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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014 Kansei mood boards: Proposta de aplicação de Engenharia Kansei para a catalogação de referências criativas e construção de mood boards em mídia digital Alex Maldonado Bernardes Bacharel em Design Gráfico Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected] Vinicius Gadis Ribeiro Doutor em Ciência da Computação Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected] Resumo: O início do processo de design tem por objetivo explorar o problema de projeto, de forma a coletar o maior número de informações possíveis sobre a natureza do problema e estabelecer o direcionamento criativo para as possíveis soluções na fase de externalizacão. Uma das estratégias utilizadas nesta fase é o uso de referências criativas e sua composição em mood boards. Mood boards podem ser compostos fisicamente ou digitalmente. As pesquisas executadas por designers para a coleta de referências criativas, em cada projeto, podem reunir grandes quantidades de informação que podem ser reutilizadas futuramente. A Engenharia Kansei propõe a mensuração de informações de cunho emocional subjetivo, principalmente através do emprego de diferenciais semânticos. Frente a esse panorama, cabe a questão “A fase inicial do processo de design pode ser beneficiada pelo emprego de Engenharia Kansei através da catalogação de referências criativas e criação de mood boards digitais”? O presente trabalho utiliza-se da hipótese de que a criação de um modelo de Engenharia Kansei específico para abranger a etapa que compreende desde a catalogação de referências criativas até a construção de mood boards, pode tornar o processo mais dinâmico. 1 Introdução Desde a década de 40, momento em que o design ainda buscava sua identidade como nova área do conhecimento, autores buscam aprimorar o que seria o fluxo do processo de design: desde a definição do problema de design até o resultado de projeto, um produto físico ou uma peça de comunicação visual. O início do processo de design trata de explorar o problema de design – coletar o maior número de informações possíveis sobre a natureza do problema – e definir os requisitos de projeto – estabelecer o direcionamento correto para sua possível solução –. Em busca da compreensão do problema de design e na exploração de alternativas de solução, nesta primeira parte do processo, designers se utilizam de estratégias criativas que auxiliem e propiciem condições de visualização projetual. Uma das estratégias utilizadas é o uso de referências criativas. Entende-se por referências criativas a utilização de quaisquer fontes cognitivas que fazem referência a algo

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X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014

Kansei mood boards: Proposta de aplicação de Engenharia Kansei para a

catalogação de referências criativas e construção de mood boards em mídia digital

Alex Maldonado Bernardes Bacharel em Design Gráfico Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected] Vinicius Gadis Ribeiro Doutor em Ciência da Computação Centro Universitário Ritter dos Reis [email protected]

Resumo: O início do processo de design tem por objetivo explorar o problema de projeto, de forma a coletar o maior número de informações possíveis sobre a natureza do problema e estabelecer o direcionamento criativo para as possíveis soluções na fase de externalizacão. Uma das estratégias utilizadas nesta fase é o uso de referências criativas e sua composição em mood boards. Mood boards podem ser compostos fisicamente ou digitalmente. As pesquisas executadas por designers para a coleta de referências criativas, em cada projeto, podem reunir grandes quantidades de informação que podem ser reutilizadas futuramente. A Engenharia Kansei propõe a mensuração de informações de cunho emocional subjetivo, principalmente através do emprego de diferenciais semânticos. Frente a esse panorama, cabe a questão “A fase inicial do processo de design pode ser beneficiada pelo emprego de Engenharia Kansei através da catalogação de referências criativas e criação de mood boards digitais”? O presente trabalho utiliza-se da hipótese de que a criação de um modelo de Engenharia Kansei específico para abranger a etapa que compreende desde a catalogação de referências criativas até a construção de mood boards, pode tornar o processo mais dinâmico.

1 Introdução

Desde a década de 40, momento em que o design ainda buscava sua identidade como nova área do conhecimento, autores buscam aprimorar o que seria o fluxo do processo de design: desde a definição do problema de design até o resultado de projeto, um produto físico ou uma peça de comunicação visual. O início do processo de design trata de explorar o problema de design – coletar o maior número de informações possíveis sobre a natureza do problema – e definir os requisitos de projeto – estabelecer o direcionamento correto para sua possível solução –. Em busca da compreensão do problema de design e na exploração de alternativas de solução, nesta primeira parte do processo, designers se utilizam de estratégias criativas que auxiliem e propiciem condições de visualização projetual. Uma das estratégias utilizadas é o uso de referências criativas. Entende-se por referências criativas a utilização de quaisquer fontes cognitivas que fazem referência a algo

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Centro Universitário Ritter dos Reis alheio ao próprio projeto, podendo ser de natureza figurativa, abstrata, artística, projetual, documental, etc.

Segundo Rieuf (2013), a utilização destas informações coletadas constitui parte importante do processo projetual, visto que fundamentam as demais etapas projetuais. São coletadas referências criativas até cercar-se o problema de design com informação suficiente que possibilite que o designer visualize mais claramente o problema de design e horizontes em direção à possível solução. Ao estabelecer a combinação correta de referências que possibilitam tal perspectiva, os designers têm mais condições para seguir para a fase de externalização, momento onde são exploradas as primeiras ideias e conceitos em busca da evolução da solução. Quanto maior o acesso a referências criativas, mais condições tem o designer de obter referências que possam contribuir com o projeto.

Para Casakin (2004), o “pensamento visual” é aquele processo cognitivo nutrido por estímulos visuais. Conforme afirma o autor, pesquisas recentes provêm evidências da importância do papel deste processo para a melhoria da qualidade das soluções para os problemas de design, pois as analogias criadas entre as referências a nível cognitivo envolvem a transferência de conhecimento prévio de uma situação familiar – resultado de projeto – à nova situação a ser elucidada. A identificação e a recuperação da similaridade de relações potenciais entre referência e a nova situação de projeto, permite novas possibilidades de visão do problema de design em questão, buscando conhecimento em uma situação familiar.

A composição final das referências a serem utilizadas como recurso projetual é conhecida como “mood board”, “trend board”, ou painel semântico. Para McDonagh et al. (2005 apud Rieuf, 2013), o mood board é uma composição gráfica/semântica coesa que explica a visão do designer sobre o problema, tema ou ambiência da solução. O mood board tem a função de definir um contexto de design, sendo o gatilho de geração de ideias e a estruturação de âncoras para as representações projetuais. Além de instigar o processo cognitivo de resolução de problema, como o próprio nome indica (mood em português, estado emocional, e board, quadro ou painel), o mood board cria uma atmosfera emocional subjetiva que virá a ser levada até o produto final. É utilizado para imersão, por parte do designer, em um estado emocional particular - muitas vezes subjetivo, abstrato e não facilmente descritível linguisticamente, que se mantém durante todo o resto do processo, refletindo-se no resultado final, corroborando com a ideia de Norman (2008), de que a emoção faz parte do processo cognitivo e vice-versa.

Segundo a pesquisa executada por Vera (2009), os designers se utilizam de diversos recursos para a criação e confecção deste tipo de painéis - desde imagens coletadas de revistas, livros e demais materiais impressos, até fotografias e imagens encontradas na internet (figura 1). Na ausência de material, muitas vezes os designers geram imagens ou tiram fotos, configurando um processo muitas vezes lento devido à sua manualidade e esforço requerido por parte do designer. Conforme afirma o autor, ao passar do tempo, os designers podem ter dificuldade de acessar referências que estão em pesquisas executadas em projetos anteriores.

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Figura 1: Exemplo de mood board para projeto de design de interiores.

Fonte: The Guardian (2014).

Com o intuito de contribuir com este panorama, e buscando um processo de

dinamização de resgate de referências criativas a serem utilizadas no processo projetual, Bouchard et al. (2007) propõem um sistema de catalogação de imagens em plataforma computacional, baseado em seu conteúdo emocional subjetivo: o “Resgate de Imagens por Kansei” (Kansei Based Image Retrieval) um método em que torna possível a criação de um banco de referências visuais em um software, cujo acesso se dá através de informações atribuídas a aspectos emocionais subjetivos das imagens. Dessa forma, é possível fazer pesquisas em um banco de imagens considerando o uso de adjetivos que expressam conceitos subjetivos, como “elegante”, “sexy”, “alegre”, “suave, “infantil”, etc.

Para a criação do Resgate de Imagens por Kansei, Bouchard et al. (2007) utilizam-se da tecnologia japonesa conhecida como Engenharia Kansei, proposta pelo cientista japonês Nitsuo Nagamachi, durante os anos 70. A palavra “Kansei”, por sua especificidade, não tem tradução exata para nenhuma outra língua. Em uma tradução livre do japonês para a língua portuguesa, Kansei significaria algo similar à atratividade, emoção ou sensualidade. Contudo, o autor utiliza o termo “sensação psicológica” ou “impressão psicológica” para abordar Kansei. Por sua vez, Nagamachi e Lokman (2011) denominam Kansei como uma impressão psicológica subjetiva do indivíduo, a partir da experiência com algo, através de uma síntese de suas qualidades sensoriais.

Modelos de Engenharia Kansei, em sua maioria, são compostos por um desenho de processo criado especificamente para a situação projetual, e um software, incluído neste processo, que usa cálculos estatísticos para conectar dados de cunho emocional com aspectos de design.

O Kansei evocado durante a interação com um artefato constitui-se da síntese da percepção de todos os sentidos (NAGAMACHI; LOKMAN, 2011). Contudo, uma imagem - mesmo excluindo os demais sentidos além da visão -, pode prover informações suficientes

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Centro Universitário Ritter dos Reis para evocar conceitos subjetivos passíveis de serem identificados e mensurados. Considerando que o mood board é um quadro onde diversas referências criativas são dispostas a fim de prover ao designer um direcionamento emocional e cognitivo, pode-se citar a analogia proposta por Nagamachi e Lokman (2011) para compreender como o mood board funcionaria na perspectiva da Engenharia Kansei:

Quando pensamos em um artigo de vestuário, podemos imaginar a desagregação de seus elementos (ou partes), como (1) estilo geral, (2) estilo da peça superior, (3) estilo dos acessórios, (4) a quantidade e a posição dos botões, (5) design dos bolsos (6), tipo e comprimento da saia, e assim por diante. A composição destes elementos vai provocar algum Kansei. A ligeira diferença nos botões irá gerar um novo Kansei. Diferentes números de pregas na saia vai provocar um Kansei ainda diferente. Muitos Kansei existem mesmo nos elementos individualmente, e cada elemento individual afeta o Kansei global. (NAGAMACHI; LOKMAN, 2011, p.6, tradução nossa)

Com a analogia de que a impressão subjetiva de uma vestimenta completa é

composta pela comunicação da impressão de cada peça de roupa, pode-se perceber que o mood board pode evocar um Kansei geral, proveniente da comunicação de cada imagem que o integra - que é, de fato, o ambiente emocional que direciona o pensamento projetual do designer. Ao lidarmos com essas informações de forma quantitativa, pode haver a possibilidade da criação de mood boards de forma semiautomatizada, facilitando e dinamizando o acesso a grandes bancos de referências.

Sob o seguinte problema de pesquisa: “A fase inicial do processo de design pode ser beneficiada pelo emprego de Engenharia Kansei através da catalogação de referências criativas e criação de mood boards digitais?”, o presente trabalho visa verificar a possibilidade de otimização do processo projetual em sua fase inicial através do emprego de um modelo de Engenharia Kansei. Por ser uma fase de informações vagas, subjetivas, implícitas e mal definidas, o mood board é utilizado como estratégia para auxiliar a estruturar o pensamento do designer e para comunicar ideias para os demais stakeholders (colaboradores de projeto). A Engenharia Kansei pode ser empregada como tentativa de otimização do processo de resgate de referências criativas, assim como a semiautomatização do processo de criação de mood boards. Acreditamos que ao apresentar um modelo de Engenharia Kansei – uma remodelação dos processos de design juntamente com um protótipo de software que cumpriria o novo processo em situação real–, designers poderiam avaliar a aplicabilidade da proposta de melhoria. Ao tratar de desenvolvimento de protótipo, aborda-se a criação de um vídeo que simula o funcionamento do software a partir do design de interface finalizado. Isto deve-se ao fato de que o desenvolvimento de um software completo extrapolaria o escopo desta pesquisa.

2 Justificativa

A tendência contemporânea de digitalizar as ferramentas de design em busca de uma otimização do processo, tem alterado a atividade de design em seu núcleo, modificando o próprio processo dialógico de projeto. Este novo paradigma, para Cross (1999), tem proporcionado riqueza de exploração científica no campo de praxiologia de design.

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O desenvolvimento de ferramentas sistematizadas (softwares) tem o objetivo de reduzir o tempo de desenvolvimento, reduzir custos, diminuir a probabilidade de erro durante o processo e aumentar a qualidade do processo como um todo (RIEUF, 2013). Como afirmam Mougenot, Bouchard e Aoussat (2008), até o momento, o foco principal do desenvolvimento de softwares para design tem sido principalmente a fase de externalização do processo criativo, onde as ferramentas digitalizadas auxiliam o designer a gerar alternativas de solução para o problema projetual - como os softwares de CAD, modelagem 3D, desenho vetorial, edição bitmap, animação, etc. Isso acontece porque as fases anteriores, de descoberta e definição de problema, não são explícitas como as seguintes. Elas lidam com informações vagas, subjetivas e mal definidas, “ficando ocultas na mente do designer, e se fazendo difícil de ser descrita, modelada e suportada [por um software]” (MOUGENOT; BOUCHARD; AOUSSAT, 2008, p. 2).

Como o processo projetual faz parte de um continuum de constante otimização, pesquisadores têm buscado compreender esta fase mais “capciosa” do processo: o pensamento projetual do designer em seu momento inicial, tendo na construção do mood board uma prática que auxilia a estruturar o pensamento e alimentar conexões cognitivas. Para Mougenot, Bouchard e Aoussat (2008, p. 2), dar atenção à primeira fase do processo projetual - ou a “fase informacional” para o desenvolvimento de ferramentas computacionais - seria uma grande colaboração para o processo de design, pois acreditam que a criatividade do designer é beneficiada por tais ferramentas. “Existe quase nenhuma assistência digital para o processo inicial de projeto e até mesmo existem menos metodologias para construir esta assistência” (RIEUF, 2013).

Afirmamos que a criatividade dos designers pode ser eficientemente apoiada por ferramentas computacionais, apenas quando essas ferramentas forem capazes de ter a subjetividade dos designers em conta. Portanto, pesquisas futuras devem lidar com o Kansei dos designers e sua criatividade, não só nas fases de geração de ideias, mas também nas fases iniciais de informação e inspiração. Este tópico desafiante terá impacto sobre a forma como as ferramentas computacionais para apoio à criatividade serão desenvolvidas. (MOUGENOT; BOUCHARD; AOUSSAT, 2008, p. 24, tradução nossa).

Como afirmam os autores, designers buscam suas referencias inspiracionais não

somente por seu conteúdo semântico objetivo, mas principalmente por seu conteúdo subjetivo, não considerado nestas situações. Em outros termos, o designer busca nas referências não somente o que uma imagem ilustra, mas o que a imagem inspira.

3. Coleta de referencias criativas

Frente ao fato de que a memória humana tem limitações, que muitas são as situações de projeto inusitadas e que a inovação é em muitos casos necessária, designers utilizam-se de outra estratégia que extrapola a própria memória: o “pensamento analógico”. Entende-se por pensamento analógico a recuperação do conhecimento de uma fonte análoga (outra referência criativa além da própria memória e experiência) para que o designer consiga reconhecer a nova situação de projeto. Ou como afirma Casakin (2004, p.1, tradução nossa),

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Pensar em termos de analogia envolve a transferência de conhecimento prévio de uma situação familiar (nomeada a “fonte”), a uma situação que deve ser elucidado (nomeado o “alvo”) (Gentner, 1983; Novick 1988; Vosniadou, 1989). A identificação e a recuperação de uma semelhança entre as potenciais relações no alvo, e as relações conhecidas na fonte permite compreender a nova situação, com base em uma situação familiar.

Em busca de proporcionar o processo analógico de reconhecimento do espaço

problema-solução através de situações conhecidas, o designer coleta informações que utiliza como fontes analógicas, também conhecidas como “referências criativas”. Designers coletam referências antes do processo de projeto – para potenciais relações analógicas –, durante o processo de projeto, e após o processo de projeto, armazenando as referências utilizadas para futuro resgate. Desta maneira, designers registram cotidianamente “fontes de analogia” que potencialmente podem ser utilizadas como recurso de projeto. Estas fontes são a base essencial do pensamento de design, das referências como definição de contexto de projeto e gatilhos para geração de ideias de solução de design (BOUCHARD; LIM; AOUSSAT, 2003).

Quando o designer utiliza-se de referências criativas como forma de compreender o “espaço problema-solução” em uma situação de projeto, a analogia não é necessariamente construída de uma única fonte. O designer pode utilizar-se de diversas referências que contribuam para criar um panorama de analogias mais complexas. Quando combinadas e agrupadas as referências, elas constituem o que chama-se “mood board”, “trend board”, ou painel semântico. O mood board, através do acúmulo de analogias, cerca o espaço problema-solução, dando ao designer uma possibilidade de visionamento das soluções que seguirão a partir.

O papel da materialidade das referências criativas de natureza física para o processo criativo de design de produtos físicos é incontestável. Contudo, mood boards físicos, ao serem comparados com mood boards digitais, apresentam alguns fatores limitantes, como sua fixação geográfica – os stakeholders necessitam estar presentes para trabalhar no mood board, dificultando a possibilidade de trabalho remoto via internet –, as referências necessitam de um sistema de catalogação física para serem armazenadas, elas podem sofrer com a ação do tempo, do uso e das condições de armazenamento, etc. Frente a estes fatores, no que tange a um processo criativo que não é totalmente dependente da fisicalidade dos materiais, as mídias digitais são uma solução fácil, rápida e mais barata para os envolvidos no processo de projeto compartilharem e discutirem sua visão.

A internet fornece acesso a grandes quantidades de conteúdo de forma instantânea. Da mesma forma, com a difusão de câmeras fotográficas digitais de baixo custo e câmeras incorporadas em dispositivos computacionais móveis como smartphones e tablets, o conteúdo disponibilizado na internet cresceu exponencialmente. Contudo, plataformas digitais necessitam ter a capacidade de acessar referências tendo em consideração as atribuições subjetivas do designer. Somente desta forma o designer conseguirá filtrar a informação como deseja sem necessitar visualizar grandes quantidades de informação sem necessidade. Corroborando com esta ideia, Vera (2009), afirma que novas ferramentas devem ser criadas a fim de também facilitar a comunicação entre designer, cliente e demais stakeholders através do uso do mood board, de forma que facilite a participação de todos envolvidos.

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Desta forma entende-se que as plataformas digitais necessitam ter em conta a subjetividade do designer no acesso a referências, além de possibilitar a utilização do mood board de forma a facilitar a comunicação entre os stakeholders. Novas tecnologias podem suportar o desenvolvimento de ferramentas que busquem auxiliar o designer nesta etapa do processo criativo. Atualmente, uma das tecnologias que tem despontado como uma alternativa para incluir a subjetividade do designer no processo de catalogação de imagens como referências criativas é a mensuração da “impressão subjetiva”, através da Engenharia Kansei. 4. Engenharia Kansei

Para Nagamachi e Lokman (2011, p.5, tradução nossa) Kansei é uma "ação mental intuitiva do indivíduo que sente algum tipo de impressão a partir de um estímulo externo através da utilização dos sentidos" e “refere-se ao estado de espírito em que o conhecimento, emoção e paixão são harmonizados”. Lévy (2013, p. 84, tradução nossa) referem-se a Kansei como um “processo cerebral interno de alto nível, envolvido na construção de reação intuitiva a estímulos externos”.

Os autores, para exemplificarem a natureza do Kansei, descrevem diferentes situações, como a visualização de uma obra de arte abstrata, que incita sensações indescritíveis nos expectadores, ou quando visita-se um restaurante em que sente-se muito bem e confortável mas não consegue-se explicar claramente o motivo, ou quando encontra-se uma pessoa pela primeira vez e tem-se uma impressão positiva ou negativa, antes mesmo ter iniciado uma conversação – ideia que corrobora com o dito popular “a primeira impressão é a que fica”.

O Kansei, sendo algo subjetivo na mente do usuário, não pode ser expresso em sua completude, porém pode ser captado parcialmente através de sinais voluntários e involuntários do usuário. Na Engenharia Kansei são utilizados diversos métodos para coleta de dados que buscam representar o Kansei do usuário através de dados sobre os indicadores de reações comportamentais, psicofisiológicas e psicológicas (NAGAMACHI; LOKMAN, 2011).

A “Engenharia Kansei” busca projetar o Kansei elicitado durante o uso de um produto. É uma metodologia que traduz o Kansei de usuários em requisitos de projeto. Ela utiliza-se de ferramentas para captar mensurações de diferentes níveis de Kansei de usuários para a criação de um banco de dados que, através da estatística multivariada, é capaz de relacionar especificamente quais características de um produto gera quais Kansei específicos assim como sua importância na criação do Kansei geral. (NAGAMACHI; LOKMAN, 2011).

O Kansei elicitado durante a interação com um artefato constitui-se da síntese das percepções sensoriais dos sentidos humanos, sendo o tato, olfato, audição, visão e paladar. Quanto mais sentidos estiverem envolvidos na interação com a fonte de estímulo, mais completo será o Kansei gerado. Contudo, para a geração de Kansei desde uma fonte de estímulo é necessário somente um sentido como, por exemplo, na música (audição), nas artes visuais e no design gráfico (visão), produtos alimentícios (paladar), etc. Mesmo a interação com um produto físico, ou com um ambiente arquitetônico pode ser imaginada por intermédio de uma única imagem, através do acesso de conhecimentos experienciais anteriores a serem adaptados para a nova situação (NAGAMACHI; LOKMAN, 2011).

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Para a mensuração das reações psicológicas da geração de Kansei, na interação com uma fonte de estímulo, o método mais comumente utilizado é o diferencial semântico de Osgood (1957).

Palavras utilizadas na busca de expressão do Kansei são chamadas “Palavras Kansei” (NAGAMACHI, 2003 apud NAGAMACHI; LOKMAN, 2011). Devido à riqueza linguística, palavras são um meio eficiente de descrever o Kansei. Para coletas quantitativas sobre a expressão de Kansei, é necessária a criação de uma biblioteca de palavras Kansei. Segundo Nagamachi e Lokman (2010), as palavras Kansei podem ser coletadas de diversas formas como através de dicionários, eleição por parte dos designers que irão projetar o produto, busca de palavras em revistas e fóruns especializados, ou termos selecionados em pesquisas executadas anteriormente.

A partir da criação da biblioteca de palavras Kansei, é a criada uma escala que dá valor a cada conceito semântico utilizado, chamada “escala de diferencial semântico” (OSGOOD, 1957). Segundo afirma Nagamachi e Lokman (2011), Osgood e seus colegas estavam interessados em criar uma escala de valor para conceitos semânticos. Para a criação de uma escala deste tipo selecionavam conceitos antônimos como, por exemplo, “bom” e “mal”, “bonito” e “feio”, aplicando valores que variavam de uma palavra a outra, de um conceito a outro. Contudo Nagamachi e Lokman (2011) ressaltam que para a mensuração de Kansei o sistema de antônimos utilizado por Osgood (1957) poderia criar ruído nos dados, visto que nem sempre um conceito é integralmente o antônimo do outro, mas sim que cada conceito tem particularidades próprias. Desta forma os pesquisadores propõem que sejam utilizadas escalas de valor com um único conceito - por exemplo, “bonito”, que ao invés de variar de “bonito” a “feio”, varia de “bonito” a “não-bonito”, ou de “elegante” “deselegante” (figura 2).

Figura 2: Escala de diferencial semântico.

Fonte: Nagamachi e Lokman (2011) Em um sistema que utiliza resgate de imagens por Kansei, o usuário deve inserir

dados de cunho emocional e subjetivo, em forma de diferencial semântico. Ao buscar exprimir o Kansei frente à uma imagem a ser catalogada pelo sistema, o usuário elegeria um grupo de palavras (e seus antônimos) para compor o diferencial semântico. Atribuindo valores a cada palavra utilizada, o usuário integra à imagem uma informação muito específica, pois além de ter o grupo de palavras selecionadas, os valores de escala criam, em termos estatísticos um “alto coeficiente de correlação” (LOKMAN, 2010), também conhecido como sistema de “forças entre variáveis”. Por exemplo, ao indexar uma imagem de um automóvel, o usuário escolhe os termos “jovial”, “lúdico” e “masculino”. Atribui a “jovial” e “lúdico” valores altos enquanto a “masculino” atribui valores baixos. Estatisticamente a força entre “jovial: e “lúdico” é mais forte do que entre “jovial” e “masculino” ou “lúdico” e “masculino”. Desta forma sabe-se que “jovial” e “lúdico” tem mais

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Centro Universitário Ritter dos Reis influência no Kansei geral do usuário perante àquela imagem. Ao indexar mais imagens, estas “forças” são comparadas entre as diferentes imagens. Ao fazer uma nova busca, utilizando termos como “jovial” e “colorido”, o sistema saberá que há uma imagem cuja informação de indexação tem “força de conexão” entre “jovial” e “lúdico” e na ausência de referências com “colorido” irá propor “lúdico”, antes de outra palavra, devido ao seu alto coeficiente de correlação.

O designer, ao buscar imagens através de palavras Kansei, irá receber como resultado uma série de imagens que, conectadas por um sistema de alto coeficiente de correlação (LOKMAN, 2010), têm mais chance de exprimir o Kansei que almeja. Quanto mais detalhada a indexação de cada imagem, e quanto mais imagens o designer conter no banco, mais chance de obter resultados mais precisos.

Aumentando a possibilidade de obter um resultado de busca mais objetivo e conciso pelos conteúdos semânticos de alto nível das imagens. Ao comparar com sistemas que existem atualmente, um sistema de resgate de imagens por Kansei tem suas peculiaridades quanto à alimentação do banco e ao resgate de imagens, o que poderia influenciar o modo de trabalho dos designers.

Uma das hipóteses da presente pesquisa é de que o resgate de imagens por um sistema que trabalhe com informações de Kansei seria mais conciso, rápido, fácil e efetivo durante o processo projetual. 5 Metodologia

A fase de criação de modelo de Engenharia Kansei subdivide-se em: Remodelação de processos de design e Desenvolvimento de protótipo de software de Engenharia Kansei.

5.1 Remodelação de processos de design

O objetivo desta fase é compreender como diferentes designers trabalham com referências criativas, desde a coleta, organização e construção de mood boards, a fim de mapear seus processos, analisar alterações processuais segundo a implementação de um modelo de Engenharia Kansei e desenhar os novos processos. Esta fase está organizada do seguinte modo (figura 3):

Figura 3: Etapas da fase de remodelação de processos de design.

Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

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Com base na fundamentação teórica, a segunda etapa trata de elaborar o roteiro de entrevistas semi-estruturadas a serem executadas. Pretende-se convidar especialistas em design com experiência de mercado para participar da entrevista através de teleconferência. Por razões de conveniência desta pesquisa, serão convidados designers gráficos. Com a devida autorização dos entrevistados, o vídeo da entrevista será gravado, para que posteriormente seu conteúdo seja transcrito.

A quarta etapa trata do processo de escolha de palavras Kansei, onde os designers serão convidados a listar palavras de cunho subjetivo, que utilizariam para expressar a experiência com o seu universo de referências visuais. O processo se dará por e-mail e será solicitado um montante mínimo de trinta palavras por entrevistado. As palavras coletadas formarão uma biblioteca de palavras Kansei a ser utilizada no modelo de Engenharia Kansei.

A fase de transcrição de dados e análise de conteúdo, quinta etapa, é o momento em que o conteúdo das entrevistas será transcrito e analisado para que seja possível a compreensão de métodos de trabalho por parte dos designers. Entre todas as informações que serão analisadas e categorizadas, buscar-se-á construir graficamente o fluxo de trabalho de cada designer para a fase especificadamente abordada pela entrevista, através construção de processos.

A última etapa consiste em agrupar as informações das entrevistas para que se possa representar cada processo, validado via e-mail com os especialistas. Ao comparar todos os processos, serão identificados padrões que estruturarão o modelo de Engenharia Kansei a ser desenvolvido. A partir do reconhecimento do padrão processual que o modelo de Engenharia Kansei deve cumprir, cada processo de cada especialista em design entrevistado será redesenhado a fim de cumprir com os padrões estabelecidos pelo modelo de Engenharia Kansei.

5.2 Protótipo de software de Engenharia Kansei Esta é a fase onde com base aos requisitos fundamentados pelo processo de coleta

e análise de dados qualitativos através de entrevista, se iniciará a fase de design do protótipo de software a ser utilizado no modelo de Engenharia Kansei, conforme ilustrado na figura 4.

Figura 4: Etapas da segunda fase do processo metodológico.

Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa realizada.

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Na primeira etapa, os requisitos de projeto de software serão definidos em base às informações analisadas das entrevistas. O objetivo desta etapa é garantir que o protótipo de software respeite os processos metodológicos definidos pela remodelação processual proposta. Os requisitos de projeto são escritos em forma de um documento que constará todas as características e funcionalidades que o sistema deveria cumprir.

Na segunda etapa, frente à falta de capacidades desta pesquisa de desenvolver novas tecnologias de software, tecnologias existentes que permitam cumprir os requisitos de projeto serão registradas. Para isso, outros softwares com características técnicas semelhantes serão analisados e estas funcionalidades serão catalogadas para a validação de um especialista de desenvolvimento de software.

A próxima etapa consiste em projetar estruturalmente a interface do protótipo, visualizando suas funcionalidades através da aplicação dos conceitos de usabilidade. Para tal, as tecnologias catalogadas são revisadas. A entrega desta fase se dará através de wireframes. Neste momento será integrada ao conceito de sistema a biblioteca de palavras Kansei elaborada juntamente aos designers entrevistados.

A última etapa desta fase será o design “físico”, onde se integra o design gráfico nos elementos de interface, finalizando o projeto da interface do sistema. Neste momento o estilo gráfico do sistema composto pelas formas, cores, texturas, ícones e tipografia será projetado. A entrega desta fase serão todas as telas – imagens que representam a interface finalizada do sistema - de cada instância do sistema.

Com o visual final do sistema, o especialista em desenvolvimento de software revisará o resultado e fará uma avaliação sobre possíveis inconsistências no sistema quanto suas funcionalidades.

Com a validação das telas finais do sistema pelo especialista em desenvolvimento de software, serão criados protótipos editados em vídeos que simulem o uso do sistema em uma situação de uso. Por ser um protótipo de software, desenvolvido somente a nível de conceito e não verdadeiramente funcional, é necessário criar uma simulação de uso para que o usuário, neste caso o designer, consiga compreender as funcionalidades presentes.

A última fase do processo metodológico visa apresentar o modelo de Engenharia Kansei aos especialistas e recolher suas opiniões através de uma nova entrevista semiestruturada. A entrevista abordará pontos como as possíveis dificuldades de emprego do modelo de Engenharia Kansei proposto, possíveis benefícios ao processo de projeto, sua dinamização ou retardamento com o emprego do modelo, sugestões de melhorias. O conteúdo das entrevistas será transcrito e analisado a fim de criar um documento que resuma a impressão dos designers a respeito do sistema. As sugestões de melhoria do modelo de Engenharia Kansei proposto servirão de requisito para futuras pesquisas. 6 Cronograma

Esta pesquisa será iniciada no mês de setembro de 2014 e tem o prazo final de entrega à banca final de defesa no mês de fevereiro de 2015. Referências BOUCHARD, Carole; LIM, Dokshin; AOUSSAT, Améziane. Development of a Kansei Engineering System for industrial design — Identification of input data for KES. Journal of the Asian Design Conf. International vol.1, Tsukuba, Japão.10 p, 2003.

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