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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas Reitor Fernando Ferreira Costa Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib Pró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli Pró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita Neto Pró-reitor de Graduação Marcelo Knobel Chefe de Gabinete José Ranali Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universi- tária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab (kassab@rei- toria.unicamp.br) Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografia Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Felipe Barreto e Patrícia Lauretti Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Impressão Pigma Gráfica e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju Campinas, 15 a 21 de agosto de 2011 2 Fotos: Arquivo/Reprodução Fotos: Antoninho Perri Dissertação investiga a importância da ação do coletivo, que divulgou os abusos cometidos pela ditadura MANUEL ALVES FILHO [email protected] D issertação de mestra- do desenvolvida por Rodrigo Pezzonia aborda tema ainda pouco explorado pela academia: o exílio brasileiro no período ditatorial militar. O foco do trabalho, que foi orientado pelo professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Uni- camp, é o Grupo Debate, criado em finais dos anos 1960 por João Quartim de Moraes, quando este viveu exilado na França. Atualmente, Quartim de Moraes é docente do mesmo IFCH. “Meu objetivo foi estudar a tomada de posição por parte dos integrantes do grupo frente aos problemas en- frentados pelas esquerdas em terras brasileiras, principalmente no que se refere à derrocada da ideia da via armada como meio de reação ao regime militar e à chegada revolucio- nária ao socialismo”, afirma o autor da pesquisa. De acordo com Pezzonia, Quartim de Moraes cumpriu papel fundamen- tal tanto na constituição quanto na condução das atividades do Grupo Debate. Uma das consequências dessa atuação foi a criação da revista também intitulada DEBATE, que era produzida principalmente pela segun- da geração de exilados brasileiros, a maioria extremamente jovem e egressa de organizações que faziam resistência ao regime militar. O pró- prio Quartim de Moraes foi dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que pegou em armas para combater a ditadura. Logo após ser expulso da VRP, por discordar dos rumos que a luta revolucionária vinha tomando, conta o autor da dissertação, o atual profes- sor da Unicamp exilou-se por poucas semanas no Uruguai antes de partir para a França. Foi lá, na companhia de outros jovens expatriados, que Quartim de Moraes formou o Grupo Debate. “O objetivo da iniciativa era o de organizar, congregar e amparar os exilados, que chegavam ao ex- terior sem perspectivas. Ao mesmo tempo, o coletivo buscava denunciar no plano internacional o que estava acontecendo no Brasil”, explica. Um dos meios empregados por eles para denunciar os abusos cometidos pelo regime militar era a revista. A maioria dos colaboradores da publicação, produzida de forma rudimentar, a partir de cópias em mimeógrafo, era formada por inte- lectuais e jovens militantes do mo- vimento estudantil brasileiro. Entre eles estavam nomes como Fernando Gabeira e Michael Löwy. O principal tema abordado na publicação, como ................................................ Publicação Dissertação: “Revolução em Debate: O grupo Debate, o exílio e a luta armada no Brasil (1970 – 1974)” Autor: Rodrigo Pezzonia Orientador: Marcelo Ridenti Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) ................................................ O Grupo Debate e a resistência no exílio vo para que seus membros seguissem os estudos. Assim, os colaboradores da revista constituíram um grupo de estudos, que mantinha ligações estrei- tas com intelectuais que atuavam em universidades francesas. Também por essa razão, a DEBA- TE tinha um rigor teórico muito forte em relação a todos os seus textos. “Outro dado interessante é que a pu- blicação mostrou-se, em um segundo momento, no período posterior a 1974, aberta a outros assuntos além da crítica à experiência da luta armada, muitos deles ignorados ou relegados a segundo plano pela esquerda brasilei- ra. Assim, a DEBATE também falava sobre feminismo, racismo, internacio- nalismo e movimento sindical, para ficar em alguns exemplos”, diz. Uma missão especialmente trabalhosa cum- prida por Pezzonia foi a tentativa de identificação dos autores dos artigos. No período estudado por ele (1970 a 1974), 14 pessoas escreveram para a revista. “Como todos eles assinavam os textos com pseudônimos, tive que recorrer a algumas entrevistas, entre elas com o próprio professor Quartim de Moraes, para tentar descobrir quem escreveu o quê. Antes de me revelar três desses nomes, ele tomou a pre- caução de entrar em contato com eles para pedir autorização para confirmar as identidades”. A DEBATE, prossegue Pezzonia, circulava basicamente na França e em alguns outros países europeus, levada pelos exilados ou por militantes sim- páticos à causa de seus colaboradores. Além disso, ela também foi editada por um grupo de exilados no Chile, em espanhol, tendo como título Teoria y Practica. “Todavia, essas publica- ções dificilmente chegavam ao Brasil. Há o relato de uma pessoa que foi presa e torturada ao tentar imprimir a DEBATE a partir de um microfilme que havia entrado cladestinamente no país. Temendo outras prisões, conforme me contou o professor Quartim de Moraes, o grupo passou a evitar o envio da revista ao país”. Produzida de forma artesanal, a pu- blicação começou com uma centena de exemplares e chegou a atingir um milhar deles, de acordo com o autor da dissertação. No entender do pesquisador, o tema abordado em seu trabalho ain- da é pouco estudado pela academia. Somente nos últimos anos é que vem ganhando maior atenção. “Normal- mente, as pesquisas se concentram mais nos acontecimentos e persona- gens que permaneceram no Brasil durante o período militar. Muitos ainda entendem que os exilados brasi- leiros cumpriram um papel de menor importância no episódio da ditadura, mas isso não condiz com a realidade. Eles tiveram, sim, grande relevância, principalmente no que toca à divul- gação no exterior do que ocorria no país. Ademais, ao retornarem ao Brasil com o advento da anistia, eles trouxeram toda a experiência acumu- lada no exílio, exercendo dessa forma grande influência em segmentos como a cultura, a política e a academia”, considera. Rodrigo Pezzonia, autor da pesquisa: “Os integrantes do Grupo Debate apoiavam a lutar armada, mas não cegamente” Policiais reprimem manifestação em São Paulo na década de 1970: revista foi tribuna de opositores do regime militar não poderia deixar de ser, era a reação armada contra os regimes totalitários espalhados pelo mundo. “Um aspecto interessante da postura desses inte- lectuais era que eles apoiavam a luta armada, mas não cegamente. Eles tinham uma posição crítica em rela- ção a essa forma de reação. Algumas organizações de esquerda acredita- vam, por exemplo, que a revolução tinha que partir de um aspecto mais vanguardista, baseado na experiência cubana do ‘foco guerrilheiro’ ou em outras teorias guerrilheiras vigentes na época. Na visão de Quartim de Moraes e dos demais integrantes do grupo, a militância deveria primeiro criar vínculos com as bases sociais antes de partir para a luta armada. Ou seja, eles defendiam uma maior participação das massas no processo revolucionário”, detalha Pezzonia. Com o decorrer do tempo, conti- nua o pesquisador, os integrantes do Grupo Debate perceberam que a luta armada no Brasil não estava obtendo êxito e que muita gente estava sendo presa, torturada e morta. “Isso fez com que eles revissem o apoio à guerrilha e passassem a se preocupar mais com temas ligados à redemocratização”. Ainda segundo Pezzonia, uma das características do grupo era o incenti- A revista DEBATE em seus primeiros números: capas em letra set e interior mimeografado Capa da revista de janeiro de 1975 evidencia a mudança de foco nas preocupações dos colaboradores

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Page 1: 2 O Grupo Debate e a resistência no exílio - unicamp.br · Coordenador-Geral Edgar Salvadori De Decca ... Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor ... fi nais dos anos 1960

UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasReitor Fernando Ferreira CostaCoordenador-Geral Edgar Salvadori De DeccaPró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da SilvaPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Mohamed Ezz El Din Mostafa HabibPró-reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise PilliPró-reitor de Pós-Graduação Euclides de Mesquita NetoPró-reitor de Graduação Marcelo KnobelChefe de Gabinete José Ranali

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universi-tária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab ([email protected]) Chefi a de reportagem Raquel do Carmo Santos ([email protected]) Reportagem Isabel Gardenal, Maria Alice da Cruz e Manuel Alves Filho Editor de fotografi a Antoninho Perri Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Coordenador de Arte Luis Paulo Silva Editor de Arte Joaquim Daldin Miguel Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Felipe Barreto e Patrícia Lauretti Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Impressão Pigma Gráfi ca e Editora Ltda: (011) 4223-5911 Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3327-0894. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

Campinas, 15 a 21 de agosto de 20112

Fotos: Arquivo/Reprodução

Fotos: Antoninho Perri

Dissertação investiga a importância da ação do coletivo, que divulgou os abusos cometidos pela ditadura

MANUEL ALVES [email protected]

Dissertação de mestra-do desenvolvida por Rodrigo Pezzonia aborda tema ainda pouco explorado pela academia: o

exílio brasileiro no período ditatorial militar. O foco do trabalho, que foi orientado pelo professor Marcelo Ridenti, do Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas (IFCH) da Uni-camp, é o Grupo Debate, criado em fi nais dos anos 1960 por João Quartim de Moraes, quando este viveu exilado na França. Atualmente, Quartim de Moraes é docente do mesmo IFCH. “Meu objetivo foi estudar a tomada de posição por parte dos integrantes do grupo frente aos problemas en-frentados pelas esquerdas em terras brasileiras, principalmente no que se refere à derrocada da ideia da via armada como meio de reação ao regime militar e à chegada revolucio-nária ao socialismo”, afi rma o autor da pesquisa.

De acordo com Pezzonia, Quartim de Moraes cumpriu papel fundamen-tal tanto na constituição quanto na condução das atividades do Grupo Debate. Uma das consequências dessa atuação foi a criação da revista também intitulada DEBATE, que era produzida principalmente pela segun-da geração de exilados brasileiros, a maioria extremamente jovem e egressa de organizações que faziam resistência ao regime militar. O pró-prio Quartim de Moraes foi dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que pegou em armas para combater a ditadura.

Logo após ser expulso da VRP, por discordar dos rumos que a luta revolucionária vinha tomando, conta o autor da dissertação, o atual profes-sor da Unicamp exilou-se por poucas semanas no Uruguai antes de partir para a França. Foi lá, na companhia de outros jovens expatriados, que Quartim de Moraes formou o Grupo Debate. “O objetivo da iniciativa era o de organizar, congregar e amparar os exilados, que chegavam ao ex-terior sem perspectivas. Ao mesmo tempo, o coletivo buscava denunciar no plano internacional o que estava acontecendo no Brasil”, explica. Um dos meios empregados por eles para denunciar os abusos cometidos pelo regime militar era a revista.

A maioria dos colaboradores da publicação, produzida de forma rudimentar, a partir de cópias em mimeógrafo, era formada por inte-lectuais e jovens militantes do mo-vimento estudantil brasileiro. Entre eles estavam nomes como Fernando Gabeira e Michael Löwy. O principal tema abordado na publicação, como

................................................■ Publicação Dissertação: “Revolução em Debate: O grupo Debate, o exílio e a luta armada no Brasil (1970 – 1974)”Autor: Rodrigo Pezzonia Orientador: Marcelo RidentiUnidade: Instituto de Filosofi a e Ciências Humanas (IFCH)

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O Grupo Debate e a resistência no exílio

vo para que seus membros seguissem os estudos. Assim, os colaboradores da revista constituíram um grupo de estudos, que mantinha ligações estrei-tas com intelectuais que atuavam em universidades francesas.

Também por essa razão, a DEBA-TE tinha um rigor teórico muito forte em relação a todos os seus textos. “Outro dado interessante é que a pu-blicação mostrou-se, em um segundo momento, no período posterior a 1974, aberta a outros assuntos além da crítica à experiência da luta armada, muitos deles ignorados ou relegados a segundo plano pela esquerda brasilei-ra. Assim, a DEBATE também falava sobre feminismo, racismo, internacio-nalismo e movimento sindical, para fi car em alguns exemplos”, diz. Uma missão especialmente trabalhosa cum-prida por Pezzonia foi a tentativa de identifi cação dos autores dos artigos. No período estudado por ele (1970 a 1974), 14 pessoas escreveram para a revista. “Como todos eles assinavam os textos com pseudônimos, tive que recorrer a algumas entrevistas, entre elas com o próprio professor Quartim de Moraes, para tentar descobrir quem escreveu o quê. Antes de me revelar três desses nomes, ele tomou a pre-caução de entrar em contato com eles para pedir autorização para confi rmar as identidades”.

A DEBATE, prossegue Pezzonia, circulava basicamente na França e em alguns outros países europeus, levada pelos exilados ou por militantes sim-páticos à causa de seus colaboradores. Além disso, ela também foi editada por um grupo de exilados no Chile, em espanhol, tendo como título Teoria y Practica. “Todavia, essas publica-ções difi cilmente chegavam ao Brasil. Há o relato de uma pessoa que foi presa e torturada ao tentar imprimir a DEBATE a partir de um microfi lme que havia entrado cladestinamente no país. Temendo outras prisões, conforme me contou o professor Quartim de Moraes, o grupo passou a evitar o envio da revista ao país”. Produzida de forma artesanal, a pu-blicação começou com uma centena de exemplares e chegou a atingir um milhar deles, de acordo com o autor da dissertação.

No entender do pesquisador, o tema abordado em seu trabalho ain-da é pouco estudado pela academia. Somente nos últimos anos é que vem ganhando maior atenção. “Normal-mente, as pesquisas se concentram mais nos acontecimentos e persona-gens que permaneceram no Brasil durante o período militar. Muitos ainda entendem que os exilados brasi-leiros cumpriram um papel de menor importância no episódio da ditadura, mas isso não condiz com a realidade. Eles tiveram, sim, grande relevância, principalmente no que toca à divul-gação no exterior do que ocorria no país. Ademais, ao retornarem ao Brasil com o advento da anistia, eles trouxeram toda a experiência acumu-lada no exílio, exercendo dessa forma grande infl uência em segmentos como a cultura, a política e a academia”, considera.

Rodrigo Pezzonia, autor da pesquisa: “Os integrantes do Grupo Debate apoiavam a lutar armada, mas não cegamente”

Policiais reprimem manifestação em São Paulo na década de 1970: revista foi tribuna de opositores do regime militar

não poderia deixar de ser, era a reação armada contra os regimes totalitários espalhados pelo mundo. “Um aspecto interessante da postura desses inte-lectuais era que eles apoiavam a luta armada, mas não cegamente. Eles tinham uma posição crítica em rela-ção a essa forma de reação. Algumas organizações de esquerda acredita-vam, por exemplo, que a revolução tinha que partir de um aspecto mais

vanguardista, baseado na experiência cubana do ‘foco guerrilheiro’ ou em outras teorias guerrilheiras vigentes na época. Na visão de Quartim de Moraes e dos demais integrantes do grupo, a militância deveria primeiro criar vínculos com as bases sociais antes de partir para a luta armada. Ou seja, eles defendiam uma maior participação das massas no processo revolucionário”, detalha Pezzonia.

Com o decorrer do tempo, conti-nua o pesquisador, os integrantes do Grupo Debate perceberam que a luta armada no Brasil não estava obtendo êxito e que muita gente estava sendo presa, torturada e morta. “Isso fez com que eles revissem o apoio à guerrilha e passassem a se preocupar mais com temas ligados à redemocratização”. Ainda segundo Pezzonia, uma das características do grupo era o incenti-

A revista DEBATE em seus primeiros números: capas em letra set e interior mimeografado

Capa da revista de janeiro de 1975 evidencia a mudança

de foco nas preocupações dos colaboradores