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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE PSICOLOGIA
AONDE QUER QUE EU VÁ TE LEVO COMIGO: DO LUTO PARA
A LUTA DE MÃES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
DESAPARECIDOS
Raquel Sanches Slusarski Martins TIA: 3085253-6
Disciplina: Trabalho de Graduação Interdisciplinar
Orientador: Prof º. Dr. Marcelo Moreira Neumann
São Paulo
2012
Raquel Sanches Slusarski Martins
AONDE QUER QUE EU VÁ TE LEVO COMIGO: DO LUTO PARA
A LUTA DE MÃES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
DESAPARECIDOS
Trabalho apresentado como requisito parcial
para a obtenção de avaliação da disciplina
Trabalho de Graduação Interdisciplinar II,
da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde,
curso Psicologia.
Orientador: Prof º. Dr. Marcelo Moreira Neumann.
São Paulo
2012
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Dedico este trabalho a todos os meus familiares e
amigos que compreenderam quando precisei abdicar de
momentos em que poderíamos estar juntos, ao meu
Orientador Marcelo que é um excelente profissional e
por suas ideias e/ou sugestões terem sido fundamentais
e aqueles que contribuíram efetivamente para a
consecução deste.
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RESUMO
A presente pesquisa se propôs a trazer à tona as formas e as concepções do
desaparecimento de crianças e adolescentes, além de compreender quais as
consequências que tal acontecimento suscita na vida das famílias e as possíveis
similaridades do luto destas mães com o vivenciado por mães que de fato perderam seus
filhos a partir de sua constituição psicológica, bem como verificar qual a relação entre
os termos luto e luta, contribuindo assim, para a expansão dos estudos relacionados ao
tema na literatura.
O termo Desaparecido é designado para casos em que uma pessoa afastou-se de
um determinado ambiente de convívio familiar ou de algum grupo de referência
emocional-afetiva e que não comunicou sua vontade de partir do lugar onde estava e
não retornou mais a este, sem que houvesse razão aparente, desaparecendo sem deixar
indícios. Diante de perdas o sentimento de luto emerge como uma reação prevista,
sendo um processo único, que faz com que o sujeito procure os sentidos seja da perda,
do adoecimento ou da morte de um ente querido ou de alguém com o qual mantêm
relações de proximidade.
Tal pesquisa contou com a colaboração de cinco mães que têm seus filhos
desaparecidos e duas que perderam efetivamente seus filhos em uma entrevista semi-
estruturada e audiogravada após assinarem o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido composta por um questionário com temas relacionados à infância,
adolescência e vida adulta.
Palavras Chaves: Desaparecimento, Crianças e Adolescentes, Mãe, Luto, Luta.
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SUMÁRIO
1. Introdução ................................................................................................................ 6
2. Referencial Teórico ..................................................................................................9
2.1. Desaparecido e Desaparecido Civil .........................................................................9
2.2. As Formas e Concepções de Desaparecido .......................................................... 13
2.3. Influência da Mídia ............................................................................................... 19
2.4. Luto ...................................................................................................................... 21
2.5. Luto e Melancolia ................................................................................................ 31
3. Justificativa ............................................................................................................38
4. Objetivos ................................................................................................................ 38
4.1. Objetivo Geral ...................................................................................................... 38
4.2.Objetivo Específico ............................................................................................... 38
5. Método .................................................................................................................... 39
5.1. Tipo e Delineamento de Pesquisa ........................................................................ 39
5.2. Amostra ................................................................................................................ 39
5.3. Instrumentos ..........................................................................................................39
5.4. Procedimentos ...................................................................................................... 40
5.5. Considerações éticas ..............................................................................................40
5.6. Análise dos Dados ................................................................................................ 41
6. Descrição das Entrevistas ...................................................................................... 42
7. Resultados e Discussão dos Dados Obtidos .......................................................... 43
8. Considerações Finais ............................................................................................. 76
9. Referências Bibliográficas .....................................................................................78
10. Anexos ...................................................................................................................81
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1. INTRODUÇÃO
O termo Desaparecido geralmente é definido pela ideia de “ato ou efeito de
desaparecer” ou como “ato ou efeito de deixar de ser visto”. Além disso, os dicionários
ainda trazem a noção jurídica de desaparecimento que é entendido como o ato de
desaparecimento de um indivíduo de seu domicílio. Tal noção, liga-se a ideia de que no
ato do desaparecimento, não houve um procurador ou representante legal para
administrar os bens (OLIVEIRA, 2007).
Entretanto, os relatos noticiados sempre referem-se a possíveis causas externas
que recaem sobre o indivíduo tais como: um assalto, um homicídio, dentre outros. Há
ainda diversos sinônimos de desaparecer que remetem a situação, mas se reportando
sempre ao indivíduo como sujeito do ato do desaparecimento, assim, o desaparecer é
definido da seguinte maneira: ocultar-se, sumir, esconder-se, ausentar-se, morrer,
perder-se, retirar-se (OLIVEIRA, 2007).
Desta forma, em meio a diferentes conotações acerca de tal fenômeno, no caso
de crianças e adolescentes desaparecidos, é válido salientar a importância do dever de
todos com relação à prevenção da ocorrência de ameaça ou violação dos direitos destes.
Assim, toda criança e adolescente têm e devem usufruir do direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade enquanto pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis
(ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 2010).
Portanto, considerando tais acepções, como assegura o Estatuto da Criança e do
Adolescente (2010), a investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes
deve ser feita imediatamente após ter sido realizada a notificação aos órgãos
competentes que deverão ficar incumbidos de dar prosseguimento às medidas
necessárias.
A psicologia enquanto uma ciência que realiza um trabalho com seres humanos
e suas vidas, consequentemente também se depara com a morte. A morte é entendida de
acordo com o desenvolvimento humano, visto que desde a mais tenra infância as
pessoas entram em contato com perdas, entretanto, o significado da morte só é
compreendido de fato a partir da adolescência (HOHENDORFF & MELLO, 2009).
Na fase adulta, tal situação é vista como algo passível de ocorrer, mas é na
velhice que sua probabilidade parece ser mais aceita, pois tal etapa é considerada como
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a última no ciclo do desenvolvimento humano. Além das peculiaridades do
desenvolvimento humano, a cultura e as perdas vivenciadas pelas pessoas, favorecem a
representação acerca da finitude humana. Embora a morte seja considerada como
natural, universal e inevitável, o homem não é capaz de imaginar a sua própria morte, o
que faz com que na sociedade a maioria das pessoas passem a evitá-la. Desta maneira,
há uma falta de preparo para lidar e/ou aceitar a finitude humana (HOHENDORFF &
MELLO, 2009).
A morte por ser um acontecimento que abarca o desenvolvimento e está presente
no cotidiano de todos, contempla um contexto sócio histórico de negação. Isto ocorre
em virtude da existência de diversos motivos para tal negação, haja vista que com o
advento de novos conhecimentos e técnicas obtidas, a medicina visa enganar a morte,
atribuindo este fenômeno como sendo algo natural especificamente na velhice. Na
Antiguidade, a morte era encarada com um certo romantismo, embora os mortos fossem
temidos e procurava-se mantê-los afastados. Já na Idade Média, o homem convivia com
a morte de maneira mais tranquila, sem muitos receios e as crianças podiam participar
de seus rituais (HOHENDORFF & MELLO, 2009).
No que diz respeito aos tempos modernos, a morte passou a ser negada e
entendida como a representação de fracasso e a suspensão dos projetos de vida
(HOHENDORFF & MELLO, 2009).
Quanto mais tardiamente a morte ocorre no ciclo de vida, menores são as
chances de estresse dos familiares e pessoas próximas, visto que a morte em uma idade
mais avançada é entendida como algo natural. Entretanto, mesmo que a morte de um
idoso seja encarada como parte integrante do ciclo de vida, não acontecerá isento de
algum grau de estresse. Inevitavelmente, a morte em qualquer fase do desenvolvimento
humano, é vivenciada com tristeza e estresse, isto se dá em parte pelo despreparo que
nossa sociedade tem para com tal assunto, requisitando, deste modo, que o profissional
que lide com este tema esteja preparado para auxiliar quem necessite (HOHENDORFF
& MELLO, 2009).
A morte precisa ser uma preocupação para a psicologia, mesmo que seja evitada
em nossa sociedade, pois esta negação não deve existir por parte do psicólogo
(KOVÁCS, 1989 apud HOHENDORFF & MELLO, 2009).
No que se refere à palavra luto, esta é compreendida como: sentimento de pesar
ou tristeza por morte de alguém; vestes escuras que a família e amigos da pessoa
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falecida usam durante certo tempo como sinal do seu pesar ou tristeza; tempo que dura
o uso dessas vestes (MICHAELIS, 2008).
Quando alguém está de luto, normalmente é devido à perda de um ente querido
por morte, entretanto, o enlutamento contempla diversas situações. Além disso, o luto
não está restrito a morte em si, mas também a intensidade do investimento afetivo que
se constitui entre o eu e o que é ou quem é perdido, e pode ser compreendido como uma
reação diante da ruptura dos vínculos estabelecidos. Desta forma, quanto maior o
vínculo e o investimento libidinal designado a um objeto, maior será a energia utilizada
para se desprender quando se perde este (OLIVEIRA, 2008).
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2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. DESAPARECIDO E DESAPARECIDO CIVIL
Segundo Oliveira (2007) o Desaparecido Civil pode ser designado como uma
pessoa que afastou-se de um determinado ambiente no qual mantinha convívio familiar
ou de algum grupo de referência emocional-afetiva e que não comunicou sua vontade de
partir do lugar onde estava e não retornou mais a este, sem que houvesse razão aparente,
desaparecendo sem deixar indícios. Desta forma, é preciso saber como proceder, visto
que surgem três problemas que devem ser desvelados, ou seja, saber o que ocorreu,
saber o que fazer e saber a quem procurar.
Neste sentido, buscar o auxílio de estruturas legais como a instituição policial,
por exemplo, pode ser a primeira alternativa, já que supõem-se que o desaparecimento
tenha sido em mediações de algum espaço público (OLIVEIRA, 2007).
Entretanto, recorrer aos serviços prestados pela polícia em casos em que há um
membro da família desaparecido, tem sido um grande entrave, haja vista que além da
ausência das investigações policiais, a família encontra-se desprovida de aparato
jurídico e psicológico que possam amenizar suas angustias e aflições. Isto pode ter
relação com a extensa rede de significados criados em torno do termo desaparecido
civil, o que tem inviabilizado e postergando a consolidação de um estatuto legal que
oriente a atuação estatal e normatize as atividades policias (OLIVEIRA, 2007).
Em virtude de o termo desaparecido apresentar diversas designações que fazem
menção a objetos, situações, pessoas, práticas desaparecidas, sendo o ato ou o efeito de
desaparecer ou deixar de ser visto, trás à tona a impossibilidade de encontrar uma única
palavra que possa definir o que é o desaparecido, visto que o seu significado possui
conotações diferentes para as pessoas em geral, para a justiça, para a família do
desaparecido, para a polícia e até mesmo para o próprio desaparecido quando
encontrado (FIGARO-GARCIA, 2010).
Isto pode ser observado também no site da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos (SEDH) órgão vinculado à Presidência da República no qual há uma gama de
significados para o desaparecimento de crianças e adolescentes (NEUMANN, 2010).
Não obstante, em função da ausência de preparo policial e de legislação
exclusiva sobre o assunto, não é raro que em alguns casos os registros de ocorrências
não tenham sido bem atendidos pelas instâncias policias que solicitam ao familiar que
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retorne somente após o período de 24 ou 48 horas, sugerindo ainda que a própria família
realize as buscas ou alegando que isto não faz parte das atribuições da polícia
(OLIVEIRA, 2007).
O Boletim de Ocorrência (B.O.) é um registro de um fato que é narrado por uma
pessoa, seja na condição de vítima ou de testemunha de algo que levou a violação de
seus direitos enquanto cidadão ou a violação dos direitos de outro. Entretanto, se a
família realiza as buscas pelo seu filho (a) por conta própria e não efetua uma queixa
formal, então para a polícia ele não é considerado um desaparecido (FÍGARO-
GARCIA, 2010).
Isto faz com que diversas denúncias não sejam registradas nas delegacias, que
são mais comumente denominadas de subnotificação e referem-se a situações em que a
família não realiza o registro policial. Isto ocorre quando os agentes policiais se recusam
a fazer tal registro em função de não ser de sua incumbência, além de situações em que
a família excede 48 horas para fazer o registro esperando que a pessoa desaparecida
regresse em função da instrução policial que ratifica a necessidade de se aguardar em
torno de um dia ou mais (OLIVEIRA, 2007).
Desta forma, geralmente, quando se recorre aos serviços policiais para encontrar
uma pessoa desaparecida, há uma orientação de que o registro deve ser feito
posteriormente a 24 horas ou 48 horas do acontecimento. Entretanto, tal prática opõe-se
as próprias orientações confeccionadas por diversas instituições da polícia civil de uma
série de Estados no que diz respeito à precaução de violência contra crianças e
adolescentes. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estipula em
seu artigo 87, inciso IV que serão destinados a crianças e adolescentes a prestação de
serviços quanto à identificação em casos de desaparecimento de pessoas (OLIVEIRA,
2007).
No entanto, isto não aplica-se aos serviços policiais, visto que mesmo com a
implantação da lei ou com uma nova recomendação proferida, a cultura de 24 horas ou
48 horas permanece. E não são somente as crianças e adolescentes que mesmo com
apoio do ECA não usufruem deste respaldo, visto que no Estatuto está previsto um
direito, mas não quem irá garantir o cumprimento da lei e no caso dos adultos menos
ainda, pois segundo as agências estatais, a procura por pessoas com 18 anos ou mais,
só deverá proceder se o desaparecimento tiver ocorrido quando a pessoa ainda era
menor de idade, deste modo, não há legalmente (exceto em caso de flagrante de delito)
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um instrumento que assegure as investigações policiais, sendo, portanto, uma função da
família (OLIVEIRA, 2007).
Posteriormente, com o advento da Lei nº 11.259 que alterou o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva em 30 de dezembro de 2005, foi estipulado um novo aparato jurídico que propõe
a necessidade de investigação imediata em caso de desaparecimentos de crianças e
adolescentes:
§ 2o A investigação do desaparecimento de crianças ou adolescentes será
realizada imediatamente após notificação aos órgãos competentes, que deverão
comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de
transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários
à identificação do desaparecido." (Brasil, Lei No. 11.259, de 30 de dezembro de 2005).
Entretanto, mesmo diante de inúmeros dados de agências nacionais e
internacionais de segurança salientar que os homicídios de crianças subtraídas
acontecem nas três primeiras horas e meia, o Estado não tem realizado exceto em alguns
poucos casos isolados, campanhas informativas a respeito da importância de os
familiares fazerem o registro de queixas de desaparecimento desde os primeiros
momentos (OLIVEIRA, 2007).
Em função disto, é possível se pensar na quantidade expressiva de
subnotificações do número de desaparecidos nas delegacias de policia no Brasil, sendo
necessário, portanto, que a orientação de 24 ou 48 horas deixe de ser uma prática
corriqueira para que seja possível averiguar precisamente qual o número exato de
pessoas que desaparecem no Brasil, mesmo que seja por algumas horas ou dias. Além
disso, não basta apenas o registro de um boletim de ocorrência, pois é preciso ir mais
além para que as investigações contemplem os motivos que possam ter propiciado o
desaparecimento (OLIVEIRA, 2007).
De acordo com Oliveira (2007) o desaparecido é toda pessoa que encontra-se em
local desconhecido e que sua condição de vida e morte é ignorada, se associando a esta
categoria todo e qualquer indivíduo, até mesmo quando se está ciente desde o primeiro
momento do que ocorreu, o que aplica-se ao caso de catástrofes, de fugitivos de
sistemas prisionais, dentre outros (OLIVEIRA, 2007).
Os desparecidos civis são, portanto, todos aqueles que são intimados
publicamente através de registros em boletins de ocorrência (BOs) caracterizados pelo
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desconhecimento (justificado pelos denunciantes) dos motivos precursores do
desaparecimento, da condição de vida ou morte da pessoa desaparecida, bem como de
seu paradeiro, o que diferencia “pessoas desaparecidas” de “desaparecido civil”. Além
disso, o adjetivo civil contempla uma diferença da nomenclatura referida pelo direito
brasileiro de desaparecido, que está norteado para suposição de morte.
Assim, o termo desaparecidos civis refere-se a quem sumiu sem deixar indícios
criando uma situação de incerteza, mas que não há qualquer suspeita formal em relação
as suas atividades, há a suposição de que esteja com vida, entretanto, em local incerto e
para tanto precisa ser localizado e assim, mais do que a transmissão de bens, busca-se
uma vida. Além disso, os desaparecidos civis também são aqueles cujo denunciante
relatou ter fugido do lar ou ter se perdido, mas em nenhuma destas situações há certeza
de que se tenha ocorrido um crime (OLIVEIRA, 2007).
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2.2. AS FORMAS E AS CONCEPÇÕES DE DESAPARECIMENTO
Dentre as definições legais de pessoas desaparecidas que encontravam-se em
vigor até 1991 no Brasil, referiam-se ao “ausente” e ao “desaparecido” com ênfase na
administração e transferência de bens, não sendo, portanto, necessária ações eficazes
para buscas. Além disso, no que se refere aos desaparecidos civis, outra Unidade da
Federação esboçou criar uma legislação específica norteando a investigação imediata do
desaparecido em casos de pessoas com até dezessete anos de idade. Considerando que
este foi um avanço importante para abordar a questão de desaparecidos, há a ainda
alguns empecilhos, tais como a dificuldade em universalizar a lei, transformando-a em
uma prática e habilitar os agentes públicos para sua posterior operacionalização
(OLIVEIRA, 2007).
O desaparecimento seja de crianças, adolescentes e adultos é visto comumente
dentro da perspectiva de questões provenientes de atritos, desentendimentos, conflitos
familiares e de violência doméstica, sendo por seguinte em função destes aspectos, tido
como de menor importância. No entanto, este é um acontecimento que desencadeia uma
série de mudanças expressivas em uma fração significativa das famílias brasileiras
(OLIVEIRA, 2007).
Além disso, há as mais variadas suposições que visam justificar o fenômeno do
desaparecimento e a que mais tem sido ressaltada, é a de que os desaparecimentos são
provenientes da violência urbana. Desde 1999, as possíveis causas atribuídas para os
desaparecimentos tem seguido a ideia de que a ênfase deve ser na família,
principalmente no que se refere à violência doméstica e intrafamiliar (GERALDES,
1999 apud OLIVEIRA, 2007).
E de acordo com dados publicados pelas secretarias de segurança, indica-se que
uma parte considerável dos desaparecidos são crianças e adolescentes que fugiram de
casa. Deste modo, a hipótese de violência urbana é refutada, pois ao se averiguar os
dados, observa-se que a maior parte dos desaparecidos são crianças e adolescentes e que
desaparecem por sua “própria vontade” sendo, portanto, uma fuga (OLIVEIRA, 2007).
Algumas das crianças e adolescentes que desaparecem, de certa forma
“comunicam” seu desaparecimento, visto que na grande maioria trata-se de fugas de
casa, e deste modo, fornecem indícios de que vão fugir ao deixarem cartas de despedida
ou até mesmo verbalizam tal intenção. Além disso, passam a apresentar
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comportamentos de fuga, pois começam a “desaparecer” de atividades corriqueiras
como a escola. Em alguns casos, a fuga de casa já ocorreu diversas vezes, a criança ou o
adolescente são localizados ou deixam ser encontrados, retornam para casa e após um
período de tempo, tornam a desaparecer novamente. Entretanto, os indícios de
desaparecimento podem ser diversos ou inexistir (FIGARO-GARCIA, 2007).
No que diz respeito aos casos de fuga, maus tratos e abuso sexual, estes ocorrem
mais frequentemente em casa e juntamente com a violência doméstica, está presente a
questão da homossexualidade não anunciada à família em virtude do medo, o fato de ser
garota de programa ou prostituta e desejar que a família não saiba, além de ser usuário
ou viciado em drogas, dentre outras situações (OLIVEIRA, 2007).
Entretanto, a fuga só é tida como um desaparecimento para a polícia quando a
família abre um Boletim de Ocorrência acerca de tal situação, visando o auxílio da
polícia para localizar o paradeiro de seu filho (FIGARO-GARCIA, 2007).
Contudo, mesmo com a predominância dos dados de que o foco deve ser a
família, não se pode desconsiderar a violência urbana, mas tornar uma ou outra
perspectiva como central, repercutirá de diferentes maneiras, visto que se a violência
urbana for tida como o foco, é necessário que se incentive mais as políticas de rondas
policiais, dispor de equipes de identificação e investigação, dentre outros aspectos. No
entanto, se a ênfase recai sobre a família, as ações são de outro âmbito, pois quando
observados os motivos mais assíduos de desaparecimentos, nota-se que as causas são
tanto internas, ou seja, de dentro de casa quanto externas provenientes da rua
(OLIVEIRA, 2007).
Além disso, os atos criminosos executados por terceiros que podem resultar em
violência física e/ou sexual e até a morte também podem propiciar o desaparecimento
de crianças e adolescentes (FIGARO-GARCIA, 2007).
Nos casos de pessoas que se “perderam” e de vítimas de acidentes, há uma
possível ausência de culpa da família ou de estranhos (sem contar os casos em que se
exista indícios de negligência). Já no sequestro, indica-se a presença de um fator
externo, que pode não ser praticado essencialmente por pessoas estranhas e/ou
desconhecidos. Desta forma, pode-se verificar que dentro da primeira perspectiva, a
família é apontada como a principal responsável pelos desaparecimentos, já na segunda
de que a maior parte dos desaparecimentos tem (ou tende a ter) relações permeadas por
conflitos interpessoais, a terceira trás a ideia de que dada a veracidade das hipóteses
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anteriormente assinaladas, consequentemente nos deparamos com uma estrutura
familiar marcada por relações de dominação patriarcal onde filhos e filhas e a esposa
estão subordinados ao homem, ou seja, ao pai (OLIVEIRA, 2007).
Entretanto, uma quarta evidência traz a tona que o desaparecimento é um
fenômeno que abrange diferentes causas, ou seja, é multicausal. Assim, no tocante ao
papel da família na produção de desaparecidos civis, estão as relações de violência e de
dominação. Quanto ao Estado, nota-se a necessidade da criação de instrumentos legais
que garantam os direitos essenciais de segurança. E do ponto de vista do desaparecido, é
possível considerar que a fuga seja uma solução para difíceis condições de vida no
ambiente doméstico (OLIVEIRA, 2007).
O desaparecimento dentro de uma perspectiva social, pode ser ocasionado em
função de uma ação praticada por terceiros ou em uma situação de desastre. Além disso,
pode ser proveniente de um sumiço que pode estar relacionado ao desejo de sumir ou a
presença de alguma doença ou ainda das peculiaridades de uma idade mais avançada
(NEUMANN, 2010).
Como o Estado deve intervir ou proceder nas decisões particulares de um sujeito
maior e responsável por seus atos, não está claro, mas aqueles que mantêm ou
mantiveram relação fazendo parte do circulo de vida do desaparecido devem usufruir do
direito de receber alguma informação. No caso de crianças e adolescentes,
juridicamente não se prevê que o sujeito menor de dezoito anos seja responsável (dentro
de algumas limitações) pelos seus atos (OLIVEIRA, 2007).
Além disso, a criança e o adolescente são considerados como uma pessoa em
situação peculiar de desenvolvimento dada sua imaturidade física e mental, por isso
necessitam de proteção, haja vista que na fase adulta estes aspectos já foram
desenvolvidos (exceto em alguns casos) e consequentemente são responsáveis por seus
atos (NEUMANN, 2010).
Nos dias atuais, é possível categorizar cinco situações de desaparecimentos,
dentre elas estão: o desaparecimento político ou forçado; o desaparecimento envolvendo
acidentes ou catástrofes; as fugas para escapar do sistema punitivo; as definições do
sistema jurídico brasileiro: o desaparecido e o ausente; os registros de desaparecimento
de pessoas em delegacias ou outras agências estatais e os desaparecidos com vínculos
familiares. O desaparecimento político tornou-se amplamente conhecido no decorrer da
história política do Brasil e da América Latina em função da influência de intelectuais e
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defensores dos direitos humanos que por meio da realização de alguns trabalhos de
autores tornaram público as perseguições que sofriam, as prisões e os repentinos
desaparecimentos de líderes e militantes políticos de oposição ao regime ditatorial em
vigor (OLIVEIRA, 2007).
Especificamente no Brasil, o período de regime militar foi de 1964 a 1985 e
levou a perseguição de diversas pessoas que foram presas, torturadas e assassinadas,
além disso, muitas morreram em decorrência de ações militares e paramilitares ou
tiveram destino incerto. O objetivo principal era todos que pudessem aviltar a
estabilidade do país, ou seja, políticos de oposição, intelectuais, jornalistas, sindicalistas
entre outros denominados de subversivos. Os políticos que eram aprisionados não
tinham um auxílio legal e quando mortos, eram enterrados em valas comuns ou em
locais incertos, o que tem reflexos até os dias de hoje, dada a inviabilidade de
localização e exatidão de seus paradeiros (OLIVEIRA, 2007).
Como tal situação acabou se disseminando para outros países da America
Latina, internacionalmente iniciou-se um vasto movimento a fim de asseverar as
garantias mínimas do livre exercício dos direitos políticos e a liberdade de pensamento,
dentre outras garantias legais já determinadas, sobretudo a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Desta forma, o Estado aparece como protagonista direto ou indireto
na produção dessas situações de desaparecimento. De modo geral, quando se refere a
desaparecidos políticos ou forçados deve-se atentar para a existência de uma
autorização expressa ou para a tolerância do Estado para com tal prática e a existência
de um conflito explicito ou implícito de natureza política, étnica, social ou religiosa
(OLIVEIRA, 2007).
Quanto ao desaparecimento em caso de eventos catastróficos ou acidentes, há o
envolvimento de pessoas que foram vítimas de alguma fatalidade e que não foram
encontradas, que provavelmente estão mortas ou ainda não foram identificadas em meio
aos corpos já resgatados. Além disso, nem sempre é possível afirmar exatamente quais
pessoas permaneciam no local no momento do acidente (OLIVEIRA, 2007).
Um dos termos bastante comum entre os jargões policiais é o foragido, que é
utilizado para referir-se a uma pessoa fugitiva que está em um local desconhecido ou
também a alguém que praticou determinado delito e fugiu para algum lugar cujo destino
é impreciso com o intuito de evitar o cumprimento de uma pena (OLIVEIRA, 2007).
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No âmbito jurídico, o desaparecido é visto como aquele que a morte é certa, cujo
o corpo ainda não foi encontrado, o que de certa maneira rompe com as esperanças das
famílias que procuram informações e/ou notícias de seus parentes ou conhecidos
desaparecidos, uma vez que para o senso comum o desaparecido é alguém que ainda
está vivo e portanto, busca-se apoio para encontrá-lo, pois pode estar em situação de
perigo (OLIVEIRA, 2007).
Já nos casos cuja morte não se pode afirmar e que não se tem nenhuma
informação acerca dos motivos do desaparecimento, em termos jurídicos denomina-se
de “ausente”. Contudo, o termo ausente não aplaca as angustias da família, pois alude a
ideia de que a pessoa encontra-se apenas “ausente”, ou seja, ameniza a situação de
desaparecimento de determinada pessoa, reduzindo os riscos de vida por não indicar
uma normatização clara de ação policial para o caso, além de não contemplar um
estatuto que abarque tal situação. Outro ponto a ser destacado, é que na concepção
jurídica, o ausente tem a função mais de viabilizar a transmissão patrimonial ao invés de
facilitar nas buscas pelo desaparecido, visto que a prioridade concentra-se na gerência
dos bens deixados pelo desaparecido (OLIVEIRA, 2007).
Durante a pesquisa realizada por Oliveira (2007) o autor destacou que
legalmente não é dever de nenhuma instituição policial (até janeiro de 2006) a
responsabilidade de buscar por desaparecidos. Fato é que no artigo 144, § 5º, da
Constituição Federal, está previsto que:
“As policias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos
corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil” (Constituição Brasileira, 1988).
No que tange as investigações, estas deveriam ser de alçada da polícia civil que
tem como uma de suas funções: “exercer as funções de polícia judiciária e a apuração
de infrações penais” (OLIVEIRA, 2007).
Além disso, os desaparecimentos não são apenas resultados de ações criminosas,
o que faz desta forma, que não seja somente uma responsabilidade da polícia. A partir
de uma averiguação apurada das causas, é possível se deparar com subtipos de
desaparecimentos, dentre eles estão: Desaparecimento de Pessoas – para
desaparecimento enigmático (inexplicável - suspeita de homicídio, ocultação de
cadáver, etc) ou crianças perdidas; Afastamento/ Abandono do Convívio Familiar – para
casos de fuga de domicilio (auto-exposição); Evasão de Local de Custódia Legal – para
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menores fugidos de abrigos ou centros de reabilitação e convivência (auto-exposição);
Cooptação para práticas criminosas – para casos de aliciamento para o tráfico,
exploração sexual e tráfico de seres humanos (crime); Seqüestro (crime) e Vítimas de
Calamidades (NEUMANN, 2010).
Os casos denominados de auto-exposição, são aqueles que envolvem situações
de risco ou vulnerabilidade sendo, portanto, da alçada dos Conselhos Tutelares. Quanto
aos casos de sequestro, subtração de incapaz, cooptação para práticas criminosas e
desaparecimento enigmático, é de responsabilidade da Polícia Judiciária e para os casos
de vítimas de acidentes e /ou catástrofes fica incumbida a Polícia Civil (NEUMANN,
2010).
Desta forma, é preciso averiguar qual tipo de crime ocorreu e para tanto, é
preciso ter uma prova, porém, no caso de desaparecidos, estes não deixam vestígios ou
provas do que possa ter ocorrido. Mas para a lei, uma infração penal consequentemente
é uma ocorrência de um crime (OLIVEIRA, 2007).
Assim, visto que um crime é o rompimento da norma, deve-se pensar qual
norma é rompida pelo desaparecido (DURKHEIM, 1995 apud OLIVEIRA, 2007).
Desta situação decorre um problema, pois o desaparecido não cometeu um crime e não
foi vítima, não há um crime imediato, o que implica em não se ter uma válvula
propulsora para dar início às investigações. E, por conseguinte, se não há um crime, não
tem porque o Estado se mobilizar (OLIVEIRA, 2007).
19
2.3. INFLUÊNCIA DA MÍDIA
No Congresso Nacional há em processo diversos projetos de lei que visam uma
intervenção mais eficaz para a situação de desparecidos civis, sendo que a grande
maioria procura garantir a divulgação de fotos de pessoas desaparecidas (em
embalagens de leite, bujões de gás, contracheques, embalagens de bebidas e cigarros
etc.). Já as outras propostas querem assegurar um tempo fixo nos meios de
comunicação mesmo com ou sem incentivos a fim de fazer uma divulgação. Quanto ao
papel da mídia, percebe-se que são divulgados poucos casos de desaparecimento, os que
obtiveram uma maior visibilidade e repercussão, foram os casos Carlinhos e Pedrinho,
que trouxeram a tona a ideia de que qualquer pessoa que tivesse o paradeiro
desconhecido, passaria a ser tida imediatamente como um desaparecido civil, mesmo
que as razões para tal acontecimento possa ser conhecida (OLIVEIRA, 2007).
Além disso, a mídia indiscutivelmente é formadora de opinião. Os veículos de
comunicação difundem seus ideais por meio de programas, notícias, entrevistas,
reportagens de cunho especial, filmes, dentre outros. Os meios de comunicação em
massa fazem parte da indústria cultural, que propaga uma visão específica de homem e
de mundo e acaba por influenciar o comportamento das pessoas, disseminando-o para a
sociedade como um todo (NEUMANN, 2010).
A indústria cultural estipula modas e formas de comportamento que rapidamente
são absorvidas, visto que por meio do consumo, promete a concretização de desejos e
felicidade, ocultando as incoerências sociais. Atualmente, as matérias de fins
jornalísticos são embasadas por uma determinada conclusão do fenômeno a ser tratado,
mas não trazem a tona este em si. Desta forma, transmitem uma interpretação
intermediada por interesses de determinados grupos que visam assegurar a posição que
possuem (NEUMANN, 2010).
Além disso, diversos noticiários definem o ocorrido estabelecendo uma ligação
com a causa. Entretanto, quando o caso não é casual, a reportagem é explorativa, pois
há uma tentativa de encontrar uma explicação para o caso. Desta forma, os problemas
sociais só adquirem conotação e impacto, quando são divulgados por grandes veículos
de comunicação (NEUMANN, 2010).
O desaparecimento de pessoas é abordado pelos meios de comunicação em
massa como o desaparecimento de qualquer outra coisa, haja vista que existe uma
20
naturalização pelo fato de que é conhecimento de todos o que é um desaparecimento.
Assim, a notícia deve ser dada visando fomentar uma explicação coerente e lógica e
abrandar os sentimentos suscitados pelo acontecimento, ou ainda deve asseverar a
esperança de reencontrar o desaparecido (NEUMANN, 2010).
Quando o desaparecido é localizado, os recursos utilizados pelos meios de
comunicação dispõem da sensibilização despertada por reportagens subsequentes para
mobilizar a emoção de quem está acompanhando o desenrolar do caso. Assim, através
da divulgação e exploração atribuída ao acontecimento, cresce o número de interessados
que passam a acompanhar o caso (NEUMANN, 2010).
Deste modo, a interpretação fornecida pelos meios de comunicação ao
desaparecimento de pessoas, relaciona-se ao senso comum, cujas características são
subjetivas, pois expressa as opiniões e sentimentos particulares ou de grupos,
qualitativas, visto que cada um atribui um caráter aos acontecimentos ao seu modo,
heterogêneo, já que cada um interpreta o ocorrido tendo por base suas experiências e
generalizadoras, porque anexa opiniões e conceitos de coisas ou situações tidos como
similares e em função disto, acaba por estabelecer relações de causa e efeito (CHAUÍ,
2002 apud NEUMANN, 2010).
21
2.4. LUTO
As famílias não vivenciam somente o sentimento de perda de algum membro,
mas convivem também com o sentimento de abandono pela inexistência quase completa
de apoio do Estado bem como o sentimento de culpa, visto que muitos pais relatam
sentirem-se responsáveis pelo desaparecimento (OLIVEIRA, 2007).
Assim, diante da escassez de motivação para a busca, quem espera obter
informações do paradeiro do desaparecido pode começar a culpar-se pelo ocorrido. A
culpa sentida pelo indivíduo é proveniente da crença de que não estava fornecendo a
devida atenção ao membro que desapareceu, o que de alguma forma propiciou o
problema e que o fato de ter discutido ou insultado, colaborou para o desaparecimento.
Além disso, quando o desaparecido não é encontrado, cada dia sem a sua presença,
ratifica a culpa e a frustração (NEUMANN, 2010).
A culpa ainda pode estar ligada geralmente às expectativas sociais em torno dos
pais que devem assegurar a proteção de seus filhos contra todos os perigos que podem
ameaçá-los e, deste modo, sua possível morte equivale ao fiasco do exercício da função
parental (OLIVEIRA, 2008).
Isto porque a ausência do indivíduo desaparecido ocasiona diversos sentimentos
naqueles que mantêm com ele uma ligação afetiva, isto é suscitado preferencialmente
nos componentes da família. O desaparecimento culmina em uma incógnita para a
família e desemboca em uma lacuna que não é preenchida até que o desaparecido seja
encontrado (GATTÁS & FIGARO-GARCIA, 2007 apud NEUMANN, 2010).
O desaparecimento evoca sentimentos semelhantes em diferentes familiares,
visto que há uma situação de rompimento entre pessoas, que são expressos pela
saudade, o vazio e a falta do outro, a distância, a insegurança, o medo, o apego, o desejo
pelo outro, a recusa a mudança e ao esquecimento, o sofrimento e a esperança
(OLIVEIRA, 2007).
O sofrimento pela morte de um filho contempla o plano do insuperável,
entretanto, no caso de desaparecimento, não saber se o filho permanece vivo ou morto e
não ter a certeza se algum dia poderá ter notícias de seu paradeiro e posteriormente
encontrá-lo, pode provocar uma angústia infindável (FÍGARO-GARCIA, 2010).
Além disso, diante do desconhecimento do paradeiro do filho (a) e das condições
físicas em que este (a) encontra-se, como e quando irá retornar para sua casa, podem
22
provocar efeitos psíquicos seja para os familiares quanto para o desaparecido após ser
localizado (FÍGARO-GARCIA, 2010).
No entanto, o regresso do filho (a) não refaz os anos passados de desalento e
desesperança, entre outros sentimentos desencadeados por sua ausência. A espera pelo
reaparecimento do filho é um fator comum para aqueles que vivenciam o
desaparecimento, ao longo do tempo a resignação pela falta do desaparecido acaba
tornando-se corriqueira (NEUMANN, 2010).
O sentimento suscitado pelo desaparecimento para alguns é muito similar ao
vivenciado no luto (NEUMANN, 2010). Além disso, o luto vivenciado por diversas
famílias de crianças e adolescentes desaparecidos parece ser aquele que mesmo sem a
presença de um corpo ainda mantêm a esperança de encontrar seus filhos (FIGARO-
GARCIA, 2010).
Deste modo, além de não contar com o apoio do Estado, a família ou os
conhecidos no que concerne o plano psíquico, defrontam-se na procura pelo
desaparecido com um paradoxo, ou seja, devem lidar tanto com as expectativas de que o
desaparecido esteja vivo, buscando informações acerca do paradeiro deste e ao mesmo
tempo lidar com o luto a fim de encontrar estabilidade psicológica (OLIVEIRA, 2007).
Entretanto, a diferença entre a morte de fato e um desaparecimento, reside no
corpo que permite propagar a materialidade de uma vida que acabou independente de
qual motivo seja. Já em um desaparecimento, a materialidade do sujeito se constitui por
meio de fotografias, de suas roupas deixadas, em objetos de uso pessoal, em seu quarto,
em seus brinquedos, ou seja, em todas as lembranças que a família persiste em manter
viva até que o contrário torne-se verdadeiro (GATTÁS & FIGARO-GARCIA, 2007).
Além disso, não é sempre que há uma solução para o desaparecimento e uma
redução do sofrimento, pois a lacuna permanece, aumentando quando há o contato com
os pertences do ente desaparecido. Os sentimentos e as fantasias presentes na morte e no
luto são vivenciados intensamente e de forma incessante pelos membros do
desaparecido. A não certificação de se o desaparecido está vivo ou morto, favorece a
esperança e sustenta a cada dia a fantasia de que seu retorno ainda é viável. E nos casos
de crianças e adolescentes desaparecidos, por exemplo, por simbolizarem uma nova
geração, asseguram a sucessão de sua família, mas na ocorrência de algo com estes, os
planos futuros da família são interrompidos (NEUMANN, 2010).
23
A ausência de saúde e a perspectiva de morte podem mobilizar diversos
sentimentos, tais como a angústia, a insegurança, o temor, o arrependimento, a culpa, a
revolta, dentre outros. Diante da possibilidade de perdas expressivas, o sentimento de
luto emerge como uma reação prevista, sendo um processo único, que faz com que o
sujeito procure os sentidos seja da perda, do adoecimento ou da morte de um ente
querido ou de alguém com o qual mantêm relações de proximidade (KLUBLER-ROSS,
1989 apud SOUZA, et al, 2009) .
A perda bem como sua elaboração, são condições contínuas e intrínsecas do
percurso de desenvolvimento humano, que podem levar a transformações, fazendo parte
de diferentes períodos da vida, desde o desmame, na passagem da infância para a
adolescência, na vida adulta e na velhice até em transformações provenientes de
acontecimentos peculiares, como a perda de um ente querido, separações, mudanças de
casa, de cidade e mudanças no trabalho (KOVÁCS, 1992 apud SOUZA, et al, 2009) .
O processo de luto diz respeito à elaboração e resolução que pode ser advinda de
uma perda real ou fantasiosa, processo este pelo qual todas as pessoas atravessam em
algum momento de sua vida com maior ou menor intensidade, caracterizando-se como
um período de crise. O processo de luto pode desencadear uma crise, visto as possíveis
modificações na qualidade de vida e saúde das pessoas que vivenciam a perda, dentre as
quais estão os sentimentos de tristeza, isolamento e a presença de humor depressivo,
conjugados ao desinteresse, afastamento e apatia por atividades referentes ao trabalho,
ao lazer e às atividades corriqueiras. Entretanto, o contrário também é verdadeiro, pois
algumas pessoas passam a realizar suas atividades de modo hiperativo, se dedicando
ainda mais a estas, como uma forma de evitar e/ou adiar o contato com o sentimento de
dor (OBROMBERG, 2000 apud SOUZA, 2009).
Assim, o luto enquanto uma crise, suscita um desequilíbrio no que concerne a
quantidade de ajustamento necessária e os recursos que se tem de pronto disponíveis
para lidar com a situação. A perda torna necessário uma reorganização frente às
transformações que se instalam (OLIVEIRA, 2008).
Quando o indivíduo consegue elaborar o luto favoravelmente, passa a se deparar
com novos significados em relação à algumas questões de sua vida, já o contrário, ou
seja, a sua não elaboração, pode fazer com que surjam diversas complicações tanto
médicas quanto psicológicas (SOUZA, et al, 2009).
24
Além disso, é um processo cuja incumbência é de adaptação a uma nova
realidade, o que não alude à ideia de aceitar uma doença crônica ou a perda de alguém
que se estima. No entanto, esta adaptação vai depender da história particular, familiar,
de fatores sociais e culturais, a habilidade de suportar frustrações, com o tipo de vínculo
formado com a pessoa que faleceu e com a circunstância da morte, que podem
influenciar na forma de como o indivíduo vivenciará o luto (SOUZA, et al, 2009).
Desta forma, mesmo que o luto possua algumas propriedades comuns e
universais, é preciso ter atenção para cada caso em específico, visto que cada situação
abrange uma singularidade. Assim, é possível que em alguns casos haja um desvio do
processo normal do luto, o que pode fazer com que o indivíduo vivencie a perda de
forma exacerbada e limitante, trazendo consequências e/ou prejudicar outros setores da
vida, tais como: a habilidade individual e os aspectos cognitivos, afetivos e sociais,
além do aparecimento de possíveis episódios de alterações físicas e psicológicas
(SOUZA, et al, 2009).
Deste modo, é possível pensar nas duas formas de internalização, ou seja,
introjeção e incorporação. A internalização se refere a algo que é oferecido pelo
ambiente, mas que não está o tempo inteiro disponível e é importante para compreender
como o indivíduo lida com a falta (ROUCHY & DESROCHE, 2005).
A introjeção é um processo no qual o indivíduo pode sustentar-se
narcisicamente, oferecendo a si mesmo a função psíquica anteriormente fornecida pelo
ambiente e isto é enriquecedor para o ego (ROUCHY & DESROCHE, 2005).
Já a incorporação, impede o processo de luto, levando a fantasia de que o
indivíduo está completo e de que irá recuperar o objeto perdido, a fim de suprir a falta.
Além disso, a incorporação compensa uma falta de autonomia, de algo que está ausente
no ambiente e é um mecanismo de defesa (ROUCHY & DESROCHE, 2005).
O processo de luto pode provocar uma série de reações nos planos intelectual:
déficit e memória e concentração, confusão, desorganização, intelectualização,
desorientação, negação, sensação de despersonalização; emocional: choque,
entorpecimento, raiva, culpa, alívio, depressão, irritabilidade, solidão, saudade,
descrença, tristeza, ansiedade, medo; físico: alterações de apetite, sono e peso,
inquietação, dispnéia, palpitação, perda de libido, choro, consumo de substâncias
psicotrópicas, álcool e fumo, “vazio” no estômago, “aperto” no peito, “nó na garganta”,
hipersensibilidade ao barulho, falta de ar, fraqueza muscular, falta de energia, boca seca,
25
suscetibilidade à doenças, em especial às relacionadas à baixa imunidade; espiritual:
perda ou aumento na fé religiosa, questionamentos sobre fé, valores, Deus e social:
perda de identidade, isolamento, afastamento (FRANCO, 2002 apud OLIVEIRA,
2008).
Em função de atualmente na sociedade ocidental ser habitual negar os
sentimentos relacionados ao luto por morte, acaba tornando-se árduo para o homem
enfrentar as questões referentes à morte, essencialmente a condição de perda e os
sentimentos mobilizados. Nesta conjectura, a morte é a certificação da finitude humana
e o contato com esta, culminaria em um suposto fracasso diante da vida, o que, deste
modo, leva a necessidade de afastamento e também recusa em aceitá-la como um
fenômeno natural e previsto, que é transformado em uma catástrofe que deve ser evitada
a qualquer custo, ou então adiada (SOUZA, et al, 2009).
Além disso, quando a lei natural se inverte, como em casos da morte de um
filho, por exemplo, é tida como fora do tempo. O luto vivenciado pelos pais assume
dimensões muito intensas de sofrimento, visto que afeta o plano individual, a relação
com o parceiro (a), as relações familiar e social, pois os pais sentem-se como se uma
parte de si mesmos tivesse sido perdida. O luto mesmo dentro de seu percurso normal,
não indica que tal processo não seja doloroso ou que não necessite de esforço para se
adaptar as novas proporções que a vida assume por parte de cada um dos indivíduos
afetados, além disso, o núcleo familiar, também se depara com o impacto em seu
funcionamento e em sua identidade (BOLZE & CASTOLDI, 2005).
Geralmente, o luto enfrentado pelos pais e mães é o luto crônico. Mesmo que o
sofrimento tenda a diminuir com o passar do tempo, não há nada que interrompa a
ligação com o filho morto, desta forma, o enlutamento devido à morte de um filho, é
para sempre. Além disso, estágios específicos do desenvolvimento levam aos pais a
pensar que momento da vida a criança estaria vivenciando, se estivesse viva. Eventos
como: datas de aniversário, irmãos e amigos do filho falecido que se formam, casam,
continuam dando sequencia as etapas vitais e podem trazer à tona novamente
sentimentos vivenciados na época da perda e por isso, constitui um caráter de
cronificação (OLIVEIRA, 2008).
Assim, o suporte psicológico nestes casos de lutos crônicos é fundamental, visto
que pode evitar que os pais venham a desenvolver distúrbios sejam eles psicológicos ou
até psiquiátricos (BOLZE & CALTOLDI, 2005).
26
A problemática do luto consiste na dificuldade e/ou relutância as mudanças que
ocorrem. Além disso, mesmo nas diferentes formas de se vivenciar o luto, não é raro
que não fique claro o que realmente foi perdido, em virtude da grande quantidade de
perdas secundárias, o que pode prejudicar ainda mais o processo de elaboração
(OLIVEIRA, 2008).
A adaptação vai depender dos recursos disponíveis pela família, entretanto, em
algumas situações é necessário uma intervenção psicológica, que pode ser de cunho do
aconselhamento ou psicoterapia. No aconselhamento, o trabalho realizado tem por
objetivo restabelecer o padrão de vida muito parecido ao existente antes da perda,
contando com os recursos psíquicos do enlutado e com o aparato da rede social na qual
o sujeito está inserido, como família e amigos (BOLZE & CASTOLDI, 2005).
Além disso, a família beneficia-se diante da oportunidade de expressar suas
angústias e tristezas, de certificar-se da normalidade de reações fisiológicas ao luto e de
retomar sua condição de vida e começar a pensar em novas direções (BOLZE &
CASTOLDI, 2005).
E é importante se destacar, que o tema referente à morte e o luto possui uma
ligação com o viver, além disso, não contempla somente a alçada de profissionais que
trabalham na área da saúde ou aquele que possui uma doença crônica, curável ou
incurável que acarreta a morte, visto que as perdas são acontecimentos significativos
que precisam abarcar uma problematização cuidadosa e contextualizada em sua
abordagem (SOUZA, et al, 2009).
Há diversos estudos que abordam a morte como tema central e dentre os autores
que se dedicaram a compreender as vicissitudes desta, a autora que mais se sobressai em
decorrência de suas contribuições, é Kübler-Ross que posteriormente aos seus anos de
prática profissional com pacientes oncológicos sem perspectivas de cura, denominou
cinco estágios que contemplam o processo de luto. Dentre eles estão: Negação e
Isolamento, Raiva, Barganha, Depressão e Aceitação (OLIVEIRA, 2008).
A negação e o isolamento caracterizam-se como mecanismos de defesa
temporários do ego contra a dor psíquica diante da morte. A intensidade e a duração
desses mecanismos variam, pois depende da forma de como a pessoa que sofre e as
outras pessoas de seu meio conseguem enfrentar a perda. A raiva é suscitada pela
impossibilidade de o ego manter a negação e o isolamento indefinidamente, além disso,
a raiva faz com que os relacionamentos tornem-se conflituosos e todo ambiente no qual
27
o indivíduo está inserido, passa a ser hostilizado por ele. Paralelamente a raiva, podem
emergir sentimentos como revolta, inveja e ressentimento (OLIVEIRA, 2008).
Frequentemente a barganha é realizada com Deus, contemplando normalmente
um caráter de súplica. Neste estágio, há uma tentativa do enlutado abrandar seu
sofrimento por meio da fantasia de que poderia contornar a perda oferecendo algo de si
como pagamento. A depressão surge quando a pessoa dá-se conta da realidade da perda
e neste estágio, normalmente surgem sintomas de desânimo, desinteresse, apatia,
tristeza e choros frequentes (OLIVEIRA, 2008).
Por fim, na aceitação, a pessoa não sente mais desespero e nem nega a realidade
da perda e pode atribuir um novo significado a relação com o objeto perdido e
prosseguir adiante, reinvestindo a libido em futuras ou outras relações (OLIVEIRA,
2008).
Pelo fato de a perda não limitar-se somente a um indivíduo, mas também a
diversas pessoas ao seu redor, essencialmente o grupo familiar, estes estágios podem ser
vivenciados em diferentes momentos por cada membro. A morte no núcleo familiar é
um acontecimento que pode ocasionar ansiedade e temor, propiciando ainda o
surgimento de conflitos que até então encontravam-se ocultados (OLIVEIRA, 2008).
Além disso, cada componente da família esboçará uma reação de luto, variando
em função de alguns elementos que podem prejudicar ou impossibilitar a elaboração da
perda, tais como o tipo de relação entre o enlutado e o falecido (principalmente quando
era uma relação marcada por uma ambivalência ou de extrema dependência); o tipo de
morte (especialmente nos casos cuja morte é algo incerto, como nos casos de
desaparecimento, em que o enlutado não sabe se o ente querido está vivo ou morto e
onde encontra-se); perdas múltiplas e a falta de uma rede de apoio continente e segura
(em casos em que não se comenta sobre tal acontecimento). Os pais devem ser o foco
principal nas situações da morte de uma criança, pois além de uma perda na família,
sofrem com o rompimento da continuidade que espera-se da vida. Desta forma, os pais
podem evitar, abolir ou não demonstrar sentimentos de dor e/ou condolência por causa
de uma negação em excesso da morte, pois ao perder um filho, perdem uma parte de si
próprios, de seus sonhos e planos (OLIVEIRA, 2008).
A raiva também aparece em alguns casos, principalmente nos casos de mortes
inesperadas, onde não há como se despedir do ente querido. A denominada síndrome do
luto não antecipado, ocorre, pois, os pais enlutados nunca preveem a morte de um filho,
28
o que faz com que a realização de rituais de despedidas e fechamentos não se
concretize. Assim, os sentimentos esperados e que são provocados em um luto normal
passam a ser postergados, tanto em relação ao tempo quanto à intensidade (OLIVEIRA,
2008).
Entretanto, é preciso considerar o vínculo que era mantido entre a criança e seus
pais e no caso do luto parental, é preciso atentar-se para fatores como: a natureza e
significado singulares do relacionamento; o papel e as características particulares da
criança dentro do sistema familiar; questões pendentes; se ocorreram perdas secundárias
(quantas e quais); formas de enfrentamento; personalidade e saúde mental dos pais;
assim como nível de maturidade e inteligência; idade; experiências anteriores de perda;
aparato social/cultural/religioso; circunstâncias da morte; nível sócio-econômico;
realização de funerais, abuso de substâncias e alterações físicas como sono e
alimentação por exemplo (OLIVEIRA, 2008).
As situações que nos remetem a pensar na morte, mesmo que esta não tenha
ocorrido de fato, ocasionam sentimentos de dor, ruptura, interrupção e tristeza
(OLIVEIRA, 2008). Uma das experiências que causam mais sofrimento ao ser humano
é a separação entre vivos, entituladas de “situações-limite”, em que a dor e o sofrimento
são assoladores. Além disso, estas situações podem ser mais receosas do que a morte
em si, por serem vivenciadas conscientemente em toda sua intensidade (KOVÁCS
1992, apud OLIVEIRA, 2008).
O desaparecimento físico e sem causas aparentes de um familiar, é uma
separação entre vivos, visto que mesmo que a ausência do ente querido seja concreta,
não há certificações definitivas sobre a perda, bem como nem a vida e nem a morte são
certas. Desta forma, o desaparecimento caracteriza-se como um rompimento sem aviso,
sem explicação, sem conclusão. Assim, diferentemente dos casos de morte, não há uma
comprovação acerca do que de fato tenha acontecido com o ente querido. Portanto, o
objeto de amor não está presente, mas não se sabe se voltará ou nunca mais será visto
(OLIVEIRA, 2008).
O trabalho realizado com pessoas enlutadas por causa de um ente desaparecido,
é muito parecido ao trabalho com pacientes enlutados pela morte de um ente querido,
entretanto, é um trabalho especificamente árduo em função da ausência de certezas e às
fantasias ligadas aos motivos do desaparecimento (OLIVEIRA, 2008).
29
De acordo com Boss (2001) apud Oliveira (2008) as reações de luto são
propensas a serem mais intensas e podem levar a um quadro denominado de luto
ambíguo:
“...a perda é desconcertante e as pessoas se veem desorientadas e
paralisadas. Não sabem como se portar nessa situação. Não podem
solucionar o problema porque não sabem se este (o
desaparecimento) é definitivo ou temporário (...) a incerteza
impede que as pessoas se adaptem à ambiguidade de sua perda,
reorganizando os papéis e as normas de suas relações com os
outros queridos (...) se agarram à esperança de que as coisas
voltem a ser como eram antes (...) lhes são privados os rituais que
geralmente dão suporte a uma perda clara, tais como funerais
depois de uma morte na família.” (p.20)
Desta forma, o luto nos casos de desaparecimentos, pode emergir como uma
reação normal à circunstância dada a sua complexidade, visto que a solução para a
perda depende fundamentalmente de fatores externos daqueles que vivenciam. Além
disso, a desorganização diante do desaparecimento de um ente querido, abrange várias
esferas da vida dos enlutados (BOSS, 2001 apud OLIVEIRA, 2008).
Entretanto, como saliente Boss (2001) apud Oliveira (2008):
“Ao contrário da morte, uma perda ambígua pode nunca permitir
que a pessoa que sofre alcance o desapego necessário para
encerrar adequadamente seu luto (...) é sentida como uma perda,
mas não é de fato. As pessoas intercalam esperança e desespero,
depois retomam esperança e assim sucessivamente.” (p.23)
Assim, nos casos de desaparecimentos não há possibilidade de enlutar-se e
concomitantemente de não enlutar-se, visto que a dor vivenciada pelos enlutados
convive corriqueiramente com a fé e a esperança de reencontro. Para os familiares de
uma pessoa desaparecida, as emoções alternam-se entre a esperança e o desespero e em
alguns casos, esperam durante anos sem obter novas informações da localização do ente
desaparecido (OLIVEIRA, 2008).
A materialidade de um corpo e a escassez de informações tornam-se
complicadores para a saúde física, psíquica e social dos envolvidos. Em algumas
pesquisas realizadas sobre o tema, observou-se que os relacionamentos intrafamiliares
30
passam a ser afetados, visto que os membros das famílias relatam perder a confiança em
seus companheiros e há a presença de raiva e hostilidade para com os demais familiares.
Quanto aos relacionamentos extrafamiliares, os sentimentos citados foram: vergonha,
embaraço, choque, tristeza e falta de apoio da rede social.
No caso de desaparecimento de uma criança, as crises vivenciadas por uma
família pode desorganizar todo o sistema familiar. Além disso, a auto-estima dos pais
está vinculada ao exercício dos papéis socialmente designados de pai e mãe, e diante do
desparecimento de um filho (a), estes possuem uma maior vulnerabilidade a
comentários e julgamentos de cunho moral. E não reconhecer o desaparecimento como
de fato uma perda, pode ser um dificultador para a família, especialmente para os pais,
pois somente o reconhecimento da perda e quando esta é integrada, que a pessoa pode
dar prosseguimento a sua vida (OLIVEIRA, 2008).
Os rituais têm o objetivo de assinalar a perda de alguém importante que
integrava parte da família e devem facilitar a expressão de sentimentos, auxiliar o
enlutado a dar sentido a perda e fazer com que o falecido seja lembrado. A
impossibilidade de realizar rituais pode inviabilizar o início do processo de elaboração
da perda e das mudanças essenciais posteriormente a esta (OLIVEIRA, 2008).
31
2.5. LUTO E MELANCOLIA
Freud (2006) um dos primeiros estudiosos a introduzir o conceito de luto em
suas pesquisas, cita que os seres humanos possuem duas maneiras de lidar com a perda
de um objeto de amor, ou através do luto ou pela melancolia. No processo de luto,
devido à separação e o rompimento de vínculos, há uma forte resposta emocional, sendo
esta resposta em função de uma perda real de um objeto de amor, provido de um intenso
investimento libidinal. Na perda do objeto, aquele que se encontra de luto, deve retirar
gradualmente a libido de toda e qualquer ligação que mantinha com este.
Os sentimentos tais como angústia, solidão, medo e tristeza normalmente fazem
parte quando há a perda de algo ou de alguém e requerem um tempo de elaboração, haja
vista que culminam em privação (aquilo que se tinha não tem mais) e mudanças (perda
de controle frente ao ocorrido e da nova situação). Deste modo, os sentimentos de
segurança e previsibilidade da vida são abalados. Assim, pode-se concluir que o luto é
uma reação a ruptura de vínculos e isto é algo normal e esperado. De acordo com Parkes
(1998) apud Oliveira (2008):
“... a dor do luto é tanto parte da vida quanto a alegria de viver; é,
talvez, o preço que pagamos pelo amor, o preço do compromisso.”
(p.22).
O luto é um processo que caracteriza-se pela tristeza e a dor, que podem ser
manifestadas e dissipadas viabilizando por seguinte que o indivíduo desinvista a libido
do objeto de amor perdido, fazendo com que torne-se livre para desenvolver futuras
relações (FREUD, 2006).
Se algo ou alguém não existe mais, a libido deve ser retirada do objeto perdido para
ser re-investida, para que possa permitir uma re-significação da relação com o que ou
quem foi perdido (OLIVEIRA, 2008).
Entretanto, embora o luto provoque um afastamento de atitudes normais em relação
a vida, em hipótese alguma deve ser entendido como uma condição patológica e
submetê-lo a tratamento médico, visto que este processo possui um tempo determinado,
alternando de acordo com o grau de ligação afetiva que o indivíduo tinha com o objeto,
podendo ser superado. Além disso, pode ser danosa qualquer interferência para com ele
ou até mesmo ser inútil (FREUD, 2006).
32
Os traços mentais que caracterizam o luto e o diferem da melancolia são um
profundo desânimo, o desinteresse pelo mundo externo, a ausência da capacidade de
amar e a interrupção das atividades em geral. Na situação de luto profundo, a reação que
se tem frente à perda de alguém que se ama, estas características citadas anteriormente
cessam, visto que o luto não invoca esse alguém, a capacidade de tomar um novo objeto
de amor (o que equivaleria a sua substituição) e o afastamento de toda atividade que não
esteja relacionada a pensamentos sobre ele (FREUD, 2006).
No que tange a melancolia, não há uma perda apenas do objeto, mas também a
de si mesmo, visto que o amor sobre o que ou quem se perdeu não pode ser desprezado
e o enlutado se identifica com este, incorporando-o. Desta forma, a pessoa agarra-se ao
objeto perdido a fim de negar a perda, visto que a separação implica na dor e isto faz
com que essa pessoa tenha uma disposição patológica (FREUD, 2006).
Assim, o enlutado continua conectado ao que foi perdido, o que prejudica ou
inviabiliza o estabelecimento de novas relações. Desta forma, a melancolia se constitui
através de uma impossibilidade de substituição do objeto de amor, já que isto seria o
mesmo que aceitar a perda de si mesmo (FREUD, 2006).
Isto porque na vivência melancólica, há uma impossibilidade de o indivíduo
enlutar-se pelo que foi perdido em virtude de estar indissociado de tal objeto muito
antes de sua perda. Desta forma, o problema proveniente da não-elaboração, é a
(con)fusão que se dá entre enlutado e objeto perdido, o que faz que, com o passar do
tempo, o eu do sobrevivente possa sucumbir (ZIMMERMAN, 2001 apud OLIVEIRA,
2008).
No processo de luto, o denominado “teste de realidade” mostra ao indivíduo que
o objeto não existe mais, sendo, portanto, indispensável à renúncia dos laços
estabelecidos com este, para que assim, com o passar do tempo, a energia libidinal
possa ser re-investida em um novo objeto. O trabalho de luto, visa admitir a perda
vivida na realidade, elaborar a dor provocada por esta, adaptar-se ao meio ambiente
onde o objeto perdido não está mais presente e recolocar-se emocionalmente em relação
a este, podendo dar prosseguimento à vida. Entretanto, as mudanças requerem tempo e
não são exclusivamente individuais, mas também sociais, fundamentalmente no âmbito
familiar, visto que todos são afetados pela perda (PARKES, 1998 apud OLIVEIRA,
2008).
33
Tal processo não se dá na melancolia, visto que a pessoa permanece fixada ao
objeto perdido, negando a perda e não se permite formar novos vínculos (OLIVEIRA,
2008).
A melancolia, também pode ser entendida como uma reação frente à perda de
um objeto de amor, entretanto, existe uma perda de natureza mais ideal, visto que o
objeto talvez possa não ter de fato morrido, mas sim ser perdido enquanto objeto de
amor. Em outros casos, a pessoa sente justificada sustentar a crença de que uma perda
dessa espécie ocorreu, não pode, porém, ver claramente o que foi perdido, sendo assim,
o indivíduo também não pode conscientemente se dar conta sobre o que perdeu. Isto
possivelmente se dê desta maneira, mesmo que o indivíduo esteja ciente da perda que
causou à sua melancolia, mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não
o que perdeu nesse alguém. Desta maneira, isto fornece o entendimento de que a
melancolia de algum modo está relacionada a uma perda objetal retirada da consciência,
em oposição ao luto, onde nada existe de inconsciente em relação à perda (FREUD,
2006).
No luto, a inibição e a perda de interesse são decorrentes do trabalho de luto pelo
ego absorvido, já na melancolia, a perda desconhecida levará a um trabalho interno
similar e será responsável pela inibição melancólica. A diferença reside no fato de que
a inibição do melancólico aparenta ser enigmática, pois não se pode ver o que é que está
sendo absorvido tão completamente. Além disso, o melancólico apresenta um outro
fator que está ausente no luto, ou seja, uma diminuição excessiva de sua auto-estima e
um empobrecimento de seu ego em grande escala (FREUD, 2006).
No luto o mundo é que torna-se pobre e vazio, já na melancolia, é o próprio ego.
O indivíduo apresenta seu ego como sendo desguarnecido de valor, incapaz de qualquer
realização e moralmente desprezível, ele se repreende e se envelhece, aguardando ser
expulso e punido. Além disso, humilha-se diante de todos e sente compaixão por seus
próprios parentes por estarem vinculados a alguém tão desprezível. Tal quadro de um
delírio de inferioridade (especialmente moral) é somado pela insônia e pela recusa em
se alimentar o que é psicologicamente notável por uma superação do instinto que
compele todo ser vivo a se apegar à vida (FREUD, 2006).
Além disso, não há correspondência entre o grau de autodegradação e sua real
justificação. No quadro clínico da melancolia, a insatisfação com o ego em função de
motivos de ordem moral, é a característica mais marcante. É possível notar, que as auto-
34
recriminações feitas pelo melancólico, são recriminações referentes a um objeto amado
que foram por assim dizer deslocadas desse objeto para o ego do próprio indivíduo.
Desta forma, são pessoas que passam sempre a impressão de que sentem-se
desconsideradas e que foram tratadas com grande injustiça. Isso só é viável, porque as
reações expressas em seu comportamento ainda derivam de uma constelação mental de
revolta que em meio a um determinado processo, passou para o estado de melancolia
(FREUD, 2006).
Tal processo, não é difícil de ser reconstruído, visto que em um dado momento,
há uma escolha objetal, uma ligação da libido a uma pessoa especifica, e em função de
uma real desconsideração ou desapontamento proveniente da pessoa amada, a relação
objetal foi destroçada. Deste modo, o resultado não foi à retirada da libido desse objeto
e um deslocamento da mesma para um novo, mas sim para algo diferente. Assim, a
catexia objetal mostra-se com pouco poder de resistência e foi liquidada, mas, a libido
livre não foi deslocada para outro objeto, pois foi retirada para o ego. Entretanto, foi
utilizada para estabelecer uma identificação do ego com o objeto abandonado (FREUD,
2006).
Assim, uma perda objetal levou a perda do ego e a um conflito entre o ego e a
pessoa amada, em uma separação entre a atividade crítica do ego e o ego enquanto
alterado pela identificação. As pré-condições e os efeitos deste processo, podem
apresentar duas possibilidades, a primeira de que uma forte fixação no objeto amado
deve ter estado presente e a segunda opostamente a esta, de que a catexia objetal deve
ter tido pouco poder de resistência (FREUD, 2006).
Esta contradição leva a reflexão de que a escolha objetal é feita tendo uma base
narcisista, de modo que a catexia objetal, ao se deparar com obstáculos, pode voltar para
o próprio narcisismo. A identificação narcisista com o objeto acaba tornando-se um
substituto da catexia erótica, em consequência, apesar do conflito com a pessoa amada,
não é necessário renunciar à relação amorosa (FREUD, 2006).
A substituição da identificação pelo amor objetal é um fundamental mecanismo
nas afecções narcisistas, visto que a identificação é uma etapa preliminar da escolha
objetal, que é a primeira forma e uma forma expressa de maneira ambivalente pela qual
o ego escolhe um objeto. O ego visa incorporar a si esse objeto, e conforme a fase oral
e/ou canibalista do desenvolvimento libidinal em que se encontra, deseja fazer isso
devorando-o (FREUD, 2006).
35
A melancolia, pega emprestado do luto alguns dos seus traços e do processo de
regressão desde a escolha objetal narcisista para o narcisismo. De um lado, é semelhante
ao luto, ou seja, uma reação à perda real de um objeto amado, mas acima disto, é
marcada por um determinante que encontra-se ausente no luto normal ou se estiver
presente, transforma o luto em patológico. A perda de um objeto de amor é uma
importante ocasião para que a ambivalência nas relações amorosas se torne efetiva e
manifesta (FREUD, 2006).
Deste modo, onde há uma probabilidade para a neurose obsessiva, o conflito
oriundo da ambivalência empresta um cunho patológico ao luto, obrigando-o a se
expressar sob a forma de auto-recriminação, ou seja, a própria pessoa enlutada é
culpada pela perda do objeto amado, que ela a desejou. Esses estados depressivos
decorrentes da morte de uma pessoa amada, mostra o que o conflito em função da
ambivalência pode conseguir por si mesmo quando também não há uma retração
regressiva da libido (FREUD, 2006).
Na melancolia, as ocasiões que originam a doença vão em sua grande maioria,
além da perda por morte, incluindo as situações de desconsideração, desprezo, ou
desapontamento que podem conduzir para a relação sentimentos opostos de amor e
ódio, ou ainda salientar uma ambivalência já existente. Esse conflito suscitado pela
ambivalência, que surge algumas vezes mais em decorrência de experiências reais,
outras vezes mais em função de fatores constitucionais, não deve ser desconsiderado
entre as pré- condições da melancolia. Caso o amor pelo objeto é um amor que não pode
ser renunciado, embora o próprio objeto deseje se refugiar na identificação narcisista,
então o ódio entra em ação nesse objeto substitutivo, abusando-o, degradando-o e
fazendo-lhe sofrer e tirando a satisfação sádica de seu sofrimento. Na melancolia, a
autotortura é agradável e significa assim como no fenômeno correspondente na neurose
obsessiva, uma satisfação das tendências do sadismo e do ódio relacionadas a um
objeto, que voltam ao próprio eu do indivíduo (FREUD, 2006).
E pela via da autopunição, o indivíduo consegue se vingar do objeto original e
torturar o ente amado através de sua doença, a qual recorre com o propósito de evitar a
necessidade de manifestar abertamente sua hostilidade em relação a ele, visto que a
pessoa que ocasionou a desordem emocional do indivíduo e em que sua doença se
centraliza, geralmente está em seu ambiente imediato. A catexia erótica do melancólico
no que refere-se ao seu objeto padeceu deste modo, de uma dupla vicissitude: parte dela
36
regressa à identificação e a outra sob a influência do conflito devido à ambivalência, foi
conduzida de volta à etapa de sadismo que encontra-se mais próxima do conflito
(FREUD, 2006).
E é exatamente esse sadismo que resolve o enigma da tendência ao suicídio, que
faz a melancolia ser tão interessante e tão perigosa. Imenso é o amor de si mesmo do
ego (selflove), que é possível identificar como sendo o estado primevo do qual provém
a vida instintual e tão extensa é a quantidade de libido narcisista que é liberada diante do
medo surgido de uma ameaça à vida, que não pode-se compreender como esse ego
permite sua própria destruição. Fato é que nenhum neurótico acolhe pensamentos de
suicídio que não fundamente-se em impulsos assassinos contra outros, que ele volta
contra si mesmo, entretanto, não é possível explicar quais forças interligam-se para
levar a diante essa intenção (FREUD, 2006).
A análise da melancolia demonstrou que o ego só pode se matar se em função do
retorno da catexia objetal, poder tratar a si mesmo como um objeto e se for capaz de
direcionar contra si mesmo a hostilidade relacionada a um objeto e que se equipara a
reação original do ego para objetos do mundo externo. Tanto na paixão intensa quanto
no suicídio, o ego é dominado pelo objeto, mesmo que seja de formas totalmente
opostas (FREUD, 2006).
A melancolia, assim como o luto desaparece após um certo período de tempo,
ausentando-se de todo e qualquer vestígio de grandes alterações. No luto é necessário
tempo para que o domínio do teste de realidade seja feito, dada à realização deste
trabalho, o ego consegue libertar sua libido do objeto perdido. Supõe-se que na
melancolia o ego se ocupe com um trabalho análogo durante este período, entretanto,
em nenhum dos casos dispõe-se de qualquer compreensão interna (insight) da economia
do curso dos eventos (FREUD, 2006).
De acordo com Freud (2006), diversos estudiosos psicanalíticos compreendem
que o conteúdo da mania não difere em nada do da melancolia, visto que as duas
desordens lutam com o mesmo “complexo”, mas certamente, na melancolia o ego
sucumbe ao complexo, já na mania domina-o ou coloca-se de lado.
Caso o objeto não tenha uma importância muito grande para o ego, sua perda
não será o bastante para suscitar tanto o luto quanto a melancolia. Assim, a
característica de apartar pouco a pouco a libido, deve, portanto, ser designada
igualmente ao luto e à melancolia, sendo possivelmente apoiada pela mesma situação
37
econômica e prestando aos mesmos propósitos em ambos. Entretanto, como já citado
anteriormente, a melancolia possui algo a mais que o luto normal, haja vista que a
relação com o objeto não é simples e é complicada pelo conflito em função de uma
ambivalência. Desta forma, as causas da melancolia abrangem um aparato muito maior
do que os do luto, na maior parte das vezes, ocasionado pela perda real do objeto, por
sua morte (FREUD, 2006).
Na melancolia há inúmeras lutas isoladas em torno do objeto, nas quais o ódio e
o amor degladiam-se, pois um quer separar a libido do objeto e o outro defender a
posição da libido contra o assédio. O lugar proeminente destas lutas isoladas pode ser
designado ao sistema Inconsciente, região dos traços de memórias de coisas. No luto
existem também esforços para separar a libido que são enviados a esse sistema, mas não
há nada que impeça que tais processos sigam o percurso normal através do Pré-
Consciente até a Consciência. Contudo, provavelmente em função de um certo número
de causas ou a uma combinação delas, está bloqueado para o trabalho da melancolia
(FREUD, 2006).
Assim como o luto obriga o ego a desistir do objeto, considerando-o morto e
oferecendo ao ego o incentivo de continuar a viver, do mesmo modo também cada luta
isolada da ambivalência extende-se a fixação da libido ao objeto, depreciando-o,
denegrindo-o, por assim dizer matando-o (FREUD, 2006).
Há a possibilidade de que o processo no Inconsciente tenha um fim, seja após a
fúria ter cessado ou após o objeto ter sido abandonado como desprovido de valor.
Porém, não se pode afirmar qual destas possibilidades é a regular ou a mais comum para
que a melancolia chegue a um fim e nem a influencia que este término exerce sobre o
futuro rumo do caso, mas o ego pode retirar daí a satisfação de saber que é o melhor dos
dois, que é superior ao objeto (FREUD, 2006).
38
3. JUSTIFICATIVA
3.1. Justificativa científica
A partir do levantamento das bibliografias relacionadas ao assunto, foi encontrada
uma lacuna: a escassez de material e informação acerca do luto vivenciado por mães de
crianças e adolescentes desaparecidos e que abranjam uma correlação com o luto de
mães que perderam de fato seu(s) filho(s) seja em qualquer situação, visto que há ainda
ausência de dados fidedignos que possam informar quantas pessoas de fato encontram-
se desaparecidas atualmente no país. Desta forma, com este estudo, procura-se expandir
a discussão e os estudos relacionados ao desaparecimento e luto já presentes na
literatura.
3.2. Justificativa social
O luto seja ele vivenciado por quem possui uma materialidade que comprove a
morte de um ente querido ou por quem tal acontecimento ainda é uma incógnita, pode
ter grande repercussão na saúde física e psíquica, principalmente se não for fornecido o
devido aparato a quem necessita e no caso de famílias cujo um ente está desaparecido,
isto pode ter consequências ainda mais acentuadas.
Desta forma, o presente estudo poderá contribuir com maiores informações sobre as
características do luto e sobre como proceder em caso de desaparecimento de crianças e
adolescentes. Sendo assim, será possível divulgar mais o assunto para a comunidade, e
de alguma forma, contribuir para que um maior número de pessoas possa identificar o
problema e buscar por auxílio e/ou tratamentos.
4.OBJETIVOS
4.1. Objetivo Geral
Os objetivos principais desta pesquisa são: compreender como é elaborado o luto
de mães de crianças e adolescentes desaparecidos e comparar com o luto de mães que
perderam de fato seu(s) filho(s) a partir da constituição psicológica desses indivíduos,
além de analisar as consequências que este acontecimento ocasiona na vida das famílias.
4.2. Objetivos Específicos
O objetivo secundário é divulgar mais informações sobre os Desaparecidos de
forma geral, principalmente no que diz respeito às causas e consequências que tal
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fenômeno desencadeia, a fim de que se possa atuar preventivamente na Comunidade e,
por fim, contribuir com as políticas públicas.
5. MÉTODO
5.1. Tipo e delineamento de pesquisa
O presente estudo utilizará a abordagem qualitativa, que apresenta-se como um
método que nos permite ouvir, compreender e apreender as ideias dos participantes de
modo subjetivo e singular, propiciando ainda sua contextualização sócio-histórica.
Além disso, não é uma abordagem que tem como princípio interpretar, descrever e
comparar os discursos e conteúdos trazidos pelos participantes (BATISTA &
CAMPOS, 2007).
Outra peculiaridade, reside no fato de que fornece profundidade aos dados, os
detalhes e as experiências singulares e que esta abordagem não visa generalizar os
resultados para populações mais amplas, diferentemente dos estudos
quantitativos/estatísticos, que destacam-se por generalizações e predominâncias
estatísticas na análise dos fenômenos (SAMPIERI, COLLADO & LUCIO, 2006).
O delineamento da pesquisa será com enfoque exploratório, a fim de expandir os
estudos já existentes a respeito do tema e divulgar mais informações acerca deste
(SAMPIERI, COLLADO & LUCIO, 2006).
5.2. Amostra
A amostra será composta por aproximadamente cinco mães que perderam de
fato seu filho (a) em diferentes situações e cinco mães que tenham seu filho (a)
desaparecido e que não há nenhum indício que comprove sua morte.
5.3. Instrumentos
Será utilizado um roteiro de entrevista (ANEXO III) elaborado pela própria
pesquisadora que abarcará temas como: infância (como era a relação com os pais,
irmãos e amigos além de questões ligadas a escolaridade), adolescência (se namorou
durante este período, como era a relação com seus pais, amigos, se frequentava lugares
dos quais gostava e sobre a escola) e idade adulta (como é o relacionamento com o
parceiro, familiares, amigos, quais as expectativas atualmente e para o futuro). A
40
pesquisa ainda contará com transcrição e análise das entrevistas, e considerações críticas
sobre o conteúdo.
5.4. Procedimentos
Será utilizada uma amostra por conveniência, que baseia-se em uma amostra não
representativa da população a ser estudada, ou seja, os participantes são escolhidos de
acordo com a disponibilidade de tempo e a facilidade de encontrar aqueles que aceitem
a participar e contribuir com o estudo.
A pesquisadora entrará em contato por telefone ou pessoalmente primeiramente
com as Instituições e/ou Associações que trabalhem com a população em foco, se
apresentará como aluna do curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana
Mackenzie e explicará o objetivo da pesquisa, salientando que há a possibilidade do
entrevistado desistir a qualquer momento mesmo após concordar em participar como
colaborador. Desta forma, o Termo de Consentimento (ANEXO I) será entregue para
que o responsável destas Instituições assine e posteriormente indique os participantes. O
contato e a entrevista com os que se dispuserem a participar, será realizado na própria
instituição desde que neste local seja possível preservar a privacidade e o sigilo da
identidade dos participantes e onde serão esclarecidas todas as dúvidas suscitadas a
respeito da pesquisa, se autorizarem, assinarão o Termo de Consentimento livre e
Esclarecido (ANEXO II) e serão informados que a entrevista será audiogravada e
posteriormente serão transcritos os principais pontos das gravações. Neste documento é
garantido a autenticidade da concordância dos procedimentos que serão realizados e da
autorização do sujeito em participar desta pesquisa. Além disso, destaca que os dados
obtidos serão publicados unicamente com fins didáticos e que caso os sujeitos que
tenham concordado em participar queiram desistir, podem fazê-lo a qualquer momento
e solicitar que seus dados sejam retirados, pedido este que deve ser cumprido
obrigatoriamente pela pesquisadora. Este documento contará ainda com duas vias,
sendo que uma delas permanecerá com o participante e a outra com a pesquisadora.
A entrevista será individual e terá duração de aproximadamente uma hora, além
disso, caso seja necessário, poderá ser feita mais de uma entrevista.
5.5. Considerações Éticas
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Os participantes serão informados quanto aos objetivos e métodos da pesquisa e
fornecerão seu consentimento por escrito para participação no estudo, através da Carta
de Informação ao Sujeito de Pesquisa e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(ANEXO 2), conforme as determinações éticas que norteiam a pesquisa com seres
humanos. Além disso, o presente projeto atende à Resolução 196/96, do CNS do MS,
que garante aos participantes total sigilo e possibilidade de desistência a qualquer
momento, além do projeto ser submetido à avaliação e aprovação da Comissão Interna
de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
A pesquisa pode causar danos mínimos aos sujeitos, entretanto, caso o
participante sinta-se desconfortável ou emocionado ao falar sobre determinados temas
durante a entrevista e optar por desistir, caberá à pesquisadora a não dar
prosseguimento, e se for o caso, será indicado atendimento psicológico na Clínica da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Além disso, será solicitado que o participante entre em contato com o
pesquisador responsável, através do número disponível na Carta de Informação ao
Sujeito de Pesquisa.
5.6. Análise dos dados
A análise dos dados obtidos por meio do roteiro de entrevista, será feita com
base na denominada análise discursiva, visto que se trata de uma pesquisa exploratória,
cuja finalidade é de possibilitar expandir os estudos já existentes e o contato com temas
até então pouco conhecidos ou já abordados sob outras formas. Deste modo, será
utilizado o conteúdo dos discursos dos sujeitos de pesquisa para desvelar os significados
atribuídos por estes a determinadas questões, e assim serão extraídos os pontos
principais da fala destes, a fim de construir categorias que abranjam uma mesma
unidade de sentido, ou seja, serão agrupadas as informações que tenham o mesmo
conteúdo semântico, mas que podem ser expressas de formas diferenciadas e peculiares
por cada indivíduo (SAMPIERE, COLLADO & LUCIO, 2006). Assim, as categorias de
análise serão definidas a posteriori, e dependerão, portanto, dos conteúdos expressos
pelos participantes na fase da entrevista. Caso tenham interesse, as Instituições e os
participantes da pesquisa poderão ter acesso ao trabalho que será disponibilizado por
email.
42
6. DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
As entrevistas a princípio deveriam ser realizadas com cinco mães de crianças e
adolescentes desaparecidos e com cinco mães que de fato perderam seus filhos.
Entretanto, cabe-se ressaltar, que no contato com as Instituições que trabalham
especificamente com a questão do luto e perdas, não foi permitida a efetivação destas.
Assim, com o grupo de mães que perderam de fato seu filho (a) em diferentes situações,
foram feitas apenas duas entrevistas, uma das mães não possui vínculo com nenhuma
Instituição, porém faz terapia há cinco anos e meio e a outra mãe entrevistada frequenta
uma Instituição de Desaparecidos, pois tem um filho que desapareceu além de outro que
já faleceu. Além disso, é importante destacar, que uma das mães que tem o filho
desaparecido que tinha na época do acontecimento vinte e oito anos com quem foi
realizada uma das entrevistas e a esposa de um rapaz também desaparecido, foram
excluídas da amostra em função de não estarem dentro dos critérios desta.
43
7. RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS
Com o intuito de comparar o luto de mães de crianças e adolescentes
desaparecidos com o luto de mães que de fato perderam seus filhos, observou-se a
presença de algumas questões que foram suscitadas a partir dos resultados obtidos.
Foi possível se deparar em diversos momentos, com a associação entre as
palavras luta e luto em artigos disponíveis na literatura e na própria fala das mães:
“Eu transformei a minha dor em uma luta, não só pela minha filha,
por milhares de mães que assim como eu também passam pelo
mesmo problema, o desaparecimento de seus filhos”. (I.E.S.S., está
com a filha desaparecida há 16 anos).
“Eu acho que ter um filho desaparecido é uma constante luta, você
luta cada dia pra uma sobrevivência, sua própria sobrevivência e
todo dia você tem que lutar pra não perder a esperança, porque se
não, se você perder a esperança, você perde todo o sentido da
vida”. (V.L.S.R., está com a filha desaparecida há 20 anos).
A palavra luta tem sua origem do latim lucta, cujo significado é luta, pugna,
esforço, originalmente um vocábulo desportivo, já o termo luto também originalmente
do latim Luctus, significa dor, pesar, aflição (ORIGEM DA PALAVRA, 2012). Desta
forma, aparentemente tal associação não possui nenhuma relação, mas propicia a
reflexão de que a dor vivenciada no luto seja por mães que têm seu filho desaparecido
ou por mães que perderam seus filhos, leva a um constante esforço, uma luta para
prosseguir a vida sem a presença de um ente querido.
Além disso, alguns estudos quantitativos sugerem que o tempo de duração do
luto, até seis meses é um processo de luto normal, e após esse período, o luto seria
patológico. Entretanto, há autores que salientam a qualidade da dor, as funções
psicológicas afetadas pelo luto em cada ser humano, além de que é válido destacar, que
o significado do termo luto, tem ocasionado controvérsias até os dias atuais. No idioma
inglês, para alguns autores, o luto deveria limitar-se a designar o luto patológico, sendo
o termo pesar para a reação tida como normal. Já outros acreditam que o termo luto
deveria se voltar àqueles processos que têm uma evolução favorável. Entretanto, o
termo pesar diz respeito apenas a sequencia de estados subjetivos que seguem a perda e
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acompanham o luto, desta forma, o luto, é todo o processo psíquico provocado pela
perda do objeto (FREITAS, 2000).
Neste sentido, considerando a possível relação entre duas palavras
aparentemente opostas, Freud (1901) salienta que o material linguístico comumente
utilizado em nossa língua materna parece estar amparado contra o esquecimento, mas
com frequência, sucumbe a uma outra desordem denominada como “lapso da fala”. A
perturbação que ocorre na fala se revela no lapso e pode ser causada primeiramente pela
influência de outro componente do mesmo dito, ou seja, por uma antecipação e/ou
perseveração ou ainda por uma outra formulação das ideias contemplada na frase ou no
contexto que se tem intenção de enunciar. A perturbação poderia também ser advinda de
um outro tipo, resultado de influências externas à palavra, frase ou contexto, e derivar
de elementos que não se pretende enunciar e de tal excitação só adquiri-se
conhecimento justamente por meio da própria perturbação.
Ambos os modos de formação de lapsos da fala, possuem em comum a
simultaneidade da excitação, já o que os diferencia, é situar a origem da perturbação
dentro ou fora da frase ou contexto. Entretanto, fica evidente que apenas no primeiro
caso há qualquer perspectiva de se extraírem dos fenômenos dos lapsos da fala
conclusões acerca de um mecanismo que vincule os sons e palavras entre si, de forma a
que eles influam reciprocamente em sua articulação. No que concerne à interferência de
influências externas à frase ou ao contexto do que é dito, é necessário saber quais são os
elementos interferentes, e posteriormente o mecanismo dessa perturbação pode
evidenciar as prováveis leis da formação da fala (FREUD, 1901).
Freud (1901) trás ainda a ideia de que a teoria da desigualdade da valência
psíquica dos sons só é válida para explicar as perturbações do som assim como as
antecipações e perseverações de sons. Outro aspecto destacado pelo autor, consiste no
fato de que a semelhança também pode provocar um desvio quando outra palavra
semelhante está um pouco abaixo do limiar da consciência, sem que se destinasse a ser
pronunciada, como ocorre na substituições, para tanto, é preciso no caso de o falante ser
outra pessoa, que se saiba com clareza tudo o que se passou nos pensamentos deste. O
mesmo ressalta o trabalho da condensação na formação do conteúdo manifesto nos
sonhos a partir dos pensamentos oníricos latentes, sendo assim, qualquer similaridade
entre dois elementos do material inconsciente, ou seja, entre as próprias coisas ou entre
45
as representações da palavra, é utilizada como oportunidade para a criação de um
terceiro elemento, que é uma representação mista ou de compromisso.
Este terceiro elemento no conteúdo do sonho, representa ambos seus
componentes e é por se derivar dessa forma, que ele diversas vezes mostra algumas
características contraditórias, sendo assim, a formação de substituições e contaminações
que acontecem nos lapsos da fala, é o inicio do trabalho de condensação que encontra-se
em cuidadosa atividade na construção do sonho. É muito comum substituir entre si
palavras de sentido oposto, visto que elas já estão associadas em nossa consciência
linguística e encontram-se muito próximas uma das outras e é fácil trazer à tona a errada
por engano (FREUD, 1901).
Uma característica que não falta aos fenômenos que são correlatados, é a
atividade de certas influências psíquicas, antes de tudo, elas possuem um determinante
positivo sob a forma do fluxo desinibido de associações sonoras e associações de
palavras evocadas pelos sons falados. A isto acrescenta-se um fator negativo sob a
forma de anulação ou relaxamento dos efeitos inibidores da vontade sobre esse fluxo,
assim como da atenção, que se reafirma nesse ponto como função da vontade. Assim, o
fator positivo que favorece o lapso da fala (o fluxo desinibido de associações), bem
como o fator negativo (o relaxamento da atenção inibidora), tem invariavelmente um
efeito conjunto de forma que os dois fatores adquirem maneiras diferentes de encarar
um processo semelhante (FREUD, 1901).
Deste modo, com o relaxamento da atenção inibidora ou em virtude desse
relaxamento, o fluxo desinibido de associações entra em atividade. Além disso, para
Freud (1901), há uma influência perturbadora que é proveniente de algo externo ao
enunciado pretendido e tal elemento é um pensamento singular que permaneceu
inconsciente, que se revela no lapso da fala e frequentemente só pode ser trazida a
consciência por meio de uma análise minuciosa ou então é um motivo psíquico mais
geral que se volta contra o enunciado inteiro.
O grupo familiar é tido como um sistema que se inter-relaciona com sistemas
mais vastos da comunidade, da sociedade e da cultura. O luto afeta a família em
diversos aspectos, inclusive pelos canais de relação com esses sistemas. Desta forma,
para enfrentar a morte na família, é necessário uma reorganização do sistema familiar e,
assim, a construção de uma nova identidade, um novo parâmetro de equilíbrio (SILVA,
2006).
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Contudo, é preciso considerar que a perda de um filho é um tipo de luto singular,
deste modo, perder um filho exige dos pais um ajuste emocional para lidar com a
situação e com as mudanças no sistema familiar. Assim, outra vertente que se observou,
foi o fato de que algumas mães ao longo da busca pelo filho desaparecido, relataram que
no início o parceiro auxiliava na busca, fornecia apoio, e em alguns casos, com o passar
do tempo, seus casamentos foram desfeitos e o parceiro acabou constituindo outra
família, ou mesmo já separados, o parceiro não auxiliou mais, como nota-se em
algumas falas:
“Nós ficamos 23 anos casados e aí com o desaparecimento da F.,
sete anos depois nós nos separamos, porque o desaparecimento,
ele deixa várias sequelas dentro de um lar, e a separação é um dos
problemas que acontece em razão do desparecimento, porque você
fica tão envolvida em encontrar o seu filho, que de certa forma,
você acaba esquecendo do seu papel de esposa e você muitas vezes
é mal compreendida pelo seu companheiro e aí o que aconteceu
comigo foi, eu me envolvi tanto na busca pela minha filha e me
envolvi com outras mães e quando eu percebi meu marido estava
com outro relacionamento fora do casamento e eu não aceitei isso.
Ele casou novamente e a gente não mantêm contato, só restou eu e
minha filha. Ele se envolveu, só que o amor de pai é diferente do
amor de mãe, eu acredito que o homem ele é mais fraco, e ele não
consegue conviver com o tamanho do problema, e ele acaba
fugindo, foi o que aconteceu comigo, foi o que aconteceu com o pai
da minha filha.” (I.E.S.S. está com a filha desaparecida há 16
anos).
“Quando o H. desapareceu, nós éramos separados, eu era
separada do pai dele, mas ele tinha assim um amor enorme pelo
pai também e por isso que eu toquei no assunto do pai, dali a um,
dois, três meses ele estava me ajudando na busca, mas depois não,
ele também parou, mas né, é pai, eu falo que tem pai ali presente
em todos os momentos e infelizmente tem pais que são assim
mesmo, é uma semana, duas semanas, um mês, três meses e aí ele
segue a vida dele. É o que a maioria das pessoas falam, não, você
tem que seguir em frente, mas eles não sentem o que nós sentimos”.
(F.R.S. está com o filho desaparecido há 7 anos).
47
Com relação as que perderam seu filho, embora não tenham se separado,
vivenciaram diversos conflitos ou notaram mudanças no relacionamento com o
parceiro:
“Meu relacionamento com meu marido é bom, mas ele se tornou
uma pessoa muito ciumenta, a sensação é que ele tem medo de me
perder e não pode me dividir com ninguém”. (R.R.M. perdeu seu
filho há 5 anos).
“Muita coisa, muita coisa mudou, meu marido mudou, no começo
ele ajudou depois não ajudou mais, arrumou outra, então, não foi
agradável e a moça tinha 15, 16 anos, pode uma coisa dessa? E
meu filho ainda não tinha sumido não quando começou essa
palhaçada, aliás meu filho que viu e me contou [O outro a senhora
já tinha perdido?] Ah sim, o outro eu perdi no ano de 75, ele tinha
15 anos, foi o primeiro filho, fazia muito tempo já, então não foi
fácil, foi uma época muito difícil.” (N.A.M., está com o filho
desaparecido há 12 anos e perdeu seu filho mais velho há 37anos).
Tais afirmações impulsionaram o questionamento sobre o por que se considera
que apenas as mães vivenciam o luto pela perda ou desaparecimento de um filho,
devendo se salientar, que vivemos em uma sociedade judaico cristã onde ainda é muito
presente a ideia de que é pelo olhar da mãe que os filhos são tidos como os mais bem
sucedidos e talentosos, que uma mãe sempre sabe melhor do que qualquer outra pessoa
do que seu filho precisa, gosta e o que o fará feliz, pois saiu dela e ninguém melhor para
conhecê-lo. Uma mãe pode tudo, esperar pelo filho acordada até de madrugada,
perguntar sobre os amigos e inclusive adentrar a privacidade do filho. Estes fatores
contemplam uma característica histórica, social e psicológica que já está sedimentada
em nossa sociedade e consequentemente intrínsecas ao ser humano (LAZAR, 2012).
A compreensão do luto materno exige a contextualização de alguns aspectos da
história do fenômeno da maternidade. O enaltecimento da imagem materna vincula-se a
Maria que concebeu sem pecado, ou seja, sem sexo, seu filho, desta forma, a ideia de
pureza, caridade, humildade e obediência está relacionada à imagem de maternidade
santificada, desvinculada da prática da sexualidade, condição da possibilidade de
redenção. A partir da história dos séculos XVII e XVIII, a notada indiferença materna,
justifica-se pelo alto índice de mortalidade infantil, visto que se a mãe se vinculasse
48
muito intensamente ao bebê, sofreria bastante em função da possibilidade iminente de
perdê-lo pela mortalidade elevada, pelo abandono ou ainda infanticídio. Em meados do
século XVIII passou-se a ressaltar a importância da presença da mãe na educação e na
formação religiosa, e determinou-se o costume de educar a criança até os sete anos e,
que a partir dessa idade, a criança iria pertencer ao mundo dos adultos. Assim, o
conceito de infância e o respeito por esta, iniciaram-se apenas quando começou o
declínio da mortalidade infantil (FREITAS, 2000).
O amor materno não é apenas instintivo, pois é um sentimento suscetível a
imperfeições, que depende não só da história da mãe, mas também da humanidade. Ao
final do século XVIII, iniciou-se a exaltação do amor materno nos discursos filosófico,
médico e político, Rousseau, em 1872, lançou as principais ideias sobre a família
alicerçadas ao amor materno, valorizando o amor afetivo resultado do contato físico
entre mãe e filho. No século XIX, o movimento de culto a maternidade aumentou e as
condições de vida econômicas e políticas levaram o homem para fora de casa, tornando-
se a mulher a responsável pela educação, assim, sua função até então biológica, passou
a ser também social. Já no século XX, fundamentalmente sob a influência da
psicanálise, a mãe passou a ser responsabilizada pelas dificuldades e problemas que
surgem nos filhos (FREITAS, 2000).
Essa responsabilidade atribuiu à mãe, à mãe boa, o papel de personagem central
da família. A relação entre mãe e filho deve ser entendida como um sistema circular, em
constante fluxo dinâmico, pois as mensagens que partem de uma dessas pessoas
produzem efeitos na outra. Os indicativos de crescimento saudável do filho, ao longo de
seu desenvolvimento, aumentam a autoconfiança da mãe, que conquista o objetivo de
sua existência, haja vista que ao ajudar o filho a se desenvolver favoravelmente, estará
revivendo o seu próprio desenvolvimento, considerando que é possível reconstruir e
atingir novos níveis de integração. A definição dada à maternidade postula-se na
suprema capacidade criativa do ser humano, e deve ser entendida desde a fecundação
até quando encerra-se o desenvolvimento infantil. Após a infância, a maternidade
permanece e representa a transcendência por intermédio dos filhos, mas em um sentido
individual e pela nova geração, no sentido social. Designando à mãe o mais alto nível de
emoção altruísta, é preciso considerar que outros componentes emotivos da maternidade
são egoístas e narcisistas, tendo em vista que ter o próprio ego, um emissário do próprio
sangue, uma criatura que floresce como o fruto de uma árvore e garante a continuidade,
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é razão psicológica do desejo de ter um filho. Deste modo, os componentes afetivos,
egoístas e narcisistas são diretamente opostos à tendência maternal (FREITAS, 2000).
Apenas a mãe pode manter e compreender o sistema de expressão de seu filho,
pois para ela representa a conexão com a vida e a ampliação sucessiva de vínculos e de
sua capacidade afetiva sobre o mundo externo real. O vínculo da mãe com o filho, é
estabelecido por uma série de fatores, que pressupõe o ressurgimento das relações
primitivas da mulher com sua genitora. Deste modo, o vínculo materno com o filho não
é algo mecânico, mas sim uma entidade viva, além disso, a criança precisa certificar-se
que é objeto de orgulho e de prazer para a sua mãe e por outro lado, a mãe também
necessita sentir uma extensão de sua própria personalidade na de seu filho. O instinto e
o amor maternais, são aspectos diferentes do caráter maternal como um todo, visto que
o instinto tem origem químico-biológica, concomitantemente com a esfera psicológica.
Já no que se refere ao amor materno, este é a manifestação afetiva direta da relação
positiva com o filho e no qual a principal característica é a ternura. A agressão e
sensualidade provenientes da personalidade da mulher, são advindas e suprimidas pela
expressão afetiva central dos cuidados maternos (FREITAS, 2000).
O que permeia as relações emotivas da mãe com seu filho, depende de um certo
número de influências psicológicas indiretas, que se afastam do caráter primitivo dos
instintos. Além de que é preciso considerar, que a psique da mulher possui um aspecto
que é ausente na do sexo masculino, ou seja, o mundo psicológico da maternidade. Há
ainda a interação da sexualidade e da tendência maternal o que liga outras extremidades
tais como: atividade-passividade, agressão-masoquismo, feminilidade-masculinidade,
sendo assim, os conflitos assíduos entre essas forças influenciam-se continuamente e
prestam profundidade e riqueza psicológica à maternidade (FREITAS, 2000).
Entretanto, pode-se pensar que possivelmente os pais também vivenciam o luto
pela ausência ou perda de seus filhos, porém lidam com este de diferentes formas, isto
pode ser entendido nas seguintes falas:
“Meu marido nos primeiros momentos ficou tão transtornado, mas
homem você sabe que pensa diferente de mulher, e isso gerou
outros conflitos, porque na minha cabeça, eu achava que como eu,
ele tinha que abandonar tudo e viver em função da busca e não é
bem assim, alguém precisava trabalhar, não dá para abandonar
tudo e isso virou muitas vezes discussão em casa, muita briga, mas
a gente foi levando, quando meu marido percebeu que a coisa
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começou a ficar mais seria, que a gente não tinha nada concreto
sobre o desaparecimento dela, ele acabou ficando desmotivado,
então meu marido abandonou trabalho, ele passava dias e dias pra
rua em busca dela. Então ele se tornou assim uma pessoa que
perdeu totalmente a vontade de viver, sem expectativa de vida e
por um lado eu comecei de uma outra forma, a ir mais pra luta, ele
começou a regredir e aí começou a virar outro conflito porque eu
não aceitava ver ele naquela situação, porque ele sempre foi muito
ativo, ele sempre se arrumou muito, sempre foi muito vaidoso, de
repente ver ele naquela situação, começou também a me perturbar
muito e aí começava briga, briga, briga, briga e aí chegou um
determinado momento, mesmo assim eu aguentei bastante tempo,
chegou determinado ponto eu falei ai meu Deus vou seguir a vida
separada porque não vai dar não, embora a gente conviva, fizemos
uma separação, um divorcio que até hoje eu não entendi o por que
do divorcio porque eu acho que não era motivo pra tanto.”
(V.L.S.R. está com a filha desaparecida há 20 anos).
O mesmo se percebe em relação aos pais que perderam efetivamente seus filhos:
“Desde o ocorrido ele não procurou nenhum tipo de tratamento.
Não deixou eu me desfazer de nenhuma peça de roupa do nosso
filho. Ele tem mais ciúmes de mim hoje, minha terapeuta acredita
que seja por medo de me perder. Nosso relacionamento tem altos e
baixos, como qualquer relacionamento”. (R.R.M. perdeu o filho há
5 anos).
“Ele não gosta nem que fale no assunto [De ambos os casos?] Não
gosta, eu já não me importo entendeu, é uma realidade, não
adianta querer esconder, não adianta você querer esconder uma
coisa, ficar lá dentro de você, melhor você por pra fora entendeu,
mas ele não gosta, sabe o que acontece menina, é que quando você
fica muitos anos casada com a pessoa, fica difícil você separar, é
ruim porque é difícil, então fazer o que né, a gente convive, e eu
convivo normal como se não tivesse acontecido nada, porque não
adianta eu ficar aqui chorando, isso não resolve nada, é pior.”
(N.A.M. está com o filho desaparecido há 12 anos e perdeu seu
filho mais velho há 37 anos).
51
Embora todos na família sintam um vazio ou até mesmo culpa diante do que
possa ter ocorrido com a criança e/ou adolescente, talvez a mãe seja a pessoa mais
atingida por este sentimento, por acreditar que poderia ter feito algo para impedir o que
aconteceu com seu filho. Em alguns casos, a culpa torna-se tão forte, que a mãe assumi
a responsabilidade pelo ocorrido com o filho, suscitando assim manifestações hostis que
podem ser direcionadas ao marido, caso ele não tenha sido um pai amoroso e tolerante
ou a alguém que tenha sido hostil com o filho (FREITAS, 2000 apud SILVA, 2006).
De acordo com os estudos de Freud (2006), pode-se concluir que a culpa é uma
expressão do conflito da ambivalência e da permanente luta entre os instintos de vida e
de morte. Assim, percebe-se que a culpa está muito presente na fala das mães que têm
seus filhos desaparecidos:
“Eu paro principalmente à noite e fico pensando meu Deus, o que
será que aconteceu pra uma pessoa ter uma atitude dessa, se foi
voluntário, será que alguém levou, sei lá, eu fico buscando
respostas que eu não tenho, que eu mesmo não posso dar. Logo nos
primeiros anos que minha filha desapareceu, eu me sentia culpada,
eu sentia que eu não soube cuidar direito, que eu não soube educar
direito, eu me sentia não sei te explicar, impotente, puta o que esse
pessoal vai falar porque ela sumiu, era isso que eles falavam ah
não soube educar, deve estar enfiada aí em algum motel por aí,
então era muito difícil falar tudo o que eu estava passando em um
grupo[Referindo-se ao grupo de terapia do qual fazia parte], eu
falei ah se for pra vim em grupo eu não venho mais não, e aí não
fui mais”. (V.L.S.R. está com a filha desaparecida há 20 anos).
Além disso, esse sentimento de culpa, nem sempre emerge no campo da
consciência:
“A L. sumiu três dias depois da Páscoa né e no dia da Páscoa eu
nem tive aquele tempo que eu pude ficar tanto assim, porque na
verdade, quando era esses dias assim, geralmente eu fazia almoço,
eles almoçavam lá eu montava a mesa, almoçava todo mundo
junto, essas coisas todas, justo nessa Páscoa eu inventei de fazer
ovo. Então eu estava fazendo ovo desde o sábado, não só pra eles
como pra vender, então eu passei meu domingo de Páscoa
abarrotada fazendo ovo. Eu ficava em casa só sábado e domingo,
mas no sábado eu lembro que eu passei o dia andando por aí
comprando barra de chocolate, juntei tudo na minha cozinha lá
52
fazendo as coisas e no domingo eu passei fazendo a mesma coisa,
quer dizer, foi um dos finais de semana que eu praticamente não
tive aquele tempo pra poder dar atenção, sentar pra conversar e aí
mesmo assim, já era bem a noite eu sentada nos sofá ela deitou
com a cabeça no meu colo eu ainda mexi no cabelo dela como se
ela fosse uma criança”. (C.A.I. está com a filha desaparecida há 1
ano).
“E a noite, quando eu volto pra casa, a noite é pior, é o pior
horário sabe, porque você está ali sozinha, você começa a pensar,
a lembrar que seu filho estava ali com você, e vem aquela saudade,
aí eu começo a pensar, se eu pudesse voltar no tempo, eu voltaria,
voltaria, eu não teria ido trabalhar naquele dia, foi uma terça-
feira, essa data, acho que mesmo quando o H. voltar, acho que
essa eu não esqueço”. (F.R.S., está com o filho desaparecido há 7
anos).
Nas mães que perderam seu filho nota-se a presença deste mesmo sentimento:
“Todo o meu amor e dedicação que eu tinha por esse filho, não
tinha mais como expressar. Sou como uma alcoólatra em
recuperação vivendo um dia de cada vez. A dor da saudade foi uma
coisa com que eu tive que aprender a conviver, às vezes me
desespera saber que eu não posso mais abraçá-lo e beijá-lo, aí eu
choro até esse desespero acalmar”. (R.R.M., perdeu seu filho há
cinco 5 anos).
Desta forma, a morte de um filho enfraquece toda estrutura familiar e cada
componente da família terá uma reação diferente. A mãe, geralmente, sente culpa por
acreditar que falhou nos cuidados maternos, o que em sua concepção pode ter
colaborado para a morte do filho. Os sentimentos de dor e tristeza vivenciados pelos
enlutados são suscitados pela perda sofrida, no luto, a perda de um ente querido, faz
com que o indivíduo tenha que conseguir retirar de suas cargas libidinais, ou seja, seus
afetos, das diversas representações psíquicas do objeto perdido. Assim, em virtude de
tal inércia psíquica, supõe-se um esforço, sendo o trabalho do luto doloroso, visto que é
angustiante esquecer alguém que se amou. Já na melancolia, há também a perda de um
objeto querido, entretanto, para o enlutado, geralmente esta perda, em termos reias não
ocorreu, visto que a perda se deu no psiquismo do indivíduo que em função de diversos
53
motivos, se viu obrigado a romper suas conexões psíquicas com um ente querido
(FREITAS, 2000).
A palavra enlutar-se é designada a um processo de mudança de esquemas pelo
qual todos experienciam em algum momento. O luto enquanto um acontecimento
estressante, envolve uma perda, e o medo e a dor fazem com que a pessoa se sinta
desamparada, além da culpa há outros sentimentos que podem emergir como uma
preocupação transitória posteriormente a perda, durante o luto. Geralmente, costuma-se
resolver tal situação à medida que regressa uma sensação de segurança, que faz com que
o indivíduo sinta-se novamente efetivo e competente. Desta forma, enlutar-se pela
morte de alguém querido, abarca uma revisão de esquemas, que é padrão de outros tipos
de mudanças incutidas pelo estresse, assim, o luto é ao mesmo tempo um processo de
abandono e de aprendizagem, pois durante este, abandonam-se certos esquemas e
aprendem-se outros (FREITAS, 2000). Como observa-se tanto no discurso das mães dos
desaparecidos quanto no das mães que perderam seus filhos:
“Pra te falar a verdade eu costumo dizer que eu tive duas vidas
sabe, eu tive uma vida antes de a minha filha desaparecer e
aprendi a viver depois que minha filha desapareceu, porque antes
quando a minha filha ainda estava comigo, eu sempre fui muito
dominada pelo meu marido, eu sempre fui muito reservada como
eu estou te falando, eu não tinha voz muito ativa, então era muito
submissa a ele. A partir do momento que minha filha sumiu, que eu
tive que ter outra visão do mundo, eu comecei aprender a viver de
verdade, eu comecei a me desligar mais, deixei de ser tão
dominada por ele e comecei ver o mundo de uma outra forma. Aí
comecei a aprender a batalhar mais pelas coisas, a ter mais
consciência realmente dos conflitos que tem a sociedade, porque
meu mundinho era assim, meu marido, meus filhos e minha casa, lá
fora não me interessava nada”. (V.L.S.R., está com a filha
desaparecida há 20 anos).
“Eu tive que aprender a conviver com esse luto inacabado, eu não
desejo isso pra ninguém, mas eu aprendi a ser uma pessoa otimista
ao longo desses 16 anos, acredito que a cada dia é uma nova
esperança que se renova, eu mudei a minha forma de agir, a minha
forma de pensar, eu aprendi a valorizar cada minuto da vida que
Deus me dá, todos os dias eu agradeço a Deus por mais um dia
estar viva entendeu, e você aprende a ser mais humilde, a ser mais
54
atencioso, mais tolerante, mais observador, não que eu não fosse,
mas você começa ver a vida, quando você passa por uma perda,
você passa a ver a vida com outros olhos, e a vida tem me
ensinado, o sofrimento tem me ensinado ao longo desses 16 anos
de busca a ser, a ter um olhar mais atencioso.” (I.E.S.S., está com
a filha desaparecida há 16 anos).
“Eu comecei a entender que o dia de amaná não existe, e procuro
não pensar muito, nem pra frente nem pra traz, pois pensar acaba
dando um desespero, e procuro não pensar muito para não me
fazer mal”. (R.R.M. perdeu seu filho há 5 anos).
Além disso, os conflitos interiores e os esquemas do eu, quando fracos ou devido
a fatores circunstanciais, podem abster estes movimentos progressivos na resolução de
experiências traumáticas (FREITAS, 2000):
“Muda tudo, principalmente a sua forma de olhar o mundo, você
já acorda e é tudo diferente, então pra mim é... é tudo vamos dizer
assim, tudo diferente, é uma vida muito ansiosa sabe, eu acho que
eu me tornei uma pessoa muito ansiosa em busca sempre de uma
resposta, em busca de encontrar, eu acho que são essas as
mudanças, muda a gente mesmo psicologicamente, fisicamente,
muda tudo, muda não só a vida da gente como a das pessoas ao
nosso redor também. Então às vezes por mais que você tenha
contato com várias pessoas que te conhecem de um jeito e de
repente você vai se transformando em outra pessoa, algumas se
adaptam outras não e você mesmo inconscientemente não sabe que
mudou, eu imagino que devo estar mais ou menos assim.” (C.A.I.
está com a filha desaparecida há 1 ano).
No luto normal, as angustias vivenciadas pelo enlutado devido à perda da pessoa
amada, são dimensionadas pelas fantasias inconscientes de ter perdido também os
objetos bons internos, e o indivíduo sente, desta forma, que perduram seus objetos
internos maus, além de que seu mundo interno está fragilizado (FREITAS, 2000).
“Mudou tudo, mudou tudo, porque antes eu era uma pessoa feliz
sabe, eu brincava, eu ria sabe, eu me divertia, eu saía com o H.,
enfim, era uma família feliz, depois de que o H. desapareceu tudo
aquilo que era alegria, tudo, se transformou só em tristeza,
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tristeza, só em dor, só em lágrima. E eu falo que assim que o H.
voltar, assim que eu descobrir a onde que ele está, eu te confesso,
eu estou nascendo de novo. Mas nada, nada, nada é como era
antes, minha vida se transformou só em amargura e tristeza, não
tem mais nada, nada que me faça feliz, nada que me faça alegrar,
que me faça rir, nada”. (F.R.S., está com o filho desaparecido há 7
anos).
Assim, no luto, a inibição e a falta de interesse se dão em decorrência do
trabalho que este exige, visto que absorve o ego como um todo, fazendo com que o
mundo pareça vazio e pobre aos olhos do sujeito.
“O H. é o meu único filho, a coisa mais maravilhosa que Deus
mandou pra mim foi ele, e eu só não fiz uma besteira comigo
mesma porque eu tenho essa grande esperança aqui no meu
coração de encontrar o meu filho, se não, eu não estava mais aqui
e essa fé que eu tenho em Deus, se não eu já tinha acabado com a
minha própria vida. Eu fiquei também afastada do meu trabalho
durante 2 anos e acabei caindo em uma depressão, e é como eu
falei pra você, se eu não tivesse fé em Deus e a certeza de que eu
vou encontrar meu filho, eu já tinha cometido sabe, uma besteira
comigo mesma. Já vão fazer 6 meses que eu saí da empresa porque
eu não aguentava mais, não aguentava, porque não tem como você
fazer um serviço se você não consegue estar totalmente ali, pra
aquilo ali, você fica dividida, você está fazendo uma coisa, mas
daqui a pouco você não consegue mais se concentrar porque você
começa a pensar, meu filho, meu filho, meu filho”. (F.R.S., está
com o filho desaparecido há 7 anos).
“Talvez se eu tivesse com a minha mente tranquila, com a minha
vida em paz, podendo ver todos os meus filhos independente da
situação que cada um vive, a gente tenta se auxiliar um o outro nas
suas necessidades mais com essa situação que eu vivo hoje, eu não
tenho assim mais toda essa expectativa para o futuro, eu faço
várias coisas, não só por gostar de fazer, faço porque sinto a
necessidade de fazer alguma coisa pra mim não ficar com o meu
pensamento em outra coisa sabe, que vai me deprimir, que vai me
deixar desesperada e tal, então eu prefiro ficar em outros
ambientes sabe. Eu faço várias coisas mas certeza absoluta, hoje
em dia eu não tenho, acho que eu até tinha esse pensamento
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antigamente, hoje em dia eu vi que não tem, porque como que você
pega, você tem sua vida de um jeito, você tem sua vida de uma
forma, tudo certo e de repente do nada, algo de fora vem e
atrapalha toda a sua vida, como é que pode?”. (C.A.I., está com a
filha desaparecida há 1 ano).
Entretanto, para outra mãe que tem um filho desaparecido e o outro que já
faleceu a concepção é diferente:
“Agora voltei pra trabalhar porque fiquei muito tempo parada viu,
depois que esse menino sumiu minha vida parou dez anos, parou,
estacionou, eu não fiquei com depressão não, mas estacionou.
Então enquanto eu aguentar vou trabalhar, na minha cabeça é
assim, eu tenho 71 anos, sei o que eu tenho, aceito os fatos, mas eu
não tenho a cabeça de uma pessoa de 71, eu não quero ser
nenhuma xuxinha, xuxete, Maria chuquinha e de sainha aqui de
renda, é o cumulo isso, sei disso, assumo os fatos, mas fazer o que
se minha cabeça é diferente” (N.A.M.. está com o filho
desaparecido há 12 anos e perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
Neste sentido, no estudo realizado por Freitas (2000) algumas mães enlutadas
conseguem aceitar a perda em curto período de tempo, retornando as suas atividades
diárias e o contato social, entretanto, outras não conseguem aceitar a ausência do filho,
apresentando dificuldades de resgatar o contato com a realidade, ou seja, a vida
cotidiana diante da perda sofrida. Deste modo, no luto, a característica de desaparecer
após certo período ocorre, pois é necessário certo tempo para a realização detalhada do
mandado da realidade, trabalho que devolve ao ego a liberdade da sua libido,
desligando-a do objeto perdido. Além disso, é preciso se considerar dois tipos de luto, o
denominado normal e o patológico. No luto normal o impacto provocado pela perda
pode ser reduzido em um pequeno espaço de tempo devido à formação de novos
vínculos substitutivos, de investimentos produtivos em novas atividades e da aceitação
do apoio social. Com relação ao patológico, o vínculo com a pessoa que não está mais
viva permanece intenso, o que não permitirá a mãe enlutada a restituição necessária para
a sua sustentação saudável, propiciando o surgimento de reações como negação,
ambivalência, distorção, permanência no passado, que levam ao desequilíbrio pessoal e
a doença. Neste sentido, podemos nos defrontar com pessoas que acabam adoecendo ou
57
até morrendo posteriormente a morte de um ente querido, por outro lado, há quem
nunca se permitiu adoecer e reage de forma natural às perdas que sofre:
“Não tinha muito o que fazer, foi um acidente, não havia muito o
que fazer, o que eu podia fazer, aconteceu, não foi de propósito, os
dois erraram, meu filho errou porque atravessou na frente desse
ônibus parado, e o outro errou porque ele cortou esse ônibus
parado, ele podia pensar que podia surgir uma pessoa. Mas graças
a Deus eu nunca entrei em depressão.” (N.A.M, está com o filho
desaparecido há 12 anos e perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
Um aspecto que chamou bastante a atenção, foi à forma com que tanto as mães
que possuem seus filhos desaparecidos quanto as que perderam seus filhos de fato,
descrevem de maneira muito similar o que sentiram com a ausência de seus filhos:
“É uma dor assim que não tem acalento, a única coisa que a gente
tem é isso, uns dias piores, uns dias melhores, um dia melhora, e a
gente vai preenchendo esse vazio de alguma forma”. (V.L.S.R. está
com a filha desaparecida há 20 anos).
“Olha, assim na hora, que você tem essa notícia, é como se o seu
chão tivesse se aberto e você tivesse afundado, hoje eu consigo ver
mais alguma coisa, mas a dor, o desespero, a saudade, continua do
mesmo jeito, do mesmo jeito, mesmo que, tem pessoas que fala pra
você assim, ai mas já faz tanto tempo, não importa, pra mim é
como se fosse hoje, como se fosse agora. Hoje talvez essa saudade
esteja ali de um tamanho, mas amanhã sabe parece que ela vem
com mais força.” (F.R.S., está com o filho desaparecido há 7 anos).
“E hoje, não é que eu esqueci, eu tive que aprender a conviver com
a dor da perda, mas não é fácil, tem dias que é pior, parece que
tem dias que dói mais, é um luto inacabado e é uma dor que dói a
alma”. (I.E.S.S. está com a filha desaparecida há 16 anos).
“Quando morreu meu filho, o primeiro, ele tinha 15 anos, eu achei
que era a pior coisa do mundo, mas eu não podia nem chorar
porque era a matriarca da família né, meu marido também não é
muito forte, então eu tinha que chorar as escondidas, mas tem
coisa pior, que é o desparecimento, porque é uma ferida que ainda
está aberta, ela sangra direto, direto, dia e noite, tem dias em que
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eu estou bem, que eu não estou sentindo nada, nada não, modo de
dizer né, que eu estou bem, não me dói tanto, mas tem dias que eu
amanheço num baixo astral mesmo, tenho que lutar para não cair
em depressão, aí eu tomo calmante né porque o que é que eu vou
fazer?” (N.A.M., está com seu filho desaparecido há 12 anos e
perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
“Tenho certeza de que não tem nada pior do que perder um filho.
A dor emocional é tão grande que seu coração doe fisicamente,
sentia como se minha alma estivesse deslocada do meu corpo,
como se estivesse desencaixada do meu corpo. Eu me sentia
anestesiada, não era real, talvez fosse um filme de terror, nunca
tinha imaginado em perder meu filho, eu sentia um vazio, ou
melhor, eu era este vazio. Angustia, desespero, dor, desespero,
desesperança, mágoa, raiva, ódio, revolta, eu não sei se estes
sentimentos podem definir o que se sente ou talvez eu tenha
parado de sentir. Eu estava vazia, sem nada para oferecer. Acho
que o pior de perder um filho, é que você continua viva, hoje, 5
anos depois, continuo sobrevivendo, sou como um vaso que se
quebrou e aos poucos foi se colando, pedaço por pedaço, nunca
mais aquele vaso será perfeito.” (R.R.M., perdeu o filho há 5 anos).
Assim, perder um ente querido pode-se tornar uma afronta, um abandono, uma
ofensa, uma agressão à própria vida, até mesmo o envelhecimento, enquanto uma das
fases do ciclo da vida, transparece a dificuldade humana em assumir perdas e a morte,
pois de acordo com a visão da escola psicanalítica, não acreditamos na própria morte
ou inconscientemente, todos estão convencidos da imortalidade. Como salienta Freitas
(2000) o trabalho realizado com mães enlutadas propicia uma experiência rica e penosa,
rica em função de que há nesses indivíduos o desejo de serem escutados por alguém e
poder partilhar sua dor e seu sofrimento com outra pessoa, o que permite emergir um
pouco dessa dor. E penosa, pois é difícil compartilhar a dor, conviver com a doença,
com o sofrimento, com a perda, com a dor da morte, ou no caso das mães de crianças e
adolescentes desaparecidos, com a incerteza.
Além disso, as mães enlutadas, quando vão fazer referencia ao filho falecido,
normalmente procuram exaltar as qualidades deste, como se mais ninguém na família
pudesse ter as mesmas qualidades. Como nota-se na seguinte frase:
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“Ele era um rapaz muito maduro para sua idade, sempre muito
responsável com suas coisas. Era muito mais que um filho, era meu
melhor amigo, ele compartilhava comigo seus sonhos, alegrias e os
problemas e eu pedia conselhos sobre o meu relacionamento com o
irmão gêmeo dele que na época era mais “boca dura”. Ele tinha
um jeito mais calmo, era muito decidido”. (R.R.M. perdeu seu filho
há 5 anos).
É interessante destacar que com as mães de desaparecidos há também a presença
de enaltecimento do filho (a) que desapareceu:
“Olha era um relacionamento de mãe e filha muito bom, a minha
filha ela é a minha 1ª filha, era muito apegada a mim, pra você ter
uma ideia, quando ela nasceu, ela não acostumou a dormir no
berço, ela tinha muita cólica quando ela era bebê e só dormia
comigo. E ela sempre foi muito apegada a mim, extremamente
carinhosa, uma menina muito estudiosa, organizada, nunca recebi
uma reclamação dela na escola, que ela fez alguma coisa na
escola, muito pelo contrário, ela sempre foi muito estudiosa e as
lembranças que eu tenho da minha filha, são só lembranças boas,
de uma filha carinhosa, obediente, entendeu, muito ligada a família
e que nós tínhamos vários projetos de vida e de repente tudo aquilo
se acabou no dia 23 de dezembro de 95.” (I.E.S.S. está com a filha
desaparecida há 16 anos).
“Porque a L., ela tinha onze anos, mas ela já estava da minha
altura, ela estava dois dedinhos mais baixa do que eu, ela estava
com 1, 63 com onze anos, pra você ver como ela era cumprida, ela
era magrinha, linda e a gente lá, o pessoal, todo mundo que
conhecia a L. falava porque você não faz um Book dessa menina?
Eu falei assim não, agora não, ela tem onze anos ainda eu não
quero, quando ela terminar pelo menos o ensino Fundamental,
quando ela for para o Médio, quando ela tiver 14, 15 anos, pelo
menos 15 anos aí eu vou fazer o Book dela, porque aí ela vai estar
uma moça mais amadurecida, vai entender direitinho como é que
funciona as coisas e se der certo, se for isso mesmo que for pra dar
certo pra ela, ela vai ter cabeça pra ficar e eu vou poder auxiliar
ela melhor.” (C.A.I. está com a filha desaparecida há 1 ano).
60
Entretanto, para a mãe independente da perda ou desaparecimento de um filho, é
impossível substituir um filho por outro, mesmo quando a perda do primeiro já foi
suplantada posteriormente ao período do luto, pois cada filho é apenas um: o filho
(FREITAS, 2000).
“Cada filho é um único filho e eu não tinha como dar o amor de
um para o outro.” (R.R.M.. perdeu o filho há 5 anos)
“Eu tenho mais uma filha que precisa de mim, da minha atenção,
do meu amor, do meu carinho, e até hoje, eu tenho que chorar
escondido dela porque se ela me vê chorando por causa da F. ela
fala mãe eu estou aqui, você tem eu, e eu, não significo nada pra
você? Então eu evito chorar na frente dela porque ela se sente né
um pouco enciumada, um pouco abandonada, quando a F.
desapareceu e eu fiquei totalmente envolvida com a F., eu esqueci
da F. , e um dia minha filha virou pra mim e falou, se fosse eu,
você não estava desse jeito? E aí sabe quando te dá aquele estalo?
Eu estava inconscientemente abandonando a minha filha,
esquecendo dela, e ela foi a única coisa que me restou”. (I.E.S.S.
está com a filha desaparecida há 16 anos).
“Mais o restante dos meus filhos são muito tranquilos, muito
família sabe, ligavam pra mim....” (C.A.I. está com a filha
desaparecida há 1 ano)
No luto do adulto há uma revivência da destruição dos bons objetos infantis, ou
seja, os pais. Desta forma, pode-se pensar nos mecanismos da posição depressiva
infantil reacendidos, bem como o aparecimento de temores de ser roubado, castigado,
perseguido. Assim, em virtude do aumento da ambivalência e da desconfiança, as
relações afetuosas e amigáveis com outras pessoas, que poderiam ser convenientes,
tornam-se um obstáculo (KLEIN, 1940 apud FREITAS, 2000). Como percebe-se no
discurso de algumas mães que têm o filho desaparecido:
“Mas assim de 1 ano, chegando 1 ano, 2 enfim, daí pra frente, é...
parece que as pessoas vão esquecendo, isso me deixa muito triste,
porque às vezes você está ali olha alguém falando assim, até
mesmo da família, hoje é aniversário de fulano, hoje é aniversário
de não sei quem, vamos fazer uma festinha, mas nenhum deles toca
61
assim no nome do H., pra lembrar...Porque depois sabe do passar
de 2, 3 meses você não consegue uma pista nem de um lado nem de
outro, nenhuma informação e você começa a desconfiar de tudo e
de todos, até mesmo do pai você começa a desconfiar, porque não
é possível. Você corre, você espalha cartazes, você está lá na
mídia, enfim, todas as redes sociais e você não acha uma pista? Aí
você começa a desconfiar de todo mundo, todo mundo, até da sua
própria sombra e aí eu evito sabe, falar com ele e tal, porque aí eu
começo a acusar também, eu falo você sabe a onde ele está enfim,
aí você começa a desconfiar de tudo mesmo.” (F.R.S. está com o
filho desaparecido há 7 anos).
[Relacionamentos atualmente] “Vamos dizer assim que é um
pouco mais distante, até familiar, não digo com os filhos, com os
meus filhos não, mas talvez com irmãos, com amigos e tudo porque
cada um tem a sua própria vida sabe e eles têm suas
responsabilidades e tudo mais e eu não estou pra levar problema
pra ninguém, eu acho que cada um, se a pessoa sente a nossa
causa, que eu acho que ela é baseada muito na solidariedade, na
humanização e acho que isso vai de cada um, isso aí é do ser
humano né, então não dá pra mim ficar na porta da casa de cada
pessoa e sei lá, se eu estou deprimida, se eu estou precisando de
alguma coisa sabe, isso eu acho que não dá pra gente fazer, então
nessa parte assim eu me sinto mais distante das pessoas porque eu
não vou ficar andando atrás, eu não tenho motivo pra poder de
repente estar toda hora festejando ou brincando ou também não
quero ninguém triste por minha causa. Eu fui me afastando um
pouco devido ao meu problema mesmo, por não querer levar
problema pra ninguém, a pessoa me procura quando acha
necessário e pra mim está bom assim.” (C.A.I. está com a filha
desaparecida há 1 ano).
Para outras o impacto teve o efeito contrário:
“Comecei a ter mais amizade, comecei aprender a me relacionar
melhor com as pessoas e principalmente eu aprendi a expressar
melhor os meus sentimentos, eu sempre fui muito reprimida, então
eu aprendi a me expressar melhor, fazer mais amizade”. (V.L.S.R.
está com sua filha desaparecida há 20 anos)
62
O mesmo se dá com as mães que perderam seus filhos:
“Tivemos apoio dos amigos mais próximos, mas as pessoas
conhecidas de um modo geral fugiam da gente, como se nós
tivéssemos alguma doença contagiosa. Acredito que o medo de
enfrentar a morte ou a dor que ela traz fez com que as pessoas se
afastassem. Agora as pessoas que pareciam fugir da gente, nos
encontram e procuram normalmente.” (R.R.M. perdeu o filho há 5
anos).
[Relacionamentos atualmente] “Com os meus irmãos, com a
família do meu marido não, eles moram longe também então de vez
em quando a gente se fala, não sou de mal com ninguém, agora
minhas irmãs moram em S. eu sempre vou lá, elas vem aqui na
minha casa. [Com quem forneceu apoio na época] Alguns, outros
casaram, mudaram, saíram do bairro, mas com os que ficaram
ainda sim e com os familiares também”. (N.A.M. está com o filho
desaparecido há 12 anos e perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
Por meio de sua experiência clínica, Klein (1940) concluiu que apesar de ser
verdadeiro que a característica do luto normal seja a de que o indivíduo instala dentro de
si o objeto amado e perdido, não faz isso pela primeira vez, haja vista que pelo trabalho
do luto, reinstala o objeto perdido, sendo assim, restaura o que perdeu na infância. Deste
modo, a reconstrução de seu mundo interno manifestará o trabalho bem-sucedido do
luto, pois quando o individuo reinstala dentro de si as pessoas perdidas e refaz o seu
mundo interno que estava ameaçado, pode ser capaz de dominar suas angustias, adquirir
uma nova segurança, bem como harmonia e a paz verdadeiras. Neste sentido, nota-se
que tanto as mães que possuem seus filhos desaparecidos, quanto as que têm seus filhos
falecidos, perderam também efetivamente pessoas que foram muito significativas em
sua infância:
“Eu perdi uma irmã minha, ela faleceu, na época o H. estava com
3 anos, eu senti, eu senti muito, é como eu falei, era como se eu
fosse a mãe deles né.” (F.R.S. está com o filho desaparecido há 7
anos).
63
“Quando o meu pai morreu eu não vi o meu pai, porque eu estava
morando aqui e a minha família mora em A., então eu sofri muito
pelo fato de não poder ver meu pai pela última vez, foi uma coisa
que marcou muito a minha vida” (I.E.S.S. está com a filha
desaparecida há 16 anos)
“Já perdi minha avó aos 15 anos, que era minha segunda mãe,
meu tio que sempre zelou por nós como um pai. Meu pai
infelizmente que se perdeu na doença do alcoolismo.” (R.R.M.
perdeu o filho há 5 anos)
As contribuições fornecidas por Bowlby (1960) apud Freitas (2000) referem-se
ao fato de que acrescenta os aspectos biológicos aos psicológicos, destacando a
relevância dos vínculos na vida do paciente enlutado, para ele, os vínculos iniciais, ou
seja, com a figura materna ou substituta, propiciam um alicerce seguro a cada individuo
e de acordo, com este, o individuo enlutado poderá lidar ou não de uma maneira mais
saudável com o luto.
“Eu acho que fora o desaparecimento da minha filha, uma perda
muito dolorida pra mim, foi a morte do meu pai, eu era muito
apegada com o meu pai, meu pai foi um homem que, apesar de ser
humilde, ele deixou coisas marcadas na minha vida muito
importantes, eu acho que é isso, meu pai, ele foi um homem digno,
um homem trabalhador, um homem que nunca deixou a família, em
nenhuma ocasião, eu acho que tudo que eu sei na vida, tudo que eu
sou, eu devo muito ao meu pai. Meu pai foi um homem excepcional,
uma pessoa maravilhosa e ele faz muita falta na minha vida, e a
onde ele está, eu tenho certeza que ele tem muito orgulho de mim.”
(V.L.S.R. está com a filha desaparecida há 20 anos)
Porém, as mães dos desaparecidos salientam a diferença que consiste em se
perder alguém de fato e ter um filho desaparecido:
“Eu chorei, abracei, me despedi, mas eu vi né, eu vi, eu fui no
velório dela, eu vi ela indo pra casinha, pra morada eterna dela, eu
vi ela sendo enterrada, quando você não sabe nada da pessoa sabe,
não sabe o que está fazendo, olhando, não sabe com quem está, se
está sendo bem cuidado, se está sendo maltratado, se está
comendo, se está bebendo, se está passando frio, a pessoa que
estava ali do seu lado sabe, que tinha tudo, que você dava tudo,
porque como o H. é meu filho, eu sei que todas as mães fazem o
64
possível e o impossível pelos seus filhos, mas quando você só tem
um, você faz o dobro para aquela pessoa, então é isso, eu senti
muito a perda da minha irmã, senti, porque eu amava minha irmã
como um filho, mas eu sei que ela era só minha irmã, então quando
a gente perde alguém dessa forma do desaparecimento, sem você
saber nada, é pior que a morte, é pior do que a morte. Pelo menos
quando morre você está vendo, você viu, você chorou, você se
despediu, no desaparecimento não, você não consegue fazer nada,
tudo que você faz pra correr atrás, pra ter uma notícia, parece que
é tudo em vão”. (F.R.S. está com o filho desaparecido há 7 anos).
“Não é a mesma coisa como o desaparecimento da F. eu sei que
meu pai morreu, e não volta mais, agora a minha filha, ela está
desaparecida, eu não sei se a minha filha está viva, eu não sei se
ela esta morta, é muito pior você viver com essa dúvida. Então essa
dúvida é que vai te consumindo a cada dia e você tem que aprender
a lidar com essa perda.” (I.E.S.S. está com a filha desaparecida há
16 anos).
A mãe que perdeu seu filho aos 15 anos de idade e que tem seu outro filho
desaparecido há 12 anos, descreve em sua concepção a diferença entre ambas as
situações:
“Quando ele morreu, eu fiquei fora do ar, se você me perguntar
que musica era sucesso na época eu não sei, mas eu agi
normalmente, porque minha filha ainda era adolescente, ela era
mais nova que ele, ela tinha 14 anos e eu tinha dó dela, então eu
não podia demonstrar muita tristeza, mas eu chorava a noite
quando ninguém via aquele buraco imenso que fica, parece que
tem um buraco, muito ruim mesmo, mas eu sabia que eu não ia
mais ver esse menino, é diferente entendeu, é uma dor tremenda,
mas você tem que se conformar, pegar na mão de Deus e se
conformar, porque não tem como, agora esse não né, esse
desapareceu do mapa, você não sabe como está, se está com frio,
se está com fome, você não sabe, é horrível, horrível. (N.A.M.).
Deste modo, cabe ressaltar que a diferença entre a morte de fato e um
desaparecimento, reside no corpo que permite propagar a materialidade de uma vida que
acabou independente de qual motivo seja. Já em um desaparecimento, a materialidade
65
do sujeito se constitui por meio de fotografias, de suas roupas deixadas, em objetos de
uso pessoal, em seu quarto, em seus brinquedos, ou seja, em todas as lembranças que a
família persiste em manter viva até que o contrário torne-se verdadeiro (GATTÁS &
FIGARO-GARCIA, 2007). Isto é possível de ser observado por meio das seguintes
falas:
“Cada canto da casa está lá às coisas dele, cada lugar que você
olha tem alguma coisa que te faz lembrar e lembrar e aquilo por
mais que você tente trabalhar, por mais que você tente fazer
alguma coisa não adianta, porque de um lado é pra fazer uma
coisa e do outro é só ele. É uma dor que eu não desejo pra
ninguém pra ninguém. Eu mantenho, eu não tiro nada, vai sair de
lá quando ele chegar e falar mãe pode doar pra alguém e isso eu
faço, o quarto dele está montado do mesmo jeito, não deixo
ninguém mexer em nada.” (F.R.S. está com o filho desaparecido há
7 anos).
“Vão fazer vinte anos que minha filha está desaparecida, então eu
acho que muda muita coisa na vida da gente quando a gente perde
um filho pela morte, mas muda muito mais, quando ele desaparece
dessa forma, porque a gente passa a se sentir, como se a gente
fosse pais e mães de filhos mortos vivos, mortos pra sociedade,
mortos para o poder público, só vivo na gente, no nosso
sentimento, no nosso coração, na nossa esperança de encontrar”.
(V.L.S.R. está com a filha desaparecida há 20 anos).
Embora devagar, as mudanças vão ocorrendo à medida que às mães adquirem
consciência da perda e ainda assim, algumas mães depois de anos, mantêm as roupas
que o filho usava, o quarto sem se quer ser mexido ou tocado, pertences pessoais
guardados e até escondidos para que ninguém tenha acesso (SILVA, 2006). Assim,
percebe-se que é necessário não só a materialidade que permita comprovar a perda de
um ente querido como também a realização de rituais, como ocorreu no caso de mães
que perderam seus filhos:
“No seu enterro tinham muitos jovens, eles chegaram até de ônibus
fretado e tinham no pulso uma fita vermelha porque meu filho
adorava a cor vermelha e vestia vermelho todo dia. Até 2 anos
66
após sua morte tive contato com eles inclusive eles vinham na
missa.”(R.R.M. perdeu seu filho há 5 anos).
“Ele tinha acabado de sair da 8ª e tinha passado para o 1º
Colegial na outra escola, então vieram às duas escolas no funeral
dele, veio todo mundo com uma rosa branca, um botão branco na
mão, foi uma coisa bem que chocou muito, muito mesmo, não tive
coragem nem de ir no cemitério preferi guardar a recordação
dele.” (N.A.M. está com o filho desaparecido há 12 anos e perdeu
seu filho mais velho há 37 anos).
Os rituais fúnebres são práticas vinculadas à morte e ao enterro de uma pessoa,
característicos da espécie humana. Tais práticas, que variam de acordo com as crenças
religiosas acerca da natureza da morte e a existência de uma vida depois dela, referem-
se a importantes funções psicológicas, sociológicas e simbólicas para os membros de
uma coletividade. Os rituais e costumes fúnebres estão ligados não somente a
preparação e despedida da pessoa que se foi, mas também com a satisfação dos
familiares e a permanência do espírito entre eles (SILVA, 2006).
Em todas as sociedades, o corpo passa por um preparo no qual é necessário lavá-
lo, vesti-lo com roupas especiais e adorná-lo com objetos religiosos ou com amuletos
que também são muito comuns. O povo egípcio acreditava que o corpo tinha que
permanecer intacto para que assim, a alma pudesse passar para a vida seguinte, desta
forma, para o processo de conservação, foi desenvolvida a mumificação. Já na
sociedade ocidental moderna, esse processo é feito a fim de se evitar que os familiares
tenham que enfrentar a decomposição do corpo de seu ente, desta forma, as
diversificadas maneiras de despedida de uma pessoa está relacionada com as crenças
religiosas, o clima, a geografia e a classe social. O enterro está vinculado ao culto dos
antepassados ou com as crenças em uma outra vida, já a cremação é exercida em
algumas culturas com a intenção de libertar o espírito que partiu (SILVA, 2006).
O funeral, transporte do corpo ao lugar de seu enterro, cremação ou exposição,
presumi uma ocasião com o objetivo de celebrar um ritual cuja complexidade varia. Nas
sociedades ocidentais modernas, os rituais fúnebres contemplam velórios, procissões
soar de sinos e celebração de um rito religioso, além disso, o desejo de manter viva a
memória do ente que partiu dá lugar a diversos tipos de atos, como por exemplo, a
conservação de parte do corpo como relíquia, a construção de mausoléus, a leitura de
67
pequenas composições poéticas e a inscrição de um epitáfio no túmulo. Os estudos
antropológicos consideram que os costumes fúnebres são expressões simbólicas dos
valores de uma determinada sociedade, tal concepção está na observação de que grande
parte do que ocorre em um funeral, é determinado pelo costume, até mesmo as emoções
vivenciadas nos rituais fúnebres podem ser ditadas pela tradição. Para a antropologia
clássica, as cerimônias que circundam a morte, assim como as que acompanham o
nascimento, a iniciação à idade adulta e ao matrimônio, são ritos de passagem (SILVA,
2006).
De acordo com Silva (2006) devido à perda do objeto, há perda de partes do ego
que são projetadas neste. Deste modo, consequentemente há um grande esforço
psíquico, que implica em recuperar as ligações com a realidade, o desligamento de
aspectos persecutórios do objeto e a assimilação dos objetos positivos e bons. Neste
sentido, para que o luto possa ser elaborado adequadamente, o enlutado precisa confiar
nos seus objetos bons internalizados, sendo assim, o sofrimento da perda pode propiciar
sublimações, que favorecem a elaboração do luto ou no caso de mães de crianças e
adolescentes desaparecidos, a ausência de seus filhos:
“Quando a minha filha desapareceu, eu tinha terminado o 1º
semestre da faculdade, eu tinha voltado, estava trabalhando pra
pagar minha faculdade, e eu ainda continuei a faculdade mais um
1 e meio e depois parei, depois eu retomei novamente e parei de
novo por problemas de saúde, mas eu quero terminar minha
faculdade, meu sonho é terminar minha faculdade de direito e eu
quero fazer antropologia”. (I.E.S.S. está com a filha desaparecida
há 16 anos).
“Eu estou fazendo Pedagogia, estou no 3ª semestre, quer dizer,
talvez eu conclua algumas expectativas que eu tinha na minha
infância né, talvez, não sei também, isso aí depende muito. Agora a
Pedagogia hoje em dia eu estou fazendo porque eu gosto de
trabalhar com criança, eu penso o seguinte, se eu chegar a
terminar esse curso, eu vou me especializar em Pedagogia
Hospitalar pra trabalhar com crianças doentes, porque é a parte
que eu gosto em hospitais, aí eu acho que eu estaria na parte certa.
A minha necessidade é trabalhar com essas pessoas sabe, que de
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repente estão fragilizadas por alguma patologia, uma dificuldade e
que eu possa estar auxiliando de alguma forma.” (C.A.I. está com
a filha desaparecida há 1 ano).
“Hoje eu viajo, dou palestra, conheço gente, eu não tenho mais a
rotina que eu tinha, minha rotina agora é muita correria, eu vivo
em curso, vivo em palestra, vivo fazendo amigos, então eu acho
que mudou muita coisa, a minha cabeça abriu mais, a V. deixou de
ser a V. dona de casa, ela passou a ser uma outra V. que vive
correndo atrás, com mais força atrás do que ela pensa, do que ela
quer, eu acho que tem muita pouca coisa minha lá atrás, eu acho
que eu sou uma outra pessoa”. (V.L.S.R. está com a filha
desaparecida há 20 anos).
Esta última fala, remete também a questão da constituição de uma outra
identidade, a identidade se mostra como a descrição de um personagem, em que a vida,
a biografia aparece em uma narrativa, ou seja, em uma história com enredo,
personagens, cenários, dentre outros, sendo assim, tal personagem surge em um
discurso que representa a história do indivíduo. Neste sentido, qualquer discurso,
qualquer história tem normalmente um autor que constrói um personagem. Todos nós
sem exceção somos os personagens de uma história que nós mesmos criamos, sendo
autores e personagens ao mesmo tempo, assim, aquele que é tido como autor, é um
narrador, um contador de história (CIAMPA, 1984).
Além disso, a identidade de outros personagens constitui a do autor assim como
a do autor constitui a dos personagens. Assim, muitas vezes, é possível se esconder
naquilo que se fala, ou seja, o autor se oculta por trás do personagem, do mesmo modo
em que se revela por meio de seus personagens, visto que é comum se revelar através
daquilo que se oculta. Desta forma, a afirmação de que as pessoas não se modificam,
pois são apenas de uma determinada maneira, é falsa, embora existam mudanças que
são previsíveis, desejáveis ou mais ou menos controláveis. Quando algo é valorizado
positivamente, a propensão é afirmar que o indivíduo mudou, pois determinada
característica já estava embutida nele, entretanto, quando não é desejável tende-se a
dizer que estava embutido no outro. É possível se pensar em diferentes combinações
para compor uma identidade enquanto uma totalidade, que pode ser contraditória,
múltipla e mutável, porém, una (CIAMPA, 1984).
69
Deste modo, por mais contraditório e mutável que seja, o indivíduo sabe quem é
ele, ou seja, que é uma unidade de opostos, uno na multiplicidade e na mudança. É
possível imaginar como seria difícil conviver com outras pessoas se não existisse a
presunção compartilhada de que geralmente um indivíduo é a pessoa que diz que é.
Assim, o individuo se identifica com seu nome, que o identifica em um conjunto de
outros seres, que identifica sua singularidade, ou seja, seu nome próprio, visto que se
torna seu nome. Neste sentido, seu primeiro nome (prenome) o diferencia de seus
familiares, já o último (sobrenome) o iguala a eles, deste modo, diferença e igualdade é
a primeira concepção de identidade e consecutivamente o indivíduo vai se igualando e
se diferenciando de acordo com os vários grupos sociais de que faz parte. O
conhecimento de si é obtido pelo reconhecimento mútuo dos indivíduos identificados
por meio de um determinado grupo social que existe objetivamente com sua história,
suas tradições, suas normas, seus interesses, dentre outras questões. Entretanto, um
grupo pode existir enquanto uma classe social, mas seus integrantes podem não
identificarem-se como seus membros e nem ao menos se reconhecerem mutuamente. É
somente a partir das relações que mantêm seus membros entre si e no meio onde vivem,
ou seja, pela sua prática e pelo seu agir que um grupo existe objetivamente (CIAMPA,
1984).
Desta forma, o indivíduo é suas próprias ações, se faz pela prática. Não é
possível isolar de um lado o conjunto de elementos biológicos, psicológicos e sociais
que caracterizam um individuo, o identificando e de outro lado a representação deste
último enquanto uma duplicação mental ou simbólica, que expressaria sua identidade,
visto que há uma interpenetração de ambos os aspectos, de modo que a individualidade
dada, já pressupõe um processo anterior de representação que compõe a constituição do
individuo representado. Assim, a identidade do filho, se de um lado é consequência das
relações que se dão, de outro, previamente, é uma condição dessas relações, isto é, é
pressuposta uma identidade que é re-posta a cada momento, sob a pena de objetos
sociais, filhos, pais, família, deixarem de existir objetivamente. Neste sentido,
considerando que a identidade pressuposta é reposta, ela é tida como dada e não como
se dando em um processo contínuo de identificação. Deste modo, é daí que parte-se da
expectativa generalizada de que alguém deve agir de acordo com o que é e assim, se re-
atualiza-se por meio de rituais sociais uma identidade presumida que é reposta como
algo já dado, extraindo o seu caráter de historicidade, aproximando-a mais da concepção
70
de um mito onde se estabelece as condutas corretas, reproduzindo o social (CIAMPA,
1984).
Assim, cada posição que o individuo assume o determina, fazendo com que sua
existência concreta seja a unidade da multiplicidade, que se realiza pelo
desenvolvimento dessas determinações, deste modo, em cada momento de sua
existência, o individuo, embora seja uma totalidade, expressa uma parte sua como
desdobramento das múltiplas determinações as quais está sujeito, assim, quando está
com seu filho, relaciona-se como pai, com seu pai, como filho e sucessivamente. Além
disso, estabelece-se uma rede de representações que permeia todas as relações e estas
reflexões múltiplas que se estrutura as relações sociais, é mantida pela atividade dos
indivíduos, assim, as identidades no seu conjunto, exprimem a estrutura social ao
mesmo tempo que reagem sobre ela conservando-a ou a transformando. A História, é a
história da autoprodução humana, o que faz com que o homem seja um ser de
possibilidades, que compõem sua própria essência histórica. Neste sentido, o homem
como espécie, é dotado de uma substância que embora não há totalmente em cada
individuo, faz deste um integrante dessa substância, tendo em vista que cada homem
está intrincado em um determinado modo de apropriação da natureza em que se
configura o modo de suas relações com os demais homens. Assim, o individuo como
qualquer outro ser humano, participa de uma substância humana, que se executa como
história e como sociedade, nunca como individuo isolado, sempre como humanidade
(CIAMPA, 1984).
O comparecimento frente ao outro envolve uma representação em um tríplice
sentido, pois o individuo representa enquanto está sendo o representante de si mesmo,
representa ao desempenhar papéis ocultando outras partes suas não contidas em sua
identidade pressuposta e re-posta e por último, representa enquanto repõe no presente o
que tem sido e reitera a apresentação sua. Assim, não há possibilidade de decompor o
estudo sobre a identidade do individuo do estudo da sociedade, tendo em vista as
diferentes configurações de identidade que estão vinculadas com as diferentes
configurações da ordem social, sendo assim, a identidade é proveniente do contexto
social e histórico no qual o homem está inserido e no qual transcorrem suas
determinações e consequentemente emergem as possibilidades e impossibilidades, os
modos e alternativas de identidade. Neste sentido, identidade é movimento,
desenvolvimento e metamorfose (CIAMPA, 1984).
71
Há pessoas que posteriormente ao luto intenso, tornam-se mais produtivas, mais
tolerantes, mais sensatas (FREITAS, 2000 apud SILVA, 2006). Como se observa na
fala desta mãe que perdeu seu filho:
“Quando perdemos um filho, percebemos que o dia de amanhã não
existe, sendo assim, a minha rotina passou a fazer o que tem de ser
feito. Quando eu acordo eu penso, meu Deus, eu tenho que
levantar e começar tudo de novo, força”. (R.R.M. perdeu o filho há
5 anos).
Outras pessoas produzem obras de arte como pinturas e esculturas que são
experiências satisfatórias e que representam uma forma de vencer as frustrações e o
desprazer (FREITAS, 2000 apud SILVA, 2006). A exemplo disso, está a fala dessa
mãe:
“Eu voltei para a minha profissão, eu trabalho em uma estética e
isso distrai também, pinto, eu pinto quadros... Quando eu tinha 15
anos, eu fui pra praia com um namoradinho e vi o pôr do sol e falei
pra ele assim, um dia eu vou pintar isso, ele deu risada, não é que
eu pinto agora... Eu sou autodidata li muito na minha vida, tenho
uma grande biblioteca em casa, livros e mais livros eu leio de tudo
sobre a arte, sobre a psicologia, tudo que interessa eu leio, só não
gosto matemática”. (N.A.M. está com o filho desaparecido há 12
anos e perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
Entretanto, percebeu-se na grande maioria das mães que vivenciaram situações
diferentes, a presença de alterações na saúde e de alguns sintomas:
“Eu já estava com problema de pressão alta, só que agora assim,
tem que tomar medicação porque agora ela anda alta direto, se eu
não tomar a medicação, ela fica mesmo, ela está totalmente
avariada. Eu não consigo dormir e mesmo com a medicação que
ela [a psiquiatra]estava me dando eu não estava conseguindo, eu
já tinha um sono leve, eu deito pra dormir, mas é assim sabe, se
cair uma colher meu olho abre, eu estou acordada...”(C.A..I está
com a filha desaparecida há 1 ano).
“Olha, além da depressão, eu tenho hipertensão arterial, eu tenho
problemas cardíacos, eu tomo remédio para o coração, remédio
pra pressão alta, então a minha saúde de certa forma, ficou
fragilizada ao longo desse período, e o meu médico falou que tudo
72
isso, são coisas que vieram acontecendo, em decorrência do
desaparecimento da minha filha. Em 2003 eu tive o 1º infarto, em
2004 eu tive o 2º, faço acompanhamento com o cardiologista, tomo
as medicações contínuas entendeu, tenho uma vida normal, mas
tenho uma saúde que requer um certo cuidado”. (I.E.S.S. está com
a filha desaparecida há 16 anos).
“Eu entrei numa depressão assim terrível, terrível e comecei a
perder peso, eu pesava 58 quilos eu cheguei a 28 quilos, eu falo
que eu fiquei mesmo parecendo uma pessoa que estava com uma
doença terminal, então eu fiquei num estado muito ruim, muito e
outros problemas né que vem acontecendo que diz a médica que é
pelo estado do nervoso, da depressão e começou a sair tumores no
meu corpo, graças a Deus isso não foi maligno, eu tirei todos
inclusive do útero, nas pernas, coisa que eu não tinha. Aí eu vinha
fazendo tratamento, ela disse que era por causa desse estado de
nervoso, de você querer muito uma coisa e você não conseguir e
isso acabou trazendo isso para o corpo”. (F.R.S. está com o filho
desaparecido há 7 anos).
“A alteração na saúde foi perceptível demais, fui parar no Pronto
Socorro, tive diversas vezes dores no peito, me apareceram
manchas vermelhas nas pernas. Os sintomas pareciam passar pelo
corpo, cada hora era uma coisa. Atualmente esses sintomas não
persistem, e estou diminuindo a dosagem do antidepressivo
gradativamente”. (R.R.M. perdeu o filho há 5 anos).
O surgimento de patologias interligadas ao luto, vai depender de componentes
particulares, de fatores inter-relacionados e interdependentes, além de um determinado
momento, um contexto e das implicações socioculturais (FREITAS, 2000). A depressão
e a desorganização que contemplam o luto, mesmo que dolorosas, não deixam de ter
como função uma proposta adaptativa. A pessoa mentalmente sadia pode suportar tal
depressão e desorganização, frente à morte e/ ou ausência de um ente querido, e em um
pequeno espaço de tempo, pode surgir com uma conduta, com pensamentos e
sentimentos que se reorganizam para novas interações (BOWLBY,1960 apud
FREITAS, 2000). Isto pode ser observado em algumas mães:
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“Acho que de saúde não, tem uns problemas assim às vezes eu fico
deprimida, com depressão, mas nada fora do anormal, eu acho né
fora do anormal. [Chegou a tomar medicação] Não, nenhuma, eu
sou uma pessoa que eu não tomo, em nenhum momento desde que
minha filha sumiu, nem nos primeiros momentos que eu fui parar
no hospital, ai eu vou aplicar um tranquilizante, eu falei não, eu
não quero nada, eu quero saber tudo o que está acontecendo de
cara limpa, eu não quero nada, nada, eu sempre procurei enfrentar
tudo sem tomar remédio, eu não tomo nem pra dor de cabeça, eu
tenho medo de tomar remédio.”(V.L.S.R. está com a filha
desaparecida há 20 anos).
[Alterações na saúde quando o filho desapareceu]“Passei a ter
pressão alta que eu não tinha, mas eu tenho boa saúde só isso
mesmo, só pressão alta e a glândula tireoide, trabalhando menos
engordei, mas só isso também, nada de grave, pressão alta caba
tendo mesmo né, mas é duro”. [Quando o filho desapareceu]”Não,
só tristeza, eu não fiquei nem com depressão, como eu te falei eu
sou um pouco forte, ficar com depressão não depende da pessoa, é
uma doença, eu graças a Deus não tive, fiquei muito triste claro
muito mesmo, mas aguentei.” (N.A.M. está com o filho
desaparecido há 12 anos e perdeu seu filho mais velho há 37 anos).
Desta forma, a partir do discurso das mães, é possível verificar que com a
maioria ocorreu o fenômeno da somatização, ou seja, a apresentação de queixas
somáticas provenientes de causas psicológicas e que são convertidas por meio do
sintoma ao corpo, sem que, no entanto, tenha um substrato orgânico. Além disso,
considerando que reconhecem seus problemas psicológicos e a relação entre esses e
suas queixas somáticas, há a presença da somatização facultativa. E é válido considerar,
que todos estão suscetíveis a somatizar em algum momento da vida, entretanto, a
frequência, intensidade, os sintomas e suas consequências variam muito, visto que o
corpo é o porta voz das tensões da vida. Assim, a princípio todo paciente pode ser
considerado como psicossomático, visto que não é possível conceber o adoecimento
desvinculado da composição das esferas biológica, cultural, social, mental e emocional
(BOMBANA, LEITE & MIRANDA, 2002). Além disso, todas as mães procuraram por
tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico:
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“Eu fiz terapia durante 8 anos, a terapia me ajudou muito e eu tive
que fazer uma adaptação. [Porque parou a terapia] Porque eu
achei que não precisava mais, falei pra minha psicóloga que eu
achava que não tinha mais necessidade de eu continuar a terapia e
aí eu me dei alta. Eu passo pelo psiquiatra, tomo anti depressivo,
tomo calmante pra poder dormir, se não você não consegue lidar
né, a medicação, ela vai amenizando um pouco aquela ansiedade,
aquela crise de choro, mas sem a medicação eu não consigo ficar.
Aliás eu já tomava anti depressivo, foi quando eu perdi meu pai, eu
fiquei muito chocada de eu não poder ter visto meu pai, fiquei com
uma depressão muito grande, então quando a minha filha
desapareceu, eu já passava por um psiquiatra, e já passava por
uma psicóloga, fazia terapia de grupo, com o desaparecimento da
F. meu quadro se agravou muito mais, e aí eu fiz mais 8 anos de
terapia”. (I.E.S.S. está com a filha desaparecida há 16 anos)
“Outra parte que auxilia muito a gente é o apoio psicológico, tem
as psicólogas que atendem uma vez por semana, eu preciso me
cuidar pra continuar fazendo as outras coisas, e eu passo uma vez
por mês com uma psiquiatra ela me dá uma medicação pra mim
tomar e eu vou e tomo, por mais que eu tenho consciência de que
essas coisas não são assim são cem por cento legal, porque tem
muita gente que acaba ficando dependente disso, a pessoa toma
anti-depressivo, toma calmante, mas eu acho que nesse caso, eu
acho que é uma coisa que não tem como, é necessário mesmo até
pra que o meu sistema nervoso não fique toda hora só pensando
naquilo, trabalhando a milhão e que eu venha a ter um infarto ou
um derrame, você entendeu?”. (C.A.I. está com a filha
desaparecida há 1 anos)
“Fiz Terapia e mantenho até hoje 5 anos e meio, faço tratamento
homeopático 10 anos e faço tratamento psiquiátrico 3 anos, com
antidepressivo Fluoxetina, e estou diminuindo a dosagem. Todos
eu fiz devido a necessidade de ter um apoio frente ao ocorrido, pois
é insuportável sobreviver a isso”.(R.R.M. perdeu o filho há 5 anos).
Neste sentido, foi possível observar que quando há a perda de algo ou de
alguém, instantaneamente o indivíduo é vinculado tanto física quanto mentalmente à
situação de luto, assim pessoas que passam por qualquer tipo de perda são levadas ao
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processo de luto. Além disso, perder um filho criança ou adolescente, qualquer idade
que seja, pode ser uma das perdas mais avassaladoras da vida e seu impacto permanece
por anos, visto que os laços com os pais são muito intensos e reproduzem os aspectos da
personalidade dos pais e as dimensões históricas e sociais (SILVA, 2006).
Assim, embora as mães que possuem seus filhos desaparecidos e as mães que de
fato perderam seus filhos apresentem sentimentos, alterações em sua rotina ou em sua
saúde similares frente ao ocorrido com seus filhos, possivelmente a diferença consiste
em uma materialidade, em algo que comprove o por que da ausência de seus filhos, no
caso das mães de crianças e adolescentes desaparecidos, como as mães que perderam
seus filhos obtiveram. Desta forma, frente aos termos luta e luto já discutidos
anteriormente, pode-se pensar na presença de duas condições opostas vivenciadas pelas
mães, ou seja, a de pulsão de vida (Eros) e a pulsão de morte (Thânatos). Para Freud
(1920), a pulsão de morte pode ser compreendida como um desejo de recusar a
condição desejante e ambas as pulsões tendem para a redução completa das tensões
(descarga total) redirecionando o ser vivo ao estado anorgânico (Nirvana).
A pulsão de morte pode aparecer voltada para o interior sob a forma de
autodestruição ou direcionada para o externo apresentando-se por meio da agressão ou
destruição. Já a pulsão de vida é uma força voltada para a ligação, à constituição e
conservação das unidades vitais, assim, a pulsão de vida (Eros) está relacionada à
aceitação da existência do objeto e vinculada à sublimação. Entretanto, é válido
considerar, que ambas as pulsões nunca revelam-se isoladamente, visto que em todas as
manifestações humanas podemos notar a presença das duas pulsões interferindo-se em
diferentes graus (FREUD, 1920).
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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A perda de um filho remete a diversos sentimentos, entretanto, o sofrimento de
uma mãe que tem um filho (a) desaparecido (a) diverge da que pôde vivenciar e
presenciar efetivamente tal perda, visto que ter uma materialidade que comprove o
motivo da ausência sana ao menos a dúvida que é incessante e marca cada dia da
existência, muito embora a certificação do que possa ter ocorrido não cesse o sofrimento
de uma mãe.
Além disso, mesmo com o apoio e o acalento entre mães que se uniram em
algumas Associações em busca de seus filhos e que vivenciaram a mesma situação, é
preciso destacar, que cada uma lida com essa perda de maneira muito singular, o mesmo
se dá com os pais que encontraram diferentes formas de enfrentar a dor e a ausência do
filho, buscando outras alternativas para se readaptar ao desdobramento que tal
acontecimento suscitou em suas vidas.
Neste sentido, tanto um desparecimento quanto o falecimento de um filho, leva a
diversas consequências seja no âmbito pessoal ou interpessoal, tendo em vista a quebra
na linha de continuidade da vida, das funções desempenhadas no dia-a-dia e da
previsibilidade que se tem sobre o dia de amanhã e em alguns casos, a forma de lidar
com a perda, pode favorecer ou inviabilizar o investimento em atividades diárias e no
estabelecimento de novos laços e metas ou na constituição de uma nova identidade que
faz repensar atitudes e vivências antes dessa ruptura.
Outro aspecto a ser salientado, consiste no fato do quanto lidar com os temas
morte e luto remete a finitude, além de proporcionar a reflexão e resignificação da vida
e levar a vivência de conflitos ambivalentes sedimentados no caso das mães de crianças
e adolescentes desaparecidos, pela culpa e ao mesmo tempo esperança que faz sentirem-
se implicadas frente o acontecimento, o que emerge por meio de sinais e sintomas.
Assim, embora o sofrimento esteja presente em ambas às situações, tanto na de
mães que perderam seus filhos, quanto da que estão com seus filhos desaparecidos, no
caso das primeiras, a certeza de que não irá mais vê-los, faz com que busque formas
e/ou alternativas de prosseguir, embora sempre o sentimento de vazio e a ausência
estejam presentes, mesmo que o luto tenha sido elaborado. Contudo, no que tange as
mães que têm seus filhos desaparecidos, mesmo diante da existência de sentimentos
semelhantes ao daqueles que vivenciam o luto, o que pode ser considerado como uma
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pulsão de morte, a esperança, as expectativas e a luta constante marcadamente por uma
pulsão de vida, fortalecem e são uma válvula propulsora para que se dê continuidade a
vida, embora o investimento não seja tão intenso, visto que falta um pedaço desta.
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9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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122.
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KLEIN, Melanie. Luto e sua relação com o estado maníaco-depressivo. IN: Obras
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79
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emergência aos que vivenciam perdas significativas. Psicologia Ciência e Profissão,
vol.29, n.3, Brasília, 2009.
80
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LAZAR, Eva. A Mãe Judia. Disponível em:
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http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=295.
Acessado em: 15 de Julho de 2012.
81
ANEXOS
ANEXO II
Roteiro de Entrevista
Identificação
Iniciais do Participante:_____________________________ Idade:________________
Sexo: M ( ) F ( ) Natural de:____________________________________
Grau de Parentesco da criança ou adolescente: Mãe ( ) Pai( ) Outro( )
______________________
Estado Civil: Casado ( ) Solteiro ( ) Divorciado ( ) Separado( ) Viúvo ( )
Profissão: ___________________________________
Possui mais filhos? (Quantos e idade) ________________________________________
Com quem mora?
Religião____________________________________________________________
Iniciais da criança ou adolescente desaparecido e/ou falecido:____________________
Sexo: M ( ) F ( ) Natural de: ________________________________________
Data de Nascimento ____/____/______ Idade na época do ocorrido:___________
Ano do ocorrido _____________________________________
Escolaridade:_______________________________________
Temas a serem abordados:
Infância (como era a relação com os pais, irmãos e amigos além de questões
ligadas a escolaridade);
Adolescência (se namorou durante este período, como era a relação com seus
pais, amigos, se ia a festas ou frequentava lugares dos quais gostava e sobre a
escola);
Idade adulta (como é o relacionamento com o parceiro, familiares, amigos, quais
as expectativas atualmente e para o futuro).