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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS PROFLETRAS CURRAIS NOVOS A ORALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM LIVROS DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA): REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES Francisca Fabiana da Silva CURRAIS NOVOS - RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS

CURRAIS NOVOS

A ORALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM LIVROS

DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA):

REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES

Francisca Fabiana da Silva

CURRAIS NOVOS - RN

2015

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FRANCISCA FABIANA DA SILVA

A ORALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM LIVROS

DIDÁTICOS PARA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA):

REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS (Currais Novos) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras. Área de concentração - Linguagem e Letramento. Linha de pesquisa - Teorias da Linguagem e Ensino. Orientadora: Profa. Dra. Marise Adriana Mamede Galvão.

CURRAIS NOVOS - RN

2015

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FRANCISCA FABIANA DA SILVA

A ORALIDADE NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM LIVROS

DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO PARA JOVENS E ADULTOS (EJA):

REFLEXÕES E PROPOSIÇÕES

Dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS (Currais Novos) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção do grau de Mestre em Letras. Área de concentração - Linguagem e Letramento. Linha de pesquisa - Teorias da Linguagem e Ensino. Orientadora: Profa. Dra. Marise Adriana Mamede Galvão.

APROVADA EM ___/___/2015.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________

Profa. Dra. Marise Adriana Mamede Galvão

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(Presidente)

______________________________________

Profa. Dra. Josilete Alves Moreira de Azevedo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(Examinadora Interna)

______________________________________

Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz

Universidade Estadual Rio Grande do Norte

(examinadora externa)

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À minha mãe, Josefa;

Às minhas irmãs, Aldejane e Dayany,

À minha sobrinha, Paloma Carolyne;

Ao meu noivo, José Carlos, com amor.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida;

À minha mãe, Josefa, pela vida dedicada à criação das filhas;

Aos meus avós, Alcira e José, pelo exemplo de sabedoria e vida digna;

As minhas irmãs, Aldejane e Dayany, pelo carinho e atenção;

Á minha sobrinha, Paloma Carolyne, pelas alegrias proporcionadas;

Ao meu noivo, José Carlos, pelo apoio em todas as horas;

À minha orientadora, Professora Dra. Marise Adriana Mamede, pelo esforço,

dedicação e confiança com que conduziu essa pesquisa;

Ao presidente da Cáritas Diocesana de Caicó, Pe. Neto, pelo incentivo e

compreensão nos momentos de ausência;

Aos colegas do PROFLETRAS pela amizade e aprendizados construídos;

À equipe de professores do PROFLETRAS pelos saberes partilhados durante

o curso;

A Secretaria do Estado do RN pela licença concedida;

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do

Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), que viabilizou esta

oportunidade.

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O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito para outro (FREIRE, 2014b, p.109).

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RESUMO

O presente trabalho configura-se como uma reflexão acerca da modalidade oral da língua no ensino de Língua Portuguesa, a partir de livros didáticos propostos para o ensino fundamental. Temos como objetivo geral analisar os livros didáticos destinados à Educação de Jovens e Adultos – EJA (6º e do 7º ano), da coleção ―É tempo de aprender‖, especificamente no que se refere às atividades pedagógicas com foco na oralidade contidas nas unidades constitutivas. Trata-se de uma reflexão com vistas à apresentação de sugestões resultantes da discussão realizada, haja vista a constatação de que a modalidade escrita tem sido apontada por alguns estudiosos, entre estes Marcuschi (2005), como a mais privilegiada em sala de aula e na maioria dos manuais que orientam o ensino de Língua Portuguesa. Neste trabalho, parte-se de uma visão mais ampla dos princípios da pedagogia dialógica do educador Paulo Freire, na direção de práticas pedagógicas que favorecem o desenvolvimento de competências linguístico-discursivas do aluno. Nesse sentido, ressalta-se a formação de um sujeito crítico, que saiba argumentar e defender pontos de vista, usando a língua oral ou escrita, nas diversas situações sociais. Para tanto, estabeleceram-se como objetivos identificar, descrever e interpretar as atividades propostas com a modalidade oral da Língua Portuguesa, a partir de bases teóricas interacionais subsidiadas em autores como Marcuschi (2005, 2010), Fávero, Andrade e Aquino (1999), Schneuwly e Dolz (2004), Antunes (2009), entre outros. Além disso, objetivou-se sugerir outras atividades pedagógicas, como forma de ampliação das já existentes, a fim de que contemplassem de forma mais eficiente, aspectos da oralidade já propostos e aspectos de gêneros orais formais. Metodologicamente, configura-se como uma pesquisa qualitativa, na qual, a partir de livros didáticos utilizados em sala de aula, fez-se uma investigação acerca do tratamento da oralidade no ensino da Língua Portuguesa, propondo-se uma ampliação de atividades com a modalidade oral. Os resultados de análises revelaram que as obras investigadas, usadas nas aulas de Língua Portuguesa na EJA contemplam em suas propostas a oralidade como objeto e eixo de ensino. No entanto, constata-se a necessidade de ampliar as propostas de atividades já existentes, a fim de dar uma maior ênfase aos aspectos relevantes da oralidade já priorizados, além de direcionar para que contemplem os gêneros públicos formais. Ao sugerir-se encaminhamentos pedagógicos que se integrem aos já existentes, postulou-se o desenvolvimento mais efetivo de habilidades orais dos alunos da EJA numa perspectiva Freiriana, com o propósito de nortear as ações didáticas dos docentes da área de Língua Portuguesa no nível fundamental de ensino. Palavras-chave: Diálogo. Oralidade. Ensino de Língua Portuguesa. Livro Didático.

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ABSTRACT

This work appears as a reflection on the oral form of the language in the teaching of Portuguese language from textbooks proposed for the elementary school. We have as a general objective to analyze the textbooks for the Youth and Adult Education - EJA (6th and 7th grade), the collection "It is time to learn", specifically in regard to educational activities focusing on orality contained in the constituent units . It is a reflection with a view to submitting suggestions arising from the discussions held, given the fact that the writing mode has been identified by some scholars, among them Marcuschi (2005) as the most privileged in the classroom and Most manuals that guide the teaching of Portuguese language. In this work, we start from a broader vision of the principles of dialogic pedagogy educator by Paulo Freire, perspectives towards pedagogical practices that favor the development of linguistic and discursive skills of the student. In this sense, it emphasizes the formation of a critical subject, who can argue and defend points of view, using oral or written language, in various social situations. Therefore, it established as objectives to identify, describe and interpret the proposed activities with the oral form of the Portuguese language, from interactions theoretical foundations subsidized by authors like Marcuschi (2005, 2010), Favero, Andrade and Aquino (1999) Schneuwly and Dolz (2004), Antunes (2009), among others. In addition, the objective was to suggest other educational activities, as a form of expansion of existing ones, in order that addressed more efficiently, aspects of orality been proposed and aspects of formal oral genres. Methodologically, configured as a qualitative research, in which, from textbooks used in the classroom, there was an investigation into the treatment of oral teaching of the Portuguese language, proposing an expansion of activities to the mode oral. Analysis of the results revealed that the works investigated, used in Portuguese classes in adult education include in their proposals orality as an object and teaching axis. However, there has been the need to expand existing activities proposed in order to give greater emphasis to relevant aspects of oral already prioritized, and drive to address the formal public genres. By suggesting to educational referrals that integrate with existing, the most effective development is postulated oral skills of students in adult education in Freire's perspective, in order to guide the educational actions of teachers of Portuguese-speaking area in the fundamental level education.

Keywords: Dialogue. Orality. Portuguese Language Teaching. Textbook.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Ícones gráficos ..................................................................................... 60

Figura 2 – Atividade com a modalidade oral e escrita ........................................... 66

Figura 3 – Conversa sobre o tema ........................................................................ 69

Figura 4 – Questões para discussão ..................................................................... 70

Figura 5 – Comparação entre diferentes variantes orais ....................................... 73

Figura 6 – Comparação entre registros escritos e variantes orais ........................ 74

Figura 7 – Atividade de comparação entre registro ............................................... 75

Figura 8 – Língua falada e identidade ................................................................... 76

Figura 9 – Diferentes falares ................................................................................. 77

Figura 10 – Do oral para o escrito ........................................................................... 79

Figura 11 – Roda de leitura ..................................................................................... 83

Figura 12 – Leitura de poema ................................................................................. 84

Figura 13 – Orientações para o educador ............................................................... 85

Figura 14 – Textos de tradição oral ......................................................................... 86

Figura 15 – Conversa sobre saúde pública ............................................................ 89

Figura 16 – Discussão sobre o texto ....................................................................... 91

Figura 17 – Artigo de opinião .................................................................................. 92

Figura 18 – Avaliando o gênero reportagem ........................................................... 93

Figura 19 – Gêneros / tipos textuais ........................................................................ 95

Figura 20 – Debate regrado .................................................................................... 97

Figura 21 – Exposição oral ...................................................................................... 99

Figura 22 – Contação de história .......................................................................... 100

Figura 23 – Orientação para contação de história................................................. 101

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Dicotomias: fala x escrita ................................................................... 27

Quadro 2 – Condições de produção ..................................................................... 29

Quadro 3 – Perspectiva sociointeracionista .......................................................... 30

Quadro 4 – Possibilidade de retextualização ........................................................ 34

Quadro 5 – Modelo das operações textuais-discursivas realizadas na passagem

do texto falado para o texto escrito .................................................... 35

Quadro 6 – Esquema da sequência didática ........................................................ 49

Quadro 7 – Aspectos extralinguísticos .................................................................. 50

Quadro 8 – Aspectos paralinguísticos e cinésicos ................................................ 50

Quadro 9 – Aspectos linguísticos .......................................................................... 51

Quadro 10 – Unidades temáticas ............................................................................ 59

Quadro 11 – Seções de Língua Portuguesa ........................................................... 60

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LISTAS DE TABELAS

Tabela 1 – Frequência/percentagem de atividades na modalidade escrita e oral . 64

Tabela 2 – Total de atividades por dimensão do ensino da oralidade ................... 68

Tabela 3 – Frequência/percentagem de atividades que estimulam a reflexão sobre

a variação linguística e relações entre fala e escrita ............................ 72

Tabela 4 – Frequência/percentagem de atividades com textos de tradição oral e

oralização do texto escrito .................................................................... 81

Tabela 5 – Frequência/percentagem de atividades que estimulam a produção dos

gêneros conversa/discussão ................................................................ 87

Tabela 6 – Frequência/Percentagem de atividades que estimulam a produção de

gêneros orais secundários ................................................................... 94

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SUMÁRIO

1 PALAVRAS INICIAIS ..................................................................................... 12

2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ..................................................................... 16

2.1 A PERSPECTIVA FREIRIANA DE DIÁLOGO: PONTO DE PARTIDA ........... 16

2.2 ASPECTOS DA ORALIDADE E ENSINO ....................................................... 21

2.2.1 Relação fala e escrita ................................................................................... 27

2.2.2 Variação linguística ...................................................................................... 35

2.2.3 Oralização do texto escrito .......................................................................... 37

2.2.4 Valorização de textos de tradição oral........................................................ 40

2.5 OS GÊNEROS DA ORALIDADE NO ENSINO ............................................... 42

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 53

3.1 A ABORDAGEM DE PESQUISA .................................................................... 53

3.2 AS ETAPAS DA PESQUISA ........................................................................... 56

3.3 APRESENTAÇÃO DO CORPUS .................................................................... 56

3.3.1 Caracterização do livro didático .................................................................. 58

4 PRÁTICAS DE ORALIDADE NO LIVRO DIDÁTICO: REFLEXÕES E

SUGESTÕES ................................................................................................ 63

5 PALAVRAS FINAIS ..................................................................................... 104

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 108

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1 PALAVRAS INICIAIS

Os estudos sobre a linguagem que vêm sendo realizados nas últimas

décadas têm contribuindo significativamente para a superação de uma concepção

de ensino de língua como um conjunto de regras, cujo objetivo principal era o ensino

da gramática normativa. Nesta perspectiva de ensino tradicional não havia espaço

para uma discussão sobre a oralidade como modalidade da língua na sala de aula,

já que o ensino estava centrado na língua escrita, totalmente desvinculado das

práticas de uso social dos falantes.

Sobre essa questão, Antunes (2009, p. 20) explicita que:

A escola e, em geral, o consenso da sociedade ainda se ressentem das heranças deixadas por uma perspectiva de estudo do fenômeno linguístico cujo objeto de exploração era a língua enquanto conjunto potencial de signos, desvinculada de suas condições de uso e centrada na palavra e na frase isoladas.

Assim sendo, a escrita e a oralidade eram vistas numa perspectiva

dicotômica, tendo a primeira sido considerada como a língua correta e de prestígio

social, portanto, objeto de ensino escolar. Enquanto isso, a fala era tida como o

espaço da informalidade, fortemente suscetível ao erro, desprovida de organização,

sendo, portanto, o espaço de instalação do caos. Tal visão tradicional situava a

oralidade como transmitida pela espécie humana, de pessoa para pessoa, que a

desenvolvia espontaneamente. Nesse sentido, não se pensava na necessidade de

realização de um trabalho com vistas à abordagem da oralidade em sala de aula,

quer nas suas práticas mais espontâneas, como em conversações, ou nas mais

formais, a exemplo do que ocorre em debates regrados, palestras, reuniões em

instituições, entre outras.

Uma das reflexões bastante pertinentes nos estudos atuais sobre o ensino da

língua, que tem ocupado um espaço cada vez mais consensual nas discussões de

educadores, não apenas envolvidos com o ensino da linguagem, mas das diversas

áreas do conhecimento, está ligada à necessidade de se abordar a oralidade, tanto

em seus aspectos constitutivos, quanto como objeto de ensino e aprendizagem de

língua materna em todos os níveis de educação.

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Essas reflexões decorrem do reconhecimento da oralidade como uma das

modalidades de uso da língua que, embora menos prestigiada na sociedade,

aparece na vida das pessoas, ocupando a maior parte de seu tempo, ocorrendo em

diversas esferas sociais, como uma habilidade primordial para inserção do individuo

na sociedade.

Nesse sentido, compreendemos que, ao lado da escrita, além de

possibilidades de uso de outras semioses, as práticas orais são fundamentais para a

construção da cidadania, a partir do que advoga Paulo Freire, ao longo de sua obra.

Tal fato é patente, na medida em que a participação pela oralidade é

frequentemente utilizada para expressar ideias e defender pontos de vistas em

diversos domínios, possibilitando as decisões políticas, sociais e econômicas que

dizem respeito ao bem comum. Assim, o desenvolvimento de habilidades orais

contribui para que os indivíduos atuem como protagonistas e sujeitos de sua história,

oportunizando o domínio do discurso oral como mecanismo de defesa e garantia de

direitos no exercício da cidadania.

Esse estudo adota uma visão de língua no seu aspecto dialógico e funcional,

compreendida como uma atividade que acontece a partir de uma situação

interacional, por meio das práticas sociais dos sujeitos, mediada por textos orais e

escritos. Entendemos, assim, que a escola precisa oportunizar aos alunos

possibilidades de interagir com textos e por meio de textos, construindo espaços

para que esses educandos sejam competentes dentro e fora da sala de aula. Nessa

direção, defendemos uma posição de que as escolhas de materiais a serem

utilizados, assim com o trabalho pedagógico, a reflexão das práticas em sala de

aula, o que inclui a realização de análises e proposições, precisam acontecer, na

direção de propiciar ao aluno as condições necessárias para que eles possam ser

verdadeiramente cidadãos críticos.

Desse modo, asseveramos que é produtivo, aliar um ponto de vista da

educação ao que é central neste trabalho, às questões relativas à Língua

Portuguesa que devem ser ensinadas e aprendidas. Logo, consideramos relevante

na discussão, a valorização de uma pedagogia do diálogo, concebida pelo educador

Paulo Freire por volta dos anos 60 do século XX, período de efervescência de suas

ideias em torno de uma educação libertadora.

Dessa forma, é válido destacar que a visão de educação enquanto processo

de formação política e pedagógica defendida por Paulo Freire sempre nortearam

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nossa prática docente, que se materializa, principalmente, na militância social, desde

a adolescência, em movimentos de educação popular em grupos ligados à igreja

católica. Assim, procuramos nessas práticas, enquanto educadores, uma visão que

enxerga na educação uma ferramenta capaz de transformar a realidade, baseados

em estudos que enfocam a língua numa perspectiva de lugar de intervenção e

inserção social. Portanto, trazer para este trabalho o pensamento de Paulo Freire é

uma forma de nos encontrar com os sentidos mais profundos do fazer docente,

objetivando contribuir para o difícil percurso da construção da cidadania dos

educandos, da qual a linguagem é um componente primordial.

A concepção do pensador pauta-se no princípio de que a educação deve

contribuir para que o indivíduo se emancipe politicamente e, assim, possa atuar de

forma crítica no mundo, contribuindo a partir de suas ideias e posicionamentos para

ruptura de modelos autoritários e excludentes, construídos historicamente na

sociedade.

A pedagogia em questão defende o direito e a necessidade de que cada

aluno tem de participar de todo o processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, o

diálogo torna-se primordial no ensino, na medida em que se constitui como um

relevante mecanismo de promoção do ensino e aprendizagem. Nesse sentido, por

meio do diálogo, o aluno se apropria de conhecimentos, discute, formula ideias e

prossegue desenvolvendo sua capacidade de utilizar o conhecimento como meio de

inserção e intervenção social, participando assim, como sujeito ativo.

Acreditamos desse modo, que as práticas orais em sala de aula podem ser

compreendidas como ponto de grande importância nessa visão. A partir dessas

considerações, a pergunta principal que orienta este trabalho é: o ensino de Língua

Portuguesa tem proporcionado práticas em sala de aula com a modalidade oral?

Essa questão maior orienta outra de ordem mais especifica: o livro didático do EJA,

adotado para o 6º e o 7º ano, traz em suas unidades, atividades voltadas para

aspectos da oralidade e/ou com gêneros textuais que privilegiem a modalidade oral

da língua?

Tendo o norte dessas questões, no estudo em foco definimos como objetivo

geral, analisar aspectos da oralidade que são propostos no material educativo para o

ensino da Língua Portuguesa, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), na coleção

―É tempo de aprender‖. Do ponto de vista mais especifico, estabelecemos: descrever

e interpretar as atividades contidas no livro que voltadas para aspectos da oralidade

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no livro. O resultado dessa análise tornou possível sugerir atividades que situamos

como nossa reflexão em torno do trabalho com a citada modalidade, compreendida

como uma contribuição para práticas mais eficazes a partir dos materiais adotados

na escola.

A relevância desta pesquisa pode ser estabelecida no sentido de que a

oralidade se coloca como eixo imprescindível ao ensino. Assim sendo, ações que

visam analisar recursos didáticos na perspectiva da observação de atividades com a

modalidade oral da língua poderão contribuir de forma significativa com novas

reflexões que podem subsidiar mudanças na prática pedagógica do professor de

língua materna, além de constituir um instrumento para orientar futuras escolhas

didático–pedagógicas. Este estudo, portanto, poderá contribuir para estimular

professores e autores de livros na análise e produção de materiais educativos

comprometidos com o espaço da oralidade na sala de aula, conforme advogam

alguns estudiosos cujas preocupações se voltam para essa questão.

Assim sendo, organizamos este estudo em 05 capítulos: seguindo-se a essa

introdução, o segundo capítulo trata que de pressupostos teóricos que constituem as

bases que subsidiam as noções da pedagogia do diálogo de Paulo Freire (2014b);

oralidade e as relações com o ensino, trazendo as contribuições de autores como

Marcuschi (2005, 2010) Fávero, Andrade e Aquino (2012), Schneuwly e Dolz (2004),

Castilho (2014), Antunes (2003, 2009), entre outros. No terceiro capítulo,

discorremos sobre os aspectos metodológicos do estudo, situando a abordagem de

investigação, a caraterização do corpus e as etapas de realização da pesquisa.

O quarto capítulo é destinado à análise das atividades didático-pedagógicas

apresentadas no livro didático do EJA, no que diz respeito aos aspectos da oralidade

discutidos teoricamente, além de se constituir em espaço em que se busca sugerir

atividades pedagógicas com a oralidade, as quais se somam às encontradas no

material didático analisado.

Por fim, nas considerações finais explicitamos os resultados obtidos no

processo de análise, além de apresentarmos alguns encaminhamentos que podem

subsidiar as ações didáticas dos docentes no ensino de língua materna, como forma

de darmos continuidade a nossa formação de professora.

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2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Neste capítulo, discutimos sobre a concepção de educação desenvolvida pelo

educador Paulo Freire, tendo como enfoque uma pedagogia do diálogo, cuja

abordagem compreende o dialogismo como um princípio fundamental da formação

do sujeito socialmente constituído.

2.1 A PERSPECTIVA FREIRIANA DE DIÁLOGO: PONTO DE PARTIDA

Partimos da compreensão de que a articulação dos pressupostos freirianos

com os estudos linguísticos atuais, que tratam da abordagem da língua falada como

objeto de ensino, pode contribuir para melhorar a prática didático-pedagógica dos

professores, no que concerne ao ensino de Língua Portuguesa. Trata-se, assim, da

valorização da oralidade como eixo de ensino, imprescindível para a formação do

sujeito crítico e participativo, que utiliza a linguagem na interação a fim de realizar

suas necessidades comunicativas, possibilitando de tal modo a construção e o

exercício de sua cidadania plena.

Entendemos que, a concepção de educação elaborada ao longo dos tempos

pelo educador Paulo Freire, bem como o teor ideológico que substancia suas ideias,

serviram de base aos pensamentos que nortearam a construção de uma concepção

que tem como postulado conduzir o indivíduo a um processo de participação. Nessa

perspectiva, a educação é vista como um ato político. Tal participação favorece sua

emancipação e construção de sua cidadania.

No que diz respeito ás orientações oficiais para o ensino de Língua

Portuguesa, podemos enfatizar que essas ideias se relacionam de forma muito

direta com as finalidades apresentadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, ao

afirmar que,

O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1997, p. 21).

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Observamos que esse postulado está em plena consonância com o que

Freire defendia: um ensino voltado para a preparação do aluno para a participação

cidadã; para emancipação, através do assumir-se como protagonista da sua história,

que se reconhece como sujeito de direito e se constitui, desse modo, por meio de

ações mediadas pelo diálogo, no encontro com o outro, onde se solidarizam o

conhecer e o aprender, em que a linguagem assume papel central, pois capacita o

educando para agir na sociedade.

Neste contexto, a proposta curricular para a Educação de Jovens e Adultos

enfatiza que os cursos voltados para esse segmento devem,

Oferecer a quem os procura tanto a possibilidade de desenvolver as competências comunicativas necessárias para a aprendizagem dos conteúdos escolares, quanto a de aumentar sua consciência em relação ao estar no mundo, ampliando a capacidade de participação social no exercício da cidadania. Para realizar esses objetivos, o estudo da linguagem é um valioso instrumento. Qualquer aprendizagem só é possível por meio dela, já que é com a linguagem que se formaliza todo o conhecimento produzido nas diferentes áreas e que se aplica a maneira como o universo se organiza (BRASIL, 2002, p. 11).

Estudos e pesquisas como os desenvolvidos por Freire ([1987], 2014b) na

perspectiva de uma educação libertadora mostram que o percurso de inserção social

e construção dos sujeitos passam primordialmente pela linguagem, pela capacidade

comunicativa de fazerem usos da língua por parte dos indivíduos, que por meio da

interação nos diferentes espaços de decisão e participação da sociedade constroem

uma consciência crítica que possibilita analisar e discutir sua realidade de maneira

interventiva, rompendo silêncios impostos pela sociedade. Assim,

O estudo da língua se faz necessário para evitar essa experiência de exclusão: construindo leituras de mundo, criando possibilidade de descobertas pessoais que favoreçam o autoconhecimento e indiquem o lugar da palavra em sua subjetividade (BRASIL, 2002, p.12).

Para Freire (2010) todos devem e são capazes de expressar suas ideias,

defender seus pontos de vista e, assim, contribuir para a construção do

conhecimento, numa perspectiva de transformação social e superação das

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desigualdades. Conforme as orientações oficiais para o ensino de Língua

Portuguesa ―deve-se fortalecer a voz de muitos jovens e adultos que retomam á

escola para que possam romper com os silenciamentos impostos pelos perversos

processos de exclusão do próprio sistema escolar‖ (BRASIL, 2002, p.12). Portanto,

para que tal ação se concretize na prática, não basta apenas que esse entendimento

se torne aceito entre os diversos atores do campo educacional, mas, se faz

necessário compreender que esse é um processo que precisa se efetivar por meio

do ensino.

É nesse contexto que as noções presentes na teoria e na prática política e

educativa de Paulo Freire relacionam - se com os estudos sobre o ensino de Língua

Portuguesa, especialmente, no que diz respeito ao tratamento com a oralidade em

sala de aula. Priorizamos um trabalho baseado nos princípios da pedagogia do

diálogo, tendo em vista que a visão de diálogo concebida pelo educador é

importante para pensarmos na modalidade oral da língua no contexto escolar.

De acordo com o autor, o diálogo é um fenômeno humano, que se realiza por

meio da palavra e implica duas dimensões: a dimensão da ação e a dimensão da

reflexão (FREIRE, 2014b), ou seja, o fazer e o pensar interagem num continuum

recíproco de relações. Tal práxis, ação e reflexão permitem que o diálogo,

concretizado pela palavra tenha como principal função transformar o mundo. Nessa

perspectiva, a educação deve estar a serviço da transformação, preparando e

capacitando os educandos para pronunciar o mundo, agindo de maneira reflexiva e

ativa nos diversos contextos sociais.

Segundo o autor, se as dimensões da reflexão e ação não se relacionarem, a

palavra pronunciada torna-se inútil, vazia e expressa apenas um blá, blá, blá... que

nada anuncia, e assim, sua função transformadora perde seu sentido, tornando-se,

portanto, a sua prática alienante e o seu dizer alienador. Nesse contexto Paulo

Freire salienta que,

O diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes (FREIRE, 2014b p. 109).

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Dessa forma, não se pode reduzir o ensino a simples reprodução de ideias e

conteúdos sem função social na vida prática dos sujeitos. Ao contrário, os conteúdos

precisam ter vida, significado na vida prática real, refletir as mudanças que os alunos

precisam concretizar na vida da comunidade. O ensino precisa ter como ponto de

partida os problemas diários que interferem na vida dos indivíduos; os conteúdos

precisam responder às demandas trazidas pelos alunos todos os dias no contexto

da sala de aula. Precisam ser trabalhados de forma que reflexão e ação caminhem

juntas e estejam a serviço da transformação de suas realidades, que suplicam

soluções, intervenções numa sociedade que precisa continuamente ser

transformada para promover a justiça, a fraternidade e a felicidade dos sujeitos.

O autor esclarece que o processo do conhecimento passa por uma situação

mediada pelo diálogo entre os sujeitos, na qual ―Não é estritamente falando um ‗eu

penso‘, mas um ‗nós pensamos‘, Não é o ‗eu penso‘ o que constitui o ‗nós

pensamos‘, mas, pelo contrário, é o ‗nós pensamos‘ que me faz possível pensar‖.

(FREIRE, 2010, p. 101). Nesse sentido, a constituição do sujeito pensante que atua

na construção do conhecimento não se realiza por meio de um processo isolado e

individualizado, mas coletivo, constituído nas relações com o outro, numa ação

dialógica, onde o individual se fortalece na medida em que os sujeitos partilham os

saberes num movimento de reciprocidade. O diálogo, portanto, é este encontro dos

homens, ―mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto,

na relação eu-tu‖ (FREIRE, 2014b, p. 109).

De igual modo, Vitorria (2011, p. 152) afirma que ―além de ser uma atenção

recíproca, a ação dialógica é um respeito mútuo e também um reconhecimento dos

conflitos, que nos ensina a compreender a realidade por meio de diversas

perspectivas‖. Nessa direção, os sujeitos são levados a compreender que o diálogo

exige não apenas o posicionar - se, mas também o silenciar, o ouvir o outro.

Compreender, também, que há na sociedade e nas diversas relações humanas,

diferentes visões e leituras possíveis de serem feitas a respeito de uma mesma

questão. Por isso, a necessidade de discutir cada ponto de vista, entendendo que o

diálogo estabelecido e partilhado coletivamente proporciona chegar a entendimentos

comuns e a construção de novos conhecimentos.

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Com relação às concepções de Educação1, Paulo Freire (2010) considera que

duas vertentes embasam as práticas educacionais presentes na sociedade, as quais

classificam como educação ―domesticadora‖ e educação ―libertadora‖. A abordagem

de educação domesticadora, como conservadora que deve ser rejeitada pelos

educadores, haja vista que corresponde às práticas em que o professor é visto como

o detentor do conhecimento e responsável pela transferência para os educandos,

considerados como atores passivos, como se fossem vasilhas que precisam ser

enchidas pelo conhecimento do professor, sendo as relações pautadas no

autoritarismo. Dessa forma, ―os educandos não têm por que perguntar, questionar,

desde que sua atitude não pode ser outra senão a de receber, passivamente, o

conhecimento que os educadores neles depositam‖ (FREIRE, 2010, p. 102).

Na prática libertadora, defendida como abordagem a ser implementada pela

escola, os educandos e educadores aprendem uns com os outros, pois ambos são

detentores de conhecimento e atuam de forma colaborativa na construção de novos

saberes nos processos de interação. E assim, a ação de ensinar se relaciona com o

ato de aprender. As relações se pautam na igualdade e confiança baseadas em

princípios democráticos. Os educandos são estimulados a participar ativamente do

processo de ensino e aprendizagem, questionando e discutindo suas opiniões.

Sobre a educação enquanto prática libertadora, o autor diz que,

É o procedimento no qual o educador convida os educandos a conhecer, a desvelar a realidade, de modo crítico. Assim, enquanto aquela procura estimular a ‗consciência falsa‘ dos educandos, de que resulta mais fácil sua adaptação à realidade, a segunda não pode ser um esforço pelo qual o educador impõe liberdade aos educandos (FREIRE, 2010, p. 105).

Desse modo, o autor traz como proposta a busca por uma prática que

possibilite os educandos a liberdade de pensar criticamente como sujeitos ativos e

não de meros reprodutores de conhecimentos memorizados e transmitidos

mecanicamente. ―A educação para a ‗domesticação‘ é um ato de transferência de

‗conhecimento‘, enquanto a educação para a libertação é um ato de conhecimento e

um método de ação transformadora que os seres humanos devem exercer sobre a

realidade‖ (FREIRE, 2010, p. 105). Assim, para o autor, a prática domesticadora é

1 Maiores detalhes sobre as concepções de educação em pedagogia do oprimido (Freire,

2014b).

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um processo, ―em, si prescritivo‖, enquanto a libertadora é uma prática ―dialógica‖.

(FREIRE, 2010, p. 105). Na visão do autor, liberdade é a ―matriz que atribui sentido

a uma prática educativa que só pode alcançar efetividade e eficácia na medida da

participação livre e crítica dos educandos‖ (FREIRE, 2014a p.9).

É nesse sentindo que buscamos privilegiar a concepção libertadora de

educação proposta por Paulo Freire nos nossos estudos, por compreendermos que

a formação de um sujeito ativo, participativo e protagonista da sua história constitui -

se por meio de práticas pedagógicas em todos os níveis de ensino verdadeiramente

libertadoras e emancipatórias, que valorizem o saber do educando, relacione a sua

realidade e possibilite oportunidades de construção do conhecimento.

2.2 ASPECTOS DA ORALIDADE E ENSINO

Nessa perspectiva, procuramos articular nesta seção, princípios norteadores

da pedagogia dialógica de Paulo Freire com os estudos sobre a oralidade e ensino

da Língua Portuguesa, tendo em vista que concebemos a formação com ênfase no

desenvolvimento de habilidades orais dos alunos, a fim de construir a cidadania e

como mecanismo fundamental para inserção dos sujeitos nos diversos domínios

sociais.

Compreendemos que os estudos de Freire inspiram e contribuem

significativamente não apenas para pesquisas do campo da educação, da

psicologia, da sociologia, entre outras, mas pode iluminar o campo linguístico,

sobretudo, quando assumimos como concepção de língua a interação dialógica

entre os sujeitos sociais e historicamente situados.

Neste sentido, as reflexões sobre a oralidade têm se intensificado nos últimos

anos, motivadas principalmente pelas mudanças ocorridas no campo de estudos da

linguagem. As recentes pesquisas trazidas, sobretudo, pela pragmática, apontaram

para o surgimento de uma nova concepção de ensino de Língua Portuguesa, que

compreende a língua como prática social de interação. Sobre essa concepção,

Antunes (2003, p. 41) menciona:

A evidência de que as línguas só existem para promover a interação entre as pessoas nos leva a admitir que somente uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e contextualizada, pode de forma ampla e legitima fundamentar um

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ensino da língua que seja, individual e socialmente, produtivo e relevante.

Essa perspectiva sociointeracionista desenvolveu - se com mais efetividade, a

partir dos estudos linguísticos realizados por autores como Bakhtin (2000), Bronckart

(1999), Marcuschi (2010), Castilho (2014), entre outros.

Para Marcuschi (2010, p. 15), ―mais do que uma simples mudança de

perspectiva isto representa a construção de um novo objeto de análise e uma nova

concepção de língua e de texto, agora vistos como um conjunto de práticas sociais‖.

Com esta visão, rompe-se com a visão de língua como sistema, descontextualizada

e desvinculada das situações reais de uso dos seus falantes.

Essa abordagem contribuiu para mudanças significativas no ensino de Língua

Portuguesa, especialmente, para o reconhecimento da importância da modalidade

oral da língua junto à escrita, colaborando para a superação da visão tradicional,

presente no universo do ensino escolar. Assim, pensar a língua em situação de uso

e favorecer abordagens que contribuam para que o aluno participe ativamente, pode

trazer grandes contribuições aos educandos em situação de exclusão social. Nesse

âmbito, ressaltamos o desenvolvimento de atividades didático-pedagógicas nas

quais os alunos tenham condições de discutir e problematizar criticamente a

realidade, argumentar em favor de seus direitos e, assim, ter acesso a

oportunidades de tornarem-se cidadãos, o que se concretiza com a efetivação de

direitos e exercício de deveres.

Desse modo, as orientações para o ensino de Língua Portuguesa na

Educação de Jovens e adultos no que diz respeito à linguagem oral enfatizam que a

escola deve criar condições para que o aluno fale,

Sem se intimidar diante de qualquer interlocutor, expor com clareza e fluência temas para além da esfera cotidiana, avaliar o que o outro fala para não se deixar enganar ou para reformular posições, respeitar orientações ideológicas diferentes traduzem capacidades essenciais ao exercício da cidadania numa cultura tão fortemente oral como a brasileira (BRASIL, 2002, p. 13).

Nesta direção, pensamos que é possível tomar como panorama mais amplo

de discussão, as diretrizes do pensamento Freiriano, que possam ser

compreendidos como basilares para as questões do ensino de Língua Portuguesa,

especialmente, a partir do tratamento da oralidade na sala de aula. Trata-se nessa

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perspectiva, da observação de um trabalho que relacione objetos de ensino com a

vida cotidiana do aluno, como forma de responder aos anseios e necessidades da

sua prática social, fugindo assim de um fazer pedagógico vazio, onde os objetivos

sejam apenas cumprir protocolos ou vencer conteúdos.

De acordo com Marcuschi (2005) a maioria das interações sociais realizadas

no dia-a-dia das pessoas nos diversos domínios de atuação se realiza por meio da

modalidade oral da língua, sendo mais utilizada do que a escrita. Assim,

considerando que é pela língua falada que os sujeitos nas suas práticas sociais

interagem grande parte do seu tempo, o processo de construção da cidadania plena

do sujeito enquanto agente transformador da sua realidade passa fundamentalmente

pela capacidade de se comunicar por meio da língua falada.

Partindo desses pontos de vista mais gerais, refletimos sobre questões

específicas da temática em foco, a saber, a oralidade. Discutindo sua relação com o

ensino. Para tanto, baseamos em autores cujas abordagens se inserem em

perspectivas interacionais e educacionais.

No que diz respeito à Língua Portuguesa, não se concebe mais a ideia de que

a função da escola seja voltar-se apenas para o ensino da língua escrita, com a

justificativa de que o aluno já aprendeu a língua falada em casa, conforme advoga

Castilho (2014). O desenvolvimento de competências orais dos alunos é tão

necessário quanto o da escrita nas práticas mediadas pelos textos disponíveis nas

diferentes esferas da sociedade.

Não se trata de uma abordagem da fala enquanto conteúdo independente no

ensino da língua, mas integrá-la na relação com a escrita, conforme defende

Marcuschi (2005). Embora essas modalidades apresentem formas distintas de

produção, é preciso compreender as relações estabelecidas entre fala e escrita e

levá-las de maneira adequada para o contexto de ensino da língua, de forma

integrada.

Fávero, Andrade e Aquino (2012, p.12) afirmam que ―parece consenso que a

língua falada2 deve ocupar um lugar de destaque no ensino de língua‖. Tais práticas

devem ser inseridas nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas dos

professores em todos os níveis de ensino, já que possibilitam a inserção dos sujeitos

2 Termo utilizado por Castilho (2014), tendo em vista a flutuação terminológica entre os

termos: língua falada, oralidade, oral, etc. usaremos a terminologia conforme os autores: Castilho (2014), Marcuschi (2010) E Schneuwly e Dolz (2014).

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nos vários campos de atividades humanas, a partir de seus posicionamentos,

opiniões, visando à interação em seus espaços, podendo transformá-lo. Além disso,

o ensino na perspectiva do trabalho com a oralidade possibilita reforçar as

contribuições da fala para a formação cultural e preservação das tradições não

escritas existentes em culturas que a escrita se instaurou de forma decisiva

(MARCUSCHI, 2005).

Ao responder a pergunta ―Mas que concepção de língua poderia oferecer um

ensino que repercutisse positivamente a formação do cidadão?‖ Antunes (2009, p.

35) esclarece que a língua é uma atividade funcional, que está a serviço das

pessoas, de seus propósitos interativos reais, os mais diversificados, conforme as

configurações conceituais, conforme os eventos e os estados em que os

interlocutores se encontram. Assim, a língua só existe em uso, sua efetivação se dá

na prática social dos falantes nas modalidades escrita e oral, pois ―Não existe fala

nem escrita autônomas, no sentido de que sua adequação possa ser considerada

sem levar em conta as determinações das situações em que são usadas‖.

(ANTUNES, 2009, p. 37).

Sabemos que existem educadores em muitas escolas do nosso país que

ainda não assimilaram essa concepção de língua, permanecendo com o

entendimento de que a função da escola seja eminentemente ensinar a escrita, seja

pela deficiência na formação profissional, ou por dificuldades de aceitar as

mudanças ocorridas. Muitas vezes, por acreditarem que as novas perspectivas de

ensino não levam o aluno à aprendizagem da Língua Portuguesa, e,

consequentemente, insistem numa prática tradicional de ensino em que o domínio

de regras gramaticais predomina, desconsiderando assim, a importância da

modalidade oral da língua dentro e fora da sala de aula.

Antunes (2003) na obra Aula de português pontua algumas questões que

apresentam um panorama geral do contexto do ensino da oralidade nos dias atuais,

enfatizando que há:

Uma quase omissão da fala; como objeto de exploração do trabalho escolar;

Uma equivocada visão da fala, como lugar privilegiado para violação das regras da gramática. De acordo com essa visão, tudo o que é ‗erro‘ na língua acontece na fala e tudo é permitido, pois está acima das prescrições gramaticais; não se distinguem, portanto, as

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situações sociais mais formais de interação que vão, inevitavelmente, condicionar outros padrões de oralidade que não o coloquial.

Uma concentração das atividades em torno dos gêneros da oralidade informal, peculiar ás situações de comunicação privada; nesse contexto, predominam os registros coloquiais, como a ‗conversa‘, ‗a troca de ideias‘, ‗a explicação para o colega vizinho‘ etc.

Ou seja, uma generalizada falta de oportunidades de se explicitar em sala de aula os padrões gerais da conversação, de se abordar a realização dos gêneros orais da comunicação pública, que pedem registros mais formais, com escolhas léxicas mais especializadas e padrões textuais mais rígidos, além do atendimento a certas convenções sociais exigidas pelas situações do ‗falar em público‘

(ANTUNES, 2003. p. 23-24).

Esse entendimento ainda está muito arraigado na escola, na prática de muitos

professores, e nos materiais educativos que se baseiam o ensino, sobretudo no livro

didático de português. Com relação a essa ferramenta pedagógica, Marcuschi

(2005, p. 23) assevera:

Percebe-se nos mais diversos LDP3, mesmo naqueles mais equivocados quanto as suas posições teóricas, clareza sobre o papel central da escola: ensinar a escrita. Tanto assim que, com facilidade e desenvoltura, conseguem selecionar textos escritos e criar exemplos para o estudo das mais diversas e intricadas regras gramaticais. No entanto, a inserção de reflexões e dados sobre a língua falada afigura-se como penosa.

Essas e outras questões, infelizmente, ainda persistem e dificultam

avançarmos mais na construção de outra realidade de ensino e aprendizagem de

Língua Portuguesa. No entanto, reconhecemos que muito já foi conquistado, e que

mais investimentos na formação do professor e melhoria das suas condições de

trabalho poderiam colaborar para resultados mais satisfatórios na aprendizagem

escolar. Também, contribuiria para a superação desta cultura centrada na

supervalorização da escrita, pautada na gramática, favorecendo o acesso aos

professores a materiais didáticos que contemplam uma visão clara do trabalho com

a oralidade. Na visão de Marcuschi (2005, p. 24), percebe-se que,

Os livros didáticos, em sua maioria ainda não sabem onde e como situar o estudo da fala. A visão monolítica da língua leva a postular um dialeto de fala padrão calcado na escrita. Certamente, não se trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e variedade de usos da língua. Talvez, a melhor maneira de determinar

3 Forma abreviada de livro didático de português utilizado por Marcuschi (2015).

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o lugar do estudo da fala em sala de aula seja especificando os aspectos nos quais um tal estudo tenha a contribuir (MARCUSCHI, 2005, p. 24).

Muitos educadores reconhecem a importância de ensinar a modalidade oral,

mas afirmam ter dificuldades em realizar a transposição didática dos conteúdos

referentes ao ensino da fala para a sua prática pedagógica. Esta é uma constatação

comum nas escolas, pois sabemos que os estudos linguísticos, embora bastante

avançados, ainda estão distantes da realidade da maioria dos professores, e sua

inserção nos currículos dos cursos de letras é recente, apesar dos Parâmetros

Curriculares Nacionais contemplarem essa discussão desde 1998.

Podemos verificar nos PCN (BRASIL, 1997, p. 5) de Língua Portuguesa do

ensino fundamental, que os objetivos gerais destacados para o ensino fazem

referência direta á importância da oralidade para a formação do aluno, como

podemos verificar:

Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

Utilizar as diferentes linguagens - verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideais, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação (BRASIL, 1997, p. 5).

Nesse contexto, à luz dos estudos linguísticos desenvolvidos e das

orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais tecemos algumas considerações

sobre o ensino da oralidade partindo da compreensão de que pouco espaço tem

sido dado ao ensino da língua falada e da necessidade de efetivar um trabalho com

a oralidade na sala de aula. Nessa direção, pontuamos algumas questões a respeito

de aspectos relevantes a ser considerados no trabalho com a oralidade na sala de

aula, dentre elas, as relações estabelecidas entre fala e escrita, a reflexão sobre a

variação linguística, oralização do texto escrito, textos de tradição oral e os gêneros

orais que são um norte do que pretendemos.

2.3.1 Relação fala e escrita

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Ao discutirmos sobre o ensino da oralidade não podemos deixar de tratar a

questão das relações estabelecidas entre fala e escrita. Assim, torna-se importante

nos aprofundarmos sobre alguns estudos que refletem sobre as visões das relações

entre essas duas modalidades construídas ao longo dos anos.

A primeira das perspectivas, a visão tradicional, tendo constituído como

tendência de maior tradição entre os linguistas, os quais percebiam diferenças sob o

ponto de vista das dicotomias, a escrita e a fala são tratadas como formas

linguísticas opostas e antagônicas (MARCUSCHI, 2010). Essa concepção de análise

centrava-se, sobretudo nas diferenças entre estas modalidades da língua.

Para melhor caracterizar essa perspectiva das dicotomias, que dividiam a

língua falada e a língua escrita em dois blocos distintos, Marcuschi (2010, p. 27)

mostra o seguinte quadro, denominado de dicotomias estritas:

Quadro 1 – Dicotomias: fala x escrita

Fala versus Escrita

Contextualizada Descontextualizada

Dependente Autônoma

Implícita Explicita

Redundante Condensada

Não planejada Planejada

Imprecisa Precisa

Não normatizada Normatizada

Fragmentada Completa

Fonte: Marcuschi (2010, p. 27).

Esta visão das relações entre as duas modalidades da língua está

intimamente ligada à concepção tradicional de ensino da língua, centrado no ensino

das regras e nomenclaturas gramaticais. Vemos que as características atribuídas à

fala fazem referência à informalidade e a falta de organização e planejamento,

enquanto confere a escrita distinções contrárias a esses atributos.

Para Antunes (2009, p.20),

Nessa visão reduzida de língua, o foco das atenções se restringia ao domínio da morfossintaxe, com ênfase no rol das classificações e de suas respectivas nomenclaturas. Os efeitos de sentido pretendidos pelos interlocutores e as finalidades comunicativas presumidas para os eventos verbais quase nada importavam.

Nessa concepção, não se estabelecia uma relação entre oralidade e escrita

como modalidades da língua que se completam e exercem papéis distintos na

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prática social. Toda atenção do ensino de língua estava voltado para a escrita,

modalidade de prestígio na sociedade.

Essa tendência favoreceu a construção de uma série de preconceitos e

equívocos com relação à fala, reforçando ideias e estereótipos que supervalorizaram

a escrita em detrimento a fala (MARCUSCHI, 2010).

Fávero, Andrade e Aquino (2012, p. 11) reforçam esse olhar equivocado e

descrevem as ideias mais recorrentes com relação às diferenças entre fala e escrita,

ao afirmarem que ―a escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e

abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta

e dependente do contexto‖. Em contraposição a essa visão, aquele autor menciona:

Oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficiente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma dicotomia. Ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes, ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações estilísticas, sociais, dialetais e assim por diante (MARCUSCHI, 2010, p. 17).

A partir destas observações percebemos que as diferenças que marcam as

modalidades da fala e da escrita devem ser compreendidas como características

próprias de cada uma, de suas formas de realização, pois ―ambas apresentam

distinções porque diferem nos seus modos de aquisição; nas suas condições de

produção, transmissão e recepção; nos meios através dos quais os elementos de

estrutura são organizados‖ (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2012, p.73). Portanto,

essas distinções não colocam uma modalidade em sobreposição à outra, apenas as

diferenciam.

No que concerne a essas distinções quanto aos processos de condições de

produção de cada modalidade as autoras destacam as seguintes características:

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Quadro 2 – Condições de produção

Fala Escrita

- Interação face a face;

- Interação á distância (espaço – temporal)

- Planejamento simultâneo ou quase simultâneo à execução;

- Planejamento anterior á produção

- Criação coletiva: administrada passo a passo

- Criação individual

- Impossibilidade de apagamento

- Possibilidade de revisão

- Sem condições de consulta a outros textos

- Livre consulta

- A reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor

- A reformulação é promovida apenas pelo escritor

- Acesso imediato à reação do ouvinte;

- Sem a possibilidade de acesso imediato

- O falante pode processar o texto, redirecionando – o a partir das reações do interlocutor

- O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor

- O texto mostra todo o seu processo e criação

- O texto tende a esconder o seu processo de criação, mostrando apenas o resultado.

Fonte: Fávero, Andrade e Aquino (2010, p.78).

Observamos que as características trazidas pelas pesquisadoras esclarecem

algumas especificidades inerentes às modalidades oral e escrita, quanto à forma de

produção e de organização dos textos. Esses conhecimentos são fundamentais para

uma compreensão adequada das relações entre fala e escrita.

Em outra perspectiva, a que nos interessa neste estudo e sobre a qual iremos

nos basear, diz respeito à tendência sociointeracionista, que diferentemente da

perspectiva das dicotomias trata das relações entre fala e escrita dentro de uma

concepção dialógica, em que estas se dão num continuum. Marcuschi (2010, p. 33)

define os seguintes fundamentos centrais dessa perspectiva.

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Quadro 3 – Perspectiva sociointeracionista

FALA E ESCRITA APRESENTAM

Dialogicidade

Usos estratégicos

Funções interacionais

Envolvimento

Negociação

Situacionalidade

Coerência

Dinamicidade

Fonte: Marcuschi (2010, p. 33).

Como percebemos, os princípios gerais dessa tendência apresenta uma

expectativa de relação entre fala e escrita, que rompe com as marcas das diferenças

centradas em uma visão de oposição para uma análise enquanto modalidades da

língua constituída nas relações de sujeitos em situação de interação. No dizer de

Marcuschi (2010, p. 34), ―A perspectiva interacionista preocupa-se com os processos

de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócios -

historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos

inferenciais‖.

Com base nesta concepção, Castilho (2014) acrescenta que a linguagem

humana, é essencialmente dialógica, seja ela oral ou escrita. A diferença básica

entre ambas é que, na linguagem oral, a presença dos falantes e a construção do

discurso são desencadeadas basicamente pela interação. Assim sendo, as noções

de espaço e temporalidade são definidas pela situação real da fala, enquanto na

língua escrita essas condicionalidades precisam ser construídas por meio de

coordenadas que explicitem as situações.

Nesse aspecto, a fala é uma atividade muito mais presente do que a escrita

na vida da maioria das pessoas (MARCUSCHI, 1997). Essa verificação nos leva a

perceber que o desenvolvimento de habilidades orais constitui exigência e

necessidade da prática e da realidade social dos indivíduos. Embora, seja uma

modalidade da língua mais habitual do que a escrita, e seja estratégica para a

inserção dos falantes nos espaço de efetivação de cidadania, nem sempre se

reconhece sua importância frente à formação do cidadão. A sociedade ainda atribui

um valor social muito grande à escrita e desconhece as dimensões e questões

concernentes às relações entre fala e escrita e suas implicações na prática social

dos falantes.

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Para aprofundar ainda mais a distinção das dimensões da oralidade, fala e

escrita, tomemos por base a reflexão feita por Marcuschi (2005). Segundo esse

autor,

a) A oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na realidade sonora, ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados contextos de usos.

b) A fala seria uma forma de produção textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (situa-se no plano da oralidade, portanto) sem necessidade de tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano.

c) A escrita seria um modo de produção textual-discursiva para fins comunicativos com certas especificidades materiais e se caracteriza por sua constituição gráfica, embora envolva também recursos de

ordem pictórica e outros. (MARCUSCHI, 2005, p. 25-26).

Observando essas conceituações, entendemos que oralidade e escrita estão

intimamente relacionadas e integradas, haja vista que ambas dão respostas às

necessidades de interação dos falantes no meio social em que estão situados, os

quais, por meio da linguagem exercem a cidadania. Portanto, é indispensável o

aprimoramento de habilidades orais e escritas para o desenvolvimento de

competências comunicativas para uma atuação do falante nos diversos espaços

sociais. Nesse contexto, a fala deixa de ser vista como lugar do erro e da

desorganização, não sendo, portanto, mais aceita a ideia da fala em lugar de

desprestigio em relação à escrita. (MARCUSCHI, 2005).

Nesse sentido, compreendemos que, ao lado da escrita, além de

possibilidades de uso como formas multimodais, as práticas orais são fundamentais

para a construção da cidadania. Sobre isso Antunes (2003, p. 15-16) explicita:

Não podemos, não devemos, pois, adiar a compreensão de que a participação efetiva das pessoas na sociedade acontece, também e muito especialmente pela ‗voz‘, pela ‗comunicação‘, pela ‗atuação e interação verbal‘, pela linguagem, enfim. Tivemos, durante muito tempo, uma escola que favoreceu o mutismo, que obscureceu a função interativa da língua, que disseminou a ideia de uma quase irreversível incompetência linguística, o que nos deixou, a todos, calados e, quase sempre, apáticos.

O desenvolvimento de habilidades orais contribui efetivamente para que

indivíduos atuem como protagonistas e sujeitos de sua história, na medida em que

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utilizam a modalidade da língua para defender e garantir seus direitos, praticar o

controle social, passando de uma postura de sujeito passivo para uma atuação ativa

na escola, na comunidade, no mundo profissional, ou seja, no universo em que se

dão suas relações.

A ausência de oportunidades de uma formação adequada, que tratam essas

questões como objeto de ensino na escola, consequentemente contribui

efetivamente para que muitos alunos fiquem vulneráveis a contextos de exclusão,

pois não são reconhecidos na sociedade como sujeitos capazes de contribuir nos

espaços de decisão da sociedade. Nesse sentido, o aluno,

deixa a escola com a quase inabalável certeza de que é incapaz, de que é linguisticamente deficiente, inferior, não podendo, portanto tomar a palavra ou ter a voz para fazer seus direitos, para participar ativa e criticamente daquilo que acontece á sua volta. Naturalmente, como tantos outros, vai ficar á margem do entendimento e das decisões de construção da sociedade (ANTUNES, 2003, p.20).

Nessa direção, todos nós que acreditamos numa educação transformadora,

cidadã, capaz de desenvolver nos alunos a capacidade crítica de conduzir

processos de emancipação e construção de sua cidadania plena. Precisamos inserir

no espaço escolar, com efetividade e eficiência, o ensino das duas modalidades da

língua, oral e escrita. Ambas merecem e se constituem, num movimento contínuo,

dinâmico e dialógico, voltadas para o uso e as necessidades da prática social dos

nossos alunos, especialmente, aqueles que mais carecem de acesso aos espaços

de construção dos conhecimentos exigidos para intervir e transformar a realidade

social em que estão inseridos.

Outro aspecto que merece atenção nos estudos das relações estabelecidas

entre fala e escrita e que são relevantes no ensino da oralidade são os processos de

mobilização de conhecimentos por meio da oralidade para a esfera escrita.

Compreender as operações implicadas nas tarefas de transformação de um texto

oral em escrito, embora pareça simples exige noções complexas que devem ser

aprofundadas no estudo da oralidade.

Os procedimentos de passagem da fala para a escrita é definido por

Marcuschi (2010) como atividades de retextualização. Sobre isso o autor diz que,

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São rotinas usuais altamente automatizadas, mas não mecânicas, que se apresentam como ações aparentemente não problemáticas, já que lidamos com elas o tempo todo nas sucessivas reformulações dos mesmos textos numa intricada variação de registros, gêneros textuais, níveis linguísticos e estilos. Toda vez que repetimos ou relatamos o que alguém disse, até mesmo quando produzimos as supostas citações, ipsis verbis, estamos transformando, reformulando, recriando e modificando uma fala em outra (MARCUSCHI, 2010, p.48).

Desse modo, é comum realizarmos atividades de retextualização no cotidiano

para darmos conta das necessidades da prática social: quando assistimos a um

programa e anotamos informações que nos parecem úteis, quando discutimos

propostas para serem elaboradas em forma de documentos escritos, de carta de

reivindicação, de reclamação, entre outros, estamos transformando textos orais em

escritos. Esses são alguns poucos exemplos do quanto é presente no nosso dia a

dia as atividades de retextualização e o quanto com frequência partimos de oral para

concretizarmos a produção escrita que desejamos. O autor esclarece ainda que,

Em hipótese alguma se trata de propor a passagem de um texto supostamente ‗descontrolado e caótico‘ (texto falado) para outro ‗controlado e bem – informado‘ (texto escrito). Fique claro, desde já, que o texto oral está em ordem na sua formulação e no geral não apresenta problemas para compreensão. Sua passagem para a escrita vai receber interferências mais ou menos acentuadas a depender do que se tem em vista, mas não por ser a fala insuficiente organizada. Portanto, a passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos para a ordem: é a passagem de uma ordem para outra ordem (MARCUSCHI, 2010, p.47).

Em suma, os processos de retextualização são necessários e justificados não

pela supremacia que um tipo de texto assume sobre o outro, mas pela adequação

aos objetivos e interesses dos sujeitos dado uma situação comunicativa. Muitas

vezes a construção da ação desejada se concretiza por meio da transformação de

textos orais em escritos.

Com relação às possibilidades de retextualização na passagem da fala para a

escrita Marcuschi (2010, p. 48) apresenta o seguinte quadro explicativo:

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Quadro 4 – Possibilidade de retextualização

1. Fala Escrita (entrevista oral entrevista impressa) 2. Fala Fala (conferência tradução simultânea) 3. Escrita Fala (texto escrito exposição oral) 4. Escrita Escrita (texto escrito resumo escrito)

Fonte: Marcuschi (2010, p.48).

Como podemos observar, muitas interações se materializam na relação entre

as duas modalidades, dentro de um continuum fala e escrita. Assim, para a

produção de determinados gêneros, seja oral ou escrito o uso de outra modalidade

que exerce um papel fundamental na construção comunicativa. Para o autor, a

retextualização tal como definida em seu livro da fala para a escrita,

Não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de textualização. Trata-se de um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-compreendidos da relação oralidade-escrita (MARCUSCHI, 2010, p. 46).

O autor aponta ainda um modelo de operações envolvidas como

procedimentos de realização do processo de retextualização para se trabalhar no

ensino e na pesquisa. Sobre isso, alerta que não se trata de uma receita pronta para

ser aplicada, que dá conta de todos os fenômenos, mas um esquema especifico que

orienta o trabalho e que pode ser acrescido de outras informações. Apresentamos a

seguir o quadro proposto por Marcuschi (2010) adaptado pelas autoras Melo,

Marcuschi e Cavalcante (2012).

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Quadro 5 – Modelo das operações textuais-discursivas realizadas na passagem do texto falado para o texto escrito

Fonte: Melo, Marcuschi e Cavalcante (2012).

Como podemos notar, trata-se de operações complexas que exigem dos

professores um adequado domínio dos conhecimentos linguísticos, especialmente,

no que se refere aos aspectos da oralidade, como por exemplo, os recursos

prosódicos, tais como pausas, alongamentos, tonicidade e etc. bem como, as

atividades de formulação que envolvem os processos de hesitação, paráfrase,

repetição e correção, entre outros.

2.3.2 Variação linguística

Outra questão relevante a ser observada nas atividades voltadas para um

trabalho com a oralidade é verificar se nas práticas de ensino de Língua Portuguesa

são contemplados os aspectos da variação linguística e as relações entre fala e

escrita.

1º OPERAÇÃO: Eliminação de marcas estritamente interacionais, hesitações e partes de palavras

2º OPERAÇÃO: Introdução de pontuação com base na intuição fornecida pela entonação das falas

3º OPERAÇÂO: Retirada de repetições, reduplicações, redundâncias, paráfrases e pronomes egoicos

4 OPERAÇÂO: Introdução da paragrafação e pontuação detalhada sem modificação da ordem dos tópicos discursivos

5º OPERAÇÃO: Introdução de marcas metalinguísticas para referenciação de ações e verbalização de contextos expressos dêiticos

6º OPERAÇÂO: Reconstrução de estruturas truncadas, concordâncias, reordenação sintática, encadeamentos

7º OPERAÇÂO: Tratamento estilístico com seleção de novas estruturas sintáticas e novas opções lexicais

8º OPERAÇÂO: Reordenação tópica do texto e reorganização da sequência comunicativa

9º OPERAÇÂO: Agrupamento de argumentos condensando ideias

OPERAÇÔES ESPECIAIS: readaptação dos turnos (nos diálogos) para formas monologadas ou dialogadas

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Marcuschi (2010) destaca que fala e escrita,

São modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas. Postular algum tipo de supremacia ou superioridade de alguma das duas modalidades seria uma visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala é superior a á escrita ou vice-versa. (MARCUSCHI, 2010, p.35).

Embora tanto o fenômeno da variação linguística e as relações entre fala e

escrita apresentem especificidades inerentes à língua, esses processos ainda são

pouco compreendidos pela sociedade e pelos responsáveis pelo ensino de Língua

Portuguesa. Em torno das especificidades, posturas preconceituosas foram

historicamente construídas baseadas numa visão de língua homogênea, em que as

diferenças são tratadas como desvios e não como variações decorrentes da

diversidade social e cultural da qual a língua está inserida.

É importante observar que na proposta curricular que estabelece as diretrizes

para o ensino de Língua Portuguesa na Educação de Jovens e Adultos a variação é

destacada como,

Um fenômeno inerente a todas as línguas, não havendo a menor evidência cientifica que justifique que o português que se fala hoje é ‗pior‘ do que o de antigamente; que uma região do país fala melhor do que outra; que um segmento social se expresse mais ‗corretamente‘ que outro. Mas é inegável que essas variedades mais prestigiadas são valorizadas de modo diferente pela comunidade de falantes. As variedades mais prestigiadas são aquelas faladas pelos segmentos mais ricos da população. A discriminação linguística é uma entre tantas outras formas de exclusão provocadas pela concentração de riquezas (BRASIL, 2002, p. 13).

Essas ideias errôneas sobre a variação marcadas principalmente por fatores

econômicos são discutidas pelo linguista Brasileiro Bagno (2012), que trabalha com

a noção de preconceito linguístico para tratar das visões equivocadas de algumas

das preconcepções sobre língua e linguagem que circulam na sociedade, entre eles,

a ideia de supremacia de uma variante sobre a outra, sobretudo as das classes

sociais mais favorecidas sobre as menos privilegiadas da sociedade. De acordo com

os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997),

O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo

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educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‗certa‘ de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso ‗consertar‘ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado (BRASIL, 1997, p.26).

Nessa perspectiva, o fenômeno da variação linguística precisa ser abordado,

compreendendo que não se trata de falar certo ou errado, mas de ensinar o aluno a

adequar seu discurso à situação comunicativa, mostrando que a língua, assim como

a sociedade, é marcada pela diversidade, e que essa variedade não pode ser

estigmatizada, vista como algo que precisa ser transformado para se chegar a uma

unidade, precisa ser compreendido, pois a diversidade constitui uma grande riqueza

cultural e marca a identidade dos sujeitos e das regiões e deve ser valorizado.

Nessa direção, Marcuschi ressalta que:

A Língua, seja na modalidade falada ou escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade. Isso porque a própria língua mantém complexa relações com as representações e as formações sociais (2010, p.35).

Desse modo, se a língua se insere na dinâmica das relações dos diferentes

grupos sociais, naturalmente sofrerá alterações resultantes dos processos culturais

e históricos que a sociedade está sujeita cotidianamente, sendo, portanto a variação

um aspecto próprio da língua.

Para o autor, o aspecto da variação é um importante componente do ensino

da oralidade, tendo em vista que revela que a língua falada é variada e que a noção

de um dialeto padrão invariável, não apenas na Língua Portuguesa, mas qualquer

outra língua é uma noção teórica e não tem um equivalente empírico.

2.3.3 Oralização do texto escrito

Quando discutimos sobre oralidade, considerando as questões relacionadas

ao ensino e sua realização na prática pedagógica dos professores, constatamos que

ainda persistem muitas confusões teóricas e metodológicas na transposição das

teorias linguísticas e conteúdos curriculares desse eixo de ensino no espaço escolar.

De acordo com Marcuschi (2010) muitos educadores ainda não sabem como e onde

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situar a oralidade no ensino de língua. Dessa forma, muitos professores não

conseguem distinguir quais atividades possibilitam trabalhar os aspectos da

oralidade considerados relevantes para a prática social dos educandos. Sobre isso,

Schneuwly e Dolz (2004, p.126) enfatizam que para o educando fazer uso da

oralidade numa ―perspectiva didática de um procedimento sistemático de

intervenções ao longo do ensino fundamental, é necessário definir claramente as

características do oral a ser ensinado‖.

Para os autores, existe uma variedade quase infinita do oral4, caracterizada

pelo nível de espontaneidade, improviso, preparação e grau de intervenção da

escrita. Dessa forma, procuram distinguir pelo menos dois aspectos que apresentam

características diferentes, conforme podemos observar:

O oral ‗espontâneo‘, geralmente pensado como fala improvisada em situação de interlocução conversacional, que numa das extremidades, constitui um ‗modelo‘ relativamente idealizado, a respeito do qual, ás vezes, á primeira vista, sublinha-se o aspecto aparentemente fragmentário e descontínuo que, com frequência, esconde regularidades a serviço da comunicação. Situado na outra extremidade em relação a esse estilo oral espontâneo, temos as produções orais restringidas por uma origem escrita que identificamos ou descrevemos como a ‗escrita oralizada‘. Esta é considerada uma vocalização, por um leitor, de um texto escrito. Trata-se, portanto, de toda palavra lida ou recitada. (DOLZ; SCHNEUWLY e HALLER, 2004, p. 132).

Essas observações possibilitam perceber que num quadro geral a oralidade

se realiza em duas formas básicas, que vai de usos mais espontâneos aos mais

elaborados e formalizados. Dessa forma, podemos notar que, no cotidiano das

práticas sociais nos utilizamos do oral espontâneo: conversas, diálogos, bate-papo,

onde não nos preocupamos tanto com a preparação da fala, enquanto na ―escrita

oralizada‖, o leitor oraliza o texto por meio da leitura ou recitação, e assim, o oral se

realiza fazendo uso de um suporte escrito numa situação mais ou menos preparada.

Nesse contexto, Leal, Brandão e Lima (2012) utilizam o termo oralização do

texto escrito para definir as atividades de leitura em voz alta, recitação de poesias,

representação teatral, ou seja, atividades em que um texto é lido ou decorado. As

autoras ressaltam que a oralização do texto escrito ―pode ser considerada uma

4 Utilizado por Schneuwly e Dolz (2004). Esclarecemos que privilegiamos a abordagem de

Marcuschi (2010) que trata das práticas de oralidade. No entanto, consideramos as diferentes terminologias utilizadas pelos autores.

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interseção entre o eixo da oralidade e o da leitura, pois envolve tanto o

desenvolvimento da fluência de leitura quanto de algumas habilidades típicas da

comunicação oral‖ (LEAL; BRANDÂO; LIMA, 2012, p.17).

Assim sendo, observamos que muitos professores utilizam as atividades de

leitura apenas como um meio para a aprendizagem da escrita, afirmando que quanto

mais leitura mais o aluno terá domínio da escrita. Ressaltamos a importância da

leitura no processo de aquisição da escrita, mas enfatizamos a necessidade de

trabalhar nos exercícios de leitura, aspectos da oralidade oportunos para esse tipo

de atividade e não apenas utilizá-la como subsidio para a produção escrita.

Com relação a estas atividades, percebemos também, que muitos

professores atribuem às atividades de oralização do texto escrito o ensino da

oralidade, na maioria das vezes desvinculada de uma valorização e reconhecimento

dos aspectos da oralidade. Para Cavalcante e Melo (2007, p. 92) ―Resta ao ensino

do oral a equivocada exploração de atividades mais caracterizadas como oralização

da escrita, como as antigas atividades de leitura e recitação‖. Nesta direção,

Magalhães (2008) considera que as atividades de oralização do texto escrito

permitem pouca reflexão sobre oralidade, não constituindo exatamente um gênero

oral, mas uma atividade de reflexão de conteúdos escritos, já que não possibilitam

atividades de análises de marcas orais, pois o foco não seria a fala.

Nesta perspectiva, Schneuwly e Dolz (2004, p.130) esclarecem que,

Não se pode pensar o oral como funcionamento da fala sem a prosódia, isto é, a entonação, a acentuação e o ritmo. Já que os fatos da prosódia são fatos sonoros, podemos analisá-los em termos quantificáveis de altura, intensidade e duração. Dimensões essenciais de toda produção oral, seu domínio consciente ganha particular importância quando a voz está colocada a serviço de textos escritos (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 130).

Assim, defendemos a realização das atividades diversas de leitura, sejam em

voz alta, recitadas, dramatizadas, entre outras, como atividades que podem

favorecer o desenvolvimento no aluno de aspectos da oralidade, conforme

discutimos. Para isso, o professor precisa conhecer tais aspectos e discuti-los junto

aos educandos.

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2.2.4 Valorização de textos de tradição oral

Chamamos atenção para a relevância dos textos de tradição oral para uma

reflexão sobre aspectos da modalidade em foco no ensino de Língua Portuguesa.

Assim, por valorização de textos de tradição oral entendemos o trabalho

realizado em sala de aula com um conjunto de atividades que privilegiam textos

resultantes de práticas sociais que se caracterizam pela transmissão de uma

geração para outra, por meio dos gêneros da oralidade. Esses textos, geralmente,

são carregados de conhecimentos históricos e culturais que retratam a vida do povo,

suas tradições e costumes que passam de uma pessoa para outra, por meio da

contação de histórias, das rodas de conversa, dos causos populares, brincadeiras,

entre outros.

Portanto, os textos de tradição oral surgem em contextos populares, sendo

apreendidos de maneira espontânea no universo das vivências e experiências

cotidianas das pessoas. Podemos observar que esses textos são impregnados de

sonoridade, ritmo e ludicidade, o que possibilita sua fácil memorização e favorece a

aprendizagem de inúmeras habilidades, de forma divertida. Podemos citar, como por

exemplo, as parlendas, trava-línguas, cantigas de rodas, as lendas, contação de

histórias, entre outros. Contudo, é importante destacar que mesmo esses textos

tendo sua origem na oralidade,

Hoje, sua principal forma de circulação é por escrito. A tradição cultural de contar e ouvir histórias assume novas perspectivas, uma vez que o desenvolvimento industrial alterou as relações entre os sujeitos e o projeto de modernidade-proposto/pensado por grandes filósofos e cientistas em meados do século XVII, o qual enaltecia a busca pelo conhecimento e o domínio da realidade de modo preciso, científico, comprobatório e racional -, levando o homem a um individualismo, isolamento e pragmatismo acentuados (BASTOS; GOMES, 2012, p.146).

Neste sentido, chamamos atenção para a importância de, mesmo com os

fortes apelos do mercado para o consumismo exacerbado, da influência das novas

tecnologias que cada dia torna a comunicação mais virtual, não perdermos o contato

humano, não deixarmos de contar histórias para os filhos antes de dormir, de

conversarmos com os amigos nas rodas de conversa, de ensinarmos as

brincadeiras antigas para os mais jovens, as receitas culinárias típicas da nossa

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região, em fim de não perdermos de vista nossa cultura, costumes e tradições,

fugindo assim, do isolamento e do individualismo.

Dessa forma, a escola assume um papel fundamental no resgate destes

textos e na socialização das experiências que aproximam as pessoas. Como vimos,

a maioria dos textos de tradição oral circulam nos dias de hoje por meio de textos

escritos, no entanto, cabe ao professor realizar atividades que contemplem a

modalidade oral, sobretudo na relação com a escrita, tendo em vista que favorecem

o trabalho com ambas as modalidades da língua.

Sobre as atividades com textos de tradição oral, Bastos e Gomes (2012, p.

154) acrescentam:

Entre muitos aspectos de análise e atividades didáticas, podemos destacar o estudo e a reflexão sobre a relação dos aspectos paralinguísticos e cinésicos na produção de sentido do texto. Isto é, de que forma a qualidade da voz, a elocução, a prosódia, os gestos, as expressões faciais, entre outros, influenciam a interação e construção de sentido e como esses aspectos contribuem para a estrutura do gênero e para a função sociocomunicativa (explicação de fenômenos, o caráter aterrorizante, moralizante).

Desse modo, todos os textos podem ser trabalhados como objetos de ensino

na sala de aula de inúmeras maneiras, pois o trabalho com tais textos apresenta-se

como uma atividade pedagógica relevante para o aprimoramento de habilidades

orais, já que favorece o desenvolvimento da pronúncia e fluência do léxico da língua,

como também possibilitam que os alunos enfrentem a timidez, o medo de se

exporem oralmente.

Para as autoras Leal, Brandão e Lima (2012, p.16)

Uma das vias de trabalho para a inserção das crianças no mundo da oralidade consiste em mostrar para elas a importância que a linguagem tem desempenhado na construção e manutenção de diferentes expressões da cultura do país e da própria comunidade.

Além desse entendimento, o trabalho com textos orais contribui para o

resgate da cultura popular e o reconhecimento da diversidade de expressões

existentes.

A tradição oral é perpetuada entre pessoas e grupos que divulgam suas

histórias, conhecimentos, tradições e memórias. Assim, essas tradições constituem

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a identidade pessoal e coletiva do grupo social que as pessoas pertencem, sendo

portanto, de suma importância para a compreensão da formação cultural e histórica

de um povo o conhecimento de suas memórias por meio nos textos de tradição oral.

2.4 OS GÊNEROS DA ORALIDADE NO ENSINO

Nas dimensões citadas por Leal, Brandão e Lima (2012) são discutidas as

produções e compreensão dos gêneros orais. Neste trabalho refletimos sobre a

questão dos gêneros no ensino da oralidade.

As orientações que regem o ensino de Língua Portuguesa ressaltam que a

escola deve privilegiar em seus currículos o ensino da oralidade, uma vez que o

aluno precisa adquirir habilidades diversas para atuar como sujeito nas diferentes

situações da vida cotidiana.

Como é possível observar, não podemos priorizar apenas uma modalidade da

língua, mas envolver os educandos nas diversas formas de linguagem e expressões

necessárias à prática social. Corroboramos com o dizer de Marcuschi (2010, p.9)

que: ‖falar e escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras da língua, mas

usar adequadamente a língua para produzir um efeito de sentido pretendido numa

dada situação‖. Nesta perspectiva, a escola não pode mais concentrar o ensino de

Língua Portuguesa apenas no aspecto gramatical, mas torna-se necessário ampliar

competências e habilidades envolvidas no uso da palavra, dominar o discurso nas

diversas situações comunicativas, para entender as formas de organização da

sociedade, que se torna cada vez mais plural e diversa e exige mudanças de

perspectivas. (BRASIL, 2002)

Sobre a prática do ensino da oralidade na sala de aula, Cavalcante e Melo

(2007, p. 89) afirmam que,

Um trabalho consistente com a oralidade em sala de aula não diz respeito a ensinar o aluno a falar, nem simplesmente propor apenas que o aluno ‗converse com o colega‘ sobre o assunto qualquer. Trata-se de identificar, refletir e utilizar a imensa riqueza e variedade de usos da modalidade oral.

As observações das autoras contribuem para desmitificar equívocos

recorrentes relacionados ao ensino, no que diz respeito à modalidade oral, ainda

presentes nas nossas salas de aula. Muitos professores pensam que o ensino da

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oralidade se efetiva, exclusivamente, por meio da realização de atividades

direcionadas às conversas informais sobre os temas diversos trabalhados, as trocas

de ideias entre grupos e, principalmente, a oralização do texto escrito, ou seja, a

tarefa comum e habitual da leitura em voz alta.

Obviamente, essas são atividades que contribuem para o desenvolvimento de

habilidades orais e que devem fazer parte do cotidiano das práticas escolares.

Porém, não podemos reduzir o ensino da oralidade a essas propostas, que

geralmente acontecem sem planejamento, sem que sejam estabelecidos objetivos

claros, bem como as habilidades a serem trabalhadas e sem que se tenha uma

definição do que se deseja alcançar com as atividades propostas.

Sabemos que essas práticas estão ligadas a uma visão tradicional de ensino

e ainda muito comum na prática pedagógica de muitos educadores, de que não é

necessário o ensino de oralidade de forma sistemática, planejada como se pensa o

ensino da escrita. Essa ideia está vinculada a compreensão de que ensinar a

modalidade oral da língua é propiciar oportunidades para os alunos falarem

espontaneamente, pois, assim, desenvolvem a capacidade comunicativa e estão

aptos a utilizarem a língua falada. Dessa forma, os gêneros orais são ignorados

enquanto objetos de ensino necessários nas diversas esferas.

A ausência do ensino dos gêneros orais causa diversas dificuldades para toda

vida escolar do aluno, que muitas vezes chega à universidade desconhecendo, por

exemplo, o gênero seminário e, desse modo, não consegue realizar com sucesso

uma exposição oral, bem como, participar de um debate de forma interativa, ou de

uma entrevista de emprego, em que são requeridas habilidades orais. Nesse

sentido, Cavalcante e Melo (2007, p. 184) defendem:

Para ter sucesso numa tarefa dessa natureza, o aluno precisa ser orientado sobre os contextos sociais de uso dos gêneros requeridos, bem como familiarizar-se com suas características textuais (composição e estilo, entre outras). O aluno necessita saber, por exemplo, que apresentar um seminário não é meramente ler em voz alta um texto previamente escrito. ‗Também não é se colocar á frente da turma e ‗bater um bate papo‘ com os colegas sobre aquilo que pesquisou‘.

Diante dessas questões, refletimos que muitos professores de diferentes

níveis de ensino exigem dos alunos a produção de um determinado gênero, seja oral

ou escrito, sem nunca ter discutido com os educandos acerca da função e das

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características do gênero solicitado e, assim, não criam oportunidades para que os

alunos conheçam os contextos de produção, as formas de organização e usos dos

gêneros, o que favorece muitas vezes a utilização equivocada dos gêneros em toda

vida escolar do aluno. Sabemos que alguns professores desconhecem essas

informações, já que os materiais didáticos ainda tratam de forma muito incipiente as

questões da fala, além da ausência de formação, falta também disponibilidade dos

docentes para a leitura e pesquisa.

Independente dos motivos que levam o aluno a não ter acesso às condições

necessárias para o domínio dos gêneros orais reconhecemos que muitos são os

prejuízos causados por essa omissão da escola no tratamento com a oralidade, que

no geral, passa despercebido pelos alunos e pela sociedade. Há, normalmente, a

preocupação com as habilidades relacionadas à língua escrita enquanto se isenta a

escola de preparar os alunos para o uso da oralidade, a utilização dos gêneros orais,

embora exigidos em diversas interações sociais; nesse aspecto reconhecemos que

ainda pouco se atribui à escola o papel e a responsabilidade dessa aprendizagem.

As autoras explicitam, ainda, que são inúmeros os gêneros orais em

circulação diariamente no contexto social e que, muitas vezes, não nos damos

conta, citando como exemplo, os gêneros orais: seminários, júri simulado, a

entrevista, a aula, entre outros, ressaltando a importância de trabalhá-los como

objeto de ensino. Destacamos, conforme as autoras, que parte deles está presente

nas práticas sociais da escola (CALVALCANTE e MELO, 2007). Muitos desses

gêneros são requeridos em toda vida escolar do aluno e têm incidência social muito

grande, aumentando na medida em que o aluno ocupa os espaços adultos, como o

mundo do trabalho.

Nessa perspectiva, Schneuwly e Dolz (2004) defendem que parece propício

trabalhar não com o oral em geral, mas com os gêneros orais, observando suas

especificidades, o que favorece o acesso aos alunos de uma série de atividades de

linguagem, que possibilitam o desenvolvimento de capacidades diversas de

interação e que dão acesso a horizontes diferenciados de acordo com a

personalidade de cada um.

A participação em atividades orais promove possibilidades de

desenvolvimento de inúmeras habilidades, como a capacidade de argumentar em

favor dos seus pontos de vistas, de colocar-se de acordo com a situação de

comunicação, de utilizar a voz e corpo como recursos para expressão de ideias,

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desenvolvendo assim, competências comunicativas necessárias à prática social. Se

a escola tem como objetivo formar o indivíduo para tornar-se um cidadão não pode

deixar de se voltar para as habilidades que proporcionem ao aluno intervir de forma

qualificada no mundo social, nos espaços de decisões, de poder e de exercício de

cidadania.

Para que a participação dos sujeitos num dado contexto se realize de forma

eficaz, precisamos preparar pessoas para a participação e a intervenção e nesse

processo as questões da linguagem são fundamentais. Portanto, as práticas da

oralidade exercem um papel relevante para as mudanças que possibilitam o bem

estar da escola, da sociedade enfim, de todos, uma vez que, o ensino deve

direcionar suas ações para permitir as realizações e exigências sociais que

perpassam a vida prática dos alunos dentro e fora da sala de aula.

Para Marcuschi (2005), além de outras contribuições, o estudo da oralidade é

uma atividade relevante para se analisar em que medida a língua é um instrumento

de controle social e de reprodução de modelos de dominação e poder nos usos

diários linguísticos, tendo em vista suas relações intrínsecas com as estruturas

sociais. Se analisarmos as realidades das nossas comunidades locais, temos um

retrato nítido do quanto à língua é um instrumento de poder, dominação e

intimidação, principalmente contra as classes mais populares e menos favorecidas,

historicamente, despolitizadas, habituadas a cultura do silêncio e da não

participação. Por esse viés, constroem-se os preconceitos com relação às variantes

linguísticas das classes sociais menos favorecidas, que, como sabemos, não são

consideradas as de prestigio social.

Podemos observar, de forma prática, as questões colocadas pelo autor, se

olharmos para algumas práticas sociais presentes na sociedade, como, por

exemplo, o discurso oral construído pelos candidatos aos cargos do legislativo e

executivo por meio da fala. Reconhecemos, certamente, os discursos exibicionistas

na busca incisiva de persuadir os eleitores para conquistar seus votos.

Embora tenhamos uma cultura de valorização da escrita, vemos que nesses

espaços de disputas de poder, poucos candidatos chegam ao convencimento do

eleitor por meio de suportes escritos e poucos eleitores procuram apreciar as

propostas dos candidatos através de um projeto escrito. No entanto, geralmente

observam a forma como o candidato se expressa, emite suas opiniões, argumenta

em favor dos seus interesses, na oralidade.

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Nesse sentido, percebemos como a linguagem oral pode exercer poder para

tomadas de decisão e o quanto passa a impressão de segurança, honestidade e

conhecimento de causa. Pleitear um cargo público e não demostrar habilidades

concernentes ao bom orador se torna muitas vezes um critério de reprovação na

sociedade.

Os autores cujos trabalhos serviram de bases para esta reflexão argumentam

a favor do trabalho com as práticas orais na escola, portanto, não há dúvida de que

a modalidade oral da língua constitui um dos componentes indispensáveis no

ensino. No entanto, observamos que estudos atuais revelam que esse entendimento

das diferentes modalidades de uso e sua importância para o ensino da língua

materna ainda não é partilhado pelos principais responsáveis pelo ensino, os

professores. Para Leal e Gois (2012, p.11) as razões pela qual ―o ensino da

modalidade oral de uso da língua esteve ausente das salas de aula da Educação

Básica, remontam aos diferentes estágios do desenvolvimento da ciência e da

linguística e da ciência da educação‖.

As autoras Ávila, Nascimento e Gois (2012) destacam que o pouco espaço

dado à oralidade no ensino está ligado diretamente ao surgimento da escrita e sua

supervalorização na sociedade em detrimento a fala. Essa visão deve-se em grande

parte ao fato de durante muito tempo o acesso à escrita ter sido restrito as pessoas

das camadas economicamente privilegiadas da sociedade.

Embora o espaço para a oralidade seja referendado por diversas pesquisas e

orientado pelos documentos oficiais de ensino como os PCN - Parâmetros

Curriculares Nacionais – sua efetivação nas salas de aula ainda não constitui uma

prática efetiva dos professores. Sobre isso, os autores e Schneuwly e Dolz (2004)

dizem que como referenciais que tem como finalidade apresentar diretrizes que

orientem o ensino, os PCN não trouxeram propostas de procedimentos que

encaminhasse para o ensino dos gêneros orais e escritos, o que gerou inúmeras

dúvidas nos professores de como pensar o ensino dos gêneros enquanto objetos.

Certamente, a disponibilidade desses documentos para os professores deveria ser

acompanhada de formações didática - metodológica que sustentasse a aplicação

prática de novas abordagens, a principal dificuldade vivenciada. Portanto, por se

tratar de um objeto novo de ensino, os autores salientam que é fundamental enfocar

as principais dúvidas dos professores no que diz respeito ao ensino do oral, e por

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isso, apontam e discutem no artigo ―O oral como texto: como construir um objeto de

ensino‖, as seguintes questões que precisam ser esclarecidas:

Por que trabalhar com gêneros orais e não com tipos de textos? Em que esses trabalhos e esses conceitos são diferentes?

O que é gênero de texto? Como entender a noção?

Que gêneros selecionar para o ensino e como organizá-los ao longo do currículo? Como pensar progressões curriculares?

Deve-se trabalhar somente com os gêneros de circulação escolar? Somente com os de circulação extraescolar? Com ambos? Quais são os mais relevantes em cada caso? (SCHNEUWLY, 2004, p. 13).

Entendemos que as respostas a essas questões compõem parte do

arcabouço teórico e metodológico que em diálogo com as novas perspectivas para o

ensino de Língua Portuguesa e com os documentos oficiais contribuem para uma

boa compreensão do papel e dos procedimentos para o ensino dos gêneros textuais

em sala de aula, já que reconhecidamente ―constituem a referência essencial para

abordar a infinita variedade das práticas de linguagem e o meio de tratar a

heterogeneidade constitutiva das unidades textuais‖ (DOLZ, SCHNEUWLY e

HALLER, 2004, p. 146).

Ao tratar concepção de oral, os autores asseguram que se deve partir das

finalidades do ensino de língua materna, em consonância os documentos oficiais e

apontam os seguintes princípios:

Levar os alunos a conhecer e dominar sua língua, nas situações as mais diversas, inclusive em situações escolares; para chegar a cumprir esse objetivo;

Desenvolver, nos alunos, uma relação consciente e voluntária com seu próprio comportamento linguístico, fornecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de falar, e

Construir com os alunos uma representação das atividades de escrita e de fala, em situações complexas, como produto de um

trabalho, de uma lenta elaboração (SCHNEUWLY, 2004, p. 114).

Vemos que os princípios formulados em torno da concepção de língua

materna norteia a compreensão dos objetivos do ensino do oral, reafirmando a

necessidade de se promover o domínio das diferentes linguagem para interagir nos

diversos contextos sociais.

Nessa direção, Antunes (2003, p. 22), reitera que o ensino da Língua Materna

de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais,

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Estabelecem que os conteúdos de língua portuguesa devem se articular em torno de dois grandes eixos: o do uso da língua oral e da escrita e o da reflexão acerca desses usos. Nenhuma atenção é concedida aos conteúdos gramaticais, na forma e na sequência tradicional das classes de palavras, tal como aparecia nos programas de ensino de antes (ANTUNES, 2003, p.22).

Dessa forma, as diretrizes que orientam o ensino da oralidade estão

construídas, junto a um acervo de pesquisas linguísticas que consolidam uma

abordagem eficaz para subsidiar a prática educativa no que se refere ao ensino da

língua falada, a partir dos gêneros orais. Embora essas propostas estejam à

disposição dos educadores, muitos são ainda os entraves que dificultam a

implementação de um ensino que priorize o desenvolvimento das habilidades orais.

Esta problemática resulta, em grande parte, como já foi dito, da falta de

compreensão desses processos pelos educadores, decorrentes da carência de

formação continuada para toda a rede de educação básica, gerando grandes

distâncias entre as teorias produzidas pelos pesquisadores e as práticas docentes.

Ao discutir sobre as finalidades do trabalho com o oral no ensino fundamental

os autores Schneuwly e Dolz (2004) esclarecem que o papel da escola ao longo da

formação é levar os alunos de uma situação de expressão oral cotidiana,

caracterizada pelo diálogo natural, utilizado de forma autorregulada e informal para

uma situação de utilização de formas mais sistematizada, institucionais e formais.

Desse modo, para uma intervenção numa perspectiva procedimental que se

desenvolve durante todo o período do ensino fundamental, se faz necessário, entre

outras questões, definir de maneira clara as características do oral a ser ensinado e

quais os gêneros orais ensinar.

Sobre quais gêneros priorizar para um trabalho na sala de aula, os autores

comentam que a escola ao invés de abordar os gêneros da vida privada cotidiana,

que geralmente já fazem parte do domínio dos alunos, deve - se priorizar o ensino

dos gêneros orais da comunicação pública que são aqueles necessários para a

aprendizagem durante toda a vida escolar, não apenas no que diz respeito à Língua

Materna, mas as outras disciplinas: os gêneros exposição, relatórios, entrevistas,

seminários entre outros, e os gêneros utilizados na vida pública em geral,

necessários à prática social nas diversas situações comunicativas, como o debate,

negociação, testemunho, em instâncias oficiais, e etc..

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Em se tratando de como conduzir o trabalho de ensino dos gêneros orais e

escritos, os autores apresentam como estratégia o procedimento sequência didática,

definida como,

Um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito, com a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação comunicativa (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 83).

Dessa forma, as sequências didáticas ajudam os professores na organização

do trabalho pedagógico com os gêneros, e tendo em vista os objetivos propostos, as

atividades são realizadas por etapas, conforme ilustramos:

Quadro 6 – Esquema da sequência didática

Fonte: adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.83).

Nessa perspectiva, na apresentação da situação é explicitada a atividade a

ser trabalhada e indicada uma primeira produção sobre o gênero proposto, em

seguida são realizadas uma série de atividades envolvendo o gênero em questão

aprofundando as características, organização e produção do gênero como forma de

preparação para a produção final, momento que o aluno põe em prática os

conhecimentos adquiridos e o professor verifica os resultados alcançados, bem

como as dificuldades percebidas.

É importante destacar que além de discutirmos as finalidades do ensino do

oral, quais gêneros priorizar e que procedimentos seguir, se faz necessário abordar

alguns aspectos relevantes a serem analisados no trabalho com os gêneros orais,

que dizem respeito aos critérios de caráter paralinguísticos,

extralinguísticos/cinésicos e linguísticos. Para isso, vejamos como esses aspectos

são compreendidos nos quadros seguintes, apresentados por Cavalcante e Melo

(2007, p.93-96), baseando - se nos estudos de Marcuschi (2002) e Schneuwly e

Dolz (2004):

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Quadro 7 – Aspectos extralinguísticos

a) Grau de publicidade número de participantes (produtores e receptores) ou tamanho do público envolvido na situação comunicativa;

b) Grau de intimidade dos participantes conhecimento entre os participantes; conhecimentos partilhados, grau de institucionalização do evento;

c) Grau da participação emocional afetividade, relacionamento na situação, emocionalidade e expressividade;

d) Proximidade física dos parceiros de comunicação

comunicação face a face, distanciada, no mesmo tempo ou em tempos diversos

e) Grau de cooperação possibilidade de atuação direta no evento, tal como no diálogo ou num texto monologado ou produzido à distância;

f) Grau de espontaneidade comunicação preparada previamente ou não

g) Fixação temática o tema é ou não fixado com antecedência; o tema é espontâneo;

Fonte: adaptado de Cavalcante e Melo (2007).

Com relação aos aspectos paralinguísticos e cinésicos as autoras apresentam

o seguinte quadro característico:

Quadro 8 – Aspectos paralinguísticos e cinésicos

Fenômeno Características

Aspectos paralinguísticos Qualidade da voz (aguda, rouca, grave, sussurrada, infantilizada) Elocução11 e pausas Risos/suspiros/choro/irritação.

Aspectos cinésicos

Atitudes corporais (postura variada: ereta, inclinada etc), Gestos (mexer com as mãos, gestos ritualizados, como acenar, apontar, chamar, fazer sinal de ruim, de bom, etc.) Trocas de olhares Mímicas faciais

Fonte: adaptado de Cavalcante e Melo (2007).

Quanto aos aspectos de natureza linguística apresentamos o seguinte

quadro:

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Quadro 9 – Aspectos linguísticos

Fenômeno Características

Marcadores conversacionais

São marcadores típicos da interação oral, para indicar que o interlocutor está prestando atenção; para marcar o turno, etc. Podem vir em início, meio e final de turno. Exemplos: tá, hum, sim, aí, ahan.

Repetições e paráfrases Duplicação de algo que veio antes; assim como as repetições, também as paráfrases refazem algo vindo antes.

Correções Há a substituição de algo que é retirado. Há correção de fenômenos lexicais, sintáticos e reparos de problemas interacionais.

Hesitações

Demonstram tentativa de organizar o discurso oral ou podem caracterizar também insegurança do locutor. Vêm no início de um novo tópico ou antes de um item lexical. Exemplos: ééé:::, ááá::.

Digressões

As digressões são uma suspensão temporária de um tópico que retorna. Apontam para algo externo ao que se acha em andamento.

Expressões formulaicas, expressões prontas

Exemplos: provérbios, lugares-comuns, expressões feitas, rotinas. Não têm um funcionamento orientado para frente ou para trás, mas para a cotextualidade e para o conteúdo. Exemplo: bom-dia, até logo

Atos da fala/estratégias de polidez positiva e negativa

Atos de fala positivos, tais como elogiar, agradecer, aceitar etc. Atos de fala negativos, tais como discordar, recusar, ofender, xingar etc.

Fonte: adaptado de Cavalcante e Melo (2007).

Conforme podemos perceber nas discussões dos diferentes autores, as

atividades de ensino com relação à oralidade não são tarefas simples, mas

envolvem uma série de aspectos que precisam ser conhecidos e bem

compreendidos pelos professores, para que possam distinguir quais critérios e

conteúdos devem ser privilegiados no estudo da oralidade.

Ao discutir sobre a oralidade como eixo de ensino, as autoras Leal, Brandão e

Lima (2012) em uma pesquisa que envolveu livros didáticos de Língua Portuguesa

para os anos iniciais do Ensino Fundamental destacam quatro dimensões a serem

priorizadas no trabalho de desenvolvimento das habilidades orais. Com base nos

estudos das autoras, na pesquisa de Marcuschi (2010) e de outros autores que

tratam da questão da oralidade, e tendo em vista as discussões que fundamentam

este trabalho, na direção da oralidade e o ensino de Língua Portuguesa,

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selecionamos como categorias de análises os seguintes aspectos que constituem

critérios no encaminhamento que faremos a seguir: relação fala e escrita, variação

linguística, oralização do texto escrito, valorização de textos de tradição oral e

produção e compreensão de gêneros orais.

Assim, trataremos dessas dimensões, já que estão sendo discutidas no

conjunto de reflexões que foram construídas nas outras partes do nosso trabalho,

considerando que tais dimensões contemplam os aspectos da oralidade que

desejamos ver trabalhados no ensino de Língua Portuguesa, no que concerne ao

eixo da oralidade.

A partir dessas considerações, observamos nos livros didáticos se são

contemplados os aspectos aqui discutidos. Ressaltamos que na medida em que

apresentamos nossas discussões direcionadas aos livros didáticos, às atividades

analisadas, incluímos novas sugestões, visando estabelecer outros diálogos que

venham a contribuir com o ensino mais eficaz no que se refere á realidade em sala

de aula.

Nessa direção, não perdemos de vista as considerações freirianas de

preparação dos educandos para inserção social, por meio da participação e

intervenção na realidade, na perspectiva de exercício da cidadania plena.

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3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Diante das especificidades da presente reflexão, considerando o objeto de

estudo em questão, os objetivos propostos e a problemática abordada, buscamos

uma metodologia que segue uma abordagem de natureza qualitativa.

3.1 A ABORDAGEM

Conforme menciona Chizzotti (2013, p. 28), uma tendência da pesquisa

qualitativa é a adoção de fenômenos nos seus lugares de ocorrências e a

interpretação destes pelos sujeitos. Essa é uma visão que implica a partilha de

significados ―com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para

extrair desse convívio, os significados visíveis e latentes que somente são sensíveis

a uma atenção possível‖. Nesse âmbito, o autor interpreta os resultados,

explicitando a compreensão do objeto estudado, realizando intenso diálogo entre

teoria e dados.

O caráter interpretativo da abordagem qualitativa, conforme esse autor, se

diferencia do que alguns pesquisadores mencionam como abordagem quantitativa,

haja vista que esta se apoia em análises quantitativas, estatísticas, como única

forma de verificação. Chizzotti também ressalta que muitos estudos revelam a

natureza ampla do que se define como pesquisa qualitativa, ressaltando variados

métodos utilizados, entre estes, a entrevista, a pesquisa participativa, a etnografia, a

pesquisa-ação.

Outro pesquisador que faz considerações sobre a abordagem de pesquisa em

questão, Minayo (2012, p.21), salienta que neste tipo de pesquisa o investigador,

Responde a questões muito particulares. Ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes o que corresponde a um espaço mais profundo das relações de processos e fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Podemos considerar que a pesquisa qualitativa, como define os autores

citados, busca compreender todo o universo que se relaciona com o objeto de

estudo, numa tentativa de interpretá-lo, analisando-o dentro do conjunto de aspectos

nos quais está envolvido e no qual se envolve.

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Nessa visão, esta proposta de trabalho refletiu acerca de dados constitutivos

do livro didático da EJA, nos aspectos referentes ao trato com a oralidade, por meio

de descrição e interpretação de ocorrências. Essa discussão subsidiou a construção

de sugestões que se soma ao que é proposto pelo livro, como forma contribuição.

Assim, a pesquisa buscou inspiração em aspectos da pesquisa-ação, uma vez que,

o pesquisador procura se inserir no universo pesquisado e, a partir das observações,

descrição e análise do material didático, propõe encaminhamentos para o

aprimoramento da prática pedagógica em sala de aula.

Segundo Andaloussi (2004, p. 86) na pesquisa-ação a pesquisa tem a função

de

Diagnosticar uma situação, iniciar uma ação, acompanhá-la, observá-la, conferi-lhe sentido, avaliando-a e incitando-a a desencadear novas ações. A pesquisa permite analisar uma situação para trazer um auxílio, esclarecer o significado do comportamento dos diferentes parceiros e também reduzir as divergências entre os participantes para que alcancem objetivos comuns.

Como podemos perceber, para cumprir com suas finalidades, a pesquisa-

ação exige um movimento extenso de análise, que se concretiza em etapas,

desencadeadas por uma série de ações, a serem realizadas em torno da situação

motivadora da pesquisa. Com o intuito de diagnosticar uma situação analisa-se

sistematicamente a situação, na busca de alcançar os objetivos almejados.

De acordo com Chizzotti (2013, p.77) algumas pesquisas são denominadas

―pesquisas ativas‖, entre estas a pesquisa-ação e a pesquisa participativa. Nestas

há o interesse do pesquisador em esclarecer fatos, com objetivo de orientar uma

ação dentro de uma situação real, concreta. Na pesquisa-ação, busca-se orientar

uma ação, na busca de soluções para um problema específico.

Também, nessa, perspectiva, Adelman (1993 apud ANDALOUSSI, 2004) com

base nas categorizações feitas por Lewin com seus colaboradores, apresenta uma

classificação da pesquisa-ação em quatro tipos, a saber: a diagnóstica, a

participativa, a empírica e a experimental. O autor explicita que a pesquisa-ação

diagnóstica trata ―de diagnosticar o problema e de recomendar medidas para

remediá-la. Os fatores de mudança devem partir do problema colocado e propor

soluções factíveis, efetivas e aceitáveis para as pessoas implicadas‖ (ALDEMAN,

1993 apud ANDALOUSSI, 2004, p.75).

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Nesse contexto, este trabalho se inspirou nos princípios da pesquisa-ação de

tipo diagnóstica, considerando que seu objetivo principal foi analisar como no livro

didático do EJA, 6º e 7ºano, coleção ―É tempo de aprender‖, é contemplado o eixo

da oralidade nas atividades voltadas para práticas orais, para cumprir como o

propósito da elaboração de sugestões de trabalho. Para tanto, levamos em conta o

que os PCN mencionam:

Os conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental devam ser selecionados em função do desenvolvimento de habilidades organizadas em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita e a análise e reflexão sobre a língua (BRASIL, 1997, p. 35)

Com esse olhar, buscamos o pensamento de Andaloussi (2004), no que se

refere às características da pesquisa ação. Este autor apresenta de modo sucinto

conceitos definidos como: observação, implicação, complexidade, lugar do

pesquisador e parceria. Estes aspectos são utilizados para um aprofundamento da

abordagem da pesquisa ação, na qual buscamos situar nosso estudo, no que tange

aos aspectos metodológicos necessários.

Sobre o aspecto da observação, o autor esclarece que há uma abundante

literatura sobre a questão que a considera como um instrumento de base do

conhecimento científico. A maioria dos manuais de pesquisa experimental sugere a

sistematização da observação para verificar as hipóteses do trabalho. Nesta direção,

o olhar para os aspectos da oralidade no livro didático do EJA busca observar se as

orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais a respeito do ensino da

modalidade oral e os estudos linguísticos desenvolvidos que tratam da questão da

oralidade se efetivam em atividades de ensino no material didático. Paralelamente,

observamos se as questões relacionadas à pedagogia do diálogo contribuem no

desenvolvimento das propostas.

Quanto ao processo da pesquisa, Andaloussi (2004) esclarece que não se

pode conduzir em um universo fechado, determinado do inicio ao fim, mas a

pesquisa - ação deve assegurar a abertura a novos encaminhamentos não previstos

no anteprojeto, assim como a participação de parceiros e atores envolvidos numa

construção passível de mudanças. Nessa perspectiva, a pesquisa-ação torna-se

participativa implicante e assume uma dinâmica que permite um processo

colaborativo de troca de informações.

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3.2 AS ETAPAS DA PESQUISA

Esta pesquisa foi efetivada cumprindo-se as seguintes etapas: inicialmente,

definimos a problemática voltada para a oralidade e ensino, a partir de uma literatura

que focaliza a questão, haja vista algumas considerações que revelam o privilégio

da modalidade escrita em sala de aula.

Após a leitura de alguns referenciais teóricos, definimos observar a oralidade

no ensino de Língua Portuguesa, tomando como objeto de estudo os materiais

didáticos usados em sala de aula. Nossa escolha foi direcionada para o livro didático

de Língua Portuguesa adotada pela EJA, motivada pela nossa atuação como

professora de Língua Portuguesa em turmas deste nível de ensino, nos últimos

cinco anos, nos quais em três deles utilizou-se como principal recurso didático os

livros da coleção ―É tempo de aprender‖. Um dos aspectos que mais chamaram

nossa atenção e que diferenciava de outro livro didático utilizado nos anos anteriores

era o espaço dado para os alunos se expressarem e discutirem questões de sua

realidade, que contribuíam para ampliar sua visão de mundo, construir uma

consciência mais crítica da sociedade e, assim, participarem ativamente dos

processos de construção do conhecimento.

Dando continuidade, identificamos no livro didático as unidades e seções cujo

foco foi direcionado às atividades pedagógicas voltadas para a oralidade;

descrevemos as atividades propostas no livro; definimos as categorias de análise e

refletimos sobre os dados à luz dos autores selecionados na discussão teórica;

ressaltamos nossa interpretação sobre a questão da oralidade no livro didático

objeto desta reflexão; apresentamos sugestões de trabalho, como forma de

otimização dessa modalidade enquanto possibilidade de trabalho a partir do livro

didático. Nessa direção, tivemos em mente as atividades em que se estabelecessem

diálogos com a reflexão que advoga Paulo Freire em relação ao ensino e

aprendizagem: a formação de um cidadão crítico e apto a agir e a interagir, a tomar

decisões e defender seus direitos de cidadão.

3.3 APRESENTAÇÃO DO CORPUS

Constituímos o corpus do trabalho, a partir do livro didático da EJA, 6º e 7º

ano, da coleção ―É tempo de aprender‖, descrevendo sua organização, dando

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ênfase aos objetivos e a concepção de ensino que norteiam o livro, com especial

atenção para as atividades pedagógicas com ênfase na oralidade.

Inicialmente, consideramos de grande relevância situarmos o que é

caracterizado como Educação de Jovens e Adultos, doravante EJA, o que faremos a

seguir.

Em 2002, a Coordenação de Educação de Jovens e Adultos (COEJA) da

Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação lançou uma

proposta curricular para a Educação de Jovens e Adultos - segundo segmento do

ensino fundamental – 5ª a 8ª série. A proposta foi elaborada tendo por base os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental, considerando as

especificidades dos alunos da EJA. (BRASIL, 2002). Os alunos dessa modalidade

apresentam uma série de dificuldades de ordem pessoal e social relacionadas à

baixa autoestima, ao desemprego, disponibilidade de tempo para o estudo, cansaço,

problemas de aprendizagens decorrentes das condições de vida e do contexto de

vulnerabilidade social.

Com relação aos objetivos estabelecidos para o ensino de Língua

Portuguesa, a Proposta Curricular Nacional para Educação de Jovens e Adultos

explicita:

No processo de ensino e aprendizagem, espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de aprendizagem dos conteúdos escolares e, principalmente, suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL, 2002, p.18).

O Rio Grande do Norte, através da Secretaria de Educação, Cultura e

Desporto, com objetivo de estabelecer uma nova configuração ao ensino da

modalidade da EJA, criou, em 1996, uma proposta Curricular para Jovens e Adultos.

Em 2002, efetivou uma atualização, incorporando as mudanças ocorridas no cenário

educacional a partir dos parâmetros curriculares (PCN) e das Diretrizes Nacionais

aprovadas pelo MEC.(RN, SEDC, 2003).

De acordo com a proposta Curricular, (RIO GRANDE DO NORTE, 2003,

p.23) ―o curso da EJA tem como meta responder ás necessidades da população

jovem adulta que sofreu e sofre o problema de exclusão do sistema escolar, por

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fatores independentes de sua vontade‖. Nesse sentido, as ideias trazidas pelas

propostas curriculares para essa modalidade incorporou ao longo de sua

construção, importantes contribuições da concepção de educação de Paulo Freire

(2014), que entendia a educação como um ato político, capaz de contribuir para a

transformação social e a superação da opressão.

Atento as especificidades e necessidades do público adulto, Freire criou um

método de ensino de alfabetização de jovens e adultos que valorizava a experiência

de vida do aluno e sua participação dialógica em todo processo educativo.

Após essas considerações, descrevemos a organização do livro, fazendo

referências aos objetivos e à concepção de ensino subjacente à proposta; em

seguida, identificamos as atividades pedagógicas com ênfase na oralidade,

utilizando como referência as quatro dimensões do trabalho com a oralidade

proposta por Leal, Brandão e Lima (2012), as quais refletiram embasadas nos

estudos de Marcuschi (2005, 2010) entre outros. Segundo as autoras, conforme já

situamos, são elas: Relação fala e escrita, oralização do texto escrito, valorização de

textos de tradição oral, variação linguística, produção e compreensão de gêneros

orais (LEAL, BRANDÃO; LIMA, 2012). Destacamos que, tendo em vista o objetivo

do trabalho de analisar os aspectos da oralidade que são propostos nos livros

didáticos para o ensino da Língua Portuguesa, e também contribuir para a ampliação

do trabalho com a oralidade na sala de aula, indicamos novas propostas de

atividades que somadas as existentes favorecem a implementação do ensino da

oralidade.

3.3.1 Caracterização do livro didático

Até o ano de 2010 a Educação de Jovens e Adultos não tinha acesso a um

material didático que desse suporte ao ensino. A partir de 2011, as escolas públicas

passaram a ser comtempladas com o Programa Nacional do Livro Didático para

Educação de Jovens e Adultos – EJA. A coleção ―É tempo de aprender‖ foi

escolhida como primeiro livro didático a ser utilizado pelas escolas públicas na

modalidade de ensino da EJA, previsto para um período de três, sendo remanejado

no estado do RN, para mais um ano, devido à ausência de novos livros.

Esta coleção apresenta-se com um aspecto inovador, o de ser um material

multidisciplinar, que congrega todas as disciplinas de cada uma das séries do ensino

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fundamental em um único volume. O aspecto da multidisciplinariedade não está

apenas nessa junção de áreas de conhecimento em um único material, mas,

também no conteúdo, haja vista que todas as disciplinas trazem os mesmos temas

nas unidades e tratam a mesma temática em todos os capítulos.

A coleção está organizada em 04 volumes, que correspondem às séries do 6º

ao 9º ano do ensino fundamental. Cada volume deve ser utilizado durante um

semestre, composto por 07 disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História,

Geografia, Ciências, Inglês e Artes. Cada volume divide-se em quatros unidades

temáticas, que são subdivididas em 04 a 05 capítulos que abordam os seguintes

eixos temáticos:

Quadro 10 – Unidades temáticas

ANO UNIDADE I UNIDADE II

6º Identidade Cidadania e Leitura

7º Meio ambiente Saúde e qualidade de vida

8º Cidadania e cultura Cultura de paz

9º Trabalho e consumo Saúde e qualidade de vida

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 26).

Dessa forma, a cada semestre se trabalha com dois eixos temáticos que se

subdividem em subtemas nos capítulos. Os eixos temáticos abordam questões da

realidade social dos alunos, e trazem questionamentos sobre as problemáticas

sociais recorrentes atualmente, resultantes na maioria das desigualdades sociais

existentes. As temáticas apresentadas visam desenvolver a consciência crítica dos

alunos para as causas dos problemas, na perspectiva de transformação da realidade

por parte do educando.

Cada capítulo apresenta oito seções comuns a todas as disciplinas. Além das

seções comuns, cada disciplina traz seções especificas que apresentam propostas

relacionadas aos conteúdos. Na disciplina língua portuguesa temos as seguintes

seções especificas:

Na disciplina língua portuguesa temos as seguintes seções especificas:

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Quadro 11 – Seções Língua Portuguesa

SEÇÃO CONTEÚDOS

Um olhar para língua Espaço de propostas de análise linguística, de estudos gramaticais

Olhe a escrita Trabalho com ortografia e com outros aspectos notacionais

Tramando textos Apresenta atividades de produção escrita ou oral

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 28).

Em algumas das atividades propostas nas seções, apresentam-se junto aos

subtítulos, ícones gráficos que indicam para o professor e para o aluno, os tipos de

atividades e conteúdos propostos. Na área de Língua Portuguesa as funções dos

ícones especificados indicam as seguintes categorias:

Figura 1 – Ícones gráficos

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 6.)

Dessa maneira, os ícones estão presentes nas seguintes atividades:

a) Registro escrito - as atividades que priorizam o uso da escrita; interpretações

de textos, produções escritas, atividades que tratam de aspectos ortográficos

e gramaticais;

b) Expressão oral - Questões direcionadas para serem respondidas oralmente

antes da leitura de textos, discussões e conversas com o colega e a turma

sobre os temas abordados;

c) Trabalho em grupo - atividades que envolvem a modalidade escrita e oral em

pares;

d) Pesquisa - designa todas as atividades de pesquisa, orais ou escritas.

Como é possível perceber, o livro didático da coleção ―É tempo de aprender‖,

apresenta um conjunto de atividades destacadas pelas autoras como atividades de

expressão oral. No entanto, vale salientar que as atividades classificadas como

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expressão oral em sua maioria são atividades voltadas para o uso da fala em

contextos informais, como a discussão de temas relacionados ao texto escrito, o que

não constitui um trabalho de reflexão sobre a modalidade oral da língua.

No livro do educador, os autores da coleção produziram um manual geral e

um manual especifico, por área de conhecimento, destinados ao professor. O

manual geral contém resumos das principais teorias e fundamentos teóricos -

metodológicos que os autores apontam como embasamento da obra, com o objetivo

de auxiliar os professores a compreenderem a concepção de mundo e de educação

proposta no livro.

No Manual Geral são destacados como concepção de Educação de Jovens e

Adultos que permeia todas as etapas da obra, os princípios pautados na concepção

―libertadora de educação‖ e na concepção ―socioconstrutivista do conhecimento‖.

Nesse contexto, as autoras explicitam que as obras têm como principal

embasamento teórico os estudos de Bakhtin, Gardner e Paulo Freire, apontando que

a Educação de Jovens e Adultos é um processo discursivo - dialógico pautado nas

relações interpessoais dialógicas, na interatividade da relação educador- educandos

e dos educandos entre si.

Atentamos para observar o que diz o manual especifico de Língua Portuguesa

sobre a oralidade. Segundo as autoras, ao abordar o eixo da oralidade são

considerados os seguintes aspectos fundamentais, situados no campo do letramento

e do ensino da linguagem, são eles:

O estudo dos gêneros orais que constituem em textos completos como conto folclórico, causo, adivinha, provérbio, lenda e conto acumulativo, etc.

As situações em que o aluno emprega a fala em diversos contextos comunicativos, formais ou informais. É o caso dos gêneros como debate, exposição oral orientada, o seminário, a conversação espontânea, a construção de respostas orais, etc.(SILVA, 2009, p.46).

Podemos compreender, que as autoras enfatizam no tocante ao ensino da

oralidade, as propostas privilegiam atividades com textos de tradição oral e o

trabalho com os gêneros informais e formais, exemplificando alguns gêneros

presentes nas obras.

Quanto aos objetivos do trabalho com a oralidade, no manual do educador é

destacado que deve - se inserir os alunos nas reflexões sobre a língua oral,

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conscientizando-os a respeito das diferentes possibilidades de uso dessa

modalidade e das suas características. Assim, as atividades propostas pretendem

levar os alunos a:

identificar e comparar algumas marcas dialetais e, a partir de uma reflexão a respeito das variantes linguísticas, identificar respeitar e valorizar a diversidade de falares do povo brasileiro;

reconhecer algumas características da modalidade oral e escrita;

identificar marcas de oralidade em textos escritos e também em textos que não acomodam marcas de oralidade;

perceber que o discurso oral também pode ser produto de uma elaboração (SILVA, 2009, p.46).

No manual, explicitam ainda que, através das atividades de escuta, análise e

produção, o trabalho tem como base o reconhecimento da distinção e da conjugação

de aspectos da oralidade e da escrita sem concebê-los em oposição, apontando que

a obra evita a abordagem da inerência entre oralidade como sinônimo de discurso

informal e escrita como sinônimo de formalidade.

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4 PRÁTICAS DE ORALIDADE NO LIVRO DIDÁTICO: REFLEXÕES E SUGESTÕES

Neste capítulo, analisamos como estão contemplados os aspectos da

modalidade oral da língua no livro didático da Educação de Jovens e Adultos - EJA -

6º e 7º ano, da coleção ―É tempo de aprender”. Buscamos observar se as atividades

voltadas para a aprendizagem da oralidade, propostas pelos autores do material

didático, atendem as orientações teóricas que dão sustentação aos estudos atuais

do ensino da oralidade discutidos neste trabalho. Do mesmo modo, propomos

encaminhamentos para a realização de outras atividades como forma de contribuir

com outras atividades para o ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, além

daquelas encaminhadas pelo livro didático.

Quanto aos pressupostos teóricos que embasam a obra, observamos que o

manual contempla um discurso que confirma que o ensino da oralidade deve se

efetivar por meio do ensino dos gêneros orais, necessários para as diversas

situações comunicativas que o aluno se situa. Nessa direção, as autoras informam

no Manual Específico de Língua Portuguesa que a abordagem,

dos conteúdos e a construção dos conceitos se dará na interação educador-aluno, por meio de atividades e procedimentos que priorizam a reflexão de diferentes gêneros orais e escritos. Os capítulos apresentarão gêneros primários e secundários, utilizando diferentes recursos, conforme os objetivos e o grau de dificuldade. O trabalho contará com propostas de atividades de escuta, análise e produção: debates, exposições orais orientadas, seminários, entrevistas, dramatizações, audição de contos populares, músicas, construções de respostas orais, além de atividades de retextualização (SILVA, v.1, 2009, p. 46).

Nas questões teóricas tratadas, identificamos que as autoras enfatizam a

abordagem sociointeracionista de análise da relação fala e escrita discutida por

Marcuschi (2010, p.34): ―a perspectiva sociointeracionista preocupa-se com os

processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos

sócio - historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos

inferenciais‖. Dessa forma, o autor considera que é fundamental assegurar que ―As

diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológico das práticas

sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois polos‖

(MARCUSCHI, 2010, p. 37).

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Nesse aspecto observado, podemos dizer que a coleção apresenta em seu

guia orientador uma discussão teórica que vai de encontro às visões atualmente

consideradas pertinentes no que diz respeito à concepção de oralidade adotada

pelas orientações oficiais de ensino e pelas recentes pesquisas. Resta-nos analisar

se esses pressupostos teóricos se sustentam na prática, por meio das atividades

que são propostas.

Para tanto, quantificaremos as atividades orais contidas no material,

classificando-as e analisando-as com base nas dimensões que envolvem o

desenvolvimento da linguagem oral definidas por Leal, Brandão e Lima (2012);

discutidas no segundo capítulo:

a) Relação fala e escrita;

b) Variação linguística;

c) Oralização do texto escrito;

d) Valorização de textos de tradição oral;

e) Produção e compreensão de gêneros orais;

Por acreditamos que estas dimensões dão conta do trabalho com a oralidade

e contemplam os objetivos do nosso estudo, optamos por utilizá-las como categorias

de análise das atividades dos livros didáticos. Dessa forma, inicialmente

identificamos e quantificamos as atividades apresentadas em cada série do livro

didático, que estão voltadas para o trabalho com a oralidade e para a escrita, com

objetivo de percebermos qual o espaço dado a cada uma das modalidades da

língua, e em que medida se privilegia atividades voltadas para linguagem oral,

conforme mostramos na tabela 1:

Tabela 1 – Frequência/percentagem de atividades na modalidade escrita e oral

MODALIDADE DA LÍNGUA 6º ano (%) 7º ano (%)

Escrita 56

(62,9%) 68

(66,7%)

Oral 33

(37,1%) 34

(33,3%)

Fonte: dados da autora.

Como podemos observar as atividades identificadas nos livros voltadas para a

modalidade escrita da língua se apresentam em maior número que as atividades

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que contemplam algum aspecto da modalidade oral. No 6º ano (62,9%) das

atividades estão voltadas para aspectos da escrita e (37,1%) de atividades voltadas

para o oral. Vemos que os números e percentagens são semelhantes em ambos os

níveis de ensino. No 7º ano as atividades escritas somam (66,7%), enquanto as

orais (33,3%).

Vemos que os dados analisados, em que as atividades escritas aparecem em

um quantitativo maior que as atividades orais, confirmam a declaração de Marcuschi

(2005) ao dizer que embora a fala seja muito mais central do que escrita no

cotidiano das pessoas, as instituições escolares dão uma centralidade a escrita

quase inversa, ou seja, privilegia em seus currículos o ensino da escrita, conforme

podemos constatar nos livros analisados pelo quantitativo de atividades com a

modalidade escrita.

Se compararmos esses dados com outros estudos menos recentes, como por

exemplo, a pesquisa realizada por Marcuschi (1997) que analisou a concepção de

língua falada nos manuais didáticos de português de 1º e 2º grau, o autor mostra

que nos 58 livros estudados, o espaço dado à oralidade raramente superou o

percentual de 2%, veremos que houve uma evolução significativa no que diz

respeito ao espaço dado a oralidade nos materiais didáticos atualmente e

consequentemente nas salas de aula.

Como não é viável trazer todos os exemplos de atividades em que a oralidade

é contemplada, pelo número de atividades, selecionamos alguns delas, objetivando

revelar ao leitor acerca do que encontramos no material. Neste sentido,

apresentamos a seguir, exemplos de como são propostas as atividades, com ambas

as modalidades, nos livros didáticos:

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Figura 2 – Atividade com a modalidade oral e escrita

Fonte: Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 30)

A atividade destacada realiza-se em torno de aspectos da interpretação

textual de um poema. Inicialmente, é proposta uma questão para discussão oral com

o colega, em seguida, questões para responder por escrito. O trabalho com a

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oralidade é identificado pelo primeiro ícone, expressão oral (microfone), logo no

início da questão.

Podemos situar que a atividade escrita busca descrever aspectos do gênero

poema. Além disso, chama atenção dos alunos para elementos da tradição oral,

como as brincadeiras de amarelinha, cantigas de roda relacionando ao resgate de

memórias da infância.

Salientamos que enquanto atividade oral, a proposta enfatiza a conversa

espontânea por meio da discussão sobre o texto. Contudo, é válido destacar a

possibilidade de um trabalho com outros elementos da oralidade como os recursos

prosódicos, bem como, as relações entre fala e escrita.

Neste contexto, é importante questionarmos sobre que aspectos estão

priorizados nas propostas no manual que analisamos: aqueles que favorecem ao

aluno o desenvolvimento de habilidades que permitem compreender e analisar o

texto falado? Produzir gêneros orais adequados à situação comunicativa,

necessários para a inserção social, conforme advogam os autores pesquisados? Ou

abordam apenas atividades que possibilitam aos alunos se expressarem oralmente,

utilizando a interpretação e discussão oral apenas como suporte para realização de

atividades com textos escritos?

Destacamos que num primeiro momento, quantificamos todas as atividades

que em sua realização envolveram algum aspecto da oralidade. Por este viés,

podemos dizer que há um privilegio para o ensino da escrita, mas percebemos que

os livros didáticos dos 6º e 7º ano do EJA, da coleção ―É tempo de aprender‖

contemplam significativamente atividades voltadas para a oralidade.

Num segundo momento, buscamos agrupar as atividades identificadas de

acordo com as características comuns quanto ao tipo de atividade. Assim, as

atividades identificadas voltadas para o ensino da oralidade foram agrupadas nas

dimensões a seguir:

a) Atividades que estimulam a reflexão sobre a variação linguística e as relações

fala e escrita;

b) Atividades com textos de tradição oral e de oralização do texto escrito;

c) Atividades que estimulam a produção de gêneros conversa /discussão;

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d) Atividades que estimulam a produção dos gêneros orais secundários.5

Nesse contexto, identificamos, a seguir, nas atividades no livro didático, quais

dimensões e quais gêneros orais são trabalhados. Assim, apresentamos o número

de atividades quantificadas por dimensão, na tabela 2 abaixo:

Tabela 2 – Total de atividades por dimensão do ensino da oralidade6

Dimensões contempladas 6º ano (%) 7º ano (%)

Reflexões sobre relações entre fala e escrita e variação linguística

03 (9,1%)

07 (20,6%)

Atividades com textos de tradição oral e de Oralização do texto escrito

05 (15,1%)

05 (14,7%)

Atividades que estimulam a produção dos gêneros conversa/discussão

22 (69,7%)

17 (50%)

Produção e compreensão de gêneros secundários

03 (9,1%)

05 (14,7%)

Fonte: dados da autora.

De acordo com a tabela 2 apresentada, podemos perceber que as 04

dimensões definidas para um trabalho com a oralidade são contempladas com

algum tipo de atividade em todos os dois níveis de ensino analisados. Notamos

ainda, que, na dimensão que trata de atividades sobre as relações entre fala e

escrita e variação linguística, o 6º ano apresenta um número de atividades inferior ao

7º ano, com (9,1%) de atividades, enquanto o 7º ano apresenta (20,6%). As

atividades com textos de tradição oral e de oralização do texto escrito apresentam

um número de atividades por dimensão em equilíbrio, em ambas às séries, com

(15,1%) no 6º ano e (14,7%).

Ressaltamos que a dimensão que corresponde à produção e compreensão de

gêneros informais e coloquiais apresenta um maior número de atividades

identificadas, num total de (69,7%) no 6º ano e (50%) no 7º ano. Essa dimensão

engloba as atividades interacionais, que promovem interações entre alunos, como

as conversas entre colegas sobre o tema trabalhado, as discussões em sala de aula,

5 De acordo com Bakhtin (2000) os gêneros primários são aqueles constituídos de

comunicação verbal cotidiana. Os gêneros secundários são mais complexos utilizados em situações mais formais públicas que exigem maior planejamento.

6 As percentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de atividades no eixo da oralidade em cada ano, apresentado na Tabela 1.

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a participação nas atividades, à interpretação oral do texto, entre outros. Vemos que

na dimensão que aborda as atividades de produção e compreensão dos gêneros

secundários temos no 6º ano (9,1%) e no 7º ano (14,7%). Assim, inicialmente

observamos que a prioridade no trabalho com a oralidade nos livros é para as

interações por meio de conversas/discussão com a turma e com os professores

sobre os temas a serem abordados na sala de aula.

Verificamos como estão postas algumas das atividades de conversa e

discussão do tema no material didático:

Figura 3 – Conversa sobre o tema

Fonte: Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 52.)

Observamos, inicialmente, que o tema é introduzido a partir da leitura de

imagens que fazem referência à vida cotidiana de grande parte da população de

alguns países, que não dispõe de condições básicas de vida e desenvolvimento

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humano. As imagens por si só já estimulam o aluno a pensar na falta de dignidade

humana que vivem tantas pessoas no mundo. Assim, a discussão é proposta a partir

de questões sobre essa realidade conforme visualizamos:

Figura 4 – Questões para discussão

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 53)

Como vemos, a atividade trata de um conteúdo de cunho social que se insere

numa abordagem de educação que procura levar o aluno a discutir na sala de aula a

realidade de vida das pessoas, de suas comunidades, da sociedade em geral,

indagando-os, principalmente, sobre as condições sociais e econômicas que

garantem renda, moradia digna, saúde, educação.

Além disso, chama atenção sobre quais atitudes individuais contribuem para a

qualidade de vida das pessoas, ampliando a discussão dos problemas sociais para

todas as dimensões da vida humana e da sociedade, e não apenas para aqueles

que vivenciam de perto situações estarrecedoras.

Ao tratar desses aspectos, a proposta aborda questões presentes na

discussão de educação enquanto ato político defendida pelo educador Paulo Freire

(2014b), que a considera como ação capaz de levar os indivíduos a transformar

essas realidades.

Sem dúvida, essa é uma discussão pertinente no ambiente escolar nos dias

atuais, oportunizar os alunos refletir criticamente essa realidade e participar de

discussões sobre essas temáticas, os ajudam a desconstruir visões alienadas das

causas dos problemas sociais, além de sensibilizar para os problemas do outro.

Ao tratar das atividades voltadas para a conversa/discussão de temáticas,

vemos que são atividades comuns nos materiais didáticos e no trabalho com a

oralidade em sala de aula. Autores como Magalhães (2008 p. 148) considera que

―não configurariam atividades de produção as tarefas semelhantes a ―converse com

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seu grupo‖ ―converse com seu professor‖ uma vez que não visam á compreensão e

á análise do texto falado‖.

Nesse contexto, enfatizamos que as atividades de produção de gêneros orais

precisam envolver processos de escuta, preparação e elaboração de um gênero.

Sobre isso, Cavalcante e Melo (2007) acrescentam que é necessário ir além de

propor que os alunos conversem com o colega, deve-se abordar atividades que

favoreçam a identificação, reflexão sobre a variedade de usos da língua.

Nessa direção, constatamos que as atividades de discussão de temas

proporcionam a socialização de ideias, estimula a participação dos alunos, mas não

apresenta de forma sistemática um direcionamento para a elaboração de estratégias

argumentativas, que favorece para efetivação do trabalho com a oralidade.

Como forma de contribuir com o aprimoramento da proposta, indicamos a

inclusão do gênero exposição oral. Os alunos seriam solicitados a formar grupos em

torno de uma das imagens apresentadas na atividade para organizar uma exposição

sobre a temática para classe. Assim, inicialmente, o professor selecionaria textos

diversos que abordassem o tema trabalhado e colocaria á disposição dos alunos,

favorecendo para a apropriação da temática. Em seguida, a turma seria orientada a

discutir a temática em grupos, escolher os principais pontos a serem destacados

para elaborar um plano de apresentação. Desse modo, fariam a discussão da

temática, desenvolvendo habilidades de produção e organização da fala em textos

orais, em um contexto formal que exigem um adequado posicionamento.

Propomos também como forma de enriquecer mais ainda o trabalho com a

oralidade, um maior número de atividades que contemple as outras dimensões,

principalmente, a que trata da produção dos gêneros secundários, que somam

apenas (9,1% no 6º ano e (14,7%) no 7º ano, que não consideram os principais

gêneros orais escolares e formais públicos, como a entrevista, o seminário, o relato,

o debate e a exposição oral, principalmente no 6º ano. Desse modo, propomos a

inclusão de propostas com tais gêneros, considerando a necessidade e função

social que ocupam na vida do jovem adulto.

Observamos que a dimensão que trata de atividades de oralização do escrito

é a segunda que apresenta o maior número de atividades com (15,1%) no 6º ano e

(14,7%) no 7º ano. Ao analisarmos esses dois dados, constatamos que ainda é

muito presente entre os educadores e autores de manuais didáticos o privilégio para

alguns aspectos da oralidade, como a produção dos gêneros conversa/discussão e

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oralização da escrita. Assim, reforçamos que embora estas sejam atividades

importantes, não são suficientes para efetivar o ensino da oralidade, na perspectiva

que defendemos.

Observamos que embora as autores dos livros didáticos enfatizem no manual

do professor que o eixo sobre oralidade deve priorizar o trabalho dos gêneros orais,

primários e secundários, notamos que nos livros didáticos o número de atividades

somadas na dimensão que se refere as atividades de discussão e interação entre os

alunos é maior do que todas as outras dimensões que trazem atividades com

gêneros que exploram estratégias diferenciadas de organização, estruturação da

fala adequadas a situações mais elaboradas.

Em seguida, identificamos as atividades propostas pelas autoras no livro

didático que correspondem a cada tipo de dimensão. Desse modo, o eixo atividades

que estimulam a reflexão sobre a variação linguística e relações entre fala e escrita,

apresentam as seguintes propostas:

Tabela 3 – Frequência/percentagem de atividades que estimulam a reflexão sobre a variação linguística e relações entre fala e escrita7

Tipos de atividades identificadas

6º ano (%) 7º (%)

Comparação entre diferentes variantes orais

02 (6,06%)

-

Comparação entre registros escritos e variantes orais

01 (3,03%)

02 (5,88%)

Uso da escrita como apoio á produção oral

01

(2,94%)

Atividades de retextualização 01

(3,03%) 03

(8,82%)

Fonte: dados da autora.

Na tabela 3, com base na observação, constatamos que os livros didáticos

em ambos os níveis apresentam um número de atividades que trabalham com

questões de variação linguística e relação fala e escrita. Observamos que os livros,

embora contemplem apenas uma ou duas atividade por tipo, sugerem exercícios

variados que estimulam a reflexão e a comparação entre variantes.

Verificamos, inicialmente, que as atividades sobre variação linguística

contemplam aspectos diversos, podemos observar a atividade proposta do livro do

6º ano de comparação entre diferentes variantes orais:

7 As percentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de

atividades no eixo da oralidade em cada ano, apresentado na Tabela 1.

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Figuras 5 – Comparação entre diferentes variantes orais

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 28.)

A proposta é direcionada para a comparação entre diferentes variantes orais

da língua falada, por meio das expressões regionalistas. Nesse contexto, a atividade

contribui para que o aluno perceba que não existe uma única língua, e, portanto uma

forma única e correta de se expressar, mas diferentes falares são utilizados por

grupos sociais nas diferentes regiões do país, e que há formas diferentes de dizer a

mesma coisa, dependendo da região em que se mora. Destacamos ainda, que a

proposta procura abordar a discussão sobre o preconceito linguístico, ao questionar

o aluno a respeito do assunto.

Por entender que a proposta possui potencial para um trabalho mais amplo

com o aspecto da variação, propomos como sugestão de atividade complementar

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uma sequência didática para um trabalho mais profícuo de análise linguística. Assim,

inicialmente o professor poderia solicitar que os alunos realizassem uma pesquisa

sobre os diferentes falares encontrados no seu país, e em seguida que partilhem na

sala de aula as diferenças percebidas. Na sequência, o professor apresenta, em

áudio ou vídeo pessoas representando os diversos falares das diferentes regiões do

país apresentadas no livro, identificando junto com os alunos aspectos referentes às

diferenças regionais, de sexo, idade, entre outras.

Na atividade seguinte identificamos uma proposta que trabalha com a

comparação entre registro escrito e variantes orais, favorecendo um trabalho de

relação entre fala e escrita e variação linguística.

Figura 6 – Comparação entre registros escritos e orais

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 26.)

A atividade possibilita trabalhar a comparação entre registos e refletir sobre os

diferentes usos da língua, preocupando-se em mostrar a adequação desses usos ao

contexto de produção da situação comunicativa, em curso. Implica-se assim, que o

aluno analise nas falas do menino maluquinho a utilização de expressões típicas do

cotidiano, das situações informais e espontâneas.

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Nessa direção, a atividade permite que o aluno diferencie em quais momentos

faz o uso formal da fala, utilizando da norma culta, e em quais situações utiliza as

formas do uso cotidiano marcadas pela informalidade. Ambas as formas de uso são

evidenciadas na proposta como legitimas de acordo com a situação comunicativa. O

exemplo a seguir, ilustra o quanto as atividades que abordam os diferentes usos da

língua ajudam o aluno a entender como adequar esses usos ao contexto das

práticas comunicativas, bem como desfazer a visão de uma língua única que segue

um padrão escrito. Complementando a proposta o livro traz a atividade seguinte:

Figura 7 – Atividade de comparação entre registros

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 27.)

O exemplo da questão proposta além de esclarecer o aluno sobre a

necessidade de adequar o uso das palavras à situação comunicativa possibilita que

os educandos façam uma análise das diferentes possibilidades de usos do léxico,

desde as expressões que representam a fala cotidiana, empregada pelo Menino

Maluquinho, às possibilidades mais formais, fazendo-os pensar em qual contexto

eles usariam cada expressão.

Na seção ampliando o tema, o livro apresenta outra proposta de reflexão

sobre questões referentes à variação linguística. Antes de propor a leitura de um

texto, os autores destacam no livro que a língua falada representa umas das mais

imediatas marcas da identidade social, como podemos mostrar a seguir:

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Figura 8 – Língua falada e identidade

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 25.)

Dessa forma, o livro didático apresenta elementos a serem observados nos

estudos da variação linguística, tais como: a língua falada enquanto aspecto

representativo da identidade, as possibilidades de identificar o falante e suas

características por meio da fala e o quanto esses aspectos marcam fortemente a

identidade de um povo. Essas considerações contribuem para um entendimento dos

elementos constitutivos dos processos de variação indicados para o trabalho na sala

de aula. Vemos a necessidade incluir orientações para que o professor comente a

relação desses aspectos com os estudos dos processos de variação linguística, por

meio da realização de atividade de escuta e análise desses aspectos em situações

reais de uso.

Após essa reflexão recomendam a leitura do texto do autor Patativa do

Assaré, seguido de uma atividade escrita:

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Figura 9 – Diferentes falares

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 26.)

Como podemos identificar, trata-se de uma atividade de leitura do texto de

Patativa, seguida de interpretação textual escrita. Embora seja proposta uma

atividade escrita, as questões estão relacionadas à variação da linguagem e registro,

através de um suporte escrito, por isso, quantificamos também como atividade que

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trabalha com o oral. Na atividade, são destacadas as diferenças entre falares do

homem que vive na zona rural e o da zona urbana, propiciando ao aluno interpretar

que a linguagem do poeta e o registro dos seus versos, que não obedecem a

variante culta da língua, é a variante usada pelo sertanejo.

Observamos que a atividade contribui para a compreensão de que a língua

não é homogênea, sofre variações geográficas, entendendo, assim, que de acordo

com a região, a cultura local da comunidade, os falantes fazem uso de determinada

variante linguística. Sobre isso, Maciel (2013, p.88) afirma: ―a variação na dimensão

regional ou geográfica é marcada pelas influências sofridas na formação das

regiões, pela polarização política e/ou econômica e/ou cultural dos falantes em

comunidades linguísticas geograficamente limitadas‖. Dessa forma, as diferenças se

dão na ordem cultural, mas, sobretudo por influências de elementos econômicos e

políticos e que constituem aspectos da identidade dos falantes de determinada

região, ou comunidade.

Ressaltamos na atividade, a importância do professor destacar que o uso da

língua deve estar adequado à situação comunicativa, como também de trabalhar as

formas de produção e organização da fala e da escrita, destacando suas

especificidades, que estão ligadas ao contexto, as condições de interação com os

interlocutores, os papeis dos participantes, entre outros (CASTILHO, 2014). Assim

sendo, o professor pode evitar estabelecer uma visão dicotômica das modalidades

falada e escrita, bem como a construção de preconceitos no que diz respeito à

linguagem utilizada pelas pessoas da zona rural. Desse modo, ele propicia ao aluno

compreender que o homem que vive no campo faz uso de uma linguagem coloquial

da mesma forma que o da zona urbana. Percebe-se, assim, que o professor poderá

contribuir para que o aluno não pense que a fala do homem do campo é simples,

mal elaborada, desregrada; enquanto isso, o homem da zona urbana usa a língua

mais elaborada, formal, que obedece a regras.

Como forma de contribuir para que essa compreensão seja construída e

evitar a disseminação de algum tipo de preconceito linguístico com relação à

linguagem do homem do campo, sugerimos acrescentar à atividade, uma reflexão

sobre os níveis de usos da língua nos seus aspectos formal e coloquial, tanto na fala

como na escrita, a partir da escuta de textos orais diversos que favoreçam a análise

das características que influenciam na produção da fala, tais como idade, gênero,

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profissão, posição social. (Maciel, 2013). Conforme enfatizam Fávero, Andrade e

Aquino (2012, p. 12):

Trata-se de mostrar aos alunos a grande variedade de usos dessa fala, dando-lhes consciência de que a língua não é homogênea, monolítica, trabalhando com eles os diferentes níveis (do mais coloquial ao mais formal) das duas modalidades – escrita e falada – isto é, tornando-os poliglotas dentro de sua própria língua.

Além disso, seria oportuno enfatizar, que a escrita pode ser registrada de

maneira informal, dependendo dos aspectos envolvidos no processo de interação

entre os sujeitos. (Marcuschi, 2010). Assim, dependendo do grau de aproximação,

do contexto da situação a escrita poderá ser tão informal quanto uma conversa

espontânea, como por exemplo, os bilhetes entre amigos, as cartas pessoais, os

recados cotidianos, etc.

No que se refere às atividades de retextualização da fala para a escrita,

identificamos no livro algumas atividades que sugerem a passagem de um texto oral

para a escrita, como podemos exemplificar a seguir:

Figura 10 – Do oral para o escrito

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 92.)

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A proposta chama atenção para o trabalho de passagem do texto oral para o

escrito, aspecto relevante do ensino da linguagem oral, discutida por vários autores,

entre eles Marcuschi (2010), como atividades de retextualização. Portanto,

constatamos que o material didático atenta para a necessidade de relacionar fala e

escrita nas atividades de ensino. Além desse aspecto da oralidade, os

encaminhamentos destacados evidenciam três momentos de atividades que

favorecem um trabalho de produção dos gêneros entrevista, receita culinária e

poema.

A atividade faz referência ao trabalho que vem sendo realizado com os

gêneros receita culinária e poesia, ambos eleitos no manual do professor para

serem abordados em suas formas de produção e organização durante a unidade.

Desse modo, vemos que o aspecto de transformação do texto oral em escrito e a

produção do gênero entrevista estão sendo propostos nesta seção em função de

aprimorar a proposta de trabalho com os citados gêneros.

Podemos observar, ainda, o aspecto da valorização das experiências e

conhecimentos da pessoa idosa, o que constitui um trabalho que considera a

dimensão do humano, do reconhecimento da dignidade do outro, sobretudo das

pessoas idosas. Nessa perspectiva, a proposta ressalta a construção coletiva do

conhecimento, a troca de informações por meio do diálogo estabelecida entre os

alunos e as pessoas idosas, através do gênero entrevista. Tal prática favorece a

abordagem de uma educação libertadora, aberta a outros saberes e solidariedade.

Contudo, salientamos que a proposta apresenta potencial para o

desenvolvimento de um trabalho mais sistemático com aspectos significativos da

oralidade, como a retextualização e o trabalho com o gênero entrevista. Para tanto,

apontamos alguns procedimentos necessários para o aprimoramento desta, com

vistas à ampliação do trabalho com a oralidade que defendemos nesta investigação.

Primeiramente, sugerimos explorar com mais clareza a produção e

organização do gênero entrevista, por ser uma possibilidade de trabalho com

enfoque na relação entre fala e escrita e por ser um gênero de domínio público.

Nesse sentido, tal gênero exerce um papel relevante na prática social dos

educandos, sobretudo, para aqueles que estão na Educação de Jovens e Adultos e

que, cotidianamente, são desafiados a responder questionamentos na vida pública e

profissional em que é exigido o uso da fala em contextos formais de uso.

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Sugerimos o planejamento de uma sequência didática que contemple as

etapas de escuta, planejamento, produção textual, retextualização e socialização, a

fim de explorar e reforçar conhecimentos sobre os aspectos que se fazem presentes

na fala na escrita. Além disso, precisa que a sequência didática possibilite refletir

sobre o gênero entrevista em um contexto real de uso, enfatizando sua função social

nas diversas esferas da sociedade. Por exemplo, as entrevistas orais com pessoas

da comunidade seria uma oportunidade para o aluno ouvir um texto oral e

retextualizá-lo em sala de aula. Essa atividade geraria uma discussão acerca do

conteúdo da entrevista; também, seria possível identificar aspectos da oralidade no

texto coletados, os quais revelam um processo real de comunicação em uma prática

especifica. Destacamos, assim, uma atenção para o registro da língua usado pelas

pessoas, a seleção lexical, a gestualidade utilizada, os marcadores conversacionais,

entre outros.

Para tanto, é interessante que o professor crie, nessas situações, condições

para a gravação das entrevistas e realização das transcrições, para que assim, os

alunos tenham oportunidade de analisar a fala em um contexto real de uso. Faz-se

necessário, também, trabalhar alguns aspectos envolvidos na transformação do

texto oral para o escrito, como o modelo de operações textuais - discursivas

proposto por Marcuschi (2010).

Na tabela 5, fazemos um levantamento das atividades identificadas que

estimulam a produção de gêneros conversa / discussão.

Tabela 4 – Frequência/percentagem de atividades com textos de tradição oral e oralização do texto escrito8

Tipos de atividades identificadas

6º ano (%) 7º ano (%)

Leitura em voz alta 04

(12,12%) 03

(8,82%)

Recitação ou cantoria (poesias, trava-línguas,

parlendas, canções)

01 (3,03%)

02 (5,88%)

Fonte: dados da autora.

8 As percentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de

atividades no eixo da oralidade em cada ano, apresentado na Tabela 1.

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Conforme observamos, os maiores números de atividades identificadas nesta

dimensão que engloba as atividades de oralização do texto escrito e as atividades

com textos de tradição oral, são as atividades de leitura em voz alta, nos dois níveis

de ensino, no 6º e 7º ano. As atividades de oralização do texto escrito possibilitam o

trabalho com a leitura e serve para que o aluno perceba aspectos entoacionais,

altura, intensidade de voz e outros.

Percebemos que nesta dimensão o 6º ano é contemplado com (12,2%) de

atividades de leitura em voz alta, contendo no material apenas uma atividade

(3,03%) de atividades com textos de tradição oral. O livro do 7º ano apresenta um

número um pouco menor de atividade de leitura em voz alta, (8,82%) e um (5,88%)

de atividades com textos de tradição oral. Destacamos que quantificamos como

atividades de oralização do texto escrito, apenas aquelas atividades em que era

solicitada ao professor e alunos a leitura em voz alta dos textos, provavelmente na

prática, muitos dos textos trazidos pelos livros são oralizados.

Com relação às atividades desta dimensão, as autoras dos livros analisados

dizem que, no geral, as atividades de leitura buscam analisar um tema,

problematizá-lo, confrontá-lo com dados da realidade. As leituras são de diferentes

gêneros, seguidos de questões que podem ser respondidas oralmente ou por escrito

(SILVA, v.1, 2009). Desse modo, constatamos que as sequências didáticas

propostas pelo livro são compostas, dentre outras questões, de análise linguística e

aspectos gramaticais, de leituras sobre os temas dos capítulos, atividades de

discussão, conversas sobre essas temáticas e atividades escritas de interpretação

textual.

A ausência do tratamento de outras atividades para os alunos do 6º ano, e a

prioridade para atividades de leitura é uma observação feita pelos pesquisadores da

área, ao analisar como são tratados os aspectos da oralidade nos livros didáticos.

Marcuschi (2005, p. 29) comenta que ―os exercícios que se dedicam á oralidade

privilegiam atividades de oralização da escrita ou atividades que culminam com

textos escritos não necessariamente brotados de discussão sobre o que foi falado‖.

Assim, para um trabalho que envolvesse mais o ensino da oralidade, poderiam ser

inseridas a cada temática abordada, além das leituras, discussões a produção de

gêneros que pudessem ser exploradas aspectos da oralidade e suas relações na

escrita. Nessa perspectiva os gêneros textuais mesmo os que se aproximam mais

da escrita, possibilitam o trabalho com o oral.

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Para vermos como são propostas as atividades de leitura nos livros,

observemos a figura a seguir:

Figura 11 – Roda de leitura

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 29.)

Na atividade proposta, percebemos que se trata de um momento de

socialização de experiências e avaliação das produções feitas com o gênero lenda.

Neste caso, a leitura é utilizada para avaliação de atividades feitas, os alunos

observarão se suas produções foram coerentes quanto às características e

organização do gênero lenda. Além da oralização dos textos escritos, os alunos são

estimulados a trocar ideias sobre seus textos, o que se configura como uma

atividade de discussão entre os alunos.

Sobre o gênero lenda, destacamos que se trata de um texto de origem na

tradição oral, na contação de histórias, típico da cultura popular, e por isso permite,

além de um trabalho com a produção escrita, como observamos no livro, um

trabalho significativo com a oralidade. O resgate das memórias, tradições e

surgimento dos textos lendários levam os alunos a perceber as contribuições da

linguagem falada para a construção histórica e a transmissão de saberes ao longo

dos tempos.

Observamos que não há uma orientação mais sistemática acerca de como

trabalhar as questões da oralidade. Para tanto, propomos que sejam inseridas nas

atividades, outras questões para serem refletidas nesse momento como, por

exemplo, solicitar que os alunos identifiquem as marcas da oralidade presentes nos

textos do gênero lenda; a origem dos textos e seus contextos de produção, bem

como aspectos inerentes ao gênero na produção oral e escrita, trabalhando assim,

as relações entre fala e escrita. Como afirmam as autoras Bastos e Gomes (2012,

p.148),

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A comparação entre o funcionamento do mesmo gênero ou do mesmo texto, nas duas modalidades de uso da língua, seria uma excelente estratégia de compreensão sobre o discurso narrativo e, principalmente, sobre os usos e o funcionamento da língua.

Ainda de acordo com as autoras, entre tantos aspectos de análise e

atividades didáticas que o trabalho com o gênero lenda possibilita, destaca-se o

estudo da relação dos aspectos paralinguísticos e cinésicos na construção do

sentido do texto. As estratégias do tipo ler a lenda ou escutá-la, as quais promovem

uma reflexão da competência leitora, ou ao contrário escutar alguém contando e

transformar tal material em um texto escrito, possibilitam perceber especificidades

que estão na perspectiva do gênero em contextos de produção e se dão dentro de

um continuum tipológico das práticas sociais de uso da língua. (Bastos e Melo,

2012).

Em seguida, analisamos outra atividade que envolve a leitura em voz alta:

Figura 12 – Trabalhando com o texto

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 22.)

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Vemos que a leitura é proposta a partir de um poema do poeta popular

Patativa do Assaré, marcada fortemente pela oralidade. Assim, é proposta uma

leitura em voz alta e, em seguida, o professor é orientado a conversar com os alunos

sobre as características do texto autobiografia, enfatizando que num momento

seguinte se trabalhará as marcas orais no texto. Contudo, podem-se introduzir

comentários sobre esses aspectos, contextualizando com a biografia do autor que

será o próximo texto a ser lido, relacionando a construção de sentido do texto e o

fazer poético do autor. No texto a seguir verificamos essas orientações dadas ao

educador. Vejamos:

Figura 13 – Orientação para o educador

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 22.)

A prática da leitura do poema de Patativa do Assaré como vemos, não se

restringe a simples oralização do texto escrito, mas o professor é orientado para

além da leitura analisar junto com os alunos aspectos da oralidade no texto. Assim,

a leitura em voz alta, articulada ao trabalho de análise de aspectos da oralidade,

contribui para a valorização da modalidade oral da língua; para o desenvolvimento

da competência leitora do aluno; para possibilitar ao professor trabalhar elementos

da prosódia que auxiliam na construção de sentidos, como o ritmo, a entonação, a

fluência, a utilização dos acentos, entre outros, sem se restringir apenas a oralização

do texto escrito. No entanto, essas abordagens exigem do professor de Língua

Portuguesa conhecimento das questões da oralidade e criatividade para explorar de

formas variadas o texto. Assim sendo, a inclusão desses encaminhamentos ajudaria

os educadores a compreenderem quais aspectos podem ser trabalhados para não

ficarem restritos a simples oralização do texto e discussão da temática.

Neste contexto, sugerimos que sejam dadas mais informações para os

professores no manual didático, ou nas orientações desta atividade sobre os

elementos da oralidade que podem ser trabalhados, a partir desse texto de Patativa

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do Assaré. Como exemplos, citamos questões relacionadas à variação linguística,

que envolvem a cultura popular do autor, sua identidade, as relações entre fala e

escrita na perspectiva do continuum. Nesse aspecto, podemos propiciar ao aluno a

percepção de um movimento de aproximação dos textos escritos de Patativa com a

oralidade, bem como a comparação entre as modalidades como práticas discursivas

e não dicotômicas.

Quanto às atividades com textos de tradição oral, trazemos como

exemplificação a proposta que segue:

Figura 14 – Textos de tradição oral

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 8.)

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O livro do 6º ano traz diferentes exemplos de textos de tradição oral,

propondo inicialmente a leitura e em seguida uma conversa entre os alunos sobre os

textos orientados por questões direcionadas a respostas pessoais. Notamos que a

discussão é voltada para uma leitura dos textos enquanto construção das memórias

da infância, de um tempo passado. Observamos que a última questão explora a

importância das brincadeiras com os textos populares para a construção da

identidade pessoal.

Ressaltamos a riqueza dos textos e as possibilidades de um trabalho que

explore as contribuições da oralidade para a transmissão dos textos de tradição oral

de uma geração para outra. Identificamos nessa atividade a ausência de questões

direcionadas aos alunos, para uma discussão com o foco na importância da

oralidade para a perpetuação dessas memórias, bem como das características da

fala nos textos, das variantes da língua presentes, mostrando em quais contextos

são produzidos esses textos por meio de uma atividade de análise desses aspectos

nos textos.

Na tabela 5, quantificamos as atividades que estimulam a produção dos

gêneros conversa e discussão de temas, atividades entre alunos e professores,

conforme podemos constatar a seguir.

Tabela 5 – Frequência/percentagem de atividades que estimulam a produção dos gêneros conversa/discussão9

Tipos de atividades identificadas

6º ano (%) 7º ano (%)

Conversa sobre o tema 07

(21,21%) 07

(20,6%)

Interpretação oral do texto (verbal ou não verbal) ou

exploração das características do gênero

textual

11 (33,33%)

03 (8,82%)

Conversa com os colegas para a realização de

atividades ou para avaliação de atividades feitas

05 (15,1%)

07 (20,6%)

Fonte: dados da autora.

9 As percentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de

atividades no eixo da oralidade em cada ano, apresentado na Tabela 1.

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Conforme comentamos anteriormente, a tabela 5 diz respeito às atividades

que estimulam a produção de gêneros conversa/ discussão.

Constatamos que essa dimensão representa mais de 50% das atividades

voltadas para a oralidade identificadas nas duas séries analisadas. As atividades de

conversa sobre o tema somam (21,21%) no livro do 6º ano e (20,6%) no 7º ano das

atividades com a oralidade. As propostas de interpretação oral dos textos (verbal e

não verbal) e exploração das características do gênero textual somam (33,33%) no

6º ano e (8,82%) no 7º ano, as atividades de conversa com os colegas para

realização de atividades ou para avaliação de atividades feitas representam (15,1%)

no 6º ano e (20,6%) no 7º ano.

Essas atividades tratam de uma diversidade de abordagens que procuram

promover o diálogo e a interação na sala de aula, visando ao questionamento e à

explicitação de situações-problemas sobre temas relevantes para a vida social do

aluno. Além disso, possibilitam avaliar conhecimentos prévios dos alunos e

despertar os interesses para os conteúdos a serem trabalhados na proposta

pedagógica. As discussões a que nos referimos são norteadas por orientações que

procuram inquietar e estimular os alunos a refletir sobre as questões abordadas.

Nessa visão dos autores Leal, Brandão e Lima (2012, p.31) salienta-se que:

―a grande frequência de ocorrências dessa natureza evidencia uma concepção de

aprendizagem como atividade social, como construção coletiva, em que o sujeito

aprende com os outros‖. Ademais, destacamos que as interações realizadas por

meio da oralidade favorecem condições para que os alunos tenham espaço para

participar das aulas, para emitir suas opiniões e, assim, construam conhecimentos

baseadas em situações de partilha coletivas.

Apresentamos para exemplificar como são desenvolvidas essas atividades

nos livros didáticos:

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Figura 15 – Conversa sobre saúde pública

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 76.)

Esta atividade do livro do 7º ano introduz a temática da unidade 2, que trata

de ―saúde e qualidade de vida‖. Todas as unidades dos livros trazem na sua

apresentação uma proposta semelhante a esta para discussão entre os alunos. A

proposição do livro 2 tem como objetivo ampliar a visão dos alunos a respeito do

tema abordado durante toda a unidade. As questões iniciais procuram suscitar a

discussão sobre a realidade local.

Podemos perceber que, além das questões direcionadas para a reflexão do

tema, apresentam-se outros textos que ajudam a mobilizar conhecimentos para

problematizar a temática para além da discussão da saúde, ampliando a visão para

as questões sociais e ambientais, tais como: terra para plantar, educação, moradia,

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água, luz elétrica, comida, condições necessárias para ternos saúde e qualidade de

vida. A constituição da intertextualidade possibilita ao aluno pensar criticamente a

realidade e a discutir, construindo argumentos em favor da participação social na

conquista por direitos.

Como forma de integrar conhecimentos referentes à modalidade oral da

língua à prática social dos alunos, sugerimos como atividade complementar à

proposta do livro, a produção de um debate na sala de aula sobre o funcionamento

do serviço de saúde do bairro, com o objetivo de levar os alunos ao desenvolvimento

de habilidades presentes nesse gênero, tais como a capacidade de argumentar,

opinar, questionar, defender opiniões e posicionamentos. Reiteramos que tais

habilidades são necessárias à inserção social, bem como possibilitam aos alunos o

conhecimento do funcionamento do serviço de saúde da comunidade, para que

despertem para uma atuação mais crítica e participativa na melhoria das ações de

saúde oferecidas.

Para isso, precisa-se identificar e entrevistar pessoas que conheçam de perto

a realidade de funcionamento do serviço de saúde, a partir do atendimento e

encaminhamento das demandas existentes na comunidade, como os agentes

comunitários de saúde do bairro, equipe do Programa Saúde da Família (PSF) da

unidade básica de saúde, conselheiro de saúde e representante de associação e/ou

organização de moradores, que possam contribuir com informações que ajudem os

alunos a construir uma visão crítica e realista do tema.

Nessa perspectiva, a proposta deve possibilitar aos alunos o domínio do

gênero debate, compreendendo características e finalidades que permitem ao aluno

o desenvolvimento de capacidades como se posicionar oralmente de maneira crítica,

defender um ponto de vista, interagir com o outro, argumentar, possibilitando um

melhor conhecimento da realidade social que os cerca e a participação de maneira

crítica das possibilidades de intervenção no seu contexto social. Assim, a partir da

experiência promovida pela escola, conhecendo as problemáticas de saúde do

bairro, os alunos poderão atuar como sujeitos. Isso implica a participação mais ativa

nas discussões, proposições e decisões políticas que dizem respeito à vida orgânica

da comunidade onde vivem, compreendendo e assumindo seu papel como cidadãos

plenos dos seus direitos e deveres.

FIG

Outro tipo de proposta presente nos livros e quantificados nesta dimensão

dizem respeito às atividades de interpretação oral do texto (verbal ou não verbal) ou

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exploração das características de um gênero textual. Essas atividades são

direcionadas a partir de questões identificadas que orientam o aluno a discutir sobre

os textos lidos. As seções que abordam essas atividades são especificadas como

―por dentro do texto‖ e trazem o ícone que se refere à expressão oral, conforme

podemos observar a seguir:

Figura 16 – Discussão sobre o texto

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 66.)

Como podemos perceber, as questões são direcionadas a interpretação oral

do texto de Paulo Freire ―o ato de estudar‖, em que se aborda a importância do

conhecimento para a resolução das diversas situações problemas cotidianas. O

professor é orientado a trabalhar de forma oral a compreensão dos alunos acerca

das ideias do autor no texto. Nesse sentido, o material apresenta orientações

complementares para o professor a respeito das visões de Paulo Freire sobre o ato

de estudar, destacando que Freire o considera revolucionário, já que, por meio do

estudo adquirimos outras formas de entender e intervir no mundo. Além dessas

questões, destacam-se as contribuições do educador para a construção de politicas

públicas da educação, especialmente na Educação de Jovens e Adultos. Essas

reflexões podem ser observadas nos textos, a seguir:

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Figura 17 – Artigo de opinião

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 65.)

Outro tipo de atividade nos livros didáticos diz respeito ao levantamento de

informações orais para interpretação textual ou exploração das características de um

gênero.

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Figura 18 – Avaliando o gênero reportagem

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 81.)

A proposta segue a mesma sistemática das atividades que estimulam a

conversa e discussão entre alunos. Constatamos que a discussão proposta está

voltada para a interpretação de uma reportagem sobre gravidez na adolescência,

que busca analisar o grau de entendimento dos alunos sobre o texto, sobretudo na

leitura dos gráficos. Embora a atividade seja dirigida para discussão das questões,

oralmente, cabe ao professor redirecionar a discussão de forma a oportunizar a

participação dos alunos na aula de aula.

Como forma de ampliar o trabalho com o gênero oral reportagem, propomos

que antes da leitura do texto, sejam desenvolvidas atividades que levem o aluno a

compreender o que é gênero reportagem, para que serve e quais os contextos de

uso, bem como, mostrar a definição e função da utilização de dados estatísticos

neste gênero. Além da observação desses aspectos, poderia ser proposta aos

alunos, a produção de uma reportagem sobre o tema com dados da sua realidade,

coletados a partir de entrevistas com profissionais da área. Dessa forma, os alunos

teriam acesso à aprendizagem da produção do gênero em situação real.

Ressaltamos, ainda, que o professor poderá fazer opção por trabalhar as

questões da língua, utilizando-se da modalidade escrita, tendo vista que não há um

direcionamento mais sistemático para reflexão do texto numa abordagem a partir da

oralidade.

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Tabela 6 – Frequência/Percentagem de atividades que estimulam a produção de gêneros orais secundários10

Tipos de atividades identificadas

6º ano (%) 7º ano (%)

Exposição oral -

02 (5,88%)

Debate - 01

(2,94%)

Contação de história 03

(9,1%) 01

(2,94%)

Instruções de jogos e descrição de objetos, pessoas ou cenas em

brincadeiras

-

-

Reportagem

-

01 (2,94%)

Fonte: dados da autora.

Com relação à tabela 6, que trata da produção de gêneros secundários,

observamos que embora o livro contemple a produção de alguns desses gêneros

em sequencias didáticas que promovem seu domínio, chamamos atenção para o

número ainda incipiente nessa dimensão. No livro do 6º, Identificamos apenas

atividades com o gênero contação de história (9,01%); o do 7º ano contempla um

número maior de atividades que favorecem a produção dos gêneros orais (5,88%):

exposição oral, (2,94%) debate, (2,94%) contação de história, e (2,94%) reportagem.

Observando o manual do educador, identificamos que as autoras dividem os

diversos gêneros nos quatros níveis de ensino, o que possibilita que o aluno tenha

contato com determinados gêneros apenas em uma série específica, conforme

podemos observar no quadro a seguir na lista dos gêneros a serem trabalhados na

coleção.

10 As percentagens mostradas nesta tabela foram calculadas em relação ao total geral de

atividades no eixo da oralidade em cada ano, apresentado na Tabela 1.

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Figura 19 – Gêneros / tipos textuais

Fonte: (SILVA, Manual do educador, v.1, 2009, p.49 - 50)

Ao observar a lista apresentada pelo manual do professor com relação aos

gêneros a serem trabalhados em cada série do ensino fundamental da EJA,

constatamos que o estudo realizado sobre os aspectos da oralidade nos livros

didáticos aponta para um número escasso de propostas pedagógicas de produção

dos gêneros formais públicos. Portanto, as atividades de produção dos gêneros

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orais aparecem em uma quantidade muito reduzida, se compararmos aos gêneros

escritos. Vemos que alguns gêneros orais não aparecem em nenhuma das séries,

embora existam propostas que abordem, mesmo que dando ênfase aos gêneros da

escrita, a oralidade. Por exemplo, citamos as atividades que analisamos com o

gênero receita culinária, poema e entrevista.

Considerando a necessidade social do domínio desses gêneros, tendo em

vista sua importância para as práticas de uso e reflexão da língua, defendemos a

inclusão dos gêneros orais em um número maior de atividades em todos os níveis

de ensino, tais como: a exposição oral, debate, entrevista, seminário, etc. e não

apenas nos níveis mais avançados, como podemos visualizar. Na lista, há a

presença maior de alguns gêneros no 8º e 9º ano. Nesta perspectiva, sugerimos a

inclusão de uma seção de produção de gêneros orais em cada capítulo, de forma

que o aluno tenha acesso a diferentes gêneros orais ao longo de cada série.

Sobre o ensino dos gêneros orais, o autor Magalhães (2008, p.147) afirma

que ―se o ensino da linguagem deve estar baseado em textos, as atividades de

oralidade profícuas para a escola seriam aquelas que envolvem os gêneros da

modalidade falada, por meio de atividades de escuta, produção e análise da língua‖.

Nesta perspectiva, ressaltamos a necessidade de ampliação das atividades

que possibilitem tais experiências aos alunos com diversos gêneros necessários

para a participação nos diferentes domínios sociais. A escola deve oportunizar o

desenvolvimento de habilidades diferentes, como a capacidade de argumentar,

opinar e discutir oportunizada pelo domínio dos diversos gêneros orais.

Podemos verificar como o livro do 7º ano propõe um trabalho com o gênero

debate.

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Figura 20 – Debate regrado

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p. 72.)

A proposta diz respeito à produção do gênero ―debate regrado‖ sobre um

tema sensacionalista, baseando-se numa pesquisa sobre mídia impressa e

televisiva. Não se trata apenas da apresentação do gênero para os alunos, de forma

aleatória, mas a atividade sugere que inicialmente seja proposta a temática do

debate, bem como, os objetivos que dão continuidade as discussões realizadas, a

partir do tema central do capitulo.

Na sequência, são propostos encaminhamentos e orientações para

preparação do debate, como as definições de papéis e a organização para produção

do gênero.

Ao discutir o ensino dos gêneros, Hoffnagel (2010) destaca que se buscamos

seguir as recomendações dos PCNs,

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De possibilitar a compreensão crítica dos vários gêneros discursivos com que o cidadão lida no seu cotidiano, precisamos ir além de simplesmente apresentar os vários gêneros textuais como exemplos de formas: isto é uma carta, uma entrevista, um artigo de opinião e etc. É preciso mostrar as atividades sociodiscursivas desempenhadas pelos diferentes gêneros e os recursos linguísticos que as sustentam (HOFFNAGEL, 2010, p. 208).

Nesse sentido, os alunos são convidados a avaliar a realização da atividade,

a partir do desenvolvimento das atribuições de cada participante. Nesse sentido,

observamos que esta é realizada de maneira processual, em que identificamos

momentos de preparação, produção e avaliação do gênero são realizados.

Dolz, Schneuwly e Pietro (2004), ao tratarem de um modelo didático de

debate, enfatizam que por meio deste os alunos desenvolvem seus conhecimentos,

ampliando seu ponto de vista, questionando e integrando em diferentes níveis o

ponto de vista do outro. Os autores ressaltam, ainda, que, o gênero pertence às

formas orais de comunicação, o que não significa uma ausência completa da escrita,

e abrange um conjunto de capacidades privilegiadas, como gestão da palavra,

escuta do outro, retomada de seu discurso em suas próprias intervenções etc.

Conforme já tratamos anteriormente, o debate é um gênero que promove o

desenvolvimento de importantes habilidades para as práticas sociais, entre elas, a

construção de argumentos, o ouvir o outro, a retomada ao discurso do outro por

meio das reformulações, da responsabilidade enunciativa do discurso e das

modalizações (DOLZ, SCHNEUWLY e PIETRO 2004).

Visando melhor trabalhar esses aspectos presentes no gênero debate,

propomos que sejam incluídas atividades que aprofundem esses aspectos na sala

de aula. De acordo com Dolz, Schneuwly e Pietro (2004, p.217), sugerimos para

uma produção mais efetiva e sistematizada de trabalho com o gênero oral, a

realização de atividades em torno da ―língua e suas marcas, tais como

nominalizações e conectivos que permitem orientar, reformular, exemplificar, citar,

responsabilizar-se pelo discurso‖. Estas questões podem ser abordadas durante

uma sequência didática da unidade em que o gênero se faz presente, antes da

produção final do gênero.

Nessa direção, o professor pode iniciar seu trabalho fazendo uma sondagem

dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o gênero debate, como ponto de

partida da sequência. Em seguida, os alunos podem assistir a realização de um

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debate, que poderia ser presencial caso exista essa probabilidade, o que propiciaria

aos educandos participar do debate ou televisivo. A partir dessa experiência de

escuta, o professor iniciaria o trabalho de análise e reflexão da língua, exploração

aspectos desse gênero como papel dos participantes, características, objetivos e

formas de produção. Tendo como base esses encaminhamentos, os alunos seriam

orientados a produzir um debate, seguindo a recomendações da proposta no livro

didático.

Embora na lista dos gêneros a serem apresentados pelas autoras dos livros,

não apareçam o gênero exposição oral, identificamos que algumas atividades

trabalham com aspectos da exposição oral, e, portanto, quantificamos essas

atividades na dimensão dos gêneros secundários.

Observamos a proposta que segue como são contemplados estes aspectos:

Figura 21 – Exposição oral

Fonte: (SILVA, v.2, 2009, p.54.)

Conforme observamos, a atividade é dirigida para a exposição de ideias sobre

um tema estudado, tendo como suporte cartazes produzidos nesse tema. Desse

modo, vemos que proposta não assume um trabalho que prioriza o gênero

exposição oral, bem como, não enfoca os procedimentos para a produção deste

gênero. Contudo, propõe que os alunos façam uma exposição de suas ideias o que

caracteriza como uma atividade de exposição oral.

Salientamos que a exposição oral é um gênero de tradição escolar

constantemente utilizado na sala de aula, no entanto, muitas vezes é desenvolvido

sem um trabalho didático sistemático, sem que a linguagem expositiva seja objeto

de atividades, sem que estratégias concretas de intervenção e procedimentos

explícitos de avaliação sejam adotadas (DOLZ, SCHNEUWLY, PIETRO e ZABNA,

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2004). Desse modo, visando um trabalho mais profícuo com o gênero exposição

oral, atividades podem ser realizadas.

Nessa direção, podemos destacar a necessidade se se trabalhar o gênero

exposição oral, tendo em vista sua importância para o desenvolvimento da

competência discursiva dos alunos no tocante á oralidade. Nessa visão, os autores

Dolz, Schneuwly, Pietro e Zahnd (2004) consideram que a intervenção didática no

trabalho com o gênero exposição oral deve levar em conta às dimensões

comunicativas que lhe são próprias e que visam à transmissão de um saber a um

auditório, as questões ligadas ao conteúdo, além dos aspectos mais técnicos, como

procedimentos linguísticos e discursivos característicos desse gênero oral.

Essas questões devem ser abordadas por meio de atividades adequadas com

o gênero exposição oral, que possibilite o trabalho com todas as etapas de

realização da exposição oral, que envolvem entre outros, a preparação das ideias a

serem expostos, os papéis do expositor, mediador e participantes, o plano de

exposição, desenvolvimento e encadeamento de diferentes temas (SCHNEUWLY;

DOLZ, 2004).

No trabalho com esse gênero, chamamos atenção para a necessidade de

diferenciar a exposição oral da oralização do texto escrito. Na atividade proposta,

essa ideia deve ser bem enfatizada, para que os alunos não façam simplesmente a

leitura do cartaz entendendo que assim, estão realizando uma exposição oral,

quando na verdade não estão.

Outro gênero oral identificado nos livros didáticos e quantificado nesta

dimensão dos gêneros secundários é a contação de história. Como exemplo de

como esse gênero é abordado nos livros, vejamos:

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Figura 22 – Contação de história

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p.86.)

A contação de história é uma atividade muito antiga que tem origem na

tradição oral, e que favorece o estimulo a imaginação, a criatividade e ao

desenvolvimento da oralidade, sobretudo é uma atividade fundamental para a

prática pedagógica de ensino as crianças, pois desperta o interesse pela leitura.

A atividade apresenta a contação de história como um gênero

predominantemente desenvolvido por meio de sequências narrativas, que precisa

ser preparado antecipadamente, por se tratar de uma fala pública. Nesse aspecto,

observamos a preocupação de um procedimento de ensino do gênero mais

sistemático. Observemos as orientações que seguem para a atividade.

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Figura 23 – Orientações para a contação de história

Fonte: (SILVA, v.1, 2009, p. 87.)

A proposta é acompanhada de orientações sobre como os alunos deverão

produzir a contação das histórias. Nos encaminhamentos, são apresentados

elementos que fazem parte do gênero contação de história como: aspectos

paralinguísticos e cinésicos que dizem respeito à maneira de conduzir a voz e sua

adequação aos efeitos desejados, a atitude corporal, os gestos, entre outros. A

presença desses elementos no livro didático demostra a preocupação do material

em promover o ensino dos aspectos orais que devem ser considerados na produção

do gênero.

Nossa ressalva quanto à proposta e contribuição, no sentido de aperfeiçoá-la,

está ligada à necessidade de não apenas apresentarmos esses aspectos que são

construídos a partir do gênero contação de histórias, mas que sejam inseridas na

sequência didática, atividades que aprofundem esses conceitos de forma prática,

para que os alunos aprendam a utilizá-los em favor da construção do sentido que

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desejam. Nesse sentido, propomos atividades que possibilitem aos alunos a escuta

de histórias contadas, com o intuito de identificar e analisar as marcas de oralidade,

os critérios paralinguísticos, aspectos da polidez, entre outros. Para isso, poderia ser

oportuno o desenvolvimento de uma sequência didática que possibilite aos alunos

gravar a contação de suas histórias ou de outras pessoas. Na continuidade, o

professor faria momentos de escuta e análise desses aspectos, ressaltado

posteriormente a avaliação da produção do gênero com base nos aspectos

estudados.

As análises realizadas e as sugestões que fizemos, tendo como fio condutor

as bases teóricas discutidas, nos levaram a responder às questões que foram foco

da investigação, a partir de um olhar para o espaço da oralidade nos livros didáticos

da EJA.

Ao longo de toda investigação, foi constatada a preocupação dos livros

didáticos investigados, em contemplar nas suas unidades constitutivas atividades

que abordassem aspectos da modalidade oral da língua, como a relação fala e

escrita, reflexões sobre variação linguística, oralização de textos escritos, trabalho

com textos de tradição oral e produção de gêneros orais.

Diante da expectativa inicial proposta de verificar se os livros traziam

atividades voltadas para o ensino da oralidade, podemos apontar que os resultados

apresentam uma situação favorável à abordagem da oralidade nas aulas de língua

portuguesa.

No entanto, ressaltamos a necessidade de ampliação dessas atividades,

especialmente no que diz respeito à proposta com gêneros formais públicos, como

debate, exposição oral, seminário, entrevista, relatos, entre outros, assim como, a

atenção mais efetiva a aspectos relevantes a serem considerados no tratamento da

oralidade, como o aprofundamento de questões relacionadas à relação fala e

escrita, como por exemplo, as atividades de retextualização, as operações básicas

envolvidas no processo trabalhadas por Marcuschi (2010), os aspectos envolvidos

nos contextos de realização da situação comunicativa, como os critérios de natureza

extralinguística, paralinguística, cinésica e linguística, as reflexões em torno da

variação linguística, entre outros.

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5 PALAVRAS FINAIS

Na realização deste estudo propusemos discutir acerca da oralidade no

ensino de Língua Portuguesa, tendo como norte a questão se o ensino de Língua

Portuguesa tem proporcionado práticas em sala de aula com a modalidade oral.

Nesse sentido, procuramos investigar se os livros didáticos da EJA, de 6º e 7º anos,

contemplam atividades voltadas para aspectos da oralidade e de gêneros orais,

classificando-as em dimensões embasadas por Marcuschi (2010), Leal, Brandão e

Lima e (2012). Essas dimensões englobam os principais aspectos ressaltados pelos

estudos da área e pelos PCN que tratam do estudo da modalidade oral, que são

elas: valorização de textos de tradição oral, oralização do texto escrito, variação

linguística, relações entre fala e escrita e produção e compreensão de gêneros orais.

Desta forma, nossa reflexão possibilitou constatar que as obras analisadas da

coleção ―É tempo de aprender‖ procuram contemplar em suas propostas a oralidade

como objeto e eixo de ensino, conforme orientam os documentos oficiais.

Ressaltamos que, na medida em que privilegiam atividades didáticas variadas na

direção de favorecerem o trabalho na sala de aula, estimulam a produção de textos

orais, considerando os aspectos: variação linguística, relação fala e escrita, gêneros

orais, oralização do texto escrito.

Nesse contexto, podemos observar que há atividades propostas no material

didático com gêneros orais que não se limitam apenas a apresentar os gêneros e a

propor suas produções, mas procuram trabalhar a discussão do gênero, as

características, organização e função. No entanto, verificamos a necessidade de

complementações por parte dos professores para que essas atividades possam ser

desenvolvidas dentro de sequências didáticas, conforme o que apresentam

Schneuwly e Dolz (2004) quando propõem procedimentos para o ensino dos

gêneros orais e escritos.

Verificamos que há uma preocupação com atividades que estimulam o

diálogo e a participação do aluno nas diversas etapas de realização das sequências

didáticas. Essas sequências são constituídas por questões que se direcionam a

promoção de discussões e instigam a participação do educando na problematização

da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento das habilidades de

argumentar, de defender pontos de vista, jogando luzes na construção de uma

consciência mais crítica e interventiva.

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No entanto, destacamos a necessidade de ampliar as atividades, envolvendo

a realização de gêneros públicos formais, como por exemplo, os gêneros: seminário,

debate, entrevista, exposição oral, debate, entre outros. Embora os livros

apresentem atividades voltadas para a produção de alguns desses gêneros,

observamos que o número de atividades ainda é incipiente se compararmos com as

atividades de estímulo as conversas espontâneas entre os alunos, a compreensão

textual, entre outros.

Tendo em vista que reconhecidamente esses gêneros ocupam papel social

significativo nas práticas dos sujeitos, se faz necessária uma atenção especial para

seu estudo na Educação de Jovens e adultos, considerando a necessidade social

que representa o desenvolvimento de habilidades orais para inserção dos jovens no

mundo do trabalho e no contexto das diversas relações sociais mediadas pela

linguagem, materializadas nos gêneros.

Enfatizamos a importância que os estudos dos textos orais representam para

esse segmento, considerando que, os jovens e adultos precisam ser preparados

para utilizar a fala em situações sociais públicas, desde as mais espontâneas as

mais formais e elaboradas. Dessa forma, eles se sentem mais autônomos,

confiantes e dispostos a se posicionar diante de questões conflitantes, utilizando o

diálogo para defender escolhas, emitir pontos de vistas, defender interesses,

atuando assim como protagonistas das suas causas e das mudanças desejadas.

Desse modo, o desenvolvimento de habilidades orais contribui para que

mudanças significativas sejam realizadas na vida dos jovens e adultos, por isso, a

importância das reflexões e propostas considerarem nas atividades os

conhecimentos que os alunos trazem de sua comunidade. Neste sentido, estamos

enfatizando que é dando voz e vez para cada aluno que se promove a oportunidade

de constituição do sujeito cidadão. Sem dúvida, tais questões relacionadas ao

ensino contribuem efetivamente para a construção de relações mais democráticas e

emancipadoras.

É certo que a sociedade brasileira já conquistou inúmeros espaços de

participação social que funcionam como canais de discussão das questões de

interesse comum, como os espaços de controle social das politicas públicas, onde

muitos programas apresentam gestões colegiadas. Podemos citar, por exemplo, no

contexto educacional, os conselhos escolares, os grêmios estudantis, os conselhos

de alimentação e caixa escolar; entre outros. Esses espaços assegurados aos

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cidadãos precisam ser ocupados por pessoas minimamente preparadas para

debater questões pertinentes e operacionalizar informações. No entanto,

percebemos um esvaziamento muito grande nessas instâncias por parte dos alunos,

dos seus pais e até mesmo dos educadores; isso se deve em parte pela cultura de

não participação da maioria da população, mas, também, pela falta de educação e

qualificação das pessoas para atuarem nesses espaços.

Compreendemos que a implementação das orientações e estudos acerca da

modalidade oral da língua com a inserção de conteúdos, metodologias e materiais

didáticos que contemplem propostas didáticas com a oralidade são componentes

importantes para a efetivação da oralidade como objeto de ensino. No entanto, há

que se buscar também, melhorias em todo sistema de ensino, no sentido de que um

conjunto de ações e investimentos sejam feitos para que a educação seja eficiente e

de qualidade, como: melhoria na estrutura física das escolas, valorização dos

professores, formação continuada etc.

Destacamos que o estudo também nos proporcionou ampliar a visão da

oralidade no ensino. Como educadora, nosso olhar para a oralidade se resumia a

oportunizar ao aluno dialogar, expor ideias, participar da aula e trabalhar os gêneros

de maneira pouco sistemática. Com as leituras, ao longo da produção dessa

reflexão, percebemos que o trabalho com os gêneros orais e seus domínios,

especialmente em situações reais de uso, com objetivos que perpassem a vida dos

alunos, promove a participação social dos educandos e contribui para que eles

ocupem espaços de poder e decisão, utilizando a linguagem como meio de

crescimento profissional, pessoal e social.

Consideramos importante, também, enfatizar que, como professores,

precisamos nos preocupar com as questões que envolvem os aspectos discursivos

e linguísticos no ensino da oralidade. Porém, não devemos nos esquecer de que

todos os conhecimentos devem estar a serviço da construção de pessoas mais

humanas; capazes de utilizar a fala nos diversos contextos; sabendo respeitar as

diferenças de opinião; acolhendo o posicionamento dos outros, e, principalmente, os

interessados em utilizar os saberes para construir uma sociedade melhor, mais ética

e sustentável.

Como resultado dos aprendizados e experiências oportunizados por este

trabalho, na perspectiva de contribuir com uma discussão que não se realiza apenas

no plano da teoria, buscamos transpor os saberes construídos para prática e

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partilhá-los com outros educadores que desejam ampliar os conhecimentos e

habilidades envolvidos no trabalho didático com a oralidade.

Nesta pesquisa privilegiamos como ponto de partida estabelecer um diálogo

com o educador Paulo Freire, que compreende a educação como um processo que

deve conduzir a uma leitura crítica do mundo com o objetivo de transformá-lo para

melhor. Nessa perspectiva, a linguagem assume papel central nas relações sociais,

na construção do conhecimento, uma vez que, é através da língua que os sujeitos

se relacionam e atuam no mundo.

Desse modo, nas situações sociais em que a participação por meio da fala

constitui exigência fundamental que oportuniza o sujeito intervir nos espaços de

maneira crítica, interventiva e transformadora, se faz necessária a preparação dos

educando para essas situações. Nesse sentido, a escola deve promover o

desenvolvendo das habilidades necessárias para que o aluno domine os gêneros

orais fundamentais para as situações formais públicas e informais, como a

capacidade de expor suas ideias, defender pontos de vistas, argumentar, propor,

atuando assim, como protagonista de sua história.

A partir dessa reflexão, algumas propostas podem ser pensadas com vistas à

implementação de uma perspectiva de trabalho com a oralidade na sala de aula,

como a elaboração de materiais didáticos que sistematizem aspectos de gêneros

orais e oportunizem aos alunos o acesso a diversos gêneros que tem incidência

maior nas práticas sociais formais.

Não pretendemos, assim, deixar nosso trabalho arquivado em espaços de

bibliotecas; pensamos em divulgá-lo, em apresentá-lo na nossa escola, e torná-lo

ponto de partida para que outros docentes possam também realizar seus estudos,

suas investigações, suas propostas inovadoras. Desse modo, estaremos atentos

para as possibilidades de trabalhos futuros, principalmente, no que se refere aos

gêneros orais, que poderão ser materializadas em projetos específicos no âmbito do

espaço escolar, visando a colaborar com o espaço cidadão fora da sala de aula.

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