a psicopatia em face da vitimologia

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A PSICOPATIA EM FACE DA VITIMOLOGIA: MOEDA DE UM SÓ LADO Psycopathy before victimology: only one side of the coin Alexandra Gonçalves Ferreira 1 Tarquínio Baeta de Medeiros 2 RESUMO: Este artigo surge como uma tentativa de fazer uma interface entre direito e psicologia, mais precisamente entre a psicanálise e a vitimologia. Busca debater um tema que nos dias de hoje se encontra em meio a forças antagônicas, que são as posições de vítima e vitimizador. Posições estas que possuem bases ideológicas rígidas. Tem a finalidade de descrever em parte, sobre as características e comportamentos dos indivíduos com diagnóstico de transtorno antissocial. Tem também o objetivo de mostrar o lado das vítimas atacadas por estes sociopatas. Assim como suas condições psicológicas. Por fim, apontar para a negligência das autoridades constituídas para com a situação das mesmas. PALAVRAS-CHAVE: Vitimologia, psicopatas, psicopatia, sociopatias, sociopatas, transgressão, vitimas, vitimizadores. ABSTRACT: This article is an attempt to make an interface between law and psychology, more precisely between psychoanalysis and victimology. It seeks to discuss a subject that currently is in the midst of opposing forces, which are the positions of victim and victimizer. Such positions that are set upon rigid ideological foundations. It aims to describe in part the characteristics and behavior of individuals diagnosed with antisocial disorder. It also has the objective of showing the side of the victims who are attacked by these sociopaths as well as their psychological conditions. And finally, it points out the constituted authorities’ negligence towards them. KEYWORDS: Victimology, psychopaths, psychopathy, sociopath, sociopathic, transgression, victims, victimizers 1 Advogada, jornalista. 2 Psicólogo, pós-graduado em Teoria psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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Page 1: A Psicopatia Em Face Da Vitimologia

A PSICOPATIA EM FACE DA VITIMOLOGIA: MOEDA DE UM SÓ LADO

Psycopathy before victimology: only one side of the coin

Alexandra Gonçalves Ferreira 1

Tarquínio Baeta de Medeiros 2

RESUMO: Este artigo surge como uma tentativa de fazer uma interface entre direito e psicologia, mais precisamente entre a psicanálise e a vitimologia. Busca debater um tema que nos dias de hoje se encontra em meio a forças antagônicas, que são as posições de vítima e vitimizador. Posições estas que possuem bases ideológicas rígidas. Tem a finalidade de descrever em parte, sobre as características e comportamentos dos indivíduos com diagnóstico de transtorno antissocial. Tem também o objetivo de mostrar o lado das vítimas atacadas por estes sociopatas. Assim como suas condições psicológicas. Por fim, apontar para a negligência das autoridades constituídas para com a situação das mesmas.

PALAVRAS-CHAVE: Vitimologia, psicopatas, psicopatia, sociopatias, sociopatas, transgressão, vitimas, vitimizadores.

ABSTRACT: This article is an attempt to make an interface between law and psychology, more precisely between psychoanalysis and victimology. It seeks to discuss a subject that currently is in the midst of opposing forces, which are the positions of victim and victimizer. Such positions that are set upon rigid ideological foundations. It aims to describe in part the characteristics and behavior of individuals diagnosed with antisocial disorder. It also has the objective of showing the side of the victims who are attacked by these sociopaths as well as their psychological conditions. And finally, it points out the constituted authorities’ negligence towards them.

KEYWORDS: Victimology, psychopaths, psychopathy, sociopath, sociopathic, transgression, victims, victimizers

1 Advogada, jornalista.

2 Psicólogo, pós-graduado em Teoria psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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“Não existe uma regra de ouro que se aplique a todos: todo Homem tem de descobrir por si mesmo de que modo específico ele pode ser salvo.” (FREUD, 1929, p.103)

A ideia de escrever sobre psicopatia e seus meandros surgiu em razão dos

inúmeros episódios bárbaros que têm marcado a sociedade no Brasil e mundo. São

acontecimentos assinalados por requintes de crueldade, frieza e premeditação.

Assassinatos que causam comoção social em razão da forma como são praticados

e a cada dia vem ganhando espaço na mídia, tendo em vista o número crescente de

homicídios praticados por psicopatas.

Os psicopatas3 são vistos como pessoas comuns, pois nos passam

despercebidos, tendo em vista que agem como pessoas normais e muitos são bem-

sucedidos. São indivíduos que possuem uma capacidade extraordinária de ocultar o

seu verdadeiro EU. Em muitos casos, o que se percebe, é que os ditos psicopatas

são pessoas de diversos ramos e seguimentos, tanto profissional quanto na sua vida

pessoal, pessoas de variadas classes sociais que se passam por comuns aos olhos.

Diante de um comportamento que percorre o mundo do direito, da

psiquiatria, sociologia, da antropologia, psicologia; percebe-se que o tema também

vem sendo demasiadamente explorado por escritores, diretores de novela e cinema.

Tomemos como exemplo os filmes “Instinto Secreto”, dirigido por Bruce A. Evans;

“Psicose”, de Alfred Hitchcock e o “Silêncio dos Inocentes”, dirigido por Jonathan

Demme, histórias que mostram como psicopatas de alta periculosidade agem no seu

dia a dia.

O tema também foi abordado na novela da Rede Globo, “Caminho das

índias”. Escrita por Glória Peres, a autora realizou um paralelo entre uma sociopata,

personagem vivida pela atriz Letícia Sabatella, que na sua representação não era

uma psicopata homicida, mas considerada como uma psicopata em grau médio,

fazendo um paralelo com o portador da esquizofrenia, papel este representado pelo

3 O termo psicopata a princípio vem designar todo e qualquer indivíduo que apresente psicoses, neuroses e

perversões sexuais. No presente artigo os termos psicopata e/ou sociopata serão usados especificamente para

descrever indivíduos com personalidade antissocial. Indivíduos estes que andam na contra mão da vida em

sociedade, não possuindo quase nenhuma ou nenhuma consciência sobre o que e a vida em sociedade e sobre

o outro em seus vários aspectos.

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ator Bruno Gagliasso. Fato que também foi bem enfatizado no filme “Uma Mente

Brilhante”, dirigido por Ron Howard, onde o ator Russell Crowe interpreta o

personagem portador de esquizofrenia.

Para a psicanálise, a resposta que cada indivíduo dá à sua passagem pelo

complexo de Édipo, cria basicamente os três tipos humanos: o neurótico, o psicótico

e o perverso. Este tem a possibilidade de estar ligado a um diagnóstico de

transtorno de personalidade antissocial, comumente chamada sociopatia ou

psicopatia. Nesse sentido, o indivíduo terá dificuldades em suas relações

interpessoais em todos os níveis e, por consequência, em sua vida social.

Sobre o assunto, FREUD em seu texto de 1929: “O mal-estar na civilização”,

nos descreve: A vida em sociedade só se torna possível a partir do momento em

que o homem abre mão de sua satisfação para se adequar às leis, ou seja, o sujeito

abre mão de sua felicidade porque seus desejos muitas vezes vão de encontro ao

outro, à moral. Em troca, tem-se a vida coletiva, porém, o homem é marcado por

uma infelicidade constante.

Não existe ainda uma conclusão definitiva sobre os fatores exatos que levam

um indivíduo a se tornar um sociopata, mas o que se sabe, é que existem

características comuns a todos eles. Dentre elas, podemos indicar: disfunções

cerebrais e biológicas, traumas neurológicos e psicológicos na infância e

adolescência e também uma possível predisposição genética. Pelo menos um

desses fatores será encontrado nos sociopatas ou psicopatas.

No entanto, a psicanálise tenta afirmar que o perverso, que posteriormente

pode tornar-se um psicopata, é aquele que na reedição do Édipo, na pré-

adolescência/ adolescência, recusa-se em receber a transmissão da lei do pai para

si. Entretanto, reconhece essa mesma transmissão nos outros. Tal renúncia provoca

também uma recusa em aceitar as condutas sociais mais elementares.

Sobre este tema (CAROZZI, 2000), mostra-nos: “O pai com sua lei, interdita,

separa, veta o gozo absoluto, impossibilita a plenitude, ao mesmo tempo em que liga

o sujeito à vida, no que a vida do ser falante e à sujeição a lei.”

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O psicopata é aquele que possui um grau acentuado de perversão em sua

personalidade, digo acentuado, pois, FREUD em seu texto “Três ensaios sobre a

teoria da sexualidade (1905)” nos afirma que: A perversão faz parte da sexualidade

normal dos seres humanos. Levando-se em conta a afirmação de Freud, de que a

perversão faz parte do processo normal do desenvolvimento da sexualidade

humana. O que ocorre então no caso dos sociopatas? Por que nem todos nós

possuímos tendências psicopatas?

A resposta se torna simples se pensarmos que na maioria das pessoas

ocorre apenas um pequeno desvio em relação ao objeto de satisfação do desejo da

sexualidade. Quanto maior ou menor a acentuação no desvio, pode-se ir do

autoerotismo, até zoofilia.

No caso da psicopatia, o que ocorre não é um desvio de objeto e sim de

objetivo. O que detém o desejo da satisfação da sexualidade é uma mudança no

objetivo, que passa a ter fins quase que somente sádicos, masoquistas, fetichistas e

exibicionistas. E o acentuado desvio deste objetivo pode levar à psicopatia. A

satisfação do psicopata está em transgredir a lei.

Freud ressalta ainda que esta condição não está presente somente em

enfermos mentais mas em um processo normal da constituição psíquica. E mesmo

estando o indivíduo acometido por um transtorno psíquico, o mesmo tem que ser

submetido aos ditames jurídicos quando transgride a lei pois analisando por um

ponto de vista especificamente jurídico, a tendência do direito, ao contrário do

presumido por Freud é permitir a vida em sociedade com segurança e dignidade.

Sendo assim, devemos em princípio, distinguir o psicopata do esquizofrênico

ou psicótico. O primeiro é um indivíduo “manipulador”, sem afeto sentimental e

remorso, muito ligado aos castigos e punições. Possuem também grande habilidade

para a mentira. Segundo psiquiatras e psicólogos, é muito difícil identificar um

psicopata, pois ele tem o dom de camuflar suas características perversas com seu

alto nível de persuasão. O psicopata é caracterizado por ser calculista, frio,

insensível a qualquer tipo de emoção real; a falta de sentimento de culpa é uma das

suas principais peculiaridades.

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Os psicopatas são considerados perigosos, mas ressalta-se que nem todo

psicopata é homicida, eles agem de formas diferentes, dependendo do seu grau de

psicopatia. São delitos que vão de estelionato, por exemplo, a homicídios, que

podem ser praticados de forma intervalada de horas a anos. O psicopata procura

satisfazer seus desejos nefandos com o mesmo modus operandi. Conforme a

médica e escritora Ana Beatriz Barbosa Silva, em seu livro “Mentes Perigosas”: “O

psicopata mora ao lado”. A psicopatia não é adquirida, esta deficiência da

personalidade é algo que vem desde a infância:

“ninguém vira psicopata da noite para o dia: eles nascem assim e permanecem assim durante toda a sua existência. Os psicopatas apresentam em sua história de vida alterações comportamentais sérias, desde a mais tenra infância até os seus últimos dias, revelando que antes de tudo a psicopatia se traduz numa maneira de ser, existir e perceber o mundo”. (SILVA, 2008, p. 89)

A criminologia moderna também admite que o homem já nasce com uma

certa tendência para a prática do crime. O que deve ser observado desde o período

da infância do ser humano para que se possa ter controle com tratamento

adequado. O que também é sugerido por FREUD no livro Totem e Tabu, que diz:

“teríamos de supor que o impulso a matar acha-se realmente presente no inconsciente e que nem os tabus e nem as proibições morais são psicologicamente supérfluas, MS, pelo contrário, explicam-se e justificam-se pela existência de uma atitude ambivalente para com o impulso de matar”. (FREUD, 1999, p. 78).

A partir dos estudos das obras antropológicas e sociológicas de Freud, em

especial, Totem e tabu (obra esta que nos aponta para origem da civilização), nos é

mostrado como compreender melhor o mundo subjetivo do ser humano, em relação

às regras sociais que lhes são impostas. Assim é que passamos a entender melhor,

sobre nós mesmos e a nossa espécie, ou seja, o que somos e o que podemos vir a

ser. De acordo com (ANDRADE, 2007), “Isolados, os seres humanos agem por si e

buscam a satisfação de seus desejos, ou suas pulsões (...)”, ou seja, o psicopata

vivendo em um mundo isolado, para seu EU, nada mais importa que a satisfação

dos seus desejos mais íntimos.

Psicólogos salientam que pais, parentes próximos e professores devem

observar o comportamento da criança e ver se a mesma não tem tendências à

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prática de crueldades, como maus tratos a animais de estimação e até mesmo a

outras crianças. Agressividade, insensibilidade, mentiras frequentes, dificuldades em

manter amizade e certo desprezo pela vida, são também pontos a serem

observados.

Ainda conforme (SILVA, 2008), médica e pós-graduada em psiquiatria

“quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em

alguns casos, ser modulada, através de uma educação mais rigorosa”. Buscando

assim não causar danos a eles e ao próximo. Parte-se, portanto, de um raciocínio de

que são as seguintes as possibilidades: Ou o ser já nasce com esta estrutura

psíquica ou o meio o influencia. Trabalharemos então a primeira hipótese que é o

embasamento do presente estudo, ou seja, o ser não vira psicopata ele nasce

psicopata. Em alguns, este sentimento fica obscuro, no seu objetivo, no seu íntimo e

dali não sai, já em outros, este sentimento destrutivo aflora, vindo para o mundo

objetivo, real.

Tomemos como exemplo também a questão do bullying, transtorno este que

é considerado como um grau mais leve da psicopatia, tendo em vista que o

praticante deste ato não tem prazer em matar, mas delicia-se em causar medo,

intimidação nas pessoas. Estas são algumas estratégias adotadas pelos praticantes

de bullying para que assim, imponham a sua autoridade. Assunto este que vem

causando polêmica, principalmente nos meios jurídicos. Vários são os nomes dados

aos transtornos psíquicos, mas tendo todos a mesma origem, o mesmo ramo.

E, nessa dimensão, a Doutora em Direito Penal, Ana Paula Zomer ressalta

que, “a máxima expressão dos comportamentos antinormativos é, seguramente, o

ataque à vida e ao bem-estar físico e psíquico de cada consociado individualmente

considerado”. E é nesse sentido que se polemiza e se destaca o alarme social. Com

isso, basta pensar em um percurso histórico, em sociedades normativizadas de

modo vário, indo de um homicídio passional, por exemplo, a um Serial Killer.

O termo inglês “Serial Killer” - assassinato em série, surgiu na polícia alemã

na década de 30. Ressalta-se que são vários os casos forenses de psicopatas, uns

em série, outros não; como é o caso de Suzane Von Richthofen, que premeditou o

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brutal assassinato dos próprios pais e após o crime não demonstrou nenhum

remorso, característica típica da psicopatia.

Por outro lado, a esquizofrenia é um quadro mental que se caracteriza por

desagregação ou dissociação mental, cuja alucinação e delírio são o seu maior

sintoma. A esquizofrenia, termo criado para agregar um grupo de psicoses, mostra

um indivíduo totalmente afastado da realidade, sendo este mediado por falsas

visões, vozes dialogantes, sons e barulhos inexistentes, sensações tácteis das mais

variadas.

Nesse quadro ocorre um afastamento total da realidade, mudanças rápidas

e constantes do humor, medo sem objeto, manias variadas, ansiedade, descuido

com a higiene pessoal e em alguns casos tentativa de autoextermínio. Diferente da

psicopatia, na psicose, o sujeito não se preocupa com si e sua integridade.

Tanto a psicopatia quanto a esquizofrenia podem ser controladas, por meio

de ajuda especializada, quando detectadas a tempo. O indivíduo que possui

tendências psicopatas deve ter um acompanhamento familiar e, principalmente,

profissional. Deve-se considerar que o psicopata criminoso, tendo iniciado uma série

de delitos, passa ser muito difícil, e por que não dizer, praticamente impossível de

ser controlado. Tornando inviável o retorno ao convívio social.

Percebe-se que essas pessoas tomam gosto pela prática do crime e sentem

um prazer imensurável em transgredir, pois, como já foi dito anteriormente, o prazer,

ou seja, o gozo do psicopata está em transgredir a lei e principalmente em não ser

pego. A lei que ratifica a proibição de matar ou lesionar terceiros é constantemente

reiterada como exemplo do absolutismo normativo.

Tanto nos quadros de esquizofrenia quanto nos quadros de psicopatia esses

indivíduos podem trazer riscos para si como para os outros, em outros casos não,

principalmente em se tratando do esquizofrênico. No entanto, nos primeiros a falta

de contato com a realidade é facilmente detectada e possíveis transtornos muitas

vezes evitados.

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Já no caso da sociopatia, dificilmente se percebe algo de diferente na

conduta dos indivíduos, exceto em alguns casos. Tendo em vista que o psicopata

geralmente é uma pessoa educada, prestativa e gentil, e só é detectado ao cometer

seu primeiro delito, só é descoberto quando são descobertos seus crimes. Tanto

para o operador do direito quanto para a sociedade no geral, é difícil a identificação

desses seres. Para o profissional do direito, é por demais árdua esta tarefa, tendo

que recorre na maioria das vezes aos profissionais qualificados para levar a várias

conclusões sobre a imputabilidade penal.

Os psicopatas são seres que não possuem afeto real, que buscam e

atingem a satisfação ao cometer atos antissociais. Isso vem junto a uma falta total

de consciência social. Esses criminosos não conseguem se submeter às regras

sociais e não levam em conta o que sente o outro. Estão sempre centrados em seus

propósitos e em suas necessidades de burlar a lei, pois todo homem é

involuntariamente inclinado a agir de acordo com o seu instinto e, em se tratando da

subjetividade do psicopata, são princípios típicos da sua natureza, ou seja, o gosto

por transgredir a lei e o prazer de ignorá-la, considerando-as mero obstáculo para a

satisfação do seu prazer.

Sendo assim, passa a ser neste momento um dos objetivos deste trabalho

a discussão sobre a outra face dessa moeda: é possível a sociedade conviver com

estes indivíduos insanos, já que os mesmos já provaram ser incapazes de viver em

sociedade? Passa também a nos nortear a seguinte questão: sabemos que de um

modo geral criminosos com distúrbios de personalidade são inimputáveis perante a

lei, junta-se a isso as campanhas de desinternação de pacientes portadores de

problemas mentais e também pacientes judiciários. É possível a sociedade continuar

a conviver com a impunidade e o medo constante? Quem protegerá as vitimas

desses sádicos? Os programas de inclusão social devem ter validade nesses

casos?

Um bom exemplo dessa situação é a história de João Acácio Pereira da

Costa, o famoso “bandido da luz vermelha”, que na década de 60 aterrorizou a

sociedade paulista. João vivia uma vida dupla morando na cidade de Santos, com a

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imagem de um bom moço, no entanto, cometia seus atos criminosos em São Paulo

capital.

Foi acusado de assassinatos, homicídios, e mais de 70 assaltos. E apesar

de não ter sido acusado de estupro, ocorreram suspeitas de ter tido relações sexuais

com muitas de suas vítimas.

Buscava criar uma relação com o renomado bandido Americano Caryl

Chessmam, que tinha o mesmo apelido. Em suas investidas, João Acácio usava um

lenço vermelho sobre o rosto e uma lanterna com o bocal vermelho, o que o

caracterizava perante suas vítimas.

Foi condenado à pena de 351 anos, 9 meses e 3 dias de prisão. Saiu após

cumprir 30 anos, e somente 4 meses e 20 dias após ter sido libertado foi

assassinado com um tiro, por um homem que alegou que João Acácio tinha tentado

abusar de sua mãe, uma senhora de mais de 63 anos de idade.

Durante o tempo em que esteve preso, gabava-se para os colegas de prisão

sobre seus atos e a fama que conseguiu através deles. O fato é que João Acácio,

apesar de ter pago sua “dívida com a sociedade”, jamais conseguiu se recuperar

como ser humano.

Conforme preceitua o Art. 26 do Código Penal Brasileiro (CPB), todo cidadão

que sofre de doença mental é isento de pena, sendo considerado incapaz de

entender o caráter ilícito do ato praticado; já o Art. 245 da Constituição Federal (CF)

ressalta que, os herdeiros carentes da vítima por crime doloso terão toda assistência

necessária. Segundo (MIRABETTE e FABBRINI, 2009), trata-se o primeiro artigo de

“causa de exclusão da imputabilidade. A lei menciona a expressão doença mental,

embora seja esta vaga e sem maior rigor científico”. Rigor este que é imprescindível

para avaliação de um psicopata.

Considerando os dois artigos citados acima, observa-se que existe uma

disparidade entre o tratamento dado ao infrator e a vítima. As vítimas, em caso de

sobrevivência, têm a vida virada pelo avesso, ficam marcadas, sofrem danos

psicológicos irreparáveis, passam a sentir dores morais, medo e pânico por todo o

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sempre. Seus íntimos, vítimas indiretas, sofrem com a dor da perda do ente querido,

são corroídos pela revolta da falta de amparo legal, vindo assim a surgir o

sentimento de impunidade. Sentimento que muitas vezes se propaga em outras

direções, fazendo com que essas pessoas mais tarde cometam atos que só podem

ser entendidos através de análise.

As vítimas são alvo das maiores atrocidades. E ao analisarmos a forma

como são tratadas vítima e vitimador perante a lei, podemos concluir que: ao

criminoso a liberdade e a inserção social, à vitima e aos seus, a dor e a perda

irreparável.

Dessa forma, esses criminosos não param, continuam seu caminho

perverso, selecionando suas vítimas dentre pessoas comuns da sociedade, de um

modo geral pessoas prestativas que buscam de alguma forma cooperar e ajudar o

criminoso antes de serem atacadas.

Podemos citar aqui um caso recente ocorrido, neste ano, na cidade de Belo

Horizonte. “Marcos Antunes Trigueiro”, conhecido como o “Maníaco de Contagem,

era um psicopata que selecionava suas vítimas, de um modo geral mulheres que

demonstraram ser prestativas, educadas e totalmente sem maldade; e por terem tido

comportamentos tão receptivos acabaram por ter suas vidas ceifadas de forma

brutal.

Muitos são os casos de psicopatas no Brasil e no mundo, alguns nunca

foram encontrados, outros foram presos. Mas até quando a sociedade vai estar à

mercê desses predadores, que sempre voltam ao convívio social? Citemos aqui

mais algumas histórias, como o misterioso “Jack”, “O Estripador” que praticou seus

crimes na Inglaterra de 1881, um caso que nunca foi solucionado. “Ramiro Matilde

Siqueira” conhecido como o “Bandido da Cartucheira”; “Francisco de Assis Toledo”,

conhecido como o “Maníaco do Parque”, que já tem data para voltar ao convívio

social, praticou seus crimes em São Paulo, em 1998. Francisco Costa Rocha, o

“Chico Picadinho” foi preso e condenado em 1966, na cidade de São Paulo. E o

episódio mais recente, o caso do psicopata “Ademar de Jesus da Silva”, conhecido

como o “Maníaco de Goiás”, que confessou ter matado seis rapazes nas cidades de

Luziânia e Cristalina, fato crucial para a iniciativa de se escrever este artigo.

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No último caso, o “Maníaco de Goiás” estava em regime aberto, depois de

ter cumprido parte da pena por ter abusado sexualmente de dois meninos. Na

prisão, passou por exames psicológicos. Em 2007, foi feita uma avaliação

psiquiátrica por meio da qual não foi constatada a periculosidade do maníaco. Em

2008, foi feito novo exame por três psicólogos, e o laudo apresentado mostrava que

o assassino em série apresentava características negativas de personalidade. O

assassino foi liberado a partir do laudo psiquiátrico e fez mais vítimas, foram atos

praticados com requintes de crueldade e sadismo. O laudo psiquiátrico de poucas

linhas manuscritas foi crucial para colocá-lo em liberdade.

Esses são casos famosos, divulgados pela mídia. E aqueles que não

chegam ao conhecimento do público e das autoridades competentes? Psicopatas

que usam de artimanhas para satisfazer seus desejos obscuros. Muitos estão soltos,

pois os psicopatas não são só homicidas, mas também assaltantes, pedófilos,

dentre outros. De acordo com Beccaria:

“O fator econômico tende a influenciar e a disciplinar, dentro de certos limites, a elaboração da ordenação jurídica para torná-la mais adequada às exigências cada vez mais diferenciadas e policêntricas da sociedade moderna.” (BECCARIA, 2005, p. 21-22).

Para que o conceito de periculosidade presumida seja atribuído a uma

pessoa, é previsto por lei que se faça uma avaliação psiquiátrica na qual se confirme

evidências de elementos patológicos no indivíduo. Detectado o desvio de

personalidade, esse criminoso será submetido a uma medida de segurança em

estabelecimento próprio e por tempo indeterminado, fazendo, neste ínterim, exames

psiquiátricos para uma nova avaliação.

O exame de periculosidade foi tratado na Escola Positiva, que teve como

precursores os expoentes Cesare Lombroso (1835-1909), Enrico Ferri (1856-1929) e

Rafael Garófalo (1851-1934). Submete-se à medida de segurança os inimputáveis e

os semi-imputáveis. Os primeiros são aqueles que são inteiramente incapazes de

entender o caráter delituoso do fato ilícito, conforme artigo 26 caput do CPB, já os

semi-imputáveis, são aqueles que não são inteiramente capazes de entender o

caráter ilícito do fato criminoso, conforme preceitua o artigo 26 § único do CP.

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Assim, o conceituado professor (PRADO, 2004) nos ensina: a Medida de

Segurança é um modo de defesa e de prevenção da sociedade e tem como principal

objetivo fazer cessar a temibilidade do agente infrator para que o mesmo não volte a

praticar novos crimes.

Diante de situações como essa, cabe ao Poder Judiciário e

principalmente à psiquiatria forense avaliar com mais rigor os pacientes, para que

não sejam cometidos erros que causarão sofrimento a pessoas inocentes e temor à

sociedade, tendo em vista que estamos tratando de pessoas que, geralmente, não

se adaptam ao convívio social. Este é o caso do famoso “Roberto Aparecido Alves

Cardoso, o “Champinha” que foi preso quando menor de idade e mesmo alcançando

a maioridade, a Justiça entendeu que ele não tinha condições de viver em

sociedade, sendo transferido para uma “Unidade Experimental de Saúde” por tempo

indeterminado. Portanto, o que deve ser feito é a análise de caso a caso para que

seja mantida a ordem social. Para isto, é exigido bom senso por parte dos

profissionais envolvidos nesse trabalho.

A partir de exemplos que chocam a sociedade, indaga-se: um psicopata

autor de crimes bárbaros pode ser colocado novamente no convívio social? Quais as

garantias da sociedade em face desse criminoso? E o ponto mais crucial, como

identificar um psicopata?

Esses questionamentos são ainda obscuros, tanto para juristas quanto para

a psiquiatria forense e, mais ainda, para a sociedade, pois o perfil do

psicopata/sociopata é um perfil extremamente subjetivo, complexo e de difícil

identificação. O psicopata criminoso é uma pessoa da qual menos se suspeita,

tendo em vista a sua inteligência e capacidade de ocultar seu perfil maquiavélico, o

que facilita seus atos criminosos, cometidos, na sua maioria, com atrocidade e

perversidade.

A de se ressaltar que, enquanto a periculosidade persistir, esse indivíduo

não deve retornar à sociedade, pois estando solto, a população não terá nenhuma

garantia com relação à segurança. E o que é primordial, o direito à vida, prevista no

artigo 5º da CF. Com isto, nos é apontado por (BECCARIA, 2005), “Reconhecer que

os direitos fundamentais do cidadão são irrenunciáveis significa contextualmente

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ampliar a base de participação e de consenso do Estado”, observa-se que nem todo

psicopata é assassino, pois depende do seu nível de perversidade. A identificação

dessas pessoas é algo difícil por um profissional e praticamente impossível por um

cidadão comum.

Segundo Fernanda Brisset, em sua obra “Por uma Política de Atenção

Integral ao Louco Infrator” há uma necessidade de reforma psiquiátrica das práticas

das instituições forenses e ressalta ainda a complexidade do tratamento psiquiátrico.

“Não desconhecemos que, em torno do louco infrator, coadunam os discursos jurídico, clínico e social, de tal sorte que, ao alinhavar, em um mesmo campo, referências epistemologicamente tão diversas, precisamos estar atentos ao fato de que não existe solução simples para o problema, pois o tema do louco infrator se constitui estruturalmente como um campo de natureza complexa”. (BRISSET, 2010, Nota ao Leitor)

Portanto, a construção de uma nova política nacional de atenção ao paciente

judiciário infrator deve ser analisada com mais atenção, tendo em vista que muitos

são os casos envolvendo este tipo de criminoso, e na sua totalidade, são delitos

praticados com brutalidade que abalam a sociedade. Fazendo com que a população

se sinta insegura e desacreditada na Justiça.

Diante de uma situação como esta, e que registramos aqui a nossa

discordância em relação a um parecer da nobre psicanalista (BRISSET, 2010),

quando escreve em sua obra acima citada que: “a sentença de inimputabilidade

decretada a um cidadão e a consequente presunção de periculosidade é a mais

violenta violação dos direitos humanos em vigor”.

Violação maior é causada por psicopatas que ceifam a vida de pessoas

inocentes sem piedade e sem remorso. As vítimas de psicopatas sim, têm seus

direitos violados, e a grande maioria tem o maior direito desrespeitado, ou seja, o

direito à vida. Indaga-se: onde fica a dignidade da pessoa humana, quando

relacionada a estas vítimas? Pois, segundo (ANDRADE, 2007), “O vivo sofre por

não querer estar morto. Mas o morto não sofre por desejar estar vivo.simplesmente

não existe mais, salvo na memória dos vivos.” Memória esta de saudades e

desalento para quem sofre esta perda de forma brutal.

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Sobre os direitos humanos (PIOVESAN, 2009), nos indica: “nenhum

princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição que o

princípio da dignidade da pessoa humana”. Piovesan ressalta ainda em sua obra

que: “O Estado está obrigado a investigar toda situação em que tenham sido

violados os direitos humanos”. O Estado está obrigado também a amparar as

vítimas em todos os sentidos e de todas as formas.

Ainda conforme Piovesan em sua obra, “Temas de Direitos Humanos:

“Se o aparato do Estado age de maneira que tal violação fique impune e não seja restabelecida, na medida do possível, a vítima na plenitude de seus direitos, pode-se afirmar que não cumpriu o dever de garantir às pessoas sujeitas à sua jurisdição o exercício livre e pleno de seus direitos”. (PIOVESAN, 2009).

Adentramos por vez, na esfera da vitima, ou seja, a vitimologia, um dos

ramos da criminologia, que nos mostra conjuntamente com o Código de Processo

Penal Brasileiro, que vítima é aquela que tem relação direta ou indireta com o

infrator, podendo ser tipificado o crime de diversas formas, mas nos ateremos aqui

ao crime contra a pessoa lesada, ou seja, quando o crime é praticado contra o

patrimônio do ofendido e em relação a crimes contra a honra.

É de se esclarecer neste momento que a vítima direta é aquela pessoa que

tem a infelicidade de ter contato direto com seu agressor. Já as vítimas indiretas são

os familiares, amigos e até mesmo a população em geral; tendo em vista o medo

que as pessoas têm de sair nas ruas, de levarem uma vida normal, sem privações

de lazer por medo de serem assaltadas, assassinadas, ou vítimas de outras

infrações, medo este que leva a privação do direito de ir e vir. Mas vamos nos ater

somente à vítima em relação ao delito contra a pessoa.

A vitimologia é uma ciência interdisciplinar dirigida à investigação

antropológica, sociológica, psiquiátrica e psicológica de todas as formas de

vitimização. O termo “vitimologia” foi criado por Benjamim Mendelsohn, em 1945.

Mas na doutrina há divergências sobre quem tenha sido o pai da vitimologia. Von

Hentig, professor alemão, já vinha aprofundando seu conhecimento no assunto

muitas vezes e é comparado a Lombroso, que postula a existência de pessoas que

têm certa propensão a serem alvos de psicopatas.

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Sendo verdadeira ou não a hipótese de Lombroso, de existirem pessoas

com a propensão a serem vitimizadas por outras, aqui em especial vítimas de

sociopatas, qual deveria ser a posição do Estado em relação a todo esse quadro

social? Nesta dialética, o que pensar e esperar do convívio social com tanta

violência e degradação da vida humana? O que esperar do Estado Democrático de

Direito?

É sabido que para frear desejos antissociais são necessários princípios e

preceitos rígidos de repressão e interdição. E, para tanto, é imprescindível uma

reestruturação de vários segmentos que preceituam e reestruturam a moral do

indivíduo. Não há, todavia, uma solução final para este problema até o momento,

mas dever-se-ia ao menos tentar amenizá-lo.

No atual sistema jurídico brasileiro, a vítima, no âmbito penal, foi totalmente

esquecida, suas garantias e direitos são tapados com um véu, véu este que tenta

esconder a falta de humanidade do Estado perante essas vítimas. Nota-se também

que estas pessoas precisam de ajuda profissional, pois ficaram expostas à

insanidade de criminosos, e sem nenhum tipo de amparo que pudesse ao menos

diminuir a dor e sofrimento que lhes são causados.

Tanto o preso comum, quanto o doente mental criminoso e até o psicopata,

são amparados por lei. O Estado faz o possível para que seus direitos e garantias

fundamentais sejam preservados, tendo um gasto mensal de aproximadamente

R$1.300,00 (mil e trezentos reais) por mês por preso, tendo, portanto, tratamento

direcionado para que possam tentar voltar ao convívio social, sem sequelas tanto

para a sociedade quanto para si próprios.

Por outro lado, as vítimas não recebem nada, são pessoas desprovidas de

garantias para o seu bem-estar e recuperação. Sua necessidade, anseios, angústia

se tornam uma preocupação de segundo plano, pois a vítima não causará danos à

sociedade. O sofrimento da vítima não é algo que necessite de amparo efetivamente

do Judiciário.

“Direito à vida, à dignidade, ao trabalho, à saúde, à educação, por não possuírem valor simbólico, por não estarem inscritos na subjetividade, não contam, não servem para moldar as ações destas

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(e de quase todas) pessoas, inclusive em atos de revolta contra aquilo que convencionalmente poucos deixariam de chamar uma grande injustiça. No imaginário social, da mesma forma, estes valores de conteúdo coletivo pouca força têm, motivo pelo qual as transformações sociais não acontecem.” (ANDRADE, p. 99, 2007).

Sob a ótica criminológica, continuaremos a procurar o princípio causador da

deliquência que vem desde os tempos primórdios com Caim e Abel em Gênesis 3, v.

8.. O crime de sangue pode se dizer que é um enigma, assim como o homem. É

uma questão que, por mais aprofundados sejam os estudos por profissionais, haverá

sempre algo subjetivo que não pode ser alcançado pelo raciocínio lógico do ser

humano. “A mente ainda é um mistério.”

Percebe-se que no Brasil, nos dias atuais, vivemos uma situação de

inversão de responsabilidades, e com isso criamos a cultura do

“tadinho/pobrezinho”. Os que estudaram são culpados pelos analfabetos; os que se

alimentam, pelos que passam fome; os fazendeiros, pelos sem-terra; os fortes, pelos

fracos; os cultos, pelos ignorantes, e daí por diante. Estes valores permeiam as

mentes independentemente das classes sociais às quais pertencem.

Com isto, atualmente, nos preocupamos mais com os vitimadores, do que

com as vítimas, lembramos somente em recuperar os sem lei e nos esquecemos

daqueles que perderam a alma. É uma inversão de valores. Inversão esta que vem

causando sentimentos de angústia, desilusão e desapontamento com relação ao

sistema jurídico que não prioriza a vítima como prioriza o delinqüente. Este tem em

seu entorno, todo aparato para a sua ressocialização, para que se possa retorná-lo

ao convívio social.

Olhar somente para o lado daqueles que cometeram crimes bárbaros ou

não, para que se recuperem e mais uma vez voltem à sociedade o quanto antes, é

uma temeridade e também um fator desestruturante e desagregador do

ordenamento jurídico, já que o mesmo corre o risco de cair no descrédito. E este

levar ao caos.

É necessário que a moeda caia, ora virada com uma face, ora com outra.

Estudar caso a caso é preciso, antes de decidir sobre o destino de um infrator. No

entanto, os primeiros a receberem o acolhimento do Estado e dos poderes

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constituídos sempre devem ser as vítimas, pois foi dito em algum lugar que já não

nos lembramos mais: em hipótese alguma, seja como for, não se pode culpar as

vítimas. A dor pode ser abrandada, mas nunca passa. Daí a importância de saber

lidar com determinadas situações, e relações pessoais, tendo em vista o mundo

violento e desalmado que se vive, pois o psicopata pode estar ao seu lado.

Não existe, a princípio, qualquer justificativa plausível para que se dê mais

valor a um predador do que a uma vítima. Esta, sim, precisa de amparo legal de

todos os segmentos, já para o primeiro, priorizam-se os seus direitos constitucionais,

mas não é por priorizar estes direitos que eles não devam ser punidos com rigor, ou

seja, conforme determina a lei. E para que a lei seja aplicada de forma a satisfazer

os anseios da população, se deve julgar também pela ótica dos costumes e da

valorização do bem maior, que é o direito à vida, previsto na Constituição Federal. A

Lei segundo (ANDRADE, 2007) “sempre necessitou de um reforço ilusório, para se

converter, no imaginário humano”. Neste ponto, percebe-se a relação entre o direito

com a psicanálise e sua subjetividade.

Não há dúvida de ser o tema complexo e inacabado. Analisamos, até que

ponto o complexo de Édipo é culpado pelas frustrações da civilização. Finalizamos

este estudo com as palavras de (ANDRADE, 2007) em sua obra Violência –

Psicanálise, direito e cultura. “Seguimos vivendo, com nossos inerentes conflitos e,

talvez, aprendendo com a história e tentando acertar nosso futuro”.

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