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Caminhos da Educação: Realidades e Perspectivas

Contato com os autores:

[email protected]

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Henriqueta Alves da Silva Marcio Luis Marangon

Rudinei da Rosa

Caminhos da Educação Realidades e Perspectivas

URI FREDERICO WESTPHALEN

2009

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© Copyright - 2009 by Henriqueta Alves da Silva; Marcio Luis Marangon; Rudinei da Rosa

Catalogação na fonte: Maria de Fátima Obelar Fernandes. CRB 10/1527

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida

ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer

outros sem autorização prévia por escrito dos autores.

____________________________________________________

___

URI Rua Assis Brasil, 709 - CEP 98400-000 – Cx. Postal 184

FREDERICO WESTPHALEN, RS Telefone:(55) 3744- 9223 - Fax: (55) 3744-9265

Impresso no Brasil - Printed in Brazil

S58c Silva, Henriqueta Alves da Caminhos da educação: realidades e perspectivas. / Henriqueta Alves da Silva; Márcio Luis Marangon

e Rudnei da Rosa. – Frederico Westphalen: URI, 2009.

101 p. Incluí dados biográficos

ISBN-

1. Educação – Formação professores 2. Educação Rio Grande do Sul 3.

Política educacional 4. Educação - Sociedade I. Marangon, Márcio Luis, II.

Rosa, Rudnei III. Título

CDU – 37(816.5)

CDD – 370

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Agradecimento

Dizer que este livro somente seria possível a partir

de um ou outro nome seria ignorar que a construção de nossos pensamentos se faz a partir de cada experiência vivenciada no decorrer da vida. Assim, a todos que de uma forma ou de outra fizeram e fazem parte da construção de nossa história, muito obrigado.

De modo especial queremos agradecer aos professores Claudionei Vicente Cassol e Celito Luft pelas sábias palavras que contribuíram para engrandecer nossa obra, ao Curso de Filosofia e à URI – Campus de Frederico Westphalen pelo apoio e presença constante nas diversas instâncias que contribuíram incisivamente na elaboração do presente texto.

Por fim, a todos aqueles que comungarem com estas palavras, refletindo-as em suas práticas sociais com ações que contribuam para a construção das perspectivas e realidades dos “Caminhos da educação”, pois...

De nada valem as ideias sem homens para pô-las em prática

(Marx).

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SUMÁRIO

Prefácio ...................................................................... 09 Claudionei Vicente Cassol Introdução ................................................................... 16 1 A CONDIÇÃO HUMANA .......................................... 21 Rudinei da Rosa 2 EDUCAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR ....................... 41 Henriqueta Alves da Silva 3 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS ........................... 65

Marcio Luis Marangon Posfácio ...................................................................... 101 Celito Luft

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URI - Rua Assis Brasil, 709, Frederico Westphalen. 98400-000 Fone: (55) 3744-9223 E-mail: [email protected] Revisão Linguistica: Wilson Cadoná Revisão metodológica: Denise A. Silva e Franciele da S. Nascimento Arte/Capa/Diagramação: André Forte e Camila De Carli Impressão:

UNIVERSIDADE REGIONAL INTEGRADA DO ALTO URUGUAI E DAS MISSÕES

Reitor Bruno Ademar Mentges Pró- Reitora de Ensino Helena Confortin

Pró-Reitor de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação Sandro Rogério Vargas Ustra

Pró-Reitor de Administração Clóvis Quadros Hempel

Campus de Frederico Westphalen Diretor Geral César Luís Pinheiro

Diretora Acadêmica Edite Maria Sudbrack

Diretor Administrativo Nestor Henrique De Cesaro

Campus de Erechim Diretor Geral Luiz Mário Spinelli

Diretora Acadêmica Arnaldo Nogaro

Diretor Administrativo Paulo José Sponchiado

Campus de Santiago Diretor Geral Clóvis Fernando Bem Brum

Diretora Acadêmica Maria Saléti Reolon

Diretor Administrativo Francisco de Assis Górski

Campus de Santo Ângelo Diretor Geral Gilberto Pacheco

Diretora Acadêmica Dinalva Agissé Alves de Souza

Diretor Administrativo Rosane Maria Seibert

Campus de São Luiz Gonzaga Diretora Geral Sonia Regina Bressan Vieira

Campus de Cerro Largo Diretora Geral

Marlene Teresinha Trott

Presidente

Denise Almeida Silva (URI)

Conselho Editorial

Alessandra Regina Muller Germani (URI)

Alexandre Marino da Costa (UFSC)

Alfredo Zenén Dominguez González (UMCC, Cuba)

Carmen Lucia Barreto Matzenauer (UCPel)

Breno Antonio Sponchiado (URI)

Claudir Miguel Zuchi (URI)

Dieter Rugard Siedenerg (UNISC)

Edite Maria Sudbrack (URI)

Jorge Pedraza Arpasi (URI)

José Alberto Correa (Universidade do Porto, Portugal)

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Liliane Locatelli (URI)

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Márcia Lopes Duarte (UNISINOS)

Maria Arleth Pereira (UFSM)

Nestor Henrique De Cesaro (URI)

Patrícia Rodrigues Fortes (URI)

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PREFÁCIO

Claudionei Vicente Cassol1

A missão da educação, do educador e da escola, na construção da cidadania, é semelhante do jardineiro. Não pode fazer germinar a semente. A força e a capacidade da germinação já estão contidas na própria semente. No entanto, o jardineiro cria condições para que ocorra o germinar. Aduba o canteiro, semeia, rega e protege. Só assim terá certeza da primavera. O ato educativo é um ato de cuidado, de dedicação que auxilia na formação do ser ao permitir a potencialização das capacidades intrínsecas deste ser. Educar é autonomizar sujeitos para que floresçam e frutifiquem na cidadania. O jardineiro não diz que algumas sementes têm mais condições do que as outras. Ele compreende a essência da natureza onde todas apresentam condições de florir a seu modo. Quem faz a segregação é o especialista, o técnico, que vê os resultados apenas porque entende tudo a partir da potencialidade produtiva, diferentemente do jardineiro que vê a gratidão da vida e a beleza do cuidado. O jardineiro não age deste modo por impulsão sentimentalista ou por ser desprovido de racionalidade, mas porque consciente da essencialidade de sua ação histórica como construtora da próxima primavera. Uma atitude de crença na potencialidade de cada semente em formar com as outras uma bela estação (CASSOL, 2007).

1 Professor, URI – Campus de Frederico Westphalen- RS.

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A educação enquanto compromisso social carrega

a incumbência política como condição de sua validade e legitimidade comunitária. É na dimensão da politicidade que se encontra a esperança e a profundidade filosófica do fazer educativo. A complexidade que envolve a educação remete Estado, Educador e Educadora, Estudante e Comunidade à construção de vínculos intersubjetivos, força indispensável na qualificação dos processos, validação do educar enquanto ato com implicâncias públicas, direito da cidadania e dever das instituições. Não somente econômico, mas cultural e ético. Colocar a educação nesses termos seria ousadia ou utopia? Ousadia, na compreensão de um Estado que se quer limitado e se pretende mínimo para estar ao lado do capital desumanizado e livre das preocupações humanizadoras e sociais, afastando-se de suas funções mais primordiais; utopia, do ponto de vista da sedenta população que aguarda, de braços cruzados – ainda não educada politicamente -, o cumprimento dos direitos mais básicos; realidade, porém, quando compreendemos a profundidade do ato educativo, indispensável na qualificação dos sujeitos e da comunidade.

Caminhos da Educação marca um período conturbado no sistema de ensino do Rio Grande do Sul. Um Estado neoliberal, comprometido com a estrutura piramidal da sociedade, o status quo, que se assume ao lado do capital e distante da população, resolve, a título de corte de gastos públicos, enxugar as já ínfimas garantias que os trabalhadores e trabalhadoras em educação gaúchos asseguraram ao longo de anos de luta. Há monstros que rondam a educação gaúcha, aviltando-a a partir de seu centro: desencadeando processos de descredibilidade da escola pública; conduzindo à acomodação professores, professoras, pais e mães e os próprios estudantes. Ademais há desqualificação dos espaços pedagógicos e o descaso com a comunidade. Os caminhos da educação gaúcha, objeto de estudo do

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capítulo II do presente texto, através da investigação do distanciamento entre a formação filosófico-pedagógica e o compromisso social dos professores da rede estadual gaúcha, seguem, atualmente, na contramão dos desejos e anseios de toda comunidade, principalmente, dos principais atores – educadores e educadoras – ao interpor entre os professores e professoras e a missão da educação, não flores e jardineiros preocupados com atos de vida, mas pedras humilhação e responsabilização pelo fracasso do Estado representativo. Um descaminho que é evidenciado neste sentido é a discussão do Plano de Carreira do Magistério Público Estadual por força do poder econômico. Pairam intenções de cortes nos direitos dos trabalhadores/as em educação gaúchos. O magistério está sendo responsabilizado pelas concessões de isenções fiscais a grandes empresas. O que poucos veem é a diminuição de receitas para investimentos sociais, obrigações do Estado. Não, mas o “plano é bom”, opinam alguns, inclusive professores/as.

Em sendo confirmada a “bondade” – jamais isenta, do poder –, porque a proposta está sendo escondida daqueles e daquelas que terão que cumpri-la? Percebemos todos por onde começaram as discussões, o que identifica as verdadeiras intenções do “novo” plano: entre grupos de empresário gaúchos e entidades várias que nada, ou muito pouco, têm de identificação com o sistema educacional gaúcho. Qual empresário, convidado pelo governo gaúcho, para discutir o Plano de Carreira do Magistério Público da Rede Estadual do Rio Grande do Sul, tem filhos na Escola Pública da rede?

No momento em que este texto é pensado, representações do magistério gaúcho, entre os quais, vários diretores e diretoras de Escolas Públicas da rede – professores/as igualmente tomados pela “maravilha” do poder -, cooptados pelo governo, assistem exposições relâmpagos da Secretaria Estadual de Educação propagandeando um novo plano. Educadores e Educadoras estão excluídos do processo que a eles é

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pertinente, denúncia que o capítulo I, em sua filosofia, apresenta como ocorrendo em todo o sistema de educação brasileiro. Esparsas manifestações contrárias ousaram levantar-se notabilizando a despolitização da sociedade gaúcha e evidenciando que a educação é problema dos outros. Não é de professores e professoras, tampouco de estudantes, funcionários e funcionárias de escola, nem da comunidade. O Estado capitalista e neoliberal, muito bem munido de “marketeiros”, constrói verdades e as institucionaliza. Paralelo à imposição do Plano de Carreira, desvio da proposição dialética que estabelece o capítulo III em sua discussão metodológica, denúncias de corrupção no Governo gaúcho, tomam conta dos noticiários colocam em questionamento a sua legitimidade ética.

Caminhos da Educação chega no momento em que as encruzilhadas se abrem para toda população gaúcha como possibilidades educativas. Aprendizado político a partir da realidade, mostrando a complexidade da educação e a amplitude que a filosofia precisa para se tornar em cada cidadão, gesto contraditório, oposição e construção.

Nos caminhos da educação interpõem-se inúmeras encruzilhadas e a Filosofia, como diz Castoriadis (2002), é a proposição de uma interrogação ilimitada da representação instituída do mundo, a ordem estabelecida da sociedade. A reflexão acurada, profunda e radical, manifesta no âmbito da filosofia, associada à educação e às ciências humanas, possibilita a construção de uma comunidade autêntica movida pelo desejo participativo, de ela própria fazer política e, desse modo, emancipar-se como cidadã. Esta é a essência da condição humana que exige compromissos sociais das instituições públicas e, dessa forma, educa e se educa em processo dialético. A identidade coletiva que brota do aprofundamento das relações comunitárias, relações intersubjetivas é força indispensável para a ininterrupta construção do novo e permanente questionamento acerca da totalidade das

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coisas que envolvem o homem e a mulher e as instituições.

Apenas a educação (paidéia) dos cidadãos enquanto tais pode dotar o „espaço público‟ de um autêntico e verdadeiro conteúdo. Mas essa paidéia não é, basicamente, questão de livros ou verbas para as escolas. Ela consiste, antes de mais nada e cima de tudo, na tomada de consciência, pelas pessoas, do fato de que a polis é também cada uma delas, e de que o destino da polis depende também do que elas pensam, fazem e decidem; em outras palavras: a educação é participação na vida política (DUSSEL, 2002, p. 312).

As possibilidades todas da adoção dos múltiplos caminhos que se põem para a educação não resulta necessariamente na exclusão dos demais também como viabilidades. A educação é plural e esta diversidade é capaz de promover o necessário, benéfico e criador espírito dialético que produz, em sua essência, o movimento, a oposição. A natural oposição provoca o diálogo e, a partir dele, a comunidade educa-se educando. Dizemos com Freire (2000) que o filosofar “...se impõe não como puro encanto mas como espanto diante do mundo, diante das coisas, da História que precisa ser compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la, somos por ela feitos e refeitos.” (p. 102).

Não há fórmulas, demonstra o jardineiro, apenas desejo, vontade, possibilidade e esperança e necessidade de vida. Vida que deve ser produzida, reproduzida e cuidada, defendida, concordamos com Enrique Dussel (2002). É esta preocupação com a vida que movimenta educadores e educandos ao compromisso de começar pela pergunta do porquê dos fatos que os cercam, o porquê da vida que levam, de seu cotidiano social, enfim, das realidades que constituem suas vidas (ZITKOSKI,

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2000). Apenas dedicação consciente, envolvimento e radicalidade. Educação é ato radical que vai do compromisso ético com o outro e com a comunidade, até o compromisso ético consigo mesmo e exige que “Entre mostrar e dizer como se deve proceder e o exemplo concreto do próprio agir não pode haver contradição sob pena de falsificar o que se pretende ensinar”, sugere Jayme Paviani (1988).

A condição humana, Educação e contemporaneidade e Construindo alternativas, os três capítulos de Caminhos da Educação, sugerem a necessidade do envolvimento, do compromisso de todos os cidadãos na construção de sua educação. Uma educação que seja capaz de manter acessa as chamas da vida e da radicalidade que a intersubjetividade, criadora por sua essência, exige da comunidade ao mesmo tempo que a forma. Educar é despertar consciências de si, dos outros e do mundo e, apossado desse conhecimento primeiro e fundamental, trilhar os caminhos da cultura, das instituições, da formação pessoal e social, da profissionalização, da racionalidade, da sensibilidade e solidariedade, com emoção, paixão e incondicionalmente em defesa da vida.

Referencias

CASSOL, C. V. Autonomia da Escola Pública no Norte do Rio Grande do Sul: da crise de projeto nas escolas estaduais à intersubjetividade criadora, 2007. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br>. CASTORIADIS, Cornelius. Os domínios do homem. 2. ed.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. (As encruzilhadas do labirinto II).

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DUSSEL, Enrique. Ética da libertação – Na idade da globalização e da exclusão. 2 ed. Petrópolis : Vozes, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo : UNESP, 2000. PAVIANI, Jayme. Problemas de Filosofia da Educação: o cultural, o político, o ético na escola; o pedagógico, o epistemológico no ensino. 4. ed. Petrópolis : Vozes, 1988. ZITKOSKI, Jaime José. Horizontes da refundamentação em educação popular. Frederico Westphalen : URI, 2000.

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Introdução

Produzimos esta obra com sentido profundo do inacabado, do “por-fazer”. Talvez um “livro muito nosso”, no sentido de que expressa a relação teoria/prática que muitos educadores vivenciam.

Normalmente, tentamos adivinhar o que se passa nas entrelinhas, nos acostumamos a pular partes, pular palavras, pular linhas, e assim, acabamos deixando de dialogar com a obra. Gostaríamos, no entanto, que este livro fosse um diálogo aberto, como se o caro leitor estivesse sentado conosco em uma roda de chimarrão, partilhando seus pensamentos, e conduzindo-se, junto com o pensamento central do texto, para um horizonte aberto, onde nada daquilo que cremos ou planejamos existe, mas que motivados por esta utopia, começássemos então, a reconstruir tudo.

Não queremos ser freirianos, nem deixar de o ser, não queremos ser piagetianos, nem tampouco deixar de o ser, não queremos ser nenhum dos autores que conhecemos e reverenciamos, nem deixar de sê-lo. Queremos na verdade é ser abelhas. Sim, abelhas. Andando de pensamento em pensamento, de experiência em experiência, coletando todos os saberes e sabores para construir uma essência, um mel, nosso mel, doce essência que poderá ser saboreada e partilhada, adicionando um novo sabor ao nosso dia-a-dia de educador, de educando, de gente, ou de abelha, pois a abelha está sempre a voar, sabendo que além do papel de recolher o néctar, tem também o papel de espalhar o pólen e fazer florir os campos.

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Não queremos insultar o conhecimento já produzido, mas também, não queremos prender nossa capacidade produtiva, reflexiva, e de interpretação de realidade. Queremos, sim, juntar tudo isso, e daí construir alternativas para a realidade que se apresenta, pois, na maioria das vezes caímos no modismo de achar que somente o que os outros produzem é que é valido, e deixamos de construir o que é realmente viável para nossa realidade.

A temática abordada nesta obra surgiu em função do contato, experiências e realidades observadas e discutidas no meio educacional e social com o objetivo de analisar a prática educacional dentro de suas necessidades e perspectivas no intuito de alavancar alternativas, propostas para uma educação de qualidade e consciência.

Preocupados com a qualidade da educação, mais especificamente com a formação dos professores do Ensino Médio, procuramos desenvolver uma análise da formação, da qualidade e do atual sentido da educação escolar da sociedade contemporânea. Estudo que se divide em três capítulos.

No primeiro capítulo procuramos, partindo de um princípio filosófico, apresentar uma reflexão com alguns questionamentos acerca do sentido da vida humana, buscando trazer presente quão complexo é ao sujeito perguntar-se por si mesmo, pela sua finalidade enquanto ser que existe no e com o mundo que o cerca. Em seguida, discutirmos a realidade atual globalizada que confunde educação com necessidades de aperfeiçoamento técnico para o mundo do trabalho. Destacamos o quanto convivemos atualmente com uma lógica de mundo que não favorece o desenvolvimento integral da pessoa humana, mas é uma lógica que está apegada ao marasmo de superficialidades que reduzem a vida em padrões de dignidade e sentido.

O segundo capítulo trata do sentido da educação escolar de nosso tempo, bem como seu verdadeiro papel

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na transformação da sociedade. A educação, antes despertada na família, na sociedade, na igreja, onde os filhos eram educados nos princípios fundamentais da vida, posteriormente chega à escola para aperfeiçoar-se juntamente com os sujeitos na busca integral do conhecimento cognitivo de seres humanos e das relações e situações. A escola enquanto espaço público, comprometeu-se na formação do ser humano para o compromisso social a partir do momento em que se faz necessária como demanda.

A educação precisa desenvolver uma visão compreensiva do universo e uma visão holística dos seres humanos, de sua natureza essencial e dos limites de suas capacidades, evocando valores, compartilhando o amor pela cidadania e a participação nos acontecimentos políticos da sociedade. É direito da sociedade o acesso à educação de qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para garantir que as mudanças gerem impacto efetivo na qualidade da educação é essencial o envolvimento da sociedade de modo intersubjetivo, comprometido, capacitando-se para pressionar a atuação do estado.

No terceiro capitulo desenvolve-se uma breve análise acerca do ato de educar, na perspectiva daquilo que a sociedade tem em termos de educação, fruto da análise de educandos e educadores da rede pública do Ensino Médio e Fundamental, do Ensino Privado e do Ensino Universitário. Dessa forma acende-se - sem pretensão de encerrar tudo, ou de concluir o assunto impondo algo – um julgar sobre a realidade da educação, o que esperamos dela e como podemos conseguir.

A construção de subsídios é o tema central do terceiro capítulo: elaborar métodos e saber colocar os quadros é uma expectativa que abordamos para que o educador entenda que o mundo não está acabado, está por construir ainda, e aquilo que almejamos dentro da educação passa, necessariamente, pela busca por alternativas construídas dentro das perspectivas e dos desafios da educação. Essa é uma situação a se refletir.

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Henriqueta Alves da Silva Marcio Luis Marangon

Rudinei da Rosa

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1 A CONDIÇÃO HUMANA

Rudinei da Rosa

O mistério da vida humana nos fascina. O ser humano ao interpelar o próprio sentido e a finalidade do enigmático cosmo que se estende infinitamente para além de suas faculdades racionais e até mesmo imaginativas, desperta em si um sentimento de silêncio, contemplação e encantamento.

Para muitos pensadores como Nietzsche (1844–1900) Pascal (1623-1662) Kierkegaard (1813–1855) e Schopenhauer (1788–1860) a atitude da reflexão aprofundada sobre o que significa realmente estar vivo desperta também uma certa sensação de medo, pois o que podemos afirmar concretamente sobre a finalidade da vida humana ou sobre o porque da sua possibilidade, e até mesmo, sobre a ausência de finalidade compreensível, acessível ao entendimento? Por isso, é urgente a necessidade, de ousarmos tecer filosoficamente a pergunta pelo sentido da nossa ação no mundo, do drama do ser em seus tormentos, mas também nas profundezas de suas raras alegrias. Não há um sofrimento inerente ao próprio fato de existir como enigma? No fim, como diz Jaspers (1883–1969), tudo não naufraga? Embora sejamos dados às possibilidades de construirmo-nos a nós mesmos, estas possibilidades acabam se exaurindo e no fim convivemos com a certeza do naufrágio: temos de morrer e este é um muro contra o qual batemos, mas não podemos modificá-lo, apenas nos resta querer entendê-lo

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com maior clareza, vivendo em nós mesmos a cada instante, vagamente inquietos e confusos.

Embora nossa vida aconteça também no campo das infinitas possibilidades, estas só se concretizam com as decisões que tomamos, e as decisões sempre englobam, inclusive, a possibilidade do inesperado, onde cada resposta se desdobra sempre em novas perguntas, e estas, como destaca Kierkegaard, não se contentam com as explicações que até agora foram apresentadas, mas insistem em perguntar:

Onde estou? O mundo, o que significa isso? O que significa esta palavra? Quem me pregou a peça de me jogar no mundo e me deixou ali? Quem sou eu? Como entrei no mundo? Porque não fui consultado? (...) A que título fiquei interessado por esta imensa empreitada que tem o nome de realidade? E porque eu teria de me interessar por ela? Não é uma questão livre? E se eu sou forçado a isto, onde está o diretor? A quem devo dirigir minha reclamação? (...) E se for necessário aceitar a vida tal qual é, não seria melhor primeiro saber como ela é? (KIERKEGAARD apud FARAGO, 2006, p. 72).

Estas perguntas tão frequentes no pensamento filosófico de diferentes épocas. Ainda constituem uma exclamação de surpresa diante do aterrador espetáculo de tantas injustiças humanas que presenciamos. muitas delas advêem do fato de encararmos o valor da existência a partir reflexões superficiais. As questões referidas, às vezes de modo preconceituoso, relegadas ao plano da loucura, passam a ser ignoradas por grande parte da sociedade aprisionada ao irrisório, útil e prático. A dimensão do mistério, do porque nossa existência se dá nesse tempo, nesta terra com este sorriso, esta lágrima, com aquilo que consideramos mais nobre e necessário

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para o nosso viver, vai sendo ignorada na maneira como cada pessoa sente/compreende sua vida. Nesta perspectiva, diz Einstein: “Se alguém não conhece esta sensação ou não pode mais experimentar espanto ou surpresa, já é um morto vivo e seus olhos se cegaram” (apud ROHDEN, 2007, p.162).

Esta atitude redutiva da pessoa humana, que compreende seu existir como necessidade de competição, de especialização prematura sob o falacioso pretexto de desenvolver-se produtivamente com competência na atual sociedade do conhecimento, a desenfreada ansiedade pelo novo a qualquer custo, a expectativa humana aprisionada pela imagem, o ruído, a propaganda e a necessidade de consumo estão nos levando ao absurdo da banalidade da vida e das suas relações.

Olhando para o espetáculo humano na atualidade, nos seus desatinos, nos perguntamos: é somente isso que nossa capacidade racional tão exaltada é capaz de oferecer e retribuir à inteligência da natureza que nos possibilitou a vida no seu aspecto único irrepetível? Será tão difícil perceber que “o homem ainda não está esgotado para as maiores possibilidades e com que frequência já se encontrou diante de misteriosas decisões e novos caminhos” (NIETZSCHE, 2008, p.130).

Por isso, nos ensina Nietzsche (2005, p.13) em Humano Demasiado Humano, ousamos dar um passo à frente, oferecer-nos à aventura de ser um espírito livre, e nos aproximar da vida, mesmo que lentamente, ainda que relutantes, um tanto desconfiados, mas capazes de novamente nos admirar, de ficar em silêncio, de sentir-nos agradecidos em nossas andanças, de sentir como foi bom não ter ficado sob o teto cômodo do marasmo da vida cotidiana, como embotados inúteis. “Estava fora de si; não há dúvida. Somente agora vê a si mesmo – e que surpresas não encontra... E como lhe agrada jazer ao sol! Quem como ele, compreende a felicidade do inverno, as manchas de sol no muro?” Precisamos compreender que a vida do homem é tarefa inaudita; talvez um estranhar-se

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no mundo, embaralhar-se com a loucura do simplesmente inexplicável, uma tentativa pelo possível, um sorriso para a inebriante tarefa de construirmo-nos com autenticidade. Não queremos com este texto simplesmente ostentar uma divagação baseada em pensadores, para fins de simples leitura. Procuramos trazer presente que estas questões tão essenciais à reflexão de quem sonha com um mundo melhor não podem ser esquecidas em prol da falaciosa retórica de que a realidade atual não comporta mais tais questões. Talvez seja por isso que a cada dia, de modo violento, acabamos nos tornando reféns da imbecilidade de tantos indivíduos de nossa própria espécie que parecem regredir a níveis preocupantes de irracionalidade a ponto de cometerem absurdos contra o valor inestimável da vida

Nestas circunstâncias, a educação que deveria ser o ponto mais abrangente da discussão e promoção integral da formação humana, sofre a tentativa de ser reduzida à tola função de fazer da pessoa humana uma máquina disponível ao uso de empresas, do mercado em expansão. Nesta perspectiva, falar sobre o enigma da vida, investigações filosóficas, das perguntas primordiais e essenciais à compreensão e elevação do sentido do existir humano e o nosso compromisso com cuidado ao ser do outro não gera lucro, antes pode constituir-se em ameaça ao próprio sistema vigente, que passa a vangloriar-se dos avanços objetivos de produção, sem perceber que, ao mesmo tempo, há uma subjetividade esquecida nas pessoas que compõem a sociedade. Não raramente explode em atos de violência, no número crescente de jovens cultuadores dos vícios e da necessidade de consumir, de se identificar a produtos confundindo-se com eles em preço e noção de dignidade.

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1.1 Educação e Neoliberalismo

A existência humana está submetida a uma condição a mais do que a dos outros animais: é preciso que se pense de tempos em tempos, saber a razão do porque existe. A educação precisa ser este processo que eleva o sujeito humano para a análise do mundo onde se encontra e o conduz para nele começar agir. Não somente agir, mas compreender a ação exercida.

Ao fazermos referência à educação no contexto atual, percebemos que esta discussão está inserida em uma realidade de grandes transformações, tendo em vista o atual processo de globalização. Torna-se regra fundamental que o saber fazer com rapidez vá se aprimorando para atingir os mais variados setores e serviços da sociedade (SANTOS, 2004). Dentro desta lógica, a grande responsável pela adaptação do sujeito às novas demandas do sistema em expansão, é a educação. Vivemos hoje tempos de mudanças significativas no mundo do trabalho, das novas tecnologias e da informação, por isso é necessário qualificar os sujeitos para atenderem com competência as novas exigências do mundo do conhecimento. A educação surge então, como grande responsável por trabalhar junto aos estudantes o aprimoramento das habilidades necessárias aos novos tempos.

Nietzsche (apud Dias, 1991), analisando os rumos da educação alemã em sua época, já alertava para o perigo de tal mentalidade. Para ele, nesta perspectiva as instituições de ensino procuravam apenas formar, tanto quanto possível, homens preparados tecnicamente para circularem livremente pelos diferentes postos de produção, identificando-se com aquilo que chamou de “moeda corrente”. Estes indivíduos seriam favorecidos por uma formação geral não muito demorada, pois a rapidez é a alma do negócio. Educados de modo a saber exatamente o que exigir da vida, a aprender a ter um preço como

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qualquer outra mercadoria, e a não possuir mais cultura do que a necessária ao interesse geral do comércio mundial. O resultado disso tudo é a democratização da mediocridade e o consequente enfraquecimento da cultura. Soma-se ainda a alienação, ou seja, a incorporação por parte dos indivíduos de relações e movimentos que anulam sua sensibilidade humana e criadora, onde a iniciativa e espontaneidade desaparecem.

Decreta-se desta forma a inutilidade do gênio, ou seja, a grande natureza contemplativa, armada para a criação eterna, com a extensão da alma, a força da imaginação e abundância das atividades do espírito. No lugar do gênio passa a ocupar espaço aquele individuo que Nietzsche (apud Dias, 1991) também chamou de filisteu da cultura, justamente pelo fato de ser um imitador, espectador da vida e do pensamento alheio, e não autor de sua vida e de seus pensamentos.

Hoje, a educação é colocada como o centro das atenções a nível internacional e centralizada na figura do professor ator do processo, responsável pela aprendizagem do aluno e pelo desenvolvimento das competências necessárias a este mesmo aluno “para ser um cidadão do século XXI”. Esta situação reflete–se na publicação de uma vasta documentação nos últimos anos no Brasil. Especificamente, é o caso das Resoluções CNE/CP 01 e CNE/CP 02/2002 que discutem e alteram o currículo e cargas horárias das licenciaturas para a formação de professores. Nas páginas iniciais do Parecer CNE/CP 9/2001, que fundamenta a Resolução CNE/CP 1/2002, encontramos argumentos que destacam os passos significativos dados pelo Brasil nas décadas de 1980 e 1990 no sentido de investir na qualidade da aprendizagem no Ensino Fundamental. No entanto, sabemos que os organismos multilaterais ,(Banco Mundial, CEPAL e UNESCO) que passaram a discutir e financiar tais políticas educacionais, (das quais provêm as Resoluções citadas) o combate ao analfabetismo e a evasão escolar insistentemente discutida por estes

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organismos, não significava propriamente ajudar na superação das reais dificuldades do terceiro mundo, mas preparar um ambiente capaz de comportar as necessidades criadas dentro dos planos de um mercado globalizado em expansão.

Para Shiroma, a partir da Conferência Mundial de Educação Para Todos ocorrida na Tailândia em 1990, no Brasil, neste mesmo período, passou-se a conviver com a ideia de que o investimento na educação nos ajudaria a “sobreviver à concorrência do mercado, manter o emprego e dominar os códigos da modernidade” (Shiroma 2004 p.56). Esses códigos são definidos pelo documento da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) de 1990, como conjunto de conhecimentos necessários para desenvolver-se produtivamente na sociedade moderna, onde os resultados esperados para o mercado de trabalho e para o desempenho da cidadania tendem a convergir. Por outro lado, as políticas educacionais definidas pelo Banco Mundial e impostas ao Brasil passaram a sustentar a ideia de que, investir na educação, combater o analfabetismo e a evasão escolar,

tem um papel decisivo no crescimento econômico (...) ajuda a reduzir a pobreza aumentando a produtividade dos pobres (...) e forma trabalhadores adaptáveis capazes de adquirir novos conhecimentos sem dificuldades, atendendo a demanda da economia (SHIROMA, 2004, p.74).

Falar em competências neste cenário tornou-se a principal bandeira dos discursos em defesa da educação. Mas ao acentuar a competência como nuclear na orientação do curso para a formação de professores, (artigo 3 da resolução CNE/CP 01/2002) as diretrizes passam também a atender a sua construção assegurando

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a empregabilidade tanto do professor quanto dos alunos. Daí indicar que todo conteúdo de ensino deve estar radicado na praticidade, no ensinar o que é imediatamente significativo aplicável e útil para formar o sujeito produtivo (Idem, p. 99).

A característica de educação centrada nos (des) valores do neoliberalismo, quando aplicada e incorporada pelos sistemas de ensino como única necessária à formação da pessoa humana, desencadeia em seus processos, segundo, Demo (2001) a maior indignidade humana, ou seja, a ignorância produzida a partir dos princípios neoliberais de organização social. Produz uma realidade que destrói a condição de sermos sujeitos políticos de relação e acolhida, convive-se com uma mentalidade redutiva de que enquanto humanos somos indivíduos competitivos por excelência. Instaura-se a culpabilização da vítima, que não consegue “um lugar ao sol”, pois não soube ser competitiva, em vez de perceber o mercado como sendo excludente, onde não há lugar para todos.

Nesta perspectiva de organização social voltada à praticidade, utilidade e objetividade, da mesma maneira que se descartam objetos, acaba-se descartando pessoas que passam a fazer parte de todo um contingente de excluídos, não aceitos como necessários. Na existência de mecanismos que alimentem processos de exclusão, há desrespeito com a dignidade humana. Vigorando esta máxima não há humanização nos processos sociais, pois em aceitar o outro consistem os princípios reveladores das atitudes que asseguram nosso verdadeiro espírito e condição humana.

Ao pensarmos sobre as políticas educacionais vemo-nos neste dilema: de um lado sabemos da importância da valorização dos processos que trabalham nossa condição humana de sujeito coletivo, biologicamente “chamado” a ser humano-social pelos

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mecanismos de aceitação e convivência harmônica com aqueles que se fazem presentes ao nosso lado. Por outro, vivemos sob pressão de toda uma estrutura política, hoje globalizada, que procura desenvolver uma mentalidade em que o sujeito é chamado a se desenvolver em uma outra perspectiva, qual seja, a instância competitiva, técnica e produtiva. Esta visão de realidade vem se desenvolvendo dentro do processo histórico que procura justificar a “velha” mentalidade em nome do progresso. Não há como a ela se opor, por traduzir-se na única realidade possível. Assim a educação, é vista, pelos organismos multilaterais, como um dos meios fundamentais para que tecnicamente o mundo globalizado atinja seus objetivos, ou seja, a transformação dos seres humanos em meros robôs artificiais competidores e produtores com velocidade, e não como ser de relações políticas, que busca a compreensão da dimensão do mistério de suas vidas para transforma-la e vivê-la com autenticidade.

Cada vez que falamos sobre neoliberalismo, remontamo-nos a Shiroma, que nos apresenta o governo Thatcher na Inglaterra (1979-1990), como exemplo prático da política neoliberal, cujos anos de governo efetivaram a desregulamentação, privatização, flexibilização, repressão sindical e a criação do estado mínimo. Trata-se de uma espécie de pragmatismo que se manifesta impondo um certo

[...] realismo político, que desqualifica „velhos‟ ideais e valores (socialistas ou progressistas) dados como utopias, incapazes de levar em conta a dura e crua realidade da vida econômica marcada pela concorrência, força de mercado e desemprego estrutural (2004, p. 54).

Forma-se uma espécie de consenso sobre a inutilidade de se opor às mudanças, ao econômico definindo as políticas educacionais, ou seja, o senso

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comum rende-se finalmente à dura e incontornável facticidade da economia. Dissiminou-se a ideia de que para sobreviver a esta concorrência da livre iniciativa de mercado, para conseguir ou manter um emprego, seria preciso dominar os códigos da modernidade, ou seja, “o conjunto de conhecimentos e destrezas necessários para participar da vida pública e desenvolver-se produtivamente na sociedade moderna” (SHIROMA, 2004, p. 64).

Nesta perspectiva, vasta documentação internacional, publicada por importantes organismos multilaterais propagou este ideário educacional com propostas, análises e soluções consideradas cabíveis aos países com altos índices de analfabetismo e evasão escolar, mas que impediam as pessoas de se inserirem produtivamente na sociedade tecnológica, na “dura e incontornável facticidade da economia”. Esta documentação vem a exercer importante papel na definição das políticas educacionais de formação de professores para estes países.

A Conferência Mundial De educação Para Todos, ocorrida em Jomtien na Tailândia em 1990, financiada pela UNESCO, UNICEF, PNDU e Banco Mundial, foi um dos grandes eventos cujas discussões/decisões favoreceram que idéias neoliberais de educação fossem encontrando espaço no interior dos países subdesenvolvidos, sendo que a todos os países em diferentes estágios de desenvolvimento foi aplicado o mesmo receituário. É a partir desta Conferência que os nove países com o maior índice de analfabetismo e evasão escolar do mundo, (Brasil, Blangadesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão) se comprometeram a impulsionar políticas internas priorizando uma educação de qualidade capaz da redução dos índices de evasão escolar e analfabetismo, bem como impulsionar crescentemente dentro de seus territórios a promoção de políticas de apoio à educação no âmbito econômico, social e cultural; fazer a mobilização de recursos financeiros, públicos, privados e voluntários para investimento na

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educação, seguindo as propostas da Conferência, de que investir na educação é um método vantajoso para se assegurar a paz mundial, e diminuir as disparidades econômicas entre as nações.

Procurando suprir as deficiências internas de recursos, (SHIROMA, 2004) e para obter os resultados exigidos pela Conferência de Jomtien, muitos desses países abriram suas portas a investimentos estrangeiros, ou seja, foram buscar recursos junto aos organismos multilaterais, sobressaindo-se, o Banco Mundial, que se tornou grande financiador de projetos educacionais para estes países. Abraçando tais investimentos, estas passaram a legitimar, internamente, um modelo político pautado na dimensão neoliberal de mercado em que a Educação passa a ser medida e conduzida segundo esta lógica: a de preparar e qualificar indivíduos para serem aliciados nas fileiras de produção.

Disfarçando “humanismos”, fazendo altos investimentos, os organismos multilaterais procuram também oportunidades de interferir na política interna dos países do mesmo modo que buscam qualificar mão-de-obra técnica para servir na produção e crescimento do lucro privado de empresas multinacionais a eles ligadas. Educando segundo os seus planos, as escolas reduzem a perspectiva do aluno a apenas indivíduo que sabe fazer bem e com rapidez para atuar nos postos de produção das grandes empresas. O papel do professor na escola passa a ser, exatamente, o de qualificar o aluno enquanto instrumento que servirá ao mercado de trabalho, e não como sujeito que entendendo a vida na radicalidade de suas relações se faz criativo e histórico. Atendendo as demandas deste cenário:

Capacitação de professores foi traduzida como profissionalização; participação da sociedade civil como articulação com empresários e ONGS; descentralização como desconcentração da responsabilidade

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do estado; autonomia como liberdade de captação de recursos; igualdade como equidade; cidadania crítica como cidadania produtiva; formação do cidadão como atendimento ao cliente; a melhoria da qualidade como adequação ao mercado e, finalmente, o aluno foi transformado em consumidor (SHIROMA, 2004, p. 52).

Temos hoje, na função da escola definida pelas políticas educacionais e documentos publicados, neste estágio de acumulação e fabricação de riquezas, a estratégia de fabricar “ninguéns”. Ninguéns, que segundo Alves (2002), são necessários para a manutenção da “nova ordem internacional que aprofunda a exclusão no trabalho, na escola e na cidadania”. Ao professor é então delegada esta nova tarefa de treinar o aluno para o pleno desenvolvimento da sua capacidade de produzir e trocar, sendo reprodutor de processos que também o mecanizam em relações e sentimentos. O sujeito passa a ser medido pelo

Fragmento, pelo individual e específico, como manifestação de uma relação singular da sua capacidade de produzir e trocar. [...] no processo de autovalorização do capital, o sujeito aparece como algo a ser mudado, trabalhado para adquirir a força efêmera do ser coisificado, cuja escolha, cuja consciência é mediatizada pelo trabalho estranhado (MONFREDINI, 2005, p.56).

Frente a este cenário, o resultado é lógico: no momento em que as relações de mercado se tornam prioritárias, já não existe mais o espaço para o confronto de idéias. Como diz Covre (2006) espaços para a construção da cidadania que também provêm de confrontos de idéias da ação conjunta da população, e estão muito além da noção de um pragmatismo técnico

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das relações de mercado e submissão a uma realidade que procura manter-se extática. No dizer de Freire (1983), trata-se de uma realidade que vai provocando também a perda da capacidade de indignação e da raiva, de buscar viver o sonho por um mundo menos feio, onde as desigualdades diminuam, o sonho sem cuja realização a democracia da qual tanto falamos, sobretudo hoje, é uma farsa.

Outro ponto a ser destacado é que a estratégia neoliberal no momento em que faz a redefinição da educação, agora na lógica do mercado, a situa num contexto em que ela vai deixando de ser vista como uma instituição política e um espaço público de discussão para tornar-se um bem de consumo. Das escolas exige-se que tenham como referência a organização empresarial “que possibilite a competição entre elas e permita que elas atinjam uma posição privilegiada no mercado de serviços escolares, podendo, assim, atrair alunos/clientes, enviados por pais/consumidores” (CORSETTI apud LENSKIJ, 2000, p. 13).

1.2 Universidade e compromisso social: uma extensão necessária.

É diante desta estratégia neoliberal direcionada por medidas reducionistas para o ato de educar, que olhamos para a universidade enquanto lócus da formação para a cidadania e compromisso social. Vemo-la como instituição que tem o grande desafio de pautar-se pela resistência ao tecnicismo proposto, ao ideal capitalista que busca formar um professor competente a partir do que se mostra imediato, útil e prático, reduzindo-se somente a cidadão produtivo. Enquanto instituição de compromisso e responsabilidade social, a universidade precisa estar atenta a radicalidade que comporta a vida nas suas relações naturais e sociais. Para isso seu dever é abrir espaço à criatividade e invenção de novos processos bem

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como a pesquisa, para que além de habilitar seus estudantes para atuar no mercado de trabalho, forme-os também para serem influenciadores na construção de uma nova realidade social local. Procure, enquanto instituição, perceber até que ponto, e em que medida, o seu trabalho, o seu conhecimento produzido, refletido a partir de sua política institucional, está ou não aprofundando a disseminação e construção de mecanismos conservadores e alimentadores dos processos de desumanização.

Ressaltamos com Demo (2001) que a postura dos organismos multilaterais de ver o investimento na educação como fundamental representa grande avanço, mesmo levando-se em conta a postura neoliberal que mantém, porque reconhecem que um dos papéis mais substanciais da educação é suplantar a ignorância do excluído, “já que excluído sem oportunidade é aquele que sequer consegue saber que é coibido de saber que é excluído. Em decorrência espera-se a solução dos outros, como massa de manobra, deixando de constituir sujeito capaz da história própria” (DEMO, 2001, p. 15). No entanto sabemos que esta não é a preocupação dos organismos financiadores de projetos educacionais. É em função desta ignorância produzida que eles tornam as pessoas massa de manobra, e atingem seus maiores objetivos: elevam a produção em virtude da mão-de-obra barata e consequentemente o aumento do lucro privado.

Se a universidade, na sua construção de conhecimento na formação docente, não construir junto a seus acadêmicos a formação de uma nova realidade que transcenda estes determinismos estáticos do mercado globalizado excludente, que perspectivas de futuro podemos ter? Se esta realidade prevalecer, até quando ainda será mantida a verdadeira essência humana que perpassa, como já destacado neste texto, as relações de acolhida e aceitação do outro que precisamos manter numa relação de reciprocidade e não de competitividade?

Precisamos conceber a história como construção permeada pelas limitações e capacidades humanas que a

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vitaliza, cria novas alternativas ou simplesmente aceita toda esta realidade com suas deficiências legitimadas em um poder que quase tudo controla pela força monopolizadora de meios e dados. O posicionamento da universidade na formação das futuras gerações, dentre elas a geração do professor, deve ser o posicionamento de quem não aceita realidades que fomentam a alienação, mas que apontem caminhos para a possibilidade de uma nova história. Para isso é necessário e urgente fazer a união e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos atinge: a negação de nós mesmos como seres humanos submetidos à “frieza” do mercado. Antes de formar técnicos numa resposta imediata às legislações que se impõem em conjunto com as necessidades de mercado, a universidade precisa ser coerente o bastante, frente à responsabilidade que tem. Precisa perceber-se em sua função e compromisso social como instituição que tem em pauta a missão de humanizar processos na construção integral da pessoa humana pelo conhecimento que produz, e não se reduzir a instrumento favorável a expansão da lógica mercantilista excludente. Pela representatividade social que possui, deve formar, antes de tudo, homens capazes de recusar os fatalismos, como dizia Freire, de preferir a rebeldia que “nos confirma como gente e que jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanismos que o minimizam” (2005, p.115).

1.3 Indicando caminhos de reflexão: a filosofia como um caminho a ser buscado

Procuramos refletir neste texto primeiramente a complexidade em que nos envolvemos quando “arriscamos” aprofundar o questionamento sobre o fundamento e o sentido do existir humano, do ser pessoa

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humana, procedendo com coragem suficiente para procurar investigar os porquês de sua origem e até mesmo sobre como proceder no seu relacionamento com o mundo na tarefa de conhecer e construir-se a si próprio com autenticidade. Não sendo apenas mero repetidor de normas e padrões que aprisionam a criatividade e liberdade de espírito. Percebemos também a importância que o ato de educar adquire na formação integral do ser humano quando possibilita que este sujeito desperte para a investigação de si próprio e do mundo que o cerca, (CASSOL, 2008) não somente agindo sobre a história, mas, entendendo sua ação exercida e buscando de modo criativo novas alternativas. No entanto percebemos que a preocupação da atual sociedade com relação ao ato de educar não contempla tais dimensões como prioridade. Estamos reduzindo educação às necessidades de mercado, aluno como cliente, professor não como mestre que ensina para a vida, mas instrumento que molda habilidades em inocências infantis encaminhadas para o mundo do trabalho segundo as necessidades de cada setor produtivo. Quando confrontamos esta fria e não humana realidade a que estão sendo submetidas gerações de modo sucessivo com o enigma da vida na sua dimensão filosófica, percebemos o quanto a humanidade, em grande parte, vive o superficial. São milhões que nascem, crescem... será que morrem? Talvez nem tenham chegado realmente a sentirem-se vivos. E nós, em que dimensão da realidade queremos viver e construir para aqueles que nos sucederão? Queremos olhar o mundo com os olhos da vida, no seu processo inaudito, ou deixar que o mundo limite a visão do sentido de existir com olhos mecânicos da técnica e um coração que pulsa pelo irrisório ao invés do sentimento de plenitude?

Por isso, como nos dizia Eduardo Prado de Mendonça (1996) “O mundo precisa de filosofia”. Pois o homem na medida em que se descobre existindo vai perguntando-se pelo sentido do mundo e da sua própria

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vida, não somente perguntando, mas querendo saber os motivos deste perguntar, é um homem que se faz investigativo e cujas respostas o desafiam a deslocar-se do superficial, do sensível para as profundezas do seu ser. No dizer de Heidegger em Os pensadores (1984), temos a filosofia como uma tarefa infinita. É ela que possibilita ao homem este questionar, perceber o constante devir a que está submetido e a perenidade de sua investigação que está sempre como que, começando. A cada resposta encontrada surge uma nova pergunta. Continuar investigando não é somente uma questão de dever, mas de seguimento a um propósito maior: fazer do viver uma situação autêntica, desvelando o ininteligível, sabendo que a cada momento precisamos nascer para nós mesmos, nos descobrirmos lançados à existência. Neste sentido o pensamento de Heidegger vem para nos apontar um caminho: o caminho da filosofia que se faz no diálogo de transformação que é possível manter com a tradição e a necessidade de continuarmos inovando e discutindo novos princípios filosóficos. Cabe-nos perscrutar o pensamento tal como existe até agora para decifrar nele o que contém de impensado, a fim de descobrir o lugar da verdade do ser enquanto lugar onde construir e morar no futuro.

Referências

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2 EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: O ATUAL SENTIDO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR

Henriqueta Alves da Silva

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática (Freire).

A escola pública, no decorrer do tempo, foi sendo cerceada do seu verdadeiro papel na transformação da sociedade. A educação, que antes era despertada na família, na igreja, na sociedade, com seus filhos educados nos princípios fundamentais da vida, posteriormente, com a escola, se dirigiu ao aperfeiçoamento, buscando o integral conhecimento cognitivo do ser humano. A escola pública, de modo especial, comprometeu-se na formação do ser para o compromisso social.

A partir da época moderna a educação passou a ser formadora do homem-mercado, força de trabalho, além de desenvolver o conhecimento que auxiliaria no processo integral do ser humano. O homem nesse sentido deveria saber fazer e saber pensar. À educação foi creditada uma ideia redentora da sociedade. Com o passar do tempo a família, a escola e os próprios governos visualizaram uma falha nesta crença superficial, na qual o processo formador do conhecimento era um espaço privilegiado socialmente. A tecnologia surgiu com outros parâmetros, mais rápidos, muitas vezes inquestionáveis, na configuração para o aprendizado como mão-de-obra para o sistema neoliberal, pois faculta certo tipo de saber que não contribui para o verdadeiro conhecimento, no qual deveria ser valor inalienável ao ser humano.

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A educação vista a partir dessa perspectiva não se limita ao processo escolar ou ao currículo tradicional, ou ainda às metodologias das escolas. A educação, como a aprendizagem, é um processo que dura toda uma vida e que pode ocorrer numa infinita variedade de circunstâncias e contextos.

A educação renascentista, por exemplo, visava à formação do homem burguês. Os educadores renascentistas defendiam uma educação individualizada, o auto governo do aluno e a competição. A educação Iluminista tornou-se obrigatória; assim, com a Revolução Industrial, nasceu a escola pública. No decorrer do século XIX, conteúdo e método de ensino fizeram parte do intenso debate sobre a questão política da educação popular e os meios para efetivá-la, e dentre eles, a melhor organização pedagógica para a escola primária.

Em toda parte, difundiu-se a crença no poder da escola como fator de progresso, modernização e mudança social. A ideia de uma escola nova para a formação do homem novo articulou-se com as exigências do desenvolvimento industrial e o processo de urbanização. A principal característica da educação no século XX foi a massificação do acesso à educação básica, perda do prestígio do professor e sucateamento das escolas.

Mas o que verdadeiramente representa o termo educação de qualidade hoje, numa sociedade capitalista onde a ciência e a educação servem aos interesses do mercado? A educação de hoje em algum momento remete a Paidéia? Paidéia não tem um significado concreto, é o resultado do processo educativo que se prolonga por toda a vida. Vai muito além dos anos escolares; é o ideal da formação humana como um todo, é cultura. Desde a história ocidental da educação na Grécia, a educação vem mudando de sentido ao longo do tempo. Para os gregos representava a felicidade; para os medievais, a salvação da alma e para os modernos, a garantia de empregabilidade e renda. O termo educação de qualidade

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nos dias de hoje remete a uma concepção utilitária e limitada de formação humana.

Considera-se “inteligente ou educada” aquela pessoa que parece esperta, astuta, que faz o bom uso da retórica, persuadindo as pessoas para a compra e consequentemente com isto o lucro. Já não se considera o ser enquanto essência, mas apenas o ter, aquilo que a pessoa porta e que tem utilidade para si e a sociedade. Por exemplo, se uma pessoa está bem vestida para assistir uma peça de teatro ela é recebida sem nenhum problema, mas se esta mesma pessoa não estiver com vestimentas adequadas para a ocasião, ela é excluída do evento mesmo estando com os ingressos garantidos.

Com este exemplo percebe-se que estamos numa sociedade pobre intelectualmente, preconceituosa e fútil. Parece tudo ser reduzido às aparências, sem o mínimo de consideração pela essência humana. “O homem atual parece não acreditar mais numa Razão fundadora capaz de proporcionar-lhe uma base sólida permitindo-lhe formular uma visão da realidade, de si mesmo, de seus comportamentos e de seus valores” (JAPIASSU, p. 13, 1997).

A educação atual prepara para a competitividade. O Estado, em vez de se preocupar com o bem estar da sociedade, preocupa-se com o bem estar do mercado. O governo, que tanto fala em educação de qualidade, percebe-se que o grau de interferência é bem menor. Porém, o que se vê é uma educação excludente e desnecessária, que em vez de se preocupar com o verdadeiro conhecimento e aperfeiçoamento dos educandos, remete-se a provas para verificar o índice de qualidade da educação, como por exemplo: Provinha Brasil, SAERS, ENEM, PCNs, etc. que não contribuem efetivamente para uma educação qualitativa.

Onde está a educação que privilegia o ser humano a realizar e desenvolver suas potencialidades físicas, morais e intelectuais? Como poderemos chegar a almejada qualidade, esperada pelos educadores mais

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conscientes e preocupados com uma educação que privilegie tanto a formação humana como a vinculação ao mundo do trabalho?

Ao nos referirmos à questão da educação como vinculada ao mercado de trabalho não queremos excluir essa hipótese por inteiro. A educação deve e precisa estar vinculada ao trabalho, mas não reduzi-la especificamente, pois precisa ser mais humanizada tendendo ao bem coletivo da humanidade. O ensino não pode ser reduzido a um simples processo de treinamento, um aprendizado que se exaure precocemente.

De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases, Artigo 1, inciso 2, lei 9394/96) “o Ensino Médio como parte da educação, deverá vincular-se ao mundo do trabalho e a prática social”.

O desafio da educação, diante disso, é buscar um espaço onde o conhecimento e as experiências pedagógicas conduzam o aluno a ir além do ser objeto de mercado e consumo, para ser sujeito histórico, múltiplo e criativo.

Não há uma única forma de ensinar. Ninguém escapa da educação, em casa, na rua ou na escola. Todos estão sempre aprendendo. A escola não é o único lugar no qual a educação acontece e talvez nem seja o melhor. O ensino escolar, não é a única prática educacional e o professor não é o único praticante.

A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e ali, sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz fora, que sua missão é transformar sujeitos e mundos em que se tem de uns e outros. Na prática, a mesma educação que ensina pode imbecilizar e pode correr o risco de fazer o contrário do que se pensa, ou do que inventa que pode fazer. Segundo Werner Jaeger,

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A natureza dos homens, na sua dupla estrutura corpórea, cria condições especiais para a manutenção e transmissão porém sua forma particular exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais damos o nome de educação [...]. É nela, porém, que essa força atinge o seu mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente do conhecimento e da vontade dirigido para a consecução de um fim (BRANDÃO, 1981, p.14).

Mas o que é educação? É o mesmo que escolaridade? É o completar um determinado curso acadêmico? É um conjunto de comportamentos e atitudes socialmente aceitáveis? Refere-se somente à educação escolar? É tudo o que a vida nos ensina? São nossas aprendizagens? E o que é aprendizagem?

Difícil chegar a um consenso sobre definição, quando nos referimos que é um processo que produz a capacidade de apresentar um novo comportamento ou uma nova forma de ver o mundo. Logo, vemos que a aprendizagem não se limita ao processo educacional. Porém, ela está diretamente ligada ao termo “educação”.

A Enciclopédia Brasileira de Moral e Civismo, editada pelo Ministério de Educação e Cultura, define,

Educação. Do latim educere, que significa extrair, tirar, desenvolver. Consiste, essencialmente na formação do homem de caráter. A educação é um processo vital, para o qual ocorrem forças naturais e espirituais, conjugadas pela ação consciente do educador e pela vontade livre do educando. Não pode, pois, ser confundida com o simples desenvolvimento ou crescimento dos seres vivos, nem com a mera adaptação do indivíduo ao meio. É a atividade criadora, que visa levar o ser humano a realizar as suas potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais. Não

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se reduz a preparação para fins exclusivamente utilitários, como uma profissão, nem para o desenvolvimento de características parciais da personalidade, como um dom artístico, mas abrange o homem integral, em todos os aspectos de seu corpo e de sua alma, ou seja, em toda a extensão de sua vida sensível, espiritual, intelectual, moral, individual, doméstica e social, para elevá-la, regula-la e aperfeiçoá-la. É processo contínuo, que começa nas origens do ser humano e se estende até a morte (apud BRANDÃO, 1981, p. 63).

A cultura escolar atual tem uma visão excessivamente mecânica do resultado da escola que levou a superestimar a abordagem processo-produto. O processo-produto condiz com um ensino-aprendizagem que passou a ser avaliado como qualquer processo de produção. A preocupação do ensino é apenas mecânica e não humanizada. Essa cultura impõe à individualidade legitima condutas, currículos, avaliações, disciplinas tornando-os mero processo de exclusão dos indivíduos.

A educação é um dos meios que potencializam a humanização. É entendida como uma efetivação das meditações histórico-sociais do modo humano de existir, um espaço político para a formação de conhecimentos que contribuem para a formação pessoal, formando cidadãos éticos e conscientes. É a partir da educação que um cidadão pode discernir o que é certo ou errado, pois ela possibilita clareza para agir de maneira ética, respeitando a liberdade do outro e reconhecendo os valores da comunidade. A educação é a uma das melhores alternativas para a renúncia deste modelo capitalista de sociedade no qual vivemos e pode trazer novas formas de pensar a partir de uma sociedade mais justa onde os direitos fundamentais sejam conquistas efetivas.

Vivemos um momento de profundas transformações. Não se sabe ao certo para onde se

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caminha e nem qual o caminho a trilhar. A sociedade atual encontra-se em profunda crise. Nela somos remetidos a repensar nossos valores e atitudes. Segundo Gadotti (1998), faz-se mister que o professor se assuma enquanto um profissional do humano, social e político, tomando partido e não sendo omisso, neutro, mas sim definindo para si de qual lado está. Como diz Freire, ou se está a favor dos oprimidos ou contra eles. “Minha posição tem que ser a de respeito à pessoa que queira mudar ou que recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe minha postura, mas não posso desconhecer o seu direito de rejeitá-la” (FREIRE, 2004, p. 79).

Não se pode esperar que a organização coletiva brote espontaneamente, mas, por meio da educação, pode caminhar lado a lado com a prática política do povo. Sendo assim, o profissional da educação sempre assume aqui papel político. Educadores e educadoras precisam engajar-se social e politicamente, percebendo as possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas opressivas da sociedade neoliberal. Para isso, antes de tudo necessitam conhecer a sociedade em que atuam e o nível social, econômico e cultural de seus alunos e alunas.

Os educadores e educadoras não podem se colocar na posição de seres superiores, que ensinam um grupo de ignorantes, mas na posição humilde daqueles que comunicam um saber relativo a outros que possuem saberes diferentes e relativos. Como educadores engajados em um processo de transformação social, necessita-se que esses profissionais acreditem na educação, como uma das possibilidades de transformar a sociedade onde estão inseridos, e acreditem que sem ela nenhuma transformação profunda se realizará. O atual sentido da educação precisa ser levado a sério com compromisso social, sabedoria criativa e humildade.

A educação precisa desenvolver uma visão compreensiva do universo e uma visão holística dos seres humanos de sua natureza essencial e dos limites de suas

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capacidades, a fim de compreender o mundo em sua volta. A educação precisa exercitar nossa consciência crítica como forma de reflexão ética e política: evocando valores, compartilhando o amor pela cidadania e a participação dos acontecimentos políticos da sociedade.

A função que a educação precisa assumir nos dias de hoje é aquela voltada para a construção da cidadania. O ideal da educação, em certo tempo, foi educar o homem para a civilização, mas com a mudança de pensamento e com a moderna transformação da sociedade, a educação passou a ter o objetivo de instaurar e consolidar a condição da cidadania como plena qualidade da existência humana.

Cabe à educação investir num processo contínuo e simultâneo, denunciar o ilegítimo dos sistemas sociais e anunciar formas solidárias de ação histórica, buscando contribuir para a construção de uma humanidade renovada.

2.1 Formação e compromisso social dos professores: uma preocupação necessária

Quando falamos ou escrevemos sobre formação, logo vem à mente aquela formação específica que recebemos durante nossa vida escolar. Realmente não estamos longe, mas ao pensarmos mais profundamente percebemos que formação é muito mais do que receber certa quantidade de conhecimentos e transmitir aos alunos. A educação precisa transformar a realidade e os sujeitos. O próprio sentido de formação é dar forma a alguma coisa, é ação, processo ou efeito de formar; constituição, organização.

A prática educativa não se resume em transmitir informação, mas facilitar e provocar o desenvolvimento autônomo dos indivíduos, de sua capacidade de pensar, sentir e atuar, mediante um processo de reconstrução reflexiva e deliberativa das aquisições prévias, à luz das

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informações e das experiências atuais. A intervenção pedagógica satisfatória se encontra inevitalvelmente debruçada sobre a incerteza e a surpresa da criação individual e coletiva. Pensando nisso, questionamos: será que os professores estão fazendo jus à formação que receberam e, a partir desta, estão conseguindo transformar ou contribuir para a realidade social?

A educação universitária precisa pensar a qualidade do ensino dos futuros professores, e se inteirar num sistema de valores de princípios morais que uma sociedade necessita para sua interação com os outros. Ao professor cabe fazer de sua formação um alicerce que fundamente uma ação emancipadora, filosófica com compromisso e relevância, pois é a partir daquilo que ele é e faz que a sociedade também se espelha para suas realizações em comunidade. No processo de conhecer o homem, entendê-lo e ensinar, a educação precisa compreender o ser humano em sua origem, relações e manifestações.

Sabe-se que a educação foi tida, durante longo período na história brasileira e ainda se mantém para alguns, como “a redentora da sociedade”, e a escola como espaço sagrado para essa função. Com o passar do tempo visualizamos a falha dessa crença superficial por que conseguiram em parte compreender a interferência de outros elementos e influências que contribuem decisivamente para a formação do ser humano e que não pertencem à escola. Como fatores, econômicos, políticos, sociais, culturais e religiosos, sendo assim, a educação não depende exclusivamente da escola, mas de um conjunto de fatores. Para isso, nota-se que o professor foi sendo desvalorizado e junto com ele a educação formal. Parece que os meios de comunicação como a internet, tv e entre outros conquistaram mais espaços, ultrapassando qualquer outro acesso à educação, como a escola, a comunidade e a própria família.

A impotência tomou conta dos professores, provocou um desencantamento em cada educador que se

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viu desprotegido pelo Estado e pela sociedade, inclusive responsabilizado por grandes crises, como o elevado gasto com pessoal, a ineficiência do sistema educacional, reprovações, evasões de alunos e baixos índices em avaliações. A teoria de burnout, conhecida como a síndrome da desistência, está implícita nas condições de trabalho dos professores, o desencanto vai apoderando-se de sua ação e levando-os a reconhecer que qualquer esforço é inútil. O burnout “é uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com os outros seres humanos, particularmente quando estes estão ocupados ou com problemas” (GENTILI; ALENCAR, 2001, p. 19).

Cabe agora perguntar: O que é educação? Qual seu verdadeiro sentido? O que ela procura ensinar? Essas interrogações nos têm pertubado.

Envolvidos em trabalho de pesquisa em educação na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões tendo um contato maior com as escolas estaduais da Região do Médio Alto Uruguai, defrontamo-nos com a realidade da educação e dos professores das escolas públicas da rede estadual de nossa região. O que foi constatado em momento algum se distancia das pesquisas e produções elaboradas até então, por renomados educadores como Pedro Demo, Moacir Gadotti, Paulo Freire, Castoriadis, etc.

Ao longo dos tempos da história educacional do Rio Grande do Sul, não difere do que ocorre no Brasil como um todo, são perceptíveis desgostos com o ensino. Muitos são os fatores, mas, entre eles é preciso discutir a superficialidade e facilidade com que os governos alteram as políticas ou orientações, a cada gestão, para a educação. As orientações para o ensino brasileiro e gaúcho têm vindo em pacotes diretamente do primeiro mundo, recheando pedidos de empréstimos e/ou financiamentos. Assim como os professores, a sociedade foi "escanteada" da possibilidade de opinião. Fruto das ideologias contidas nas compreensões de como se deve

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fazer educação, a imposição de métodos, procedimentos e instrumentos apagaram o esforço dos professores, minimizou seu potencial e o forçou a apenas copiar manuais ao invés de produzí-los.

A acomodação que o professor da rede estadual de educação do Rio Grande do Sul sofre hoje foi promovida pelo próprio sistema que se encarregou, também por influência dos países capitalistas centrais, de disseminar a necessidade de "experts" para elaborar planos e pensar os conteúdos que são próprios e específicos para cada faixa etária, para cada série, para cada realidade (FRIGOTTO, 1995). Com isso, foi retirada violentamente dos professores e da comunidade escolar a capacidade de pensar, de produzir e, consequentemente, de ver o contexto, a realidade e si próprios como integrantes dessa sociedade. A retração social, perceptível com os professores da rede, tem sido consequência das políticas adotadas pelo sistema de ensino que os empurrou para uma condição de não capacitados para produzir conhecimento.

Há uma "vergonha" moral e social que impede a ação social dos professores. O próprio Estado mantém acesa essa idéia porque lhe interessa a divulgação do emburrecimento do professor. Principalmente ao se fazer a associação com a retração dos sindicatos a partir dos anos 80, coincidentemente, contemporânea da saída de cena dos educadores da ação social. Professor acomodado é professor que não pensa e, por isso, não incomoda. Porém, como diz Freire (1999), a educação se processa muito mais pelo exemplo do que pelas palavras. Nesse sentido a grande lição que os professores estão conferindo aos seus alunos, hoje, é a da retração, do deixar que haja alguém que sabe e pode fazer pela população. Quanto mais as pessoas se envolverem na política, mais problemas terá o Estado.

Outro problema que atinge diretamente os docentes é a insuficiência de sua formação universitária para se comportar diante das informações geradas, com mais

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dinamismo, pelas mídias contemporâneas. O aviltamento salarial do magistério não é somente um salário baixo, insuficiente para viagens, aquisição de livros, de uma roupa melhor ou de opções de lazer. Representa, como diz Marx (2001), a expropriação de sua dignidade, o aniquilamento de sua capacidade de produção e a exploração de seu potencial. Imediatamente, esse quadro reflete na sua ação e resulta na queda da qualidade de seu trabalho. É questão lógica: não havendo qualidade sócio-humana do sujeito, não há qualificação no seu trabalho. Talvez o sistema capitalista tenha compreendido sobremaneira essa arquitetura e aniquila a formação das consciências populares, mantendo a vegetabilidade do professor.

Mais do que ninguém, os próprios professores precisam compreender esses caminhos impetuosos e, ao promoverem a sua libertação, libertarem, com eles, a sociedade. O espaço sagrado da formação da consciência foi vilipendiado e as relações dele decorrentes sucumbiram, com a mesma intensidade.

O grande desafio dos professores da rede estadual de educação do Rio Grande do Sul na região do Médio Alto Uruguai tem sido despertar a compreensão do lugar que lhe é reservado ao professor na atualidade, não por ação externa, mas a partir dele próprio. O professor não pode ser culpado pelo estágio de deseducação em que se encontra a sociedade. Deseducação é ocorrência sempre visível quando há retração sócio-política. Foi roubada dos educadores a possibilidade de fazer educação. Como, então, cobrar ação do professor, se lhe retiraram as ferramentas? Contudo, ao ver-se de mãos vazias, os professores foram íntimos e preferiram avalizar as formas neoliberais de educação e deixaram-se instrumentalizar por tecnologias de repasse de conteúdos, assimilação e treinamento.

Nessas dimensões não é exigido pensar, apenas habilidade física, motora. Sozinho o professor não consegue impedir o avanço da técnica e sucumbiu

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juntamente com toda sociedade. Viu-se de mãos e salas vazias de ávidos sujeitos pelo conhecimento. De um momento para outro deparou-se com cidadãos e cidadãs preocupados em desenvolver projetos já pensados. Sua validade histórica enquanto formador lhe foi retirada violentamente. Tudo a sua volta passou a ter mais significado, ser mais relevante do que o seu ensinar. Há, então, uma interiorização do professor de sua insuficiência diante da onda crescente de tecnificação e isso tem provocado a sua retração social.

As dificuldades para o desenvolvimento do projeto se assemelham àquelas que os professores têm de se perceberem como “inocentes úteis” do sistema neoliberal. O barco já vai avançado no oceano lúgubre, como diria Castro Alves (in Espumas Flutuantes) embalado pelas ondas da acomodação, da omissão sócio-política, bem ao gosto do vento indo do norte. Porém, aí se estabelece o grande desafio dos professores em, sem a pretensão de tornarem-se o farol costeiro, construir a solidariedade necessária para os tripulantes conseguirem ver o nevoeiro, o mar e uns aos outros.

As visitas desenvolvidas dentro do cronograma do Projeto trabalhado nas escolas despertaram, num primeiro momento, assombro; logo após, estudo e compreensão de que o problema da retração social dos professores é preocupante e precisa ser trabalhado na Universidade, nas Escolas, Sindicatos, Partidos Políticos e Movimentos Sociais. Não no sentido de consolidar a educação como a única força capaz de promover o despertar das consciências dos professores, intencionalmente, anestesiados pelo Estado capitalista neoliberal, mas fundamental na construção desse envolvimento instituinte de cidadania e participação, como diz Castoriadis (2002).

Dificuldades sempre acompanham qualquer atividade consciente. Somente quem não tem consciência de si e da humanidade que é, não compreende as dificuldades e limitações. Há um sentimento comum de despreparo na contribuição para uma educação segura e

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qualitativo-cidadã. Porém, os professores têm consciência de que precisam aprender cada vez mais e conhecer o ser humano, bem como a realidade em seu todo.

A educação do RS está desvalorizada, regredindo cada vez mais: com privatizações, sucateamentos, processos de enturmações, aulas sendo dadas em CtGS, treiners, etc. Não se vislumbram boas expectativas na educação gaúcha, mas podemos acreditar que lentamente a educação pode melhorar sua qualidade, desde que haja uma reformulação das políticas propostas pelo Estado. Há práticas que precisam ser melhoradas e isso talvez seja atribuído a falhas na formação do professor como também a sua desmotivação.

Não só nos professores se reflete a inatividade, a população também adota a conformação como atitude hegemônica abandona o pensar, a reflexão, a crítica, o debate, pois se os professores forem passivos socialmente, consequentemente sua ação produzirá estudantes passivos, sem esperanças e perspectivas de mudanças. Há uma cortina de inconsciência dos professores. Não conseguem ver com nitidez o momento vivido pela educação/ensino. Uma nova identidade está se formando.

Os professores não agem, retraindo-se e aceitando com passividade a insignificância de sua profissão pela comunidade, pela sociedade e pelo Estado. O fato de os professores se sentirem retraídos, sem perspectivas de melhoras na educação e acomodados provocou um desencantamento nos educadores, que se viram desprotegidos por elementos externos como família, Estado e comunidade.

“A profissão docente é a profissão mais poderosa. Ela tem o poder de fazer morrer e fazer viver o ser do ser humano”, diz o professor Ricardo Tim de Souza da PUC-RS, em discurso proferido no dia 16 de maio de 2008 no Congresso Internacional de Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (Informação verbal). O professor é deixado de lado pelo Estado Neoliberal, porque, desta forma,

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consegue controlar a sociedade como um todo. Nos anos 80 as lutas dos movimentos e as organizações sociais eram intensas. O Estado era independente e nacional. Hoje, o que faz com que o Estado se descomprometa com o interno é o poder neoliberal e o compromisso assumido com o externo, o mercado internacional e os organismos internacionais.

A partir do engajamento político dos professores mais do que nunca, os movimentos sociais precisam se corporificar também internacionalmente para fazer frente à globalização. Esta concepção aparece clara no pensamento de Marx, “Proletários de todos os países, uní-vos” (MARX; ENGELS, 2001).

Professores inativos socialmente, “produzem” estudantes passivos. Nesse sentido, ser professor é compromisso, pois o professor pode fazer do estudante um cidadão. Muito da possibilidade do ser humano, é devido a formação recebida na escola, na comunidade e, por fim, de sua família.

Estamos de certa forma dentro de contextos em que a educação ativa está onde o aprendizado ou a busca do conhecimento estava nas mãos dos professores. Hoje verificamos que a educação está enfrentando um processo de acomodação que a afasta cada vez mais das suas comunidades e seu compromisso social. Intencionalmente ou não, os professores estão com incumbências extra classe trabalho invisível, desde exigências dos pais ou responsáveis pelos educandos até do governo, que os manipula com turmas maiores para que não haja tempo de os docentes se reunirem em busca das necessidades do que a função lhes impõem como profissionais formadores de sujeitos com perspectivas sociais na complexa realidade que os cerca.

Num país que se valoriza tão pouco os seus professores e que frequentemente responde aos seus protestos e reivindicações coletivas com máquinas de guerra e jatos de água fria,

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a criação de intervalos de pensamento crítico dentro das escolas é um desafio que não pode mais ser adiado (ANDALO, 1995, p. 03).

A melhoria da qualidade do ensino no Brasil vem sendo tema de debates, tornando-se reivindicação da sociedade e elemento de preocupação política de governos. Boas práticas de gestão democrática, infraestrutura, currículo, condições de trabalho, formação e valorização dos profissionais e reconhecimento do real papel social da escola são alguns dos temas sempre presentes nos debates.

O Plano Nacional de Educação (PNE, Lei 10.172/2001) e o Plano Estadual de Educação (Lei 8.806/2008) consideram que a formação dos educadores é componente importante da qualidade pretendida, devendo superar o estágio das iniciativas individuais para fazer parte da política pública do setor. Entretanto, apesar dos inúmeros esforços despendidos pelos gestores públicos municipais e estaduais, a formação acaba sendo muitas vezes fragmentada e descolada tanto da construção das carreiras quanto das reais necessidades das escolas, e sem efeito significativo sobre a qualidade do ensino oferecido. Há, portanto, uma contradição histórica, que em termos práticos resultou no descompromisso cada vez mais acentuado da União com a formação dos profissionais que atuam na educação básica.

A educação é um bem consumível pela sociedade. Está acima dessa questão, onde se põe valor de especulação para necessidade humana e seu coexistir político e social. O educador, nesse ínterim, quando do encontro com o educando, também absorve sua condição social, pois é inevitável que a escola seja espaço de condições e questões da sociedade como um todo. Nesse processo dialógico com os educandos, os professores não podem ser reféns de modelos sociais, muito menos dos

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paradigmas e dos condicionamentos que os educandos sofrem dentro do circulo social que frequentam.

Na eminência de justificarmos tais interpretações das estatísticas aferidas dentro de nossa proposta de investigação, não temos como deixar de ressaltar a complexidade do ser educador na Região do Médio Alto Uruguai. Mas ao mesmo tempo são desafiadoras as comprovações e discussões dos dados levantados no contexto dessas realidades.

Ser professor hoje requer muito além de ensinar. Ser professor é ser um semeador de ideias, capazes de provocar mudanças ao longo do tempo, nas quais o professor se dignifica por poder educar, formar para a vida. O professor força a experiência e transforma a realidade social. Mas também ser professor é uma profissão difícil, desafiante, principalmente porque os salários são baixos, a profissão é desvalorizada pelo Estado, além da grande quantidade de informações que são jogados aos adolescentes através dos meios de comunicação. Segundo os professores, esses meios influenciam no desinteresse dos alunos.

Pode-se afirmar que as tendências majoritárias na cultura escolar estão induzindo um papel docente que enfatiza o desenvolvimento das habilidades técnicas de alunos. A autonomia não pode ser concebida como distância e isolamento, mas como independência intelectual para questionar os influxos sociais.

A função educativa da escola requer autonomia e independência intelectual, a tarefa educativa se propõe a utilizar o conhecimento e a experiência mais depurados e ricos da comunidade humana para favorecer o desenvolvimento consciente e autônomo nos indivíduos de modos próprios de pensar, sentir e atuar. Requer uma comunidade de vida, de participação democrática, busca intelectual de diálogo e aprendizagem compartilhada. A escola como qualquer outra instituição social desenvolve e reproduz sua própria cultura específica. As tradições, os costumes, as rotinas, os rituais e as inércias, esforçam em

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conservar e reproduzir o tipo de vida que nela se desenvolve. Gomes (2001) questiona a aprendizagem reprodutiva para a recriação.

Os alunos devem atuar utilizando a cultura crítica para transformar seu próprio pensamento e seus hábitos de comportamento, construindo realidade e elaborando cultura por sua vez.

O professor é considerado um profissional autônomo que reflete criticamente sobre a prática cotidiana para compreender tanto as características específicas do processo de ensino e de aprendizagem como o contexto em que o ensino tem lugar, para que a atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador daqueles que participam do processo educativo.

O papel primordial do professor na qualidade da educação das crianças, jovens e adultos que frequentam escolas está diretamente voltado à responsabilidade de ensinar, e é isso o que dele se espera. Cabe reconhecer o fundamental papel da educação no desenvolvimento social, cultural e econômico de nosso país e garantir que com este entendimento haja atuação. É isso o que se espera de nossa sociedade.

Precisamos pensar o contexto da formação de professores, pois não há cursos de capacitação que resolvam nossos problemas e nos permitam superar a situação atual se não houver compromisso e envolvimento de todos com a educação.

Os docentes devem viver a aventura do conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo se querem provocar nas novas gerações o amor pelo saber e o respeito pela diversidade e pela criação, devem amar a democracia e se comprometer com as suas exigências de compreensão compartilhada, se pretendem criar um clima de relações solidárias e construir uma comunidade democrática de aprendizagem.

Nesse sentido, desempenhar a função de professor pressupõe comprometimento e envolvimento

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com a tarefa de ensinar e de humanidade com seus alunos, o que implica lidar com aspectos que permeiam as relações entre as pessoas como empatia, simpatia, desconsideração, estima, desconfiança, confiança, autoridade, respeito, crenças, entre outros valores que fazem parte do cotidiano da sala de aula. Sabemos que a educação neotecnicista como uma forma de ensinar serve para preparar o indivíduo a aceitação da sociedade: como que submetido a certa adaptação.

A exposição verbal, na forma de verdades a serem absorvidas, prepara o aluno através da apresentação, associação, generalização e aplicação, visando disciplinar a mente e formar hábitos. Professores trazem suas próprias ideologias para a sala de aula.

Se quisermos pensar em uma transformação do mundo devemos pensar em uma forma de denunciar a situação desumanizante e refletir sobre sua superação. Os educadores devem também ter a certeza de que é possível mudar. O professor não pode ser neutro, sua prática exige definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura (FREIRE, 1996, p.102).

A educação não pode se reduzir ao ensino de conteúdos. Se a educação é a chave das transformações sociais pode ser também reprodutora de ideologia dominante. A questão é construir uma formação ao lado de uma reflexão sobre a prática, em favor da autonomia do ser dos educandos, resgatando a utopia.

É direito da sociedade o acesso à educação de qualidade e dever do Estado ofertá-la. Para efetivamente exigir e garantir este direito é preciso que a sociedade tenha conhecimento e compreensão sobre do que isso significa e sobre o que pode fazer a diferença. Assim, é fundamental o acesso às informações relacionadas ao tema, com linguagens e meios acessíveis a todos. O

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conhecimento produzido precisa ser compartilhado, esmiuçado, experimentado, disseminado, relacionado e aprofundado. Teremos bons resultados se a sociedade entender qual o papel de cada um, o que exigir, o que cobrar e como ajudar.

Para garantir que as mudanças gerem impacto efetivo na qualidade da educação é essencial o envolvimento da sociedade, capaz de pressionar para a atuação dos governos. Hoje, o que muito se percebe, é a acomodação frequente de educadores e da sociedade em geral. A pressão social apenas acontece quando a sociedade conhece seus direitos, valoriza-os e passa a exigi-los. Enquanto tivermos uma educação que não privilegia uma formação holística e de qualidade teremos pessoas a-cidadãs e sem perspectivas de mudanças.

O retrato da situação atual comprova que ainda nos falta habilidade, conhecimento para atuar positivamente na educação. Conhecer outras experiências pode nos ajudar a entender o “o que fazer e como fazer”. O fracasso escolar, caracterizado pelos altos índices de repetência e evasão da escola pública, tem sido motivo de preocupação tanto da parte dos professores que atuam na rede de ensino, como daqueles que estudam e pesquisam as questões da educação.

O mundo está preso a uma espiral destrutiva, a lógica do capital, que é predador social e ecológico. Destrói-se a natureza, pensando que se está estimulando a produção de mercadorias necessárias para o bem-estar humano. Justificam-se ataques militares, que geram massacres, como se fossem as únicas formas de deter a violência. Tais anomalias não revoltam a maioria da população, pois estão encobertas em uma capa que turva sua compreensão. Percebemos uma perda de controle sobre as atividades humanas que poderíamos e deveríamos controlar.

O alimento principal de transformação social é a educação. “É preciso recuperar o sentido da educação, que é conhecer-se a si mesmo, aprender por diferentes

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meios. O pensamento crítico precisa ser desenvolvido pelo povo, pois só ele tem a força de se libertar” (HÚNGARO, 2009). A verdadeira transformação só ocorrerá se soubermos encontrar um ponto de apoio que modifique e encontre as consequências do problema.

A solução da desordem externa quer esta seja social ou ambiental, passa por uma revisão da consciência humana, porque, se o homem desconhece a si mesmo e desconhece as leis impressas em seu coração e por fim se rende a convicção de que é um mistério inconsciente pra si mesmo, não há como reencontrar o ponto de apoio onde assentar a alavanca que irá remover os destroços que impedem o nascimento do homem novo [...] (VIDOR, 1996, p. 52).

Com o acúmulo de informações extra-classe, o professor que não buscou aperfeiçoamento está perdendo seu espaço dentro da sala de aula, para o deleite do sistema neoliberal. O professor antes imprescindível no espaço da sala de aula retraiu-se na sua missão como educador e teórico do conhecimento.

O Estado, em suma, tem se posicionado ao lado do sistema neoliberal, onde deixa de priorizar a educação descentralizando-a para os municípios que certamente terão dificuldades em manter o ensino básico, até a questão da educação infantil. Os municípios não possuem, muitas vezes, as potencialidades financeiras necessárias para atender esta demanda de tamanha responsabilidade. Como buscar uma educação voltada ao compromisso social se cada vez mais o Estado se afasta desta missão?

Pensar o amanhã não é só tarefa dos mandatários de hoje, mas de todo um conjunto e conjecturas sociais. Mudança todos nós queremos, mas como fazê-las quando ninguém quer assumir a frente do problema; não querem desgastar-se socialmente ou politicamente. Pregar

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mudanças sem sólidas bases institucionais é simplesmente configurar uma “cortina de fumaça” na interface do relativismo que consome somente palavras e papéis. Porque jamais devemos pensar que educação NÃO é uma questão política.

A tomada de consciência não pode se dar simplesmente por um grupo de intelectuais. O pensamento crítico precisa estar ao alcance da massa de cidadãos e ser desenvolvido por ela. Deve-se começar nas salas de aula. É preciso recuperar o sentido da educação, que é conhecer a si mesmo, aprender por diferentes meios, criativos e alternativos. O pensamento crítico precisa ser desenvolvido por uma sociedade que pense e questione a partir de seus próprios princípios, e se distancie das manipulações e ensinamentos formais ideológicos, pois só o pensamento crítico tem a força de libertar o homem das injustiças e pressões alienantes. Não há fórmula mágica para melhorar a qualidade da educação além da necessidade de estimular a criatividade e o verdadeiro saber que a alienação tenta destruir. É só através da consciência crítica e da participação ativa na sociedade que se conquista uma educação justa capaz de “formar” melhor o ser do ser humano a partir de uma dinâmica interativa e com compromisso social.

Referências

ALVES, Antonio de Castro. Espumas flutuantes. Porto Alegre: L&PM, 1997.

ANDALO, Carmen Silvia de Arruda. Fala professora!: repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: RJ: Vozes, 1995.

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1993.

CASTORIADIS, Cornelius. A ascensão da insignificância. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários para à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

GOMES, Perez. A cultura escolar na sociedade neoliberal.

Porto Alegre: ArtMed, 2001.

HÚNGARO, István Mészáros É preciso recuperar o sentido da educação. Disponível em: <http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/sentido_da_educacao.htm>. Acesso em: 10 de janeiro de 2009.

JAPIASSU, Hilton. Um desafio à filosofia: pensar-se nos

dias de hoje. São Paulo: Editora Letras & Letras, 1997.

MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Martin Claret, 2001.

VIDOR, Alécio. A gênese da alienação psicológica e a ontopsicologica. Frederico Westphalen: URI, 1996.

BRASIL, Ministério de Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

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3 CONSTRUINDO ALTERNATIVAS

Marcio Luis Marangon

O duque Hwan, de Khi, o primeiro da dinastia, sentou-se sob o palácio lendo filosofia; e Phien, o carpinteiro de rodas, estava fora, no pátio fabricando uma roda. Phien pôs de lado o martelo e a talhadeira, subiu os degraus, e disse ao duque Hwan: - „Permite-me perguntar-vos, senhor, o que estais lendo?‟ Disse-lhe o duque: - „Os peritos. As autoridades!‟ E Phien perguntou-lhe: - „Vivos ou mortos?‟ - „Mortos há muito tempo.‟ - „Então‟ - disse o fabricante de rodas – „estais lendo apenas o pó que deixaram atrás.‟ Disse o duque, - „O que sabes a seu respeito? És apenas um fabricante de rodas. Seria melhor que desses uma boa explicação, senão morrerás.‟ Disse o fabricante: - „Vamos olhar o assunto do meu ponto de vista. Quando fabrico rodas, se vou com calma, elas caem. Se vou com muita violência, elas não se ajustam. Se não vou, nem com muita calma, nem com muita violência, elas se adaptam bem. O trabalho é aquilo que eu quero que ele seja. Isto não podeis transpor em palavras: tendes apenas de saber como se faz. Nem mesmo posso dizer ao meu filho exatamente como ele é

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feito, e o meu filho não pode aprender de mim. Então, aqui estou com setenta anos, fabricando rodas, ainda! Os homens antigos levaram tudo o que sabiam para o tumulo. E assim, senhor, o que ledes é apenas o pó que deixaram atrás de si.‟ (MERTON, apud SILVA, 2002, p. 08)

No começo dessa caminhada em forma de palavras, queremos reforçar o que se faz introdução de nossa obra: o diálogo. Diálogo que quer dizer muito mais que duas pessoas conversando, mas quer trazer uma relação de pensamentos. Não sujeito e objeto, pois, como Freire, nunca aceitei a relação daquele “que sabe”, contra aquele “que não sabe”.

Costumo comparar a sabedoria com um grande recipiente com água, onde essa “água” é dividida em vários copos ou taças; em nosso caso, costumo pensar que a sabedoria está dividida em bilhões de copos ou taças, ou seja, a sabedoria está em cada ser humano, indiferente de ser educador ou educando, empresário ou lavrador, jogador de futebol ou dentista.

Cada um, com suas experiências e seu modo de ver o mundo e as coisas, traz consigo um pouquinho de sabedoria, mas ainda somos, na maioria das vezes, somente ”contempladores do saber”. Deixamos de ser a “água”, fonte pura do saber a saciar a sede de tantos, para ser somente “espelhos d‟agua” a reproduzir e/ou refletir o que está em nossa frente.

Portanto, neste universo comum a todos, que é a educação, desejo que esse pensamento seja de linguagem acessível a todos os contextos e realidades, e ressoe, não sozinho, mas com os complementos necessários alavancados através de uma dialética de pensamentos onde o diálogo entre a obra e o interlocutor (tese e antítese), construa uma síntese capaz de quebrar os paradigmas inoperantes e plantar em seu lugar utopias

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que reguem as flores da boa educação, da educação de qualidade, participativa e eficaz.

Afinal, como nos diz Bogo, “não basta dizer que sabemos, é preciso saber se o que sabemos é suficiente para nos levar onde queremos chegar” (2005, p. 06). Nós sabemos onde queremos chegar. Queremos chegar ao centro do ser humano, despertar de dentro dele todas suas potencialidades e suas compreensões de mundo, e fazer com que essa compreensão possa dar a ele o rumo certo.

Despertar o homem para si próprio é o problema a ser desenvolvido. Levar para a sala de aula as condições de transformar a consciência vivida em consciência compreendida é um desafio, para que a partir daí, essa consciência possa se transformar em ato de questionamento e transformação. Assim já estaremos educando.

3.1 Perspectivas e desafios da educação

Trazendo conosco a busca ilimitada, esforço interminável em dar significado e compreensão a todos os aspectos da realidade, tentativa pura de compreender o sentido mais radical de todas as coisas e do próprio ser humano, a educação nos “salta aos olhos” como um instrumento de transformação do modo de ver e questionar o mundo e suas relações.

Diz-nos diz Paiva : “O homem é peregrino na busca do ser. Assaltado permanentemente pela transcendência, decide-se desde muito cedo por romper as pobres referências do cotidiano, para prosseguir o caminho da verdade” (2002, p. 13). E cabe a nós, educadores, dar aos homens a oportunidade de encontrar a verdade, e de encontrá-la corretamente.

Por isso, acima de tudo o professor é um líder, aquele que se torna exemplo e tem influência direta na formação do ser humano, até por estar presente na

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formação crítica e identificadora do ser humano. Podemos dizer, então, que o professor é o principal responsável por formar cidadãos dentro da sociedade. Todos passam pelas mãos do educador, ou de diversos educadores e de cada um lembra ou carrega alguma marca. Essas marcas não surgem do nada. Eles fazem parte de tendências e ideologias carregadas pelas tradições e/ou construídas pela necessidade social vigente em determinada época e são de extrema influência na formação da atitude dos lideres.

Falo de líderes, pois a liderança em si faz compreender melhor o que fazem as tendências. Os grupos sociais em geral seguem aquilo que seus líderes escolhem, até porque, lideranças são pessoas escolhidas para representar os grupos, sempre tendo em vista o pensamento que melhor se adequou às necessidades maiores do grupo. Neste sentido um líder é crucial dentro dos grupos, pois ajuda a criar a identidade nos indivíduos. Ele só se mantém nos grupos se consegue dar conta das necessidades dos mesmos, adaptando-se sempre às novas necessidades. Porém, o educador é um líder quase que por imposição. Diferente de outros líderes, o educador torna-se líder simplesmente por estar transmitindo o conhecimento, pelo fato de possuir “conhecimento maior”.

O problema que se encaminha nesse contexto é que, junto com os diplomas, o educador subjaz toda trajetória de tendências vividas e aplicadas. Carrega em si toda coerção social aplicada através de sua história de vida, que experimentou e precisou adaptar-se, e todo esse processo influenciará seu jeito de ser líder, tanto em sua família como em seus atos sociais, incluindo também a formação de seus educandos. Se o educador não se der conta dessa convicção, este modo de ser líder pode não se adequar às necessidades de seus educandos e seu ensino pode não ser eficaz, inibindo os educandos de desenvolver suas habilidades.

A avaliação do modo de liderança do educador se faz através da distinção entre educação e ensino.

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Educação vem de educere, “tirar para fora”, fazendo lembrar a maiêutica socrática que valoriza aquilo que cada um traz de melhor em si. Já o ensino é a imposição. Ensinar é um modo de impor formas e tendências, é pré-moldar os educandos para aquilo que a sociedade precisa. Uma escola e um educador com esses moldes, adotam uma pedagogia liberal, que “forma” no sentido literal da palavra, para construir a base da sociedade como ela está, sustentando a idéia de que sua função é preparar indivíduos para o desempenho de funções sociais de acordo com as aptidões individuais. Por isso, os indivíduos são preparados para se adaptar aos valores e normas vigentes na sociedade de classe através do desenvolvimento individual, difundindo a idéia de igualdade de oportunidades, sem levar em conta a desigualdade de condições.

Enquanto não nos dermos conta de nossa responsabilidade como líderes sociais, construiremos uma escola tecnicista, modeladora do comportamento humano, utilizando-se de técnicas especificas para organizar o processo de aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem à maquina do sistema social global, em uma condição que contribui a interesses bem descritos no texto de Guareschi,

A quem interessa tal teoria? Interessa a quem quer um homem repetidor, reprodutor do que lhe é transmitido. Se formos examinar o mundo do trabalho no modo da produção capitalista, veremos que o tipo de homem necessário ao bom desempenho duma fábrica ou empresa é um trabalhador que faça as coisas com eficiência e rapidez. Fazer bem e rápido: eis tudo. Não precisa pensar, não precisa decidir, não precisa planejar. Apenas executar. Aliás, quanto menos pensar, melhor. É nesse sentido que aos poucos se vai substituindo o homem

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robô, pois o homem não passa mesmo dum robô, dum autômato (2005, p. 105).

Esta tendência, portanto, eleva a razão instrumental acima da razão comunicativa, organizando forças produtivas, mas perdendo a lógica que preside a razão vital existente no mundo das experiências pessoais e da comunicação entre as pessoas. O cientificismo se funda na exaltação da ciência e no desprezo a outras formas possíveis de conhecimento de mundo. Decorre daí uma discussão, pois passamos a viver num mundo onde a ultima palavra é sempre dada aos técnicos e aos administradores: passamos a viver no mundo do mito da tecnocracia.

3.2 Uma situação a se refletir

Pensar em um mundo de possibilidades e relações instiga a percepção de que a participação no mundo não se faz somente por fazer parte dele, nem somente por ter parte nele, mas sim, de que participar do mundo é tomar e assumir a parte no seu cuidado, e que o cuidado do mundo, começa por nos percebermos como seres condicionados e subjugados em nossa sociedade, privados de nosso espaço e de nossa liberdade. Começa pelo “meu quintal”, mas começa também pelo entendimento que o “meu quintal” é a extensão de algum outro “quintal”, ou seja, nossa vida é a extensão e complementação de outra. Por isso, pensar em mundo de possibilidades e relações nos obriga uma percepção de nossa importância, mas também da importância do outro, extensão de nosso ser, assim como somos a extensão de outros seres.

Diante disso, não há como deixar de perceber a realidade social: a humilhação e o descaso com a grande maioria dos educadores de nosso país. Falamos disso,

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pois, estamos deixando de perceber os educadores, estamos deixando de os ver como seres humanos, como gente.

A análise profunda sobre a educação demonstra uma situação a se refletir. A realidade profissional do educador no Brasil é no mínimo preocupante. Segundo dados divulgados pela Folha Online , do Rio de Janeiro, profissionais da área de pedagogia com doutorado, ou mestrado, ocupam apenas a 38° posição no ranking das profissões mais bem pagas do nosso país, ficando atrás, por exemplo, de profissionais que possuem somente graduação em administração, estatística, física, química, direito, entre outras.

Outra pesquisa é também significativa: A pesquisa A Statistical Profile of the Teaching Profession, feita em 40 países pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e divulgada no início de outubro de 2008, em Genebra (Suíça), mostra que a situação dos educadores brasileiros só não é pior que a do Peru e da Indonésia. Segundo esse estudo, um professor brasileiro no início de sua carreira recebe, em média, US$ 4.818 por ano, equivalente a uma média de R$ 11 mil. Enquanto na Argentina, um mesmo profissional recebe praticamente o dobro US$ 9.857, cerca de R$ 22 mil/ano. Comparando com os salários estabelecidos em países desenvolvidos a realidade é ainda pior. Na Alemanha, por exemplo, o salário chega a US$ 30 mil/ano e em Portugal atinge ambiciosos US$ 50 mil/ano.

Não é em vão que muitos educadores em nosso país acabam trocando de profissão, ou outros tantos são obrigados a dividir-se em áreas de trabalho extra sala de aula, tendo mais de um emprego. Se isso não bastasse, nossos educadores, em sua maioria, trabalham em locais com péssima infraestrutura. Um estudo da UNESCO, divulgado em meados do ano de 2008 mostra que 50% dos educandos que estudavam em povoados, ou em escolas de áreas rurais, e mais de 25% dos educandos

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que estudavam em escolas no perímetro urbano assistiam aulas em prédios em más condições. Algumas escolas sequer possuíam água potável.

Possuímos uma escola imediatista, utilitarista, classificatória, que não produz desafios, mas que é manipulada por políticas de governos não comprometidas com o ato de educar e que acabam manipulando e “fazendo por fazer”, com seus educadores, marginalizados e abandonados em escolas precárias, basicamente arcaicas no que diz respeito à evolução da modernidade e da tecnologia. Enquanto, educandos têm Internet em suas casas, com uma velocidade satisfatória de informações chegando a todo o momento, os educadores se deparam com escolas onde nem mesmo a biblioteca, em vários casos, é útil, dada a defasagem de seus livros e artigos.

O educador já não detém o monopólio do conhecimento, ou seja, não é mais o único transmissor de conhecimento, ou de informação. O acesso à Internet remete os educandos com muito mais agilidade para esses meios “formativos”, e até de forma mais dinâmica, pois vem acompanhada de músicas, figuras, ilustrações, movimentos. Ao mesmo tempo o educador, em sua sensibilidade de perceber a responsabilidade que tem - mesmo porque sabemos que se essa evolução toda fosse realmente a saída para o mundo estaríamos salvos - ainda sonha com uma escola com mais significação, com mais contribuição para a formação crítica, para a formação do ser humano por completo. Uma escola que consiga ensinar o educando a aprender.

Mas como conseguir este objetivo? É a grande pergunta que vem à mente de educadores quando se deparam com a situação que discutimos. Talvez a resposta seja algo que mencionamos a pouco: ensinar o educando a aprender! Se o educador já não consegue mais ser o transmissor de conhecimento, ao mesmo tempo ele ainda é o único elo de ligação entre o educando e o saber real. O educador é a chave do entendimento!

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Porém para que essa concretização se torne possível, para que o educador se torne elo ativo, chave ativa para o entendimento, ele também precisa aprender a desaprender. É preciso evoluir junto, quebrar velhos conceitos de educação: é preciso desconstruir para renovar.

A desconstrução talvez perpasse por uma formação contínua também do educador. Sabemos que sofre pelo sobrecarga de trabalho, pelos baixos salários, pelo descaso com sua personalidade, mas como diz Freire (2001) não podemos nunca deixar de sonhar, e essa nova escola, essa nova visão de educador passa também pela formação do educador, pela construção em conjunto de subsídios viáveis e eficientes. Já há essa procura pela renovação, pela dinamização da escola, mas ela precisa ser maior, mais forte. Precisa deixar de ser um sussurro de possibilidade para se tornar um eco, concretização, atitude nova.

Precisamos entender o que o educando busca. Quais são seus anseios no século XXI. E é lógico, não podemos ser ingênuos de trabalhar esse processo dizendo que a modernização já chegou em todos os lugares, em todas as casas. Precisamos estar cientes que enquanto vemos educandos indo à escola com notebook em suas mochilas, ainda temos educandos indo a escola de pés descalços, sem material nenhum, sem alimentação, sem motivação. E isso torna o desafio ainda maior: descobrir quais são os subsídios modernos que podemos utilizar para atingir tanto o educando “equipado”, quanto o educando massificado.

É preciso, portanto, formar uma educação dialógica, espelhada em uma pedagogia pensada por pessoas como Nietzsche (1844-1900), Montaigne (1533-1592), Freire (1921-1997), Tião Rocha (1949), entre outros, entendendo a educação como uma relação teoria/prática, onde a educação parta das situações-problema que educandos e educadores vivenciam em seu dia-a-dia, e, juntamente com a comunidade, consiga

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quebrar velhos paradigmas para reconstruir a escola, fazendo dela um reduto da democracia e da participação, vale lembrar sempre, que mesmo a participação e a democracia não significam perda de foco no que se refere ao essencial de ensino nas salas de aula, ou seja, a escola pode e deve ser participativa sem perder sua essência de escola, mas sim, somar a sua essência ao papel social digno de quem tem o poder de formar cidadãos, e os formar com consciência.

3.3 O mundo não é. O mundo está sendo: a busca por alternativas

Nesta época catastrófica em que nos coube viver, sitiados pelos paradigmas de alienação, hesitantes quando ao presente, incertos quanto ao futuro, cabe tomar consciência de que precisamos aprender a ensinar o valor da resistência (Franklin, 2004).

Aqui precisamos desenrolar nossa análise em dois pontos: o primeiro remete a análise das condições salariais e de trabalho dos educadores; a segunda análise remete ao entendimento e às necessidades de nossos educandos. A primeira análise nos faz pensar alternativas de como nossos educadores podem superar esses processos, e a segunda de como podemos melhorar o diálogo educador/ educando.

É verdade que talvez nunca nossos professores tenham tido 100% de condições de trabalho e de salário, e comparando com outras profissões jamais cheguem a ter, mas seria ingênuo de nossa parte pensar que todos esses problemas não influenciam no dia-a-dia do educador, ou pensar que os professores se acostumam com essa realidade.

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Infelizmente percebemos que a categoria está perdendo sua histórica união. No grande chão polar da política, os educadores estão se deixando influenciar, e fazendo com que seus “espinhos” cresçam a ponto de não conseguirem mais conviver e compartilhar. O problema da comunicação está afetando justamente a categoria que por muito tempo serviu de exemplo de democracia e cidadania para todos os cidadãos. Aqui, o ditado popular de que “um gesto vale mais que mil palavras” se perde, e, às vezes, tudo o que se tem de exemplos são palavras, pois os educadores estão esquecendo de dar seu exemplo. É claro que de maneira alguma teríamos educadores de um só segmento político, até porque isso seria muito estranho e talvez muito ruim para o desenvolvimento da educação. Não é isso que se quer, e também não se quer professores neutros. No que se refere às posições políticas, devem servir para contribuir à discussão, e não para voltar a categoria contra ela mesma, ou seja, a posição política do educador deve ser a da organização, do diálogo, da verdadeira construção da polis. Em outras palavras, deve haver política cidadã e não ideologia política que gera conflitos e enfraquece a categoria. A ação que se espera dos educadores é uma ação conjunta, consciente, que consiga demonstrar à sociedade o verdadeiro valor da educação, e suas verdadeiras necessidades.

Enquanto esse momento não chega, é necessário que educadores de todos os cantos, irmanados em suas causas, em suas preocupações, dificuldades e anseios, ajudem-se uns aos outros, e contribuam para a construção de alternativas viáveis para renovação da educação como teoria do ato de educar como prática, sempre presente através de participação, do tomar parte do processo dialético que se abre para o engrandecimento do ato de educar.

A formação docente, ao lado da reflexão sobre a prática educativo-progressista em favor da autonomia do ser dos educandos, demonstra que formar é muito mais do

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que puramente treinar o educando para o desempenho de destrezas. É colocar o ser humano como mais que um ser no mundo, como uma presença de mundo. A reflexão crítica sobre esta prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando simples transmissão de conhecimento e a prática, ativismo.

A educação deve resgatar a compreensão do homem e da mulher como seres históricos, de modo que “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996, p.23). Neste sentido é preciso, na arte de ensinar, uma rigorosidade metódica. O educador não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando. Deve fazer parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos como também ensinar a pensar certo, para que ao ser produzido, o conhecimento novo supere o já existente e fique aberto para ser ultrapassado por outro amanhã.

A educação deve entrar com uma reflexão crítica sobre a prática, trazendo um “pensar dialético” entre o pensar e o fazer: “...é pensando a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário a reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática” (FREIRE,1996, p. 39). Quanto mais o educando conseguir se perceber dentro de uma realidade dominada e pré-direcionada, mais fácil assimila a capacidade de mudança. Assim, uma das tarefas mais importantes da educação é a de proporcionar a experiência profunda de assumir-se como sujeito capaz de reconhecer-se como objeto, ou ser dominado e condicionado.

Heidegger nos mostra em sua obra Ser e Tempo que somos seres marcados para o fim de nossa vida, o que ele chama de ser-para-a-morte. Contudo, o ser-para-a-morte de Heidegger de maneira nenhuma desmerece o ser humano, pelo contrário, o mesmo ser marcado em seu derradeiro fim é o ser-aí (Dasein), aquele que vive, e de

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forma plena, pois, quando consciente de seu fim pode viver plenamente a cada momento. Entretanto, esse ser-aí não vive sozinho, ele vive e depende dos outros, ele é um ser-com (Mitsein), com o mundo e com ou outros, e disso depende sua liberdade e felicidade suprema. Se somos um ser-com, não podemos obter a liberdade enquanto outros seres estão escravizados, do mesmo modo que não podemos possuir vida plena enquanto nosso planeta padece no abandono e na exploração irresponsável, nós dependemos uns dos outros, dependemos do mundo.

Dessa forma o “sujeito” do mundo precisa perceber-se em três dimensões: primeiro, como corpo, ser humano, mamífero, o ser-para-a-morte, individuo que faz parte de uma espécie que cresce a todo o momento e que depende de uma biodiversidade à qual não presta a devida atenção e o devido respeito.

Segundo como animal racional, um ser que se diferencia (pelo menos deveria se diferenciar) dos outros seres pela sua capacidade de evolução, por sua “alma”, e que tem parte num circulo de relações no qual traz dentro de si o papel de quem ensina e aprende (educando e educador), e é essa a relação que define seu viver, como menciona Freire “o sujeito pensante não pode pensar sozinho,não pode pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um penso, mas um pensamos” (1980, p. 67).

Terceiro, como “espírito” transformador e inovador. Aquele que precisa tomar parte daquilo que é próprio de si, assumindo-se como agente transformador, não esperando pelo outro, mas sim, percebendo-se como o outro de alguém, como ser essencial na relação do “ser-com”. É esse terceiro ponto que diferencia o “sujeito” do mundo, pois o faz protagonista da história, reconhecendo-se e assumindo-se no seu papel, superando as limitações do corpo e da alma, do ter e do fazer, edificando-se no seu “espírito” de tomar parte da construção de um mundo melhor, com mais relação, mais cuidado. Freire diz:

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O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono. Meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências (1996, p. 76).

Se quisermos pensar em uma transformação do mundo devemos pensar em uma forma de denunciar a situação desumanizante e refletir sobre sua superação. É a partir do saber fundamental de que mudar é difícil, mas não é impossível, que devemos pensar a ação pedagógica. Os educadores devem também ter a certeza de que é possível mudar e devem desafiar, considerando os saberes construídos pelas experiências e expandindo para uma consciência maior que fomente os grupos populares.

“O professor não pode ser neutro, sua prática exige definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura” (FREIRE, 1996, p. 102). A educação não pode se reduzir ao ensino de conteúdos. Se a educação é a chave das transformações sociais pode ser também reprodutora de ideologia dominante.

O professor precisa conseguir provocar o educando no sentido que prepare ou refine sua curiosidade, com vistas a produzir sua própria inteligência a partir daquilo que tem. É necessário escutar o educando em sua incompetência provisória e aprender a falar com ele, respeitar sua “leitura de mundo” e, deste ponto em diante, pode fazer com que o educando vá assumindo o papel de sujeito na produção (e não apenas o de recebedor) de sua inteligência de mundo, como uma árvore que absorve os nutrientes e produz seus frutos e sementes. Ao mesmo tempo, o educando deve desenvolver a capacidade de absorver o conhecimento produzido e as experiências vividas para produzir seu

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pensamento crítico e libertador que possa contribuir também com a libertação de outras mentes.

A questão é construir uma formação junto a uma reflexão sobre a prática, em favor da autonomia do ser dos educandos e educadores, percebendo que a educação também pode ser ideologia. Dessa forma, demonstrar que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas, é também uma maneira de resgatar a ética universal do ser humano. Desenvolver essa dimensão onde o ser humano é mais que um ser no mundo, mais que uma simples presença no mundo, é sujeito da história, único em suas características e indispensável em sua contribuição para com o mundo. 3.4 A construção de subsídios: elaborar métodos e saber colocar os quadros

Continuamos essa reflexão com uma pequena estória para entendermos melhor o que estamos procurando aqui:

Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos, percebendo a situação, resolveram se juntar em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente. Mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que forneciam calor. E, por isso, tornaram a se afastar uns dos outros. Voltaram a morrer congelados e precisaram fazer uma escolha:desapareceriam da face da Terra ou aceitavam os espinhos do semelhante. Com sabedoria, decidiram voltar e ficar juntos. Aprenderam, assim, a conviver com as pequenas feridas que uma relação muito próxima podia causar, já que o mais

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importante era o calor do outro. E sobreviveram

2 (Autor desconhecido)

Resgatar o sentido próprio do ser humano, da dignidade humana, é resgatar o cuidado da vida nos diz Boff “Não busquemos o caminho da cura fora do ser humano. O “ethos” está no próprio ser humano (...) ele precisa voltar-se sobre si mesmo e redescobrir sua essência...” (1999, p. 84). Em outras palavras, resgatar o ser humano é parir de dentro dele mesmo suas verdades e seus sentidos. Tão importante quanto compreender o mundo exterior, é compreender o seu mundo interior, pois em um mundo de relações, de possibilidades, necessária se faz a percepção da importância de nossa participação no cuidado com o mundo: “o cuidado faz surgir o ser humano complexo, sensível, solidário, cordial, e conectado com tudo e com todos no universo”, nos diz o autor.

Cuidar daquilo que contempla o ser humano em sua totalidade, é o digno despertar do homem. Surge, portanto, a importância do despertar, a relevância do “conhece-te a ti mesmo”, a importância da compreensão de que as possibilidades só se concretizam através das relações, e essas relações só existirão se tivermos a responsabilidade de cuidar da educação, mas da educação de tudo e de todos. Há muito tempo estamos prostrados diante de nossas mesas, esperando que o mundo nos diga o que fazer, encontrando defeitos uns nos outros e esquecendo que é exatamente nossas diferenças que nos fazem humanos, e são essas diferenças que completam o mundo e nos completam também.

Essa pequena estória que relatamos procura demonstrar que enquanto estivermos sozinhos, isolados, vamos morrendo aos poucos, congelados por nosso próprio medo de arriscar, de quebrar todas as amarras que impedem nosso edificar.

2 Não se sabe ao certo o verdadeiro autor dessa pequena estória, mas

alguns autores à atribuem ao grande mestre Schoppenhauer.

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No início do texto colocávamos nosso desejo de que estas linhas fossem um constante diálogo, que não se fechassem em verdades, mas que conseguissem despertar nossa reflexão. Renovamos este convite neste momento para que possamos compreender que os exemplos e sugestões que colocaremos daqui para frente são frutos de práticas e experiências em grupos de educandos de todas as idades, e meios sociais, no espaço urbano, e rural. São pequenas contribuições que vêm provocar a construção de novas formas de dialogar com os educandos, facilitando a construção da consciência crítica e do seu ensino. É um convite para aproximação e partilha de todas as experiências que se constroem no dia-a-dia por todos os educadores. Pensamos ser muito improvável que não tenhamos mais alternativas construídas, o que cremos é que temos ainda certa barreira na divulgação e no diálogo em relação a este tema. Esperamos poder contribuir com a troca de experiências e de materiais, bem como com a construção de alternativas.

3.4.1 O planejamento e o desenvolvimento de métodos

A grande pergunta a ser feita é: para que desenvolver subsídios? Quando começamos perceber que dificilmente um educando consegue captar mais de duas horas de aula (quando consegue chegar a este ponto de concentração), ou, em muitos casos vem para a sala de aula acompanhado por seu celular e fones de ouvido, demonstrando que o que menos lhe interessa é saber o que está sendo exposto pelo educador, deve ser acionado o “botão de alerta” da educação.

Já comentamos sobre a infra-estrutura precária e sobre os baixos salários, mas é com carinho que chamamos a atenção: cada problema tem seu momento. Podem existir os momentos de informá-los (os educandos) sobre a situação vigente e esses problemas podem ser

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trabalhados no decorrer das aulas, mas sempre com criticidade, servindo para o desenvolvimento de algum tema.

A partir do momento em que o educador entra em sala de aula, precisa lembrar que está ali para uma das mais bonitas e importantes funções do mundo: o ato de educar. Quando este ato de educar já não se faz mais totalmente eficiente é hora de reavaliar seu andamento, tentar perceber onde está o erro, ou onde este ato pode e deve ser melhorado para que consiga continuar contemplando seus objetivos. Uma afirmação de Mao Tse Tung (1893 -1976), serve de luz a esse problema: “As qualidades fundamentais de um dirigente é (sic) elaborar métodos de trabalho e saber colocar os quadros” (apud MOVIMENTO SEM TERRA, 2005).

Para construir uma educação sólida, de qualidade, o educador deve aprender a colocar e reavaliar constantemente seus quadros. Entender que o planejamento uniforme desenvolvido pela política educacional falha do Estado, ou pela política de uniformização desenvolvida por grandes multinacionais, jamais conseguirão contemplar o anseio e o desenvolvimento humano de todos os educandos. A menos que nossos instintos estejam falhos, é natural perceber que o ser humano tem receio de tudo aquilo que não lhe deixa espaço de crescimento, que não potencialize suas habilidades, que não contribua com seu ser.

Assim, enquanto não desenvolvermos uma autonomia de criação de subsídios continuaremos “remando contra a maré”, negando a possibilidade de construir uma educação mais eficaz e em harmonia com a realidade. É mister compreender aquilo que o educando quer e sabe mesclar, se não tiver outra alternativa, entre o tecnicismo exigido e o desenvolvimento humano necessário, preferindo sempre quanto possível o desenvolvimento humano.

Como educadores, temos o privilégio de estar com os educandos todos os dias, perceber suas atitudes, seus

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anseios e suas realidades. Temos a possibilidade (e o dever) de olhar em seus olhos e não somente a roupa que estão usando. A prática, quando repetida, se torna monótona e mecânica e exclui a prática de interpretar o educando, de ouvi-lo, compreendê-lo. Em muitos casos, o educador esquece que o educando não sabe o mesmo que ele, ou tem uma visão diferente das coisas, mas nem por isso deixa de saber algo e querer partilhar aquilo que sabe.

Já presenciamos vários momentos, quando pelas pastorais nos disponibilizávamos a trabalhar sobre cidadania em salas de aula, e outros espaços. Antes de iniciar o trabalho os educadores responsáveis nos surpreendiam com a frase: “Essa turma não é fácil!”, porém, encontrávamos educandos ansiosos por falar, por partilhar, por participar e aceitar os desafios colocados para dar andamento ao problema apresentado. Qual é o diferencial? Métodos. Não um, mas vários que tínhamos em mente. Era nossa característica não sair de mãos vazias para a tarefa de educar e conversar sobre cidadania. Nos dirigíamos às salas de aula não como os senhores da razão, mas sim, com o respeito de estarmos conversando com educandos, pessoas capazes e, principalmente, diferentes. Como, desse modo, seria diferente, cada uma das turmas trabalhadas, e para cada turma tínhamos um modo flexível de chegar ao objetivo final, não pré-determinado, mas construído a partir da realidade encontrada no próprio ambiente.

Já nos mostrava a corrente conhecida como existencialismo, destacam-se diversos nomes como Kierkegaard (1813-1855), Sartre (1905-1980), Nietzsche (1844-1900), Heidegger (1889-1976) e tantos outros, que o homem em suas individualidades é insubstituível, tanto em suas potencialidades como em suas dificuldades, ou seja, ele é único. Nietzsche, em sua obra Genealogia da moral, chega até mesmo a ir mais fundo, indo contra tudo aquilo que ele chamava de “moral de rebanhos”, por mencionar que esse sistema anula as individualidades e

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potencialidades dos indivíduos, negando seus instintos, pregando uma sociedade que conseguisse exaltar aquilo que era próprio de cada um. Todos temos algo para contribuir. Cada um traz dentro de si certo protagonismo que não deve ser negado, ao contrário, precisa ser incentivado, valorizado.

Alguns dos educadores com quem partilhávamos a experiência, apontavam a boa receptividade dos educandos como consequência do diferente, do “novo”. E aí sempre nos surgia a pergunta: mas porque o educador que ali estava não fazia esse diferente, esse “novo”?

Talvez a universidade tenha sua parcela de culpa nisso tudo, por “formar” educadores uniformemente em série, por não exigir na formação de licenciatura um diferencial, por não disponibilizar alternativas, enfim, talvez, mas.... para além da universidade, se o educador não se der conta deste processo, quando adentrar às salas de aula, será então um caso preocupante, pois fazer o diferencial não exige a eternidade, mas um pequeno espaço de tempo para reflexão e planejamento, ou re-planejamento.

O planejamento é um dos caminhos mais eficazes para a transformação da educação. Ele parte da escolha do tema, e segue até a construção da aula, seguindo em busca de requisitos para atingir os objetivos e deixar direcionadas tarefas a serem desenvolvidas ou mesmo avaliações quando necessárias. Abre espaços para a utilização de métodos dentro de seu desenvolver, e, depois de entendido (assimilado), pode servir de base segura para o educador utilizar no desenvolvimento de suas atividades. O planejamento extrapola as salas de aula e serve até mesmo de parâmetros para grupos sociais, e para vivência pessoal.

Trabalhar sem planejamento é como construir uma casa sem ter um projeto em mãos, pode até dar certo, mas as probabilidades são bem menores. Trabalhar com um planejamento que não seja voltado para a realidade onde se trabalha também é como construir essa mesma casa

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com o projeto de qualquer outro estabelecimento: dificilmente se chega ao final com a satisfação do dever cumprido e com o objetivo atingido. Por isso a necessidade de planejar, para que ao final do trabalho, seja ele diário, semanal, mensal, possamos avaliar o comprimento das metas ou não.

3.4.2 Planejamento

Um bom planejamento leva em conta três momentos chaves: diagnóstico, levanta e sistematiza as informações coerentes ao objetivo a se alcançar; a estratégia e/ou plano executivo, que desenha como as ações serão dirigidas para atingir o objetivo; e a condução, momento de materializar as ações pensadas e também avaliá-las. Porém, existem diversas formas de desenhar o planejamento. O modo dialético é o mais usado. Muitos o utilizam como método ver-julgar-agir, adaptação da dialética para as atividades pastorais. Ele pode ser utilizado para o planejamento em geral, também voltado para a educação. O planejamento busca alcançar, da melhor forma possível, avaliar os caminhos, possibilitando perceber a realidade e estruturar a partir desse ponto a construção de objetivos de forma mais racional e segura e pode ser melhor compreendido dessa forma (BORAN, 1977): a) Diagnóstico - (descobrir a realidade, analisar, perceber, fazer um levantamento da realidade). É o conhecer a realidade concreta, suspendendo nossos julgamentos, desconfiando das opiniões (de todas as opiniões). É a visão não ideológica que supera a precipitação e a subjetividade.

Esse primeiro passo também divide-se em três novos passos:

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- Fato: fazer um levantamento de algum fato a ser analisado, observando o porque de sua importância, que problemas o fato demonstra. É a analise dos sintomas, como se levássemos este fato ao médico e ele perguntasse: qual é o sintoma que ele apresenta para saber se está ou não está bem! - Causas: seja qual for o sintoma ele tem uma causa, seja bom ou mau, o sintoma sempre tem uma causa, e ela deve ser descoberta para possibilitar um conhecimento mais científico e objetivo da realidade. Essas causas podem ser: aparentes, imediatas, secundárias, principais, causas-efeitos, etc. - Consequências: toda causa tem uma conseqüência, dado a ressalva que toda a regra tem exceção, mas não é necessário levar isso em conta aqui precisamos entender quais serão as consequências que enfrentaremos, ou que já estamos enfrentando, posto o fato e sua causa. Isso ajuda a conscientizar o grupo sobre a amplitude e/ou a gravidade do fato discussão. b) Estratégia e/ou plano executivo: é analisar todo o terreno preparado pelo “diagnóstico”. É o momento de refletir, discernir o fato, analisar suas causas e suas consequências aprofundando o tema e o transformando em questão filosófica, acrescentando o saber filosófico capaz de servir de “luz” para a análise. Esse momento pode ser considerado essencial para:

- Revisar as ações; - Distinguir as influências (ideologias); - Acrescentar conhecimentos sobre o assunto

(aprofundá-lo); - Suscitar contrapontos.

c) Condução: Feita a análise do fato, discutido suas causas e consequências é chegado o momento de quebrar a neutralidade, de sair do suporte. A escola não pode ser mais simplesmente transmissora de conhecimento, ou momento de laser e aprendizado. Tem sim, é que ser a semeadora de ação, de cidadãos

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conscientes, que possam construir alternativas ao status quo, a própria vida.

Pode-se, a partir deste momento, montar projetos detalhados, com “o que fazer”, “como fazer”, “quem vai fazer”, visualizar momentos futuros de discussão, novos espaços de discussão. Tudo fica a cargo de como o processo se desenrolou e que grau de envolvimento o educador concluir que tal processo atingiu.

3.4.3 Método

O planejamento é somente um passo. Ele precisa de instrumentos para ser colocado em prática. Podemos até mesmo utilizar métodos tradicionais, como as aulas expositivas, que não deixam de ser interessantes e ter seus méritos. conheçemos profissionais da área da educação que ministram aulas fantásticas somente expondo seu conhecimento. O método não precisa ser algo que extrapole o mundo da educação, precisa sim, ser algo que consiga servir de caminho viável para atingir os objetivos, e ai deve ser levado em consideração a disciplina a se ministrar, como todos os requisitos e particularidades que a sala de aula possa trazer, não afastando jamais a ideia de que a inovação sempre é bem vinda e consegue dar um brilho a mais à missão de educar. O que se almeja na verdade, é a construção de novos subsídios que possam contribuir para colocar o planejado em prática, que possam representar o novo em novos tempos, que podem ser o diferencial, motivando educandos e educadores a comungar no ato de educar.

Nessa busca por subsídios, uma das alternativas viáveis que se apresenta dentro da escola dinâmica com a qual sonhamos, é a construção de métodos pedagógicos que ajudem o educador a ser a chave de entendimento, e ajudem ao mesmo tempo o educando a se situar no

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espaço escolar e no contexto da sociedade. Métodos que sirvam tanto dentro da sala de aula, quanto no cotidiano, e devolvam o entusiasmo de educador e educando.

Para que isso aconteça o método deve estar em harmonia com a situação e contribuir para a análise e encaminhamento do processo educativo, assegurando alcançar os objetivos idealizados. A seguir, temos um exemplo de método, o qual se mostra como junção de planejamento, pois pode direcionar-se somente para o planejamento do momento da aula, mas envolvendo todo o processo de análise da realidade, constrói-se como um método eficiente para colocar o planejamento em prática. Podemos dividi-lo desta forma: a) Preparação: Momento de preparação da aula. Desse momento o educador precisa sair ciente do porque do tema escolhido, quais são os aspectos a serem trabalhados, e sobre a continuidade ao projeto ou não. Essa etapa divide-se em três partes: - Identificação do problema: momento onde o educador escolhe qual é o problema a ser trabalhado. Não há um aspecto a ser definido para a escolha do problema. Cada educador sabe dentro de suas necessidades, em que momento está, e quais as circunstâncias que têm relevância ao trabalho dentro de suas realidades. - Análise do problema: o problema escolhido deve ter seus aspectos internos e externos que o caracterizam. Esses aspectos são essenciais para o entendimento do problema e para a construção de alternativas. - Decisão: se o problema se fizer realmente digno de uma discussão, então o educador deve decidir o rumo que tomará e que alternativas ele poderá construir em conjunto, ou apresentar aos educandos através de ações práticas, ou no mínimo, desafiadoras ou conscientizadoras. b) Construção da atividade: Terminado o momento de escolha e definição do problema o educador necessita construir formas de suscitar também no educando a

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importância do problema. Para isso ele precisa de um planejamento da ação e da definição dos objetivos. - Planejamento da ação: rumo pretendido para se atingir o objetivo do desenvolvimento do projeto, como serão atingidos os objetivos: análise bibliográfica, discussão em grupos, pesquisas sociais, etc. - Definição dos objetivos: quais os objetivos queremos alcançar colocando o problema. Esse momento se desdobra em: levantamento e análise do problema e decisão, para que haja centralização e não dispersão no momento da ação. c) Ação: A ação é o momento de colocar em prática o

planejamento e a construção. Nas duas primeiras etapas, é o educador que se aprofunda para superar sua condição leiga do assunto que escolheu, ou para melhorar ainda mais aquilo que já sabe, bem como atualizar os conhecimentos. Faz-se isso antes, pois no momento da prática o educador precisa estar ciente disso e auxiliar, ao educando, na sua construção. Para isso pode utilizar-se de: - Requisitos para assegurar o cumprimento das metas: momento de apresentação do problema, da sua colocação para os educandos em forma de textos, de música, ou até mesmo de relato de algum tema ou assunto escolhido. - Distribuição de tarefas: como já mencionado, este é o momento do educando fazer sua descoberta. O educador introduzindo o problema suscita no educando a necessidade de aprofundamento da discussão. Para isso pode servir-se da pesquisa, distribuindo os educandos em grupos, ou individualmente, encarregando tarefas e os conduzindo ao conhecimento, assim como Montaigne dá o exemplo das abelhas que voam para buscar o néctar para voltar e fabricar sua essência que é o mel. - Avaliações: feita a pesquisa, ou cumprida as tarefas, é momento de sentar e partilhar erros e acertos. É o momento do educador contrapor seu saber com o saber do educando, sabendo respeitar este momento, e os saberes, bem como modos de expressão, de cada um.

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Nessa junção entre o que o professor fornece, e aquilo que o educando encontrou e desenvolveu, forma-se a essência dos conceitos, o “mel”, doce e agradável que dará a sensação de satisfação e conquista do educando. Pode-se utilizar este momento para a construção de avaliações em forma de produção textuais, jograis, ações pós-sala de aula, que fica a cargo do educador. (a avaliação será aprofundada a seguir).

Porém, é preciso destacar que, mesmo ótimos subsídios, ótimos métodos quando não utilizados de forma consciente, ou quando utilizados de forma desleixada, se tornam totalmente ineficientes. Quando o educador decidir utilizar um método, deve estar ciente de que o método realmente se encaixe dentro do processo de aprendizagem dos educandos a que se refere, levando em conta condições de conhecimento do educando e do educador, condições de infraestrutura, condições socioeconômicas, média de idade e quaisquer outros indicadores que possam ser diferenciais no contexto do educar. Nesse sentido, mencionamos a seguir algumas sugestões a serem utilizadas com os métodos em sala de aula. Cada uma com suas ressalvas. 3.4.3.1 Dinâmicas

Dentre os subsídios utilizáveis para se construir uma aula mais dialética, as dinâmicas são as que mais me atraem. Na maioria das vezes, quando se utiliza uma dinâmica em sala de aula, ou em qualquer outro grupo que se deseja trabalhar, fica muito mais fácil de coordenar o espaço pedagógico, tanto educador, como educando, conseguem ficar muito mais à vontade na aula. Ambos, a partir da dinâmica, criam um vínculo, em que a base piramidal que se está acostumado a ver em sala de aula,

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acaba caindo por terra. Desenvolve-se um elo de diálogo e reflexão, e facilita-se o andamento do processo.

Primeiro vamos entender o que é dinâmica em seu sentido popular. Podemos entender dinâmica olhando, por exemplo, a aerodinâmica de um carro: para que ela serve? A dinâmica de um carro é toda uma estrutura que ajuda o desenvolvimento do carro, melhor desempenho, mais potencia mais estabilidade, maior aproveitamento do combustível, enfim, é o que faz o carro chegar mais rápido e melhor ao seu destino, ajudando-o a atingir seu objetivo.

A dinâmica aplicada em uma aula deve ter o mesmo objetivo, ou seja, não deve ser somente um somatório ou um passa tempo. Brincar, os educandos brincam em casa, ou em lugares próprios para isso. A dinâmica deve contribuir para o melhor entendimento do tema pelo educando. Fazendo com que o educando consiga captar melhor o tema trabalhando e criando seus conceitos de entendimento.

Outro grande ponto a se ressaltar quando se trata de falar sobre dinâmicas, é que ela deve estar ligada com o tema. Seu encaixe deve estar voltado para um desfecho em cima do tema, ou problema proposto. Caso contrário, ela se torna totalmente ineficiente. Exceto o exposto a dinâmica é sempre um acréscimo bem vindo, podendo ser usada em qualquer espaço e em qualquer momento dentro das técnicas definidas para se ministrar aulas. Quando bem trabalhada contribui relativamente para a compreensão do aluno sobre o tema.

3.4.3.2 Multimeios, multimídias, videoteca

Eis uma grande ressalva a se fazer: é muito complicado estarmos discutindo essa relação de uso de materiais. Porém, não poderíamos deixar de expressar nossa opinião sobre o uso desse tipo de material.

Dado o avanço tecnológico, que se estabelece como invasão presente nossa sociedade há muito, já

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adentrando os portões das escolas, é sempre tentador usar esse tipo de material. Isto porque pensamos estar falando a língua do educando, visto que, ele também os utiliza. Mas temos que estar cientes das mais diversas situações que podemos encontrar.

Do mesmo modo que podemos encontrar aquelas pessoas que usam a internet e têm acessos aos mais diversos materiais, dando essa acessibilidade e alternativa ao educador. O educador, então, precisa estar ciente de que nem todos os educandos possuem acesso a esses meios. Assim, o que pode ser atrativo para uns, pode ser estranho a outros, ser ultrapassado a alguém.

A novidade é de grande ajuda quando consegue atingir o maior número possível de educandos, nunca os equiparando, ou nivelando, medindo o que eles, ou suas famílias possuem, ou não. Sabemos que uma das mais fortes exclusões no século XXI é a exclusão digital. Se não soubermos dosar ou utilizar essas “alternativas tecnológicas”, vamos chamá-las assim, podemos estar contribuindo para aumentar o abismo entre aqueles que possuem e aqueles que não possuem acesso a esses meios. Não que não possam ser usadas, mas talvez, devam ser usadas em condições adequadas, sempre levando em consideração possíveis “excluídos digitais”, bem como, ter presente que o conteúdo disponível na Internet, quando utilizado para fins de textos retirados, nem sempre possuem originalidade e devem servir de meios de discussão, não como verdades a serem aceitas.

Mais um ponto importante: o educador nunca deve contar somente com este tipo de material para preparar suas aulas. Alguns materiais, como slides por exemplo, podem não funcionar nos momentos que deles se precisa. Portanto, o educador deve sempre possuir material reserva, ou alternativo, caso venham a acontecer imprevistos.

3.4.3.3 A utilização da cultura local

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Esse é um ponto bastante importante quando se trata de formalizar as discussões dentro das salas de aula. Dentro do modismo a que nos adaptamos, onde valorizamos muito mais o que se produz fora de nossa realidade, do que aquilo que produzimos, deixamos de situar o educando em seu meio, e deixamos de valorizá-lo também. Precisamos fazer uma pequena reflexão nesse sentido. Sabemos que a construção da história é feita através da satisfação das necessidades dos povos. É essa satisfação que deixa suas marcas, algumas gigantescas, e outras menores, mas todas da mesma importância.

Um dos assuntos que sempre comparamos é que em uma aula de história, por exemplo, mencionam-se as pirâmides egípcias ou magistrais construções dos mais diversos povos, e deixa-se de valorizar aquilo que o educando possui em sua casa, como marco de uma construção histórica produzida através da evolução de sua “arvore genealógica”. Em alguns casos, é essa parte da história que pode servir de base para o entendimento de muitas coisas e para chamar a atenção do educando para o aprendizado.

O educando pode compreender que a “colher de madeira” que seus avós utilizavam para preparar o alimento em suas casas é uma adaptação necessária para substituir as mais variadas peças de talheres existentes na atualidade, assim como a panela de barro também o é. A própria maneira de produzir chás, ou armazenar alimentos, que ainda são lembrados por várias gerações e se constituem exemplos fantásticos, substituem, de modo saudável, os prejudiciais conservantes. Assim como a produção de farinha acontecia por intermédio de movimentos forçados pela água, os famosos “liquinhos” moldavam uma arquitetura diferente para melhor utilizar a luminosidade produzida pelas suas chamas. Enfim, aqui temos exemplos de física, química, biologia, e podemos, além desses, ter vários outros exemplos, basta utilizar a imaginação e deixar o educando fazer o mesmo e

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compreender que cada cultura teve suas necessidades e suas formas de conduzir a vida.

Valorizar a cultura local é valorizar o educando em suas origens, e demonstrar que ele também tem sua parcela de contribuição para a construção da história, e que suas potencialidades são muitas e de extrema importância, e ele tem a possibilidade de desenvolvê-las e que o educador pode ser um elo de ligação para que ele alcance esse objetivo. Essas atitudes tornam a aula mais eficiente, satisfatória e certamente bem mais interessante.

3.4.3.4 Avaliação

Quando se fala em novas experiências educacionais logo se pensa na avaliação. Afinal, tem sido ela a “pedra no sapato” de gerações de educadores e educandos. Sua discussão é constantemente retomada, almejando-se entender sua função, e desenvolver alternativas de aplicação. Mas, há finalidade para a avaliação? Ela é necessária?

Talvez agora decepcionemos muitos esperançosos que aguardavam um “não” como resposta. A avaliação é necessária sim, e muito. Não avaliar é temer enfrentar os problemas e a realidade. A avaliação é parte da educação dialética que se faz resgate necessário para se compreender até onde a educação chegou. É instrumento de superação das limitações. Avaliar é ter coragem de assumir atitudes com o intuito de ir além, de aperfeiçoamento.

Como diz Alvarez:

A avaliação é uma é uma excelente oportunidade para que quem aprende ponha em prática seus conhecimentos e sinta a necessidade de defender suas idéias, suas razões, seus saberes. Também deve ser o momento no qual, além das aquisições,

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aflorem as dúvidas, as inseguranças, o desconhecimento, se realmente há intenção de superá-los. Ocultá-los é uma artimanha pela qual se paga um preço muito alto em

etapas posteriores ou no futuro (2002, p.15).

Quando pensamos em avaliação temos que estar cientes do que queremos avaliar. Portanto, precisamos entender de qual avaliação estamos falando. Falamos aqui da verdadeira avaliação, que vai muito além de provas e exames finais que pretendem medir e classificar. Uma avaliação que consiga contemplar a evolução do educando e também do educador, e não somente avalie a condição escolar, mas também que consiga avaliar a evolução social em todas as suas dimensões, falamos, portanto, de “avaliação contemplativa”, que avalie a evolução, o andamento, e que projete um aperfeiçoamento.

O professor aprende para conhecer e para melhorar a prática docente em sua complexidade, bem como para colaborar na aprendizagem do aluno, conhecendo as dificuldades que deve superar, o modo de resolvê-las e as estratégias que coloca em funcionamento. O aluno aprende sobre e a partir da própria avaliação e da correção, da informação contrastada que o professor oferece-lhe, que será sempre crítica e argumentativa, mas nunca desqualificadora, nem punitiva (ALVAREZ, 2002, p.14).

Desafie assim, educando e educador à mudança, caso contrário, a avaliação será somente um instrumento aleatório, colaborando com a dominação. Para isso é imprescindível, como diz Vasconcellos “Avaliar o aluno como um todo” (1998, p. 42). Ou como complementa Demo: “Avaliamos, entre outras coisas, para saber a

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distância entre o lugar em que ocupa no momento o aluno e o lugar onde imaginamos que deveria estar” (1999, p. 18).

A avaliação deve ser uma inter-relação, onde o educador avalia o educando e ao mesmo tempo se avalia. A avaliação deve poder medir não só o nível da capacidade que o educando tem de decidir, mas também, deve medir a capacidade de produção própria, de aprendizagem e de outras áreas que manifestam o educando em um todo. Porém, um dos problemas da educação, segundo Demo, é o que muitas vezes manifesta o temor da avaliação, ou seja, o temor da avaliação está naquilo que a avaliação irá demonstrar. Afinal é de questionar-se (e esse é o dever do educador), o porque das notas baixas e altas dos educandos, repetindo os acertos, e corrigindo os erros, sempre privando por um ensino de qualidade e includente.

O educador precisa levar em consideração a realidade socioeconômica do educando, suas dificuldades e potencialidades, e ter em mente que avaliar pode ser excludente. Contudo, como diz Demo (1999), omitir-se de avaliar também é uma forma de exclusão, na medida em que se nega a perceber o nível de aprendizado do educando e a eficácia das técnicas educativas utilizadas.

A nota pode também servir de avaliação quando se torna indicador, tornando mais fácil a visão qualitativa da aprendizagem, auxiliando na interpretação daquilo que foi aprendido e no direcionamento daquilo que precisa ser melhorado, tanto pelo educador como pelo educando. Mas não pode ser a nota, de forma alguma, o julgamento definitivo e indiscutível, ainda mais quando usada para fazer o aluno permanecer em sala de aula. Com Demo dizemos fazer o educando permanecer dentro da sala de aula deve fazer parte do papel de uma boa aula, e não do temor que os educandos criam da avaliação.

Entendido este ponto sobre a avaliação em geral, precisamos compreender que dentro da filosofia, qualquer atividade pode servir de parâmetro avaliativo. Todo

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educador já considera certo grau daquilo que ele quer avaliar, ou seja, além daquelas já propostas pela LDB é possível dinamizar, porém, é sempre bom ressaltar algumas considerações básicas sobre avaliação:

É preciso evitar a prova como avaliação principal. Esta deve ser um complemento, principalmente em filosofia. Se o objetivo é criar educandos conscientes, formar a sua consciência critica e criadora, não podemos de modo algum estimular o “decorar para a prova”. Isso pode ser um atraso dentro do processo construtivo filosófico. Porém, não deixa de ser uma alternativa quanto ao modo de avaliar até que ponto o aluno entendeu e consegue expressar o seu conhecimento.

A avaliação deve ser feita na observação a partir da construção pessoal, relacionando potencialidades, limitações e necessidades, tanto de trabalhos individuais, como também trabalhos coletivos. O que, por si só, já é importante para perceber como o educando consegue se relacionar, participar e opinar, expondo seu senso crítico e participativo. É preciso socializar o educando, mas também fortalecer suas individualidades. O todo se faz pelo uno e o uno se faz pelo todo.

Pode-se e deve-se trabalhar avaliações orais, objetivas e descritivas, de modo a aproveitar o máximo da potencialidade do educando, oferecendo alternativas para seu melhor modo de expressão, respeitando suas limitações e entendendo a melhor forma de fazê-lo participar ativamente, contribuindo dessa forma para seu crescimento.

É preciso avaliar a validade e a eficácia da avaliação. Não ter medo de inovar os critérios avaliativos é interessantíssimo, de modo a não cair na rotina e na monotonia, a tal ponto que os educandos possam saber o que o educador vai cobrar, construindo um pré-saber e um pré-entender prejudicial para o entendimento dos temas e desenvolvimento do conhecimento.

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REFERÊNCIAS

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DEMO, Pedro. Mitologias da avaliação: de como ignorar, em vez de enfrentar problemas. São Paulo: Autores Associados, 1999.

FREIRE, Paulo. Extenção ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia crítica: alternativas de mudança. Porto Alegre, RS: EDIPUCRS, 2005.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo: parte II. Petrópolis, RJ: Vozes 2000.

MENDES, Juan Manuel Álvarez. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Porto Alegre: ArtMed Editora, 2002.

MOVIMENTO SEM TERRA. Método de trabalho e organização popular. São Paulo: ANCA, 2005.

PAIVA, Vanildo de. Filosofia: encantamento e caminho: introdução ao exercício do filosofar. São Paulo: Paulus, 2002.

PAULUS, Editora. Relações do ensinar. São Paulo: Paulus, 2004.

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VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Avaliação da aprendizagem: práticas de mudança: por uma práxis transformadora. 4. ed. São Paulo: Libertad, 1998. (Cadernos Pedagógicos do Libertad).

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POSFÁCIO Celito Luft

3

Não nascemos prontos e destinados, nem santos nem bandidos. Nascemos enquanto possibilidade de nos humanizarmos. Por isso, do ponto de vista cultural, torna-se mais correto falar em condição humana, dotada de racionalidade e subjetividade. A recuperação do processo histórico que nos molda, mas não nos determina, é um saudável gesto de rebeldia contra a absolutização do momento atual, que o modelo capitalista neoliberal quer nos impor.

É marca indelével da pessoa humana a capacidade de pensar-se ao longo do tempo, como construção social em constante transformação. Por isso, educação é inerente ao processo histórico. Afinal, educação é cultura e ideologia, do que deriva sermos todos educadores, assim como Gramsci (1891-1937), afirmava que “todos somos filósofos”.

O livro “Caminhos da Educação”, escrito por Henriqueta, Márcio e Rudinei, jovens grávidos de esperança, desnuda a atual visão tecnicista de educação aliada ao neoconservadorismo, que mata a utopia. Seus escritos estão repletos de rebeldia contra o atual modelo educacional definido pela globalização capitalista neoliberal, responsável pela atual crise, que marginaliza e exclui, provocando miséria, desemprego, violência e o aumento assustador do tráfico de drogas lícitas e ilícitas. O atual modelo educacional deixou-se embalar pela cantiga

3 Professor, URI – Campus de Frederico Westphalen- RS

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neoliberal. A única ética que conhece é a do mercado, sendo por isso, incapaz de gerar compaixão e solidariedade.

Está presente no texto o grito de rebeldia contra a lógica colonial, positivista e retrógrada, que mais do que nunca exige como tarefa urgente da educação, o processo de humanização e a capacidade de gerar autonomia. Educadores(as), como nos dizem Henriqueta, Márcio e Rudinei, influenciam sim o educando, a tal ponto que ele não se deixa mais influenciar. O espúrio casamento entre tecnicismo e neoconservadorismo desemboca na formação de autômatos, pensados, mas incapazes de pensar. Os autores apontam também como tarefa da Universidade rever a formação de educadores e vislumbrar se ela não caiu na armadilha neoliberal, hegemônica no Brasil a partir da década de 90.

A parte final dos escritos, Henriqueta, Márcio e Rudinei, jovens comprometidos com a transformação social, nos sugerem caminhos que poderão ser trilhados para a superação do atual modelo educacional. Trata-se do método VER – JULGAR – AGIR, que tem sido utilizado por tantos movimentos sociais, especialmente pelas Comunidades Eclesiais de Base. Exatamente por isso, este método tem causado tanta insônia à elite nacional. O livro “Caminhos da Educação”, ao mesmo tempo em que aborda a problemática educacional atual, nos desafia e convida a sermos apaixonados e nos engajarmos nas causas da pessoa humana e nas lutas sociais que objetivam a esta causa.

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