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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LILLIAN CAROLINE SOARES ARAÚJO A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E OS CONFLITOS DOS DIREITOS PERSONALÍSSIMOS CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

LILLIAN CAROLINE SOARES ARAÚJO

A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E OS CONFLITOS DOS DIREITOS

PERSONALÍSSIMOS

CURITIBA

2013

LILLIAN CAROLINE SOARES ARAÚJO

A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E OS CONFLITOS DOS DIREITOS

PERSONALÍSSIMOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Marcos Aurélio de Lima Junior.

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

LILLIAN CAROLINE SOARES ARAÚJO

A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E OS CONFLITOS DOS DIREITOS

PERSONALÍSSIMOS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de _______________ de 2013

__________________________________

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná

_________________________________ Orientador: Prof. Marcos Aurélio de Lima Junior

Universidade Tuiuti do Paraná

_________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná

_________________________________ Professor Universidade Tuiuti do Paraná

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, pelo dom da vida e por estar sempre comigo nos momentos em que mais precisei. Aos meus pais, pelo amor e dedicação em todos os momentos de minha vida. Ao meu namorado e grande companheiro, Gustavo, por todo apoio, paciência e compreensão pelas horas roubadas de seu convívio. Aos mestres por dividirem comigo tantos saberes acumulados e com isso me permitirem chegar até aqui. A todos os amigos que de certa forma contribuíram para que esse sonho fosse realizado e que fizeram parte desta conquista, minha eterna gratidão.

Se variam na casca, idêntico é o miolo. (Mário Quintana)

RESUMO

A presente monografia trata da recusa da transfusão sanguínea no caso das Testemunhas de Jeová e os conflitos dos direitos personalíssimos. O estudo surgiu da necessidade de se analisar os conflitos de princípios fundamentais da vida e da liberdade religiosa. Pretende-se analisar quais são esses conflitos e se no caso concreto há a sobreposição de um sobre o outro e sobre a possibilidade de recusa por parte do paciente a realização do tratamento médico. Foi feito o uso de pesquisas bibliográficas, exame de doutrinas, artigos científicos, religiosos e jurisprudências. Conclui-se que o bem da vida ainda é preponderante ao da liberdade religiosa, porém só cabe ao Estado intervir quando há o iminente perigo de vida, não restando outra maneira de se resolver o problema. Foram demonstrados meios alternativos à transfusão sanguínea onde o médico possui a alternativa de buscá-los, respeitando a vontade do paciente Testemunha de Jeová. Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Transfusão sanguínea em Testemunhas de Jeová; Direito à vida e liberdade; Conflitos de direitos da personalidade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS .......................................................................... 9

1.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ................................................................ 11

1.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ......................................................... 12

1.3 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE .......................................................... 15

1.3.1 O Direito à vida .............................................................................................. 17

1.3.2 O Direito à vida digna .................................................................................... 18

1.3.3 O Direito à liberdade...................................................................................... 20

1.3.3.1 O Direito à liberdade religiosa ....................................................................... 20

2 CONFLITOS ENTRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DIREITOS

FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 24

3 A QUESTÃO DA RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ .................................................................................... 26

3.1 AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ ................................................................... 26

3.2 CONCEPÇÕES RELIGIOSAS ...................................................................... 27

3.3 OS FUNDAMENTOS PARA A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA . 30

3.4 TÉCNICAS ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO ......................................... 31

3.4 ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS ............................................................. 34

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 37

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 39

8

INTRODUÇÃO

A presente monografia visa avaliar o real fundamento que advém da recusa pelas

Testemunhas de Jeová em receber transfusão sanguínea e entender os conflitos que isso

gera com o direito brasileiro, mais especificamente os direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade vieram junto com a Constituição Federal de 1988,

juntamente com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

As Testemunhas de Jeová são religiosos presentes em quase todos os países e

territórios do mundo, são conhecidos pelo seu trabalho de evangelização de casa em casa e

nas ruas e por suas interpretações de maneira peculiar da Bíblia.

O trabalho versa sobre a possibilidade de invocar os direitos fundamentais da

liberdade religiosa e direito à vida, além das convicções dessa religião e outros motivos

específicos como fundamento para que seja impedido um tratamento médico, bem como

invocar também os direitos da personalidade e princípios da Constituição, os quais

acomodam valores diversos e que devem ser igualmente protegidos, evitando-se, assim,

que entrem em constante rota de colisão e para que não haja o sacrifício de nenhum dos

dois.

Será analisado o motivo da recusa das transfusões sanguíneas pelas Testemunhas

de Jeová, tendo como base o princípio da liberdade religiosa e contrastá-lo com os conflitos

gerados com o direito personalíssimo onde se verificará a possibilidade de ambos os

princípios conviverem de forma harmônica, demonstrando haver um real equilíbrio entre

esses dois valores, analisar o fundamento utilizado pelas Testemunhas de Jeová para a

recusa da transfusão sanguínea e verificar a utilização de formas alternativas para a

realização dessas transfusões.

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1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são direitos de todo os povos e advém de uma longa

construção histórica, através de mudanças de época e de lugar que os vem

transformando constantemente no ordenamento jurídico, conforme afirma Norberto

Bobbio:

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. [...] o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. (1992, p. 5-19)

Os direitos fundamentais, como a própria denominação já determina, são

considerados indispensáveis à pessoa humana. Eles são uma incorporação dos

direitos do homem no ordenamento jurídico de um Estado, porém não basta que

estes direitos sejam positivados, pois é essencialmente necessário que tenham

efetividade. Assim, ensina Moraes:

A noção de direitos fundamentais é mais antiga que o surgimento da ideia de constitucionalismo, que tão-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberana vontade popular. (2008, p. 19)

A Constituição Federal de 1988, em seu Título II, trouxe os direitos e as

garantias fundamentais, subdivididos em cinco capítulos. Dentre eles se enquadra

os direitos individuais básicos, elencados no caput do artigo 5º da Constituição

Federal: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Tais direitos possuem

aplicabilidade imediata, ou seja, são direitos autoaplicáveis.

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalmente em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retirada da esfera da disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalmente formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição Formal. (FACHIN, 2007, p. 69)

Os direitos fundamentais possuem proteção especial na Constituição Federal

de 1988, pois eles foram incluídos no rol das cláusulas pétreas, artigo 60, § 4º, inciso

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IV, assim, impedindo que o poder constituinte derivado altere tais direitos. As

cláusulas pétreas têm por fim o objetivo de preservação e proteção desses direitos,

para que não sejam abolidos e tão pouco modificados.

A função básica do direito é criar um espaço jurídico no qual a personalidade humana possa se desenvolver, sem que existam restrições legais a sua liberdade. A previsão constitucional de um rol de direitos fundamentais faz com que se assumam um grau mais elevado de garantia e segurança. (FERRARI, 2011, p. 529)

Definem-se como um conjunto de direitos e garantias, onde sua principal

finalidade é, sem dúvidas, o respeito à dignidade, tendo uma proteção estatal e

garantias de condições mínimas de vida para o pleno desenvolvimento da sua

personalidade. Possuem diversas características, tendo como principais a

historicidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade,

concorrência, efetividade, independência e complementaridade.

Como observa Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, a doutrina diferencia os

direitos fundamentais das garantias fundamentais:

Os direitos fundamentais são os bens em si mesmo considerados, declarados como tais nos textos constitucionais. As garantias fundamentais são estabelecidas pelo texto constitucional como instrumentos de proteção dos direitos fundamentais. As garantias possibilitam que os indivíduos façam valer, frente ao Estado, os seus direitos fundamentais. (2008, p. 91)

Vale ressaltar que nenhum direito fundamental é absoluto, pois esses direitos

entram em conflitos entre si, o que determina que se imponham limitações

recíprocas, como ensina André Ramos Tavares:

Não existe nenhum direito humano consagrado pelas Constituições que se possa considerar absoluto, no sentido de sempre valer como máxima a ser aplicada nos casos concretos, independentemente da consideração de outras circunstâncias ou valores constitucionais. Nesse sentido, é correto afirmar que os direitos fundamentais não são absolutos. Existe uma ampla gama de hipóteses que acabam por restringir o alcance absoluto dos direitos fundamentais. Assim, tem-se de considerar que os direitos humanos consagrados e assegurados: 1º) não podem servir de escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas; 2º) não servem para respaldar irresponsabilidade civil; 3º) não podem anular os demais direitos igualmente consagrados pela Constituição; 4º) não podem anular igual direito das demais pessoas, devendo ser aplicados harmonicamente no âmbito material. Aplica-se, aqui, a máxima da cedência recíproca ou da relatividade, também chamada ‘princípio da convivência das liberdades’, quando aplicada a máxima ao campo dos direitos fundamentais. (2010, p. 528).

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Sabendo-se que nenhum direito fundamental é absoluto, há duas teorias

referentes às limitações desses direitos: a externa e a interna. Na externa existe um

direito e este direito pode sofrer restrições. Na interna o conteúdo do direito só

poderá ser definido quando confrontado com os demais, nesse caso não existe

restrições, mas definições, a saber, até onde vai tal direito.

A nossa Constituição Brasileira tutela a “liberdade de consciência e de

crença” como um “direito e garantia fundamental” (art. 5º, VI, CF). Ambas decorrem

do maior fundamento da nossa sociedade que é a “dignidade da pessoa humana”

(art. 1º, III, CF), direito esse considerado como direitos de primeira geração, onde

não pode ocorrer a interferência do Estado na liberdade de religião e nem na vida.

Os conflitos entre os direitos fundamentais serão observados nos próximos

capítulos deste trabalho.

1.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A palavra “princípio” vem do latim “principium”, que tem como significado

basicamente o início, ou seja, a origem das coisas.

Para Celso Antonio Bandeira de Melo, princípio é:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (2006, p. 230)

No entendimento de Canotilho, os princípios “exercem uma função

normogenética e uma função sistemática”, assim sendo “fundamento de regra

jurídica e tem uma idoneidade radiante que lhes permite “ligar” ou cimentar

objetivamente todo o sistema constitucional”. (2000, p. 1163)

Plácido e Silva conceituam princípios no âmbito do jurídico como:

No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de normas a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. (2004, p. 368)

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São os princípios constitucionais que dão “estrutura e coesão ao edifício

jurídico. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo o

ordenamento jurídico se corromper”. (NUNES, 2007, p. 37).

Assim, observa Canotilho:

Contudo, o sistema jurídico necessita de princípios (ou os valores que eles exprimem) como os da liberdade, igualdade, dignidade, democracia, Estado de direito; são exigências de optimização abertas a várias concordâncias, ponderações, compromissos e conflitos. [...] Essa perspectiva teorético-jurídica do sistema constitucional tendencialmente principialista, é de particular importância, não só porque fornece suportes rigorosos para solucionar certos problemas metódicos (crf. Infra, colisão de direitos fundamentais), mas também porque permite respirar, legitimar, enraizar e caminhar o próprio sistema. (2000, p. 1163)

Para Canotilho, os princípios jurídicos fundamentais são considerados como

“os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na

consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto

constitucional”. (2000, p. 1165)

Os princípios não são, pois, tidos como algo que se sobrepõe à lei, nem como algo anterior a ela, mas sim algo dela decorrente. A sua função jurídica é, conseguintemente, subsidiária e o seu caráter, basicamente descritivo. (LEAL, 2003, p.74)

André Ramos Tavares enfatiza seu entendimento acerca dos princípios:

Os princípios constitucionais são normas presentes na Constituição que se aplicam às demais normas constitucionais. Isso porque são dotados de grande abstratividade, e tem por objetivo justamente imprimir determinado significado às demais normas. Daí resulta o que se denomina sistema constitucional como um todo coeso de normas que se relacionam entre si (unidade da Constituição). Os princípios constitucionais, portanto servem de vetores para a interpretação válida da Constituição. (2006, p. 99)

1.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A expressão dignidade da pessoa humana já apareceu em diversos textos

constitucionais brasileiros, embora tenha apresentado um significado diferente do

extraído da nossa Constituição atual.

A Constituição de 1988 optou por não trazer a dignidade da pessoa humana

elencada juntamente com entre os direitos fundamentais, inseridos no rol do artigo

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5º, mas sim considerá-la de forma expressa, como um dos fundamentos da

República Federativa do Brasil, no artigo 1º, inciso III:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. [grifo meu]

A dignidade humana é o grande princípio do constitucionalismo

contemporâneo e se encontra presente em grande parte das cartas constitucionais

da atualidade. Na sua acepção contemporânea, tem origem religiosa, bíblica: o

homem feito à imagem e semelhança de Deus. Com o Iluminismo e a centralidade

do homem, ela migra para a filosofia, tendo por fundamento a razão, a capacidade

de valoração moral e autodeterminação do indivíduo. (BARROSO, 2010).

A dignidade vem sendo considerada (pelo menos para muitos e mesmo não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certos de que a destruição de um implicaria a destruição de outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada uma e de todas as pessoas ) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito. (SARLET, 2001, p. 28).

Deste modo, percebe-se que o princípio da dignidade da pessoa humana

encontra-se em destaque. Cristiano Chaves de Farias ensina a respeito da

dignidade da pessoa humana:

É vetor e ápice de todo o sistema jurídico brasileiro, além do inderrogável respeito à integridade física, as ideias de proteção à integridade psíquica e intelectual e às condições mínimas de liberdade e igualdade, denotando, com clareza meridiana, a necessária tutela à liberdade de credo, cuja violação significa, no final das contas, infrigência ao próprio conceito de vida digna. (FARIAS, 2005, p.126)

Nesse sentido, ensina Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma

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organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de ser do Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana. [...] A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. (2008, p. 86)

Ingo Sarlet acrescenta o que vem a ser a dignidade da pessoa humana:

A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida por cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos direitos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”. (2009, p. 67)

Salienta Paulo Bonavides:

Toda a problemática do poder, toda a porfia de legitimação da autoridade e do Estado no caminho da redenção social há de passar, de necessidade, pelo exame do papel normativo do princípio da dignidade da pessoa humana. Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser portanto máxima e se houve reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia de normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados. (2001, p. 233)

A dignidade da pessoa humana está associada aos direitos fundamentais,

desta forma Ingo Sarlet ensina:

O que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que ‘atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais’, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade, estar-se-á negando-lhe a própria dignidade. (2009, p. 94)

Sabendo-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio

fundamental do nosso ordenamento jurídico, observa-se:

O que deve sempre caracterizar a dignidade humana é a autonomia de todo ser humano na produção do sentido de sua própria dignidade, remetendo às

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ideias de autodeterminação, livre desenvolvimento da personalidade e livre eleição e adoção de plano e formas de vida. [...] Essa proteção individualizada da dignidade humana, ao contrário de prejudicar a integração entre as pessoas e os bens e interesses na sociedade, anda mesmo é a favor da mais moderna concepção de liberdade individual, que supõe deveres de prevenção, proteção e promoção adicionados ao dever de não afetação, e em direção às condições necessárias ao livre desenvolvimento da personalidade. (MIRANDA; RODRIGUES JUNIOR; FRUET, 2012, p. 75)

Conclui-se, através dos ensinamentos da doutrina Regina Maria Macedo Ney

Ferrari que:

Quando se trata do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, é preciso ressaltar sua função hermenêutica integradora, pois ele serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração não só dos direitos fundamentais e das demais normas constitucionais, mas, também, de todo o ordenamento jurídico. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, estar-se-á negando a sua própria dignidade. (2011, p. 571)

1.3 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade vieram junto com a Constituição Federal de 1988

e juntamente com o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, princípio este

considerado fundamental na nossa Constituição.

Como conceitua Clóvis Bevilaqua, personalidade “é a aptidão reconhecida

pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e contrair obrigações”. (1949, p.

180).

Conforme ensinamentos do doutrinador Anderson Schreiber, para entender

melhor os direitos da personalidade, faz-se necessário conhecer seu contexto

histórico.

Antigamente o Estado servia como um instrumento de abuso dos monarcas e

de privilégios da nobreza, e em decorrência disso o Estado era visto pela burguesia

como uma ameaça a ser contida.

O objetivo da nova ordem jurídica era limitar o Estado somente à preservação

da segurança nas relações sociais e deixando aos particulares a liberdade mais

ampla possível, como é visto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

artigo 4º: “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o homem”.

O que se viu foi uma progressiva degradação do homem pelo próprio homem,

fato esse gerado pelo abuso de liberdade conferido ao homem, colocando o Estado

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longe das relações entre os particulares. Em decorrência disso o que gerou foram

jornadas de trabalhos exaustivas e péssimas condições de moradia, pois os

trabalhadores concordavam em assinar contratos de trabalho extenuantes, com

salários vergonhosos e habitações insalubres, pois entendiam serem os contratos

“justos” por definição. (SCHREIBER, 2013, p. 4)

Foi então que os juristas perceberam que a liberdade não era tudo. Segundo

Anderson Schreiber “ao criar um espaço de atuação a salvo de qualquer

interferência do Estado, o liberalismo jurídico acabava por chancelar a submissão

imposta pelas forças econômicas”. (2013, p. 05)

Em torno de todo esse contexto histórico que começou a surgir os direitos da

personalidade, onde “a categoria abrangia um núcleo de atributos inseparáveis da

pessoa humana, a ser protegido não apenas em face do Estado, mas também

contra o avanço incessante da exploração do homem pelo homem”. (SCHREIBER,

2013, p. 7).

O século XX, marcado por duas guerras mundiais e várias outras atrocidades

provocou uma sensação de fragilidade, onde se via que “em toda parte despertavam

os anseios por uma nova ordem de valores, apta a proteger a condição humana na

sua redescoberta vulnerabilidade”. (SCHREIBER, 2013, p. 6)

Os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos. (BITTAR,1995, p. 01).

A proteção dos direitos da personalidade deu-se com o advento da

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, X, nestes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

A Constituição de 1988 consagra em seu texto o reconhecimento de que a

pessoa é detentora de direitos inerentes à sua personalidade, “São características

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que configuram pressupostos da própria existência da pessoa”. (MONTEIRO;

PINTO, 2009).

O ser humano é um ente a quem não basta simplesmente existir; para que seja pleno é necessário ser e isso implica realização, implica dar sentido à própria existência. [...] Assim, o livre desenvolvimento da personalidade é proporcionado não só pela ausência de interferência nas escolhas humanas, mas também pela concessão de variadas e qualificadas opções de escolha. (MIRANDA; RODRIGUES JUNIOR; FRUET, 2012, p. 79).

O Código Civil Brasileiro de 2002 trouxe, em sua Parte Geral, um capítulo

destinado somente aos Direitos da Personalidade. Maria Helena Diniz conceitua-os

como:

Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos próprio, corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). (2002, p. 135)

Dispõe o art. 11 do Código Civil que com “exceção dos casos previstos em lei,

os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o

seu exercício sofrer limitação voluntária”.

1.3.1 O direito à vida

O direito à vida está previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal DE

1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;

A Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de San José -, de

1969, declara em seu artigo 4º que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua

vida”, e que “esse direito deve ser protegido pela lei”, acrescentando que “ninguém

pode ser privado da vida arbitrariamente”.

18

O direito fundamental à vida não assegura simplesmente o direito de não ser

morto, mas, principalmente, o direito do indivíduo a uma vida digna, proteção essa

também fundamentada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa

humana.

Não se resume o direito à vida, entretanto, ao mero direito à sobrevivência física. Lembrando que o Brasil tem como fundamento à dignidade da pessoa humana, resulta claro que o direito fundamental em apreço abrange o direito a uma existência digna, tanto sob o aspecto espiritual quanto material (garantia do mínimo necessário a uma existência digna, corolário do Estado Social Democrático). (PAULO; VICENTE; 2008, p. 107)

Miguel Reale ensina que:

Não vivemos no mundo de maneira indiferente, sem rumos ou sem fins. Ao contrário, a vida humana é sempre uma procura de valores. Viver é indiscutivelmente optar diariamente, permanentemente, entre dois ou mais valores. A existência é uma constante tomada de posição segundo valores. Se suprimirmos a idéia de valor, perderemos a substância da própria existência humana. Viver é, por conseguinte, uma realização de fins. O mais humilde dos homens tem objetivos a atingir e os realiza, muitas vezes, sem ter plena consciência de que há algo condicionando os seus atos. (2005, p. 26)

Não se deve analisar apenas e tão somente o funcionamento biológico do

indivíduo, mas conjuntamente o seu bem estar físico, emocional, psicológico e

também o espiritual.

Nas palavras de Rodrigo César Pinho “Não basta garantir um simples direito à

vida, mas assegurá-lo com o máximo de dignidade e qualidade na existência do ser

humano”. (2009, p. 81)

1.3.2 O direito à vida digna

Segundo entendimento da doutrinadora Regina Maria Macedo Nery Ferrari, o

direito à vida digna “se realiza e se garante por meio da atuação estatal, na medida

em que deve oferecer amparo para aqueles que não possuem meios e recursos

para viver com dignidade”. (2011, p. 564)

Assegurar o direito à vida, pressuposto de todos os outros direitos, não significa a garantia de viver, de estar vivo, de continuar vivo, mas a necessidade de protegê-la em todas as suas dimensões, pois não é

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qualquer existência ou sobrevivência que a faz digna. (FERRARI, 2011, p. 569)

É certo que todos os bens jurídicos devem ser levados em consideração

(vida, liberdade, intimidade, privacidade, consciência, segurança, etc.), mas por mais

que um médico realize um procedimento cirúrgico usando-se da transfusão forçada,

em que o mesmo acredita que aquilo seria o melhor para salvar a vida de seu

paciente, na verdade ele pode estar ferindo os sentimentos daquele indivíduo,

estigmatizando-o para toda uma vida de infelicidade.

O que se procura é um tratamento no qual se tenha como resultado a cura

física do paciente sem que sejam feridos de forma psicológica, para tanto existem os

tratamentos alternativos ao uso de sangue que serão vistos no próximo capítulo

deste trabalho.

O direito á vida é pré-requisito para a existência de todos os demais direitos e pode ser considerado em dois sentidos: no sentido de permanecer vivo e no de possuir um adequado nível de vida. Quando se analisa o direito de permanecer vivo, entende-se que a vida deverá ser protegida até a sua interrupção por causas naturais. De outro ponto de vista, ao se pensar em um nível adequado de vida, conforme os cânones da dignidade humana, está o direito a um mínimo de vida digna [...] (FERRARI, 2011, p. 564)

A Constituição Federal garante tanto direito a liberdade religiosa e direito à

vida como direitos fundamentais, gerando conflito de interesses entre princípios

fundamentais, devendo ser aplicada a ponderação de interesses para chegar a uma

solução.

Cristiano Chaves de Farias leciona que:

É certo e incontroverso que o reconhecimento e o respeito às convicções religiosas (ou à não convicção religiosa), sejam da maioria ou da minoria da população, é aspecto fundamental da personalidade, protegida em sede constitucional pela amplitude do conceito da dignidade da pessoa humana. (2005, p.126).

Quando se vê o conflito é necessário que se faça um balanceamento de

valores, ou seja, de um lado estará a liberdade religiosa e do outro o direito à vida.

20

1.3.3 O direito à liberdade

Liberdade é um direito tutelado pela Constituição Federal que nos assegura a

um estado no qual pode se supor estar livre, sendo de limitações ou de coações,

onde se pode fazer tudo aquilo que a lei não proíba.

Paulo Gustavo Gonet Branco conceitua que “as liberdades são proclamadas

partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da sua

autorealização”. (2009, p. 402)

José Afonso da Silva lecionando que “o conceito de liberdade humana deve

ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua

realização pessoal, de sua felicidade”. (2012, p. 233)

A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites só a lei poderá determinar. (SILVA, 2000, p. 206)

Por fim, para J.J. Gomes Canotilho:

As liberdades (liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade de consciência, religião e culto, liberdade de criação cultural, liberdade de associação) costumam ser caracterizadas como posições fundamentais subjectivas de natureza defensiva. [...] Resulta logo do enunciado constitucional que, distinguindo-se entre direitos, liberdades e garantias, tem de haver algum traço específico, típico das posições subjectivas identificadas como liberdades. Esse traço específico é o da alternativa de comportamentos, ou seja, a possibilidade de escolha de um comportamento. (2000, p. 1260)

Sendo assim, o direito à liberdade nada mais é do que o direito do indivíduo a

conduzir sua vida da maneira que lhe seja correta, obsevando sempre a moral e os

bons costumes e interagindo -se como parte de um grupo, para assim, conviver em

harmonia com a sociedade.

1.3.3.1 O direito à liberdade religiosa

Concedendo à pessoa o direito a liberdade religiosa, a Constituição Federal

de 1988 estabeleceu em seu artigo 5º, inciso VI, onde dispõe que:

21

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas

em 1948, traz em seu texto, através do artigo 18:

Art. 18. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Para Celso Ribeiro Bastos:

A liberdade religiosa consiste na livre escolha pelo indivíduo da sua religião. No entanto, ela não se esgota nessa fé ou crença. Ela demanda uma prática religiosa ou culto como um de seus elementos fundamentais, do que resulta também inclusa, na liberdade religiosa, a possibilidade de organização desses mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas. (1989, p. 48)

O constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa:

Tenha se presente que a liberdade religiosa é uma das formas por que se explicita a liberdade [...] Mais do que isto, é ela para todos os que aceitam um direito superior ao positivo, um direito natural. É o mais alto dentre todos os direitos naturais. Realmente, é ele a principal especificação da natureza humana, que se distingue dos demais seres animais pela capacidade de autodeterminação consciente de sua vontade. (1994, p. 20).

Questionando o significado de liberdade de culto, previsto na Constituição da

República, Celso Ribeiro Bastos elucida a questão:

Como já visto, a religião não pode, como de resto acontece com as demais liberdades de pensamento, contentar-se com a sua dimensão espiritual, isto é, enquanto realidade ínsita à alma do indivíduo. Ela vai, contudo, via de regra, procurar uma externação, o que demanda um aparato, um ritual, uma solenidade mesmo, que a manifestação do pensamento não requer necessariamente, a que se denomina "liberdade de culto". (2000, p.13).

22

A liberdade de religião não se limita apenas em que tal pessoa está

autorizada a simplesmente crer em algo, mas também a garantia de poder expressar

a sua fé em quaisquer aspectos da vida.

Poder-se-ia inserir, dentro da liberdade de culto, todas as práticas que envolvessem qualquer opção religiosa do indivíduo. Assim, as restrições decorrentes da invocação religiosa estariam, igualmente, albergadas sob este título, sendo certo que, como dito, não há verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de livremente orientar-se de acordo com as posições religiosas estabelecidas. A própria Constituição declara, como visto, que é assegurado o livre exercício dos cultos religiosos. Ora, o culto não se exerce apenas em locais pré-determinados, como em igrejas, templos, etc. A orientação religiosa há de ser seguida pelo indivíduo em todos os momentos de sua vida, independentemente do local, horário ou situação. De outra forma, não haveria nem liberdade de crença, nem liberdade no exercício dos cultos religiosos, mas apenas "proteção aos locais de culto e a suas liturgias" (parte final do inc. VI do art. 5o). (BASTOS, 2000, p.14)

Além do direito à liberdade religiosa, consta em nossa Constituição Federal o

art. 5º, inciso VIII, que diz respeito a não privação de direitos por motivos de crença

religiosa e convicção religiosa, em que comporta duas exceções: VIII - ninguém será

privado de direitos por motivos de crença religiosa ou de convicção filosófica ou

política, salvo se invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e

recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

Tal dispositivo trata da escusa de consciência, nas palavras de Vicente Paulo

e Marcelo Alexandrino:

O dispositivo em comento consagra o direito à denominada “escusa de consciência”’, “objeção de consciência”, ou ainda “alegação de imperativo de consciência”, possibilitando que o indivíduo recuse cumprir determinadas obrigações ou praticar atos que conflitem com suas convicções religiosas, políticas ou filosóficas, sem que essa recusa implique restrições a seus direitos. (2008, p. 118)

Para José Afonso da Silva:

A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. (2012, p. 249)

23

Após toda a explanação a respeito dos Direitos Fundamentais bem como dos

Direitos da Personalidade e seus princípios, avançamos para o ponto dos conflitos

gerados entre esses direitos, posteriormente analisando o caso específico das

Testemunhas de Jeová, e entendendo até que ponto o resguardo de um

determinado direito passa a ser abolido por outro.

24

2 CONFLITOS ENTRE DIREITOS DA PERSONALIDADE E DIREITOS

FUNDAMENTAIS

Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet

abordam o aspecto dos conflitos entre os direitos da personalidade como:

O exercício simultâneo de direitos subjetivos, como são os direitos de personalidade, por várias pessoas pode ensejar situações de conflito. Isso ocorre quando o exercício do direito de uma das pessoas, isoladamente considerado, não é compatível com o exercício do direito de outra pessoa, também isoladamente considerado. São situações em que a satisfação de um direito implica na ofensa do outro. (2012, p. 49)

Os conflitos entre direitos fundamentais aparecem quando no caso concreto

uma das partes invoca um direito fundamental para sua proteção, enquanto a outra

também se vê aparada por outro direito fundamental, exemplo desse trabalho onde

temos dois direitos fundamentais em colisão: o direito à vida e o direito à liberdade

religiosa.

As colisões entre princípios são resolvidas pelos critérios de peso,

preponderando o de maior valor no caso concreto, pois ambas as normas jurídicas

são consideradas igualmente válidas (PINHO, 2009, p. 83).

A grande dúvida é se, em um caso concreto, onde há dois princípios tutelados

pela Constituição Federal, o direito à liberdade e o direito à vida, seria possível

preponderar qual será o princípio de maior valor? Como há de se mensurar que o

direito à vida é o bem jurídico que deve ser tutelado quando o próprio detentor deste

direito não o quer proteger?

Segundo a lição da doutrina, na hipótese de conflito entre direitos fundamentais, o intérprete deverá realizar um juízo de ponderação, consideradas as características do caso concreto. Conforme as peculiaridades da situação concreta com que se depara o aplicador do Direito, um ou outro direito fundamental prevalecerá. É possível que, em um caso em que haja conflito entre os direitos “X” e “Y”, prevaleça a aplicação do direito “X” e, em outra ocasião, presentes outras características, a colisão dos mesmos direitos “X” e “Y” resolva-se pela prevalência do direito “Y”. (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 100)

Ocorre que a menção do direito à vida, no artigo 5º da Constituição Federal

vem junto com outros direitos, elencados no mesmo dispositivo, como a igualdade, a

segurança, a propriedade e a liberdade, em que o próprio direito à liberdade, inciso

25

VI do mesmo artigo, desdobrando-se na inviolabilidade religiosa. Nota-se que em

nenhum momento a Constituição Federal coloca o direito à vida como direito

supremo, mas o coloca junto, na mesma situação dos demais.

Não são estabelecidos níveis de hierarquia entre os direitos elencados no

artigo 5º, diferente do que ocorre com o princípio da dignidade da pessoa humana,

princípio este eleito como principal fundamento da República, no artigo 1º, inciso III,

da Constituição Federal. Assim, nenhum desses direitos citados no artigo 5º recebeu

proteção absoluta, só são protegidos na medida em que se dirigem à dignidade

humana.

Nas palavras de Regina Maria Macedo Nery Ferrari:

Portanto, não se trata apenas de sacrificar um dos direitos em jogo, ou de subsumir o fato à norma, mas de solucionar a colisão a partir dos cânones da interpretação constitucional, da aplicação do princípio da proporcionalidade e da argumentação jusfundamental. É pela ponderação que se poderá chegar à solução da colisão entre direitos fundamentais ou entre estes e os bens constitucionalmente protegidos, de modo a conferir equilíbrio aos direitos tensionados. (2011, p. 545)

Wilson Antônio Steinmetz considera que:

Os limites imanentes são uma construção dogmática para explicar a necessidade e justificar a possibilidade de limitação ou restrição a direito fundamental conferido por norma constitucional escrita sem reserva de lei. (2001, p.62-63)

A teoria de limitação adotada pelo Supremo Tribunal Federal é a teoria

externa, na qual os conflitos entre os direitos fundamentais devem ser resolvidos

com base no princípio hermenêutico da harmonização, pois esses conflitos não se

resolvem de forma abstrata, mas mediante um caso concreto, onde se pondera os

bens jurídicos em conflito para então saber qual deve prevalecer em determinado

caso.

26

3 A QUESTÃO DA RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Após ilustrar a respeito dos Direitos Fundamentais e dos Direitos da

Personalidade, juntamente com os princípios constitucionais, bem como analisar os

conflitos entre princípios, faz-se necessário analisar no que cerne às Testemunhas

de Jeová, tendo como finalidade compreender quem são e quais seus

posicionamentos referente à recusa da transfusão sanguínea.

3.1 AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

As Testemunhas de Jeová estão presentes em quase todos os países e

territórios do mundo e são conhecidas pelo seu trabalho regular e persistente de

evangelização de casa em casa e nas ruas, e pela sua interpretação peculiar da

Bíblia.

Elas iniciaram suas atividades no estado americano da Pensilvânia no ano de

1870 a partir dos ensinamentos de Charles Russell, que juntamente com alguns

amigos formaram um grupo de estudos não sectário da Bíblia, denominado de

“Estudos Bíblicos Aurora do Milênio”.

Russel começou a publicar “A Sentinela” que é uma revista religiosa

publicada pelas Testemunhas de Jeová, pois queria levar ao conhecimento de todos

suas ideias sobre o que ele considerava como sendo a verdade bíblica.

Esta revista afirma que o objetivo é tornar conhecido o Reino de Jeová Deus,

a quem defende como o Criador do Universo e da Humanidade, objetivo este

impresso nas páginas iniciais da revista com as seguintes palavras:

O objetivo desta revista, A Sentinela, é honrar a Jeová Deus, o Supremo Governante do Universo. Assim como as torres de vigia nos tempos antigos possibilitavam que uma pessoa observasse de longe os acontecimentos, esta revista mostra para nós o significado dos acontecimentos mundiais à luz das profecias bíblicas. Consola as pessoas com as boas novas de que o Reino de Deus, um governo real no céu, em breve acabará com toda a maldade e transformará a Terra num paraíso. Incentiva a fé em Jesus Cristo, que morreu para que nós pudéssemos ter vida eterna e que agora reina como Rei do Reino de Deus. Esta revista, publicada sem interrupção pelas Testemunhas de Jeová desde 1879, não é política. Adere à Bíblia como autoridade. (A SENTINELA, 2008, p. 3)

27

A religião justifica seu nome através da passagem bíblica de Isaías 43:10, que

segundo a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, diz:

Vós sois as minhas testemunhas, é a pronunciação de Jeová, sim, meu servo a quem escolhi, para que saibais e tenhais fé em mim, e para que entendais que eu sou o mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus e depois de mim continuou a não haver nenhum.

A tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas é uma tradução da Bíblia

exclusiva de uso das Testemunhas de Jeová, sendo propriedade legal da Sociedade

Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. A maior diferença da Tradução do Novo Mundo

de outras Bíblias é o restabelecimento do nome divino Jeová, que aparece cerca de

7 mil vezes nas escrituras Hebraicas e Aramaicas, onde por muitas vezes foi retirado

ou trocado por “Senhor” ou outras denominações.

Por utilizar-se de uma interpretação própria da Bíblia, as Testemunhas de

Jeová são acusadas de interpretarem essas escrituras de maneira a confirmar seus

interesses e afirmar que baseiam todas as suas práticas doutrinárias no conteúdo da

Bíblia.

3.2 CONCEPÇÕES RELIGIOSAS

As testemunhas de Jeová possuem além da revista A Sentinela, diversos

livros a respeito de sua religião e crenças, onde explicam suas convicções para

entendimento daqueles que dela venham querer fazer parte.

JEOVÁ se interessa profundamente por nós e deseja que nos beneficiemos de suas instruções amorosas. Se o adorarmos da maneira correta, seremos felizes e evitaremos muitos problemas na vida. Teremos também sua benção e sua ajuda. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p.144)

Intitulam-se como a verdadeira religião. Desta forma, ensinam que fazem tudo

da maneira como Deus aprova:

É importante que adoremos a Jeová do modo que ele aprova. Muitos acham que todas as religiões agradam a Deus, mas a Bíblia não ensina isso. Também não basta apenas afirmar ser cristão. Jesus disse: “Nem todo o que me disser: ‘Senhor, Senhor’, entrara no reino dos céus, senão aquele que fizer a vontade de meu Pai, que esta nos céus.” Portanto, para termos a aprovação de Deus, temos de aprender o que ele exige de nos e por isso em pratica. [...] Simplesmente crer em Deus não é suficiente para agrada-lo.

28

Afinal, a Bíblia diz que ate os demônios creem que ele existe. (Tiago 2:19) Mas eles, obviamente, não fazem a vontade de Deus e não tem sua aprovação. Para sermos aprovados por Deus, não só temos de crer na sua existência, mas também fazer a sua vontade. É preciso também cortar os laços com a religião falsa e aceitar a adoração verdadeira. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p. 145-152)

Uma de suas concepções religiosas é a não adoração a santos ou imagens,

prática bastante conhecida pelos adeptos da religião católica.

Mas é Deus quem nos diz como ele deve ser adorado, e a Bíblia ensina que ele não quer que usemos imagens. (Êxodo 20:4, 5; Salmo 115:4-8; Isaıas 42:8; 1 João 5:21) Portanto, você poderá tomar posição em favor da adoração verdadeira destruindo quaisquer itens ligados a adoração falsa que talvez possua. Esteja decidido a encará-los como Jeová os encara — como algo “detestável”. — Deuteronômio 27:15. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p.155)

Não são favoráveis, também, à adoração de antepassados, comumente

praticado aos adeptos da religião do espiritismo.

A adoração de antepassados é também bastante comum em muitas religiões falsas. Antes de aprender a verdade bíblica, alguns acreditavam que os mortos estivessem vivos num domínio invisível e que pudessem ajudar ou prejudicar os que vivem na Terra. Você talvez não medisse esforços para apaziguar seus antepassados falecidos. Mas como vimos no Capıtulo 6 deste livro, os mortos não tem existência consciente em nenhum lugar. Assim, as tentativas de comunicar-se com eles são inúteis. Qualquer mensagem que pareça vir de um ente querido falecido realmente se origina dos demônios. De modo que Jeová proibiu os israelitas de tentar falar com os mortos ou de participar em qualquer outra forma de espiritismo. — Deuteronômio 18:10-12. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p. 156)

As Testemunhas de Jeová também não comemoram algumas datas festivas,

bastante comemoradas por cristãos, como Natal, Páscoa e aniversários.

A forma de adoração de alguns pode estar contaminada com a religião falsa no que diz respeito a certos feriados ou dias santificados. Veja o Natal, por exemplo. Supostamente comemora o nascimento de Jesus Cristo, e quase todas as religiões que se dizem cristas o comemoram. No entanto, não existe evidencia de que os discípulos de Jesus do primeiro século comemorassem esse dia. O livro Sacred Origins of Profound Things (Origens Sagradas de Coisas Profundas) diz: “Por dois séculos após o nascimento de Cristo, ninguém sabia, e poucos se importavam em saber, exatamente quando ele nasceu.” Mesmo que os discípulos de Jesus soubessem a data de seu nascimento, eles não o celebrariam. Por quê? Porque, como diz a enciclopédia World Book, os primeiros cristãos “consideravam um costume pagão celebrar a data de nascimento de qualquer pessoa”. As únicas comemorações de aniversários natalícios mencionadas na Bíblia são as de dois governantes que não adoravam a

29

Jeová. (Genesis 40:20; Marcos 6:21) As celebrações de aniversários natalícios eram também realizadas em honra de deuses pagãos. Por exemplo, no dia 24 de maio os romanos comemoravam o nascimento da deusa Diana e, no dia seguinte, o de seu deus sol, Apolo. Assim, as celebrações de aniversários natalícios estavam ligadas ao paganismo, não ao cristianismo. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p.156-157)

As Testemunhas não acreditam na Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espírito

Santo, e explicam:

Jesus disse que o Pai sabia mais do que o Filho. Se Jesus fosse parte do Deus Todo-Poderoso, no entanto, ele conheceria os mesmos fatos que o Pai. Portanto, o Filho e o Pai não podem ser iguais. Ainda assim, alguns dirão: ‘Jesus tinha duas naturezas. Aqui ele falava como humano. Mas, mesmo que isso fosse assim, que dizer do espírito santo? Se o espírito santo e o Pai são parte do mesmo Deus, por que Jesus não disse que o espírito santo sabia o que o Pai sabia? (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p. 204)

Mais um fato a respeito das Testemunhas é que elas não acreditam que

Jesus Cristo tenha morrido na cruz e não a usam como meio de adoração, assim,

entendem que:

Uma razão importante é que Jesus Cristo não morreu numa cruz. A palavra grega em geral traduzida “cruz” é stau·rós. Significa basicamente “poste ou estaca”. A The Companion Bible (Bıblia Companheira) diz: “[Stau·rós] jamais significa duas peças de madeira transversais em qualquer ângulo. Não há nada no grego do [Novo Testamento] que sequer sugira duas peças de madeira.” Em vários textos, os escritores bíblicos usam outra palavra para referir-se ao instrumento usado para executar Jesus. É a palavra grega xý·lon. (Atos 5:30; 10:39; 13:29; Gálatas 3:13; 1 Pedro 2:24) Essa palavra significa simplesmente “madeiro”, ou pedaço de pau, porrete ou árvore”. [...]Por que, então, foi adotado esse símbolo pagão? Pelo visto, para tornar mais fácil os pagãos aceitarem o “cristianismo”. No entanto, a Bíblia condena claramente qualquer devoção a um símbolo pagão. (2 Coríntios 6:14-18) As Escrituras proíbem também toda e qualquer forma de idolatria. (Êxodo 20:4, 5;1 Coríntios 10:14) Com muito boa razão, portanto, os cristãos verdadeiros não usam a cruz na adoração. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS, 2013, p. 205-206)

Resta claro que as Testemunhas de Jeová tem uma interpretação bem literal

da Bíblia, motivo pelo qual baseiam suas teorias acima citadas e justificando e

fundamentando a recusa da transfusão sanguínea.

30

3.3 OS FUNDAMENTOS PARA A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

Um dos grandes conflitos atuais quanto ao princípio do direito à vida é sem

dúvidas a questão da transfusão sanguínea para os pacientes da religião

Testemunha de Jeová.

Por prezarem a vida como sendo um presente de Deus, as Testemunhas de Jeová se esforçam em fazer o melhor que podem para viver de acordo com o livro que acreditam ser ‘inspirado por Deus’, a Bíblia. (2 Timóteo 3:16, 17; Revelação [Apocalipse] 4:11) Ela incentiva os adoradores de Deus a evitar práticas e hábitos que prejudicam a saúde ou que colocam a vida em risco, como comer e beber em excesso, fumar ou mascar tabaco e se drogar. — Provérbios 23:20; 2 Coríntios 7:1. Por mantermos nosso corpo e o ambiente à nossa volta limpos, e praticarmos atividades físicas para ter uma boa saúde, estamos agindo em harmonia com os princípios bíblicos. (Mateus 7:12; 1 Timóteo 4:8) Quando as Testemunhas de Jeová ficam doentes, elas mostram razoabilidade por procurar assistência médica e aceitar a grande maioria dos tratamentos disponíveis. (Filipenses 4:5) É verdade que obedecem à ordem bíblica de ‘persistir em abster-se de sangue’ e, por isso, insistem em receber tratamento médico sem sangue. (Atos 15:29) E essa opção, em geral, resulta num tratamento de melhor qualidade. Disponível em: <http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102006283?q=As+transfus%C3%B5es+de+sangue&p=par>

As Testemunhas de Jeová não aceitam tratamentos médicos que entrem em

conflito com seus princípios bíblicos e não aceitam transfusões de sangue porque,

segundo eles, a Bíblia proíbe o uso de sangue para sustentar a vida. Assim,

explicam:

As Testemunhas de Jeová são bem conhecidas por tomarem a peito essas ordens bíblicas. Elas rejeitam todas as transfusões de sangue total ou dos quatro componentes primários do sangue — glóbulos vermelhos, plasma, glóbulos brancos e plaquetas. Quanto às várias frações derivadas desses quatro componentes, e produtos que contenham tais frações, a Bíblia não faz nenhum comentário. Por isso, cada Testemunha de Jeová toma sua decisão pessoal sobre esses assuntos. Disponível em: <http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/102006283?q=As+transfus%C3%B5es+de+sangue&p=par>

Os argumentos usados para os adeptos desta religião podem ser encontrados

nas passagens bíblicas das Escrituras Sagradas do Novo Mundo, tais como:

Gênesis 9: 3-6: 3 Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo, 4 Somente a carne com a sua alma – seu sangue – não deveis comer. 5 E, além disso, exigirei de volta vosso sangue das vossas almas. Da mão de cada criatura vivente o exigirei de volta; e da mão do homem, da mão de cada um que é seu irmão exigirei de volta a alma do homem. 6 Quem

31

derramar o sangue do homem, pelo homem será derramado o seu próprio sangue, pois a imagem de Deus fez ele o homem. Levítico 17:14. Não deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne, porque a alma de todo tipo de carne é seu sangue. Quem o comer será decepado da vida.

Justificam que, para Deus, a alma, ou vida, está no sangue e pertence a Ele.

Embora essa lei tenha sido dada apenas à nação de Israel, ela mostra a importância

que Deus dava a não comer sangue.

Apesar da recusa, as Testemunha de Jeová apresentam vários tratamentos

alternativos que podem ser utilizados sem o uso do sangue.

3.4 TÉCNICAS ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO

No passado, a comunidade médica costumava encarar as opções

terapêuticas de recusa relacionada às transfusões de sangue por parte das

Testemunhas de Jeová como extremistas, ou até mesmo suicidas, porém isso

mudou.

Embora não seja do conhecimento dos leigos, é fato que há muito tempo a

medicina tem evoluído tanto a ponto de “oferecer” diversas alternativas para a

substituição da transfusão sanguínea com sangue humano. Um artigo na revista

Heart, Lung and Circulation de 2010 informou que “a cirurgia sem sangue não

deveria se limitar apenas às Testemunhas de Jeová, mas fazer parte integral da

prática cirúrgica básica”.

Pelo fato desse problema que as Testemunhas de Jeová passaram ao longo

dos anos, criou-se uma rede internacional chamada “Comissões de Ligação com

Hospitais” (COLIH), a qual atualmente trabalha com cerca de cem mil médicos ao

redor do mundo, tendo como principal intuito o desenvolvimento de tratamentos

cirúrgicos sem o uso do sangue humano.

Milhares de médicos em todo o mundo usam técnicas de conservação de

sangue para realizar cirurgias complexas sem transfusão. Essas opções

terapêuticas são usadas até mesmo em países em desenvolvimento e são

solicitadas por muitos pacientes que não são Testemunhas de Jeová.

Diversos são os riscos decorrentes do tratamento feito pelas transfusões

sanguíneas. Segundo dados Americanos, as doações estão crescendo cerca de 2-

3% anualmente nos EUA, enquanto a demanda sobe cerca de 6-8%. Sabe-se que o

32

suprimento de sangue nos EUA é considerado um dos mais seguros do mundo,

porém não ocorre da mesma forma em outras regiões.

A transfusão de sangue é a segunda maior causa de HIV (vírus da AIDS) na

Nigéria e em algumas áreas da África do Sul. Uma publicação médica informa os

diversos riscos decorrentes das transfusões sanguíneas:

As transfusões são perigosas. Podem causar reações do tipo hemolítico, leucoaglutinante e alérgico. O perigo principal é a infecção induzida pela transfusão sendo o maior perigo a transmissão da hepatite não-A, não-B. Calcula-se que de 5% a 15% dos doadores voluntários são portadores deste vírus. Os testes laboratoriais prévios à doação, para detectar os anticorpos contra o"core" da hepatite B, permitem detectar entre 30% e 40% dos portadores do vírus da hepatite não-A, não-B. A vasta maioria dos casos de hepatite pós-transfusional são subclínicos, visto que a enfermidade evolui durante vários anos. (BRUMLEY; DEL CLARO; DE ANDRADE, 1999, PG.09.)

O Dr. Neil Blumberg, diretor da Unidade de Medicina Transfusional e do

Banco de Sangue da Universidade Rochester, Nova York, EUA, afirmou que o

número de mortes no seu país devido às infecções provocadas pelas transfusões

gira em torno de 10.000 a 50.000 por ano. (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA DE

BÍBLIAS E TRATADOS)

A Presidential Comissiono on the Human Immunodefiency Virus Epidemic

(EUA) recomendou que antes que se realize uma transfusão sanguínea, o médico

deve obter o consentimento de seu paciente bem como “dar uma explicação dos

riscos implicados na transfusão de sangue e de seus componentes, entre eles a

possibilidade de contrair o HIV, bem como informações sobre terapias alternativas à

transfusão de sangue homólogo”.

Nos últimos tempos nota-se uma grande procura por boa parte da classe

média aos tratamentos alternativos às transfusões, sendo que foi realizada no dia 16

de maio de 1962, pelo Dr. Denton Cooley, a primeira cirurgia de coração aberto, sem

uso de sangue humano, em uma Testemunha de Jeová. Após esse feito, o mesmo

médico publicou um relatório de 542 cirurgias cardiovasculares em Testemunhas de

Jeová sem realizar nenhuma transfusão de sangue e garantindo que os riscos eram

baixos e aceitáveis.

As Testemunhas de Jeová apresentam uma tabela para que haja um maior

entendimento quanto aos métodos utilizados do próprio sangue e para que possam

33

tomar suas decisões quanto a aceitarem ou não um determinado procedimento.

Essa tabela pode ser encontra na publicação “Como encaro as frações de

sangue e os procedimentos médicos que envolvem o uso de meu próprio sangue”.

Segue:

SUA DECISÃO PESSOAL

PROCEDIMENTOS QUE ENVOLVEM O USO MÉDICO DE SEU PRÓPRIO SANGUE

*Observação: Os métodos de aplicação de cada um desses procedimentos médicos podem variar de médico para médico. Peça a seu médico que lhe explique o que exatamente está envolvido em qualquer procedimento que ele oferecer, certificando-se de que o método usado esteja em harmonia com princípios da Bíblia e com suas próprias decisões à base de sua consciência.

NOME DO

TRATAMENTO

O QUE REALIZA

Escolhas que você deve fazer. (converse com o médico antes de aceitar ou não o procedimento)

RECUPERAÇÃO INTRA-OPERATÓRIA DE CÉLULAS

Reduz a perda de sangue. Durante a cirurgia, o sangue de ferimentos ou de uma cavidade do corpo é recuperado. Ele é lavado, filtrado e após isso, é devolvido ao paciente, talvez em um processo contínuo.

Aceito

Talvez aceite* Recuso

HEMODILUIÇÃO Reduz a perda de sangue. Durante a cirurgia o sangue é desviado para bolsas e substituído por expansores de volume que não contêm sangue. Desse modo, o sangue que ainda resta no paciente é diluído, contendo menos glóbulos vermelhos. Durante a cirurgia ou no término dela, o sangue desviado é devolvido ao paciente.

Aceito Talvez aceite*

Recuso

MÁQUINA CORAÇÃO-PULMÃO

Mantém a circulação. O sangue é desviado para uma máquina coração-pulmão artificial onde é oxigenado e devolvido ao paciente.

Aceito Talvez aceite*

Recuso DIÁLISE Funciona como um órgão. Na hemodiálise, o

sangue circula em uma máquina, onde é filtrado e depurado antes de retornar ao paciente.

Aceito Talvez aceite*

Recuso TAMPÃO SANGUÍNEO PERIDURAL

Impede a perda do líquido espinhal. Uma pequena quantidade do sangue do próprio paciente é injetada na membrana em volta da medula espinhal. Esse procedimento é utilizado para fechar um ponto de punção em que há vazamento do líquido espinhal.

Aceito

Talvez aceite* Recuso

PLASMAFÉRESE Trata doenças. O sangue é retirado do paciente e filtrado para remover o plasma. Um substituto do plasma é adicionado e o sangue é devolvido ao paciente. Alguns médicos talvez usem o plasma de outra pessoa para substituir o do paciente. Quando este é o caso, essa opção é inaceitável para os cristãos.

Aceito Talvez aceite*

Recuso

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TÉCNICA DE MARCAÇÃO

Diagnostica e trata doenças. Parte do sangue é retirada, misturada a medicamentos e devolvida ao paciente. O tempo que o sangue fica fora do corpo do paciente pode variar.

Aceito Talvez aceite*

Recuso

GEL DE PLAQUETAS AUTÓLOGAS “FEITO DE SEU PRÓPRIO SANGUE”

Fecha ferimentos, reduz a hemorragia. O sangue é retirado e concentrado em uma solução rica em plaquetas e glóbulos brancos. Essa solução é aplicada nos locais de cirurgia ou ferimentos. Observação: Em algumas fórmulas usa-se um fator de coagulação do sangue de bovinos.

Aceito Talvez aceite*

Recuso

3.5 ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS

Diversos são os processos envolvendo as Testemunhas de Jeová no que se

refere à recusa da transfusão sanguínea, seja no lugar de autor ou de réu.

Ao decidir um processo cautelar a respeito desse tema, o Desembargador

Maia da Cunha faz uma reflexão sobre a sobreposição do direito à vida sobre a

liberdade religiosa:

Processo cautelar. Ação cautelar inominada. Embora a regra seja de que a cautelar seja preparatória, admite-se, excepcionalmente, tenha natureza satisfativa quando a liminar, necessária diante do risco de dano irreparável, esgota o objeto da ação principal. Preliminar rejeitada. Ação cautelar inominada. Hospital que solicita autorização judicial para realizar transfusão de sangue em paciente que se encontra na UTI, com risco de morte, e que se recusa a autorizá-la por motivos religiosos. Liminar bem concedida porque a Constituição Federal preserva, antes de tudo, como bem primeiro, inviolável e preponderante, a vida dos cidadãos. Jurisprudência deste TJSP. Recurso improvido. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1944233>

Nas palavras do Desembargador Maia da Cunha:

E é sintomático que assim seja porque não há bem maior a ser preservado do que a vida, tal como vem mencionado no “caput” do art. 5º da Constituição Federal, sendo importante destacar que, depois de garantir a igualdade entre os cidadãos, inicia a sequência dos bens invioláveis exatamente pela vida. Daí a conclusão inevitável, e saudável, de que a vida, bem supremo, prepondera sobre a liberdade religiosa ou sobre qualquer outro direito individual dos cidadãos. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1944233>

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O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também se posicionou

referente ao assunto quanto o direito à vida em detrimento ao direito à liberdade

religiosa, desta forma:

CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. NÃO CABE AO PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, AUTORIZAR OU ORDENAR TRATAMENTO MÉDICO-CIRÚRGICOS E/OU HOSPITALARES, SALVO CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE IMINENTE O PERIGO DE VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM QUER QUE SEJA, AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS RELIGIOSOS. IMPORTA AO MÉDICO E AO HOSPITAL E DEMONSTRAR QUE UTILIZARAM A CIÊNCIA E A TÉCNICA APOIADAS EM SÉRIA LITERATURA MÉDICA, MESMO QUE HAJA DIVERGÊNCIAS QUANTO AO MELHOR TRATAMENTO. O JUDICIÁRIO NÃO SERVE PARA DIMINUIR OS RISCOS DA PROFISSÃO MÉDICA OU DA ATIVIDADE HOSPITALAR. SE TRANSFUSÃO DE SANGUE FOR TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA LITERATURA MÉDICO-CIENTÍFICA (NÃO IMPORTANDO NATURAIS DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A VIDA DO PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, MAS DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, § 3º, INC. I, DO CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE RELIGIÃO; É FALÁCIA ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE TRATA DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO POSSA SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS DE ÉTICA E DE DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, QUE PRECISAM SE SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE HOMOLOGAREM AS MAIORES BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE RESGUARDAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>

Há também julgamentos de certa forma favoráveis às Testemunhas de Jeová,

em que se admite no caso concreto o uso das técnicas alternativas supracitadas.

Exemplo esse onde o Desembargador Alberto Vilas Boas, do Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais assim julgou:

PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. - No contexto do confronto entre o

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postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. - Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar. Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6019947/107010719151960012-mg-1070107191519-6-001-2-tjmg>

Nesse mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso julgou

o recurso interposto por uma Testemunha de Jeová, acolhendo o pedido da parte no

sentido de haver a possibilidade da realização da técnica alternativa ao tratamento

sanguíneo feito fora do domicílio:

TESTEMUNHA DE JEOVÁ - PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE - EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA - TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO - RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DIREITO À SAÚDE - DEVER DO ESTADO - RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMINAR CONCEDIDA - RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente. Disponível em <http://www.tjmt.jus.br/jurisprudenciapdf/GEACOR_22395-2006_06-07-06_71559.pdf>

Cumpre destacar que são raras as decisões favoráveis as Testemunhas de

Jeová, porém resta clara a importância de ambos os princípios, prevalecendo, ainda,

o principio à vida.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como base a pesquisa feita para a confecção dessa monografia é

possível observar que o conflito existente entre os pacientes Testemunhas de Jeová

e os direitos fundamentais gera uma polêmica muito grande, não sendo possível se

estabelecer uma solução em favor de um princípio sem que haja o detrimento do

outro.

No primeiro capítulo desta monografia em que são vistos os direitos

fundamentais, os princípios constitucionais, os direitos da personalidade e a

dignidade da pessoa humana, resta claro que é o Estado o responsável pela

preservação do direito a vida, porém, não um mero direito de estar vivo, mas sim, o

direito a se ter uma vida digna.

Ainda nesse sentido, vivemos em um Estado laico, sendo oficialmente neutro

em questões religiosas, onde não apoia e nem se opõe a religião nenhuma, mas

deve garantir o direito a liberdade religiosa, porém, é também um Estado

Democrático de Direito, onde a liberdade é um requisito essencial da democracia.

No segundo capítulo analisa-se os conflitos gerados entre direitos

fundamentais e direitos da personalidade, em que a doutrina entende haver a

necessidade de ponderação entre esses direitos sem que haja o sacrifício de um

pelo outro, de certa forma harmonizando-os, pois são hierarquicamente igual, mas,

apesar disso, no caso concreto o que se observa é o direito à vida prevalecendo-se

sempre.

O último capítulo é destinado exclusivamente às Testemunhas de Jeová,

onde se explana seu contexto histórico e suas concepções religiosas, para então

adentrar no foco principal desta monografia que é a respeito da recusa da transfusão

sanguínea por parte desses religiosos, analisando o motivo que os fazem crer que

esse tratamento médico seja proibido por Deus.

Há de se obervar que existem meios alternativos às transfusões sanguíneas,

sem que haja necessariamente o uso de sangue de outra pessoa para tanto, e o que

se pode ver é que eles não são completamente arredios a esses métodos

alternativos.

As jurisprudências a respeito do assunto continuam a invocar o bem da vida

como bem supremo, tendo sempre julgado que em casos de verdadeiro risco de

vida a liberdade religiosa do paciente seja abatida pelo seu direito de viver.

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Porém, a justiça aos poucos vem se adequando e entendendo a necessidade

do indivíduo de poder fazer suas escolhas, de ter a sua vida digna, em que pode se

usar desses métodos alternativos para, ao mesmo tempo, preservar sua vida e sua

liberdade religiosa.

Não existe uma solução definitiva para o assunto, e acredito que talvez essa

solução jamais exista. O que se deve fazer é analisar caso a caso, situações reais,

onde haverá a ponderação de interesses e valores, chegando, assim, a melhor

solução possível para determinado caso concreto.

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