versão integral disponível em digitalis.uciem. do grdo para, passagem dos inocentes e ribanceira....

4
Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Upload: others

Post on 29-Jan-2021

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

  • VEREDAS 5 (Porto Alegre, 2002) 171-200

    Confluencia de dtalogos na obra dalcidiana

    OLINDA BATISTA AsSMARUniversidade Federal do Acre, Brasil

    o esforco da nossa pesquisa no doutorado era descobrir as pro-vavets causas do desconhecimento da obra do marajoara DalcidioJurandir pelos estudantes e professores universttartos, assim como'tentar elucidar os motivos para tao pouco espaco dado pela historio-grafia e critica brasileira a obra do autor. Por isso, resolvemos estu-dar 0 conjunto da obra, priorizando os romances de ,tematica amaze-nica. Preocupavamo-nos com a qualidade da obra, pressupondo quepudesse ser urn dos fatores do distanciamento da cntica especializa-da. Assim e que enveredamos na discussao entre ftccao e realidade,literano e hist6rico ou documentarto, buscando as respostas para osnossos questionamentos. Percorrendo esse caminho, percebemos 0tamanho do corpus a que nos aventuravamos estudar e tentamosreduzi-lo dando preferencta a seis dos dez romances do Extremo Nor-te: Chove nos campos de Cachoeira. Maraj6, Tres casas e um rio, Be-iem. do Grdo Para, Passagem dos inocentes e Ribanceira. 0 ultimo dasene. Ficaram apenas citados, algumas vezes, Primeira manna. Oshabitantes, Ponte do galo e Chao dos lobos, e a obra do Extremo-SulLinha do parque, da qual foram feitos alguns comentartos.

    Dentre os dez romances que cornpoem a saga do caboclo nortista,movimentada entre os vilarejos da Ilha do Maraj6 - Cachoeira, Parica-tuba, Ponta de Pedras, Muana, Pucurui, na zona ribeirinha do baixoAmazonas, e Belem, capital do Para, destaca-se Chove nos campos de

    Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

  • 172 Olinda Batista Assmar

    Cachoeira, primeira obra do autor, cuja primeira versao e escrita em1929, em Gurupa, Baixo Amazonas, e a segunda em 1939, em Salva-terra, llha de Mara]o, mas s6 publicada em 1941, ap6s ganhar 0 pri-meiro lugar no concurso llterario, da Editora Vecchi / Dom Casmurro(1940), onze anos ap6s ter escrito a primeira versao.

    Sua concepcao ocorreu em urn momenta fundamental da histo-ria da literatura brasileira, epoca de transicao da fase revolucionartamodernista (1922) para outra de maior equilibrio (1930), quando osanimos ja se iam arrefecendo e todos buscavam novas bases para aliteratura do momento, trazendo de volta alguns dogmas literartosrechacados pelo movimento revolucionario. Era urn momenta de va-Iorizacao das bases estetlcas perdidas e solldtflcacao de outras, pro-postas pelo movimento modernista. Tempo de reconstrucao e recom-postcao de valores de uma nova ordem estettca em que a poesia,buscando meios e formas purtflcadas, direcionava-se para inquieta-coes filos6ficas e religiosas, enquanto a prosa voltava-se para os pro-blemas sociopoliticos, economicos, humanos e espirituais. E 0 mo-mento representado por uma geracao seria e grave, preocupada como destino do homem e com as dores do mundo. Epoca em que 0 ro-mance renasce na linha do neonaturalismo regionalista e social e nada tnvestigacao pstcologtca, Nasce tambem 0 romance de tendenciaao estudo e ao ensaio, em yoga a partir de entao,

    Da concepcao de Chove nos campos de Cachoeira a segundaversao (1939) e a publicacao (1941), 0 panorama hist6rico brasileiro eestrangeiro compunham-se de fatos dos mais stgniflcattvos para avida brasileira e internacional: a problematica do Estado Novo, am-bientacao para a Segunda Guerra Mundlal, a ditadura de GetultoVargas, dentre outros.

    Todos esses fatores nao passaram despercebidos ao autor, se-nao em Chove nos campos de Cachoeira, mas em Tres casas e um rioou nas outras obras, continuadoras da tematica deflagrada no pri-meiro romance. Atraves do aspecto memorialista nao s6 documentacomo testemunha a realidade. A realidade que representa na suaobra nao e apenas hist6rica e folc16rica decorrente do subsidio cienti-fico, mas vinda de impressoes diretas, fundamentadas em uma re-constituicao viva dos tipos, costumes, tradtcoes, num amplo espec-tro, com informacoes tndispensaveis. Suas remmiscencias e episo-dios movem-se nos limites do testemunho da Iiteratura-documental,mas 0 que avulta e a contrtbuicao voltada para sua realidade, seu

    Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

  • Confluencia de dtalogos na obra dalcidiana 173

    circulo familiar e seu meio com certa tmpregnacao telurica. Tanto que arepresentacao do cotidiano e feita atraves de modismos da Iinguagem,de proverbios, chavoes, ditados, girias, supersttcoes, versos dos canta-dores e violeiros, alem do usa de urn lexica e uma sintaxe proprias daregiao, provenientes do cotidiano do amazonida em contato com a natu-reza. Da enfase aos detalhes nas descrtcoes e a uttlizacao dessas formasltnguisttcas cristalizadas pelo usa bern ao sabor popular.

    Esse mundo llnguisttco da a dimensao do compromisso do autorcom a arte moderna que se liberta das normas canontcas do fazerartistico, construindo uma linguagem que decorre da transmutacaodo vulgar em poettco, A criatividade e 0 elemento impulsionador des-se processo. Por isso nao se pode negar seu valor criativo sob qual-quer pretexto. It uma linguagem que resulta da criacao de urn uni-verso imagtnarto proprio, onde se concentra a forca poetica do escri-tor representada pelo dominic dos meios de expressao e pela acumu-lacao gradativa da expertencia vivida. 0 autor incorpora ao mundohumano elementos do mundo natural sem significado. Declara, nomeio da banalidade, 0 poetico, produzindo urn ser diferenciado queretira dessa dtferenca a sua razao de sere 0 simples e banal constro-em 0 espaco poettco, principalmente em Passagem dos inocentes co-mo demonstra 0 fragmento: "As palhocas penduravam seus beicos depalha por onde escorriam os gatos miando. E chovendo em cheio emcima dos viajantes os carapanas" (p. 81).

    Toda narrativa veicula urn certo olhar: uma certa maneira dever, conceber, transitar no espaco daquilo que e narrado. Assim, todanarrativa constitui a flgura de urn narrador que a toma possivel, quea cria e e criado por ela. 0 olhar do narrador impulsiona, atraves dosseus movimentos, a narrativa. Entretanto, ha narrativas que se ali-mentam do dese]o de ressaltar tais movimentos, de vasculhar suasnuancas, narrativas que exploram as possibilidades e ltmttacoes des-se olhar, transformando-o em urn importante objeto a ser minucio-samente narrado. It 0 caso de Dalcidio Jurandir. Para abordar suaobra, e necessarto abordar 0 olhar do narrador que nela cintila. Enesse olhar, nos, leitores, lancamos nosso olhar no fluxo desse dese-jo, na direcao desses movimentos, no sentido de delinea-lo, It 0 tra-balho do investigador ficcional. Com essa metodologta, e possiveldetectar aspectos comuns na maneira como as diferencas se elabo-ram no interior das narrativas e no dialogo entre elas. Devemos pro-curar apreender a dtnamlca desse olhar ou 0 modo como ele circula.

    Versão integral disponível em digitalis.uc.pt