a folksonomia como modelo emergente da representação e organização da informação

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www.sbu.unicamp.br/seer/ojs/index.php ARTIGO © Rev. digit. bibliotecon. cienc. inf. Campinas, SP v.11 n.3 p.72-92 ago/nov. 2013 ISSN 1678-765X CDD: 029.7 A FOLKSONOMIA COMO MODELO EMERGENTE DA REPRESENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO THE FOLKSONOMY AS A EMERGENT MODEL OF THE REPRESENTATION AND ORGANIZATION OF INFORMATION Glessa Heryka Celestino de Santana 1 Resumo: Contextualiza a nova modalidade de representação da informação denominada folksonomia, a qual é utilizada na web, ambiente marcadamente caracterizado pela flexibilidade e dinamismo. Apresenta as Linguagens Documentárias (LD) como instrumentos convencionais para a representação da informação e faz uma comparação entre esse modelo tradicional, operado por especialistas por meio de linguagem controlada, e a folksonomia, a partir da qual usuários comuns atribuem livremente etiquetas em linguagem natural. Considera o uso da livre etiquetagem em face da hiper-segmentação do conhecimento no ambiente virtual. Palavras-chave: Linguagens de indexação. Representação da Informação. Abstract: Contextualizes the new approach of information representation called folksonomy, which is used in the web, a marked environment characterized by flexibility and dynamism. Presents the documentary languages as conventional instruments for the information representation and makes a comparison between the traditional model, operated by specialists using controlled language, and folksonomy, in which users freely assign common labels in natural language. Considers the use of free labeling in face of hyper-segmentation of knowledge in virtual environment. Key-words: Indexing languages. Representation of Information. 1 Programa de pós-graduação em Ciência da Informação da UFPE. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.Brasil. Brasil. E-mail: [email protected]

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Representação e organização da informação

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    Rev. digit. bibliotecon. cienc. inf. Campinas, SP v.11 n.3 p.72-92 ago/nov. 2013 ISSN 1678-765X

    CDD: 029.7

    A FOLKSONOMIA COMO MODELO EMERGENTE DA

    REPRESENTAO E ORGANIZAO DA INFORMAO

    THE FOLKSONOMY AS A EMERGENT MODEL OF THE REPRESENTATION AND

    ORGANIZATION OF INFORMATION

    Glessa Heryka Celestino de Santana 1

    Resumo: Contextualiza a nova modalidade de representao da informao denominada

    folksonomia, a qual utilizada na web, ambiente marcadamente caracterizado pela

    flexibilidade e dinamismo. Apresenta as Linguagens Documentrias (LD) como instrumentos

    convencionais para a representao da informao e faz uma comparao entre esse modelo

    tradicional, operado por especialistas por meio de linguagem controlada, e a folksonomia, a

    partir da qual usurios comuns atribuem livremente etiquetas em linguagem natural.

    Considera o uso da livre etiquetagem em face da hiper-segmentao do conhecimento no

    ambiente virtual.

    Palavras-chave: Linguagens de indexao. Representao da Informao.

    Abstract: Contextualizes the new approach of information representation called folksonomy,

    which is used in the web, a marked environment characterized by flexibility and dynamism.

    Presents the documentary languages as conventional instruments for the information

    representation and makes a comparison between the traditional model, operated by

    specialists using controlled language, and folksonomy, in which users freely assign common

    labels in natural language. Considers the use of free labeling in face of hyper-segmentation

    of knowledge in virtual environment.

    Key-words: Indexing languages. Representation of Information.

    1 Programa de ps-graduao em Cincia da Informao da UFPE. Universidade Federal de

    Pernambuco - UFPE.Brasil. Brasil. E-mail: [email protected]

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    INTRODUO

    Em vista da intensidade das interaes entre os usurios ocorridas a todo

    momento na rede mundial de computadores, em que so verificadas constantes

    transformaes socioculturais devido sua prpria constituio, que se mostra

    bastante fluida, portanto, carregada de eventos que variam de acordo com a influncia

    dos usurios que se conectam ela, constata-se o surgimento de prticas inovadoras.

    Essas novas aes podem ser presenciadas sob variadas facetas dentro da

    world wide web, quando se leva em considerao a produo de contedos em

    inmeras reas de conhecimento e campos de atuao. A folksonomia, nesse sentido,

    revela-se como um novo tipo de prtica relacionada representao e organizao da

    informao, sendo utilizada em sistemas que permitem a livre descrio dos

    contedos por meio de tags (etiquetas) estabelecidas por qualquer pessoa que tenha

    acesso a essas informaes.

    A folksonomia, enquanto uma nova forma de representao da informao

    baseada nas possibilidades que a web oferece, apresenta determinadas especificidades

    quando se compara seu uso ao das linguagens documentrias, ferramentas tradicionais

    da representao da informao.

    Este trabalho trata da caracterstica institucionalizada que marca a construo

    das linguagens controladas e da natureza flexvel e dinmica dos sistemas que

    envolvem a folksonomia, destacando o papel dos especialistas, no caso das linguagens

    documentrias, e a interveno de usurios comuns, no que tange etiquetagem.

    2 REPRESENTAO TRADICIONAL DA INFORMAO

    As atividades que os indivduos desempenham no seu trato dirio com os

    grupos sociais dos quais fazem parte necessitam de um ordenamento lgico para que

    possam ser realizadas sem que haja maiores impedimentos. Em funo da existncia

    de variados tipos de perfis humanos, as maneiras de dar ordem s coisas se

    distinguem entre si, ainda que se destinem ao mesmo propsito, qual seja, o de

    facilitar o desenvolvimento do raciocnio e das funes a serem cumpridas

    cotidianamente.

    A sistematizao das ideias e das prticas com a finalidade de pr em

    andamento as exigncias cotidianas de ao e, no menos importante, de reflexo,

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    desde sempre se mostrou um processo natural e inerente a todas as pessoas, de modo

    que se torna difcil conceber as sociedades na sua ausncia. parte esse aspecto de

    sistematizar involuntariamente as coisas em seu entorno, momentos histricos

    impeliram o homem a propor instrumentos capazes de promover uma sistematizao

    suficientemente acurada, desenvolvendo, dessa maneira, mecanismos de organizao

    com objetivos especiais.

    Estabelecer metodologias para a organizao da informao foi se mostrando

    uma necessidade premente, em especial a partir do momento em que a produo da

    informao cientfica passou a aumentar de forma expressiva, em funo de uma

    demanda especfica, a saber, os esforos da segunda grande guerra, que teve lugar em

    meados do sculo XX. Nela, o estmulo produo de artigos cientficos ocupou

    posio de destaque, destinando-se a obter vantagem competitiva em relao s foras

    inimigas.

    Mediante a grande e cada vez mais crescente quantidade de informao que se

    acumulava, profissionais envolvidos no contexto blico perceberam que era

    fundamental organizar os documentos produzidos para, a partir da, ser possvel

    extrair a informaes neles disponveis. Nesse sentido, utilizaram-se as LD como

    meios para a consecuo de tal propsito.

    O uso das LD no se restringiu ao contexto histrico da guerra e ao tratamento

    dos documentos como maneira de fazer frente aos adversrios, bem ao contrrio,

    recorre-se a elas ainda hoje, no momento em que preciso representar e, em

    consequncia, organizar a informao, em uma abordagem sistmica, para fins de

    ulterior recuperao.

    As LD podem ser consideradas parte da representao tradicional da

    informao. Esse tipo de representao ancorado em teorias, como a do conceito, a

    da classificao facetada e a da teoria geral da terminologia, as quais oferecem

    subsdios tericos para se proceder classificao, observando-se as relaes

    conceituais. Desse modo, tradicionalmente, essa representao se d mediante a

    sistematizao de conceitos, em uma estrutura constituda de relaes

    predominantemente hierrquicas, as quais lanam mo de mecanismos lgicos a fim

    de que haja interao e coerncia nessas relaes.

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    Segundo Cintra et al. (2002, p. 33), as linguagens documentrias so, pois,

    construdas para indexao, armazenamento e recuperao da informao e

    correspondem a sistemas de smbolos destinados a traduzir os contedos dos

    documentos. Como instrumentos voltados para o tratamento temtico e descritivo da

    informao, baseados em cdigos, normas, linguagens e padres prprios, as LD so

    convenes, no sentido de que se configuram linguagens artificiais, opondo-se s

    linguagens naturais, porm sem estarem completamente isentas destas, por se

    fundamentarem nelas.

    A respeito do ato de classificar respaldado em LD, Brscher e Carlan (2009)

    entendem que

    o processo de classificao uma formao metodolgica e sistemtica

    onde se estabelecem critrios para a diviso, isto , a formulao de um

    esquema de categorias, classes e subclasses baseado nas caractersticas e

    relaes dos objetos considerados. , tambm, um sistema logicamente

    estruturado onde os conceitos predeterminados correspondem a um cdigo

    identificador.

    Ao utilizar esses instrumentos metodolgicos, os profissionais que realizam a

    indexao de documentos tornam-se aptos a represent-los de uma maneira reduzida,

    estabelecendo palavras-chave ou descritores que se constituem pontos de acesso a

    partir dos quais o usurio pode recuperar a informao buscada. Nesse sentido, a

    indexao oferece alguns caminhos referentes a um mesmo documento, por meio da

    reduo qual a informao foi submetida quando do processo de representao.

    Como metalinguagens, portanto sistemas construdos para determinada

    finalidade, nesse caso, a de permitir uma representao em que os conceitos se

    relacionem uns com os outros, na expectativa de que esta se aproxime das

    necessidades de seu pblico-alvo, as LD por exemplo, os tesauros e os sistemas de

    classificao (CDD, CDU etc.) so formuladas por especialistas, que levam em

    considerao conhecimentos de vrias reas.

    Nesse processo, destaca-se o controle como elemento fundamental, em que

    procedimentos metdicos e instrumentos metodolgicos so aplicados para a

    obteno da objetividade, em detrimento da subjetividade inerente ao conhecimento

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    que o homem vem produzindo na histria. Kobashi (1996, p. 65-66) trata desse

    aspecto quando diz:

    Tendo em vista o grau de reduo a que se deve submeter um texto, para

    fins de indexao, conveniente que o processo seja controlado com

    procedimentos metdicos. As noes de tema e de estrutura temtica

    oferecem indexao os parmetros que permitem controlar a

    subjetividade na interao leitor/texto.

    O desenvolvimento de instrumentos, como os vocabulrios controlados, est,

    portanto, inexoravelmente relacionado a atividades especficas que profissionais de

    diferentes campos Cincia da Informao, Biblioteconomia, entre outros praticam,

    as quais so consideradas parte de suas atribuies. Com vistas a se especializarem no

    estabelecimento das linguagens documentrias, cujo processo envolve a conformao

    de um sistema de convenes que possa subsidiar as relaes conceituais presentes

    em domnios do conhecimento, tais profissionais vo em busca de se aprofundar nos

    estudos da linguagem, da lgica, da filosofia etc. e ainda do campo de conhecimento

    sob anlise.

    Alm da contnua atualizao nos estudos, os responsveis pela construo e

    manuteno de tesauros e sistemas de classificao participam de cursos da rea e de

    eventos seminrios, congressos etc. onde se promove a discusso a respeito da

    produo acadmica em voga. A literatura especializada fornece as bases para que a

    renovao dos conhecimentos pertinentes ao campo de atuao circule, na medida em

    que h a preocupao em se acompanhar as pesquisas dos estudiosos da rea.

    Tradicionalmente, o tratamento temtico da informao se insere em um

    contexto no qual prevalecem prticas institucionalizadas, em razo de estarem

    submetidas a espaos onde se observa uma legitimao por parte de grupos sociais

    especficos, bem como da sociedade em geral. Ainda com relao ao tratamento da

    informao, Dias e Naves (2007, p. 17) expem que

    instrumentos importantes nesse trabalho, como os cdigos de catalogao,

    os sistemas de classificao bibliogrficas, listas de cabealho de assunto,

    os thesauri e as normas de documentao [...] so geralmente

    desenvolvidos e mantidos por organismos ou instituies muitas vezes

    criadas especialmente com essa finalidade.

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    Diante dessa afirmativa, entende-se que os especialistas no tratamento da

    informao se encontram vinculados necessariamente a instituies, como centros de

    informao e ncleos em universidades. Esse quadro demonstra o incentivo

    expertise por parte dos organismos em questo, na forma de contratao de recursos

    humanos, com vistas melhoria na qualidade da organizao da informao, j que

    sua adequada recuperao s demandas do usurio de sistemas de informao mostra-

    se de fundamental importncia para a tomada de deciso, como tambm para o

    incremento dos saberes.

    Sobre a relao entre as necessidades de informao, as linguagens artificiais e

    as instituies, Dias e Naves (2007, p. 17) revelam:

    O acesso informao tem vrios aspectos financeiro, fsico, intelectual,

    social, entre outros todos eles representando, eventualmente, barreiras

    para o usurio, dependendo das circunstncias. Por isso, surgiu a

    necessidade de se criarem meios, instrumentos que pudessem facilitar esse

    acesso. Entre as instituies que tm se revelado mais eficazes nesse

    sentido destacam-se as bibliotecas e os sistemas de recuperao de

    informao.

    Uma gama expressiva de pensadores empenhados na reflexo a respeito da

    contemporaneidade, ao levar em considerao aspectos socioeconmicos e polticos,

    julga que est em curso uma Sociedade da Informao. Sob diferentes graus de

    intensidade e importncia, atravs dos sculos, os homens tiveram de recorrer a

    informaes a fim de prosseguirem com suas tarefas ordinrias e intelectuais.

    Por esse vis, a Sociedade da Informao se assemelha aos momentos

    anteriores da histria, porm apresenta uma maior exigncia no que tange ao acesso

    informao, posto que em todos os mbitos sociais ela se faz necessria. No segmento

    cientfico, sua presena torna-se imprescindvel:

    A informao a seiva da cincia. Sem informao, a cincia no pode se

    desenvolver e viver. Sem informao a pesquisa seria intil e no haveria

    conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a

    informao s interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente.

    (LE COADIC, 2004, p. 26).

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    Dentre as caractersticas mais marcantes das LD, alm do fato de serem

    constitudas em um ambiente institucionalizado e a partir da expertise, sobressai-se

    seu carter hierarquizado e rgido, em que se procede ao controle da terminologia e

    das categorias inseridas nos domnios de conhecimento, isto , procedimentos

    metdicos so realizados, com a finalidade de minimizar discrepncias, polissemias,

    dentre outros problemas que podem surgir durante a representao e organizao da

    informao.

    Com o intuito de operacionalizar esses procedimentos, de maneira que a

    inteno de controlar determinados equvocos no tratamento da informao seja

    alcanada em sua mxima possibilidade, a indexao, como uma forma de

    representao, portanto de condensao dos contedos de documentos, utiliza-se de

    operaes de anlise e sntese, as quais tm como produto a traduo da linguagem

    natural para a linguagem documentria. Segundo Lima (2006, p. 104), a indexao

    o processo intelectual que envolve atividades cognitivas na compreenso

    do texto e a composio da representao do documento. [...] O processo

    de indexao se d em trs etapas: 1) anlise do documento e

    estabelecimento do seu assunto, 2) identificao dos principais conceitos

    do documento, e 3) traduo destes conceitos em termos de uma

    linguagem de indexao.

    Anlise Sntese Traduo

    No tratamento convencional da informao, a cadeia composta das fases de

    anlise, sntese e traduo ampara-se em teorias e metodologias a partir das quais os

    especialistas responsveis respaldam suas atividades objetivando maior acuidade na

    representao dos documentos, de modo que a recuperao das informaes neles

    contidas satisfaa as necessidades de determinados usurios.

    3 FOLKSONOMIA: REPRESENTAO COLABORATIVA DA

    INFORMAO

    As operaes de analisar e sintetizar contedos visando represent-los esto

    igualmente presentes nas atividades que envolvem a folksonomia. Embora os usurios

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    dos sistemas que incluem a folksonomia desconheam, em sua maioria, essa cadeia

    no sentido terico-metodolgico, desenvolvem cada uma das fases emprica e

    subjetivamente.

    Atualizar continuamente as LD configura-se uma tarefa de difcil consecuo

    quando se relaciona, em especial, esfera dos contedos digitais, que denotam como

    uma de suas principais caractersticas o dinamismo. Tendo-se em mente esse aspecto,

    ressalta-se tambm o custo elevado que a constante manuteno desses instrumentos

    implica, em que pese a contratao de profissionais especializados.

    Nesse processo, em que, se requer-se a expertise para fins de legitimao dos

    produtos gerados, reconhece-se a presena do sistema top-down. No mbito da

    representao, associa-se o sistema top-down ao aspecto relativo existncia de um

    grupo seleto capacitado, ao qual se solicita a elaborao de um conjunto de

    instrumentos (tesauros, listas de cabealho de assunto) a serem utilizados por um

    expressivo nmero de usurios (MOURA, 2009).

    Dessa maneira, nesse modelo, a atuao de poucos indivduos determina as

    atividades de uma parcela significativa de pessoas, em que estas devem se adaptar ao

    entendimento daqueles, uma vez que so reconhecidamente aptos. Esse sistema de

    cima para baixo, onde se visualiza a influncia de um determinado segmento sobre

    outros, passa a coexistir com o sistema bottom-up, a partir do desenvolvimento da

    web, em especial, no seu segundo estgio.

    A preocupao com o acesso informao passa a tomar grande proporo

    quando h o surgimento da internet e, posteriormente, da web. As tecnologias digitais

    de informao e comunicao, a exemplo da internet, configuram-se um meio

    propcio construo, comunicao e uso de contedos informacionais (LE

    COADIC, 2004), da sua conformao, cuja base a informao.

    Assim como, o ps-segunda guerra representou um marco no que diz respeito

    a um acrscimo considervel na produo de informao, especificamente a tcnico-

    cientfica, a internet tem proporcionado um crescente e ininterrupto acmulo de

    contedos digitais, devido s facilidades que vem acrescentando desde o seu

    surgimento. A denominada Sociedade da Informao faz parte da atual fase histrica

    e incorpora de tal maneira as novas tecnologias que se mostra improvvel uma

    dissociao entre elas.

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    Por representar um meio em que os indivduos estivessem habilitados a

    interagirem uns com os outros em larga escala, quase sem impedimentos, desde que

    munidos de computadores conectados rede, a internet se transformou na principal

    forma de produzir e disseminar recursos informacionais.

    Uma sociedade em rede (CASTELLS, 2001) liga seus membros entre si, cujos

    comportamentos influenciam e so influenciados pelas aes ocorridas no ciberespao

    (LVY, 1999), local onde se do as trocas eletrnicas, o qual regido por uma

    cultura peculiar, a cibercultura. Castells (1999, p. 414) se reporta a essa questo, ao

    dizer:

    Como a cultura mediada e determinada pela comunicao, as

    prprias culturas, isto , nossos sistemas de crenas e cdigos

    historicamente produzidos so transformados de maneira fundamental pelo

    novo sistema tecnolgico e o sero ainda mais com o passar do tempo.

    Nela, as pessoas ensejam novos tipos de relaes, passveis de acontecerem

    devido a essa configurao, at ento inexistente. Em funo de os obstculos espao-

    temporais se desintegrarem, em uma desmaterializao das possibilidades

    comunicacionais, a tnica do ambiente virtual tem sido a conectividade. Estabelecida

    a noo de conectividade como ponto de destaque, seno principal, da rede das

    redes, tem-se lugar a presena dos hipertextos eletrnicos. Uma definio de

    hipertexto indicada por Lima (2006, p. 100): O hipertexto [...] um documento

    eletrnico que permite uma leitura no sequencial, semelhante flexibilidade da

    leitura e do raciocnio humano.

    Reportando-se natureza do hipertexto, possvel afirmar que a ausncia de

    uma linearidade quando de seu acesso pelos usurios da rede configura-se a

    caracterstica principal, em meio a outras. A prpria noo de rede depende dessa

    constituio apresentada pelo hipertexto, em virtude do estabelecimento de vnculos

    entre inmeros recursos, de diversas modalidades.

    H ainda outros aspectos pertinentes identificao do hipertexto, todos inter-

    relacionados com a no linearidade. A propriedade volatilidade, pelo fato de se inserir

    na virtualidade, torna o hipertexto fluido, sem estabilidade, de maneira que o acesso

    imprevisvel e efmero. A topografia diz respeito organizao da estrutura de

    leitura, a qual no hierrquica ou tpica, desse modo, ocorre sem os entraves

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    delimitadores do texto fsico. No caso da fragmentariedade, devido possibilidade,

    seno incentivo, de acessar variados links em um pequeno espao de tempo, h a

    constante interrupo na continuidade da leitura a que o usurio se props

    inicialmente a ensejar.

    A acessibilidade ilimitada, como uma das propriedades do hipertexto, tem a

    ver com sua perspectiva hipermiditica, j que os recursos digitais passveis de serem

    acessados so inmeros. J com relao multisemiose, aponta-se a possibilidade de

    integrao entre linguagens verbais e no verbais, a exemplo da visual, virtual e

    cinematogrfica. A interatividade, por sua vez, refere-se ao estmulo ao acesso a

    fontes de informao variadas, tais como enciclopdias, obras cientficas e literrias,

    museus. Por fim, a iteratividade diz respeito intertextualidade presente nos

    hiperdocumentos em forma de notas, citaes etc (LIMA, 2006).

    De um modo geral, a sequncia no acesso determinada por interesses

    pessoais do usurio no momento da conexo, havendo, assim, uma coerncia, um

    propsito na escolha dos links. Ao estabelecer o acesso, cada usurio segue uma

    progresso atravs dos ns encontrados nos hipertextos, o que torna sua navegao

    nica, diante da pluralidade de recursos com os quais se depara.

    Campos, Souza e Campos (2003, p. 8) realizam uma comparao entre a

    escrita tradicional e a escrita eletrnica, ao apontarem que

    a escrita linear reproduz o pensamento em rvore, em dada hierarquia de

    ideias, e a escrita fragmentada, caracterstica dos hiperdocumentos,

    reproduz o pensamento em uma rede de associaes de ideias [...]

    No que Marchuschi (1999, p. 7) corrobora quando diz que [...] o hipertexto

    constri relaes de vrios tipos e permite caminhos que no so hierarquicamente

    condicionados [...].

    Na conjuntura de uma nova ordem mundial impulsionada pela popularizao

    no uso da internet, a web ocupa lugar de destaque ao trazer novas possibilidades de

    comunicao e conhecimento a pessoas presentes em todas as partes do mundo.

    Contemporaneamente, a web se encontra em seu segundo estgio, cujo

    desenvolvimento acrescenta inovaes web 1.0, que, de modo geral, associada a

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    uma menor interao usurio-rede, comparando-se relao estabelecida na fase

    atual.

    Enquanto na web 1.0 havia baixa expectativa dos usurios no que concerne a

    trocas entre si bem como entre eles e os contedos digitais, em razo mesmo das

    restries tcnicas da poca, na web 2.0, h uma naturalizao acerca das relaes

    interativas. Conhecida tambm como Web Social, justamente por causa de seu forte

    cunho interacional e colaborativo, a web 2.0 dispe de diversos recursos por meio dos

    quais seus usurios podem criar vnculos e terem acesso a novas informaes, de

    modo a subsidiar suas necessidades do momento, por exemplo, as cientficas, as

    tcnicas, as financeiras, as de entretenimento etc.

    Para que essa realidade acontea, no atual estgio da web, so continuamente

    desenvolvidos e disponibilizados aplicativos e softwares sociais e servios web que

    estimulam a participao do usurio, ao habilit-lo criao e compartilhamento de

    contedos digitais, num universo composto de funcionalidades como blogs, fruns,

    wikis, agregadores de feeds (RSS), redes sociais, social bookmarks, folksonomias etc.

    Primo (2007, p. 1) chama a ateno para um aspecto fundamental dessa web,

    ao apontar que a Web 2.0 tem repercusses sociais importantes, que potencializam

    processos de trabalho coletivo, de troca afetiva, de produo e circulao de

    informaes, de construo social de conhecimento apoiada pela informtica.

    Estando inexoravelmente atrelados web, os sistemas que utilizam a

    folksonomia se valem das aes permitidas pela estrutura dos hipertextos e da

    diversidade de recursos, a fim de integrar rede uma nova modalidade de

    classificao, representao e organizao de contedos informacionais, concebendo

    diferentes caminhos na construo do conhecimento.

    Segundo Barreto (2007, p. 2),

    no mundo digital, a escrita acntrica abre uma nova conformao no

    relacionamento com o receptor e com o conhecimento. O texto entrelaado

    com outras estruturas traz uma vinculao e um emaranhado de cadeias

    imprevisveis sem uma qualificao hierrquica [...].

    Se a essncia dos documentos em si no se modificou, ou se alterou

    limitadamente, por outro lado, as prticas relativas sua representao, como forma

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    de sntese, vm demonstrando uma flexibilidade sensvel. Em virtude da caracterstica

    marcadamente fluida que a web imprimiu na esfera da produo e representao de

    contedos digitais, observa-se o surgimento contnuo de novidades, sendo

    identificadas na totalidade dos campos.

    Ainda, elementos das linguagens dos seus usurios costumam ser renovados a

    todo instante, implicando a multiplicidade de expresses, grias, jarges e termos

    novos que representam as transformaes ocorridas no comportamento das pessoas e

    de grupos frente ao uso das tecnologias digitais de informao e comunicao em seu

    dia a dia.

    Em face do exposto, ressalta-se que a folksonomia, por estar inserida na web,

    ambiente cuja maleabilidade se distancia de estruturas hierarquizadas e rgidas,

    caracterizada como uma maneira de os usurios empreenderem a livre associao de

    pensamentos, ideias e entendimentos no momento da representao, para tanto,

    fazendo-se uso da linguagem natural.

    Reconhecida como classificao social da informao, a folksonomia,

    neologismo cunhado a partir dos termos folks e taxonomy, refere-se ao poder dado s

    pessoas em geral para etiquetagem dos contedos web, sem que seja necessrio

    recorrer a linguagens controladas, portanto, especializadas. Uma definio acerca de

    folksonomia designada por Aquino (2007, p. 3-4):

    Trata-se de um sistema de indexao de informaes que permite a adio

    de tags (etiquetas) que descrevem o contedo dos documentos

    armazenados. Baseada na livre organizao, a folksonomia traz um novo

    tipo de link, a tag, criada pelos prprios usurios da web, que assim, de

    forma coletiva representam, organizam e recuperam os dados na Rede.

    Como sistemas pioneiros na folksonomia que oferecem a oportunidade de os

    usurios representarem os contedos neles encontrados, destacam-se os sites

    Delicious, Flickr, entre outros. Na sequncia da iniciativa desses precursores,

    surgiram inmeros sistemas, bastante diversificados entre si, pois do conta de

    universos distintos, tais como o da cincia, o das artes, o do entretenimento.

    Assim, na atualidade, h uma popularizao na oportunidade de etiquetar

    contedos, o que se nota tanto em sites mais simples, como, por exemplo, em blogs

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    sem muita pretenso, quanto em sites desenvolvidos com a preocupao de serem

    sistemas nos quais a representao e a recuperao de contedos sejam reforadas,

    garantindo a satisfao dos usurios.

    Na esfera da folksonomia, os usurios possuem dois tipos especiais de

    motivao para o uso desses sistemas. A motivao individual se mostra recorrente

    quando se atribuem as tags como maneira de esquematizar os contedos, em uma

    organizao bastante pessoal, prevendo a sua recuperao num momento posterior.

    Exemplo disso so os bookmarks, sistemas onde usurios podem adicionar links de

    sua preferncia, inserindo-os em grupos por afinidades, como forma de organiz-los

    para recuperao.

    Tal organizao se d por meio de tags especficas, as quais, muitas vezes,

    fazem sentido unicamente para quem as etiquetou, denotando forte teor pessoal.

    Nesse tipo de prtica, visa-se somente a uma organizao, sem que o

    compartilhamento seja considerado.

    O segundo tipo principal de motivao tem a ver com a perspectiva

    colaborativa da informao. Da a existncia dos social bookmarks, como o Delicious,

    que estimulam o compartilhamento dos sites favoritos dos usurios, fazendo com que

    mais links sejam adicionados, j que novos interesses passam a ser despertados.

    Nos estudos sobre a folksonomia, parte significativa dos pesquisadores

    costuma apontar, alm de seus benefcios, os problemas que sua utilizao pode

    acarretar em se tratando de representao e, especialmente, de recuperao de

    informaes presentes na rede.

    Relativamente s desvantagens, a maior crtica concernente ao fato de que a

    folksonomia est sujeita impreciso na representao, consequentemente, na

    recuperao da informao. Isso acontece principalmente por causa do emprego,

    pelos usurios, da linguagem que praticam no seu cotidiano para se comunicar, a qual

    se mostra bastante plural, carregando em si vrias facetas culturais (AMSTEL, 2007).

    Acerca da interdependncia entre comunicao e linguagem natural, Dodebei (2002,

    p. 51) explicita:

    A Lngua Natural (LN) faz parte desse modelo comunicacional aberto,

    onde a mensagem varia conforme os cdigos. Estes so postos em pauta

    conforme as ideologias e circunstncias, e todo sistema de signos se

    reestrutura continuamente com base na experincia de decodificao que o

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    processo institui como semiosi in progress. O processo de comunicao se

    d, portanto, quando o indivduo reduz o que pensa e quer a um sistema de

    convenes comunicativas, ou seja, quando o que pensa e quer

    socializado.

    Portanto, ao no recorrer s linguagens controladas promove-se, na

    folksonomia, uma liberdade irrestrita que, em geral, provoca disperso e recorrncia

    de mltiplos sentidos para uma nica informao, caracterizando-se polissemia e

    ambiguidade. Ao mesmo tempo em que apontada como uma caracterstica negativa,

    a ausncia de um controle quando da representao configura-se uma de suas

    principais vantagens. Vale ressaltar o favorecimento formao de comunidades em

    torno de assuntos de interesse como mais um desses benefcios (CATARINO e

    BATISTA, 2007).

    Enquanto na organizao e representao tradicional da informao h uma

    nfase na anlise dos contedos baseada na lgica e nas relaes onde prevalece a

    ordem hierrquica entre classes, categorias, que os configuram, visando a uma

    formalizao de contedos que possam traduzir com mais fidelidade e preciso a

    informao, na folksonomia, face sua natureza indmita, as etapas de organizao e

    representao da informao se mostram at ento parte dessas preocupaes.

    Durante a etiquetagem, os usurios que desejam representar os contedos com

    vistas a organiz-los e recuper-los, como tambm compartilh-los, inserem-se num

    sistema que se delineia a partir de baixo para cima. Como no poderia deixar de ser,

    pelo fato de a folksonomia se apresentar no ciberespao, o sistema bottom-up

    incentiva a participao de todos os usurios que o desejarem, em uma diversidade de

    perfis.

    Assim, h uma contraposio entre o sistema top-down caracterstico das LD e

    o sistema bottom-up, do qual os taggers quaisquer usurios que relacionem tags a

    contedos fazem uso, na medida em que, neste ltimo, o poder no recai apenas em

    alguns grupos que detm o ttulo de especialistas cujo reconhecimento

    institucionalizado e sim em indivduos comuns, detentores de conhecimentos que

    compem a sabedoria das multides.

    Passarelli (2008) enfatiza essa compreenso ao trazer que

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    o foco no usurio nasce juntamente com o modelo conceitual de Internet,

    que preconiza a comunicao de todos com todos, instaurando uma rede de

    comunicao horizontal em oposio hierarquia vertical que rege as

    relaes humanas em ambientes outros [...].

    Por essa perspectiva, a folksonomia emerge como uma nova forma de

    organizao da informao, acompanhado o curso dos acontecimentos, que, em seu

    modelo atual, encontram-se entremeados virtualidade. Em outras palavras, diversos

    tipos de conhecimento esto disponveis na rede, havendo, num fluxo incessante, uma

    constante atualizao e acrscimo desses conhecimentos, dessa vez no somente por

    pessoas certificadas, mas tambm por quaisquer indivduos, os quais contribuem, cada

    um sua maneira, de acordo com seus saberes prvios.

    Weinberger (2007, p. 102) encara a produo intensa de contedos

    desencadeados pela bagagem prpria de milhes de pessoas como uma miscelnea e,

    fazendo meno ao conhecimento tradicional, salienta que

    [...] as instituies cresceram para manter a estrutura conceitual do

    conhecimento. Sua capacidade de certificar especialistas e afianar o

    conhecimento tornou-as poderosas e, s vezes, ricas. Portanto, quando a

    miscelnea abala nossa certeza quanto natureza do conhecimento, coloca

    em jogo mais do que o futuro das fichas catalogrficas.

    Em um tipo de experincia como a da folksonomia a autoridade, no que diz

    respeito representao e organizao de contedos informacionais, transferida a

    quaisquer indivduos, os quais promovem a construo de uma inteligncia coletiva.

    Dentro dessa coletividade, cada partcipe possui experincias, conhecimentos e

    entendimentos particulares, que vo sendo acrescentados web, conformando-se,

    assim, um ambiente mpar, onde se encontram mltiplos grupos, cujos membros so

    possuidores de conhecimentos especficos.

    Embora nas LD, muitas vezes, a neutralidade na representao seja propalada

    como um de seus atributos, sua evidncia mostra-se discutvel, posto que inconteste

    a possibilidade de determinadas ideologias virem a ser inseridas, uma vez que essas

    linguagens so construdas por pessoas, carregadas de valores e de subjetividade.

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    No caso da folksonomia, a subjetividade desempenha papel preponderante,

    sendo at mesmo estimulada, pois, nesses sistemas, a variedade na escolha das tags

    potencializa a representao dos contedos. Conforme Weinberger (2007, p. 102,

    grifo do autor), as coisas tm seus respectivos lugares, no um nico lugar.

    Chegamos a um ponto em que podemos criar nossas prprias categorias, de acordo

    com nossa forma de pensar.

    A expresso context is king traz uma perspectiva bastante apropriada das

    prticas da folksonomia, j que elas se voltam para uma abordagem holstica do

    conhecimento, cuja natureza multifacetada. Os indivduos, como seres plurais, tm

    nsia de compartilhamento de suas experincias, seus pontos de vista, suas

    especificidades. Essas caractersticas, embora individuais, so suscetveis de

    pertencerem a grupos, em razo das semelhanas apresentadas pelos demais

    membros, os quais vo formando redes de relacionamento a partir de afinidades.

    A configurao da web 2.0 torna o ambiente dos sistemas que se utilizam da

    folksonomia propcio a que os usurios atribuam diversas etiquetas a um mesmo

    contedo, porque, em geral, no existe limite para essa ao, de modo que somente se

    admita a etiquetagem com poucos marcadores a cada contedo. Diante desse cenrio,

    constata-se a presena de inmeras tags indicando o mesmo contedo, de tal forma

    que sua representao se mostre mais rica, do ponto de vista da complexidade que

    uma nica informao apresenta, ao passo que pode ser entendida como constituinte

    de diferentes contextos.

    Nesse sentido, a representao de determinado recurso se amplia, ainda que

    recaiam crticas a esse respeito, na medida em que, posteriormente, a recuperao

    encontre-se comprometida em funo da disperso causada pela falta de rigor quando

    da etiquetagem. Acerca desse aspecto, Nascimento e Neves (2009) destacam que

    apesar das limitaes apresentadas, a folksonomia tem a capacidade de

    adaptar-se rapidamente a mudanas e necessidades do vocabulrio do

    usurio. No existe nenhum custo significativo para o usurio ou sistema

    adicionar novos termos folksonomia.

    Na folksonomia as tags, como pontos de acesso, proporcionam uma

    quantidade incomensurvel de ligaes, numa infraestrutura de hipertextos que

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    conduz o usurio a diferentes perspectivas de uma mesma temtica e a contedos

    completamente diversos mas que, de alguma maneira, os unem.

    Em face dessa realidade, os taggers usurios colaboradores mostram-se

    mais propensos a reconhecer os objetivos comunicacionais de determinados

    contedos, pois seus conhecimentos especializados, suscitados pelas afinidades, na

    temtica desses contedos lhes conferem maior propriedade no momento da

    representao. As particularidades inerentes aos usurios levam segmentao dos

    conhecimentos, havendo a constituio de um nmero significativo de comunidades

    virtuais que agregam nichos de interesses.

    A partir da constituio de subgrupos cujos membros possuem conhecimentos

    e gostos em comum, em um alto grau de especificidade, j que caminham para uma

    nfase na especializao de seu objeto de interesse, possvel constatar a

    especialidade tambm presente no vocabulrio empregado por essas comunidades.

    Assim, no momento da representao de contedos digitais referentes s temticas de

    sua predileo, esses usurios atribuem tags que, para a maioria das pessoas, no

    trazem qualquer significao.

    O aspecto contextual, portanto, enfatizado nos processos de etiquetagem

    mediante as percepes individuais que determinado usurio apresenta sobre o

    contedo acessado. Suas motivaes pessoais e de grupo tm influncia na

    etiquetagem, em que pese a finalidade das aes empreendidas, seja unicamente a

    organizao dos contedos, seja a representao de recursos informacionais como

    forma de colaborar com demais integrantes das comunidades de interesse e dos

    usurios em geral.

    Sob essa perspectiva, reconhece-se a heterogeneidade existente no ambiente

    virtual, cujo grau de convergncia de recursos digitais desencadeia uma

    hiperinformao. Essa quantidade exacerbada de informao vem provocando

    alteraes em variados campos, a exemplo da organizao da informao, com a

    folksonomia, sendo a informalidade na representao sua propriedade mais

    enfatizada.

    4 CONSIDERAES FINAIS

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    Na rea da organizao e representao tradicional da informao, tem se

    recorrido construo de linguagens documentrias com o propsito de proceder a

    um maior controle na representao dos documentos. Para tanto, instituies voltadas

    para a finalidade de representao, organizao e recuperao de documentos

    contratam especialistas que possam utilizar seus conhecimentos a fim de realizar um

    trabalho mais acurado nesse sentido.

    expertise desses profissionais, contrape-se a representao e organizao

    da informao realizada por indivduos comuns, que no tm necessariamente seus

    conhecimentos certificados por instituies. Nesse sentido, emerge a folksonomia, a

    qual permite o uso da linguagem natural dos usurios que acessam os sistemas que a

    incluem em seus processos, havendo assim uma liberdade na explicitao de

    conhecimentos prvios.

    Ambos os modelos tm como inteno primeira a representao da informao

    para recuper-la em seguida, embora nas estruturas tradicionais do saber empreguem-

    se vocabulrios controlados com o intuito de localizar hierarquicamente os

    conhecimentos. J a folksonomia, por estar associada a um ambiente malevel e

    plural, a web, onde o aspecto de entretenimento particularmente sobressalente,

    torna-se um processo menos rgido nesse sentido, pois no incomum o fato de os

    usurios etiquetarem as informaes sem muita pretenso ou rigidez hierrquica.

    Ainda que se considere a importncia das LD, diante da relevncia que elas

    continuam tendo na sociedade, em virtude de proverem instrumentos destinados a

    melhorar a qualidade da organizao e representao da informao, em

    consequncia, de sua recuperao, com vistas a atender a necessidades informacionais

    dos usurios de sistemas de informao em ambientes mais formais, seria um

    retrocesso deixar de reconhecer a emergncia da folksonomia como um modelo a ser

    utilizado nos esforos de representao de contedos digitais, numa interface com o

    modelo tradicional.

    A folksonomia suscita muitos questionamentos, em face das demandas

    imprevisveis que usurios da web trazem a cada momento. A fim de levantar novas

    reflexes acerca desse fenmeno, sugere-se o aprofundamento dos estudos sobre a

    competncia em informao ligada folksonomia, ou tagging literacy, visando

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    discusso a respeito da educao de usurios para que etiquetem os contedos com

    uma maior conscincia de que contribuem para a recuperao da informao.

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    Como citar este artigo:

    SANTANA, Glessa Heryka Celestino de. A folksonomia como modelo emergente da representao e organizao da informao. Rev. digit. bibliotecon. cienc. inf., Campinas, SP, v.11, n.3, p.72-92, ago/nov. 2013. ISSN 1678-765X. Disponvel em: