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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR ´ A CENTRO DE CI ˆ ENCIAS P ´ OS-GRADUAC ¸ ˜ AO EM MATEM ´ ATICA FAM ´ ILIAS INFINITAS DE CORPOS QUADR ´ ATICOS IMAGIN ´ ARIOS ALEXSANDRO BEL ´ EM DA SILVA Fortaleza 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA

CENTRO DE CIENCIAS

POS-GRADUACAO EM MATEMATICA

FAMILIAS INFINITAS DE CORPOS QUADRATICOS IMAGINARIOS

ALEXSANDRO BELEM DA SILVA

Fortaleza

2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA

CENTRO DE CIENCIAS

POS-GRADUACAO EM MATEMATICA

FAMILIAS INFINITAS DE CORPOS QUADRATICOS IMAGINARIOS

ALEXSANDRO BELEM DA SILVA

Orientador: Prof. Dr. Jose Othon Dantas Lopes

Dissertacao apresentada ao curso de

Mestrado em Matematica - UFC como

pre-requisito parcial para obtencao do

tıtulo de Mestre em Matematica.

Fortaleza

Julho – 2010

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Silva, Alexsandro Belem da

S578f Famılias infinitas de corpos quadraticos imaginarios/

Alexsandro Belem da Silva. 2010.

63 f.

Orientador: Prof. Dr. Jose Othon Dantas Lopes.

Area de concentracao: Matematica.

Dissertacao (mestrado) - Universidade Federal do Ceara,

Depto de Matematica, 2010

1. Algebra. 2. Teoria dos numeros.

CDD 512

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A minha amada, minha com-

panheira, meu porto se-

guro, minha paixao, minha

emocao, minha vida: Eliziane

Rose Belem.

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AGRADECIMENTOS

Definitifamente este trabalho nao e fruto somente do meu proprio esforco.

Primeiramente agradeco a Jesus Cristo, pelo dom da vida, pelas incontaveis bencaos

a mim concedidas e tambem pelas batalhas pois elas me levam pra junto d’Ele. Sem

Jesus nada disso seria possıvel.

Agradeco a minha esposa Eliziane Rose Belem, pessoa a quem amo incondicional-

mente e que esteve comigo nos momentos felizes e, principalmente, nos nao tao felizes

assim, dessa caminhada. Sem ela tudo ficaria extremamente mais difıcil.

Agradeco a minha mae Maria Elizabete Belem, sem duvida uma das pessoas mais

importantes da minha vida, por ter acreditado em minha educacao e pricipalmente por

ter sempre me proporcionado um lar de paz, harmonia, carinho, e amor que foram fun-

damentais nessa trajetoria. Sem ela tudo ficaria muito mais difıcil.

........................................................

Agradeco a meu orientador prof. Dr. Jose Othon Dantas Lopes por ter desempenha-

do de forma brilhante este ofıcio de orientacao (que nao e nada trivial) com a enorme

disposicao e paciencia que sao necessarias a um iniciante em matematica. Sem ele tudo

ficaria mais difıcil.

Agradeco, em especial, ao meu professor e amigo Dr. Angelo Papa Neto do Instıtuto

Federal de Educacao, Ciencia e Tecnologia do Ceara (IFCE) com quem tive o prazer de

“dar os primeiros pasos”em algebra (e tambem em teoria algebrica de numeros - ainda

que eu nao tenha percebido naquele momento) e que sempre esteve disposto a me ajudar

em termos matematicos e tambem nao-matematicos com seu carisma, suas opinioes e

seus conselhos preciosos que sempre me acompanharam nesses ultimos anos. Sem ele

tudo ficaria mais difıcil.

As minhas duas famılias. A de sangue: meu irmao Orlando, meu sobrinho Bernardo,

minha cunhada Virgınia, a todos os meus tios e tias, primos e primas e tambem a minha

avo Dulcinea (por permanecer entre nos durante todo esse tempo) que contribuiram

direta ou indiretamente para eu chegar ate aqui. A da fe: todos da Igreja Presbiteriana

do Itapua pelo amor, carinho, respeito e principalmente pela comunhao que ha entre

nos. Muito Obrigado a todos.

Agradeco a todos os professores do departamento de matematica da UFC, responsaveis

pela minha excelente formacao academica. Em particular, aqueles com quem pude des-

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frutar a satisfacao de estar em sala de aula: Jose Roberio, Fernanda Camargo, Luquesio

Petrola, Silvano Menezes, Cleon Barroso, Aldir Chaves, Antonio Caminha e Marcos

Melo. Sem eles tudo ficaria ralmente mais difıcil.

Agradeco aos meus colegas da comunidade matematica da UFC: Rondinelle Mar-

colino, Jose Deibson, Antonio Wilson, Filipe Silva, Leon Denis, Tiago Veras (o buda),

Ernani Junior, Kelton Silva, Ana Shirley, Antonia Jocivania (Vania), Priscila Rodrigues,

Maria de Fatima (a gasguita), Andre Pinheiro, Joserlan Perote e tantos outros que por

ventura tenha esquecido, pelo divertimento proporcionado durante esses dois anos e pela

companhia nessa ardua (porem gratificante) estrada. Voces foram muito importantes.

Agradeco ao professor Dr. Trajano Nobrega pela participacao na banca examinadora

e por suas contribuicoes e sugestoes valiosas. Sem ele este trabalho ainda estaria incom-

pleto.

Agradeco a nossa secretaria Andrea Dantas, pela simpatia e pela disposicao em

ajudar nao so a mim mas a todos os alunos da pos-graduacao.

Finalmente, porem nao menos importante, agradeco a FUNCAP e a CAPES pelo

apoio financeiro.

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“Bem-aventurados os humildes de espırito, porque

deles e o Reino dos Ceus. Bem-aventurados os

que choram, porque serao consolados. Bem-

aventurados os mansos, porque herdarao a terra.

Bem-aventurados os que tem fome e sede de

justica, porque serao fartos. Bem-aventurados

os misericordiosos, porque alcancarao misericordia.

Bem-aventurados os limpos de coracao, porque verao

a Deus. Bem-aventurados os pacificadores, porque

serao chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os

perseguidos por causa da justica, porque deles e o

Reino dos Ceus. Exultai e alegrai-vos sobremaneira,

pois e explendida a vossa recompensa nos ceus.”

Jesus Cristo

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Resumo

Seja ` > 3 um primo ımpar. Sejam S0, S+, S− conjuntos finitos mutuamente disjuntos

de primos racionais. Para qualquer numero real suficientemente grande X > 0, baseando-

nos em [16], damos neste trabalho, um limite inferior do numero de corpos quadraticos

imaginarios k que satisfazem as seguintes condicoes: o discriminante de k e maior que

−X o numero de classe de k e nao divisıvel por `, todo q ∈ S0 se ramifica, todo q ∈ S+

se decompoe e todo q ∈ S− e inerte em k, respectivamente.

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Abstract

Let ` > 3 be an odd prime. Let S0, S+, S− be mutually disjoint finite sets of rational

primes. For any suficiently large real number X > 0, basing ourselves on [16], we give

this paper a lower bound of the number of imaginary quadratic fields k which satisfy

the following conditions: the discriminant of k is greater than −X, the class number of

k is not divisible by `, every q ∈ S0 ramifies, every q ∈ S+ splits and every q ∈ S− is

inert in k, respectively.

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Sumario

Introducao 12

1 Inteiros Algebricos 15

1.1 Integralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

1.2 Aneis Integralmente fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

1.3 Inteiros em corpos quadraticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1.4 O discriminante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

1.6 Finitude do grupo de classes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

2 Alguns conceitos elementares sobre formas modulares 40

2.1 Subgrupos de congruencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

2.1.1 O calculo do ındice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

2.2 A acao de SL2(Z) sobre H . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

2.2.1 A compactacao de H . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

2.2.2 Pontos fixos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

2.2.3 O modelo do disco unitario . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

2.3 Formas modulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

2.3.1 Formas modulares de valor par . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

2.3.2 A expansao de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

2.3.3 Formas modulares com caracter - o espaco Mk(Γ, χ) . . . . . . . . 53

3 Famılias de corpos quadraticos 56

3.1 Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

3.2 Resultados e provas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

10

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SUMARIO 11

Referencias 62

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Introducao

Seja Z o anel dos inteiros racionais, e Q o corpo dos numeros racionais. Para qualquer

primo racional `, denotamos por Z` o anel dos inteiros `-adicos. Se k e um corpo numerico

(veja inıcio do capıtulo 1) de grau finito sobre Q, denotamos por h(k) o numero de classes

de k e por D(k) o seu discriminante. ] S denota a cardinalidade de um conjunto S.

Sejam Q− e Q+ o conjunto de todos os corpos quadraticos imaginarios e reais, res-

pectivamente. Para qualquer numero real X > 0, ponhamos Q−(X) = {k ∈ Q−; −X <

D(k)} e Q+(X) = {k ∈ Q+; D(k) < X}. E claro que Q−(X) e Q+(X) sao conjuntos

finitos.

Em 1974, P. Hartung provou em [11] que {k ∈ Q−; 3 - h(k)} e um conjunto infinito, e

observou que seu metodo (uma aplicacao das relacoes do numero de classe de Kronecker)

pode ser aplicado a mesma afirmacao no caso em que 3 e substituıdo por qualquer primo

ımpar `. O caso ` = 3 esta tambem implıcito nas investigacoes de Davenport-Heilbronn

[9, 8].

Kohnen e Ono em [18] obtem, em 1999, um limite inferior de ] {k ∈ Q−(X); ` - h(k)}onde ` ≥ 5 e qualquer primo. Isso e um refinamento quantitativo do resultado de

Hartung. Ono [21] e Byeon [4], nesse mesmo ano, tambem obtiveram uma estimativa

similar para o caso real.

Para qualquer corpo numerico k e qualquer primo racional `, λ`(k) e µ`(k) denotam as

invariantes de Iwasawa da Z`-extansao basica sobre k (veja [15] para definicoes formais).

Sabe-se, por Iwasawa [15], que se ` - h(k) e ` nao se decompoe absolutamente em k,

entao λ`(k) = µ`(k) = 0.

Horie e Horie-Onish [15, 16, 18] provaram que existem infinitos k ∈ Q− que satiz-

fazem ` - h(k) e algumas condicoes de ramificacao (por exemplo, (D(k)/`) 6= 1) se ` e um

primo suficientemente grande. Os metodos usados por eles envolvem uma representacao

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Galoisiana `-adica oriunda de certas curvas modulares Jacobianas e a formula do traco

para operadores de Hecke agindo sobre certos espacos de formas parabolicas. Eles de-

duzem, utilizando o teorema de Iwasawa citado acima, que {k ∈ Q−; λ`(k) = µ`(k) = 0}e um conjunto infinito.

Beladas e Fouvry [1] refinam, em um artigo publicado em 1999, as invetigacoes de

Davenport e Heilbronn e estimam ] {k ∈ Q+(X); 3 - h(k) e D(k) e um primo racional}.Byeon [5] extende a investigacao de Kohnen-Ono de forma a abranger os casos trata-

dos por Horie [14]. Ele obtem

{k ∈ Q−(X); λ`(k) = µ`(k) = 0} �`,ε

√X

log X

para qualquer primo ` ≥ 5 e qualquer numero real ε > 0 (o sufixo de � significa que

a constante implıcita depende dele). Ono [21] e Byeon [4, 3] tambem discutem o caso

de corpos quadraticos reais e obtem limites inferiores similares. Seus metodos, baseiam-

se no fato de que os coeficientes de θ3 (z), onde θ (z) =∑n∈Z

e2πizn2

, estao intimamente

relacionados com o numero de classe de formas quadraticas, e o teorema de Sturm [30]

sobre a congruencia de formas modulares.

No presente trabalho, estudaremos uma versao quantitativa da investigacao de Horie-

Onish [13] e Horie [12]. Mais precisamente, segundo o trabalho de I. Kimura [16], de

2003, daremos um limite inferior para o numero de corpos k ∈ Q−(X) que satisfazem

` - h(k) e certas condicoes de ramificacao a serem esclarecidas em momento oportuno.

A seguir descreveremos em linhas gerais o conteudo de cada um dos capıtulos dessa

monografia. O capıtulo 1 e elementar no sentido de que nele tratamos de fatos basicos da

teoria dos numeros algebricos. Apresentamos o anel dos inteiros de um corpo numerico,

provamos o teorema de Dirichlet sobre a decomposicao de ideais primos e chegamos a

um resultado, tambem devido a Dirichlet, sobre a finitude do grupo de classes de ideais.

No capıtulo 2 discutiremos alguns aspectos elementares das relacoes entre a geometria

nao euclidina e a teoria dos numeros. Essa conexao comeca por meio do grupo das

matrizes SL2(Z) e subgrupos de congruencia (veja a secao 2.1 do capıtulo 2). Em seguida

apresentaremos uma classe de funcoes analıticas conhecidas como formas modulares e

tambem as formas automorficas.

Para se ter uma ideia da importancia e abrangencia destes conceitos, a teoria das

formas automorficas e uma generalizacao das formas modulares, na qual a teoria da

representacao de grupos topologicos tem um papel fundamental. Formas automorficas

13

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constituem uma area da matematica cujos pilares sao a algebra, a analise, a geometria

e a topologia. Alguns dos fundadores da teoria classica sao; C. F. Gaß (1777-1855), H.

Poincare (1854-1912), G. Eisenstein (1823-1852), H. Hecke (1887-1947), e C. L. Siegel

(1896-1983). Por outro lado contribuıram para o avanco da teoria moderna de fo-

mas automorficas muitos pesquisadores como I. M. Gelfond. Harish-Chandra, R. P.

Langlands, G. Shimura e Andrew Wiles, esse ultimo usa ideias de formas modulares

para provar o famoso Ultimo Teorema de Fermat, que esteve em aberto por mais de

350 anos (veja o artigo [31]).

No ultimo e mais importante capıtulo, analisaremos cuidadosamente os resultados

obtidos por I. Kimura em 2003 no artigo [16]. Usamos series de Eisenstein de valor

metade de inteiros construıdas por H. Cohen em [7] e o teorema de Sturm.

Embora o autor tenha feito um enorme esforco para que a maior parte do resulta-

dos no texto fossem provados, o trabalho nao e auto-suficiente. Supomos que o leitor

tenha um conhecimento previo em algebra abstrata e tambem em teoria elementar dos

numeros. Mais precisamente as nocoes das principais estruturas algebricas: espacos ve-

torias, grupos, aneis, modulos (dentre outras); e suas relacoes: transformacoes lineares,

homomorfismos, isomorfismos sao uilizados livremente e sem referencias. Tambem nao

fazemos cerimonia em utilizar resultados classicos da teoria dos corpos tais como o teo-

rema da multiplicacao dos graus em extensoes finitas. As referencias gerais sao [24], [2]

e [10]. No capıtulo 2, utilizamos ainda alguns resultados de analise, principalmente de

variavel complexa.

14

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Capıtulo 1Inteiros Algebricos

Um corpo de numeros algebricos, ou simplismente um corpo numerico, e uma ex-

tensao finita K de Q. Os elementos de K sao chamados numeros algebricos. Um numero

algebrico e chamado inteiro, ou um inteiro algebrico se ele e raiz de um polinomio monico

f(x) ∈ Z[x]. Assim√

2,√

3, i, e2πi/5 sao inteiros algebricos. Nao e imediatamente obvio

que somas ou produtos de numeros algebricos (respectivamente, inteiros algebricos)

sao ainda numeros algebricos (respectivamente, inteiros algebricos). Para superar esse

problema, Dedekind utilizou a ideia de “linearizacao”do problema o que consiste na in-

troducao da nocao, bastante abstrada, de modulo. Essa nocao de integralidade se aplica

nao somente a numeros algebricos mas ocorre em muitos outros contextos diferentes e

portanto deve ser tratada em toda sua generalidade. Por um “anel”(respectivamente,

“corpo”), a menos que se expecifique o contrario, entenderemos anel comutativo (respec-

tivamente, corpo) com elemento unidade.

1.1 Integralidade

Definicao 1.1 Seja R um anel, e A um subanel de R. Dizemos que o elemento x ∈ R

e um inteiro sobre A quando existem elementos a1, . . . , an ∈ A tais que xn + an−1xn−1 +

+ · · ·+ a1x+ a0 = 0.

Um dos resultados basicos da teoria e o seguinte:

Teorema 1.2 Seja R um anel, A um subanel de R e x ∈ R. Entao as seguites afirmacoes

sao equivalentes:

(a) x e inteiro sobre A.

15

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1.1 Integralidade 16

(b) O anel A[x] e um A-modulo do tipo finito.

(c) Existe um subanel B de R tal que A[x] ⊆ B e B e um A-modulo do tipo finito.

Prova. (a) ⇒ (b) Assuma que xn + an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 = 0 com a0, . . . , an−1 ∈

∈ A. Mostraremos que {1, x, . . . , xn−1} e um sistema de geradores do A-modulo A[x].

De fato, xn = −(an−1xn−1 + · · · + a1x + a0) segue-se que xn+1, xn+2, . . . sao expressos

como combinacoes lineares de 1, x, . . . , xn−1 com coeficientes em A.

(b)⇒ (c) Basta tomar B = A[x].

(c) ⇒ (a) Seja B = Ay1 + · · · + Ayn desde que x, yi ∈ B entao xyi ∈ B; assim exis-

tem elementos aij (j = 1, . . . , n) tais que xyi =n∑j=1

aijyj (para todo i = 1, . . . , n).

Portanto, sendo δij = 1 quando i = j, δij = 0 quando i 6= j podemos esrevern∑j=1

(δijx− aij)yj = 0 (para todo 1 ≤ i ≤ n). Em outras palavras o sistema de equacoes

linearesn∑j=1

(δijx−aij)Yj = 0 (para todo i = 1, . . . , n) possui a solucao (y1, . . . , yn). Pela

regra de Cramer, se d e determinante da matriz (δijx− aij)i,j, entao dyj = 0 (para todo

j = 1, . . . , n).

Como 1 ∈ B, podemos escrever 1 =n∑j=1

cjyj (com cj ∈ A), logo d = d · 1 =

= d ·n∑j=1

cjyj =n∑j=1

cjdyj = 0. Calculando d explicitamente temos

d = det

x− a11 −a12 · · · −a1n

−a21 x− a22 · · · −a2n

......

. . ....

−an1 −an2 · · · x− ann

,

deduzimos entao que d e da forma 0 = d = xn + bn−1xn−1 + · · · + b0 onde cada bi ∈ A.

Isso prova que x e inteiro sobre A. �

Exemplo. O elemento x =√

2 de R e inteiro sobre Z. ♦

Proposicao 1.3 Seja R um anel, A um subanel de R, e seja (xi)1≤i≤n um conjunto

finito de elementos de R. Se, para todo i, xi e inteiro sobre A[x1, . . . , xi−1] (em parti-

cular se todos os xi’s sao inteiros sobre A), entao A[x1, . . . , xn] e um A-modulo do tipo

finito.

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1.1 Integralidade 17

Prova. Arguiremos por inducao sobre n. Para n = 1 temos a afirmacao (b) do teo-

rema 1.2. Assuma que B = A[x1, . . . , xn−1] e um A-modulo do tipo finito. Entao

B =

p∑j=1

Abj. O caso n = 1 implica que B[xn] = A[x1, . . . , xn−1][xn] = A[x1, . . . , xn] e

um B-modulo do tipo finito. Escrevamos B[xn] =

q∑k=1

Bck. Entao

A[x1, . . . , xn] =

q∑k=1

Bck =

q∑k=1

( p∑j=1

Abj

)ck =

∑j,k

= Abjck.

Logo (bjck) 1≤j≤p1≤k≤q

e um conjunto finito de geradores para A[x1, . . . , xn−1] como um modulo

sobre A. �

Corolario 1.4 Seja R um anel, A um subanel de R, x e y elementos de R que sao

inteiros sobre A. Entao x+ y, x− y e xy sao inteiors sobre A.

Prova. Claramente x + y, x − y e xy ∈ A[x, y]. Pela proposicao 1.3, A[x, y] e um

A-modulo do tipo finito. Pela parte (c) do teorema 1.2, existe um subanel B de R que

contem A, x e y. Em particular B contem A e x + y. Logo, x + y e inteiro sobre A. O

mesmo raciocınio vale para x− y e xy. �

Corolario 1.5 Seja R um anel, A um subanel de R. O conjunto A′ dos elementos de

R que sao inteiros sobre A e um subanel de R que contem A.

Prova. O corolario 1.4 implica A′ e um subanel de R. Temos A ⊂ A′, pois, se a ∈ A, a

e raiz do polinomio monico P(x) = x− a, o qual possui coeficientes em A. �

Definicao 1.6 Seja R um anel, A um subanel de R. O anel A′ dos elementos de R

que sao inteiros sobre A e chamado fecho inteiro de A em R. Seja R um domınio de

integridade e seja K seu corpo de fracoes. O fecho inteiro de A em K e chamado fecho

inteiro de A. Seja B um anel e A um subanel de B. Dizemos que B e inteiro sobre A se

todo elemento de B e inteiro sobre A (isto e, se o fecho inteiro de A em B e o proprio

B).

Proposicao 1.7 (Transitividade) Seja C um anel, B um subanel de C, e A um sub-

anel de B. Se B e inteiro sobre A e C e inteiro sobre B, entao C e inteiro sobre A.

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1.2 Aneis Integralmente fechados 18

Prova. Seja x ∈ C. Como x e inteiro sobre B, existem elementos bi ∈ B, i = 0, . . . , n−1,

tais que xn+bn−1xn−1 + · · ·+b1x+b0 = 0. Ponha B′ = A[b0, · · · , bn−1]. Entao x e inteiro

sobre B′. Como B e inteiro sobre A, os bi sao inteiros sobre A. Portanto a proposicao

1.3 implica que B′[x] = A[b0, . . . , bn−1, x] e um A-modulo do tipo finito. Pela parte (c)

do teorema 1.2, x e inteiro sobre A. �

Proposicao 1.8 Seja B um domınio de integridade e A um subanel de B tal que B

e inteiro sobre A. Para que B seja um corpo e necessario e suficiente que A seja um

corpo.

Prova. Suponha que A seja um corpo e seja 0 6= b ∈ B. Entao A[b] e um espaco vetorial

de dimensao finita sobre A (pela parte (b) do teorema 1.2). Por outro lado y 7→ by e uma

A-transformacao linear de A[b]. Ela e injetiva pois A[b] e um domınio de integridade e

b 6= 0 (logo seu nucleo e trivial). Segue-se do teorema do nucleo e da imagem que essa

transformacao e sobrejetiva. Assim, existe b′ ∈ B tal que bb′ = 1. Isso significa que

qualquer elemento nao nulo de B e invertıvel, portanto B e um corpo.

Reciprocamente, suponha que B e um corpo. Seja a ∈ A, a 6= 0. Entao a possui um

inverso a−1 ∈ B o qual e inteiro sobre A, ou seja,

a−n + an−1a−n+1 + . . .+ a1a

−1 + a0, ai ∈ A.

Multiplicando a igualdade acima por an−1, obtemos

a−1 = −(an−1 + . . .+ a1an−2 + a0a

n−1),

o que mostra que a−1 ∈ A. Portanto A e um corpo. �

1.2 Aneis Integralmente fechados

Definicao 1.9 Um anel A e chamado integralmente fechado se ele e um domınio de

integridade e se ele e o seu proprio fecho inteiro.

Em outras palavras, todo elemento x do corpo de fracoes K de A que e inteiro sobre

A pertence a A.

Exemplos.

1. Seja A um domınio de integridade e K seu corpo de fracoes. Entao o fecho inteiro

A′ de A (isto e, o fecho inteiro de A em K) e integralmente fechado. ♦

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1.3 Inteiros em corpos quadraticos 19

2. Todo anel de fatoracao unica e integralmente fechado. De fato, por definicao um

anel de fatoracao unica e um domınio de integridade. Agora seja K o corpo de

fracoes de um anel de fatoracao unica A. Seja x ∈ K, x 6= 0, portanto x = a/b

com a, b ∈ A, a, b 6= 0, e podemos assumir que m.d.c. (a, b) = 1.

Se x e inteiro sobre A, existem a0, a1, . . . , an−1 ∈ A tais que (a/b)n+an−1(a/b)n−1+

· · ·+a0 = 0. Multiplicando por bn obtemos an+b(an−1an−1+· · ·+a1ab

n−2a0bn−1) =

0. Assim b | an, como m.d.c. (a, b) = 1 temos que b | a. Portanto, b e uma unidade

em A e isso nos diz que x ∈ A. Logo A e integralmete fechado. ♦

Em particular, desde que todo anel de ideais principais e um anel de fatoracao unica,

segue-se que todo anel de ideais principais e tambem integralmete fechado.

1.3 Inteiros em corpos quadraticos

Qualquer extensao de grau 2 sobre o corpo dos numeros racionais e chamada um

corpo quadratico.

Proposicao 1.10 Todo corpo quadratico e da forma Q(√d), onde d e um inteiro livre

de quadrados (ou seja, d nao e divisıvel por quadrados diferente de 1, mais precisamente

d = −1 ou d e igual a mais ou menos um produto de primos distintos.)

Prova. Se K e um corpo quadratico, qualquer elemento x ∈ K − Q e de grau 2 sobre

Q, assim e um elemento primitivo de K (isto e, K = Q[x] e (1, x) e uma base de K

sobre Q). Seja F(X) = X2 + bX + c (b, c ∈ Q) o polinomio mınimo de um tal elemento

x ∈ K. Resolvendo a equacao x2 + bx + c = 0 temos 2x = −b ±√b2 − 4ac, assim

K = Q(√b2 − 4ac). Agora b2 − 4ac e um numero racional da forma u/v = uv/v2 com

u, v ∈ Z. Ve-se que K = Q(√uv) com u, v ∈ Z. Na verdade, percebe-se que e possivel

escrever K = Q(√d) onde d e um inteiro livre de quadrados. �

O elemento√d e uma raiz do polinomio irredutıvel X2 − d. Esse elemento pos-

sui um conjugado em K, e o conjugado e −√d. Existe um automorfismo σ de K que

leva√d em −

√d. Qualquer elemento de K e da forma a+ b

√d com a, b ∈ Q. Temos

σ(a+ b√d) = a− b

√d. (1.1)

Teorema 1.11 Seja K = Q(√d) um corpo quadratico com d ∈ Z livre de quadrados

(portanto 6≡ 0 ( mod 4)) e seja A o anel dos inteiros de K.

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1.3 Inteiros em corpos quadraticos 20

(a) Se d ≡ 2 ( mod 4) ou d ≡ 3 ( mod 4) entao A = {a+ b√d; a, b ∈ Z}.

(b) Se d ≡ 1 ( mod 4) entao A = {u2

+v

2

√d; u, v ∈ Z ambos com a mesma paridade}.

Prova. Vimos anteriormente que existe um automorfismo de K que leva√d em −

√d.

Se x ∈ A, entao claramente σ(x) ∈ A (x ∈ A⇒ xn+an−1xn−1 + · · ·+a0 = 0 com ai ∈ Z,

i = 0, . . . , n−1, portanto σ(xn+an−1xn−1 + · · ·+a0) = 0⇒ σ(x)n+an−1σ(x)n−1 + · · ·+

a0 =

= 0 ∴ σ(x) ∈ A). Como A e um anel x + σ(x), x · σ(x) ∈ A. Mas se x = a + b√d

com a, b ∈ Q entao por (1.1)

x+ σ(x) = 2a ∈ Q e x · σ(x) = a2 − db2 ∈ Q. (1.2)

Desde que Z e um anel de ideais principais e portanto integralmente fechado (§ 1.2

exemplo 2), vemos que

2a ∈ Z; a2 − db2 ∈ Z. (1.3)

As condicoes (1.3) sao necessarias para que x = a + b√d seja inteiro sobre Z. Elas

sao tambem suficientes, pois x e raiz de X2 − 2aX + a2 − db2 = 0. Por (1.3), podemos

observar que α = a2 − db2 ∈ Z implica que 4α = (2a)2 − d(2b)2 tambem e um elemento

de Z e como 2a ∈ Z (consequentemente (2a)2 ∈ Z), temos que d(2b)2 ∈ Z tambem. Por

outro lado, d e livre de quadrados, assim, se 2b nao fosse um inteiro, seu denominador

teria um fator primo p. Esse fator primo teria de aparecer como p2 no denominador de

(2b)2. Multiplicacao por d nao levaria (2b)2 em Z, pois p2 nao divide d. Podemos, entao,

concluir que 2b ∈ Z.

Resumindo, podemos tomar a = u/2, b = v/2 com u, v ∈ Z. A condicao (1.3)

torna-se

u2 − dv2 ∈ 4Z. (1.4)

Assim, u2− dv2 = 4α, α ∈ Z. Se v e par, entao u2 = 4α+ dv2 nos diz que u2, e por-

tanto u, tambem e par. Nesse caso, temos a, b ∈ Z. Se v e impar entao v2 ≡ 1 ( mod 4).

As possibilidades modulo 4 para u2 sao 0 e 1. Como d e livre de quadrados, ele nao e

multiplo de 4. Necessariamente (por (1.4)) u2 ≡ 1( mod 4) e d ≡ 1( mod 4) e, portanto,

temos o caso (b). �

No caso que d ≡ 2 ou 3 ( mod 4), (1,√d) e uma base para A como um Z-modulo.

Se d ≡ 1 ( mod 4), (1,1

2(1 +

√d)) e uma base para o Z-modulo A. De fato, por (b), 1

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1.4 O discriminante 21

e1

2(1 +

√d) pertencem a A. Reciprocamente, para mostrar que

1

2(u + v

√d) (com u, v

como em (b)) e expresso como uma combinacao Z-linear de 1 e1

2(1 +

√d), podemos,

por subtracao de1

2(1 +

√d), reduzir o problema ao caso onde u e v sao pares. Nesse

caso1

2(u+ v

√d) =

(u2− v

2

)· 1 + v · 1

2(1 +

√d).

Se d > 0, Q(√d) e chamado corpo quadratico real (existe um subcorpo de R conju-

gado a Q(√d) sobre Q). Se d < 0, entao Q(

√d) e chamado corpo quadratico imaginario.

1.4 O discriminante

No que se segue temos o objetivo de definir o discriminante de um corpo numerico,

para tanto precisamos de alguns conceitos previos acerca de tracos e normas.

Seja A um anel, E um A-modulo livre de posto finito e seja u um endomorfismo de

E. Em algebra linear definimos o traco, o determinante e o polinomio caracterıstico de

u. Se (ei) e uma base de E e se (aij) e a matriz de u com respeito a essa base, entao o

traco, o determinante e o polinomio caracterıstico de u sao respectivamente,

Tr(u) =n∑i=1

aii, det(u) = det(aij), e det(X · IE − u) = det(X δij − aij). (1.5)

E claro que essas quantidades independem da escolha da base.

As formulas (1.5) implicam:

Tr(u+ u′) = Tr(u) + Tr(u′), (1.6)

det(uu′) = det(u) det(u′),

det(X · IE − u) = Xn − (Tr(u))Xn−1 + · · ·+ (−1)n det(u).

Agora seja B um anel e saja A um subanel de B tal que B e um A-modulo livre de

posto finito n (por exemplo, A pode ser um corpo e B uma extensao finita de grau n

de A). Para x ∈ B, a multiplicacao mx por x (isto e, y 7→ xy) e um endomorfismo do

A-modulo B.

Definicao 1.12 Chamamos traco (respectivamente, norma, polinomio caracterıstico)

de x ∈ B, ralativo a B e A, o traco (respectivamente, determinante, polinomio carac-

terıstico) do endomorfismo mx da multiplicacao por x.

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1.4 O discriminante 22

O traco (respectivamente, a norma) de x e denotado por TrB/A(x) (respectivamente,

NB/A(x)), ou simplismente Tr(x) (respectivamente, N(x)) quando nenhuma confusao for

possıvel. Eles sao elementos de A. O polinomio caracterıstico e um polinomio monico

com coeficientes em A.

Para x, x′ ∈ B e a ∈ A temos mx + mx′ = mx+x′ , mx ◦ m′x = mxx′ e max = amx.

Alem disso, a matriz de ma com respeito a qualquer base de B sobre A e toda matriz

diagonal cujas entradas sao a. Das formulas (1.5) e (1.6) obtemos:

Tr(x+ x′) = Tr(x) + Tr(x′), Tr(ax) = aTr(x), Tr(a) = na (1.7)

N(xx′) = N(x)N(x′), N(a) = an, e N(ax) = anN(x).

Lembrando que se L e L′ sao dois corpos que contem um corpo K, L e L′ sao ditos

K-isomorfos quando existe um isomorfismo ϕ : L→ L′ tal que ϕ(a) = a para todo a ∈ K;

quando L e L′ sao algebricamente fechados, dizemos ainda que eles sao conjugados sobre

K. Dadas duas extensoes L e L′ de K, dizemos que dois elementos x ∈ L e x′ ∈ L′ sao

conjugados sobre K se existe um K-isomorfismo ϕ : K(x)→ K(x′) tal que ϕ(x) = x′.

Proposicao 1.13 Seja K um corpo de caracterıstica 0 ou um corpo finito, seja L uma

extensao algebrica de K com [L : K] = n, seja x um elemento de L, e sejam x1, . . . , xn as

raızes do polinomio mınimo F(X) ∈ K[X] de x sobre K (em alguma extensao conveniente

de K), cada uma repetida [L : K[x]] vezes. Entao TrL/K(x) = x1 + · · · + xn, NL/K(x) =

x1 · · ·xn. O polinomio caracterıstico de x, relativo a L e K e (X− x1) · · · (X− xn).

Prova. Vamos primeiro tratar o caso onde x e um elemento primitivo de L sobre K.

Assim K[X]/(F(X)) e K-isomorfo a L, e (x1, . . . , xn) e uma base de L sobre K, onde

F(X) = Xn + an−1Xn−1 + · · · + a0 e o polinomio mınimo de x sobre K. A matriz do

endomorfismo mx com respeito a essa base e

M =

0 0 · · · 0 −a0

1 0 · · · 0 −a1

0 1 · · · 0...

... 0...

......

......

...

0 0 · · · 1 −an−1

.

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1.4 O discriminante 23

O determinante de X · IL −mx e portanto o determinante da matriz

X · In −M =

X 0 · · · 0 a0

−1 X · · · 0 a1

0 −1 · · · 0...

... 0...

......

... X an−2

0 0 · · · −1 X + an−1

.

Expandindo esse determinante como um polinomio em X, obtemos det(X · In−M) =

= Xn + an−1Xn−1 + · · · + a0 = F(X), ou seja, o polinomio caracterıstico de x e igual

ao polinomio mınimo de x. Por (1.6), Tr(x) = −an−1 e N(X) = (−1)na0. Como x e

primitivo, F(X) = (X − x1) · · · (X − xn) (pois F possui exatamente n raızes); igualando

os coeficientes, vemos que Tr(x) = x1 + · · ·+ xn e N(x) = x1 · · ·xn.

Considere agora o caso geral. Sendo r = [L : K[x]] e suficiente mostrar que o

polinomio caracterıstico P(X) de x, com respeito a L e K, e igual a r-esima potencia

do polinomio mınimo de x sobre K. Seja (y1, . . . , yq) uma base para K[x] sobre K e

seja (z1, . . . , zr) uma base para L sobre K[x]; entao (yizj) e uma base para L sobre K

e n = qr. Seja M = (aih) a matriz para a multiplicacao por x em K[x] com respeito a

base (yi): assim xyi =∑h

aihyh, para todo i = 1, . . . , q. Entao

x(yizj) =(∑

h

aihyh

)zj =

∑h

aih(yhzj),

para i = 1, . . . , q e j = 1, . . . , r. Logo, a matriz M1 da multiplicacao por x em L com

respeito a essa base e uma matriz de blocos diagonais da forma

M1 =

M 0 · · · 0

0 M · · · 0...

. . ....

0 0 · · · M

.Como M1 e n × n e M e q × q temos que M deve aparecer r vezes como blocos em M1

(pois n = qr). Assim, a matriz X · In −M1 consiste de r blocos diagonais, cada um da

forma X · Iq − M. Consequentemente, det(X · In − M1) = (det(X · Iq − M))r. O lado

esquerdo da equacao anterior e P(X), enquanto det(X · Iq −M) e o polinomio mınimo

de x sobre K, de acordo com a primeira parte da prova. �

Concluımos essa parte com um resultado sobre tracos e normas de elementos inteiros.

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1.4 O discriminante 24

Proposicao 1.14 Seja A um domınio de integridade K seu corpo de fracoes, L uma

extensao de K com [L : K] < ∞, e x ∈ L inteiro sobre A. Suponha que K tem carac-

terıstica zero. Entao os coeficientes do polinomio caracterıstico P(X) de x relativo a L

e K, em particular, o traco e a norma de x, sao inteiros sobre A.

Prova. Pela proposicao 1.13, P(X) = (X − x1) · · · (X − xn); assim os coeficientes de

P(X) sao, a menos de sinal, somas de produtos dos x′is. E suficiente mostrar que

x′is sao inteiros sobre A. Mas cada xi e um conjugado de x sobre K (pois os x′is sao

dois a dois conjugados e K[X]/P(X) ' K[xi]) e existe um K-isomorfismo σi : K[x] →→ K[xi] tal que σi(x) = xi. Sendo x inteiro sobre A, existem a0, . . . , an−1 ∈ A tais que

xn + an−1xn−1 + · · ·+ a0 = 0. Assim, σi(x)n + · · ·+ σi(a0) = 0. Logo, xni + · · ·+ a0 = 0

e isso prova que xi e inteiro sobre A para todo i. �

Adicionando as hipoteses da proposicao anterior que A e integralmente fechado,

entao os coeficientes do polinomio caracterıstico de x, em particular, o traco e a norma

de x, sao elementos de A. De fato, eles sao elementos de K, por definicao, pela proposicao

1.14 eles sao inteiros sobre A, sendo A integralmente fechado, eles pertencem a A.

Definicao 1.15 Seja B um anel e seja A um subanel de B tal que B e um A-modulo

livre de posto finito n. Para (x1, . . . , xn) ∈ Bn chamamos o discriminante do conjunto

(x1, . . . , xn) o elemento de A definido pela relacao

D(x1, . . . , xn) = det(TrB/A(xixj)), (1.8)

isto e, o determinante da matriz cuja (i, j)-esima entrada e TrB/A(xixj).

Proposicao 1.16 Se (y1, . . . , yn) ∈ Bn e um outro conjunto de elementos de B tal que

yi =n∑j=1

aijxj para todo i = 1, . . . , n, com aij ∈ A, entao

D(y1, . . . , yn) = (det(aij))2D((x1, . . . , xn)). (1.9)

Prova. Primeiro notemos que

Tr(ypyq) = Tr

[( n∑i=1

apixi

)( n∑j=1

aqjxj

)]=

n∑i=1

n∑j=1

apiaqjTr(xixj).

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1.4 O discriminante 25

Isso nos da a equacao matricial

Tr(ypyq) = M · Tr(xixj) ·M′

(onde M = (aij) e M′ denota a matriz transposta de M). Assim

D(y1, . . . , yn) = det(Tr(ypyq)) = det(M · Tr(xixj) ·M′)

= det(M) · det(Tr(xixj)) · det(M′)

= (det(aij))2 ·D(x1, . . . , xn). �

A proposicao 1.16 implica que o discriminante de bases para B sobre A sao associados

em A; com efeito se (x1, . . . , xn), (x′1, . . . , x′n) sao quaisquer duas bases do A-modulo B,

entao existem elementos aij ∈ A tais que

x′j =n∑i=1

aijxj,

para todo j = 1, . . . , n. Assim, D(x′1, . . . , x′n) = (det(aij))

2 ·D(x1, . . . , xn). Isso significa

que a matriz (aij) que expressa uma base em termos da outra possui uma inversa com

entradas em A. Portanto, (aij) · (aij)−1 = I e daı, det(aij) · det(aij)−1 = 1, ou seja,

det(aij) e det(aij)−1 sao unidades em A. Podemos entao formular a seguinte definicao:

Definicao 1.17 Seja B um anel e seja A um subanel de B tal que B e um A-modulo livre

de posto finito n. Se (x1, . . . , xn) e qualquer base de B, o ideal principal A ·D(x1, . . . , xn)

e chamado o discriminante de B sobre A (ou relativo a A), e denotado por DB/A.

Na proposicao a seguir, utilizaremos o seguinte lema, o qual nao provaremos por se

tratar de um fato bastante conhecido da teoria basica de grupos. A referida prova pode

ser encontrada em qualquer livro introdutorio de algebra abstrata.

Lema 1.18 (Dedekind) Seja G um grupo, C um corpo, e sejam σ1, . . . , σn homo-

morfismos distintos de G no grupo multiplicativo C∗. Entao os σ′is sao linearmente

independentes sobre C (i.e.∑uiσi(g) = 0 implica que todos os u′is sao zero).

Sabemos que se K e um corpo finito ou de caracterıstica zero e L e uma extensao

finita de K (com grau n) existem n K-isomorfismos σ1, . . . , σn de L em um corpo alge-

bricamente fechado C contendo K. Com isso temos a seguinte

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1.4 O discriminante 26

Proposicao 1.19 Nas condicoes acima, se (x1, . . . , xn) e uma base de L sobre K,

D(x1, . . . , xn) = det(σi(xj))2 6= 0. (1.10)

Prova. A primeira igualdade segue do simples calculo:

D(x1, . . . , xn) = det(Tr(xixj)) = det

(∑k

σk(xixj)

)= det

(∑k

σk(xi)σk(xj)

)= det(σk(xi)) · det(σk(xi)) = det(σi(xj))

2.

Resta mostrar que det(σi(xj)) 6= 0. Se det(σi(xj)) = 0, existem u1, . . . , un ∈ C, nao

todos nulos, tais quen∑i=1

uiσi(xj) = 0 para todo j. Por linearidade concluımos que

n∑i=1

uiσi(x) = 0 para todo x ∈ L, contradizendo assim o lema de Dedekind. �

Observacao. Sob as condioes da proposicao 1.19, a relacao D(x1, . . . , xn) 6= 0 significa

que a forma bilinear (x, y) 7→ TrL/K(xy) e nao-degenerada, isto e, TrL/K(xy) = 0 para

todo y ∈ L implica que x = 0. Assim a aplicacao K-linear que associa a cada x ∈ L a

forma K-linear sx : y 7→ TrL/K(xy) e uma injecao de L em seu espaco dual HomK(L,K).

Como L e HomK(L,K) sao de mesma dimensao finita n sobre K, segue-se que x 7→ sx e

uma bijecao. A existencia de “base dual”de um espaco vetorial e seu dual implica que,

para qualquer base (x1, . . . , xn) de L sobre K, existe uma base (y1, . . . , yn) tal que

TrL/K(xiyj) = δij (1 ≤ i, j ≤ n). (1.11)

Essa observacao sera util no seguinte teorema:

Teorema 1.20 Seja A um anel integralmente fechado, K seu corpo de fracoes, L uma

extensao de K com [L : K] = n, e A′ o fecho inteiro de A em L. Se K tem caracterıstica

zero entao A′ e um A-submodulo de um A-modulo livre de posto n.

Prova. Seja (x1, . . . , xn) uma base de L sobre K. Cada xi e algebrico sobre K, assim,

para qualquer i, temos uma equacao da forma anxni + an−1x

n−1i + · · · + a0 = 0, aj ∈ A

para todo j. Podemos assumir an 6= 0. Multiplicando ambos os lados por an−1n , obtemos

(anxi)n + an−1︸︷︷︸

∈A

(anxi)n−1 + anan−2︸ ︷︷ ︸

∈A

(anxi)n−2 + · · ·+ an−1

n a0︸ ︷︷ ︸∈A

= 0,

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1.4 O discriminante 27

ou seja, cada anxi e inteiro sobre A. Ponha x′i = anxi. Entao (x′1, . . . , x′n) e uma base

para L sobre K contida em A′.

Pela observacao anterior, existe uma outra base (y1, . . . , yn) de L sobre K tal que

Tr(x′iyj) = δij. Seja z ∈ A′. Como (y1, . . . , yn) e uma base de L sobre K, podemos

escrever z =n∑i=1

bjyj com bj ∈ K. Para qualquer i temos xiz ∈ A′ (pois xi ∈ A′).

Portanto, pela observacao feita apos a proposicao 1.14, Tr(x′iz) ∈ A. Assim,

Tr(xiz) = Tr(∑

j

bjx′iyj)=∑j

Tr(x′iyj) =∑j

bjδij = bi.

Concluımos entao que A′ e um A-submodulo do A-modulo livren∑j=1

Ayj. �

E conhecido o resultado: “ Se A e um anel de ideais principais, M e um A-modulo livre

de posto n, e M′ e um submodulo de M entao M′ e livre de posto q, com 0 ≤ q ≤ n. Alem

disso, se M′ 6= (0), existe uma base (e1, . . . , en) de M e elementos nao-nulos a1, . . . , aq ∈A tais que (a1e1, . . . , aqeq) e uma base de M′ e tais que ai divide ai+1, 1 ≤ i ≤ q − 1”.

Uma demonstracao pode ser encontrada em [22]. Com isso temos o seguinte

Corolario 1.21 Adicionando as hipoteses do teorema 1.20 que A e um anel de ideais

principais entao A′ e um A-modulo livre de posto n.

Prova. Sabemos que A′ e livre de posto ≤ n. Por outro lado, vimos na prova do

teorema 1.20 que A′ contem uma base de L sobre K (a qual possui n elementos). Logo,

A′ e de posto n. �

Para um corpo numerico K, o grau [K : Q] e chamado o grau de K. Um corpo

numerico de grau 2 (respec. 3) e chamado corpo quadratico (respec. corpo cubico). Um

corpo numerico sempre possui caracterıstica zero (pois seu corpo primo e Q).

Os elementos de um corpo numerico K que sao inteiros sobre Z sao chamados os

inteiros de K. Eles formam um subanel A de K (corolario 1.5). Esse anel A e um

Z-modulo livre de posto [K : Q] (corolario 1.21). O discriminante das bases do

Z-modulo A diferem por uma unidade em Z (definicao 1.17), uma unidade que e e-

xatamente um quadrado em Z (proposicao 1.16). Essa unidade so pode ser +1, isto e,

o discriminante do Z-modulo A e um elemento bem definido de Z. Ele e chamado o

discriminante de K.

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 28

Frequentemente, por abuso de linguagem, atribuımos a K nocoes que sao definidas

relativas a A. Assim, quando falarmos por exemplo de ideais (ou unidades) de K, que-

remos dizer ideais (ou unidades) de A.

1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind

Passaremos agora a estudar uma importante classe de aneis e modulos, a saber os

Noetherianos e os de Dedekind. Os primeiros sao mais gerais que os ultimos. Veremos a

seguir que o anel dos inteiros de um corpo numerico e um anel de Dedekind e, portanto,

Noetheriano (mostraremos que ele e Noetheriano independentemente). Finalmente dis-

cutiremos o problema da fatoracao unica em aneis de Dedekind.

E bem conhecido o teorema

Teorema 1.22 Seja A um anel e E um A-modulo. As seguintes afirmacoes sao equi-

valentes.

(a) Toda famılia nao-vazia de submodulos de E contem um elemento maximal (sob a

relacao de inclusao).

(b) Toda sequencia crescente (E)n≥0 (ainda pela relacao de inclusao) de submodulos

de E e estacionaria (∃ n0 tal que En = En0 para todo n ≥ n0).

(c) Todo submodulo de E e do tipo finito.

Decidimos pela omissao da prova desse teorema por se tratar de um resultado classico

e presente em qualquer livro introdutorio em teoria algebrica de numeros e tambem em

algebra comutativa. Novamente em Ribenboin [22], capıtulo 6, encontramos uma prova

simples e clara.

Definicao 1.23 Um A-modulo M e chamado Noetheriano se ele satisfaz as condicoes

equivalentes do teorema 1.22. Um anel A e Noetheriano se, considerado como um

A-modulo, ele e Noetheriano.

Sabemos que quando consideramos um anel como um modulo sobre se mesmo, seus

submodulos sao seus ideais; com isso, e em virtude da parte (c) do teorema 1.22, dizemos

tambem que um anel e Noetheriano quando seus ideais sao gerados por um numero finito

de elementos.

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 29

Como exemplo, observemos que todo anel de ideais principais e um anel Noetheriano.

De fato, todos os ideais de um anel de ideais principais sao gerados por um unico

elemento.

Outros exemplos sao dados a seguir

Proposicao 1.24 Todo submodulo e todo modulo quociente de um modulo Noetheriano

e um modulo Noetheriano.

Prova. Seja A um anel, E um A-modulo Noetheriano e E′ um submodulo de E. Todo

submodulo de E′ e tambem submodulo de E. Logo, pela parte (c) do teorema 1.22, esses

sao do tipo finito e a afirmacao segue.

Similarmente, existe uma correspondencia um-a-um, preservando inclusao, entre os

submodulos do modulo quociente E/E′ e os submodulos de E contendo E′, a segunda

afrmacao segue tambem do teorema 1.22, parte (b). �

Na verdade, vale tambem a recıproca do resultado anterior. Esse e o conteudo

da seguinte

Proposicao 1.25 Seja A um anel, E um A-modulo e E′ um submodulo de E tal que E′

e E/E′ sao modulos Noetherianos. Entao o proprio E e um modulo Noetheriano.

Prova. Seja (Fn)n≥0 uma sequencia crescente de submodulos de E. Como E′ e Noethe-

riano, existe um inteiro n0 tal que Fn∩E′ = Fn+1∩E′ para todo n ≥ n0. Analogamente,

existe um inteiro n1 tal que (Fn + E′)/E′ = (Fn+1 + E′)/E′ para todo n ≥ n1. Tome

n ≥ sup (n0, n1). Mostraremos que Fn = Fn+1. E suficiente mostrar que Fn ⊂ Fn+1.

Dado x ∈ Fn+1, como Fn+1 + E′ = Fn + E′, existem y ∈ Fn e z′, z′′ ∈ E′ tais que

x + z′ = y + z′′. Assim, x − y = z′′ − z′ ∈ Fn+1 ∩ E′ = Fn ∩ E′. Assim, x − y e

y pertencendo a Fn implica x ∈ Fn tambem. Concluımos que Fn = Fn+1 para todo

n ≥ sup (n0, n1). Logo, pela parte (b) do teorema 1.22, E e Noetheriano. �

Corolario 1.26 Seja A um anel, E1, . . . ,En A-modulos Noetherianos. Entaon∏i=1

Ei e

um A-modulo Noetheriano.

Prova. E suficiente provar a afirmacao para dois A-modulos E1,E2.

E1 × E2 possui um submodulo Noetheriano E1 tal que o modulo quociente

(E1 × E2)/E1 ' E2 e tambem Noetheriano. Logo, pela proposicao 1.24 E1 × E2 e

um A-modulo Noetheriano. �

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 30

Corolario 1.27 Seja A um anel, Noetheriano e seja E um A-modulo do tipo finito.

Entao E e um modulo Noetheriano (e, portanto, todos os seus submodulos sao do tipo

finito).

Prova. Seja (x1, . . . , xn) um sistema de geradores de E, An = A × · · · × A o produto

de n copias do A-modulo A. Considere a aplicacao

ϕ : An −→ E

a 7−→n∑i=1

aixi,

onde a = (a1, . . . , an) com ai ∈ A para todo i = 1, . . . , n. E facil ver que ϕ e um

homomorfismo entre modulos. Alem disso, dado x ∈ E temos que x =∑i

aixi,

ai ∈ A. Tomando a = (a1, . . . , an) ∈ An temos que ϕ(a) = x, ou seja, ϕ e sobre E.

Segue do teorema do isomorfismo que E ' An/Kerϕ. Pelo corolario 1.26 An e Noethe-

riano, segue-se que Kerϕ e An/Kerϕ sao Noetherianos. Logo, E tambem o e. �

Um importante e belıssimo resultado devido a Emilly Noether vem a seguir.

Teorema 1.28 Seja A um anel Noetheriano integralmante fechado. Seja K o corpo de

fracoes de A, L uma extensao finita de K, e A′ o fecho inteiro de A em L. Suponha

que K e de caracterıstica zero. Entao A′ e um A-modulo do tipo finito e um anel

Noetheriano.

Prova. Sabemos que A′ e um submodulo de um A-modulo livre de posto n (§ 1.4,

teorema 1.20). Como A e Noetheriano e A′ e um A-submodulo segue-se que A′ e um

A-modulo do tipo finito. Agora, pelo corolario 1.27 temos que A′ e um A-modulo

Noetheriano. Por outro lado, os ideais de A′ sao A-submodulos de A′, eles satizfazem a

condicao maximal (teorema 1.22, parte (a)), portanto A′ e um anel Noetheriano. �

Escolio. O anel dos inteiros de um corpo numerico e um anel Noetheriano. (Tome

A = Z e K = Q no teorema 1.28).

Para o Proximo teorema precisamos do seguinte

Lema 1.29 Seja A um anel, p um ideal primo de A, e seja A′ um subanel de A. Entao

p ∩ A′ e um ideal primo de A′.

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 31

Prova. Sendo ϕ : A′ → A a aplicacao de inclusao e ψ : A → A/p o homomorfismo

canonico. Entao a composta φ = ψ ◦ ϕ : A′ → A/p e um homomorfismo tal que

Kerφ = {a′ ∈ A; a′ + p = 0 + p} = {a′ ∈ A; a′ ∈ p}; logo, Kerφ = A′ ∩ p. Pelo teorema

do isomorfismo A′/Kerφ = A′/(A′ ∩ p) e um subanel de A/p. Como um subanel de um

domınio de integridade deve ser um domınio de integridade temos que A′/(A′ ∩ p) e um

domınio de integridade e, portanto, o ideal A′ ∩ p e primo. �

Definicao 1.30 Um domınio de integridade A e chamado um anel de Dedekind se ele e

Noetheriano e integralmente fechado, e se todo ideal primo nao-nulo de A

e maximal.

O anel Z e, mais geralmente, qualquer anel de ideais principais, e um anel de

Dedekind.

Teorema 1.31 Seja A um anel de Dedekind, K seu corpo de fracoes, L uma extensao

finita de K, e A′ o fecho inteiro de A em L. Assuma que K tem caracterıstica zero.

Entao A′ e um anel de Dedekind e um A-modulo do tipo finito.

Prova. O anel A′ e integralmente fechado por construcao (exemplo 1, § 1.2). Ele e

Noetheriano e um A-modulo do tipo finito pelo teorema 1.28. Resta mostrar que todo

ideal p′ 6= (0), primo, de A′ e maximal. Para isso escolha um elemento x ∈ p′ − (0) e

considere uma equacao da forma

xn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x+ a0 = 0 (ai ∈ A), (1.12)

tal que n e o menor possivel. Entao a0 6= 0. Por (1.12), temos a0 ∈ A′ ∩ A ⊂ p′ ∩ A

(a0 = −x(xn−1+an−1xn−2+ · · ·+a1)). Portanto, p′∩A 6= (0). Pelo lema 1.29 p′∩A e um

ideal primo de A, dai p′∩A e um ideal maximal de A e, portanto, A/(p′∩A) e um corpo.

Mas A/(p′ ∩ A) pode ser identificado com um subanel de A′/p′ e A′/p′ e inteiro sobre

A/(p′∩A). Assim pela proposicao 1.8 do §1.1, A′/p′ e um corpo. Logo, p′ e maximal. �

Escolio. O anel dos inteiros de um corpo numerico e um anel de Dedekind. (Tome

A = Z e K = Q no teorema 1.31).

Nem sempre o anel dos inteiros de um corpo numerico e um anel de ideais principais.

Por exemplo, considere o anel A = Z[√−5] em Q[

√−5]. Observe que

(1 +√−5) · (1−

√−5) = 2 · 3,

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 32

se A fosse principal o elemento primo (1 +√−5) dividiria 2 ou 3, mas isso implicaria,

tomando a norma, que 6 dividiria 4 ou 9, um absurdo.

A mais importante propriedade dos aneis de ideais peincipais e a fatoracao unica

em produto de primos. Essa propriedade pode ser generalizada no caso de aneis de

Dedekind. Em um anel desse tipo, ideais se fatoram de modo unico em produto de

ideais primos. E isso que passaremos a discutir com maior precisao agora. Antes alguns

lemas acerca de ideais primos sao necessarios.

Lema 1.32 Se um ideal primo p de um anel A contem um produto a1a2 · · · an de ideais,

entao p contem pelo menos um dos ideais ai.

Prova. Se ai 6⊂ p para todo i entao existe ai ∈ p−ai para todo i. Portanto a1 · · · an /∈ p,

pois p e primo. Mas a1 · · · an ∈ a1 · · · an ⊂ p temos entao uma contradicao. �

Lema 1.33 Em um anel Noetheriano todo ideal contem um produto de ideais primos.

Em um domınio de integridade Noetheriano, todo ideal nao-nulo contem um produto de

ideais primos nao-nulos.

Prova. Suponha por absudo que a famılia Φ dos ideais nao-nulos de A que nao contem

um produto de ideais primos nao-nulos e nao-vazia. Como A e Noetheriano Φ contem

um elemento maximal b. O ideal b nao pode ser primo, caso contrario b nao pertenceria

a Φ. Assim, existem x, y ∈ A− b tais que xy ∈ b. Os ideais b + Ax e b + Ay contem b

como um subconjunto proprio, portanto eles nao pertecem a Φ pois b e maximal em Φ.

Segue-se que esses ideais contem produtos de ideais primos nao-nulos:

p1 · · · pn ⊂ b + Ax e p′1 · · · p′n ⊂ b + Ay.

Desde que xy ∈ b,

(b + Ax)(b + Ay) ⊂ b,

consequentemente p1 · · · pnp′1 · · · p′n ⊂ b, o que gera o absurdo procurado. Isso prova

a segunda afirmacao. A primeira e completamente analoga, basta excluir a expressao

“nao-nulo”tres vezes. �

Agora seja A um domınio de integridade e K seu corpo de fracoes. Chamamos

qualquer A-submodulo I de K para o qual existe d ∈ A − (0) tal que d · I ⊂ A um

ideal fracionario de A (ou de K com respeito a A). Isso significa que os elementos de I

tem um “denominador comum”d ∈ A. Os ideais ordinarios de A sao fracionarios (com

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 33

d = 1). As vezes os chamamos de ideais inteiros para distinguı-los dos ideais fraciona-

rios. Qualquer A-submodulo I do tipo finito contido em K e um ideal fracionario. Isso

segue do fato que, se (x1, . . . , xn) e um conjunto finito de geradores para I, os x′is tem

um denominador comum d (o produto dos denominadores di, onde xi = ai · d−1i , com

ai, di ∈ A), e d e um denominador comum para I. Reciprocamente, se A e Noetheriano,

todo ideal fracionario I e um A-modulo do tipo finito (pois todos os submodulos de A sao

do tipo finito), isto e, I ⊂ d−1A e d−1A sendo um A-modulo isomorfo a A, e um modulo

Noetheriano. Definindo o produto de ideais fracionarios de maneira usual, os ideais

fracionarios nao-nulos de A constituem um monoide comutativo sobre a multiplicacao.

Teorema 1.34 Seja A um anel de Dedekind que nao e um corpo. Todo ideal maximal

de A e invertıvel no monoide dos ideais fracionarios de A (isto e, se m e um ideal

maximal de A existe um ideal fracionario m′ de A tal que mm′ = A).

Prova. Seja m um ideal maximal de A. Entao m 6= (0), pois A nao e um corpo. Ponha

m′ = {x ∈ K; xm ⊂ A}. (1.13)

Claramente, m′ e um A-submodulo de K; qualquer elemento nao-nulo de M serve como

um denominador comum para os elementos de m′. Assim m′ e um ideal fracionario de

A. E suficiente mostrar que mm′ = A. Vemos que (1.13) implica que mm′ ⊂ A; por

outro lado, A ⊂ m′ (pois m e um ideal de A - a ∈ A ⇒ am ⊂ m ⊂ A ∴ a ∈ m′), assim

m = Am ⊂ m′m. Como m e maximal e m ⊂ m′m ⊂ A entao m = m′m ou m′m = A.

Resta mostrar que m = m′m nao ocorre.

Agora se m = m′m e se x ∈ m′, entao xm ⊂ m, x2m ⊂ xm ⊂ m, e xnm ⊂ m para

qualquer n por inducao. Assim qualquer elemento nao-nulo d ∈ m e um denominador

comum para todas as potencias xn de x, n ∈ N. Segue-se que A[x] e um ideal fracionario

de A. Como A e Noetheriano, A[x] e um A-modulo do tipo finito, assim x e inteiro sobre

A. Mas A e integralmente fechado; portanto, x ∈ A; e consequentemente m′m = m

implica m′ = A. Resta mostrar que m′ = A e impossıvel.

Com esse proposito tome um elemento nao-nulo a ∈ m. Pelo lema 1.33, o ideal

Aa contem um produto de ideais primos nao-nulos p1 · · · pn. Podemos tomar n como

o menor possıvel. Temos m ⊃ Aa ⊃ p1 · · · pn, o que significa, pelo lema 1.32, que

m ⊃ pi para algum i, digamos i = 1. Como p1 e maximal por hipotese, m = p1. Ponha

b = p2 · · · pn. Entao Aa ⊃ mb e Aa 6⊃ b, pela escolha de n. Assim existe b ∈ b tal que

b /∈ Aa. Como mb ⊂ Aa, mb ⊂ Aa, consequentemente mba−1 ⊂ A. De acordo com a

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1.5 Aneis Noetherianos e aneis de Dedekind 34

definicao de m′, isso significa que ba−1 ∈ m′. Mas, desde que b /∈ A, ba−1 /∈ A. Logo,

m′ 6= A. �

Chegamos agora a um dos principais resultados desse capıtulo e tambem um dos

principais da teoria dos numeros algebricos classica.

Teorema 1.35 Seja A um anel de Dedekind e seja P o conjunto dos ideais primos

nao-nulos de A. Entao

(a) todo ideal fracionario nao-nulo b de A pode ser expresso de modo unico na forma

b =∏p∈P

pnp(b), (1.14)

onde, para qualquer b ∈ P, np(b) ∈ Z e, para quase todo p ∈ P, np(b) = 0.

(b) O monoide dos ideais fracionarios nao-nulos de A e um grupo.

Prova. Primeiro provaremos a existencia de (a), isto e, que qualquer ideal fracionario

b e um produto de potencias (≥ 0 ou ≤ 0) de ideais primos. Existe d ∈ A − (0)

tal que d · b ⊂ A, isto e, tal que d · b e um ideal inteiro de A, b = (db) · (Ad)−1.

Podemos, sem perda de generalidade, provar (a) para ideais inteiros. Como antes,

considere a famılia Φ dos ideais nao-nulos em A que nao sao produto de ideais primos.

Suponha que Φ e nao-vazia. Como A e Noetheriano, Φ possui um elemento maximal a.

Entao a 6= A , pois A e o produto da colecao vazia de ideais primos. Portanto a esta

contido em um ideal maximal p, o qual e um elemento maximal na famılia de ideais

nao-triviais de A que contem a. Seja p′ o ideal fracionario inverso de p. Como a ⊂ p,

ap′ ⊂ pp′ = A. Como p′ ⊃ A, ap′ ⊃ a; de fato ap′ 6= a (se ap′ = a e se x ∈ p′, entao

xa ⊂ a, xna ⊂ a para todo n, x e inteiro sobre A, e x ∈ A (como no teorema 1.34). Mas

isso e impossıvel pois p′ 6= A (caso contrario p′ = A e pp′ = p′).). Pela maximalidade

de a em Φ, temos ap′ /∈ Φ, assim ap′ = p1 · · · pn. Multiplicando por p, vemos que

a = pp1 · · · pn. Logo todo ideal inteiro de A e um produto de ideais primos.

Consideremos a gora a unicidade em (a). Suponha que∏p∈P

pn(p) =∏p∈P

pm(p), i.e.∏p∈P

pn(p)−m(p) = A.

Se n(p) − m(p) 6= 0 para algum ideal primo p ∈ P, podemos separar os expoentes

positivos e negativos e escrever:

pα11 · · · pαr

r = qβ1

1 · · · qβss ,

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1.6 Finitude do grupo de classes 35

onde pi, qj ∈ P, αi > 0, βj > 0, pi 6= qj para todo i e j. Assim p1 contem qβ1

1 · · · qβss ;

segue do lema 1.32, que p1 ⊃ qj para algum j, digamos p1 ⊃ q1. Mas p1 e q1 sao ambos

maximais, o que implica p1 = q1, o que e um absurdo.

Finalmente (1.14) implica que∏p∈P

p−np(b) e o inverso de b e isso prova (b). �

A parte (b) do teorema 1.35 nos da exatamente que o monoide I(A) dos ideais

fracionarios nao-nulos de um anel de Dedekind A e um grupo. Os ideais fracionarios

principais (isto e, aqueles da forma Ax, x ∈ K∗) formam um subgrupo F(A) de I(A)

(pois (Ax) · (Ay)−1 = Axy−1). O grupo quociente C(A) = I(A)/F(A) e chamado o

grupo de classes de ideais de A (ou simplismente grupo de classes). A ordem de

C(A) (nao necessariamente finita) e chamada o numero de classes de A e usualmente

denotado por hA. Para que A seja um anel de ideais principais e necessariamente e

suficiente que C(A) consista de um unico elemento, isto e, que hA = 1 (com efeito, se

hA = 1 e porque I(A) = F(A), ou seja, todo ideal de A e principal. Reciprocamente, se

todo ideal de A e principal e porque I(A) = F(A), logo C(A) e trivial, ou seja, hA = 1).

No caso geral, o numero hA, indicando o numero (cardinal) de classes de ideais distin-

tas, pode ser considerado como uma “medida”que indica o quanto o anel de Dedekind A

difere de um anel principal. Veremos na proxima secao que no caso do anel dos inteiros

A de um corpo numerico K, o numero hA e sempre finito.

1.6 Finitude do grupo de classes

Mostraremos a seguir que o grupo C(A) definido na secao anterior, no caso em que A

e o anel dos inteiros de um corpo numerico, e finito. Isso nos permitira definir o numero

de classe de um corpo numerico. Antes precisamos de algumas preliminares sobre a

norma de um ideal.

Seja K um corpo numerico, n seu grau, e A o anel dos inteiros de K. ] S denota a

cardinalidade de qualquer conjunto S.

Proposicao 1.36 Se x e um elemento nao-nulo de A, entao |N(x)| = ] (A/Ax).

Note que se x ∈ A, N(x) ∈ Z (§ 1.4, proposicao 1.14), assim

essa fomula faz sentido.

Prova. Sabemos que A e um Z-modulo livre de posto n, e Ax e um Z-submodulo de

A. Ele e tambem de posto n, pois a multiplicacao por x aplica A em Ax isomorfica-

mente. Como ja vimos existe uma base (e1, . . . , en) do Z-modulo A e elementos ci de

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1.6 Finitude do grupo de classes 36

N tais que (c1e1, . . . , cnen) e uma base de Ax. Alem disso, o grupo abeliano A/Ax e

isomorfo ao grupo abeliano finiton∏i=1

Z/ciZ, cuja ordem e c1c2 · · · cn. Escreva u para a

aplicacao Z-linear de A em Ax definida por u(ei) = ciei para i = 1, . . . , n. Temos que

det(u) = c1 · · · cn. Por outro lado (xe1, . . . , xen) e tambem uma base para Ax.

Existe assim um automorfismo v do Z-modulo Ax tal que v(ciei) = xei. Entao det(v)

e invertıvel em Z, portanto, det(v) = ± 1. Mas v · u e uma multiplicacao por x e seu

determinante e, por definicao, N(x). Como det(v ·u) = det(v) ·det(u), podemos concluir

que N(x) = ±c1 · · · cn = ± ] (A/Ax). �

Definicao 1.37 Dado um ideal inteiro nao-nulo a de A, chamamos o numero ] (A/Ax)

a norma de a e a denotamos por N(a).

Observemos que N(a) e finito. De fato, se x e um elemento nao-nulo de a,

entao Ax ⊂ a, e A/a pode ser identificado com um quociente de A/Ax. Assim

] (A/a) ≤ ] (A/Ax), e esse ultimo e um numero finito. Por outro lado, vemos que

para um ideal principal Ay, N(Ay) = |N(y)|.

Proposicao 1.38 Se a e b sao ideais inteiros nao-nulos de A, entao N(ab) = N(a) ·N(b).

Prova. O ideal b se fatora em um produto de ideais maximais e e suficiente mostrar que

N(am) = N(a)N(m) para m maximal. Como am ⊂ a, temos ] (A/am) = ] (A/a)·] (a/m).

Resta mostrar que ] (a/am) = ] (Aa). Agora a/am pode ser considerado como um espaco

vetorial sobre A/m. Seus subespacos vetoriais sao seus A-submodulos; eles sao da forma

q/am onde q e um ideal tal que am ⊂ q ⊂ a. Mas a formula (1.17) da observacao abaixo

implica que nao existem ideais entre am e a. Portanto, o espaco vetorial a/am e de

dimensao 1 sobre A/m. Isso significa que ] (a/am) = ] (A/m) �

Observacao. Nas formulas abaixo, np(b) denota o expoente de p na fatoracao de b

em um produto de ideais primos.

np(ab) = np(a) + np(b) (1.15)

b ⊂ A⇔ np(b) ≥ 0 ∀ p ∈ P. (1.16)

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1.6 Finitude do grupo de classes 37

(⇒ b se decompoe em um produto de ideais primos; ⇐ claro).

a ⊂ b⇔ np(a) ≥ np(b) ∀ p ∈ P. (1.17)

(basta observar que a ⊂ b e o mesmo que ab−1 ⊂ A. Agora aplicar (1.15) e (1.16)).

Seja K um corpo numerico, n seu grau. Sabemos que existem n isomorfismo distintos

σi : K→ C. Seja α : C→ C a conjugacao complexa. Entao, para qualquer i = 1, . . . , n

α ◦ σi = σj, 1 ≤ j ≤ n, e σi = σj se, e somente se, σi(K) ⊂ R. Escrevamos r1 para

o numero de ındices tais que σi(K) ⊂ R. Entao n − r1 e um numero par, portanto

podemos escrever

r1 + 2r2 = n. (1.18)

Vamos reenumerar os σ′is de maneira que σi(K) ⊂ R para 1 ≤ i ≤ r1 e tambem que

σj+r2(x) = σj(x) para r1 + 1 ≤ j ≤ r1 + r2. Entao os primeiros r1 + r2 isomorfismos

determinam o ultimo r2. Para x ∈ K definimos

σ(x) = (σ1(x), . . . , σr1+r2(x)) ∈ Rr1 × Cr2 . (1.19)

Chamamos σ a imersao canonica de K em Rr1 ×Cr2 ; ela e um homomorfismo, injetivo,

de aneis. Frequentemente identificaremos Rr1 × Cr2 com Rn (veja (1.18)). As notacoes

σ, K, n, r1, e r2 serao usadas durante o restante dessa secao.

A prova da proposicao a seguir utiliza nocoes de analise, como subgrupos discretos de

Rn e medida de Lebesgue, (seria necessario desenvolver um vasto material preliminar)

e por isso sera omitida. O leitor podera encontra-la em [23].

Proposicao 1.39 Seja K um corpo numerico, n seu grau, r1 e r2 os inteiros definidos

anteriormente, d o discriminante de K, e a um ideal inteiro nao-nulo de K. Entao a

contem um elemento nao-nulo x tal que

|NK/Q(x)| ≤(

4

π

)r2 n!

nn|d|1/2N(a). (1.20)

Corolario 1.40 Com as mesmas notacoes, toda classe de ideais de K contem um ideal

inteiro b tal que

N(b) ≤(

4

π

)r2 n!

nn|d|1/2. (1.21)

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1.6 Finitude do grupo de classes 38

Prova. Seja a′ um ideal da classe dada. Multiplicando a′ por um ideal principal, pode-

mos supor que a = a′−1 e um ideal inteiro. Tome um elmento nao-nulo x ∈ a para o

qual (1.20) e verdade. Entao b = xa−1 e um ideal inteiro na mesma classe que a′, e N(b)

satisfaz (1.21) em virtude da multiplicidade da norma, proposicao 1.38. �

Como existe sempre um ideal inteiro nao-nulo b em K e N(b) ≥ 1, obtemos, a

partir de (1.21), |d|1/2 ≥ (π/4)r2(nn/n!). Sendo π/4 < 1 e 2r2 < n concluımos que

|d| ≥ an, onde an = (π/4)n[n2n/(n!)2]. Pela formula do binomio, observamos que

a2 =π2

4e

an+1

an=π

4

(1 +

1

n

)2n

4(1 + 2 + termos positivos),

portanto an+1/an ≥ 3π/4. Logo, para n ≥ 2,

|d| ≥ π2

4

(3π

4

)n−2

.

Resumindo, temos a seguinte desigualdade

Corolario 1.41 Seja K um corpo numerico, n seu grau, e seja d seu discriminante.

Entao, para n ≥ 2,

|d| ≥ π

3

(3π

4

)n−1

e n/(log |d|) e majorado por uma constante independente de K.

A majoracao uniforme de n/(log |d|) segue tomando logarıtimos.

Teorema 1.42 (Hermite-Minkowski) Para qualquer corpo numerico K 6= Q, o dis-

criminante de K e 6= ±1.

Prova. Usando o corolario 1.41 vemos que |d| ≥ (π/3)(3π/4)n−1. Desde que π/3 > 1 e

3π/4 > 1, temos que |d| > 1. �

Estamos finalmente em condicoes de provar o principal teorema dessa secao.

Teorema 1.43 (Dirichlet) Para qualquer corpo numerico K o grupo de classe de ideais

e finito.

Prova. Pelo corolario 1.40 e suficiente mostrar que, para todo inteiro positivo q, o

conjunto de todos os ideais inteiros b de K que tem norma q e um conjunto finito. Para

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1.6 Finitude do grupo de classes 39

um tal ideal b temos ] (A/b) = q. Segue que q ∈ b, pois para qualquer grupo a ordem

de um elemento divide a ordem do grupo. Assim nossos ideais b estao entre aqueles que

contem Aq, e, pela formula (1.17) (ou pela finitude de A/Aq), so pode haver um numero

finito de tais ideais. �

Definicao 1.44 O numero de classes de ideais de um corpo numerico A e chamado o

numero de classe de K.

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Capıtulo 2Alguns conceitos elementares sobre formas

modulares

Seja SL2 o grupo das matrizes 2× 2 com determinante igual a 1, mais precisamente

SL2(R) denota os elementos de SL2 que tem entradas em um anel R. Aqui estamos

interessados no caso em que R e o anel Z dos inteiros racionais, isto e, SL2(Z), o qual e

chamado grupo modular.

Neste capıtulo, trataremos de algumas relacoes entre a geometria nao euclidiana e

a teoria dos numeros. O modelo da geometria nao euclidiana considerado aqui e o da

geometria hiperbolica do plano superior H, tambem conhecido como plano Poincare. O

conjunto H consiste de numeros complexos com suas partes imaginarias positivas (veja

definicao 2.7). Essa conexao comeca por meio do grupo SL2(R), seu subgrupo como

SL2(Z) e subgrupos de congruencia (veja secao 2.1).

O grupo SL2(R) e seus subgrupos agem sobre o conjunto H e preservam a estrutura

de geometria hiperbolica desse conjunto. Apos um estudo basico dessa estrutura, a-

presentaremos o conjunto M2k das formas modulares (veja definicao 2.15). O fato de a

matriz

(1 1

0 1

)ser um elemento de SL2(Z) implica a evidencia de as formas modulares

serem periodicas de perıodo 1. Portanto, elas tem expansoes de Fourier, bem como uma

conexao com a teoria dos numeros, pois os coeficientes dessas expansoes sao ricos em

informacoes aritmeticas.

Outro campo em que existem relacoes fundamentais entre formas modulares e teoria

dos numeros e a area de estudos algebricos do espaco vetorial M2k, pois esses sao espacos

vetorias complexos de dimensoes finitas, onde estao definidos os operadores de Hecke,

40

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2.1 Subgrupos de congruencia 41

que embora nao tratados aqui, aparecem como uma ferramenta poderosa no estudo das

formas modulares e das formas automorfas.

2.1 Subgrupos de congruencia

Seja M2(Z) o anel das matrizes 2× 2 com entradas em Z, e N um inteiro positivo.

Definicao 2.1 Duas matrizes A =

(a1 a2

a3 a4

), B =

(b1 b2

b3 b4

)∈ M2(Z) sao ditas

congruentes modulo N quando ai ≡ bi ( mod N), para todo i = 1, . . . , 4.

Segue do fato de que a relacao de congruencia nos inteiros e uma relacao de equivalencia,

que a relacao de congruencia entre matrizes tambem e uma relacao de equivalencia.

Seja Z/NZ o anel das classes de resıduos modulo N. Seja λ : Z → Z/NZ o homo-

morfismo canonico. Podemos estender essa aplicacao e definir

λN : SL2(Z) −→ SL2(Z/NZ)(a b

c d

)7−→

(a b

c d

),

onde SL2(Z/NZ) sao as matrizes 2 × 2 com entradas em Z/NZ e determinante 1 (1).

Esse conjunto com a multiplicacao de classes forma um grupo.

Lema 2.2 λN e um homomorfismo de grupos.

Prova. Sejam A =

(a1 a2

a3 a4

), B =

(b1 b2

b3 b4

)∈ SL2(Z). Entao,

AB =

(a1b1 + a2b3 a1b2 + a2b4

a3b1 + a4b3 a3b2 + a4b4

).

A definicao de λN nos mostra que

λN =

(a1b1 + a2b3 a1b2 + a2b4

a3b1 + a4b3 a3b2 + a4b4

)

=

(a1b1 + a2b3 a1b2 + a2b4

a3b1 + a4b3 a3b2 + a4b4

)= λN(A)λN(B). �

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2.1 Subgrupos de congruencia 42

Definicao 2.3 O nucleo do homomorfismo λN e o subgrupo de congruencia principal

de nıvel N de SL2(Z).

Por meio dessa definicao podemos escrerver

Γ(N) = Ker (λN) = {γ ∈ SL2(Z) | λN(γ) = I}

= {γ ∈ SL2(Z) | a ≡ d ≡ 1 ( mod N), c ≡ b ≡ 0 ( mod N)},

onde γ =

(a b

c d

)∈ SL2(Z), e I e a matriz identidade em SL2(Z/NZ).

Um subgrupo de congruencia (de nıvel N) e um subgrupo de SL2(Z) que contem o

subgrupo de congruencia principal de SL2(Z).

Exemplos.

1. Seja Γ0(N) o subgrupo de Hecke definido por

Γ0(N) =

{(a b

c d

)∈ SL2(Z) | c ≡ 0 ( mod N)

}.

E claro que Γ(N) ⊂ Γ0(N) qualquer que seja o inteiro N. Portanto, Γ0(N) e um

subgrupo de congruencia de SL2(Z). ♦

2. Γ1(N) =

{(a b

c d

)∈ SL2(Z) | a ≡ d ≡ 1 ( mod N), c ≡ 0 ( mod N)

}e um sub-

grupo de congruencia de SL2(Z). ♦

2.1.1 O calculo do ındice

Vamos aqui calcular o ındice [Γ0(N) : Γ1(N)] baseado nos lemas a seguir, os quais

sao bastantes simples e por isso provaremos apenas o primeiro.

Lema 2.4 Γ0(N) e Γ1(N) sao subgrupos de SL2(Z).

Prova. Sejam α e β dois elementos de Γ0(N). E claro que det(α ·β) = det(α) ·det(β) =

1 · 1 = 1, isto e, αβ pertence a SL2(Z). Agora sendo α =

(a b

c d

)e β =

(e f

g h

)

temos α · β =

(ae+ bg af + bh

ce+ dg cf + dh

). Naturalmete, c ≡ 0 ( mod N) e tambem g ≡

0 ( mod N) nos da (ce+ cg) ≡ 0 ( mod N). Logo αβ ∈ Γ0(N). Finalmente, e claro que

α−1 =

(d −b−c a

)∈ Γ0(N). O caso Γ1(N) e analogo. �

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2.2 A acao de SL2(Z) sobre H 43

Lema 2.5 Γ1(N) e um subgrupo normal de Γ0(N).

Lema 2.6 Γ0(N)/Γ1(N) e isomorfo a (Z/NZ)∗.

Daı podemos concluir que

[Γ0(N) : Γ1(N)] = |Γ0(N)/Γ1(N)| = |(Z/NZ)∗| = ϕ(N),

onde ϕ e a funcao de Euler. Logo,

[Γ0(N) : Γ1(N)] = N∏p|N

(1 + p−1),

onde o produtorio e calculado sobre os primos p que dividem o inteiro N.

2.2 A acao de SL2(Z) sobre H

Nesta secao, estudaremos o plano superior H e a acao dos subgrupos de SL2(Z)

sobre ele. O plano superior e um modelo da geometria nao euclidiana conhecida como

geometria hiperbolica. O grupo SL2(Z) age sobre H, e isso nos permite estudar (por

meio da geometria de H) as formas modulares.

Teoricamente, uma maneira geral de estudar um grupo e por meio de suas acoes

e representacoes em um espaco. Reciprocamente, para estudar um espaco, podemos

investigar seu grupo de automorfismo. Essa e uma parte da filosofia geral por detras da

teoria das formas modulares.

Definicao 2.7 O conjunto H := {z ∈ C | Im(z) > 0} e chamado plano superior.

O grupo SL2(Z) e seus subgrupos agem sobre H da seguinte forma:

se g =

(a b

c d

)∈ SL2(Z) e z ∈ H, definimos a acao de SL2(Z) sobre H por

g · z := g(z) =

(a b

c d

)· z =

az + b

cz + d(2.1)

Lema 2.8 (a) Para todo g ∈ SL2(Z), z ∈ H, cz + d 6= 0.

(b) Para todo g ∈ SL2(Z), z ∈ H, g · z ∈ H.

(c) Para todo z ∈ H, I · z = z.

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2.2 A acao de SL2(Z) sobre H 44

(d) Para todo g1, g2 ∈ SL2(Z), z ∈ H, (g1g2) · z = g1 · (g2 · z).

Prova. seja z = x + iy. Suponha que cz + d = 0, entao cx + d = 0, cy = 0. Se c 6= 0,

entao y = 0. Mas isso e um absurdo pois y = Im(z) > 0. Assim c = 0 e, portanto,

d = 0. Mas isso e novamente um absurdo, pois det(g) = ad− bc = 1 6= 0. Isso prova a

parte (a). Para a parte (b) basta mostrar que Im(g · z) > 0. Mas

Im(g · z) = Im

(az + b

cz + d

)= Im

(ac(x2 + y2) + adx+ bcx+ bd− (bc− ad)yi

(cx+ d)2 + (cy)2

)=

y

|cz + d|2> 0.

Dessa forma, g · z ∈ H. (c) e evidente e para (d) basta tomar g1 =

(a1 b1

c1 d1

),

g2 =

(a2 b2

c2 d2

)∈ SL2(Z) e fazer g1g2 =

(a1a2 + b1c2 a1b2 + b1d2

c1a2 + d1c2 c1b2 + d1d2

). Assim,

(g1g2) · z =(a1a2 + b1c2)z + a1b2 + b1d2

(c1a2 + d1c2)z + c1b2 + d1d2

=a1a2z + b1c2z + a1b2 + b1d2

c1a2z + d1c2z + c1b2 + d1d2

= g1 ·a2z + b2c2z + d2

= g1 · (g2 · z). �

Segue imediatamente do lema anterior o seguinte

Corolario 2.9 A formula (2.1) e bem definida e define a acao de SL2(Z) sobre H.

2.2.1 A compactacao de H

O espaco H e um espaco topologico com a topologia induzida de C. Se z ∈ H

as vizinhancas de z sao os discos abertos D(z, r) de centro z e raio r. O processo de

compactacao de H e o mesmo de C nos cursos de variavel complexa. Portanto, para a

compactacao de H, definimos o novo espaco H∗ = H ∪ R ∪ {∞} formado pela uniao de

H e sua fronteira R ∪ {∞}. No espaco H∗ definimos a seguinte topologia:

1. Se z ∈ H, as vizinhancas de z sao discos abertos com centro z contidos em H.

2. Se z ∈ R, as vizinhancas de z sao as unioes de {z} e os interiores de discos fechados

contidos em H e tangentes a z.

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2.2 A acao de SL2(Z) sobre H 45

3. As vizinhancas de ∞ sao conjuntos da forma

Vα = {z ∈ H | Im(z) > α}

e α ∈ R.

Uma das propriedades fundamentais de H∗ e que a acao de SL2(Z) sobre H pode ser

estendida ao espaco compactado H∗. De fato, se z ∈ R, a acao e a mesma da formula

(2.1). Quando z =∞, definimos a acao por

g · ∞ = limz→∞

az + b

cz + d,

(onde g =

(a b

c d

)e um elemento de SL2(Z)) no sentido de variavel complexa.

2.2.2 Pontos fixos

Por razoes geometricas e algebricas, e fundamental conhecer os pontos fixos da acao de

SL2(Z). Para um estudo elementar dos pontos fixos, primeiro observemos que qualaquer

subgrupo G ⊆ SL2(Z) age sobre H (e repectivamente H∗) da mesma forma que SL2(Z).

Definicao 2.10 Um ponto fixo de um subgrupo G ⊆ SL2(Z) e um ponto z ∈ H∗

(respectivamente H), tal que para algum g ∈ G, g 6= ±I (caso −I ∈ G) vale a igual-

dade

g · z = z.

Seja g =

(a b

c d

)∈ G ⊆ SL2(Z). Essa definicao mostra-nos que os pontos fixos de

G sao raızes da equacao (a b

c d

)· z = z.

E essa equacao nos leva a uma equacao do segundo grau

cz2 + (d− a)z − b = 0. (2.2)

O discriminante dessa equacao e ∆ = (d− a)2 − 4bc, que apos o uso de ad− bc = 1

pode ser escrito como ∆ = (a+ d)2− 4. Mas a+ d = tr (g), entao para estudar as raızes

da equacao (2.2), devemos considerar as seguintes possibilidades:

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2.2 A acao de SL2(Z) sobre H 46

1. tr2 (g)− 4 > 0,

2. tr2 (g)− 4 = 0,

3. tr2 (g)− 4 < 0.

E definimos:

Definicao 2.11 Seja g ∈ G. Dizemos que:

(1) g e hiperbolico ⇔ |tr (g)| > 2,

(2) g e parabolico ⇔ |tr (g)| = 2,

(3) g e elıptico ⇔ |tr (g)| < 2.

Seja G ⊆ SL2(Z) um subgrupo. Um ponto z ∈ H∗ e hiperbolico para G (respec.

parabolico, elıptico) quando existe um elemento g ∈ G e g 6= ± I hiperbolico (respec.

parabolico, elıptico), tal que z e seu ponto fixo.

Exemplos.

1. o elemento

(π −1

0 π−1

)∈ SL2(R) e hiperbolico.

2.

(1 b

0 1

)e um elemento parabolico de SL2(Z).

3. Se g ∈ SL2(Z) e |tr (g)| = 2, entao |tr (g2)| = 2. Suponha que g =

(a b

c d

)satisfaz a condicao tr (g) = ±2. Entao a + b = ±2. Mas tr (g2) = a2 + b2 + 2bc.

Usando o fato de que ad − bc = 1, temos que tr (g2) = tr2 (g) − 2. E isso mostra

que |tr (g2)| = 2. Como consequencia, temos que as potencias de um elemento

parabolico sao parabolicos.

4. Usando o exemplo acima, podemos imaginar que se g1 e g2 sao parabolicos, entao

o produto deles tambem o e. Mas isso nem sempre e verdade, pois os elementos

g1 =

(2 1

−1 0

)e g2 =

(1 1

0 1

)sao ambos parabolicos, e o produto tem traco

1, ou seja, e nao parabolico.

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2.2 A acao de SL2(Z) sobre H 47

Aqui o que mais nos interessa sao os pontos fixos de subgrupos de congruencia.

Comecando com o grupo SL2(Z), temos a seguinte proposicao.

Proposicao 2.12 (a) Qualquer ponto parabolico de SL2(Z) e um numero racional ou

∞.

(b) Se z e um ponto parabolico, para todo g ∈ SL2(R), g · z tambem o e.

(c) Todos os numeros racionais sao pontos parabolicos de SL2(Z).

Prova. (a) Seja z ∈ H∗ um ponto parabolico para SL2(Z). Entao, por definicao, existe

um elemento γ =

(a b

c d

)∈ SL2(Z), com γ 6= I, tal que γ(z) = z (z e ponto fixo de

SL2(Z)). Essa igualdade leva-nos a equacao quadratica com coeficientes inteiros:

cz2 + (d− a)z − b = 0.

Mas sendo γ um elemento parabolico, temos que tr (γ) = |a+ d| = 2. Daı, as raızes sao

racionais. O ∞ e o ponto fixo do elemento parabolico γ =

(1 1

0 1

). Para provar a

parte (b), basta achar um elemento parabolico δ ∈ SL2(Z), tal que δ(γ · z) = γ · z. Para

isso, seja α o elemento parabolico de SL2(Z) que fixa z. Ponha δ := γαγ−1. E claro que

δ e parabolico, pois tr (δ) = tr (α). Mas tambem

δ(γ · z) = γαγ−1(γ · z) = γα · z = γ · z.

Isso completa a prova da parte (b). Para a parte (c), seja r =m

n∈ Q com m.d.c. (m,n) =

1. Existem inteiros p e q tais que γ =

(m q

n p

)∈ SL2(Z) (de fato, m.d.c. (m,n) = 1

implica que existem x, y ∈ Z tais que mx+ ny = 1. Daı, mx− n(−y) = 1. Basta tomar

p = x e q = −y). Agora,

γ · ∞ = limz→∞

mz + q

nz + p=m

n.

Mas ∞ e um ponto parabolico para SL2(Z), segue entao da parte (b) que γ · ∞ =m

ne

um ponto parabolico para SL2(Z). �

2.2.3 O modelo do disco unitario

Apesar de H parecer uma regiao nao limitada de C, ele e uma regiao limitada! Mais

precisamente, dizemos que um conjunto R em C e uma regiao limitada quando ele pode

ser transformado num conjunto limitado. De forma exata definimos:

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2.3 Formas modulares 48

Definicao 2.13 Seja R ⊆ C um conjunto aberto e conexo (R e uma regiao). Dizemos

que R e limitado se existe um domınio limitado (contido num disco de raio finito) D ⊆ Ce uma funcao ϕ : R → D, tal que

(1) ϕ e bijetora;

(2) ϕ e holomorfa;

(3) ϕ−1 e holomorfa.

Lema 2.14 H e uma regiao limitada (domınio limitado) de C.

Prova. Seja D = {w ∈ C | |w| < 1} o disco unitario aberto em C. Seja c : H → D a

aplicacao que associa a cada z ∈ H o numero complexo w =z − iz + i

. E claro que dado

z ∈ H o fato de Im(z) > 0 implica c(z) ∈ D. Fazendo z = x+ iy, temos

c(z) =x+ iy − ix+ iy + i

=x+ (y − 1)i

x+ (y + 1)i

=x2 + y2 − 1− 2xi

x2 + (y + 1)2

=x2 + y2 − 1

x2 + (y + 1)2− 2x

x2 + (y + 1)2i.

Assim c(x, y) = u(x, y)+v(x, y)i, onde u(x, y) =x2 + y2 − 1

x2 + (y + 1)2e v(x, y) = − 2x

x2 + (y + 1)2.

Agora utilizando as equacoes de Cauchy-Riemman podemos observar que c e uma funcao

holomorfa em H. Observemos ainda que c−1(w) =(w + 1)i

1− we a inversa de c, a qual pode-

mos mostrar ser tambem holomorfa de forma analoga ao que fizemos anteriormente.

Portanto, H e limitado. �

2.3 Formas modulares

Nesta secao introduziremos o conceito preciso de formas modulares e estudaremos

alguns de seus aspectos classicos.

2.3.1 Formas modulares de valor par

As formas modulares aparecem de maneira natural em varios contextos da matematica,

tais como variavel complexa e teoria dos numeros.

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2.3 Formas modulares 49

Definicao 2.15 Seja k um inteiro positivo. Uma forma modular de valor 2k para

SL2(Z) e uma funcao holomorfa f : H ∪ {∞} → C satisfazendo a condicao:

f

(az + b

cz + d

)= (cz + d)2kf(z), z ∈ H e

(a b

c d

)∈ SL2(Z) (2.3)

O numero 2k e chamado valor da forma f . Quando f

(az + b

cz + d

)= f(z), dizemos que

f e uma forma modular de valor zero ou uma forma automorfa.

Exemplo 2.16 Seja z ∈ H e k um inteiro maior ou igual a 1. Considere a soma infinita

G2k =1

2

∑(m,n)6=(0,0)

(mz + n)−2k,

onde a soma percorre os inteiros m, n que nao sao zero ao mesmo tempo.

Vejamos algumas propriedades dessa serie.

(1) G2k

(az + b

cz + d

)= (cz + d)2kG2k(z) para todo

(a b

c d

)∈ SL2(Z).

Para verificar isso, fazemos os seguintes calculos:

G2k

(az + b

cz + d

)=

1

2

∑(m,n)6=(0,0)

(maz + b

cz + d+ n

)−2k

=1

2

∑(m,n)6=(0,0)

(maz +mb+ ncz + nd

cz + d

)−2k

=1

2

∑(m,n)6=(0,0)

1

(cz + d)−2k((ma+ nc)z + (mb+ nd))−2k

=1

2(cz + d)2k

∑(m,n) 6=(0,0)

((ma+ nc)z + (mb+ nd))−2k.

Vamos mostrar que (ma + nc,mb + nd) 6= (0, 0). Suponha o contrario, que essa

desigualdade nao e verdadeira. Entao temos o seguinte sistema de equacoes{ma+ nc = 0

mb+ nd = 0.

Mas det

(a b

c d

)6= 0, portanto o sistema tem as solucoes m = 0, n = 0. Isso e uma

contradicao a nossa suposicao.

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2.3 Formas modulares 50

(2) G2k(z) e uma funcao analıtica em H.

Para provar isso, vamos provar que G2k e uma funcao analıtica no plano C. Provare-

mos que G2k e absoluta e uniformemente convergente em todos os conjuntos compactos

do plano (inclusive no ∞)1. Agora, seja z ∈ C e

Lz := {mz + n | m,n ∈ Z}.

E claro que Lz e um reticulado em C gerado por {1, z}. Seja r um inteiro positivo e πr

o paralelogramo

πr := {±rz + n;nz ± r | −r ≤ n ≤ r}.

Esse paralelogramo tem 8 vertices (ou seja, πr tem 8 pontos de reticulados em seu

perımetro). Suponha que h e a distancia mınima de π1 ate a origem. Portanto, rh e

distancia mınima de πr ate a origem. Logo podemos concluir que

|mz + n| ≥ rh, se mz + n ∈ πr.

Implicando ∑(m,n)∈πr

1

|mz + n|2k≤ 8r

(hr)2k= 8h−2k 1

r2k−1

e

∞∑r=1

∑(m,n)∈πr

1

|mz + n|2k=

∞∑r=1

∑(m,n)∈πr

1

|mz + n|2k

≤ 8h−2k

∞∑r=1

1

r2k−1<∞.

Esse e o resultado desejado. ♦

Definicao 2.17 Seja z ∈ H. A serie G2k(z) e chamada serie de Eisenstein generaliza-

da.

Portanto a serie de Eisenstein generalizada e uma forma modular de valor 2k para

SL2(Z).

Denotamos por M2k o conjunto ds formas modulares de valor 2k e por M0 o conjunto

das formas modulares de valor zero para o grupo SL2(Z).

1Veja, por exemplo, [29] para verificar por que isso implica que a funcao G2k e analıtica em H e em

H ∪ {∞}

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2.3 Formas modulares 51

Teorema 2.18 M2k e um espaco vetorial complexo.

Prova. Sejam f e g duas formas modulares de valor 2k para SL2(Z). E claro que

(f + g)(z) := f(z) + g(z) e uma funcao holomorfa que satisfaz (2.3). Assim, f + g e

uma forma modular de valor 2k. Tambem e facil ver que a funcao (αf)(z) := αf(z)

para todo α ∈ C e uma forma modular de valor 2k. Portanto, M2k e um espaco vetorial

sobre o corpo dos numeros complexos. �

Usando g =

(1 1

0 1

)em (2.3), temos que f(z + 1) = f(z). Isso nos diz que f e

periodica de perıodo 1. Assim tal funcao pode ser escrita como uma soma infinita que

envolve as funcoes trigonometricas sen e cos . Mais precisamente, f pode ser escrita

como a serie infinita (expansao de Laurent)

f(z) =+∞∑

n=−∞

a(n)e2πinz

com coeficientes a(n).

Como podemos ver, o teorema 2.18 nao mostra se a dimensao do espaco vetorial M2k

e finita ou infinita, o que e importante para entender esse espaco o melhor possıvel. Um

dos objetivos fundamentais da teoria das formas modulares e investigar e descobrir as

propriedades do espaco vetorial M2k. O exemplo 2.16 e importante no seguinte sentido:

usando um pouco de variavel complexa, pode-se estudar aspectos algebricos e aritmeticos

do espaco M2k e classificar esse espaco por meio das series generalizadas de Eisenstein.

A tıtulo de informacao temos que o espaco vetorial M2k e de dimensao finita. Mais

precisamente temos o seguinte

Teorema 2.19 Sao verdadeiras as expressoes:

(1) M0 = C;

(2) M2 = {0};

(3) M2k = C ·G2k, para k = 2, 3, 4, 5;

(4) M2k+12 = C⊕M2k, k ≥ 6;

(5) A dimensao do espaco vetorial complexo M2k e:

dimC(M2k) =

{[k/6] , se k ≡ 1 ( mod 6),

[k/6] + 1, se k 6≡ 1 ( mod 6).

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2.3 Formas modulares 52

Lembrando que [x] denota a parte inteira de x, isto e, o maior inteiro n tal que n ≤ x.

A prova desse teorema foge do escopo do nosso trabalho. O leitor interessado pode

encontra-la em Serre [25], Shimura [26] ou ainda Shokranian [28]. Um pouco mais

adiante, os autores apresentam ainda uma base para o espaco M2k fazendo novamente

uso das series generalizadas de Eisenstein.

2.3.2 A expansao de Fourier

Uma boa maneira de estudar as funcoes complexas e, naturalmente, as formas mo-

dulares e por meio de seus coeficientes na expansao de Laurent. Para formas modulares,

existe uma expansao mais usada nos estudos de teoria de formas modulares e, em geral,

na teoria de formas automorficas, conhecida como a expansao de Fourier. Essa expansao

e baseada no fato de que as formas modulares sao periodicas. Por exemplo, ja sabemos

que se f ∈ M2k tem-se que

f(u · z) = f(z + 1) = f(z),

onde u =

(1 1

0 1

)∈ SL2(Z). E claro que essa igualdade mostra que f e periodica

de perıodo 1. E esse fato e consequencia direta da exsitencia do elemento u no grupo

SL2(Z). A expansao Laurent de f no ponto parabolico∞ (como representante de todos

os pontos parabolicos de SL2(Z)) e a expansao de Fourier (ou a q-expansao) de f . Para

obter essa expansao no∞, definimos uma funcao adequada no disco unitario (o modelo

limitado de H) e identificamos o ∞ com o ponto (0, 0) do disco. Mais precisamente,

considere a funcao f definida no disco sem centro D− {(0, 0)} por

f(z) = f(e2πiz).

Observe que quando z → ∞, e2πiz → 0, pois |e2πiz| → 0 ficara obvio que a funcao

f(e2πiz) tambem sera periodica com perıodo 1, e entao, no ponto 0, ela tera a seguinte

expansao de Laurent

f(e2πiz) =∞∑n=0

c(n)e2πinz. (2.4)

Geralmente, colocamos q = e2πiz, e a expansao acima tambem pode ser escrita como:

f(z) = f(q) =∞∑n=0

c(n)qn. (2.5)

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2.3 Formas modulares 53

Uma formula modular de valor 2k e, portanto dada, por uma serie

f(z) =∞∑n=0

c(n)qn =∞∑n=0

c(n)e2πinz,

a qual converge para |q| < 1, isto e, para Im (z) > 0. Mais precisamente temos a seguinte

Definicao 2.20 A expansao (2.4) (respec. (2.5)) de f no ponto 0 e chamada de serie

de Fourier (respec. q-expansao) de f no ponto parabolico ∞.

2.3.3 Formas modulares com caracter - o espaco Mk(Γ, χ)

Para definir e estudar formas modulares para subgrupos de congruencia, e necessario

saber um pouco sobre os caracteres de grupos abelianos.

Considere o grupo finito abeliano (Z/rZ)∗, onde r e um inteiro positivo.

Definicao 2.21 Um caracter do grupo abeliano finito (Z/rZ)∗ e um homomorfismo

χ : (Z/rZ)∗ → C∗.

Definicao 2.22 Um caracter χ e chamado primitivo modulo r se nao existirem outros

caracteres χ′ do grupo (Z/sZ)∗, onde s | r, tal que χ′(x) = χ(x) para todo x tal que

m.d.c (x, r) = 1.

Quando essa condicao e satisfeita, r e chamado condutor de χ.

Agora queremos estender essa nocao de caracter de um grupo abeliano finito para o

grupo infinito dos inteiros.

Definicao 2.23 O caracter de dirichlet de Z e definido por

χ(c) =

{χ(c), se m.d.c.(c, r) = 1,

0, se m.d.c.(c, r) 6= 1

onde a barra significa a congruencia modulo r.

Em outras palavras, o caracter de Dirichilet de Z para todos os inteiros relativamente

primos com r assume o valor do caracter (Z/rZ)∗, e se um numero nao e relativamente

primo com r, o valor do caracter de Dirichlet sera zero para esse numero.

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2.3 Formas modulares 54

Para termos uma ideia de como deveria ser a definicao de formas modulares para

subgrupos de congruencia, consideremos a funcao theta de Jacobi, que tem a seguinte

expansao de Fourier:

ΘJ(z) =∑n∈Z

eπizn2

.

Essa funcao nao e de perıodo 1, pois ΘJ(z+1) 6= ΘJ(z). Em outras palavras, essa funcao

nao e invariante pela acao do grupo SL2(Z), pois nao e invariante pela matriz

(1 1

0 1

)de SL2(Z). Portanto, a funcao theta de Jacobi nao pode ser uma forma modular para o

grupo SL2(Z). Mas uma observacao cuidadosa leva-nos a deduzir que

ΘJ(z + 2) = ΘJ(z).

Entao, e possıvel que ΘJ(z) seja uma forma modular para o grupo de congruencia Γ(2)

(que na verdade e). Como outro exemplo considere a funcao theta

Θ(z) =∑n∈Z

qn2

=∑n∈Z

e2πizn2

.

Nesse caso, Θ(z+ 1) = Θ(z), mas Θ

(−1

z

)6= z2kΘ(z). Entao, funcao theta nao obedece

a equacao funcional das formas modulares para o elemento

(0 1

−1 0

)de SL2(Z). Mas

Θ

(− 1

4z

)=

(2z

i

) 12

Θ(z).

E possıvel provar que essa igualdade e a equacao funcional para o grupo Γ0(4).

Apresentamos a seguir a definicao de formas modulares para grupos de congruencia.

Para um inteiro positivo k e um subgrupo de congruencia Γ de SL2(Z), definiremos o

espaco Mk(Γ, χ) das funcoes holomorfas sobre H. O espaco Mk(Γ, χ) consiste de funcoes

holomorfas sobre H, que satisfazem as seguintes condicoes:

(1) f e holomorfa no ∞ e em todos os pontos parabolicos de Γ,

(2) para um elemento γ =

(a b

c d

)∈ Γ, f tem de satisfazer a equacao funcional

f

(az + b

cz + d

)= χ(d)(cz + d)kf(z),

onde χ : (Z/rZ)∗ → C∗ e um caracter de Dirichlet de certo condutor r, a ser

determinado dependendo do grupo γ.

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2.3 Formas modulares 55

Por exemplo, se Γ = Γ0(N), entao r = N, pois m.d.c. (d,N) = 1. Em particular,

observe que χ(d) e realmente um caracter de (Z/NZ)∗.

Definicao 2.24 O espaco Mk(Γ, χ) e chamado de espaco das formas modulares com

caracter de Dirichlet χ relativo ao grupo Γ.

As formas modulares e principalmente as formas automorficas tratam-se de uma

parte bastante extensa, complicada e frutıfera da matematica. Muitos e conceituados

matematicos vem publicando constantemente um arsenal enorme de artigos de pesquisa

em revistas e periodicos de renome internacional.

Nos limitaremos aqui a essas breves nocoes, porem indicamos aos leitores interessados

no assunto que consultem as obras classicas de Serre [25] e Shimura [26].

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Capıtulo 3Famılias de corpos quadraticos

Chegamos agora ao apice desta monografia. Trataremos neste capıtulo dos resultados

obtidos por Iwao Kimura em 2003 publicados em [16]. As formas modulares discutidas

no capıtulo anterior sao de fundamental importancia aqui e e atraves delas que chegamos

ao teorema de Sturm, teorema 3.1, na secao 3.1. Apos rapidas preliminares, na secao

3.2 demostramos os resultados principais desse trabalho.

3.1 Preliminares

Seja k = Q(√d) um corpo quadratico de discriminante d. Denotamos por (d/p),

p ∈ Z um primo racional, o sımbolo de Legendre-Kronecker definido por

(d

p

)=

+1, se p se decompoe em k;

0, se p se ramifica em k;

−1, se p e inerte em k.

A seguir z denotara um numero complexo cuja parte imaginaria e positiva. Agora,

para qualquer inteiro metade k ∈ 1

2Z e um numero natural N (se k /∈ Z assumimos que

4 | N), denotemos por Mk(N, χ) o espaco das formas modulares de valor k e caracter de

Dirichlet χ, com respeito a um subgrupo de congruencia Γ0(N) do grupo linear especial

SL2(Z).

Seja g(z) =∞∑n=0

a(n)qn, q = e2πiz, a q-expansao no infinito de g(z) ∈ Mk(N, χ).

Escrevemos g(z) ∈ Mk(N, χ)∩Q[[q]] (respec. g(z) ∈ Mk(N, χ)∩Z[[q]]) se os coeficientes

a(n) de g(z) sao numeros racionais (respec. inteiros racionais).

56

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3.1 Preliminares 57

Para formas modulares g(z) =∞∑n=0

a(n)qn, h(z) =∞∑n=0

b(n)qn ∈ Mk(N, χ) ∩ Z[[q]] e

qualquer inteiro racional m definimos g(z) ≡ h(z) ( mod m) se, e somente se, a(n) ≡b(n) ( mod m ) para todo n ≥ 0.

Seja g =∞∑n=0

a(n)qn ∈ Z[[q]] uma serie de potencias formais com coeficientes inteiros

racionais para uma indeterminada q. Definimos a ordem ord`(g) de g em um primo

racional ` por

ord`(g) := min{n ≥ 0; a(n) 6≡ 0 ( mod `)}

com a convencao de ord`(g) =∞, se ` | a(n) para todo n.

Precisamos do teorema de Sturm ([30]) sobre a congruencia de formas modulares.

Teorema 3.1 (Sturm) Se g(z) ∈ Mk(N, χ) possui coeficientes inteiros racionais e

ord`(g) > κ(N, k) =k

12[Γ0(1) : Γ0(N)] =

k

12N∏q |N

(1 + q−1),

entao g(z) ≡ 0 ( mod `), onde ` e um primo racional.

Ele prova esse fato quando k e um inteiro (uma prova detalhada pode ser encontrada

em Murty [20]), mas Kohnen-Ono [18] observam que e possıvel verificar que o mesmo

tambem ocorre quando k e um inteiro metade.

Seja p um primo racional qualquer. Definimos duas aplicacoes lineares Up e Vp

de Mk(N, χ) em Mk(pN, χ(p/·)) de modo usual. Para qualquer g(z) =∞∑n=0

a(n)qn ∈

Mk(N, χ), ponha

(Upg)(z) =∞∑n=0

a(pn)qn, (Vpg)(z) =∞∑n=0

a(n)qpn.

Uma forma quadratica binaria f e uma funcao f(x, y) = ax2 + bxy + cy2 onde os

coeficientes a, b e c sao inteiros racionais, a qual e denotada mais abreviadamente por

(a, b, c). Dizemos que a forma f e primitiva se m.d.c.(a, b, c) = 1. Dizemos ainda que

f e positiva definida se a > 0. Se f e g sao duas formas quadraticas, dizemos que

f e g sao equivalentes se existir uma matriz

(α β

γ δ

)∈ SL2(Z), tal que g(x, y) =

f(αx+ βy, γx+ δy).

Definicao 3.2 Seja n um inteiro nao negativo. O numero de classe se Hurwitz H(n) e

definido como segue.

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3.2 Resultados e provas 58

1. H(n) = 0 se n ≡ 1 ou 2 ( mod 4).

2. H(n) = −1/12 se n = 0.

3. caso contrario (isto e, n ≡ 0 ou 3 ( mod 4) e n > 0) definimos H(n) como o

numero de classes de formas quadraticas de discriminante −n (positivas definidas)

nao necessariamente primitivas, exceto que formas equivalentes a a(x2 + y2) serao

contadas com coeficiente 1/2, e aquelas equivalentes a a(x2 + xy + y2) com coefi-

ciente 1/3.

Consultando a secao 3 do capıtulo 5 de Cohen [6] chegamos a seguinte relacao entre

o numero de classe usual e o numero de classe de Hurwitz que definimos anteriormente.

Teorema 3.3 Se −n = Df 2 onde D e um discriminante fundamental negativo, entao

H(n) =h(D)

ω(D)

∑d | f

µ(d)

(D

d

)σ1

(f

d

). (3.1)

Aqui h(D) e o numero de classes de Q(√

D), ω(D) e a metade do numero de raizes

da unidade em Q(√

D), µ(·) e a funcao de Mobius definida por µ(d) = (−1)s se d e o

produto de s primos distintos (incluindo s = 0), e µ(d) = 0 caso contrario, (·/·) e o

sımbolo de Legendre-Kronecker, e σ1(·) e a soma dos divisores positivos.

Sejam c, d ∈ Z com d ≥ 1. Suponha que −c e um nao-resıduo quadratico modulo d

(isto e, que a equacao x2 ≡ −c ( mod d) nao possui solucao). Entao definimos a funcao

Hc,d(z) por

Hc,d(z) =∑

n≡c ( mod d)

H(n)qn (q = e2πiz).

De acordo com o corolario 3.4 de Cohen [7] sabemos que Hc,d(z) ∈ M3/2(A) onde

A = 4d2. Ademais, A pode ser tomado como d2, se d e par.

3.2 Resultados e provas

Estamos agora em condicoes de demonstrar nosso teorema principal, juntamente com

seu corolario que, na verdade, e o resultado central desse trabalho.

Teorema 3.4 Seja ` > 3 um primo ımpar. Sejam S0, S+, S− conjuntos finitos mutu-

amente disjuntos de primos racionais. Tome um inteiro b > 0 que satisfaz as seguintes

condicoes:

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3.2 Resultados e provas 59

(a) −b e um discriminante fundamental;

(b) ` - h(Q(√−b));

(c) (−b/q) = 0, 1,−1 de acordo com q ∈ S0, S+, S− respectivamente (onde (·/·) e o

sımbolo de Legendre-Kronecker);

Ponha P = 4∏q∈S

q, onde S = S0 ∪ S+ ∪ S−. Para qualquer primo p que satisfaz p2 ≡

1 ( mod P ) e (−b/p) 6≡ p ( mod `), seja κ =1

2pP2

∏q | pP

(1 + q−1). Existe um numero

natural mp < κ que satisfaz as seguintes condicoes:

(i) O numero de classe do corpo quadratico imaginario Q(√−mp) e nao divisıvel por

`;

(ii) todo primo q ∈ S0, S+, S− se ramifica, se decompoe, e inerte, em Q(√−mp),

respectivamente.

K. Honrie [12] mostra a existencia de um tal discriminante fundamental para um

primo ` suficientemente grande. Podemos, dados `, S0, S+, S−, determminar um dis-

criminante fundamental −b que satisfaz as condicoes afirmadas no teorema por um

calculo numerico em muitos casos. Por exemplo, no caso ` = 5, S0 = {11}; −b = −11

satisfaz. Antes da demonstracao desse resultado, precisamos do lema a seguir.

Definimos f(z) = 6Hb,P(z). Claramente os coeficientes de f(z) sao inteiros raionais

pois 0 6≡ c ( mod d), ou seja, H(0) = −1/12 nao aparece em f(z).

Lema 3.5 Seja p um primo racional satisfazendo p2 ≡ 1( mod P), p 6≡ (−b/p) ( mod ` ).

Entao (Upf)(z) 6≡ (Vpf)(z) ( mod `).

Prova. Ja sabemos queHb,P(z) ∈ M3/2(4P2). Desde que M3/2(4P2) e um espaco vetorial

complexo temos que f(z) = 6Hb,P(z) ∈ M3/2(4P2). Agora segue da definicao de Up e Vp

que

(Upf)(z) = 6∑

pn≡b ( mod P)

H(pn)qn ∈ M3/2(4P2p),

(Vpf)(z) = 6∑

n≡b ( mod P)

H(n)qpn ∈ M3/2(4P2p).

Pois nesse caso, χ e o caracter trivial. Os bp-esimos coeficientes de (Upf)(z) e (Vpf)(z)

sao respectivamente H(bp2) = (1 + p− (−b/p))H(b) e H(bp

p) = H(b). Note que H(bp2)

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3.2 Resultados e provas 60

aparece em (Upf)(z) pois bp2 ≡ b ( mod P ). Por hipotese p 6≡ (−b/p) ( mod `), ou seja,

p− (−b/p) 6≡ 0 ( mod `), logo os dois coeficientes acima nao podem ser congruentes

modulo `. �

Prova do teorema 3.4. Pelo lema acima e pelo teorema de Sturm, existe um numero

natural np com

np < κ(4P2p, 3/2) =3

2· 1

12· 4P2p

∏q | 4P2p

(1 + q−1)

=1

2P2p

∏q | pP

(1 + q−1);

(note que q | 4P2p = 4PPp implica que q | pP ja que q | 4P implicaria 4P multiplo de q e

daı P multiplo de 1/4, o que certamente nao ocorre) tal que o np-esimo coeficiente de

(Upf)(z)− (Vpf)(z) e nao congruente a 0 modulo `, isto e,

H(pnp) 6≡ H

(npp

)( mod `).

Se p - np, interpretamos que o np-esimo coeficiente H(np/p) de (Vpf)(z) e 0 (pois nesse

caso H(np/p) nao esta definido). Assim

H(pnp) 6≡ 0 ( mod `).

Desde que pnp ≡ b ( mod P), vemos tambem que(−pnpq

)=

(−bq

)= 0, 1,−1 se q ∈ S0, S+, S−

respectivamente.

Por outro lado, se p | np, isto e, np = pn′p para algum numero natural n′p, entao

H(pnp) = H(p2n′p) =

(1 + p−

(−n′pp

))H(n′p) 6≡ H(n′p) ( mod `).

Como H(pnp) e multiplo de H(n′p) temos necessariamente que H(n′p) 6≡ 0 ( mod `),

caso contrario H(pnp) seria multiplo de ` e, consequentemente, a diferenca H(pnp) −H(n′p) tambem seria multiplo de ` e chegarıamos a um absurdo. Alem disso, temos

n′p = pnp/p2 ≡ pnp ( mod P) pois p2 ≡ 1 ( mod P). Isso nos diz que(−n′p

q

)=

(−pnpq

)=

(−bq

)= 0, 1,−1 se q ∈ S0, S+, S−

respectivamente. Tomando mp = pnp ou n′p conforme p - np ou p | np e usando a formula

(3.1), temos o resultado. �

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3.2 Resultados e provas 61

Corolario 3.6 (do teorema 3.4) Com as mesmas hipoteses do teorema 3.4, sejam `

um primo suficientemente grande e ε > 0 um numero real arbitrario. Entao, para X > 0

suficientemente grande, temos

]{k ∈ Q−(X); ` - h(k) e (ii) vale em k } �`,ε,P

√X

log X

(a constante depende das variaveis no subscrito).

Prova. Primeiramente observemos que as condicoes sobre p indicadas no teorema sao

equivalentes a condicao que p pertence a alguma progressao aritmetica modulo P. Com

efeito, podemos considerar a progressao 1 + sP, s ∈ Z. Dado p1 = 1 + s1P temos que

P | p1 − 1⇒ P | (p1 − 1)(p1 + 1)⇒ P | (p12 − 1)⇒ p2

1 ≡ 1 ( mod P).

Sejam p1 < p2 < p3 · · · os primos contidos em uma dessas progressoes, tomados em

ordem crescente. Pelo teorema 3.4, podemos concluir que de cada tres primos pi < pj <

pk, pelo menos dois dos discriminantes Di,Dj,Dk dos corpos quadraticos imaginarios

Q(√−mpi

),Q(√−mpj

),Q(√−mpk

) sao distintos.

Agora seja t a quantidades de primos em S. Defina X = 2t−1P2pi2 e denote por

ΠP(X) a cardinalidade do conjunto

{p ∈ Z primo | p < X e p esta em P.A. modulo P}.

Sabemos que

ΠP(X) =1

ϕ(P)· X

log X.

Assim,

ΠP(X)

2=

1

2· 1

ϕ(P)· X

log X⇒ ΠP(X)

2=

1

2· 1

ϕ(4q1 · · · qt)· 2t−1P2pi

2

log X

=1

2· 1

2(q1 − 1) · · · (qt − 1)· 2t−142q1

2 · · · qt2pi2

log X

>2t−142q1

2 · · · qt2pi2

log X>

√2t−142q12 · · · qt2pi2

log X

=

√2t−14q1 · · · qtpi

log X=

√X

log X.

Por outro lado, sabemos tambem que para cada um desses primos pi, temos

Di ≥ −piκ(4P2pi,3

2) = −pi ·

1

2· P2pi

∏q|piP

(1 + q−1) > −1

2P2p2

i 2t = −2t−1P2p2

i = −X

e, portanto, o corolario esta provado. �

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Referencias Bibliograficas

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62

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