 819, do CC: ''A fiança dar-se-á por escrito...”. Dessa

forma, não se admite a fiança verbal, ainda que provada por meio de testemunhas.

A fiança pode ser realizada no próprio corpo do contrato principal ou em separado.

Destaca-se, entretanto, que o contrato de fiança, apesar de necessariamente ser

escrito, não é solene, pois não se exige escritura pública.

Os contratos também podem ser classificados em atenção às qualidades

pessoais de um dos contratantes e podem ser impessoais ou personalíssimos

(intuitu personae). Segundo Farias e Rosenvald (2015) um contrato é intuitu

personae quando a consideração da pessoa de um dos contratantes é para o outro

o elemento essencial para sua realização. Todavia, serão impessoais os contratos

em que é indiferente a pessoa com quem se contrata. A fiança é, por excelência, um

contrato personalíssimo, tendo em vista que o credor concretiza um contrato de

29

fiança com o fiador se considerá-lo detentor de características relevantes (possuir

patrimônio, ser probo), ou seja, a pessoa do contratante é elemento causal do

contrato. Corrobora essa afirmação o disposto no Art. 825 do CC: “Quando alguém

houver de oferecer fiador, o credor não pode ser obrigado a aceitá-lo se não for

pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar a fiança e não

possua bens suficientes para cumprir a obrigação”.

Os contratos personalíssimos são intransmissíveis mortis causa. Por

exemplo, a fiança cessa com a morte do fiador, mas se houver obrigação do fiador

falecido, esta se transmitirá aos seus herdeiros, sendo a responsabilidade da fiança

limitada ao tempo decorrido até a morte do fiador, não podendo ultrapassar as

forças da herança (Art. 836 do CC).

Para a proposta desse trabalho, chegamos a última classificação que nos

interessa que é quanto à disciplina legal. Aqui os contratos podem ser típicos ou

atípicos.

Na lição de Farias e Rosenvald (2015) os contratos típicos são aqueles

que possuem regulamentação específica na lei e atípicos são os que não possuem

modelos contratuais consagrados na lei e aí regulamentados de modo

tendencialmente completo ou pelo menos suficiente. A fiança é um contrato típico,

uma vez que está regulamentado em lei, Arts. 818 a 839 do Código Civil de 2002.

3.3 A Fiança no Código Civil e na Lei nº 8.245/91

No tópico anterior, apresentaram-se as classificações mais relevantes do

contrato de fiança. Apesar de alguns artigos do Código Civil terem sido

mencionados, alguns dispositivos importantes que regulamentam o instituto da

fiança não foram vistos, tarefa essa que será realizada a seguir.

O Art. 821 do Código Civil estabelece que “As dívidas futuras podem ser

objeto de fiança; mas o fiador, neste caso, não será demandado senão depois que

se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor.”

Venosa (2013 a, p.470) explica que nesse caso,

A fiança existe como direito eventual, apresentando afinidade com a obrigação condicional. No entanto, firmada a fiança para débito futuro, cuida-se de ato perfeito e acabado que não admite retratação, embora suspensa sua exigibilidade.

30

Farias e Rosenvald (2015, p. 1033) oferece um exemplo didático do que

seja dívida futura garantida por fiança:

Se locador e locatário convencionam que este indenizará os danos causados ao imóvel ao tempo da desocupação, havendo prestação de fiança como garantia dos eventuais prejuízos, já entramos na seara da dívida futura. Com efeito, a causa presente é o contrato de locação, porém a obrigação de indenizar é uma causa futura, que não mais se prende ao negócio jurídico, porém à responsabilidade civil decorrente de danos. Em

face de sua acessoriedade, a fiança acompanhará a dívida futura.

Prosseguindo, o Art. 826 do Código Civil aduz que “Se o fiador se tornar

insolvente ou incapaz, poderá o credor exigir que seja substituído.”

O objetivo da norma é proteger o credor, pois é imprescindível que o

fiador tenha condições de oferecer o pagamento não apenas ao tempo da

constituição da obrigação principal como também no interregno do contrato. Mas o

credor não poderá exigir novo fiador devido às ocorrências do Art. 826 se a fiança foi

estipulada sem o consentimento do devedor ou contra a sua vontade (Art. 820, CC).

O Código Civil, no Art. 333, III permite que se considere vencida a dívida

antecipadamente, se cessarem, ou se tornarem insuficientes as garantias do débito,

fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.

O Art. 40 da Lei de Locações enumera as situações em que o locador

poderá exigir novo fiador ou a substituição dessa garantia nos contratos de locação:

I - morte do fiador; II – ausência, interdição, recuperação judicial, falência ou

insolvência do fiador, declaradas judicialmente; III - alienação ou gravação de todos

os bens imóveis do fiador ou sua mudança de residência sem comunicação ao

locador; IV - exoneração do fiador; V - prorrogação da locação por prazo

indeterminado, sendo a fiança ajustada por prazo certo; VI - desaparecimento dos

bens móveis; VII - desapropriação ou alienação do imóvel; VIII - exoneração de

garantia constituída por quotas de fundo de investimento; IX - liquidação ou

encerramento do fundo de investimento de que trata o inciso IV do Art. 37 da Lei nº

8.245/90 e X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado

o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os

efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Uma vez que a fiança é um contrato personalíssimo, a morte do fiador

provoca a extinção da garantia, mas os bens do espólio responderão pelas

31

obrigações da fiança até a data do falecimento do fiador (Art. 836, CC, a ser

comentado posteriormente).

As declarações judiciais de ausência, interdição, falência ou insolvência

do fiador tornam ineficaz a garantia, pois não resta dúvidas de que nesses casos o

fiador não estará mais apto a assumir quaisquer compromissos.

Para Venosa (2014, p.188),

[...] alienação ou gravação de todos os bens do fiador faz desaparecer o patrimônio com o qual o mesmo poderia responder pela obrigação garantida. A mudança de residência do fiador, sem comunicação, faz supor uma tentativa de fraude para esquivar-se da fiança.

Para que o presente estudo mantenha-se linear e coerente, as causas de

substituição exoneração do fiador (inc. IV) e desoneração do fiador ( inc. X) serão

analisadas quando também for se explicar os efeitos da fiança, previstos nos Arts.

827 a 836 do Código Civil.

Se a fiança é convencionada por prazo certo, o fiador será exonerado

quando o prazo decorrer e caso a locação seja prorrogada por prazo indeterminado,

esta ficará sem garantia, logo deve ocorrer a substituição da fidúcia por outra

modalidade de garantia ou exigir-se novo fiador.

Na lição de Venosa (2014), o desaparecimento dos bens móveis e a

desapropriação ou alienação do imóvel do fiador indica o enfraquecimento da

garantia. Caso desapareçam os bens do fiador, autoriza a lei uma nova garantia a

ser exigida pelo locador. No que diz respeito à desapropriação ou alienação do

imóvel, somente faz sentido a previsão legal se o fiador for proprietário de um único

imóvel, pois se ele possuir outros bens imóveis idôneos para responder pela

garantia, não há razão para ser aplicado o disposto no inc. VII, Art. 40, da Lei nº

8.245/91.

Uma vez exonerada a garantia constituída por quotas de fundo de

investimento ou caso ocorra a liquidação ou encerramento do fundo de investimento

objeto de cessão fiduciária, o locador possui o direito de exigir nova modalidade de

garantia.

A partir deste momento serão explicados os efeitos da fiança, previstos

nos Arts. 827 a 836 do Código Civil, mas antes de adentrar em tais artigos, para

maior compreensão do conteúdo neles contido, é conveniente relembrar os

conceitos de responsabilidade subsidiária e responsabilidade solidária.

32

Gagliano e Pamplona (2014) ensinam que há solidariedade no

cumprimento de uma obrigação quando concorre uma pluralidade de devedores e

cada um deles torna-se, individualmente, obrigado ao pagamento de toda a dívida

caso seja demandado pelo credor. Portanto, na responsabilidade solidária há duas

ou mais pessoas unidas pelo mesmo débito. Já na responsabilidade subsidiária,

uma das pessoas tem o débito originário e a outra tem apenas a responsabilidade

por este débito. Por isso, existe uma preferência (dada pela lei) na fila (ordem) de

excussão: no mesmo processo, primeiro são demandados os bens do devedor

(porque foi ele quem se vinculou, de modo pessoal e originário, à dívida); não sendo

eles suficientes, inicia-se a excussão de bens do responsável, em caráter

subsidiário, por toda a dívida.

O Art. 827 do CC prevê o benefício de ordem ou de excussão:

Art. 827 O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor. Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

Gonçalves (2014) explica que o benefício de ordem consiste na

prerrogativa conferida ao fiador de exigir que os bens do devedor principal sejam

excutidos antes dos seus. Tal benefício se funda na ideia de que a obrigação do

fiador é subsidiária, tendo em vista que o devedor que se vinculou originariamente

ao contrato principal- o qual o fiador garante-, é quem deve pagar a dívida e

somente quando, mediante a execução de seus bens, verificar-se a insuficiência de

seu patrimônio para resgatá-la, é que o fiador será chamado a fazê-lo. O benefício

de ordem pode ser alegado pelo fiador até a contestação, tendo o fiador a

responsabilidade de indicar bens idôneos do devedor para suportar a dívida.

O benefício de ordem é a regra geral, nos termos do Art. 827 do Código

Civil, entretanto, poderá o fiador não se aproveitar desse benefício nas hipóteses

assinaladas do Art. 828 do mesmo diploma legal: I- se ele o renunciou

expressamente; II - se se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário; III -

se o devedor for insolvente, ou falido.

Na prática contratual, principalmente nos contratos de locação, são raros

os casos em que o fiador pode invocar o benefício de ordem, pois quase sempre o

credor exige que o fiador se obrigue como principal pagador ou renuncie

33

expressamente o benefício de ordem para que o contrato principal, no caso a

locação, se realize. Obrigando-se como principal pagador, o fiador torna-se solidário

do devedor principal e o credor poderá exigir do fiador, desde logo, a partir do

inadimplemento do devedor originário, o pagamento da dívida (GONCALVES, 2014).

Os atuais contratos de locação devem ser criticados, pois quase todos

são de adesão. Ora, o locatário geralmente é o contratante mais vulnerável e se

submete às cláusulas impostas pelo locador, sem discuti-las, pois necessita de

moradia. E o fiador, no afã de ajudar o afiançado, também não questiona as

cláusulas contratuais de renúncia do benefício de ordem ou de se tornar devedor

solidário, tendo em vista ser exigência do locador para que a locação se concretize.

Nesse cenário, a IV Jornada de Direito Civil aprovou enunciado prevendo

que a renúncia ao benefício de ordem será nula quando inserida em contrato de

adesão (Enunciado nº 364 do CJF/STJ).

É muito elogiável esse entendimento do Conselho de Justiça Federal,

visto que o contrato de adesão é aquele em que apenas uma parte dita as cláusulas

e condições, cabendo ao interessado aceitá-las no conjunto ou não. O processo de

formação desse tipo de contrato é unilateral e, às vezes, até autoritário. Para alguns

juristas os contratos de adesão não têm natureza verdadeiramente contratual,

porque as partes não se posicionam em um plano de igualdade, sendo que a parte

aderente, muitas vezes é obrigada pelas circunstâncias, pela necessidade a

contratar, sem ao menos ter tempo de conhecer as cláusulas que lhe são impostas.

(NADER, 2016)

Quanto ao Art. 828, inciso III (se o devedor for insolvente, ou falido) é

totalmente compreensível que o fiador não se aproveite do benefício de ordem, pois

se o devedor não possui mais bens livres para quitar o débito existente, o fiador é

quem deverá inexoravelmente solvê-lo.

Como bem resume Tartuce (2015, p.658):

Da leitura dos arts. 827 e 828 do CC, não há solidariedade legal entre o fiador e o devedor principal. No máximo, poderá existir solidariedade convencional por força de contrato paritário. Entre fiador e devedor principal a regra é de responsabilidade subsidiária.

No entanto, o Art. 829 do CC traz como regra a solidariedade entre

fiadores, quando aduz “A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de

34

uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente

não se reservarem o benefício de divisão”.

Nesse caso, “o benefício de divisão não é a regra, mas a exceção,

consistindo na prerrogativa dos cofiadores de reservarem para si a responsabilidade

proporcional pela garantia” (FARIAS e ROSENVALD, 2015, p.1037). De acordo com

o parágrafo único do Art. 829, do CC “Estipulado este benefício, cada fiador

responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento.” Se

não houver delimitação da dívida que cabe a cada garante, pode o credor, em caso

de inadimplência do devedor principal, exigir de um, de alguns, ou de todos os

fiadores o total da dívida (CC, Art. 275).

O Art. 830 do CC dispõe “Cada fiador pode fixar no contrato a parte da

dívida que toma sob sua responsabilidade, caso em que não será por mais

obrigado.”, complementando assim o Art. 829.

Frisa-se, portanto, que o benefício de divisão deve constar

expressamente no contrato, pois do contrário, o que será aplicado é o disposto no

Art. 829, caput, ou seja, a solidariedade entre os fiadores, implicando, por

conseguinte, a cobrança total da dívida a apenas um deles, se assim o credor

resolver.

Uma vez que estamos abordando a responsabilidade solidária na fiança,

consideramos indispensável fazer a distinção entre a outorga marital (ou uxória) e a

fiança conjunta oferecida pelos cônjuges.

O fiador, sendo casado, necessita do consentimento conjugal, conhecido

como outorga uxória (da mulher) ou marital (do marido), para prestar fiança, é o que

se extrai do Art. 1647, III do CC. Somente é desnecessária a outorga conjugal se o

casamento for regido pelo regime de separação convencional de bens, pois nesse

regime os cônjuges são livres para dispor de seus bens como bem lhes convier.

Dessa forma, quando um dos cônjuges autoriza o outro a prestar garantia,

o cônjuge autorizador não terá sua meação comprometida para solver eventual

dívida do afiançado, somente a meação do cônjuge garantidor é que estará apta a

fazer frente ao débito referente à obrigação inadimplida. Se o cônjuge outorgante

não se declarou garante no contrato, sua meação está livre de qualquer constrição e

não poderá ser invocado para honrar qualquer dívida.

O juiz pode suprir a outorga conjugal, na forma do Art.1648 do CC,

quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível

35

concedê-la. O Art. 1.649 do CC preconiza que “A falta de autorização de um dos

cônjuges, não suprida pelo juiz, quando necessária (Art.1.647) tornará anulável o ato

praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois

determinada a sociedade conjugal”.

Ainda sobre a anulação da fiança por ausência da autorização marital, o

Superior Tribunal de Justiça- STJ editou a Súmula nº 332, determinando “A anulação

de fiança prestada sem outorga uxória implica a ineficácia total da garantia”.

Mas os cônjuges, conjuntamente, podem prestar a fiança e nesse caso

teremos a responsabilidade solidária entre ambos.

Como preleciona Venosa (2013a, p.473),

Os cônjuges podem, por outro lado, afiançar conjuntamente. Assim fazendo, ambos colocam-se como fiadores. Quando apenas um dos cônjuges é fiador, unicamente seus bens dentro do regime respectivo podem ser constrangidos. Desse modo, sendo apenas fiador o marido, com mero assentimento da mulher, os bens reservados desta, por exemplo, bem como os incomunicáveis, não podem ser atingidos pela fiança.

Na fiança prestada com a outorga conjugal, ela se extingue pela morte do

que prestou a fiança, mas se o falecimento foi daquele que autorizou a fiança, esta

permanecerá válida e eficaz.Contudo, se ambos os cônjuges participaram do

contrato prestando a fiança e um vier a falecer, permanecerá o cônjuge sobrevivente

garante da obrigação principal, logo se a fiança foi prestada pelo casal, a morte de

um deles não exonera o cônjuge supérstite.

Quanto à união estável, o entendimento do STJ é que é válida fiança

prestada durante união estável sem anuência do companheiro.

Dando sequência, o Art. 831 do CC enuncia que “O fiador que pagar

integralmente a dívida fica sub-rogado nos direitos do credor; mas só poderá

demandar a cada um dos outros fiadores pela respectiva quota”, e no Parágrafo

único: “A parte do fiador insolvente distribuir-se-á pelos outros”.

Segundo Farias e Rosenvald (2015, p.1039) “surge o fenômeno da sub-

rogação quando na relação jurídica se verifica a substituição de uma pessoa por

outra, ou de um objeto por outro. Portanto, o verbo sub-rogar sempre exalta a ideia

de substituir, modificar”.

Ao fiador que adimplir a obrigação do devedor principal ser-lhe-á

transferido todos os direitos, ações, privilégios e garantias que o credor anterior

36

possuía em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores, é a dicção do

Art.349 do CC.

Venosa (2013a) pontua que o fiador poderá promover ação regressiva

para recuperar o que pagou em razão da fiança, não somente em relação ao

principal e aos acessórios da dívida, mas também perdas e danos que pagou em

decorrência dela, assim como os prejuízos que a garantia lhe causou (Art. 832, CC).

A lei também confere ao fiador direito a juros desde o desembolso de acordo com a

taxa estipulada na obrigação principal ou, na ausência de convenção a respeito, os

juros legais de mora (Art. 833, CC).

Dispõe o Art. 834 do CC: “Quando o credor, sem justa causa, demorar a

execução iniciada contra o devedor, poderá o fiador promover-lhe o andamento”.

Essa regra vem amparar o fiador do abuso de direito por parte do credor, quando

este retarda a execução do devedor. O Art. 834 do CC manifesta uma espécie de

legitimação extraordinária em prol do fiador a fim de que este aja em nome próprio

na defesa dos interesses do credor- e dos seus indiretamente-, prosseguindo na

execução em face do devedor.

Na lição de Farias e Rosenvald (2015, p.1041),

Tem-se que o abuso se concretiza quando alguém exercita um direito subjetivo ou potestativo de forma desproporcional, frustrando a boa-fé objetiva. A legítima expectativa do fiador quanto à cooperação do credor no sentido de agilizar a cobrança é fundamental para que o garante não incorra em prejuízos excessivos e perfeitamente desnecessários, caso venha a pagar ao credor pela obrigação inadimplida. Nessa senda, seja pelo fato de que pode haver um conluio entre credor e devedor, ou mesmo que não haja, pelo fato de que o retardamento na excussão poderá encontrar o patrimônio do afiançado já esvaziado, contribui decisivamente o Art. 834 para encetar uma espécie de legitimação extraordinária em prol do fiador, para agir em nome próprio na defesa dos interesses do credor (e da sua reflexamente), prosseguindo na execução em face do devedor.

O Art. 835 do CC estabelece que “o fiador poderá exonerar-se da fiança

que tiver assinado sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando

obrigado por todos os efeitos da fiança, durante sessenta dias após a notificação do

credor”.

Este dispositivo é aplicável para a fiança celebrada com prazo

indeterminado. Nesse caso, o fiador poderá exonerar-se a qualquer tempo, mediante

notificação dirigida ao credor com quem mantém o contrato. Mas o fiador continua

respondendo por todas as obrigações assumidas pelo devedor pelo prazo de

37

sessenta dias após a notificação ao credor. Evidencia-se, portanto, o direito

potestativo do fiador de se desincumbir da fiança.

Gonçalves (2014) afirma que a fiança por prazo determinado extingue-se

com o advento do termo e que a prestada por prazo indeterminado, mas garantindo

negócio com prazo determinado, cessa com a extinção do negócio subjacente,

tendo em vista que o acessório segue o principal. Entretanto, se a fiança for

prestada por prazo indeterminado, garantindo negócio sem termo final, a todo tempo

é lícito ao fiador exigir a sua exoneração com fundamento no Art. 835 do CC.

Quando analisadas as causas de substituição de fiador ou de modalidade

de garantia no contrato de locação, mencionou-se que a exoneração e a

desoneração do fiador são duas dessas causas (Lei nº 8.245/90, Art. 40, incisos IV e

X, respectivamente) e a partir desse momento alguns comentários serão realizados

sobre elas.

A Lei de Locações prevê a continuidade da locação, mesmo que o

locatário contratante faleça (Art.11) ou se divorcie, separe-se de fato ou dissolva a

união estável, permanecendo no imóvel alugado o parceiro que não foi parte no

contrato (Art.12).

No caso de falecimento do locatário-contraente, nas locações com

finalidade residencial, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro e, sucessivamente,

os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência econômica

do de cujus, desde que residentes no imóvel, ficarão sub - rogados nos direitos e

obrigações do contratante original (Art. 11, I); se a locação não tinha finalidade

residencial, o espólio e, se for o caso, o sucessor no negócio é que se sub-rogará

nos direitos e obrigações do contraente original falecido.

Qualquer das situações acima previstas- falecimento do locatário ou

dissolução do matrimônio/união estável com permanência no imóvel do parceiro não

contratante-, deve ser comunicada por escrito ao locador e ao fiador, o mais breve

possível, se esta for a modalidade de garantia (Art. 12, § 1º).

O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades na ocorrência

das situações dos Arts. 11 e 12 da Lei nº 8.245/91, devendo ele notificar o locador

no prazo de trinta dias, contado do recebimento da informação de sub-rogação no

imóvel, que não permanecerá mais como garante, sob pena de, ao não tomar esta

providência no prazo estipulado, permanecer na condição de fiador, agora

garantindo o sub-rogado. Convém ressaltar que, ainda que requeira sua

38

exoneração, o fiador ficará responsável por todos os efeitos da fiança durante 120

(cento e vinte) dias após a notificação ao locador (Art. 12, §2º).

Destaca-se que a obrigação de informar ao locador e ao fiador da sub-

rogação é do sub-rogado e caso se não cumpra essa exigência, ele poderá ser

despejado por infração legal.

Mas, como ficará a situação do fiador na hipótese de o sub-rogado não

realizar a comunicação que lhe compete? Scavone Júnior (2015, p.1157) aponta

uma solução:

Parece-nos que caberá ao juiz verificar as peculiaridades do caso concreto. Posta assim a questão, se o locador recebe os aluguéis de terceira pessoa, e se o sub-rogado conhece a circunstância e se cala, nos parece que o fiador não pode ser responsabilizado por futura inadimplência. Todavia, se o locador não foi comunicado e desconhece a sub-rogação, mormente quando os pagamentos continuam sendo feitos em nome do locatário original através de meio eletrônico ou bancário, o risco será do fiador, a quem compete fiscalizar a titularidade do contrato de locação e, se for o caso, substituir o sub-rogado na tarefa de comunicar o locador, aproveitando a oportunidade para notificá-lo da exoneração no prazo de cento e vinte dias.

Quanto à desoneração do fiador no contrato de locação, houve muitas

controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias, por isso faremos uma explanação

pormenorizada da evolução do posicionamento sobre o tema.

Inicialmente o Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento de que

a fiança- e vamos aqui estabelecer de que se trata da fiança irrestrita-, somente

obrigava o fiador durante o prazo contratado da obrigação principal e, ainda que

houvesse prorrogação legal do contrato principal, a fiança não poderia ser

prorrogada se não houvesse a anuência do fiador, pois esse tipo de garantia se

interpreta restritivamente, na forma do Art. 819, do CC.

Vejamos o seguinte julgamento do STJ para demonstrar o

posicionamento acima exposto:

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. CLÁUSULA QUE OBRIGUE O FIADOR ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. IRRELEVÂNCIA. RESPONSABILIDADE. RESTRIÇÃO AO PERÍODO ORIGINALMENTE CONTRATADO. PRORROGAÇÃO DA LOCAÇÃO COM ANUÊNCIA DO FIADOR. EXTINÇÃO DA GARANTIA. SÚMULA 214/STJ. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I - O Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento no sentido de que a fiança como contrato benéfico, não admite a sua interpretação extensiva, não tendo eficácia a cláusula contratual que preveja a obrigação fidejussória até a entrega das chaves, ou que pretenda afastar a disposição do Art. 819 do Código Civil (1.483 do CC/16). Assim, há que se ter como termo final do período a que se obrigaram os fiadores a data na qual se extinguiu a avença locativa

39

originária, impondo-se afastar, para fins de responsabilização afiançatória, o lapso temporal que se seguiu, creditado à conta de prorrogação do contrato. II - A impossibilidade de conferir interpretação extensiva à fiança locativa, consoante pacífico entendimento desta Eg. Corte, torna, na hipótese, irrelevante, para o efeito de se aferir o lapso temporal da obrigação afiançada, cláusula contratual que preveja a obrigação do fiador até a entrega das chaves. Precedentes. III - Na hipótese dos autos, há pormenor relevante. Consoante consignado pelo Juízo de Primeiro grau, "os embargantes aceitaram a prorrogação da obrigação, ao anuírem ao acordo celebrado entre a embargada e o afiançado após o término do prazo de vigência originário (fls. 16/17)." (fl. 45). IV - Nos termos do enunciado 214 da Súmula do STJ, "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.". V - Agravo interno desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 833492 SP 2006/0064859-8, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 12/09/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/10/2006 p. 354)

Assim, mesmo existindo previsão expressa no contrato de locação que a

fiança se manteria até a entrega das chaves ou mesmo havendo cláusula de

renúncia de pedido de exoneração, o fiador não poderia ser responsabilizado por

débitos referentes ao período de prorrogação ao qual não anuiu, pois aplicava-se a

já mencionada Súmula nº 214, do STJ.

Todavia, o STJ alterou completamente seu posicionamento e passou a

admitir que, havendo cláusula contratual estabelecendo a fiança até a efetiva

entrega das chaves, esta era válida, não podendo o fiador desincumbir do seu

encargo até a entrega efetiva do imóvel ao locador.

Nesse sentido, se o contrato principal se prorrogasse, a fiança também se

prorrogaria, de forma automática, até o locatário devolver o imóvel ao locador e

somente se houvesse cláusula expressa limitando a fiança a tempo certo é que ela

não se estenderia.

Atentemos para julgado abaixo:

CIVIL. LOCAÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO. FIANÇA. TÉRMINO DO PRAZO ORIGINALMENTE PACTUADO. EXONERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DOS FIADORES ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES DO IMÓVEL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 566.633/CE, firmou o entendimento de que, havendo, como no caso vertente, cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação por parte destes em razão do término do prazo originalmente pactuado.

2. Embargos de divergência rejeitados. (EREsp 791.077/SP, 3ª Seção, j. 28.03.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 28.05.2007, p. 286).

40

Entretanto, com a edição da Lei nº 12.112/2009 houve alterações

importantes na Lei de Locações e a matéria, mais uma vez, ganhou novo

entendimento.

O Art. 39 da Lei nº 8.245/91 passou a asseverar que: “Salvo disposição

contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva

devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por

força desta Lei”. Já o Art. 40, inc. X, da Lei do Inquilinato, prevê a possibilidade de o

fiador colocar fim à fiança, independentemente da prorrogação da locação por prazo

indeterminado, bastando notificar o locador de sua intenção de desonerar-se do

encargo, entretanto ficará obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120

(cento e vinte) dias após a notificação ao locador.

Realizando-se uma interpretação sistemática dos Arts. 39 e 40 da Lei nº

8.245/91 tem-se o seguinte resultado: havendo a prorrogação legal do contrato de

locação, tornando-se a locação por prazo indeterminado, a fiança também se

prorrogará, na inexistência de qualquer ressalva quanto ao prazo dela, contudo o

fiador poderá exonerar-se da fiança a qualquer tempo após a locação ter-se tornado

por prazo indeterminado, mas deve o fiador comunicar ao locador a sua intenção de

desincumbir-se do encargo e deverá ainda responder por todos os efeitos da fiança

pelo prazo de 120 dias após a comunicação ao locador.

Há divergência jurisprudencial e doutrinária sobre a possibilidade de

renúncia ao direito de exonerar-se, por expressa previsão no contrato de fiança.

No entendimento de Venosa (2013a, p.482) “Não há que se admitir a

renúncia prévia ao direito de exonerar-se o fiador da garantia, pois ninguém pode

renunciar previamente a um direito potestativo”.

Tartuce (2015, p.659) “filia-se ao entendimento segundo o qual se trata de

norma de ordem pública, o que faz com que a renúncia convencional seja nula, para

qualquer contrato”. E acrescenta “essa nova forma de resilição unilateral pretende

proteger o fiador, sempre em posição desprivilegiada, havendo relação direta com a

eficácia interna do princípio da função social dos contratos” (TARTUCE, 2015, p.

513).

Segundo Farias e Rosenvald (2015, p.1046),

Seria viável a renúncia ao direito resilitório do fiador por cláusula contratual? Antecipamos a nossa resposta negativa, com algumas variáveis: a uma, se a fiança não tem prazo, mas o contrato base é submetido a termo,

41

desnecessária será a previsão de renúncia, pois o negócio acessório não poderá sobreviver ao ocaso da relação principal; e a duas, se a obrigação principal não tem prazo, pelas razões alinhavadas nos tópicos pregressos, a renúncia ao poder de denúncia será coberta pela ilegitimidade e sancionada pela nulidade, por desvirtuar a liberdade da parte de se desvincular das amarras do contrato. Se todo contratante tem a potestade de submeter a outra à resilição nos contratos sem prazo (Art. 473, CC), a mesma prerrogativa será deferida ao fiador nas fianças sem prazo.

Em relação ao contrato de Locação, Scavone Júnior (2015) defende que

a renúncia ao direito de exoneração afasta completamente a intenção da lei, que é

de proteger o fiador quando da prorrogação automática do contrato, ainda mais que

há possibilidade de o locador exigir nova garantia do locatário, sob pena de infração

contratual e despejo.

Para Gonçalves (2014, p.393) “não é nula a cláusula de renúncia do

direito de exoneração da fiança oferecida por tempo Indeterminado”.

Repise-se que a maioria dos contratos de locação é constituída de

cláusulas não discutidas entre as parte, apresentando- se indiscutivelmente como

contratos de adesão e, por conseguinte, deve-se aplicar o contido no Art. 424 do

Código Civil, segundo o qual estabelece que “nos contratos de adesão, são nulas as

cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da

natureza do negócio”.

Para encerrar o presente tópico, apresentam-se as causas de extinção da

fiança previstas nos Arts. 837 a 839 do CC.

Já vimos que a morte do fiador extingue a fiança, mas se houver

obrigação, esta passará aos seus herdeiros, limitada, todavia, às forças da herança

e aos débitos existentes até o momento do falecimento do fiador, nos termos do

Art.836, CC.

De acordo com a dicção do Art. 837, o fiador pode opor ao credor as

exceções que lhe são pessoais (Arts. 204, § 3º, 366, 371 e 376, todos do CC) e as

extintivas da obrigação que competem ao devedor principal (prescrição e nulidade

da obrigação), se não provierem simplesmente da incapacidade pessoal, salvo o

caso do mútuo feito a pessoa menor.

A fiança também se extingue por razão de certas condutas praticadas

pelo credor, previstas no Art. 838 do Código Civil: I- concessão de moratória; II-

frustração da sub-rogação legal do fiador nos direitos e preferências; III- aceitação,

em pagamento da dívida, de dação em pagamento feita pelo devedor, ainda que

depois venha a perder o objeto por evicção.

42

O Art. 839 dispõe que:

Se for invocado o benefício da excussão e o devedor, retardando-se a execução, cair em insolvência, ficará exonerado o fiador que o invocou, se provar que os bens por ele indicados eram, ao tempo da penhora, suficientes para a solução da dívida afiançada.

Além do que consta nos dispositivos acima, a extinção da fiança pode se

dar pelas causas terminativas próprias das obrigações em geral (a confusão, ao se

reunirem na mesma pessoa as qualidades de devedor e de fiador e a compensação,

por exemplo).

Por ser contrato acessório, extingue-se em sobrevindo qualquer causa de

extinção do débito principal por ela assegurado, salvo a hipótese do Art. 824 do

Código Civil. Se a fiança for prestada por prazo determinado, se extinguirá com o

alcance do termo final do prazo. A fiança pode ocorrer também por ato amigável

entre o fiador e o credor (distrato) e por decisão judicial em ação de exoneração de

fiança.

3.4 A fiança e o Bem de Família: aplicabilidade nos contratos de locação

imobiliária

Considerando que dois benefícios outorgados pela norma civil ao fiador já

foram abordados, quais sejam, o benefício de ordem e o benefício de divisão, é de

grande relevância comentar sobre o benefício ao bem de família, ao qual

infelizmente o fiador não faz jus.

A doutrina entende que ordenamento jurídico brasileiro prevê duas formas

de bem de família: bem de família convencional3, disciplinado no Código Civil, Arts.

1.711 a 1.722 e bem de família legal, regulado pela Lei nº 8.009/1990.

O bem de família convencional pode ser instituído pelos cônjuges, pela

entidade familiar ou por terceiro, através de escritura pública ou testamento, não

podendo exceder um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição.

A instituição do bem de família deve ser realizada por meio de escritura

pública ou testamento e posteriormente registrada no Cartório de Registro de

Imóveis. Com a instituição do bem de família convencional o bem se torna

inalienável e impenhorável, ficando protegido de execuções por dívidas posteriores à

sua instituição. Todavia, essa proteção será eliminada nos casos de dívidas

3 Também denominado de bem de família institucional.

43

anteriores à sua constituição, de qualquer natureza; dívidas posteriores,

relacionadas com tributos relativos ao bem e despesas de condomínio, mesmo

posteriores à instituição. A instituição do bem de família permanece até o

falecimento de ambos os cônjuges, mas se existirem filhos menores de 18 anos, ela

prossegue até a maioridade dos filhos (Art. 1.716 do CC). Destaca-se que a

dissolução da sociedade conjugal, por qualquer razão (divórcio, morte, inexistência,

nulidade ou anulabilidade do casamento), não extingue o bem de família

convencional. A extinção do bem de família convencional não obstaculiza a

aplicação da proteção legal de bem de família, disposta na Lei 8.009/1990.

O bem de família legal é disciplinado pela Lei nº 8.009/1990, preconizado

no Art.1º da referida lei, diz que:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Depreende-se, assim, que o único imóvel do devedor não pode ser

penhorado para pagamento de dívidas. Dessa forma, o Art. 1º da Lei nº 8.009/90

está em total sintonia com o Art. 6º da Constituição Federal, pois este elege como

direito social fundamental, entre outros, o direito à moradia. Tal direito foi

acrescentado à Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 26/2000.

Tartuce (2015, p.162), ressalta que “em regra, a impenhorabilidade

somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para residência ou moradia

permanente da entidade familiar (Art. 5.º, caput, da Lei 8.009/1990)”.

Mas, em 2012 o STJ editou a Súmula nº 486 com o seguinte preceito: “É

impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros,

desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a

moradia da sua família”.

Ainda com Tartuce (2015), há julgamento do Superior Tribunal de Justiça –

STJ4 em que a premissa do imóvel único também se aplica ao imóvel do devedor

que esteja em usufruto, para destino de moradia de parente idoso e o autor aponta o

Informativo nº 543 do STJ, onde se extrai que se “constitui bem de família,

insuscetível de penhora, o único imóvel residencial do devedor em que resida seu

familiar, ainda que o proprietário nele não habite”. Acrescenta-se ainda que “a

4 STJ, REsp 950.663/SC, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 10.04.2012.

44

ocupação do imóvel por qualquer integrante da entidade familiar não descaracteriza

a natureza jurídica do bem de família”5.

Percebe-se que a jurisprudência pátria tem se preocupado em estender o

direito constitucional à moradia ao maior número de pessoas. Por outro lado, as

decisões do Tribunal da Cidadania também protegem a família, o que está

inteiramente de acordo com o Art. 226 da Constituição Federal de 1988.

Ressaltemos que a família atualmente pode ter vários formatos, não apenas a

tradicional composição: marido, mulher e filhos. Nessa perspectiva, existe a Súmula

nº 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange

também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

No entanto, a Lei nº 8.009/90 elenca no Art. 3º as hipóteses em que o

benefício da impenhorabilidade não pode se oposto. E, para o nosso trabalho,

interessa o que dispõe o Art. 3º, inciso VII da Lei: “Art. 3º A impenhorabilidade é

oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista

ou de outra natureza, salvo se movido: VII - por obrigação decorrente de fiança

concedida em contrato de locação”.

Como se infere pela leitura do Art. 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90, o

benefício de impenhorabilidade do bem de família não se estende ao fiador. A

Jurisprudência atual também entende que o dispositivo é constitucional. A fim de

que esse ponto torne-se bem compreendido, faremos uma breve exposição dos

acontecimentos que conduziram ao injusto posicionamento jurisprudencial atual.

Scavone Júnior (2015) explica que os contratos de fiança celebrados

antes da Lei nº 8.009/1990 contavam com a possibilidade de penhora do único bem

do fiador, contudo quando a Lei nº 8.009/90 foi promulgada, o único imóvel do fiador

passou a ser protegido. Todavia, o Art. 82, da Lei nº 8.245/91 acrescentou o inciso

VII do Art. 3º, da Lei nº 8.009/90 excluindo da impenhorabilidade o bem de família do

fiador no contrato de locação, por conseguinte, aos contratos de locação garantidos

por fiança, a partir da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, não se aplica mais a

impenhorabilidade do bem de família do fiador.

Em 2005, o Supremo Tribunal Federal, por decisão monocrática, proferida

pelo Min. Carlos Velloso nos autos do Recurso Extraordinário 352.940-4-SP, da 2.ª

Turma, iniciou a discussão sobre a penhorabilidade ou não de um único bem imóvel

5 STJ, EREsp 1.216.187/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 14.05.2014.

45

da propriedade de um fiador de contrato de locação e o Ministro em questão

considerou impenhorável o bem de família do fiador em contrato de locação.

Vejamos o julgado colacionado:

CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEMDE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DOCASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao Art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não- recepção pelo Art.6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido”.(STF, RE 352.940-4-SP, rel. Carlos Velloso, 2ª Turma, j. 25.04.2005, DJU 09.05.2005, p. 00106).

Segundo o Ministro Carlos Velloso, o inciso VII, do Art. 3º da Lei nº

8.009/90 não fora recepcionado a partir da redação da Emenda Constitucional nº 26,

de 14 de fevereiro de 2000, que alterou o Art. 6º da Constituição, tendo em vista que

a moradia foi incluída como direito social fundamental e por que o dispositivo

também violaria o princípio constitucional da isonomia, uma vez que trataria a

mesma situação jurídica a que estariam vinculados os devedores e os fiadores de

maneira distinta.

No entanto, em 2006, houve decisão do pleno do Supremo Tribunal

Federal, considerando constitucional o Art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90:

FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no Art. 6º da CF. Constitucionalidade do Art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do Art. 3º, inc VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o Art. 6º da Constituição da República.” (STF, RE 407.688- SP, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j.08.02.2006, DJU 06.10.2006, p. 00033).

De acordo com Segalla (2010), há dois argumentos apontados pelos

Ministros que participaram do julgado a fim de fundamentar a constitucionalidade do

dispositivo em análise. O primeiro seria que se acaso fosse vedada a penhora do

único imóvel do fiador em contrato de locação, isto romperia equilíbrio do mercado,

despertando exigência sistemática de garantias e dessa forma o acesso do locatário

à moradia seria prejudicado. Já o segundo argumento afirma que a exclusão da

impenhorabilidade do imóvel único do fiador não teria violado o princípio da isonomia

46

porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas – a

expropriabilidade do bem do fiador tende, posto que por via oblíqua, também

proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de

locador, não um direito qualquer de crédito.

Discorda-se da tese vencedora, qual seja, da constitucionalidade do Art.

3º, inc. VII da Lei nº 8.009/90. Apoiamos a tese vencida do Ministro Eros Grau, que

considerou inconstitucional o dispositivo em comento por evidente afronta ao

princípio da isonomia, pois, nas suas palavras, “se o benefício da impenhorabilidade

viesse a ser ressalvado quanto ao fiador em uma relação de locação, poderíamos

chegar a uma situação absurda: o locatário que não cumprisse a obrigação de pagar

aluguéis, com o fito de poupar para pagar prestações devidas em razão de aquisição

de casa própria, gozaria da proteção da impenhorabilidade. Gozaria dela mesmo em

caso de execução procedida pelo fiador cujo imóvel resultou penhorado por conta do

inadimplemento das suas obrigações, dele, locatário”. E prossegue o Ministro: “Quer

dizer, sou fiador; aquele a quem prestei fiança não paga o aluguel, porque está

poupando para pagar a prestação da casa própria, e tem o benefício da

impenhorabilidade; eu não tenho o benefício da impenhorabilidade”. Outro fator

apontado pelo Ministro é que haveria violação do direito social à moradia do fiador,

de maneira que não mais poderia viver com a sua família no espaço por ele

escolhido para que pudesse desenvolver a sua personalidade e habitar com

dignidade (SEGALLA, 2010).

Para finalizar as considerações sobre o bem de família, sabe-se que o

fiador que paga a dívida do seu afiançado, por exemplo, em um contrato de locação,

se sub-roga nos direitos de cobrar dele, afiançado, a dívida que pagou em razão a

garantia que prestou (Art.831, CC)- voltaremos a comentar este artigo logo abaixo-,

contudo ainda que se sub-rogue nos direitos do credor, o fiador não poderá penhorar

o bem de família do afiançado, uma vez que o único imóvel do afiançado não se

insere nas exceções do Art. 3º, da Lei nº 8.009/1990.

Dessa forma, temos uma excrecência inominável, visto que o fiador

poderá ter seu único imóvel penhorado num execução, na forma do Art. 3º, inc. VII,

da Lei 8.009/90, contudo, numa eventual ação de regresso em face do afiançado,

não poderá penhorar o bem de família deste, tendo em vista que o afiançado fica

protegido pelo já citado dispositivo legal. Esta é uma situação extremamente injusta

para o fiador. Para haver coerência, ou o Art 3º, inc. VII da Lei nº 8.009/90 é

47

revogado ou deve haver a edição de uma lei prevendo que o bem de família do

afiançado poderá ser penhorado pelo fiador em uma ação regresso proposta por

este em desfavor daquele.

Concordamos inteiramente com Segalla (2010) quando este defende que

deve ser assegurado ao garante (fiador) o atingimento de eventual bem de família

do devedor principal (locatário/afiançado), de modo tornar a este realmente

responsável pelos débitos que a sua conduta houver gerado. Na atualidade, como o

devedor principal não tem nada a perder, o ônus recai totalmente sobre o garante.

48

4 ESTUDO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO

Antes de abordarmos propriamente a legitimidade ativa, é interessante

que façamos uma breve digressão sobre a definição de ação e as condições da

ação visto que nos permitirá uma maior compreensão sobre a legitimidade ativa

processual. Segundo Câmara (2016, p.53),

A ação consiste no direito a todos assegurado, de atuar em juízo, exercendo posições ativas ao longo de todo o processo, a fim de postular tutela jurisdicional. A ação não seria apenas um direito do demandante, daquele que provoca a instauração do processo, mas também o demandado exerce direito de ação. Afinal, o demandado tem tanto direito quanto o demandante de participar do processo e buscar um resultado que

lhe favoreça.

Donizetti (2016, p. 232) esclarece que ação “é o direito a um

pronunciamento estatal que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a

insegurança gerada pelo conflito de interesses, pouco importando qual seja a

solução a ser dada pelo juiz”.

Dinamarco e Lopes (2016, p. 130) define ação como “o direito de obter o

pronunciamento do juiz sobre uma pretensão, ou sobre o mérito, ainda quando o

autor não tenha razão no plano do direito material”.

Não confundamos, todavia, o direito de ação com o direito de demandar

em juízo, direito fundamental previsto no Art. 5º, XXXV da CRFB/88. O direito de

estar em juízo não depende de condição alguma, entretanto o direito de ação

depende de certos requisitos, como bem será demonstrado.

Revela-se importante, neste momento, conhecer, ainda que

sucintamente, as teorias sobre a natureza jurídica da ação.

A primeira teoria é a civilista, clássica, imanentista ou privativista,

concebida por Savigny. Para o jurista alemão, o direito de ação ou a ação em si

deveriam estar vinculados à existência de um direito material. A violação do referido

direito é que possibilitava a atuação em juízo. “Não há ação sem direito; não há

direito sem ação; a ação segue a natureza do direito” (CINTRA, GRINOVER e

DINAMARCO, 2015, p.286).

A próxima teoria é a concreta da ação, também conhecida como teoria

do direito concreto da ação. Seu idealizador foi o alemão Adolf Wach e tem como

mérito ser a primeira teoria que fez distinção entre direito de ação e direito material.

Para essa teoria “o direito de ação é um direito do indivíduo contra o Estado, com o

49

objetivo de obtenção de uma sentença favorável, e ao mesmo tempo um direito

contra o adversário, que estará submetido à decisão estatal e aos seus efeitos

jurídicos.” (MARINONI, 2006 apud NEVES, 2016, p. 66)

Segundo Neves (2016) a teoria concreta defende que o direito de ação só

existe se o direito material existir. Reconhece-se a autonomia do direito de ação,

mas não a sua independência, considerando que o direito de ação dependeria do

direito material.

Já a teoria abstrata do direito de ação estabelece que o direito de ação é

independente do direito material. Pode existir o direito de ação sem que exista o

direito material. Nas palavras de Neves (2016, p.67) “os defensores dessa teoria, o

direito de ação é abstrato, amplo, genérico e incondicionado, não existindo nenhum

requisito que precise ser preenchido para sua existência. Nessa concepção, não

existem condições para o exercício da ação [...]”

A terceira teoria trata-se da eclética, idealizada pelo italiano Liebman. E,

segundo Neves (2016),

A existência do direito de ação não depende da existência do direito material, mas do preenchimento de certos requisitos formais chamados de condições da ação. Para essa teoria, as condições da ação não se confundem com o mérito, ainda que sejam aferidas à luz da relação jurídica de direito material discutida no processo, sendo analisada preliminarmente e, quando ausentes , geram uma sentença terminativa de carência de ação ( Art. 485, VI, do Novo CPC) sem a formação de coisa julgada material.

Verificamos, a partir dessa teoria, que para existir o direito de ação,

necessário se faz observar as chamadas “condições da ação”. Sem a presença de

quaisquer delas – legitimidade ad causam, do interesse de agir e da possibilidade

jurídica –, estar-se-á diante da denominada carência de ação o que conduz a

extinção do processo sem resolução do mérito (CÂMARA,2008).

Por último, surgiu na doutrina a teoria da asserção, que é uma teoria

intermediária entre a teoria abstrata e a teoria eclética. De acordo com Neves

(2016), na teoria da asserção as condições da ação são consideradas para o

julgamento do mérito da causa e não condições para o legítimo exercício do direito

de ação. A verificação das condições da ação se dá através das afirmações feitas

pelo autor na inicial, abstratamente, no estado em que são apresentadas, isto é, não

se confunde com a pretensão deduzida em juízo, de forma que as questões

concernentes à relação jurídica material dizem respeito ao mérito da causa, logo a

relação jurídica será verificada com base no afirmado pelo demandante. Se a falta

50

de uma das condições da ação for verificada, por exemplo, após o exame das

alegações do réu, essa apreciação fará coisa julgada material, pois estará ocorrendo

julgamento com mérito, gerando improcedência do pedido e não carência de ação.

Pela teoria da asserção se o juiz realizar cognição profunda sobre as

alegações contidas na petição após esgotados os meios probatórios terá praticado

juízo sobre o mérito da demanda e a consequência será a extinção com resolução

do mérito. Essa teoria tem sido amplamente aceita na doutrina e a jurisprudência

nacional.6

No Código de Processo civil de 1973 era expresso o termo condições da

ação, previsto no Art. 267, VI, o qual autorizava a extinção do processo, sem

resolução do mérito, quando não estivesse presente a possibilidade jurídica do

pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual. Salienta-se que as

condições da ação também estavam previstas nos Arts. 3º e 295, incisos I e II do

CPC/73, mas nestes havia referência expressa apenas à necessidade de

legitimidade e interesse para que o indivíduo pudesse propor uma demanda em

juízo e como requisitos para a regularidade da petição inicial.

Entendia-se assim que o Código de Processo Civil de 1973 amparou, de

forma expressa, a Teoria Eclética. E quanto ao CPC de 2015?

Vejamos o ensinamento de Theodoro Júnior (2015 , p. 223):

O novo Código de Processo Civil fugiu do nomen iuris “condições da ação”, consignando, porém, que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” (Art. 17). Com essa postura, aparentemente ter-se-ia acolhido a tese de que ditas condições perderam a qualidade de preliminares processuais, passando a integrar o próprio mérito do processo, mais propriamente, como “preliminares de mérito”. Assim, legitimidade e interesse figurariam no objeto litigioso na mesma categoria de, por exemplo, a prescrição e a decadência. Todavia, não chegou a tanto a estrutura processual renovada, visto que, ao distinguir os provimentos que resolvem ou não o mérito, o acolhimento da falta de legitimidade ou interesse foi arrolado entre as hipóteses de extinção do processo, sem resolução de mérito (NCPC, Art. 485, VI). Logo, malgrado o combate feito por numerosa corrente doutrinária à figura das condições da ação, a pretexto de serem elas indissociáveis da matéria de mérito discutida no processo, o certo é que a lei continua a tratá-las como categoria processual distinta, intermediária entre os pressupostos de validade do processo e o mérito da causa. Continua, portanto, o Código atual fiel à doutrina de Liebman.

6 STJ - REsp: 879188 RS 2006/0186323-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento:

21/05/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 20090602 --> DJe 02/06/2009 STJ - REsp: 832370 MG 2006/0060802-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 02/08/2007, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/08/2007

51

Dinamarco e Lopes (2016, p.130) entendem, também, que o CPC de

2015 adotou a teoria de Liebman:

Na teoria de Liebman, que o novo Código de Processo Civil adota, o direito de ação é direito a obter o pronunciamento do juiz sobre uma pretensão, ou sobre o mérito, ainda quando o autor não tenha razão no plano do direito material. Estando presentes as duas condições da ação (interesse de agir e legitimidade) o juiz pronuncia sim uma sentença de mérito [...] [...] Quando uma das condições faltar o juiz nega-se a julgar a pretensão do autor, porque nesse caso ele não terá o direito de ação[...]

Neves (2016) defende que o Código de Processo Civil de 2015

incorporou a teoria eclética, pois prever que a sentença fundada na ausência das

condições da ação é meramente terminativa, não produzindo coisa julgada material

(Art. 485, VI, CPC 2015), ainda que não conste expressamente do texto legal a

expressão “condições da ação”.

Percebemos, assim, que a teoria eclética continua consagrada no sistema

processual civil atual.

O Novo CPC adota a teoria eclética e para ela o conceito de condições da

ação é imprescindível. Assim, as condições da ação podem ser definidas como

“requisitos formais de existência do direito de ação, as quais são analisadas a partir

da relação de direito material discutida” (DONIZETTI, 2016, p.235).

Theodoro Júnior (2015, p.222) afirma que “as condições da ação são

requisitos a observar, depois de estabelecida regularmente a relação processual,

para que o juiz possa solucionar a lide (mérito). Operam, portanto, no plano da

eficácia da relação processual”.

As condições da ação são, por conseguinte, requisitos que devem

obrigatoriamente estar presentes na demanda ajuizada e, quando ausentes,

acarretam o julgamento sem resolução do mérito do pedido, ou seja, o autor teve o

direito constitucional à ação em sentido amplo, que equivale a dizer que lhe foi

possibilitado apresentar sua pretensão em juízo, mas em sentido estrito não teve o

direito de ação, pois não terá pronunciamento do juízo sobre a procedência ou

improcedência do pedido.

Salientamos, contudo, que com a vigência do Novo Código de Processo

Civil, há doutrinadores renomados como Fredie Didier Júnior, Luiz Guilherme

Marinoni e Elpídio Donizetti defendendo que as condições da ação não mais

existem:

52

A legitimidade ad causam e o interesse de agir passarão a ser explicados com suporte no repertório teórico dos pressupostos processuais. A legitimidade e o interesse passarão, então, a constar da exposição sistemática dos pressupostos processuais de validade: o interesse, como pressuposto de validade objetivo extrínseco; a legitimidade, como pressuposto de validade subjetivo relativo às partes (DIDIER JÚNIOR, 2015, p. 307).

Não se fala mais em condições da ação. Há apenas advertência de que

para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade (Art. 17). Diz

o Art. 485 do CPC que o órgão jurisdicional não resolverá o mérito em

diversas hipóteses, entre essas quando verificar ausência de legitimidade

ou de interesse processual (Art. 485, VI). Trata-se, assim, de requisitos para

a apreciação do mérito, estando muito distante a ideia de que tais

elementos poderiam ter a ver com a existência da ação (MARINONI,

ARENHART, MITIDIERO, 2015, P. 204).

“Tendo em vista a semelhança e o fato de o Código não mais adotar em

nosso sistema processual a categoria denominada “condições da ação”, trataremos

da legitimidade ad causam e do interesse processual também como requisitos

processuais” (DONIZETTI, 2016, p.286).

Ainda que atualmente haja dissenso em relação à existência das

condições da ação, a doutrina majoritária possui o entendimento que as condições

da ação permanecem no CPC/2015. Podemos citar como defensores, entre outros,

Daniel Amorim Assumpção Neves, Humberto Theodoro Junior, Cândido Rangel

Dinamarco, Alexandre Freitas Câmera e Cassio Scarpinella Bueno.

Na lição de Bueno (2015, p.96),

No entanto, mesmo no ambiente do CPC de 2015, parece ser absolutamente adequado entender que os fundamentos e o substrato do “interesse de agir” e da “legitimidade para a causa” não guardam nenhuma relação com o processo, nem com sua constituição nem com o seu desenvolvimento. Muito pelo contrário, ambos os institutos só se justificam, na perspectiva do mérito, na perspectiva da afirmação de direito feita por aquele que postula em juízo.

Entendemos, assim, que as condições da ação permanecem no sistema

processual civil atual, não se confundindo com os pressupostos processuais, ainda

que quando ausentes tanto aquelas, quanto estes na relação processual, o processo

será extinto prematuramente, sem resolução de mérito. Corrobora nosso

posicionamento que o CPC de 2015 faz distinção entre os pressupostos processuais

e as condições da ação, quando preconiza no Art. 485 que o “juiz não resolverá o

mérito quando: IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de

53

desenvolvimento válido e regular do processo; VI - verificar ausência de legitimidade

ou de interesse processual”.

Ora, se as condições da ação e pressupostos processuais fossem

institutos idênticos o legislador não os teria elencados em incisos distintos, assim

acreditamos que a opção foi por manter a clássica diferença entre pressupostos

processuais e condições da ação.

Mas, quais são as condições da ação? No diploma processual civil de

1973, Art. 267, VI havia a previsão expressa do termo “condições da ação” que eram

a possibilidade jurídica, o interesse processual (interesse de agir) e a legitimidade

das partes.

A possibilidade jurídica “consistia na prévia verificação que incumbia ao

juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do

direito positivo em vigor” (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.230)

De acordo com Neves (2016), numa análise abstrata do pedido do autor à

luz do ordenamento jurídico, são três os possíveis resultados: a) o pedido está

expressamente previsto como apto a receber a proteção jurisdicional; b) não há

nenhuma previsão legal a respeito do pedido e c) existe uma expressa vedação na

lei ao pedido formulado. Desses três resultados possíveis, somente a vedação legal

constitui a impossibilidade jurídica do pedido.

Então, inferimos que o conceito de pedido juridicamente possível está

relacionado à ausência de proibição normativa quanto ao pedido formulado.

A possibilidade jurídica do pedido sempre recebeu críticas, tendo em vista

a dificuldade de se diferenciar a decisão que extingue o processo por

impossibilidade jurídica do pedido e a decisão de mérito que julga a demanda

improcedente.

Atualmente, defende-se que a possibilidade jurídica do pedido passou a

integrar o mérito. Donizetti (2016) menciona que “ser ou não possível um direito, na

perspectiva da pretensão formulada, é matéria que diz respeito ao mérito e como tal

deve ser apreciada pelo juiz”.

O Novo Código de Processo Civil (2015) não faz mais referência à

possibilidade jurídica entre as condições da ação, referindo-se apenas à legitimidade

e interesse (Art. 17).

Como elucida Theodoro Júnior (2015, p.231), “na verdade, a dificuldade

prática e teórica para encontrar casos de impossibilidade puramente processual

54

conduziu à conclusão de que a figura se confundiria sempre ou com a

improcedência do pedido (mérito) ou com a falta de interesse (condição de

procedibilidade)”.

O interesse de agir ou interesse processual “é a necessidade de se

postular em juízo em busca de uma determinada utilidade. Este binômio

“necessidade” e “utilidade” é o que caracteriza o instituto “(BUENO, 2015, p.96).

Didier Júnior (2015) explica que o interesse de agir deve ser examinado

em duas dimensões: necessidade e utilidade da tutela jurisdicional. O exame da

necessidade da jurisdição fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de

ser encarada como a última forma de solução de conflito. E quanto à utilidade, esta

está presente sempre que o processo puder propiciar ao demandante o resultado

favorável pretendido; sempre que o processo puder resultar em algum proveito ao

demandante.

Esclarece-se que para o consagrado doutrinador o interesse de agir é um

pressuposto processual e não condição da ação.

Para Dinamarco e Lopes (2016) ter-se–à interesse de agir quando dois

indicadores revelam-se presentes: a necessidade da realização do processo e a

adequação do provimento jurisdicional postulado. Há interesse-necessidade quando

sem o processo e sem o exercício da jurisdição o sujeito seria incapaz de obter o

bem desejado. No que diz respeito ao interesse-adequação, este relaciona-se à

existência de múltiplas espécies de provimentos e tutelas instituídos pela legislação

do país, cada um deles integrando uma técnica e sendo destinado à solução de

certas situações da vida indicadas pelo legislador.

Ainda com Dinamarco e Lopes (2016), eles citam como exemplo de falta

do interesse-necessidade a propositura de demanda com o pedido de condenação

do devedor que já houver posto o valor do débito à disposição do credor.

Podemos ilustrar a ausência de interesse-adequação se o mandado de

segurança for impetrado em face de particular, pois esse remédio constitucional

somente poder ser admitido se o ato que se quer atacar emanar de autoridade

pública, na forma da Art 5º, inc. LXIX da CFRB/88 e da Lei 12. 016/09.

Iniciemos a abordagem da próxima condição da ação: a legitimidade para

a causa (legitimatio ad causam) ou legitimidade das partes.

De acordo com Donizetti (2016, p.289) a legitimidade,

55

Em princípio, decorre da pertinência subjetiva com o direito material controvertido. Serão partes legítimas, portanto, os titulares da relação jurídica deduzida (res in iudicium deducta). Diz-se “em princípio” porque o Código, em casos excepcionais, autoriza pessoa estranha à relação jurídica pleitear, em nome próprio, direito alheio. Trata-se da denominada legitimidade extraordinária (ou substituição processual).

Dinamarco e Lopes explicam (2016, p.132):

A legitimidade ad causam é a qualidade para estar em juízo como demandante ou demandado em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma concreta relação entre o sujeito e a causa e se traduz na relevância que o resultado desta virá a ter sobre a esfera de direitos do autor, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Tem, portanto, legitimidade ativa para uma causa o sujeito que em tese poderá vir a se beneficiar juridicamente dos efeitos da tutela jurisdicional pleiteada; e tem legitimidade passiva aquele que também em tese poderá sofrer algum impacto desfavorável em sua esfera jurídica.

Então, verificamos que o pretenso titular do direito é quem deve buscar

proteção estatal ao referido direito em face daquele que deverá apresentar–se como

o legítimo opositor da fruição do direito do requerente. A doutrina classifica a

legitimidade das partes em legitimidade ordinária e legitimidade extraordinária ou

substituição processual.

A legitimidade ordinária é a regra geral em termos de legitimidade e está

insculpida no Art. 18 do Novo CPC: “Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome

próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.”

Destacamos que tal enunciado se estende para o polo passivo, ou seja,

não é possível demandar em face do réu que não seja o oponente do direito

pleiteado. Assim, não se concebe o credor de um título executivo extrajudicial

executar o pai do devedor pelo fato do genitor possuir maior patrimônio que o filho.

A legitimidade extraordinária é a exceção. Segundo Câmara (2016),

somente a lei pode atribuir legitimidade a alguém que, não sendo sujeito da relação

jurídica deduzida no processo, fica autorizado a ocupar uma posição processual

ativa ou passiva.

Assim, teremos a legitimação extraordinária sempre que o ordenamento

jurídico atribuir a possibilidade de terceiro pleitear, em nome próprio, direito alheio. O

substituto processual deverá demonstrar estar autorizado pelo ordenamento jurídico

a tutelar o direito de terceiro.

56

Ressalta-se que o CPC/2015 somente autoriza a legitimidade

extraordinária, em sentido amplo, decorrente do ordenamento jurídico, afastando a

possibilidade de substituição por qualquer estabelecimento contratual.

Apresentamos como exemplo tradicional de legitimidade extraordinária o

estabelecido no Art. 5º, LXX, ‘b’, da Constituição Federal de 1988, que atribui

legitimidade às entidades de classe, organizações sindicais e associações

legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano para impetrar,

em nome próprio, mandado de segurança coletivo em defesa de interesses de seus

membros ou associados.

As condições da ação podem ser objeto de controle, de ofício ou por

provocação das partes, em qualquer tempo e grau de jurisdição, é o que se extrai do

Art. 485, § 3º do CPC de 2015.

Como bem leciona Câmara (2016), o exame da presença das condições

da ação não se realiza necessariamente no momento em que se ajuíza a petição

inicial, embora isso seja o ideal a fim de evitar a prática de atividade processual

inútil. Pode-se realizar este exame (se estão presentes as condições da ação) a

qualquer tempo, inclusive após a produção de prova, e até mesmo em grau de

recurso.

Verificando-se que há ausência de uma das condições da ação- seja a

legitimidade da parte ou interesse de agir-, estaremos diante da denominada

carência de ação, que redunda na falta do direito ao provimento de mérito e a

decisão judicial será terminativa, apenas.

Esclarecemos que ainda que haja a constatação de carência de ação e,

por conseguinte, a extinção do processo sem resolução do mérito, houve processo e

exercício da função jurisdicional.

Na lição de Theodoro Júnior (2015, p. 223), “o autor provocou a jurisdição

e foi ouvido em juízo. Por não concorrerem as condições técnicas para a tutela

pretendida, o órgão judicial encerrou prematuramente a relação processual – que

era válida, mas não eficaz–, antes de enfrentar o mérito da causa”.

4.1 A Ação de Despejo

Como define Scavone Júnior (2015, p.1282), “a ação de despejo é, em

regra, a forma de reaver imóvel cuja origem da posse direta decorre de contrato de

57

locação”. Portanto, ocorrendo uma resistência à pretensão do locador de reaver a

posse direta do imóvel, promove-se a ação de despejo.

As ações de despejo terão o rito ordinário, é o que estabelece o Art. 59,

da Lei de Locações. Entretanto, com a vigência do CPC de 2015, o mais correto

atualmente é dizer que as ações de despejo terão procedimento comum, tendo em

vista que o rito ordinário era uma subdivisão do procedimento comum disposto no

CPC de 1973, que além do rito ordinário previa o rito sumário. Contudo, com a

edição do novo CPC, extinguiu-se o rito sumário, restando apenas o procedimento

comum, na forma do Art. 318 que determina: “Aplica-se a todas as causas o

procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.

Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais

procedimentos especiais e ao processo de execução”. Esclarece-se, contudo, que o

despejo para uso próprio, por pessoa física, poderá ser proposto no Juizado

Especial Cível, seguindo o procedimento da Lei 9.099/1995, art. 8º.

Apresentemos as hipóteses previstas na Lei nº 8.245/91 que permitem a

propositura da ação de despejo pelo locador:

a) Artigo 3º, parágrafo único: ausência de vênia conjugal em contratos com prazo

que iguale ou suplante 10 anos, quando o cônjuge não estará obrigado a observar o

prazo excedente;

b) Artigo 7º: extinção do usufruto ou fideicomisso, sendo passível do nu-proprietário

ou fideicomissário, que não anuíram na locação celebrada pelo usufrutuário ou

fiduciário, denunciá-la;

c) Artigo 8º: alienação, onerosa ou gratuita, do imóvel locado, que autoriza o

adquirente exercer a denúncia;

d) Artigo 9º, I: resilição bilateral do contrato que, prevendo prazo de seis meses para

a desocupação, tendo sido subscrito por duas testemunhas, autoriza o despejo

liminar;

e) Artigo 9º, II: infração contratual ou legal;

f) Artigo 9º, III: falta do pagamento do aluguel e demais encargos;

g) Artigo 9º, IV: necessidade de realização de obras urgentes, determinadas pela

autoridade pública;

h) Artigo 46: término do prazo do contrato celebrado por escrito e com prazo

superior a trinta meses;

i) Artigo 47, II: dissolução do contrato de trabalho do qual decorra a locação;

58

j) Artigo 47, III: retomada para uso próprio do locador, seu cônjuge ou companheiro

e, ainda, de ascendente ou descendente que não disponha de imóvel residencial

próprio assim como seu cônjuge;

k) Artigo 47, IV: demolição e edificação licenciada ou realização de obras aprovadas

pelo poder público, que aumente pelo menos em 20% a área construída ou 50% de

destinada a hotel ou pensão;

l) Artigo 47, V: decurso do prazo de cinco anos, na eventualidade de contrato

celebrado verbalmente ou por escrito com prazo inferior a trinta meses;

e) Artigo 51, § 5º: decadência do direito de propor ação renovatória;

m) Artigo 52, I: determinação, pelo Poder Público, para que o locador leve a efeito

obras de radical transformação no imóvel locado, ou, ainda, a realização de obras

que aumentem o valor do negócio ou da propriedade;

n) Artigo 52, II: necessidade de retomar o imóvel para o próprio uso do locador,

transferência do fundo de comércio existente há mais de um ano;

o) Artigo 53: em hospitais, unidades sanitárias, asilos, estabelecimentos de saúde e

de ensino, se ocorrer as hipóteses do Art. 9º (infração contratual, falta de

pagamento, acordo e reparações urgentes determinadas pelo Poder Público) para

demolição e nova edificação ou para reforma com aumento de 50% da área útil;

p) Artigo 57: término do prazo contratual, na locação que não esteja submetida à

proteção da renovatória, não mais convindo ao locador mantê-la;

q) Artigo 59, parágrafo 1º, V: permanência do sublocatário após a dissolução da

locação por qualquer causa. O despejo nesse caso pode ser liminar;

r) Artigo 72, III: melhor proposta de terceiro;

s) Artigo 78: locações residenciais celebradas anteriormente à vigência da Lei

8.245/1991, vigorando por prazo indeterminado.

A despeito de todas as hipóteses acima ensejarem a propositura da ação

de despejo, fixaremos o desenvolvimento dessa parte do trabalho na situação de

despejo por falta de pagamento dos aluguéis e outros encargos pelo inquilino, pois

certamente essa é circunstância que mais provoca a ação de despejo nos tribunais

brasileiros e a de maior relevo para o fiador, pois a ausência do pagamento dos

aluguéis é que o arrasta para o litígio.

Ressalta-se que não são apenas os aluguéis atrasados possibilitam a

ação de despejo por falta de pagamento, outras obrigações acessórias (IPTU,

despesas condominiais, contas de água e luz etc.) não quitadas também darão

59

direito ao proprietário de despejar o inquilino. Portanto, será possível requerer a

ação de despejo ainda que estejam os aluguéis em dia, referindo-se a mora apenas

aos encargos da locação.

A falta de pagamento dos aluguéis e outros encargos previstos

contratualmente também caem na regra do Art. 9º, II, da Lei das Locações, que

estabelece que a locação será desfeita em decorrência da prática de infração legal

ou contratual, tendo em vista que o locatário é obrigado a pagar pontualmente o

aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo

estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, na

forma do Art. 23, I.

A ação de despejo por falta de pagamento está regulamentada no Art. 62

da Lei nº 8.245/1991, sendo que a partir de um dia de atraso no pagamento o

inquilino já é considerado inadimplente. Portanto, a ação de despejo pode ter início

um dia depois do vencimento do aluguel, caso ele não tenham sido pago, cabendo

ao locador ajuizar a ação, na forme do Art. 5º, da Lei nº 8.245/91.

A Lei do Inquilinato, em seu Art. 62, I possibilita a ação de cobrança de

aluguéis cumulada com a ação de despejo e caso o locador não cumule as

demandas, poderá posteriormente cobrar, em ação própria (execução ou ação de

cobrança pelo procedimento comum no processo de conhecimento), os valores

devidos. Caso haja abandono do imóvel pelo inquilino no curso da ação de despejo

cumulada com cobrança de aluguéis, perde-se o objeto relativamente ao despejo,

mas a ação prossegue no que se refere à cobrança dos aluguéis atrasados. O Art.

62, I permite que na propositura da ação de despejo, o autor já vincule o pedido de

citação de eventual fiador para integrar a ação, mas no que se refere à cobrança dos

valores atrasados, pois quanto à resolução do contrato de locação e a consequente

requisição da posse direta do imóvel o pedido é feito em face do locatário.

De acordo com o Art. 63 da Lei 8.245/91 “julgada procedente a ação de

despejo, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o

prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária”. Entretanto, se ação de

despejo foi motivada pela falta de pagamento dos aluguéis o prazo para

desocupação voluntária é reduzido para 15 dias, é o que preconiza o §1º, alínea ‘b’

do artigo em comento.

60

Poderá haver a execução provisória do despejo, na forma do Art.64 da lei

de Locações e não será necessário oferecer caução quando se tratar de ação de

despejo por falta de pagamento.

Nesse ponto do nosso estudo, retornemos ao questionamento que é

fundamento desse trabalho: Caso tenhamos uma locação garantida por uma fiança

fidejussória, em que o locatário não vem pagando os aluguéis por vários meses e o

locador se mantem inerte, não ajuizando a devida ação de despejo, como o fiador se

desvencilhará de um prejuízo tão vultoso?

Vejamos o seguinte trecho de Segalla (2010, p. 246):

Apesar de dispor de ação de despejo, e até mesmo de ação de execução, não raro o locador, não obstante o impagamento dos aluguéis, deixa de cobrar o inquilino impontual por muitos meses, pois sabe que se o mesmo não pagar o fiador o fará. Diante disso, a dívida oriunda do contrato de locação se avoluma dia após dia, acrescida de multas, juros e correção monetária, tudo isso ocorrendo sob os olhos benevolentes do locador, o qual não manifesta interesse em cobrar a dívida tão cedo, pois a vantagem que por ele será auferida por vezes superará em muito as aplicações financeiras populares que remuneram o dinheiro a juros baixos. Enquanto isso, a cada novo impagamento do devedor a multa mensal poderá chegar a 20% (!), o que em parte explica o porquê da omissão de alguns locadores: tornam-se sócios do inquilino na ruína do fiador!

Segalla (2010) explica que como a ação de despejo não foi promovida

pelo locador, verifica-se que ele passou a tolerar e, porque não dizer, a incentivar a

inadimplência do inquilino, desta feita não seria razoável que o fiador tivesse de

assistir e aceitar passivamente a omissão do locador sem nada fazer.

Sendo assim, o autor defende que a regra do Art. 834 do CC não é

apenas concessiva de legitimação ativa extraordinária ao fiador para dar andamento

a uma execução já iniciada, seria também permissiva ao garante para ele ajuizar a

ação de despejo por falta de pagamento quando o locador não o fizer e restar

configurado o abuso do direito e arremata:

Com efeito, o aplicador da lei, seja o administrador, seja o juiz, não pode desligar-se do resultado de sua ação e considerar cumprido seu dever com a mera e simples aplicação racional da norma aos fatos. Sua tarefa deve ir além: é criativa por natureza, pois que com ela deve integrar a ordem jurídica. E sendo criativa a atividade do intérprete do direito, com vistas a alcançar resultados justos e socialmente úteis, essas são as considerações que nos permitem defender a outorga de legitimação ativa extraordinária a permitir a propositura da ação de despejo por falta de pagamento ao fiador ante a demora desleal da cobrança da dívida pelo locador (SEGALLA, p. 256).

61

No que pese ser um posicionamento muito interessante de Alessandro

Schirrmeister Segalla, não se compartilha do seu entendimento pelos motivos e

razões apontados no próximo tópico.

4.2 A impossibilidade de utilização da ação de despejo pelo fiador do contrato

de locação

Por mais que se lamente a situação delicada e vulnerável do fiador, não

se vislumbra a possibilidade de legitimação extraordinária para o garante promover a

ação de despejo em face do locatário-afiançado nas situações em que o locador

retardatário não a promove.

Não há dúvidas de que a ação de despejo é o instrumento jurídico mais

célere do sistema para resolver a situação de inadimplência do locatário e de forma

reflexa minorar os prejuízos do fiador, pois permite a desocupação forçada com a

consequente cessação da responsabilidade do garante, entretanto, repise-se, não

se defende que a legitimidade ad causam, por ora, tenha sido contemplada ao fiador

para promover o despejo.

Sabe-se que a legitimidade extraordinária é conferida a terceiro para

defender direito alheio se demonstrar estar autorizado pelo ordenamento jurídico a

tutelar esse direito. Dessa forma, no caso da locação, o direito de retomar a posse

direta do imóvel é do locador (proprietário ou possuidor), na forma do Art. 5º da Lei

8.245/91 e não há, até o momento, permissão legal para o fiador inaugurar a ação

de despejo, que é a ação indicada para reaver o imóvel locado, em face do locatário-

afiançado inadimplente.

Não se extrai da leitura do Art. 834 do Código Civil a possibilidade de

fazer uma interpretação extensiva do dispositivo e aplicá-lo para o fiador inaugurar a

ação de despejo, somente se verifica a permissão ao fiador em promover o

andamento da execução iniciada contra o devedor na eventual demora do credor.

Portanto, o fiador, na nossa concepção, não possui legitimidade ativa

extraordinária para ser autor de ação de despejo em face do locatário inadimplente e

caso ele maneje a ação de despejo, ocorrerá carência de ação e certamente haverá

um julgamento sem mérito, nos termos do CPC Art. 485, VI.

Constata-se que há um vácuo legislativo muito prejudicial ao fiador e de

fato uma norma deveria ser editada a fim de assegurar ao fiador a legitimidade ativa

para promover a ação de despejo na situação já exposta. No entanto, o fiador não

62

pode aguardar a atividade legiferante e ficar refém de uma situação tão anti- jurídica

como essa, portanto, busquemos no Direito uma saída para o fiador. É o que nos

proporemos a seguir.

63

5 A EXTINÇÃO DOS CONTRATOS

Existem várias formas de extinção dos contratos e há muitas divergências

terminológicas no trato dessas formas de extinção. Adotaremos a nomenclatura

utilizada pelos doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.

O modo natural de um contrato se extinguir é pelo cumprimento das

obrigações nele contidas ou da ocorrência de eventos, já previamente concebidos,

que determinem sua extinção, por exemplo, o vencimento do termo e a

implementação de condição resolutiva.

No entanto, há causas, somente verificáveis posteriormente, que

autorizam a extinção do contrato, mesmo sendo essas causas anteriores ou

contemporâneas à formação do contrato. E há situações que mesmo supervenientes

à celebração da avença, podem provocar a cessação dos efeitos contratuais

(GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2012).

Podemos explicitar como causas anteriores ou contemporâneas à

celebração do contrato e que provocam a extinção anormal do contrato: a

verificação de nulidade ou anulabilidade, a redibição (defeito oculto que diminui o

valor ou prejudica a utilização da coisa) e a cláusula de arrependimento.

São causas supervenientes de extinção anômala do contrato: a resilição,

morte do contratante, o caso fortuito ou força maior, a rescisão e a resolução.

A resilição está prevista expressamente no Art. 473 do CC e refere-se à

extinção do contrato por iniciativa de uma ou ambas as partes.

Quando a resilição é bilateral recebe o nome de distrato. Se as vontades

das partes convergem para pôr termo à avença concebida, não há razões que

obstaculizem tal intento, apenas deve-se observar a forma como se gerou o

contrato, pois ela tem de ser reproduzida no distrato, é o que estabelece o Art. 472

do CC: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”.

Já a resilição unilateral deve ser permitida por lei e somente se

aperfeiçoa com a comunicação prévia à outra parte conforme o art. 473, CC: “A

resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita,

opera mediante denúncia notificada à outra parte”.

Gagliano e Pamplona Filho (2012, p.278) explicam que “tal extinção não

se opera retroativamente, produzindo seus efeitos ex nunc. Assim, nos contratos de

64

trato sucessivo, não se restituem as prestações cumpridas, a menos que as partes

assim o estabeleçam”.

Já a morte de uma das partes é causa de dissolução do contrato

naquelas avenças personalíssimas, contraídas justamente em função da pessoa do

contratante (intuitu personae). Mas ainda assim os efeitos do contrato são

produzidos normalmente até o evento morte e a cessação só tem repercussão ex

nunc. Nas demais situações, as obrigações contratuais, bem como os direitos

correspondentes, transmitem-se aos herdeiros do de cujus.

Quanto à causa de força maior ou caso fortuito, vejamos o que determina o Art. 393, in verbis:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2012, p.299):

A característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio.

Ocorrendo as causas de força maior ou caso fortuito na vigência de uma

relação contratual, o contrato será extinto, sem ônus às partes.

A rescisão é causa extintiva do contrato em caso de nulidade, podendo

ser considerada como causa de extinção anterior ou contemporânea à formação do

contrato. É nesse termo em que mais persistem discussões, contudo não vamos

enveredar nesse terreno, pois não influenciará nosso estudo. Geralmente se

considera um contrato extinto na modalidade rescisão quando ele foi concebido num

situação fática de lesão ou estado de perigo.

No ensinamento de Coelho (2012, p.97) “a resolução é a dissolução do

contrato ocasionada pela inexecução das obrigações. Nessa espécie de dissolução,

não é a vontade das partes ou de uma delas que desconstitui o vínculo contratual,

mas o descumprimento do contrato”.

65

Farias e Rosenvald (2015, p. 541) definem a resolução do contrato,

Como sendo a consequência de fato superveniente à celebração do contrato, com efeito extintivo sobre a relação bilateral. O seu fundamento é a necessidade de manutenção de equilíbrio das partes no contexto contratual. Sendo rompido o justo equilíbrio pelo inadimplemento absoluto, caberá ao credor adimplente (e, excepcionalmente, ao devedor) requerer judicialmente o desfazimento da obrigação, prestigiando-se a justiça comutativa.

As partes podem prever no próprio contrato que caso haja seu

descumprimento o mesmo será considerado extinto. Trata-se da cláusula resolutiva

convencional, enunciado no Art. 474 do diploma civil que estatui “A cláusula

resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.

Já a cláusula resolutiva tácita ou legal está prevista no Art. 475 do CC e

aduz que “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato,

se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,

indenização por perdas e danos”.

O dispositivo mencionado concede ao contratante interessado

legitimidade ativa para iniciar o processo em face do parceiro faltoso, visando à

resolução do contrato. Contudo, não cabe a atuação direta do contratante, pois será

o juiz que deverá apreciar a conduta da contraparte e sendo esta interpelada com a

fixação de prazo para o cumprimento da prestação, não o fazendo, abre-se a via da

resolução legal (FARIAS E ROSENVALD, 2015).

A resolução é o modo de extinção contratual resultante do

descumprimento do pactuado. “Sob a expressão ‘descumprimento’ compreenda-se o

inadimplemento tanto culposo quanto involuntário e, bem assim, a inexecução

absoluta e a relativa” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2012, p.287).

Na ocorrência de inadimplemento imputável ou culposo responderá o

devedor por perdas e danos, na forma do Art. 389 do CC que estabelece “Não

cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e

atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e

honorários de advogado” e pode a parte inadimplente ainda ser obrigada a cumprir

o contrato se parte lesada considerar conveniente, é o que se infere do Art. 475 do

CC : “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se

não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização

por perdas e danos”.

66

Caso o inadimplemento seja inimputável ou não-culposo(

descumprimento contratual do devedor decorrente de culpa do credor, de ato de

terceiro, de caso fortuito, motivo de força maior, da lei) a consequência será a

resolução da obrigação, sem incidência de perdas e danos.

A inexecução absoluta do contrato consiste quando a obrigação não foi

cumprida e mesmo que possa vir a ser cumprida posteriormente, não será mais útil

ao credor .

Quanto à inexecução relativa do contrato, esta refere- se à

impossibilidade de prestação da obrigação no momento convencionado entre as

partes contratantes, é o que costumamos denominar de mora, com previsão legal no

Art. 394 do CC que indica “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o

pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou

a convenção estabelecer”. Ressalta-se que o incumprimento do contrato por não

observância do lugar e forma é considerado como cumprimento defeituoso e

também poderá ensejar a resolução contratual. Na inexecução relativa, a prestação

ainda pode ser realizada, desde que possível de satisfazer os interesses objetivos

do credor.

Deve-se compreender como uma obrigação integralmente adimplida

quando há a satisfação, a um só tempo, dos deveres de prestação (principais e

secundários) e dos deveres laterais ou anexos de conduta (decorrentes da cláusula

geral da boa-fé objetiva), destinados estes à satisfação dos interesses tanto do

credor quanto do devedor (PEREIRA, 2008).

Como já visto, por força do princípio da boa-fé, em todo contrato

celebrado as partes devem agir com lealdade, cooperação mútua, honestidade,

probidade, cuidado, proteção e numa situação de desrespeito aos deveres anexos

(os que acabamos de citar) por alguma das partes, estaremos diante da violação

positiva do contrato, acarretando inadimplemento contratual, sendo este

entendimento reforçado pelo já mencionado Enunciado nº 24 da I Jornada de Direito

Civil: “...a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento,

independentemente de culpa” e por conseguinte o contrato poderá ser resolvido pela

parte prejudicada.

O inadimplemento advindo pela inobservância dos deveres laterais ou

anexos provoca, além do dever de indenizar e a resolução contratual, a

67

possibilidade de arguir a exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti

contractus).

A exceptio non adimpleti contractus ou a exceção do contrato não

cumprido está prevista no Art. 476 do CC que enuncia: “Nos contratos bilaterais,

nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o

implemento da do outro”.

A oposição do contrato não cumprido só terá lugar nas obrigações

nascidas de contratos sinalagmáticos, pois é o descumprimento de uma prestação

que legitima a contraparte a valer-se do instituto para se escusar do cumprimento da

contraprestação.

Em regra a exceptio aparece como típica medida de defesa no processo,

mas segundo Tartuce (2015) é possível alegá-la em sede de petição inicial, com o

objetivo de interpelar judicialmente a outra parte visando à extinção contratual, nos

termos do art. 474 do CC.

No atual ambiente das relações obrigacionais, quem age com

deslealdade e desonestidade, estorvando o atingimento do escopo contratual pela

violação de deveres laterais de conduta, não pode exigir o cumprimento de dever de

prestação por parte do outro. Dessa forma, a inobservância dos deveres laterais,

como os de lealdade, cooperação, solidariedade, informação e esclarecimento,

anexos aos deveres de prestação (principais ou secundários) enseja a defesa por

meio da exceptio inadimpleti contractus na ação em que a parte inadimplente

deduza pretensão de cumprimento de dever de prestação, e sendo procedente a

exceptio, fica suspensa a exigibilidade da prestação devida pelo excipiente.

(PEREIRA , 2008).

5.1 Resolução do contrato e a arguição da exceptio inadimpleti contractus pelo

fiador

Como foi revelado no início do presente trabalho, nosso principal objetivo

é identificar uma estratégia jurídica para o fiador lesado pelo locador no contrato de

locação quando este retarda o despejo do locatário-afiançado.

Considerando o exposto até o momento, acreditamos que há duas

possibilidades jurídicas para o fiador quando este se vê inserido na situação de

leniência do locador em realizar o despejo do locatário/afiançado:

68

A primeira é se o fiador tomar ciência, com alguma brevidade- o que pode

não acontecer-, da conduta desleal do locador, ele poderá promover ação de

resolução do contrato de fiança por inadimplemento do locador, Art. 475, CC, tendo

em vista a inobservância da contraparte aos deveres anexos ou laterais

(cooperação, informação, proteção, etc., entre as partes) fundamentados no

princípio da boa fé- objetiva.

Salienta-se que a boa-fé objetiva impede a utilização abusiva ou tardia de

um direito contra um devedor, pois o credor deve colaborar ativamente para o

adimplemento. Nesse sentido foi aprovado o Enunciado nº 169 na III Jornada de

Direito Civil promovida pelo CEJ7.

A outra estratégia para o fiador será no momento de sua defesa, quando

demandado, seja na contestação da ação de despejo cumulada com a cobrança dos

aluguéis , seja na ação de execução, quando o fiador poderá, através dos embargos

à execução, alegar qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em

processo de conhecimento, na forma do Art. 917, VI do CPC, em ambas as

circunstâncias o réu deve arguir a exceção do contrato não cumprido.

Sabe-se que a exceção do contrato não cumprido é aplicável somente

quando um contrato é sinalagmático/bilateral, ou seja, as partes contratantes

possuem obrigações recíprocas. O contrato de fiança classifica-se como unilateral,

em que apenas um dos contratantes assume deveres em face do (s) outro (s), assim

apenas o garante (fiador) tem obrigações para com o eventual credor, este não deve

nenhuma contrapartida ao fiador.

Observa-se que esta classificação, qual seja, quanto às obrigações,

considera- se apenas as prestações principais e acessórias que as partes devem

realizar reciprocamente, não há um englobamento dos deveres anexos. Contudo, os

deveres anexos estão implícitos em todos os contratos, inclusive no contrato

unilateral e mesmo este se caracterizando pelo fato das prestações serem

exclusivas de uma parte, os deveres laterais são exigíveis de todos os participantes,

o que nesse aspecto nos permite verificar a bilateralidade.

Dessa forma, pelo caráter bilateral dos deveres anexos, a que todos os

contratantes devem fiel observância, quem os desprezar poderá ver a outra parte

não cumprindo sua prestação principal, mesmo em um contrato unilateral, e esta

7 “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”

69

deve arguir a exceptio inadimpleti contractus para não adimplir a prestação à qual

estava vinculada.

Portanto, consideramos que essas são as alternativas à disposição do

fiador para enfrentar o locador indiligente ou desonesto .

70

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O emprego da fiança como modalidade de garantia nos contratos de

locações de imóveis no Brasil é muito comum assim como também é recorrente os

processo judiciais instalados nos juízos brasileiros para discutir o contrato de fiança

firmado para garantir a locação imobiliária.

A condição do fiador é sempre ingrata, pois ele torna-se garante de uma

obrigação principal, tornando-se responsável por esta perante o credor e

normalmente não recebe nenhuma contraprestação, seja por parte do afiançado,

seja por parte do credor.

Entretanto a situação do fiador pode se tornar dramática, podendo este

ser levado à ruína se concretizar um contrato de fiança em uma locação de imóvel,

cujo locador- proprietário comporte-se de forma ímproba.

Constatou-se que não é permitido ao fiador promover a ação de despejo

em face do locatário- afiançado inadimplente- ainda que esta seja o meio mais

célere para se recuperar a posse do imóvel e, por conseguinte, encerrar a garantia-,

pois não existe previsão no ordenamento jurídico de legitimidade ativa extraordinária

para o fiador. Assim, somente o locador/ proprietário do imóvel poderá promover a

ação de despejo em face do locatário inadimplente, na forma do Art. 5º da Lei de

Locações.

Reconhece-se que essa situação é extremamente injusta para o fiador,

mormente, no caso de leniência do locador em ajuizar a referida ação. Urge a edição

de uma norma que permita a legitimidade extraordinária ao fiador para promover a

ação de despejo em face do locatário- afiançado inadimplente.

O direito é a forma institucionalizada mais bem sucedida que o homem

encontrou para reduzir as injustiças e a investigação conduzida nesse trabalho

identificou uma alternativa no direito para o fiador quando o locador indiligente ou

mesmo ímprobo não promove a ação de despejo: os deveres anexos ou laterais

com fundamento na boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva e os deveres laterais dela decorrentes deram nova visão

à relação obrigacional, que passou a ter estrutura complexa, dotada de deveres de

prestação e de deveres laterais. Ampliou-se, dessa forma, a figura do

inadimplemento, que ao lado do descumprimento absoluto e relativo, surge a

violação positiva do contrato, relativamente ao descumprimento dos deveres laterais.

71

A inobservância dos deveres anexos ou laterais (cooperação, lealdade,

proteção, informação, etc. ) provoca o inadimplemento contratual acarretando alguns

efeitos que vão do simples dever de indenizar a possibilidade de resolução do

contrato.

Assim, defende-se que na constatação de desprezo da boa- fé objetiva

pelo locador, cuja conduta é de desrespeito aos deveres anexos, pode o fiador

promover a ação de resolução do contrato de fiança ou caso seja ele o demandado,

pode arguir a exceção do contrato não cumprido, caso seja demandado na ação de

despejo combinada com pagamentos de aluguéis ou pode oferecer os embargos à

execução, se executado, alegando qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir

como defesa em processo de conhecimento, Art. 917, VI do CPC.

72

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.Acesso em: 25 jul. 2017. . Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 25 jul.2017. . Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L8245.htm> Acesso em: 25 jul.2017. . Lei 5869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil revogado. Disponível em:<

http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L5869.htm>Acesso em: 25 jul.2017. . Lei 4728, de 14 de julho de 1965 . Disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4728.htm> Acesso em: 27 jul.2017 BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015 .São Paulo : Saraiva, 2015.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2 ed. São Paulo:

Atlas, 2016.

. Lições de Direito Processual Civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2008.

CINTRA, Antonio Carlos Araujo ; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: contratos. 5. ed. São Paulo : Saraiva, 2012.v.3 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.17ed.Salvador: Jus Podivm, 2015. v. 1. DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil . São Paulo : Malheiros, 2016. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.v.3

73

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2016. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos – Teoria Geral e Contratos em Espécie. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2015. v.4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: contratos -teoria geral. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Saraiva, 2012.v.4. Novo curso de direito civil: obrigações 15. ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.v.2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. 11 ed. São Paulo : Saraiva, 2014. v.3 HARGER, Marcelo. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2001. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo

Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais Ltda, 2015. v.1

NADER, Paulo. Curso de direito civil: Contratos. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.v.3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual do Direito Processual Civil- Volume

único. 8 ed. Salvador: JusPodivm

PEREIRA, Paulo Sérgio Velten. A exceção do contrato não cumprido fundada na violação de dever lateral. 2008. 213 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em : <https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/8366 >Acesso em : 06 set.2017 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003 SANTOS, dos Gildo. Locação e Despejo: comentários à Lei 8.245/91, 7. ed. rev. ampl. e atual. com as alterações da Lei 12.112/2009. São Paulo: RT, 2011. SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário: teoria e prática. 9 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro : Forense, 2015.

SEGALLA, Alessandro Schirrmeister. A funcionalização do contrato de fiança: Proposta de Revalorização do Instituto. 2010. 297 f. Dissertação (Mestrado em Direito)- USP, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-31012011-163139/pt-br.php>. Acesso em: 02 ago. 2017.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

74

THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil :Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum . 56 ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.v.1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie.13 ed. São Paulo: Atlas, 2013a. v.3 Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2013b. v.2

Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática: Lei nº 8.245, de 18-10-1991. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2014.