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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Ester Moreno de Miranda Vieira
A Teoria da Prova segundo o Constructivismo Lógico-
Semântico aplicada ao Direito Previdenciário
MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
São Paulo
2011
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ester Moreno de Miranda Vieira
A Teoria da Prova segundo o Constructivismo Lógico-
Semântico aplicada ao Direito Previdenciário
MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de mestre
em Direito das Relações Sociais, sob a
orientação do Prof. Dr. Miguel Horvath
Júnior.
São Paulo 2011
3
Banca Examinadora
4
Dedico este trabalho a minha família e meus amigos, com todo afeto.
5
Aos professores Wagner Balera, Miguel Horvath Jr, Fábio Lopes Vilela Berbel, Ana Paula Oriola De Raeffray, Clarice Von Oertzen Araujo e Fabiana Del Padre Tomé, pelos ensinamentos que tornaram esse trabalho possível.
6
Porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será suave à tua alma (Provérbios 2,10)
7
RESUMO
VIEIRA, Ester Moreno de Miranda. A Teoria da Prova segundo o Constructivismo Lógico-semântico aplicada ao Direito Previdenciário: São Paulo – SP, Programa de Pós-Graduação em Direito das Relações Sociais, 2011. O presente estudo tem por objeto a análise da Teoria das Provas delimitada pelo constructivismo lógico-semântico aplicada ao Direito Previdenciário. Não obstante as diversas concepções do vocábulo “prova” mediante um corte metodológico, parte-se do conceito de prova como fato jurídico em sentido amplo que, uma vez provado, constitui o fato jurídico em sentido estrito que, por sua vez, tem a aptidão para constituir ou desconstituir a relação jurídica previdenciária de proteção mediante a incidência da norma jurídica. Essa aptidão para desencadear os efeitos jurídicos depende da incidência da norma que, para o Constructivismo Lógico-Semântico, em contraposição à Teoria Geral do Direito Tradicional, não se dá de forma automática, mas antes depende de um ser humano que promova a movimentação das estruturas normativas. Analisada a Teoria da Prova sob a ótica do Constructivismo lógico-semântico, o trabalho reúne esforços para demonstrar sua aplicabilidade no âmbito do Direito Previdenciário no que se refere à relação jurídica de proteção. A incapacidade laboral é identificada como o Risco Social e como aspecto material da norma de proteção. Dentre os objetivos específicos, o presente estudo busca clarificar o conceito de “início de prova material” e analisar a legalidade das chamadas provas “tarifadas” em relação ao Regime Geral de Previdência Social. Palavras-chave: Teoria das Provas . Constructivismo lógico-semântico . Teorias da Incidência Jurídica . Direito Previdenciário . Risco Social . Benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
8
ABSTRACT
VIEIRA, Ester Moreno de Miranda. The Theory of the Proof according to the Logical-semantics constructivism applied to Social Security Law: São Paulo – SP, Graduate Program in Law of Social Relations, 2011 This study aims to analyze the theory of evidence that is defined by the logical-semantics constructivism applied to the pension right. Though the several conceptions of the “proof” word, by a methodological cut, coming from the proof concept as a legal fact in a large sense once established, this legal fact itself in its strict sense has the skills to establish or deconstruct a legal relationship of social security protection through the impact of the law rules. This ability to develop the law effects depends on the legal incidence of the laws, which the logical-semantics Constructivism, opposing to the traditional and worldwide theory of law, does not happen automatically, it depends on the work of a human being, which leads to the promotion of the movement of the standard structures. Analyzed the theory of proof from the perspective of the logical-semantics Constructivism, work combines efforts to demonstrate its applicability under the Social Security Law research field referring to the law protection status. The work inability is identified as the Social Risk and material aspect of such protection standard. Among the specific goals, the leading study seeks to brighten the concept of the "beginning of physical evidence" and analyzes the legitimacy of the so-called “taxed” evidence according to the General Social Security System. Keywords: Theory of the Proof . logical-semantics constructivism . Legal Incidence Theory . Social Security Law . Social Risk . Benefits of the General System.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 12
PARTE I – TEORIA GERAL DO DIREITO
1 CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO ...........................................................14
1.1 Noções sobre o Constructivismo Lógico-Semântico..........................................................14
1.2 Direito e Linguagem ...........................................................................................................14
1.3 Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito..................................................................17
1.4 Teoria dos Sistemas ou Autopoiése ....................................................................................19
2 TEORIA GERAL DO DIREITO: MODELOS DE INCIDÊNCIA DA S NORMAS JURÍDICAS ............................................................................................................................25
2.1 Os pressupostos da Teoria Geral do Direito a partir do Constructivismo Lógico-Semântico..................................................................................................................................25
2.2 Teoria da Norma .................................................................................................................25
2.3 Modelos de Incidência ........................................................................................................28
2.3.1 Teoria Tradicional............................................................................................................28
2.3.2 Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-semântico ..........................................30
3 A TEORIA DAS PROVAS ................................................................................................34
3.1 A prova no Constructivismo Lógico-Semântico ................................................................34
3.2 Morfologia da prova ...........................................................................................................40
3.3. Axiologia das provas .........................................................................................................42
3.4 Os modos de produção de prova.........................................................................................44
3.5 Prova simples ou atômica ..................................................................................................46
3.6 Prova complexa ou molecular.............................................................................................47
3.7 Presunção ............................................................................................................................47
3.8 Meios de prova no Direito Brasileiro .................................................................................49
3.8.1 Confissão .........................................................................................................................50
3.8.2 Depoimento testemunhal .................................................................................................50
10
3.8.3 Perícia ..............................................................................................................................52
3.8.4 Documento.......................................................................................................................55
3.8.4.1 Documento eletrônico ou digital ..................................................................................56
3.8.5 Vistoria ou inspeção judicial ou ocular............................................................................58
3.9 Análise do conceito de “início razoável de prova material” no Direito Previdenciário .....60
PARTE II – DIREITO PREVIDENCIÁRIO
.
4 TEORIA DO RISCO SOCIAL .........................................................................................64
4.1 O conceito de risco .............................................................................................................64
4.2 Probabilidade ......................................................................................................................67
4.3 O dano.................................................................................................................................68
4.4 O Risco Social ....................................................................................................................69
4.5 Teoria do Risco Profissional...............................................................................................75
4.6 O Risco Social na Pós-Modernidade ..................................................................................77
4.7 O Risco Social e o Regime Geral de Previdência Social....................................................78
4.8 O Risco Social como discriminem da equidade .................................................................82
4.9 A incapacidade para o trabalho como Risco Social na Previdência Social ........................83
4.10 O Risco Social como aspecto material da relação jurídica de proteção ...........................86
5 RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA .................................................................90
5.1 Relação jurídica previdenciária de proteção no regime geral de Previdência Social .........90
5.2 Teoria Unitária da Relação Jurídica Previdenciária ...........................................................91
5.3 Teoria Escisionista da Relação Jurídica Previdenciária .....................................................93
5.4 Objetivo da relação jurídica de Proteção Previdenciária ....................................................96
5.5 Sujeito Ativo e Passivo .......................................................................................................97
5.6 Extinção da relação jurídica de proteção ............................................................................98
6 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – REQUISITOS GERAIS ......................................................................................................100
6.1 Prova de filiação ...............................................................................................................100
11
6.2 Prova de qualidade de segurado ou ex-segurado ..............................................................104
6.3 Prova da situação de desemprego e o “período de graça” ................................................107
6.4 Prova de qualidade de dependente....................................................................................111
6.5 Prova do número mínimo de contribuições: carência.......................................................116
7 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SO CIAL – REQUISITOS ESPECÍFICOS ...........................................................................................121
7.1 As prova em relação às prestações previdenciárias ..........................................................121
7.2 Auxílios-doença, aposentadoria por invalidez, reabilitação profissional e auxílio-acidente ..................................................................................................................................121
7.3 Aposentadoria por idade ...................................................................................................130
7.3.1 Aposentadoria por idade do trabalhador urbano............................................................131
7.3.2 Aposentadoria dor idade do trabalhador rural ..............................................................132
7.3.3 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 10.666/2003 ............................................138
7.3.4 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 11.718/2008 ............................................140
7.3.5 Aposentadoria compulsória ..........................................................................................141
7.4 Aposentadoria por tempo de contribuição ........................................................................141
7.5 Aposentadoria especial .....................................................................................................152
7.6 Salário-família ..................................................................................................................162
7.7 Salário-maternidade ..........................................................................................................163
7.8 Pensão por morte ..............................................................................................................166
7.9 Auxílio-reclusão................................................................................................................170
CONCLUSÃO .......................................................................................................................173
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................181
12
INTRODUÇÃO
O Direito Previdenciário, a todo o momento, está às voltas com a problemática da
prova. Para a concessão dos benefícios, exige-se prova da qualidade de segurado, prova da
qualidade de dependente, prova do tempo de serviço, prova de exposição a agente nocivo,
prova de incapacidade e, até mesmo, prova de inexistência de remuneração paga para
empresa. Isso sem mencionar o tão citado, no meio jurisprudencial, “início razoável de
prova material”, de maneira que o estudo das provas aplicado ao Direito Previdenciário se
revela bastante útil e necessário, diante do quadro apresentado.
Não obstante o viés pragmático, adota-se a linha de pensamento na qual não há
prática sem teoria, mas somente através da construção de uma teoria bem alicerçada pode-
se instrumentalizar o operador do direito, permitindo que ele faça aquele ponto de
intersecção entre a ciência e a experiência do qual advertia Lourival Vila Nova1.
Adotando tal premissa, o presente trabalho tem por objeto o estudo das provas no
âmbito do Direito Previdenciário a partir da Teoria das Provas delimitado pelo
Constructivismo Lógico-Semântico.
Há de se deixar claro ao leitor que o presente trabalho não fará a construção da
Teoria das Provas, mas sim sua aplicação no âmbito do Direito Previdenciário, de maneira
que o Constructivismo Lógico-Semântico é método de trabalho hermenêutico e a Teoria
das Provas, a base a partir da qual se fará a análise da prova no Direito Previdenciário, essa
compreendida como o fato jurídico em sentido amplo, que, uma vez provado, constitui ou
desconstitui a relação jurídica previdenciária, o fato jurídico em sentido estrito, fazendo
surgir o direito subjetivo à prestação previdenciária.
A Teoria das Provas é abordada no final da na primeira parte do trabalho, sendo que
o primeiro capítulo traz as noções mínimas para a compreensão do Constructivismo
Lógico-Semântico, da Teoria da Comunicação, do Direito e Linguagem e do Sistema
autopoiético. No segundo capítulo, são abordadas algumas teorias que formam a base da
Teoria Geral do Direito. O terceiro capítulo traz o conceito de prova no contexto do
Constructivismo Lógico-Semântico, a classificação das provas e os meios de prova no
direito brasileiro e, na medida em que se abordam cada um dos temas relevantes para essas
teorias, vai se apontando sua aplicabilidade em relação ao Direito Previdenciário. Assim, 1 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 35.
13
embora o trabalho esteja dividido em duas partes, o Direito Previdenciário permeia todo o
estudo.
A segunda parte do trabalho ingressa no Direito Previdenciário, a partir da análise
do Risco Social, servindo de suporte para a verificação dos demais elementos que
compõem a morfologia da prova, em especial a finalidade, o conteúdo e o objeto da prova.
A construção da Regra-Matriz de Incidência das normas de proteção previdenciária
revela o Risco Social como aspecto material gerador da proteção e a prestação
previdenciária como objeto da relação jurídica de proteção social, passando, então, para o
estudo das Teorias Unitária e Escisionista, abordadas no quinto capítulo, que trata
especificamente da relação jurídica de proteção previdenciária.
No sexto e sétimo capítulos, o estudo foi centralizado no objeto de prova no regime
geral de Previdência Social, com destaque para a prova de filiação, a prova da qualidade de
segurado, a prova da qualidade de dependente e as provas específicas em relação a cada
uma das Prestações do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.
Para seguir o percurso entre a teoria e prática, foram utilizados os exemplos
retirados de emendas de processos perante os Tribunais Regionais Federais em matéria de
Direito Previdenciário, a fim de corroborar as conclusões.
14
PARTE I – TEORIA GERAL DO DIREITO
1 CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO 1.1 Noções sobre o Constructivismo Lógico-Semântico
O Constructivismo Lógico-Semântico pode ser resumido como um método de
interpretação que reúne, de forma sistematizada, algumas das teorias desenvolvidas pela
filosofia da linguagem, a partir do século XX.
Esse método, transportado para o âmbito da ciência do direito, revela uma
importante mudança na posição do intérprete em relação ao objeto do conhecimento, no
caso, o Direito Positivo, fazendo avançar a Teoria Geral do Direito, ao mesmo tempo que
se contrapõem alguns aspectos com a chamada Teoria Clássica do Direito.
O Constructivismo pode assim ser resumido, mas não compreendido, na medida em
que se faz necessária a análise das teorias que o integram, em especial a Semiótica e Teoria
Comunicacional do Direito, a Teoria dos Jogos de Linguagem e a Teoria dos Sistemas ou
Autopoiése.
Dessa maneira, para que se possa ter uma noção mínima do Constructivismo
Lógico-Semântico, faz-se necessária uma incursão sobre essas teorias, assim como a
compreensão do papel do Direito e da linguagem.
1.2 Direito e Linguagem
O direito como objeto cultural é construído pelo homem através da linguagem.
Como bem adverte Vilém Flusser1, a língua forma, cria e propaga a realidade, e
conhecimento, realidade e verdade são aspectos da língua.
A partir do movimento denominado de “giro linguístico”, diretamente influenciado
pela obra de Ludwig Wittgenstein, Tractatus lógico-philosophicus, a concepção filosófica,
até então chamada de “filosofia da consciência”, deu lugar à “filosofia da linguagem”2.
1 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004, p. 33-34. 2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, Linguagem e Método. São Paulo. Noeses. 2008, p. 26.
15
De acordo com este novo paradigma, a linguagem deixa de ser apenas instrumento
de comunicação de conhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para
a constituição do próprio conhecimento enquanto tal3.
Não temos acesso ao objeto do conhecimento de forma direta, mas somente através
da linguagem. É neste contexto que vai se abordar o Direito, ou seja, como sistema
comunicacional.
A principal consequência para o cientista do direito é que não há mais verdades
absolutas4, pois não há essências nas coisas para serem descobertas, e nem verdades a
serem reveladas. Aquilo que temos das coisas são ideias, construções linguísticas
existentes em função dos nomes.
Dessa forma, partindo da Teoria Comunicacional, o sistema social é constituído por
atos de comunicação, e com o direito não é diferente. Tudo a que se tem acesso são
palavras, um conjunto de signos devidamente estruturados na forma de texto.
Contudo, afirmar que a realidade é constituída de linguagem não significa afirmar a
inexistência de dados físicos independentes da linguagem, mas apenas que somente pela
linguagem podemos conhecê-los, identificá-los e transformá-los numa realidade objetiva
para nosso intelecto5.
Portanto, língua e realidade estão diretamente interligados, pois a língua não é a
estrutura por meio da qual compreendemos o mundo. Ela é a atividade mental estruturante
do mundo. Nas palavras de Vilém Flusser, a língua cria e propaga a realidade porque
“universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos da língua”6, de maneira que
aquilo que nos vem por meio dos sentidos, chamado de “realidade”, é dado bruto, que se
torna real apenas no contexto da língua7.
Seguindo essa linha de raciocínio, assim como toda realidade é constituída
linguisticamente, a Teoria do Direito é uma linguagem de sobrenível, uma metalinguagem
em relação ao direito, uma linguagem que fala sobre a linguagem jurídica, ou seja, o direito
só pode ser compreendido como texto.
3 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p.13. 4 Idem. ibidem, p. 14. 5 Idem, ibidem, p. 17. 6 FLUSSER, op. cit., 2004, p. 33. 7 Idem, ibidem, p. 40.
16
Tanto o Direito Positivo quanto a Ciência do Direito consubstanciam-se num
conjunto estruturados de signos. Enquanto o Direito Positivo prescreve, a Ciência do
Direito descreve. São dois planos linguísticos que não se confundem.
O Direito Positivo está vertido numa linguagem, como a construção do homem se
volta para a disciplina do comportamento humano, de cunho prescritivo, enquanto que a
Ciência do Direito é uma linguagem descritiva, ou seja, uma sobrelinguagem e está acima
da linguagem do direito positivo, pois discorre sobre ela. Contudo, como alerta Aurora
Tomazini de Carvalho8, são conceitos interligados, uma vez que a “realidade” jurídica a
qual o enunciado prescritivo faz referência acaba sendo aquela construída pelo intérprete e,
da mesma forma, a interpretação da doutrina influi no modo como a realidade “direito
positivo” se apresenta (para o interprete).
Para Vilém Flusser9, dado bruto e intelecto não são reais, não estão realizados
senão dentro de alguma língua e a multiplicidade das línguas revela a relatividade das
categorias do conhecimento, concluindo que há tantos sistemas, e, portanto, tantos tipos de
conhecimento quantas línguas existirem.
Dessa maneira, toda língua é um sistema complexo, um cosmo. Mas não é, no
entanto, um sistema fechado. Há possibilidade de ligar diversas línguas. Contudo, a
tradução a rigor é impossível, sendo apenas aproximada como ensina Vilém Flusser10: “O
salto de língua a língua, atravessando o abismo do nada, cria no intelecto aquela sensação
de irrealidade.” [...] “A possibilidade da tradução representa, para o intelecto, a vivência da
relatividade da realidade.”
Transportando para as linguagens sociais, do direito positivo e a da ciência do
direito, também temos os saltos entre as linguagens, e o intelecto também experimenta a
relatividade de cada uma das realidades.
Partindo do pressuposto de que a realidade é um texto, assim como o direito, para a
construção de sentido, o intérprete deve sair da significação de base que todas as palavras
possuem e, através de outros elementos, como o contexto e as funções da linguagem,
atribuir sentido ao texto jurídico.
8 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 98. 9 FLUSSER, op. cit., 2004. p. 53. 10Idem, ibidem, p. 61.
17
Paulo de Barros Carvalho11 faz uma distinção quanto ao uso do termo “texto”, que
é ambíguo. Às vezes, uma palavra é utilizada para denotar o suporte físico e a mesma
palavra para referir ao suporte físico e seu sentido. Para resolver o problema, o autor
propõe uma distinção entre texto em sentido estrito e texto em sentido amplo. Strito sensu,
o “texto” refere-se apenas ao suporte físico enquanto que em sentido amplo de “texto”
abrange seu sentido.
Essa concepção traz um novo paradigma para o Direito, pois o que não estiver
vertido em linguagem competente, ou seja, em linguagem das provas, não existe para o
mundo jurídico.
O Direito Previdenciário, embora autônomo do Direito do Trabalho, por influência
direta, muitas vezes, se vê em busca da chamada “verdade real”, na tentativa de unir dois
níveis de linguagem: a linguagem social e a linguagem jurídica. Contudo, como visto, as
linguagens se sobrepõe, mas não se confundem.
1.3 Semiótica e Teoria Comunicacional do Direito O Direito Positivo se apresenta através da linguagem prescritiva. Esta linguagem
encontra-se inserida num contexto comunicacional e, sob esse aspecto, o direito é um
sistema de mensagens insertas num processo comunicacional, ou seja, constituídos por atos
de comunicação12.
Linguagem, língua e fala são indissociáveis. O falar em linguagem remete ao
pensamento que, por sua vez, remete ao signo13.
Um signo, segundo Charles S. Pierce14, é “qualquer coisa que conduz alguma outra
coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto),
de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim
sucessivamente ad infinitum”, classificando em três espécies: ícone, índice ou símbolo15.
11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, Linguagem e Método, op. cit., p.186. 12 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 158. 13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 32-33. 14 PEIRCE, Charles Sanders. 1839-1914. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 74. 15 “Depois de dar uma definição tradicional de signo (como ‘algo por meio de cujo conhecimento conhecemos outra coisa’), Peirce acrescentou que signo é um objeto que, por um lado, está em relação com seu objeto e, por outro, em relação com um interpretante, de tal modo que produz entre o interpretante e o objeto uma relação correspondente à sua própria relação com o objeto. O signo é, pois, uma relação triádica entre o próprio signo, seu objeto e o interpretante”. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, op. cit., p. 1063.
18
Contudo, para os estudiosos do direito, interessa o estudo dos símbolos, pois são
eles de forma idiomática escrita (palavras) que constituem nosso objeto de estudo, o
Direito Positivo.
Adotando a terminologia de Edmund Husserl16, o signo é uma relação triádica entre
(i) suporte físico; (ii) um significado e uma (iii) significação, de maneira que toda a
linguagem compõe-se, invariavelmente, desses três elementos inerentes aos signos e tanto
o Direito Positivo quanto a ciência do direito, sendo constituídos por linguagem,
representam, cada um deles, um conjunto estruturado de signos.
Pierce e Charles Morris17 distinguem três planos na investigação dos sistemas
sígnicos: (i) sintático; (ii) semântico e (iii) pragmático: o sintático, em que se estudam as
relações dos signos entre si, isto é, signo com signo; o semântico, em que o foco da
indagação é o vinculo do signo (suporte físico) com a realidade que ele exprime; e o
pragmático, no qual se examina a relação do signo com o utentes da linguagem (emissor e
destinatário).
Concentrando-se nos sistemas idiomáticos, como ensina Paulo de Barros
Carvalho18 “há múltiplas possibilidades de utilização das palavras, individualmente
consideradas, assim como numerosos são os usos das construções frásicas” [...]. “Isso
compele o interprete a sair da significação de base (que toda a palavra tem), em busca da
amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual.”
Essa significação contextual pode ser determinada por uma série de fatores, entre
eles, e principalmente, pelos propósitos do emissor da mensagem, apresentando, assim, o
processo constitutivo da interação comunicacional do qual se destaca a descrição de
Roman Jakobson19
O REMENTE envia uma MENSAGEM – ao DESTINÁRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal suscetível de verbalização; um CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a entrarem e permanecerem em comunicação.
16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 34. 17 Idem, ibidem, p. 36. 18 Idem, ibidem, p. 37. 19 Idem, ibidem, p. 38.
19
Por meio desses conceitos, quando aplicados ao direito positivo, temos: (i) o agente
competente como emissor, (ii) os sujeitos das prescrições como destinatários e (iii) a
norma jurídica como mensagem. Neste ponto, é fundamental compreender que a
mensagem não vem pronta e que é preciso que o destinatário construa a mensagem emitida
através do texto e do contexto20.
Os outros elementos são igualmente importantes, pois, se houver algum problema
com o código, a mensagem não poderá ser compreendida, assim como o contacto, ou
mesmo a ruptura da conexão psicológica.
Para Fabiana Del Padre Tomé21, a concepção da Teoria Comunicacional do direito
tem como premissa que o Direito Positivo se apresenta na forma de um sistema de
comunicação. Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas.
Daí a importância da compreensão da Teoria dos sistemas ou Autopoiese.
1.4. Teoria dos Sistemas ou Autopoiese A teoria da autopoiese ou sistema autopoiético, que teve origem com os biólogos
Humberto Maturana e Francisco Varela, passou a ser aplicada nos sistemas sociais, do qual
Luhmann é o principal idealizador. Em síntese, Cristiano Rosa Carvalho22 destaca:
Se a autopoiese biológica centra-se nos seres vivos, a autopoiese social centra-se na comunicação. Para Maturana, o “social” é formado por inúmeros sistemas autopoiéticos (indivíduos), sendo que este social é o ambiente. Para Luhmann, o que importa são os atos de comunicativos: “sistemas sociais não são formados por pessoas e ações, mas sim por comunicação”. Dessa forma, o grande sistema social é formado por complexas redes de comunicações, num processo dinâmico constante. À medida que o sistema vai aumentando sua complexidade, formam-se subsistemas, com códigos próprios, autonomizando-se uns em relação aos outros. Apesar de esses subsistemas serem fechados operacionalmente, são interdependentes [...]. Essa dependência inter-sistêmica indica que a autonomia autopoiética é relativa, um sistema autopoiético necessita de estimulo do ambiente para se auto-reproduzir e manter seu equilíbrio interno. Assim para
20 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 161. 21 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 40. 22 CARVALHO, Cristiano Rosa. Teoria do Sistema Jurídico: Direito, Economia e Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 111-133.
20
processar informações, o sistema precisa ser receptivo às mensagens vindas de fora [...] Para a Autopoiese social, o elemento do sistema é a comunicação.
O direito como sistema de comunicação – cujas unidades são ações comunicativas
– leva em conta o conjunto dos elementos que compõe o sistema comunicacional, ou seja,
o estudo do emitente, da mensagem, do canal e do receptor, devidamente integrados no
processo dialético do acontecimento comunicacional.
Adotando a Teoria Comunicacional no Direito Positivo, a norma jurídica é a
mensagem, enquanto que o código, no nosso caso, é a língua portuguesa.
No sistema social, as normas jurídicas nada mais são que resultados de atos de fala,
expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutórios,
apresentando as três dimensões sígnicas: suporte físico, significado e significação.
O sistema social é constituído por complexas redes de comunicação, em um
processo dinâmico constante. E, na medida em que o sistema vai aumentando sua
complexidade, formam-se subsistemas, cada qual com seu código próprio. No sistema
social, o código é comunicação/não comunicação. Já no sistema jurídico, o código é
lícito/não lícito.
A base desse sistema é a norma jurídica. Daí a grande importância que a Teoria da
Norma assume na compreensão do direito.
As normas jurídicas formam um sistema. Paulo de Barros Carvalho23, fazendo um
recorte metodológico, adotou quatro subsistemas para chegar a unicidade do texto jurídico-
positivo, os chamados “Planos S”:
No Plano S1, temos o sistema da literalidade textual suporte físico das significações
jurídicas; no Plano S2, o conjunto dos conteúdos de significação dos enunciados
prescritivos; no Plano S3, o conjunto articulado das significações normativas – o sistema
de normas jurídicas stricto sensu –; e, finalmente, no Plano S4, a organização das normas
construídas no nível S3, os vínculos de coordenação e subordinação entre as regras
jurídicas.
No que se refere ao Direito Previdenciário, pode-se atribuir as normas de custeio e
de proteção um caráter evidentemente sistêmico com vínculos de coordenação e
subordinação. 23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. 6. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 67-84.
21
Somente da conjugação dos quatro subsistemas surgirá o contexto em que se
apresenta a mensagem normativa e o sentido do texto. Esse processo também pode ser
entendido pela autopoiese do direito e sua autorreferencialidade.
O processo de construção normativa é determinado pelo Sistema, sendo o Direito
um Sistema autopoiético, em conformidade com a linha de pensamento Luhmann, aqui
representado pela obra de Cristiano Rosa Carvalho24, da qual destaca-se a
autorreferencialidade:
Consiste no pressuposto de sua autoprodução. Para que um sistema possa se autogerar, i.e. substituir elementos por outros, é necessário que haja elementos que tratem de elementos; atos comunicativos cujo conteúdo é a geração de outros atos comunicativos. É um falar sobre si mesmo. Num organismo vivo a sua capacidade de se autogerar está prevista no seu código genético. Num sistema linguístico, nas regras sintáticas de formação de sentenças.
As peculiaridades do sistema autopoiético conferem-lhe as seguintes características:
(i) autonomia: é capaz de subordinar toda a mudança de modo que permaneça sua auto-
organização; (ii) identidade: mantém sua identidade em relação ao ambiente,
diferenciando-se deste ao determinar o que é e o que não é próprio ao sistema; (iii) não
possui imputs e outputs: o ambiente não influi diretamente no sistema autopoiético25.
Sendo assim, os sistemas complexos autopoiéticos são: a) autorreguláveis; b)
autoproduzíveis e c) autorreferenciais.
Tais conceitos, quando aplicados ao Direito Previdenciário, esse entendido como
subsistema do Sistema de Seguridade Social, revelam que o sistema jurídico é fechado
operacionalmente, ou normativamente, e aberto cognitivamente.
É a abertura do sistema às mensagens do ambiente que permite a comunicação
entre os demais sistemas sociais, do qual o direito é um subsistema. Porém, a abertura é
parcial, pois somente os ruídos – as interferências nas comunicações – são percebidos pelo
sistema, sem que haja a possibilidade de outro sistema interferir diretamente no sistema
jurídico.
A abertura do sistema jurídico em termos cognoscentes se dá a nível semântico e
pragmático, permanecendo fechado em termos operacionais e a nível sintático.
24 CARVALHO, Cristiano Rosa, op. cit., 2005, p. 163. 25 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 43.
22
Através da abertura, cada sistema autopoiético processa as mensagens externas
dentro de critérios particulares, mediante um código valorativo e binário: o código do
sistema econômico é ter/não ter; do sistema político é poder/não poder; e do sistema
jurídico é licito/ilícito, de maneira que a abertura tem como consequência a autonomia
sistêmica, em relação aos demais sistemas sociais. Atos econômicos ou atos políticos não
fazem atos jurídicos. O sistema jurídico não tem outptus, e a influência dos demais
sistemas não é direta ao sistema jurídico. Podem, quando muito, “estimularem”
modificações neste.
Uns dos aspectos importante a ser considerado é que o sistema de Previdência
Social está inserido no sistema da Seguridade Social, sendo que esse atua em três redes
bem definidas de proteção: saúde para todos, Previdência Social para os trabalhadores e
assistência para os idosos e deficientes carentes.
Essa visão sistêmica permite identificar a estrutura fundamental do Sistema de
Seguridade Social, bem como compreender sua autoformação a partir de seus próprios
elementos.
Para a compreensão das normas de proteção, é necessário fazer incursões no
sistema, recorrendo a diversos textos de lei, como acabamos de ver, levando em
consideração que, em relação ao Sistema de Seguridade Social, como adverte Wagner
Balera26:
Para que o nexo não se esgarce, para que não perca a consistência interna que permite ao direito movimentar a vida social, o sistema é dotado de um centro de gravidade representado pelos valores e princípios constitucionais que lhe servem de suporte.
Analisado sistematicamente os desdobramentos normativos dos planos de
proteção social, Wagner Balera27 concluiu que “o objetivo do Sistema Nacional de
Seguridade Social se confunde, na dicção constitucional, com o objetivo da Ordem
Social”.
O Sistema de Seguridade Social compreende ações de saúde, previdência e de
assistência social, com a tarefa de concretizar o bem-estar e a justiça social, em
26 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social, op. cit., p. 12. 27 Idem, ibidem, p. 13.
23
conformidade com próprio conceito de Seguridade Social contido no art. 194 da
Constituição Federal:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, á previdência e à assistência social.
Contudo, o sistema apresenta restrições como ressalta Fabio Lopes Vilela Berbel28:
Pode-se dizer que Seguridade Social é o conjunto de meios (racionalidade formal) utilizados pela sociedade para atingir a proteção social plena (racionalidade material). A ordem constitucional brasileira não atingiu essa plenitude, pois limitou a proteção a direitos e ações de saúde, previdência e assistência, limitando, como se verá, essas ações no plano pragmático, a determinados indivíduos. A restrição de sujeitos, contingências e necessidades retiram a qualidade de Seguridade Social utópica do sistema brasileiro.
Dessa forma, o Sistema de Seguridade Social possui uma estrutura própria com
regras bem definidas, que regulam tanto as normas de comportamento como as normas de
estruturas que compõem o sistema da Seguridade Social. Essas regras estão previstas
principalmente no artigo 194 da Constituição Federal:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
28BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 129.
24
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998)
Por outro lado, constata-se uma complexidade operacional do Sistema de
Seguridade de Social, na medida em que apresenta valores, princípios e regras destinados a
coordenar três áreas distintas de atuação. Portanto, o aplicador do direito precisa se
familiarizar com cada uma dessas áreas de atuação, a fim de identificar e individualizar a
qual área da Seguridade Social é destinado cada um dos princípios elencados no artigo 194
da Constituição Federal.
Somente através de uma análise sistêmica é que se pode compreender a função da
regra da contrapartida, que importa em verdadeira proibição constitucional à instituição de
novas fontes de custeio sem destinação precisa, assim como em proibição expressa de
criação de novas prestações sem a adequada cobertura financeira.
Dessa forma, a regra da contrapartida tem também a função dar equilíbrio ao
sistema da Seguridade Social, pois se fossem instituídos benefícios sem a respectiva fonte,
o sistema entraria em desequilíbrio, o que pode ser ocasionado tanto pela falta de recursos
como pelo excesso.
O direito tem a capacidade de autorregular-se e a regra da contrapartida pode assim
ser apontada como um instrumento, “um termostato29”, para a manutenção do equilíbrio,
comunicando ao sistema que há necessidade de implementar novas contribuições, novos
benefícios, ou ainda, a redução de contribuições.
Portanto, cumpre ao destinatário da prova analisar com rigor o cumprimento de
todos os requisitos para a concessão do benefício previdenciário, sob pena de gerar um
desequilíbrio sistêmico, pois o sistema tem como pressuposto o equilíbrio financeiro e
atuarial.
29 A expressão “termostato” para ilustrar a Regra da Contrapartida foi apresentada pelos Professores Wagner Balera e Fábio Lopes Vilela Berbel, durante as aulas da Disciplina de Custeio da Seguridade Social do programa de Pós-Graduação.
25
2 TEORIA GERAL DO DIREITO: MODELOS DE INCIDÊNCIA DA S
NORMAS JURÍDICAS
2.1 Os pressupostos da Teoria Geral do Direito a partir do Constructivismo Lógico-Semântico
Complexo é o arcabouço jurídico que compõe a Teoria Geral do Direito. Contudo,
considerando o recorte metodológico proposto neste trabalho, com o objetivo de se
compreender a Teoria da Prova dentro do Constructivismo Lógico-Semântico, interessa
agora investigar como evoluiu a Teoria da Norma e as Teorias da Incidência Normativa a
partir dos pressupostos do Constructivismo Lógico-Semântico, vistos no capítulo anterior.
A Teoria da Norma, a Teoria da Incidência Normativa e, especialmente, a Teoria
dos Sistemas ou Autopoiese, vão servir de base para a compreensão da Teoria das Provas.
Outra teoria relevante para o presente estudo é a Teoria das Relações que, por questões
metodológicas, será abordada na segunda parte do trabalho, já recortada da Teoria Geral
para ser analisada dentro da relação jurídica previdenciária.
2.2 Teoria da Norma Kelsen1 definiu o Direito como norma jurídica: “Ali onde houver direito, haverá
normas jurídicas” na medida em que são elas, as normas jurídicas, que constituem o objeto
da ciência jurídica, destacando que:
Na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas jurídicas o objeto da ciência do direito, e a conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência, ou – por outras palavras – na medida em que constitui conteúdo de normas jurídicas
O “dever-ser” passou a ser a premissa lógica do direito sob o qual se fundamenta e,
a partir dele, se desenvolve toda a Teoria Geral do Direito. Paulo de Barros Carvalho2
1 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Batista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 79. 2 CARVAHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p. 19.
26
acrescenta a definição de Kelsen: “e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma
linguagem em que tais normas se manifestem”.
Falar em norma é, em última análise, falar do próprio direito, lembrando que o
aspecto que o distingue dos demais sistemas de normas, como as morais e religiosas, é a
coatividade exercida com o emprego da força. Contudo, a natureza do direito é
essencialmente instrumental. O direito é o instrumento do Estado para regular a vida em
sociedade3.
Ressalta-se o caráter instrumental do direito porque ele só se realiza através do
poder de emitir comandos4; Porém, esse poder só pode ser exercido por meio da
linguagem. Segundo Geraldo Ataliba5, “Consiste o caráter instrumental do direito na
qualidade que todos reconhecem à norma jurídica de servir de meio posto à disposição das
vontades para obter, mediante comportamentos humanos, o alcance das finalidades
desejadas pelos titulares daquelas vontades”.
A linguagem se apresenta mediante os signos de representação (a linguagem falada,
escrita, de sinais, símbolos). Esses signos só possuem significação quando apresentados em
um texto e, por sua vez, em um contexto, sem o qual não podemos atribuir a significação.
Paulo de Barros Carvalho6 afirma que para receber a significação, a linguagem se
utiliza de suas funções prescritivas e descritivas. Ao nos aproximarmos da linguagem do
direito posto, vamos encontrar a figura dos enunciados. Os enunciados linguísticos não
possuem em si mesmos significações. Eles precisam ser acolhidos em nossa mente, que os
agrupa em conformidade lógica do texto e do contexto onde ele se apresenta. É a partir
desses enunciados prescritivos que construímos as significações dos sentidos – a
interpretação – e, por isso, podemos afirma que o intérprete “produz” a norma a partir do
enunciado posto pela autoridade competente.
Os enunciados não têm o chamado mínimo deôntico, não revelam o dever-ser. Eles
precisam ser agrupados para produzir a norma jurídica. Além disso, os enunciados e suas
significações estão presentes onde houve comunicação, ou seja, onde houver linguagem,
3 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária . São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 31. 4 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Trad. J. Baptista Machado. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1996, p.45. 5 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiro, 2005, p. 25. 6CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p. 18.
27
eles são partes da norma e precisam ser unidas pelo intérprete para formarem a norma
completa.
Os enunciados ingressam ora como hipótese, ora como consequente da norma,
como elementos da hipótese e elementos do consequente.
Esse agrupamento dos enunciados não é automático e decorre da construção da
norma pelo intérprete. É por isso que um artigo isolado não pode ser chamado de norma,
não contém os elementos mínimos para aferição do dever-ser. É preciso conjugá-lo com
outros artigos e, às vezes, até com outras leis para compor a norma completa.
Assim, os enunciados e suas significações, ou proposições, são partes da norma, e
tais partes serão unidas pelo intérprete para formarem a norma jurídica.
Toda norma, portanto, contém uma hipótese e um comando, que é obrigatório
apenas quando associado à hipótese7.
A hipótese trará a previsão de um fato jurídico que, segundo Paulo de Barros Carvalho8:
Posto isto, percebemos que a construção do fato jurídico nada mais é que a constituição de um fraseado normativo capaz de justapor-se como antecedente normativo de uma norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito, assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma geral e abstrata.
O consequente, por sua vez, prescreverá a relação jurídica que se vai instaurar, ou
seja, a hipótese faz alusão a um fato e a consequência prescreve os efeitos jurídicos.
A norma jurídica é uma estrutura lógico-sintática de significação e, segundo Paulo
de Barros Carvalho9, se a proposição-hipótese é descritora de um fato de possível
ocorrência no contexto social, a proposição tese funcionará como prescritora de condutas
intersubjetivas, afirmando ainda que, “na verdade, o prescritor da norma é,
invariavelmente, uma proposição relacional, enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em
torno de uma conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória”.
Não existe norma sem sanção, mas enunciados prescritivos sem normas
sancionatórias. Isso ocorre porque elas possuem feição dúplice.
7 ATALIBA, Geraldo, op. cit., 2005, p. 26. 8 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário . 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 267. 9 Idem. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência,op. cit., p. 30.
28
Existem normas primárias e normas secundárias, sendo que a norma primária
prescreve um dever – descumprido esse dever, a norma secundária prescreve uma
providência sancionatória –, e o direito não existe sem seu caráter coativo.
As duas entidades, juntas, formam a norma completa, expressando a mensagem
deôntico-jurídica na sua integridade.
Finalmente, alerta o ilustre professor que as normas não estão “prontas” dentro do
sistema, mas elas precisam emergir da interpretação e são construídas a partir dos
enunciados. Neste ponto, é ilógico falar em norma explícita. Os enunciados devem ser
conjugados com outros para formarem a norma, mas esta sempre é completa. 2.3 Modelos de incidência
Uma teoria sobre a incidência estuda como se dá a produção de efeitos da norma
jurídica e sua problemática envolve justamente a distinção entre efeitos jurídicos e efeitos
sociais10. Neste contexto, destacam-se duas grandes correntes explicando a incidência: (i) a
Teoria Tradicional e (ii) a Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico ou,
como também é conhecida, Teoria de Paulo de Barros Carvalho.
Não obstante já se tenha delimitado o objeto: Teoria das Provas aplicada ao Direito
Previdenciário, e o método: Constructivismo Lógico-Semântico, o que já evidencia em
qual das teorias será aplicada, no que se refere ao modelo de incidência, faz-se necessária
uma breve análise da Teoria Tradicional, antes de ingressar no estudo da Teoria de Paulo
de Barros Carvalho.
2.3.1 Teoria Tradicional
Como explica Aurora Tomazini de Carvalho11, a Teoria Jurídica Tradicional,
seguindo os ensinamentos de Pontes de Miranda e Miguel Reale, trabalha com a tese da
incidência automática e infalível no plano factual, destacando-se que, para essa teoria, a
incidência é um fenômeno do mundo social. A norma projeta-se sobre os acontecimentos
sociais, juridicizando-os. Ela incide sozinha e por conta própria sobre os fatos, logo que
eles se concretizam, fazendo-os propagar consequências jurídicas.
10 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 408. 11 Idem, ibidem.
29
Para Pontes de Miranda12, a incidência da regra jurídica é infalível e não se
confunde com sua eficácia:
1. INFALIBILIDADE DA INCIDÊNCIA. – A incidência da lei, pois que se passa no mundo do pensamento e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros “pontos” do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível. [...] 2. EFICÁCIA DA LEI E EFICÁCIA DO FATO JURIDICO. – A incidência da regra jurídica é a sua eficácia; não se confunde com ela, nem com a eficácia do fato jurídico; a eficácia da regra jurídica é sua incidência.
Dessa maneira, para a Teoria Tradicional, a incidência e a aplicação ocorrem em
momentos distintos, de maneira que a norma incide de forma automática independente da
ação do homem, enquanto que a aplicação pode ou não ocorrer, dependendo, assim, de
uma ação humana.
Clarice Von Oertzen de Araujo13 explica que, para Pontes de Miranda:
A eficácia jurídica é aquela decorrente da incidência, mas que não é a incidência em si mesma considerada. Com essa ressalva o jurista estabelece uma diferença entre eficácia da lei, que é a incidência, o processo de jurisdicização dos fatos, e a eficácia jurídica. Essa segunda irradia dos fatos jurídicos, em decorrência da causalidade normativa. Assim, a eficácia (a jurídica) é interna ao mundo jurídico, enquanto que a outra (a incidência ou eficácia legal) concorre para a formação desse mundo.
Essa teoria, no campo do Direito Previdenciário, tem forte apelo no chamado
“direito adquirido”, pois sob sua égide o direito ao benefício surgiria em decorrência da
aplicação automática da norma de proteção. Assim, por exemplo, tendo o segurado
completado a carência e idade mínima, teria direito à aposentadoria por idade,
independente de qualquer ação humana e ficando apenas os efeitos sujeitos à manifestação
da vontade do segurado.
Contudo, tal assertiva não se sustenta quando confrontada com a pragmática. Nesse
sentido, é brilhante a afirmação de Wagner Balera14: “o requerimento é um pressuposto
indispensável à constituição do crédito previdenciário do beneficiário”. 12 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral – Tomo I, Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 16-17. 13 ARAUJO, Clarice Von Oertzen. Incidência jurídica: teoria e crítica. Tese de Livre Docência. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 102.
30
Como explica Aurora Tomazini de Carvalho15, são dois os pontos de vista sobre a
aplicação, conhecidos como: (i) teoria declaratória e (ii) teoria constitutiva. Enquanto para
a primeira, o ato de aplicação é declaratório do fato jurídico e da relação jurídica, para a
teoria constitutiva, um fato só existe juridicamente quanto relatado em linguagem
competente.
2.3.2 Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico
Na Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico ou Teoria de Paulo
de Barros Carvalho16, a incidência não é automática nem infalível à ocorrência do evento,
diferenciando o plano do direito positivo do plano da realidade social, de maneira que não
se confundem as consequências jurídicas com as consequências sociais.
Para Paulo de Barros Carvalho17 “não se dará a incidência se não houver um ser
humano fazendo a subsunção e promovendo a implicação que o preceito normativo
determina. As normas não incidem por força própria”. Além disso:
Onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhe sirva de veículo de expressão. Pois bem, para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeito de direito que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relate o vinculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas. (p.12)
Segundo Paulo de Barros Carvalho18, a eficácia jurídica é mecanismo de incidência,
afirmando, deste modo, que:
Eficácia Jurídica é a propriedade do fato jurídico de provocar efeitos que lhe são próprios (“a relação de causalidade jurídica” na linguagem de Lourival Vilanova). Não seria portanto atributo da norma, mas sim um fato previsto pela norma. Entretanto, como de regra de direito é a causa mediata dessa capacidade de gerar resultados, temos de reconhecer-lhe a
14 BALERA, Wagner. Processo Administrativo Previdenciário – Benefícios. São Paulo: LTr, 1999, p. 28. 15 CARVALHO, Autora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 426. 16 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 415. 17 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p. 11. 18 Idem, ibidem, p. 64.
31
“eficácia técnica”, pois é função de norma integrante do sistema positivo que o fato por ela juridicizado produz suas decorrências peculiares.
Enquanto que para Pontes de Miranda19 a incidência da regra jurídica ocorre como
fato que cria ou continua a criar o mundo jurídico; é fato dentro do mundo dos nossos
pensamentos.
A adoção da teoria de Paulo de Barros Carvalho como referencial teórico revela
uma opção por um método que trabalha com a filosofia da linguagem, diferentemente da
Teoria Clássica de Pontes de Miranda, que concebia a incidência como fenômeno do
pensamento, de maneira que é fundamental perceber que se trata de dois modelos distintos
de incidência das normas jurídicas, que não necessariamente se contrapõem, mas partem de
premissas diferentes. Como ensina Aurora Tomazini de Carvalho20:
A teoria da eficácia de PONTES DE MIRANDA parte de um referencial para explicar o fenômeno da incidência e da aplicação do direito, enquanto a teoria do constructivismo lógico-semântico de PAULO DE BARROS CARVALHO parte de outro. São sistemas de referência diversos, que não se confundem, embora muitos autores se utilizem das proposições de um para criticar e tecer considerações a respeito do outro.
Outra noção importante para a compreensão da Teoria da Incidência de Paulo de
Barros Carvalho é que a incidência e aplicação não seguem uma ordem cronológica, mas
uma ordem lógica21, “uma vez que inexiste cronologia entre a verificação empírica do fato
e o surgimento da relação jurídica” [...]. “Em um só tempo, constroem-se fato e relação
jurídica, bem como ocorre à incidência e aplicação do ordenamento posto.”
A própria incidência é, no fundo, como adverte Paulo de Barros Carvalho22, uma
operação lógica entre conceitos conotativos (da norma geral e abstrata) e conceitos
denotativos (da norma individual e concreta), de maneira que incidir é aplicar a norma
geral e abstrata ao caso individual e concreto. Também nesse sentido adverte Gabriel Ivo23:
19 MIRANDA, Pontes de, op. cit., p. 7. 20 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., p. 415. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário , op. cit., p. 278. 22 Idem. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 152. 23 IVO, Gabriel. Norma Jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. 62.
32
Separar os dois momentos como se um, o da incidência, fosse algo mecânico ou mesmo divino que nunca erra ou falha, e o outro, o da aplicação, como algo humano, vil, sujeito ao erro, é inadequado. É pensar que nada precisa de interpretação. E mais, a incidência automática e infalível reforça a ideia de neutralidade do aplicador. Assim, a incidência terá sempre o sentido que o homem lhe der. Melhor: a incidência é realizada pelo homem. A norma não incide por força própria: é incidida
Contudo, há de observar que uma vez constituído o fato jurídico, a imputação é
automática e infalível por força da causalidade deôntica24.
Trabalhando com esse referencial teórico Paulo de Barros Carvalho distingue o
tempo e lugar do fato do tempo e lugar no fato, cuja compreensão é fundamental para
determinar a legislação aplicável através dos marcos de tempo e espaço. Nesse sentido
esclarece Aurora Tomazini de Carvalho25:
O tempo do fato é o instante em que o enunciado denotativo da hipótese normativa ingressa no ordenamento jurídico. É o momento em que o fato é constituído juridicamente. Geralmente no processo de positivação, isso se dá com a notificação da parte. O tempo no fato, por sua vez, é o instante a que alude o enunciado factual juridicamente constituído. É o momento descrito como aquele em que o evento se realizou. Nesta mesma linha de raciocínio, o lugar do fato é aquele onde o enunciado protocolar do fato jurídico é produzido. E, o lugar no fato é o ponto no espaço a que alude o enunciado factual, ou seja, o local descrito como aquele onde o evento se realizou.
Por outro lado, a Eficácia Social ou efetividade para Paulo de Barros Carvalho26
está relacionado com a produção das consequências desejadas pelo elaborador das normas,
verificando-se toda vez que a conduta prefixada forma cumprida pelo destinatário.
Esse aspecto, segundo Paulo de Barros Carvalho27, interessa mais à Sociologia do
direito do que à dogmática jurídica. Contudo, no âmbito do Direito Previdenciário, a
própria efetividade ganha juridicidade, apresentando-se em vários enunciados. Ou seja,
vem positivada, tanto na Constituição Federal como na legislação ordinária, de maneira
que, na construção da norma jurídica de Direito Previdenciário, a efetividade interessa ao
aplicador da norma, e é o que ocorre quando, no Direito Previdenciário, se fala em
24 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. op. cit., p.448 25 Idem, ibidem, p. 538 26CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p. 64 27 Idem, ibidem, p 65.
33
fungibilidade dos benefícios por incapacidade. Nesse caso, o aplicador vai fazer incidir e
aplicar a norma cujos efeitos sociais sejam mais benéficos ao segurado.
Mesmo na esfera administrativa, o segurado tem direito ao melhor benefício, e é o
que garante o Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social28 – CRPS,
deixando clara a fungibilidade entre os benefícios, sendo que ela está diretamente ligada à
questão de proteção social. Interessa ao sistema promover o bem-estar social, ou seja, é
juridicamente relevante a eficácia social da norma previdenciária de proteção.
28 JR/CRPS – ENUNCIADO Nº 5 “A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido.” Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/32/CRPS/5.htm>. Acesso em: 11 ju. 2011.
34
3 TEORIA DAS PROVAS
3.1 O conceito de prova no Construtivismo Lógico-Semântico
A partir do Constructivismo Lógico-Semântico, construiu-se um novo conceito de
prova, ressaltando, mais uma vez, que os pressupostos do Constructivismo Lógico-
Semântico aqui adotado representam um corte metodológico e, como bem adverte Paulo de
Barros Carvalho1:
Certo é que o direito, tomado como um grande fato comunicacional, é uma concepção relativamente recente [...]. Situa-se [...] no marco da filosofia da linguagem, mas pressupõe interessante combinação entre o método analítico e a hermenêutica, fazendo avançar seu programa de estruturação de uma nova e instigante Teoria do Direito.
Um corte metodológico implica necessariamente numa tomada de posição, que
delimita o objeto do presente estudo, ou seja, o conceito de prova fica adstrito aos limites
do Constructivismo Lógico-Semântico, adotado como premissa desse trabalho. Não
obstante, os demais conceitos construídos pela ciência do direito, dado o corte
metodológico do qual falamos, não ingressam no presente estudo.
Assim, partindo da fenomenologia da incidência a partir do Constructivismo
Lógico-Semântico, a incidência não é automática, mas depende do ser humano
movimentando as estruturas do direito.
Essa movimentação exige a certificação da ocorrência do fato conotativamente
previsto na hipótese da norma que se pretende aplicar, é o que ensina Fabiana Del Padre
Tomé2. Trabalhando com a Teoria das Provas no Direito Tributário, já na introdução
elucida a importância da linguagem:
Mas, para que o relato ingresse no universo do direito, constituindo fato jurídico tributário, é preciso que seja enunciado em linguagem competente, quer dizer, descrito consoante as provas em direito admitidas. Observa-se, aí, importante função da linguagem das provas no sistema do direito tributário. É por meio delas que se compõe o fato jurídico tributário, em todos os seus aspectos (conduta nuclear, tempo e
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 164. 2 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, Introdução, p. XXV.
35
espaço), bem como o sujeito que o pratico e a sua medida. O mesmo pode se dizer do ilícito tributário: somente com o emprego da linguagem competente, isto é, por meio de enunciados probatórios, configura-se o descumprimento de obrigação tributária ou de dever instrumental, desencadeando a relação jurídica sancionatória.
A Teoria da Prova assume um dos pontos centrais do direito, segundo Paulo de
Barros Carvalho3, ao afirmar que reside no capítulo das provas o mecanismo fundamental
para o reconhecimento dos fatos da vida social juridicizados pelo direito, lembrando que
convém observar que:
A incidência requer, por um lado, a norma jurídica válida e vigente, por outro, a realização do evento juridicamente vertido em linguagem que o sistema indique como própria e adequada. Em tal acepção, quando se fala em incidência jurídico-tributária estamos pressupondo a linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas intersubjetivas, para organizá-las deonticamente. [...] de tal sorte que os acontecimentos do mundo social que não puderem ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios do jurídico, por mais evidente que sejam.
Discorrer sobre as provas exige que sejam enfrentadas questões concernentes à
composição do sistema jurídico, a caracterização do conhecimento e da verdade, a
necessidade de decisão de conflitos e de regras que disciplinem o modo pelo qual se atinge
aquela verdade, possibilitando a composição dos litígios.
No capítulo anterior, fez-se a análise do direito como sistema autopoiético e como
fato comunicacional. Agora cumpre analisar o conceito de conhecimento e verdade para os
fins deste trabalho.
Enfrentando a questão, Fabiana del Padre Tomé4 “ensina que conhecimento é saber
distinguir as proposições verdadeiras das falsas” [...]. “Não são as coisas, portanto,
verdadeiras ou falsas: os enunciados a elas referentes é que se sujeitam a essa espécie de
valoração.”
Contudo, não existe conhecimento sem sistema de referência. Os objetos só
adquirem significado dentro do sistema de referência, através das coordenadas de tempo e
3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 826. 4 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 2.
36
espaço. Dessa forma, conhecimento pressupõe a capacidade do ser humano, por meio do
raciocínio e inferência, de construir uma linguagem válida para um determinado sistema.
Como adverte Aurora Tomazini de Carvalho5, cada pessoa dispõe de uma forma
particular de conhecimento em conformidade com um sistema de referência adotado e
condicionado por seus horizontes culturais.
A verdade, por sua vez, partindo dos pressupostos do Constructivismo Lógico-
Semântico, não se dá pela relação entre a palavra e a coisa, mas entre as próprias palavras,
ou seja, entre linguagens. Essa é a concepção adotada por Fabiana Del Padre Tomé6,
renunciando, assim, à ideia de verdade objetiva:
A verdade não se descobre: inventa-se, cria-se, constrói-se. Não há verdade objetiva, isto é, uma verdade que possa reclamar validade universal. A verdade é sempre relativa. [...]. Tal conclusão decorre do fato de que, como para os adeptos da corrente filosófica denominada giro linguístico a verdade não se dá pela correspondência da proposição ao objeto, não há que se falar em essências a serem descobertas. Sendo a própria linguagem que cria os objetos, inexistem verdades únicas e imutáveis. O conhecimento assim como a verdade, são construções linguísticas, sempre sujeitas a refutação por outras proposições. [...]. Nessa concepção, inexistem verdades absolutas. Todas são relativas: dependem do sistema em que se inserem, das condições de tempo e espaço.
A verdade, compreendida como construção linguística, é sempre relativa. Contudo,
dizer que a verdade é relativa não significa negar a existência de afirmações verdadeiras,
mas que depende do sistema de referencia adotado. É a chamada autossustentação da
linguagem e está baseada no princípio da autorreferência do discurso, linha seguida pelas
teorias retóricas. A linguagem se autorrefere e se autossustenta. Isto significa que ela não
tem outro fundamento além de si própria7.
Outra teoria importante aplicada ao estudo da linguagem apresentada por
Wittgenstein é a Teoria dos Jogos de linguagem que, segundo Aurora Tomazini de
Carvalho8,
5 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 23. 6 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 15. 7 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 29. 8 Idem, ibidem, p. 32.
37
De acordo com a teoria dos jogos, todo jogo é composto por um conjunto de regras próprias, que o determina e o diferencia dos demais. É mediante o cumprimento destas regras que se joga o jogo e é por meio delas que sabemos qual o jogo jogado. Assim, para jogarmos um jogo temos que, primeiramente, aceitar suas regras e realizar cada jogada dentro do modelo estabelecido, caso contrário, ela não é aceita como uma jogada daquele jogo.
Contudo, como explica Sônia Maria Broglia Mendes9, a Teoria dos “jogos de
linguagem” entende a linguagem como um instrumento que pode ser usado em diferentes
atividades. Porém, adverte que, para Wittgenstein, nem a linguagem nem os jogos têm
limites ou fronteiras precisas.
Segundo Fabina Del Padre Tomé10, pode-se identificar dois tipos de jogos: um
infinito e outro finito. Enquanto na primeira espécie, objetiva-se continuar o jogo, na
segunda almeja-se vencer. O ponto comum de ambos é a necessidade de que os sujeitos
aceitem jogar, esclarecendo ainda como isso ocorre com o direito:
Os jogos finitos são disputados dentro de um jogo infinito. É o que ocorre com o direito, cujo sistema (jogo finito) encontra-se inserido no macrossistema social (jogo infinito). Nestes, os jogadores observam regras direcionadas à continuidade do jogo da vida, da existência social. Não obstante, podem participar de batalhas travadas no interior de jogos finitos, cujos ganhos e perdas são encarados apenas como um momento daquele jogo contínuo e pretensamente infindável. De outro lado, tomado o jogo finito como sistema de referência, cada vitória ou derrota representa o desfecho do embate: o vencedor recebe um título, consistente no reconhecimento, pelos demais jogadores, de que foi vencedor durante aquele jogo particular.
Prosseguindo na Teoria das Provas, cumpre analisar a relação da verdade com o
direito, sabendo que o Direito Positivo utiliza a linguagem prescritiva para emitir
comandos e essa espécie de enunciado não se sujeita à valoração de verdadeiro ou falso,
mas válido e não válido. Contudo, tanto as normas gerais e concretas como as individuais e
concretas, não obstante configurem enunciados prescritivos e, portanto, sujeitos aos
valores válidos e não válidos, são expedidas em conformidade com enunciados descritivos,
os quais, por sua vez, submetem-se aos critérios de verdade e falsidade11.
9 MENDES, Sonia Maria Broglia, A validade jurídica e o giro linguístico. São Paulo: Noeses, 2007, p. 61. 10 TOMÉ, Fabiana Del Padre, op. cit., 2008, p. 20-22. 11 Idem, Ibidem, p. 28.
38
Finalmente, antes de se ingressar na análise do conceito de prova no
Constructivismo Lógico-Semântico, faz-se necessária a distinção entre evento e fato, pois
para aplicar as normas é preciso conhecer o fato, ressaltando que o que se denomina evento
é o acontecimento no mundo fenomênico, que se perde no tempo e no espaço, mas que
deixa vestígios e marcas, através das quais se constrói o fato, ou seja, o enunciado, produto
da enunciação.
Para Tácio Lacerda Gama,12 no seu pequeno glossário de instrumentos teóricos,
Enunciado, é o “conjunto de fonemas ou grafemas, organizados segundo certas regras, a
partir dos quais se formam proposições. É, também, o ponto de partida para a construção
de proposições prescritivas.”
Paulo de Barros Carvalho13 destaca a importância a linguagem das provas na
constituição do fato jurídico afirmando categoricamente que:
Fato jurídico por sua vez é aquele, e somente aquele, que puder expressar-se em linguagem competente, isto é, segundo as qualificações estipuladas pelas normas do direito positivo. [...] Transmitindo de maneira mais direta: fato jurídico requer linguagem competente, isto é, linguagem das provas, sem o que será mero evento, a despeito do interesse que possa suscitar no contexto da instável e turbulenta vida social.
Assim é através da linguagem das provas que é possível a formalização dos
eventos, lembrando que, neste contexto, formalizar significa construir as normas
individuais e concretas.
Desta forma, falar em linguagem competente e em formalização é verter a
concretude existencial em construção linguística do fato jurídico e respectivas relações
jurídicas14.
Ainda sobre a distinção entre fato e evento, Fabiana Del Padre Tomé15 destaca que
é prescindível a correspondência do fato ao evento em si, sendo suficiente que haja
correlação entre a linguagem que constituiu o fato jurídico e a linguagem das provas.
12 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009: Pequeno glossário de instrumentos teóricos, p. XLV. 13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 824. 14 Idem, ibidem, p. 828. 15 TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a seguridade social: à luz da Constituição Federal, 1. ed. (ano 2002), 5. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 27.
39
No sentido comum, o vocábulo “prova” é empregado para denotar algo que possa
servir ao convencimento de outrem. Porém, observando o corte metodológico que implica
o Constructivismo Lógico-Semântico, ou seja, tomando-se a prova no sentido de
enunciado, esta seria um fato jurídico em sentido amplo, cuja função consiste em
convencer o destinatário acerca da veracidade da argumentação de determinado sujeito,
levando a composição do fato jurídico em sentido estrito16.
A prova como fato jurídico em sentido amplo apresenta três características
importantes17:
Tomando-se prova no sentido de enunciado, esta se apresenta como fato jurídico sem sentido amplo: (i) fato, por relatar acontecimento pretérito; (ii) jurídico, por integrar o sistema do direito; e (iii) em sentido amplo, por ser apenas um dos elementos de convicção que, conjugado com outros, propiciará a constituição do fato jurídico em sentido estrito, consoante do antecedente da norma individual e concreta veiculada pelo ato de lançamento, de aplicação de penalidade ou de decisão administrativa ou judicial.
Esse conceito revela a importância da prova no sistema jurídico, pois é através do
fato jurídico, em sentido amplo, que se constitui o fato jurídico em sentido estrito,
constituindo ou desconstituindo a relação jurídica.
Contudo, identificada a prova como fato, como enunciado, temos que a prova é
simultaneamente fato e norma em sentido amplo, pois consiste em proposição que
intervém na constituição do fato jurídico em sentido estrito18.
A prova, enquanto fato jurídico em sentido amplo, considerada isoladamente, não
produz efeito jurídico, apenas ingressa como um dos elementos para a constituição do fato
jurídico em sentido estrito.
O vocábulo “prova” também é muito utilizado para referir-se ao procedimento
probatório, e essa acepção está ligada a axiologia das provas, ou seja, está ligada à
valoração das provas pelo julgador, pois, como conclui Fabiana Del Padre Tomé19, após
registrar uma grande variedade do vocábulo prova, o vocábulo “prova”:
16 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 71. 17 Idem, ibidem, mesma página. 18 Idem, ibidem, p. 73. 19 Idem, ibidem, p. 67.
40
padece da ambiguidade processo/produto, podendo significar tanto a enunciação como enunciado resultante (dilema). E, mais que isso, a palavra prova é plurissignificante, susceptível de ser empregada para aludir (i) ao fato que se pretende reconstruir; (ii) à atividade probatória; (iii) ao meio de prova; (iv) ao procedimento organizacional; (v) ao resultado do procedimento; ou (vi) ao efeito do procedimento probatório na convicção do destinatário. Essa polissemia decorre, principalmente, das diferenças quanto ao alcance do termo, ao diversos momentos em que a prova é considerada, à estrutura aberta da linguagem e os aspectos relativos à sua pertinência.
Essa amplitude do vocábulo “prova” revela a importância dos elementos que
compõem a sua morfologia, ou seja, a estrutura da prova, bem como os modos de
produção da prova e como se dá a valoração das provas pelo destinatário, o que implica na
analise da Axiologia das Provas.
3.2 Morfologia da prova
Os elementos que compõe a morfologia da prova são (i) fonte; (ii) objeto; (iii)
conteúdo; (iv) forma; (v) função; (vi) finalidade e (vii) destinatário20:
O objeto da prova consiste no fato que se pretende provar, representado pela alegação da parte. O conteúdo nada mais é que o fato provado, entendido como enunciado linguístico veiculado independentemente da apreciação do julgador, enquanto a finalidade, objetivo ultimo da prova, direciona-se a constituição ou desconstituição do fato jurídico em sentido estrito. Tudo isso, porém, não se opera sem um sujeito que emita enunciados probatórios (fonte) e um destinatário a quem estes se dirijam, com o escopo de convencer.
Partindo do pressuposto acima de prova, é, simultaneamente, fato e norma em
sentido amplo. A fonte da prova será o sujeito competente, ou seja, o emissor da
mensagem probatória, esta entendida como enunciado produto da enunciação. Porém,
neste posto, diferenciam-se fonte e meio de prova21:
(i)fonte é a enunciação realizada por um sujeito habilitado; enquanto (ii) o meio confunde-se com a enunciação-enunciada, relato linguístico constitutivo do sujeito, tempo, lugar e modo em que ocorreu a
20 Idem, ibidem, p. 154. 21 Idem, ibidem, p. 187.
41
enunciação, introduzindo os enunciados probatórios no sistema do direito.
Simplificando, a fonte da prova, no nosso sistema, será sempre a parte que alega o
fato, e, nesse sentido, a fonte está diretamente ligada à dinâmica da prova.
Identifica-se o objeto da prova, indagando o que precisa ser provado, cuja resposta
é sempre um fato, e não o evento, lembrando a distinção que se faz sobre fato e evento, na
medida em que a prova é sempre da afirmação, pois, se o fato não for alegado, não há
como prová-lo.
Assim, o objeto da prova são os fatos, enunciados produzidos pelas partes. Esses
fatos precisam ser determinados, ou seja, devem respeitar uma coordenada de tempo e
espaço, de maneira que se faz um recorte inicial do fato social, para depois, por meio de
outro recorte, introduzi-lo no mundo jurídico, quando então passa a ser susceptível de
prova, desde que relevante e pertinente à alegação.
Outro aspecto importante sobre os fatos recai sobre os limites ontológicos da
possibilidade ou impossibilidade, ou seja, o objeto da prova está limitado ao campo do
possível.
Em relação aos fatos notórios, cumpre destacar que, para dispensar a prova, é
preciso provar a própria notoriedade, não escapando à crítica, uma vez que o conceito de
notoriedade também é relativo22.
Interessante a posição de Fabiana Del Padre Tomé23 sobre fatos negativos,
ressaltando que uma proposição negativa implica, necessariamente, proposição positiva
contrária. A impossibilidade da prova não advém do caráter negativo, mas em decorrência
de ser alegação indefinida e indeterminada, de maneira só as negações absolutas não
podem ser objeto de prova, enquanto que as negações formas ou aparentes, são passíves de
provas porque na realidade são afirmações negativas, explicitando ainda:
Ocorre que o sistema jurídico não acolhe afirmações indefinidas. Um fato sem delimitações de tempo e de espaço está impedido de alcançar o status de fato jurídico, tendo em vista que as hipóteses normativas exigem, na sua composição, a presença dos critérios temporal e espacial.
22 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 166. 23 Idem, ibidem, p. 167.
42
O conteúdo da prova está intrinsecamente ligado com o seu objeto, e ambos são o
verso e o reverso da mesma moeda. Enquanto o objeto diz respeito ao fato que se pretende
prova, o conteúdo corresponde ao fato provado24.
A forma como um dos elementos da prova indica o modo pelo qual esta se
manifesta, e, neste aspecto, qualquer que seja o modo de sua produção, como se verá no
item sobre os modos de produção da prova, é sempre documental.
A função da prova é convencer o destinatário da prova, de maneira que sua função
possui caráter persuasivo e busca convencer o julgador.
Em relação à finalidade, a prova não pode ser considerada um fim em si mesma. É
instrumento para construir a verdade no processo. A prova é sempre prova de algo,
orientada a constituição ou desconstituição do fato jurídico em sentido estrito.
No que se refere ao destinatário da prova, temos o julgador que, com base no
sistema normativo e em seus valores, seleciona os fatos jurídicos em sentido amplo, ou
seja, a prova, constituindo assim o fato jurídico em sentido estrito.
Falar em valor é falar na axiologia do direito, tema que será abordado no que se
refere à axiologia das provas.
3.3 Axiologia das provas
Importante aspecto da fase de julgamento é a valoração das provas pelo julgador,
sendo essa atividade complexa, pois, ao se falar em valor, estamos ingressando no campo
da axiologia do direito, ou seja, Teoria Geral dos Valores25.
Contudo, essa valoração das provas não se dá pelo livre convencimento do
julgador; ao contrário, a liberdade de decidir está adstrita às provas produzidas. É o
chamado critério da persuasão racional que, aliado aos horizontes culturais, vai produzir a
decisão, ressaltando ainda mais a complexidade da atividade decisória.
Para Tercio Sampaio Ferraz Jr.26, valores são preferências por núcleo de
significação, ou melhor, são centros significativos que expressam preferibilidade por certos
conteúdos de expectativa.
24 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit. p. 171. 25 Idem, ibidem, p. 245. 26 FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. 6. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2011, p. 86.
43
Johannes Hessen27 chega a afirmar a impossibilidade da definição do vocábulo
“valor”, e tudo o que se pode fazer é tentar uma clarificação ou mostração do seu
conteúdo. Nesse sentido, destaca que todos nós valoramos e não podemos deixar de
valorar. Não é possível a vida sem proferir constantemente juízos de valor. É da essência
do ser humano conhecer e querer, tanto como valorar.
Dentre as teorias que investigam a dimensão axiológica do direito, o
Constructivismo Lógico-Semântico se identifica com os postulados do subjetivismo
axiológico, uma das correntes do dualismo, segundo a qual as coisas não são por si
valiosas e todo valor se origina de uma valoração prévia, consistente em uma concessão de
uma dignidade e hierarquia que o sujeito faz às coisas segundo prazer ou desprazer que lhe
causam, como afirma Fabiana Del Padre Tomé28
Identificamo-nos como os postulados do subjetivismo axiológico: os valores são inerentes ao homem. As coisas, inclusive as normas jurídicas, não têm um valor em si, independente da ação e apreciação humana. Os valores são sempre atribuídos pelo homem, quer pelo legislador, ao eleger fatos para compor a hipótese normativa e escolher relações para figurarem como correspondente consequência na causalidade jurídica, quer pelo aplicador do direito, ao interpretar as normas gerais e abstratas, os fatos alegados e provas apresentadas, fazendo-o a partir de sua vivências, de suas preferências, ainda que inconscientes, construindo, com base na combinação desses fatores, normas individuais e concretas.
O ato decisório, por sua vez, também se apresenta como um ato de fala –
enunciação. Contudo, para considerar um fato provado, o julgador, como destinatário da
prova, utiliza critérios fixados pelo ordenamento, que são os chamados critérios de
avaliação das provas: (i) critério das provas legais ou tarifadas; (ii) do livre
convencimento; e (iii) da persuasão racional.
O critério das provas legais ou tarifadas consiste na atribuição, a cada prova, de um
valor fixo e imutável, não deixando margem de liberdade para a apreciação do julgador. De
modo oposto, o critério do livre convencimento confere liberdade plena ao julgador.
27 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. Trad. L. Cabral de Moncada. Coimbra: Almedian, 2001, p. 43 e 45. 28 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 250.
44
Enquanto o primeiro critério é muito pouco utilizado no nosso ordenamento, o
segundo permite que o juiz decida inclusive contra as provas produzidas, predominando o
critério, no nosso sistema jurídico, orientado pela persuasão racional.
Não obstante a adoção do sistema aberto de prova, Miguel Horvath Jr.29 destaca
que a Jurisprudência majoritária fecha entendimento com a exigência do suporte físico
material (prova documental) para convalidar o tempo de serviço, verificando, assim, uma
exceção ao sistema de prova admitido no nosso sistema processual, e impondo uma prova
tarifada.
No critério da persuasão racional, o julgador não tem liberdade absoluta. Antes,
deve ater-se ao conjunto das provas produzidas. Esse critério tem como principal
consequência a (i) a impossibilidade do julgador de decidir exclusivamente com base em
seu conhecimento pessoal e (ii) a necessidade de motivar a decisão, como adverte Fabiana
Del Padre Tomé30:
O julgador fica adstrito aos fatos alegados e provados, devendo decidir com base nas provas que lhe são apresentadas, podendo sopesá-las de acordo com sua livre convicção para construir, a partir delas, o fato jurídico em sentido estrito. Esse critério é também denominado, por isso, livre convencimento motivado, tendo em vista que não se admite arbitrariedade, exigindo-se razoabilidade entre as provas constantes dos autos e a decisão do julgador. Este, tendo em mãos vários fatos em sentido amplo (seleção de propriedades dos fatos sociais), faz nova seleção, mediante escolha motivada e baseada em seu livre convencimento, decidindo o relato que prevalecerá e constituindo, desse modo, o fator jurídico em sentido estrito.
Concluindo, a decisão jurídica, como já dito, é complexa, exigindo do destinatário,
além dos atos de valoração, uma atividade interpretativa, ou seja, uma construção de
sentido.
3.4 Os modos de produção da prova
As classificações das provas adotadas por diversos doutrinadores, tais como Nicola
Framarino dei Malatesta, Moacir Amaral dos Santos, João Penido Burnier Júnior,
Magalhães Noronha, Arruda Alvim, Aclibes Barugarelli e Francisco Carnelutti, entre
29 HORVATH JR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 215. 30 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. op. cit., 255.
45
outros, não escapam à crítica de Fabiana Del Padre Tomé31, por apresentarem muitas
deficiências:
Dentre elas, podemos destacar o fato de que a prova, como enunciado linguístico que é, decorre, necessariamente, de produção humana. Assim todas as provas são pessoais. Toda prova é, também, documental, pois mesmo as afirmações realizadas oralmente só assumem a condição de prova quando devidamente reduzidas a escrito. Além disso, a prova é sempre indireta, uma vez que jamais alcança o fato que se pretende provar.
Ainda sobre o aspecto indireto e indiciário da prova, a referida autora 32 destaca que
“mas o que decisivamente nos leva a entender que toda prova seja indireta é a indeclinável
necessidade de raciocínio lógico para que, tomando-se como ponto de partida determinado
fato, possa concluir-se acerca da ocorrência ou não de outro fato”.
Portanto, o que varia é o modo de produção da prova, que pode realizar-se pelo
emprego de um único fato em sentido amplo, com elevado grau de convencimento. Seria a
chamada prova “direta”, ou, como sugere Fabiana Del Padre Tomé33, “prova simples” ou
“atômica”, acolhendo o ponto de vista da prova como fato, de maneira que, quando uma
única prova implicar a certeza a cerca da ocorrência ou inocorrência do fato, teremos prova
simples ou atômica.
No que diz respeito ao meio de produção da prova, também cabe ressaltar que o
sistema impede que as provas obtidas de forma ilícita sejam conhecidas, não importando o
seu conteúdo probatório34, confirmando o caráter autopoiético do sistema, cujo código
licito/ilícito funciona como um filtro em função dos valores como segurança jurídica,
preservação dos direitos inerentes a dignidade da pessoa humana como a honra,
intimidade, privacidade, liberdade de exercício profissional entre outros.
Quando o modo de produção da prova se der pela conjugação de diversos fatos com
menor grau de convencimento, o que seria chamado pela doutrina clássica de prova
indireta decorrente de indícios, a autora denomina de “prova complexa” ou “molecular”,
sempre que houver algum conectivo entrelaçando os enunciados atômicos, e, quando for
mediante a verificação de um fato em sentido amplo ao qual a lei atribui o efeito de
31 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 91. 32 Idem, ibidem, p. 94. 33 Idem, ibidem, p. 95. 34 Idem, ibidem, p. 146
46
implicar o fato probando, estaremos diante de uma prova também complexa ou molecular,
porém, agora decorrente de presunção legal.
A enunciação de tais fatos pode, por sua vez, dar-se de diferentes maneiras, ou seja,
os meios de produção, ou ainda espécies de meios de prova que podem ser classificados
como35:
(i) Manifestação oral ou escrita da própria parte (confissão);
(ii) Relato proferido por terceiro que presenciou o acontecimento (depoimento
testemunhal);
(iii) Opinião emitida por pessoa detentora de conhecimento especializado (perícia);
(iv) Enunciado linguístico pré-constituído (documento);
(v) Certificação realizada pelo próprio destinatário da prova (vistoria ou inspeção
judicial ou ocular).
3.5 Prova simples ou atômica
Apresentando como pressuposto de que todas as provas são pessoais, documentais
e indiretas, temos provas que representam de forma imediata o evento. Porém, como
construção linguística, jamais toca o objeto, pois “representam” com maior grau de certeza
o evento. Ressaltando a assertiva de Fabiana Del Padre Tomé36 de que toda prova é
indiciária.
Indícios assim representam as marcas deixadas pelo evento aliadas a um processo
de dedução, ou seja, mediante um silogismo. Esses indícios, uma vez alegados, passam a
ser objeto de valoração por parte do destinatário da prova.
Contudo, determinados eventos deixam marcas expressivas para o convencimento
do destinatário, ou seja, a confirmação da ocorrência ou não ocorrência do evento é
“diretamente” alcançada mediante a apresentação deste indício, e é o que ocorre, por
exemplo, com um “recibo de pagamento”: ora o recibo não é o próprio ato de pagar, mas é
uma marca cuja presença leva um alto grau de certeza da realização do evento
“pagamento”. Dessa maneira, quando estamos diante de um único indício suficiente para
comprovar a ocorrência ou a não ocorrência do evento, estamos diante de uma prova
simples ou atômica.
35 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 100. 36 Idem, ibidem, p. 94.
47
Importante mencionar que a classificação da prova como simples ou atômica não se
confunde com o que muitos denominam prova plena, pois mesmo a prova direta, na
maioria das vezes, exige a conjugação de diversos elementos para se levar um fato ao
conhecimento do destinatário37.
3.6 Prova complexa ou molecular
A prova tida como complexa é resultado da combinação de provas simples
insuficientes, de maneira que para configuração do fato jurídico em sentido amplo há
necessidade de reunir diversos enunciados probatórios.
Assim a prova será complexa ou molecular sempre que houver, nas palavras de
Fabiana Del Padre Tomé38 “algum conectivo entrelaçando os enunciados atômicos”
Lembrando que a união desse enunciados se dá através de um processo lógico e
dedutivo, sem o qual, como já destacado, é impossível tomar conhecimento do fato que se
provar.
Neste ponto, interessa destacar que, no âmbito do Direito Previdenciário, nunca
estaremos diante de uma prova simples, na medida em que a relação de proteção
previdenciária exige sempre uma conjugação de inúmeros fatos em sentido amplo. Para
chegar a ser beneficiário, primeiro há que se provar a filiação direta ou indireta, a
qualidade de segurado ou dependente, a carência quando exigível e, principalmente, a
incidência do Risco Social, ou seja, provas complexas ou, como se verá ao longo desse
estudo, há casos em que o Risco Social se caracteriza através do mecanismo da presunção.
3.7 Presunção A presunção pode ser definida como “o resultado lógico, mediante do qual do fato
conhecido, cuja existência é certa, infere-se o fato desconhecido ou duvidoso, cuja
existência é simplesmente provável”39 enquanto que o indício, segundo Maria Rita
Ferragut40, “é todo vestígio, indicação, sinal, circunstância ou fato conhecido apto a nos
37 Idem, ibidem, p. 93. 38 Idem, ibidem, p. 95. 39 CARVALHO, Paulo de Barro, A prova no procedimento administrativo tributário . Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo n. 34, p. 109, 1998. 40 FERRAGUT, Maria Rita. Presunção no direito tributário. São Paulo: Dialética, 2001, p. 50.
48
levar, por meio do raciocínio indutivo, ao conhecimento de outro fato, não conhecido
diretamente”.
Desses conceitos, Fabiana Del Padre Tomé41 conclui que “toda prova é um fato que
faz presumir a ocorrência de um evento”, reiterando a natureza indiciaria de toda prova e
ainda revelando a estreita relação entre indício e presunção, na medida em que o indício
apresenta-se como premissa, ou seja, o fato conhecido, e a presunção uma operação
intelectual que leva ao fato presumido.
Como explica Mauro Schiavi42 a presunção não é propriamente um meio de prova,
mas um raciocínio lógico por meio do qual, a partir da existência de determinadas coisas
ou situações pela reiteração de suas ocorrências, se passa a acreditar na existência de
outras.
A presunção pode assumir a qualidade de (i) simples ou hominis, quando construída
pelo aplicador do direito; ou (ii) presunção legal ou legis, quando expressamente
determinada em lei.
As presunções legais são subdividas em três tipos: (i) absolutas ou jure et de jure,
que não admitem prova em contrário; (ii) relativas ou juris tantum, que admitem prova em
contrário; e (iii) mistas ou intermediárias, em que a lei admite somente alguns meios de
provas em contrário.
Tal classificação também não escapa a crítica de Fabiana Del Padre Tomé43, ao
afirmar que:
A chamada presunção absoluta nada tem de presunção, pois ao inadmitir prova em contrário, caracteriza-se como verdadeira disposição legal de ordem substantiva que prescreve determinada consequência jurídica em função de especifico acontecimento factual, previsto na hipótese. O raciocínio presuntivo está presente apenas na fase pré-jurídica, em que os membros do Poder Legislativo, observando o que ordinariamente acontece, criam normas gerais e abstratas, prescrevendo ao aplicador da lei que reconheça, sempre que provada a existência de certo fato, e independentemente de produção de provas em contrário à existência do fato que se quer provar, um outro fato.
41 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 131 42 SCHIAVI, Mauro. Provas no processo do trabalho. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2011, p. 23 43 Idem, ibidem, p. 136.
49
Dessa forma, em relação à classificação, a distinção se dá apenas quanto ao modo
de ilidir ao fato presumido: (i) fazendo os usos de quaisquer meios de provas; ou (ii) pela
produção de provas especificamente indicadas na lei.
Dada a proximidade entre o Direito Previdenciário e o Direito do Trabalho, a
Carteira de Trabalho e Previdência Social é o documento por excelência da prova da
relação de emprego. Contudo, nos termos da Súmula nº 12 do C. TST44, as anotações na
CTPS em face do empregador são relativas.
Como se verá no capítulo 4 que trata do Risco Social a presunção está presente Na
configuração de vários tipos de benefícios, cuja incapacidade é presumida a partir da
constatação de outros elementos como idade e tempo de serviço.
3.8 Meios de prova no Direito Brasileiro
Observada a classificação das provas, passemos agora à classificação dos meios de
produção de prova no direito brasileiro.
Nos termos do art. 332 do Código de Processo Civil, “Todos os meios legais, bem
como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para
provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
Com isso, nosso ordenamento utiliza o chamado sistema aberto45 em função da
liberdade probatória decorrente do princípio da ampla defesa prescrito
constitucionalmente.
O Código Civil no artigo 212 dispõe: “Salvo o negócio jurídico a que se impõe
forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento;
III – testemunha; IV – presunção; V – perícia”.
A essas espécies de meio de prova, Fabiana Del Padre Tomé46 denomina meios de
prova típicos, em contraposição aos meios de prova atípicos, produzidos em razão da
liberdade probatória.
44 Súmula nº 12 do C. TST: “Carteira Profissional – Valor das anotações. As anotações apostas pelo empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção juris et de jure, mas apenas juris tantum”, 45 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito tributário , op. cit., p.100. 46 Idem, ibidem, p. 102.
50
3.8.1 Confissão Nos termos do art. 348 do Código de Processo Civil, a confissão consiste na
declaração voluntária em que o indivíduo admite como verdadeiro um fato que lhe é
considerado prejudicial, alegado pela parte adversa.
Fabiana Del Padre Tomé47 classifica a confissão como meio de prova, na medida
em que se apresenta como atividade exercida em observância às regras de organização
probatória vigentes, relatada em linguagem prescrita pelo direito, tendo por função o
convencimento do julgador.
Já o depoimento pessoal considerado isoladamente não se configura como meio de
prova, mas como reforço das provas já levadas aos autos.
Não obstante a reciprocidade entre as relações de contribuição e custeio48, no
âmbito previdenciário não se pode atribuir a confissão de dívida das contribuições sociais
devida pelo contribuinte individual como único elemento a fim de caracterizar a prova da
filiação. Há que se provar o fato jurídico amplo, ou seja, prova do efetivo exercício da
atividade remunerada.
A confissão só produzirá efeitos, para fins de tempo de serviço, se acompanhada da
chamada “indenização”, nos termos do artigo 45-A da Lei 8.212/91, observando, contudo,
que tais contribuições não serão consideradas para fins de carência:
Art. 45-A. O contribuinte individual que pretenda contar como tempo de contribuição, para fins de obtenção de benefício no Regime Geral de Previdência Social ou de contagem recíproca do tempo de contribuição, período de atividade remunerada alcançada pela decadência deverá indenizar o INSS. Acrescido pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.
3.8.2 Depoimento testemunhal
A prova testemunhal deve observar os termos do art. 405 do Código de Processo
Civil, ou seja, a testemunha deve ter capacidade civil e não pode ter interesse na causa.
Os depoimentos colhidos como mera declaração não deixam, todavia, de serem
provas. Não obstante seu valor probatório seja bastante reduzido, servem como elemento
de convicção do julgador. 47 Idem, ibidem, p. 103. 48 Vide capítulo V que trata da relação jurídica previdenciária.
51
Da análise da prova testemunhal feita por Fabiana Del Padre Tomé49, tem destaque
a afirmação de que “A prova testemunhal, como todas as demais, apresenta-se na forma
documental”.
Segundo a autora, o que varia é seu modo de produção, pois, entendido o
depoimento como enunciação, pode realizar-se nas diversas modalidades pelas quais
ocorre a transmissão de mensagens. Assim, ainda que a produção seja oral, só ingressa nos
autos com posterior redução a termo, ou seja, passando para forma documental.
A prova testemunhal no Direito Previdenciário é amplamente utilizada para
corroborar a prova documental. Porém, encontra óbice legal para sua apreciação de forma
isolada, nos termos do parágrafo 3º do art. 55 da Lei 8.213/91:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não obstante a prevalência da prova documental em relação à prova testemunhal,
no que se refere, especialmente, ao trabalhador rural, a jurisprudência passou a obstar a
concessão do benefício diante da ausência da prova testemunhal “harmônica”, a fim de
corroborar o início de prova material, de maneira que, para a comprovação do tempo de
serviço, vem se exigindo início de prova material corroborado por prova testemunhal:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL E PROVA ORAL INSUFICIENTES PARA CORROBORAR O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. DESPROVIMENTO. 1. A prova testemunhal, analisada em estrita correlação com as provas documentais apresentadas, não foi convincente quanto a permitir aquilatar o desenvolvimento da alegada atividade rural pelo tempo da carência necessária da tabela do Art. 142, da Lei 8.213/91, restando descaracterizada a pretendida qualificação de trabalhadora rural. 2. Os argumentos trazidos na irresignação da agravante foram devidamente analisados pela r. decisão hostilizada, a qual se encontra alicerçada na legislação que estabelece o benefício e em jurisprudência da Colenda Corte Superior. 3. Não se mostra razoável desconstituir a autoridade dos precedentes que orientam a conclusão que adotou a decisão agravada. 4. Agravo legal a que se nega provimento.
49 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 123-124.
52
(AC 201003990292499, JUIZ BAPTISTA PEREIRA, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 01/06/2011)
Concluindo, tem-se na Jurisprudência uma larga utilização da prova testemunhal
para a comprovação do tempo de serviço e do exercício da atividade rural, no que se refere
aos processos de concessão de benefícios previdenciários, desde que acompanhados do
chamado “início de prova material”, cujo conceito será abordado no final deste capítulo.
3.8.3 Perícia
O exame pericial tem como pressuposto a necessidade de conhecimentos técnicos
ou científicos.
O artigo 130 do Código de Processo Civil impõe o indeferimento da produção de
prova nas hipóteses de diligências inúteis ou meramente protelatórias, enquanto que o
parágrafo único do artigo 420 do mesmo diploma dispõe que o juiz indeferirá a perícia
quando:
I – a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;
II – for desnecessária em virtude de outras provas produzidas;
III – a verificação for impraticável.
As modalidades de perícia, segundo Moacir Amaral Santos50, são: (i) exame em
sentido estrito; (ii) vistoria; (iii) arbitramento; e (iv) avaliação.
Explicando que, enquanto o Exame consiste na inspeção, por meio de perito, sobre
pessoa, coisas, móveis e semoventes, para verificação de fatos ou circunstâncias que
interessam à causa, a Vistoria consiste na inspeção ocular, feita por perito, sobre imóveis,
para verificação de fatos ou circunstâncias a eles relativos. Já o Arbitramento, assim como
a Avaliação, é uma das modalidades de exame com o fim de estimar o valor em moeda de
coisas, direitos e obrigações.
O laudo tem de ser fundamentado e apresentar as justificativas das conclusões,
além de responder aos quesitos das partes, sem, contudo, atribuir consequências jurídicas
às suas conclusões, função que compete exclusivamente ao julgador. 50 SANTOS, Moacir Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. v. 1. 5. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 85.
53
A perícia médica a cargo da Previdência Social e a perícia médica judicial são
instrumentos indispensáveis à análise da concessão de benefícios por incapacidade real, ou
seja, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o auxílio-acidente, de maneira que,
mais uma vez, o sistema de prova se mostra tarifado. Ou seja, para a concessão dos
benefícios por incapacidade, não são admitidos todos os tipos de prova, mas, ao contrário,
a prova é tarifada conforme redação do parágrafo 1º do art. 42, que trata da aposentadoria
por invalidez51, e do parágrafo 4º do art. 61, que trata do auxílio-doença52.
Os relatórios médicos particulares se enquadram na categoria de indício, embora,
para Fabiana Del Padre Tomé53, indício em nada difere de prova, contudo ressalta que
para Paulo de Barros Carvalho, ele é o “motivo para desencadear o esforço da prova”.
Portanto, o indício vem sendo mais empregado no sentido de designar um conjunto de
signos que levam o destinatário da prova a vislumbrar a possibilidade de um fato, variando
o grau de credibilidade a partir da homogeneidade ou heterogeneidade dos indícios.
Assim, os relatórios médicos particulares são aptos à concessão da Antecipação dos
Efeitos da Tutela para fins de restabelecimento de benefícios por incapacidade. Todavia,
não dispensam a prova médica pericial, que deverá ser produzida a fim confirmar ou
infirmar a incapacidade:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA ANTECIPADA. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. I - A autora recebeu o último auxílio-doença no período de 12/01/10 a 12/05/10 (fls. 50). Todavia, o relatório médico acostado a fls. 29, de 19/07/10, revela que a agravante já esteve internada em hospital psiquiátrico por duas vezes - informação comprovada pelos documentos de fls. 34/35 -, estando incapacitada devido a CID "F 33.2 + F 40.1" e "sem previsão de alta". II - Quanto ao perigo de dano, entre as posições contrapostas, merece acolhida aquela defendida pela ora recorrente porque, além de desfrutar de elevada probabilidade, é a que sofre maiores dificuldades de reversão. III - Recurso provido.(AI 201003000349322, JUIZ NEWTON DE LUCCA, TRF3 - OITAVA TURMA, 16/06/2011)
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA E CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO SUSPENSO POR CONCLUSÃO MÉDICA CONTRÁRIA. RESTABELECIMENTO POR FORÇA DA TUTELA ANTECIPADA.
51 § 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança. 52 § 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias. 53 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito tributário , op. cit., p. 138.
54
PERDA DO OBJETO. INEXISTÊNCIA. AGRICULTORA. COLUNA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA JUDICIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. Tendo havido o restabelecimento do pagamento do auxílio-doença por força da tutela antecipada, não ocorre perda do objeto, ainda que haja prorrogação administrativa por conclusão médica, uma vez que não está satisfeita a pretensão às parcelas devidas entre a cessação administrativa e a implementação do benefício por força da tutela. 2. Tendo sido suspenso o benefício por incapacidade em virtude da conclusão médica contrária, havendo indícios de que a segurada mantinha a limitação laborativa nessa data, é imprescindível a realização de perícia por médico especialista, sob pena de cerceamento de defesa, não suprindo a exigência a produção de laudos por médicos não especializados ou particulares. 3. Ao juízo de primeiro grau é conferida a direção do processo com prestação jurisdicional célere, justa e eficaz. No duplo grau de jurisdição cabe aos julgadores, se for o caso, verificar se a instrução processual assegurou, de fato, a ampla defesa e o tratamento equânime aos jurisdicionados. 4. Sendo imprescindível a prova da incapacidade, havendo evidência da doença alegada, deve ser anulada a sentença para realização dessa prova indispensável, retornando, os autos, à fase de instrução. (AC 00043890620104049999, LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, TRF4 - SEXTA TURMA, 11/06/2010)
Com relação aos relatórios médicos emitidos pelo Sistema Único de Saúde – SUS,
também possuem natureza indiciária, porém com maior grau de credibilidade. Dada a
natureza pública e gratuita do serviço, esse serviço poderia, inclusive, ser mais bem
utilizado pelo gestor do Regime Geral de Previdência Social, o INSS, uma vez que ambos
integram o Sistema Seguridade Social, especialmente naqueles casos de afastamento do
trabalho por curtos períodos. Nesse caso, o INSS poderia reconhecer o período de
afastamento atestado pelo SUS e apenas se submeteriam a perícia às situações de
prorrogação desse o afastamento.
Também os Laudos Técnicos de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT, o
Programa de Prevenção dos Riscos Ambientais – PPRA e o Programa de Controle Médico
de Saúde Ocupacional – PCMSO devem ser expedidos pelo profissional habilitado, no
caso, o médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, cujas informações
serão repassadas para o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, através do
empregador.
No que se refere ao Acidente de Trabalho, o laudo de vistoria é prova essencial para
comprovar o nexo entre o acidente do trabalho e o ambiente do trabalho, podendo, todavia,
ser a vistoria substituída pelo Nexo Técnico Epidemiológico NTEP, nos termos do art. 21-
A da Lei 8.213/91. Contudo, o enquadramento só pode ser realizado pela perícia médica:
Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de
55
nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006) § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006) § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006)
A aplicação do Nexo Técnico epidemiológico gera a presunção de nexo causal
entre a doença incapacitante e o ambiente do trabalho. Porém, essa presunção é relativa e
não pode ser elidida por qualquer meio de prova; antes, requer a produção de nova prova
pericial, dessa vez acompanhada da vistoria em relação ao ambiente do trabalho. Ou seja,
deve-se percorrer o caminho inverso do dispositivo legal.
3.8.4 Documento
Segundo Chiovenda, documento é “toda representação material destinada e idônea
a reproduzir uma dada manifestação do pensamento”, enquanto Renato Saraiva54 afirma
que “é o meio utilizado como prova material da existência de um fato, abrangendo não só
os escritos, mas também os gráficos, as fotografias, os desenhos, reprodução
cinematográfica etc”.
Segundo Fabiana Del Padre Tomé55, pela via documental, constituem-se fatos
jurídicos em sentido amplo, com base nos quais o julgador determina o fato jurídico em
sentido estrito – o que justifica a afirmação de que todas as espécies de prova assumem a
forma documental.
Importa ainda distinguir documento de instrumento, sobre os quais afirma Maria
Helena Diniz56 que “os instrumentos públicos e particulares dão existência aos negócios
jurídicos, servindo-lhes de prova”, ao passo que “os documentos têm função meramente
probatória”.
54 SARAIVA, Renato. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed . São Paulo: Método, 2007, p. 362. 55 TOMÉ, Fabiana Del Padre, A prova no direito tributário , op. cit., p. 110 56 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 1, 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 269.
56
Nos termos do artigo 364 do Código de Processo Civil: “O documento público faz
prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o
funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.
Já o documento particular, como destaca Mauro Schiavi57, é emitido sem a
participação de um oficial público, vinculada sua força probante à sua natureza e conteúdo,
ressaltando que, nos termos dos artigos 372 e 373 do CPC, não havendo impugnação pela
parte contrária, há presunção juris tantum de veracidade do documento particular.
No âmbito do Direito Previdenciário, a prova documental representa na
jurisprudência o chamado “início de prova material”, uma vez que tem se atribuído
somente a esse tipo de representação do fato a qualificação de “material”.
Esse tipo de prova é normalmente exigido para comprovar o exercício de atividade
laboral urbana ou rural, nos termos do parágrafo 3º do art. 55 da Lei 8.213/91.
Contudo, não é qualquer representação material que se reveste da qualidade de
documento, mas há de ser idôneo. Porém, não basta ser idôneo para se caracterizar como
início de prova material. Além da idoneidade, o documento deve ser contemporâneo ao
fato que se pretende provar.
3.8.4.1 Documento eletrônico ou digital Conforme Augusto Tavares Rosa Marcacini58, o documento eletrônico é totalmente
dissociado do meio em que foi originalmente armazenado, apresentado assim o conceito de
documento eletrônico como:
Uma sequência de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de computador, seja representativa de um fato. Da mesma forma que os documentos físicos, o documento eletrônico não se resume em escritos: pode ser um texto escrito, como também pode ser um desenho, uma fotografia digitalizada, sons, vídeos, enfim, tudo que puder representar um fato e que esteja armazenado em um arquivo digital.
A Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informação no processo judicial, ao tratar do
documento eletrônico no artigo 11, determina:
57 SCHIAVI, Mauro. Provas no processo do trabalho. op. cit., p. 117. 58 MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. Disponível em: <http://augustomarcacini.net/index.php/DireitoInformatica/DocumentoEletronico>. Acesso em: 30 jul. 2011.
57
Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais. § 1o Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização. § 2o A arguição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na forma da lei processual em vigor. § 3o Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no § 2o deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória. § 4o (VETADO) § 5o Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria no prazo de 10 (dez) dias contados do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado. § 6o Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça.
Como ressalta Fabiana Del Padre Tomé59, o documento eletrônico não apresenta
maiores dificuldades quanto à sua caracterização. Porém, ressalva a problemática da
falsificação, que, aliás, não se restringe aos documentos eletrônicos, uma vez que a
possibilidade de falsificação é inerente a qualquer documento.
Nos termos da nova redação dada pela Lei Complementar nº 128/2008 ao art. 29-A
da Lei nº 8.213/1991, fica o INSS autorizado a considerar as contribuições e vínculos
empregatícios existentes no CNIS:
Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego.
59 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário , op. cit., p. 115-116.
58
Todavia, as informações constantes do CNIS – Cadastro Nacional de Informações
Sociais têm sido admitidas mediante presunção relativa, justamente por apresentar certa
deficiência na qualidade das informações. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - COMPANHEIRA - UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO RECONHECIDA - CNIS - INFORMAÇÃO INEXATA - PROVA INIDÔNEA. I - Em matéria de pensão por morte , o princípio segundo o qual tempus regit actum impõe a aplicação da legislação vigente na data do óbito do segurado. II - A qualidade de segurado do instituidor da pensão não foi comprovada, na data do óbito (12.10.1998), pois o último vínculo de emprego encerrou-se em 14.2.1989, de modo que a perda desta qualidade ocorreu em 14.2.1990 ( art. 7º do Decreto n. 89.312/1984 - CLPS). III - A manifesta inexatidão de informações no CNIS torna este documento inidôneo à comprovação da qualidade de segurado. IV - Apelação desprovida. (AC 200161150016328, JUIZA MARISA SANTOS, TRF3 - NONA TURMA, 03/11/2010)
Não obstante essa limitação, o CNIS possui evidente caráter de prova documental,
pois, mesmo na forma virtual, trata-se de representação material, apta a comprovar
inúmeros fatos jurídicos em sentido amplo como a filiação, o tempo de contribuição, os
vínculos empregatícios, valor das remunerações e das contribuições sociais.
3.8.5 Vistoria ou inspeção judicial ou ocular
A vistoria ou inspeção judicial ou ocular é a certificação realizada pelo próprio
destinatário da prova, ou seja, quando o julgador entra em contato diretamente com o fato
controvertido. Contudo, para ser qualificada como prova, precisa estar documentada nos
autos, pois os eventos não ingressam no mundo jurídico. O que ingressa é a materialização
da prova no laudo de inspeção ou verificação. Dessa maneira, surge, mais uma vez, a
assertiva de Fabiana Del Padre Tomé60 de que “toda prova é indireta, consistindo,
necessariamente, em representação parcial do fato alegado”.
Embora rara, a pesquisa jurisprudencial revela o alcance da utilização da inspeção
judicial em relação ao Direito Previdenciário:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. I. Uma vez que a inspeção in loco, realizada pela Juíza a quo (em face de serem conflitantes os laudos dos peritos judicial e do indicado pelo apelante), acrescida de provas documentais e periciais evidenciaram tratar-se de
60 Idem, ibidem, p. 97-98.
59
atividade insalubre, impõe-se a confirmação da sentença. II. Os honorários advocatícios estão fixados, consoante a lei. III. Negado provimento ao apelo. (AC 9601556060, JUIZ CARLOS FERNANDO MATHIAS, TRF1 - SEGUNDA TURMA, 25/09/1997) PREVIDENCIÁRIO – AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL – ISENÇÃO QUANTO AO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA I – Realizada a inspeção judicial, fica afastada a hipótese de prova exclusivamente testemunhal. II – Restou comprovada a ocorrência de fato impeditivo da colheita da prova documental mais específica, visto que os documentos em questão foram queimados, configurando verdadeira hipótese de força maior ressalvada expressamente pelo § 3º, do art. 55, da Lei n. 8.213/91. III – Demonstrado que o segurado trabalhou em atividade rural nos idos dos anos 50. IV – Afastado o condicionamento imposto pela sentença, quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao período de janeiro de 1950 a dezembro de 1956. V – Custas e honorários advocatícios de 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa. VI – O INSS limita-se a discutir a eficácia da justificação judicial para efeito da obtenção de benefício previdenciário, não fazendo alusão à prova em que se baseou a sentença. VII – Recurso do segurado provido. Recurso do INSS e remessa necessária improvidos. (AC 199751010226226, Desembargador Federal CARREIRA ALVIM, TRF2 - PRIMEIRA TURMA, 14/06/2004) PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. ART. 143 DA LEI 8.213/91. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO TRABALHO RURAL DO MARIDO EXTENSÍVEL À ESPOSA. FRAGILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL DO TRABALHO RURAL DA AUTORA. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ. BENEFÍCIO INDEVIDO. AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO. 1. Não se conhece de agravo retido cuja apreciação não foi requerida expressamente pelo agravante em suas razões de apelação, nos termos do §1º do artigo 523 do Código de Processo Civil. 2. Para a concessão de aposentadoria por idade ao trabalhador rural, no valor de um salário mínimo, prevista no artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, exige-se a comprovação do exercício de trabalho rural, ainda que descontinuamente, mas no período imediatamente anterior ao ajuizamento da demanda, em número de meses idêntico à carência desse benefício, dispensando-se, assim, a comprovação do efetivo recolhimento das contribuições mensais nesse período. 3. Na forma do artigo 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91 e de acordo com a Súmula n.º 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível o reconhecimento de exercício atividade rural com base em início de prova documental, desde que esta seja complementada por prova testemunhal. 4. Embora exista prova documental apenas de que o marido da Autora exerceu atividade rural, é certo que seus efeitos são extensíveis a ela. No entanto, esse início de prova material não foi corroborado pela prova oral produzida, que se mostrou frágil quanto à demonstração do período de trabalho rural exercido pela Autora. 5. A ausência de sinais próprios do trabalho rural no corpo da Autora, constatada em inspeção judicial, desacredita por completo a alegação de labor rural, já que a experiência demonstra que o lavrador, por trabalhar exposto às intempéries, tem a pele curtida pelo sol, bem como possui as mãos grossas e escuras, decorrentes do árduo trabalho braçal. 6. Sendo frágil e inconsistente a prova testemunhal, não há como se reconhecer o trabalho rural pelo período equivalente à carência. Assim, não comprovado o cumprimento de requisito essencial, o benefício não é devido. 7. Agravo retido do INSS não conhecido. Apelação da Autora improvida. (AC 200203990347510, JUIZ JEDIAEL GALVÃO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 30/07/2004)
60
3.9. Análise do conceito de “início razoável de prova material” no Direito Previdenciário
A Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Plano de Benefícios da Previdência Social,
traz, no parágrafo 3º do art. 55, a seguinte redação:
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
O artigo 108, que trata da justificação, traz disposição para suprir a falta de prova documental:
Art. 108. Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público.
A partir da análise acima, da qual toda prova é indiciária, indireta, pessoal e
documental, com a função de convencer o destinatário para constituir o fato jurídico,
inclusive a prova testemunhal, seja a produzida no processo judicial ou no processo
administrativo, quando se denomina justificação, não pode ser simplesmente desprezada
pelo julgador, como parece impor a legislação previdenciária.
Todavia, no esforço de dar conteúdo à expressão “início razoável de prova
material”, verifica-se que o termo “início razoável” deve ser compreendido como
“indício”, enquanto que “prova material” se define pelo contrário de prova exclusivamente
testemunhal.
Conforme já explicitado, indício é tomado no sentido de “motivo para desencadear
o esforço da prova”, designando um conjunto de signos que levam destinatário da prova a
vislumbrar a possibilidade de um fato, variando o grau de credibilidade a partir da
homogeneidade ou heterogeneidade dos indícios61.
61 Vide nota 51
61
O indício, dado o reduzido grau de credibilidade, deverá ainda ser corroborado por
substancial prova testemunhal, ou seja, um depoimento de conteúdo convergente ao
conteúdo do documento a fim de convencer o destinatário da prova.
Dessa maneira, o Direito Previdenciário, embora admita a prova testemunhal,
impõe-lhe um pré-requisito: um indício produzido na forma documental, como se pode
verificar pelas decisões abaixo:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE RURÍCOLA. FILIAÇÃO AO RGPS APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 8.213/91. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. INADMISSIBILIDADE. PERÍODO DE CARÊNCIA. NÃO CUMPRIMENTO. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. APELAÇÃO DA AUTORA PREJUDICADA. I. Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade encontram-se fixados nos artigos 48 e 49 da Lei 8213/91. Tal norma se aplica àqueles que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social após a vigência da Lei nº 8.213/91. Devem comprovar que exerceram a atividade rural, em regime de economia familiar, pelo período correspondente à carência do benefício, ou seja, 180 meses. II. Embora a prova oral colhida relate a condição de rurícola da autora há mais de doze anos, não foi apresentado início razoável de prova material relativa a período anterior a maio/92. III. A prova exclusivamente testemunhal não é suficiente para a comprovação da condição de trabalhador rural, nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, cuja norma foi confirmada pela Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça. IV. Restando demonstrado que a filiação ao Regime Geral de Previdência Social é posterior à vigência da Lei nº 8.213/91, incide, no caso, a norma de caráter permanente, prevista no artigo 25, II, da Lei n. 8213/1991, que exige o cumprimento de carência de 180 (cento e oitenta) meses de exercício de atividade rural. V. Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Tutela antecipada revogada. Apelação da autora prejudicada. (AC 200803990021849, JUIZA MARISA SANTOS, TRF3 - NONA TURMA, 29/07/2010) (grifo nosso)
A força probatória de qualquer indício deve ser avaliada em cada caso, e se a prova
testemunhal não for de conteúdo convergente, ou seja, não convencer o destinatário da
ocorrência do evento, não se constitui o fato jurídico em sentido amplo e como
conseqüência não se estabelece a relação jurídica previdenciária de proteção. Nesse
sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHO RURAL NÃO COMPROVADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ANÁLISE DOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS. APLICAÇÃO DO ART. 515, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL NÃO RECONHECIDA. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA URBANA. FILIAÇÃO AO RGPS APÓS A EDIÇÃO DA LEI N. 8.213/91. PERÍODO DE CARÊNCIA. NÃO CUMPRIMENTO. VERBA HONORÁRIA. I- A comprovação do tempo de serviço rural depende da apresentação de prova documental contemporânea aos fatos, cumulada com ratificação por prova oral idônea. II- A prova testemunhal colhida no feito não corroborou o início de prova material, não sendo possível reconhecer a atividade rural . III - Incabível a concessão da aposentadoria por tempo de serviço postulada no feito. IV - Formulados pedidos subsidiários, os
62
mesmos podem ser analisados, tendo em vista o disposto no art. 515, do Código de Processo Civil. V - Impossibilidade de concessão da aposentadoria por idade rural, posto que o trabalho como rurícola não restou comprovado. VI- Os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade encontram-se fixados nos artigos 48 e 49 da Lei 8213/91. VII - Restando demonstrado que a filiação ao Regime Geral de Previdência Social é posterior à vigência da Lei nº 8.213/91, incide a norma de caráter permanente, prevista no artigo 25, II, da Lei n. 8213/1991, que exige o cumprimento de carência de 180 (cento e oitenta) meses de contribuição. VIII - O autor completou 65 anos em 2001, sendo irrelevante a manutenção da condição de segurado. No entanto, não comprovou o recolhimento de contribuições pelo período de 180 (cento e oitenta) meses. IX - Não há que se falar em condenação em honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista que o autor é beneficiário da assistência judiciária gratuita, seguindo orientação adotada pelo STF. X - Apelo do INSS e remessa oficial providos. (APELREE 200303990054031, JUIZ HONG KOU HEN, TRF3 - NONA TURMA, 10/12/2009) (grifo nosso)
Wladimir Novaes Martinez62 apresenta um rol de mais de 300 exemplos de provas
documentais, dentre as quais muitos se enquadram mais como início de prova ou mero
indício de atividade laborativa, mas que, conjugadas a outras provas, inclusive
corroboradas por prova testemunhal, podem constituir o evento como fato jurídico perante
o destinatário da prova. Ou seja, provar o tempo de serviço ou contribuição, dando ensejo à
comprovação dos requisitos necessários a concessão da prestação previdenciária.
Dentre as provas documentais elencadas, destacam-se os documentos cadastrais que
são, na maioria, fichas de inscrições em órgãos públicos ou particulares dos quais é
possível comprovar a qualidade de empregado ou contribuinte individual.
Os documentos públicos e particulares são relacionados diretamente à atividade
profissional, sendo que, entre os documentos particulares, chama atenção a fotografia e
cartas nas quais se possam verificar o local de trabalho ou a atividade exercida.
A questão torna-se bastante relevante quando se trata de benefício a ser concedido
ao trabalhador rural, nos termos do art. 143 da Lei 8.213/01, que deve comprovar o efetivo
exercício de atividade rural. Todavia, a grande maioria dos trabalhadores rurais,
enquadrados no referido artigo, tem como único meio de prova o depoimento testemunhal
e, como visto, a ausência de um indício documental inviabiliza a proteção previdenciária.
Nesse sentido, não escapa à crítica a Súmula 149 do STJ: “A prova exclusivamente
testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de
benefício previdenciário”. Contudo, não obstante o conteúdo da referida da súmula, o
62 MARTINEZ, Wladimir Novaes. A prova de tempo de serviço: previdência social. 3. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 19.
63
próprio STJ já reconhece uma exceção à regra, como destaca Kerbauy63, no que se refere
ao exercício da atividade de boia-fria, ao qual a jurisprudência possibilita a comprovação
do exercício da atividade sem início de prova material, tendo em vista a sua precária
condição social. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. RURICOLA (BOIA-FRIA). APOSENTADORIA POR VELHICE. PROVA PURAMENTE TESTEMUNHAL. INTERPRETAÇÃO DE LEI DE ACORDO COM O ART. 5. DA LICC, QUE TEM FORO SUPRALEGAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO PELA ALINEA A DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL. I - O JUIZ -E EM SUAS AGUAS O TRIBUNAL A QUO- JULGOU PROCEDENTE PEDIDO DA AUTORA, NÃO OBSTANTE AUSENCIA DE PROVA OU PRINCIPIO DE PROVA MATERIAL (LEI N. 8.213/91, ART. 55, PAR. 3.). II - A PREVIDENCIA, APOS SUCUMBIR EM AMBAS AS INSTANCIAS, RECORREU DE ESPECIAL (ALINEA A DO ART. 105, III, DA CF). III - O DISPOSITIVO INFRACONSTITUCIONAL QUE NÃO ADMITE "PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL" DEVE SER INTERPRETADO CUM GRANO SALIS (LICC, ART. 5.). AO JUIZ, EM SUA MAGNA ATIVIDADE DE JULGAR, CABERA VALORAR A PROVA, INDEPENDENTEMENTE DE TARIFAÇÃO OU DIRETIVAS INFRACONSTITUCIONAIS. ADEMAIS, O DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL (ART., 202, I) PARA O "BOIA-FRIA" SE TORNARIA PRATICAMENTE INFACTIVEL, POIS DIFICILMENTE ALGUEM TERIA COMO FAZER A EXIGIDA PROVA MATERIAL. IV - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO PELA ALINEA A DO AUTORIZATIVO CONSTITUCIONAL. (RESP 199400109520, ADHEMAR MACIEL, STJ - SEXTA TURMA, 20/06/1994)
Concluindo, no Direito Previdenciário, para provar o tempo de serviço, o segurado
deverá ter, no mínimo, alguma representação material, ou seja, um documento que, por sua
vez, remeta a toda representação material idônea e contemporânea ao fato que pretende
provar, e este deverá ainda ser corroborado por prova testemunhal de conteúdo
convergente ao conteúdo da prova documental.
63 KERBAUY, Luís. A Previdência na área rural: beneficio e custeio. São Paulo: LTr, 2009, p. 109.
64
PARTE II – DIREITO PREVIDENCIÁRIO
4 TEORIA DO RISCO SOCIAL 4.1 Conceito de risco
Na atual configuração, o Regime Geral de Previdência Social está alicerçado na
Teoria do Risco Social. Portanto, é fundamental a compreensão dessa teoria, em especial,
porque é por meio dela que se delimita quais são os riscos protegidos pelo sistema
previdenciário.
A palavra “risco” deriva do italiano antigo risicare, que significa “ousar”. Neste
sentido, risco é uma opção e não um destino. É das ações que ousamos tomar que depende
nosso grau de liberdade de opção.1.
A vastidão do tema “Risco” é assustadora. Trata-se de um assunto que afeta
domínios os mais diversos, tais como história, estatística, direito, administração, dentre
tantos outros2.
Risco diz respeito ao futuro. Fala-se em risco quando o dano é imputado a uma
decisão, isto é, quando o dano deve ser reputado como consequência de uma decisão. Há
simplesmente perigo quando os danos possíveis não guardam relação com uma decisão3.
Franz Josef Brüseke4 apresenta o conceito restrito e amplo de risco na literatura,
resumindo conceito restrito de risco como a probabilidade de dano, enquanto que o
conceito amplo de risco está ligado aos fenômenos naturais com efeitos negativos para a
sociedade.
Segundo Luhmann5, a nossa sociedade é uma sociedade de risco, em razão da
velocidade do desenvolvimento tecnológico em esferas que são cientificamente de
competência da física, da química e da biologia:
1 BERNSTEIN, Peter L., Desafio aos deuses: a fascinante história do risco. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 8. 2HOFMEISTER, Maria Alice Costa, O dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 37. 3 Idem, ibidem, p. 38. 4 BRÜSEKE, Franz Josef , Risco e Contingência. In Revista Brasileira de Ciência Sociais , v. 22, n. 63, fev. 2007, p. 73. 5LUHMANN, Niklas. Sociologia Del Riesgo. Trad. Javier Torres Nafarrete. 3. ed. em español. México: Universidad
Iberoamericana, 2006, p. 131.
65
La razón por la que la problemática del riesgo provoca tantas discusiones en nuestros días, por la que inclusive nuestra sociedad se considera una sociedad de riesgo, tiene que ver fundamentalmente con la velocidad del desarrollo tecnológico en esferas que son científicamente de la competencia de la física, la química y la biología.
Repensando a sociedade de risco, Beck e Giddens6 apresentam a “Modernização
reflexiva”, que significa a possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma
era: aquela da sociedade industrial. O “sujeito” dessa destruição criativa não é a revolução,
não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental.
Nesse processo, Beck7 mostra a substituição da sociedade industrial pela sociedade
moderna, primeiro através dos “riscos residuais”, e segundo, quando os perigos da
sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos, tanto políticos
como privados.
Na autocrítica da sociedade de risco, Beck8 mostra que, hoje em dia, espera-se que
os indivíduos dominem as “oportunidades arriscadas”, sem serem capazes, em razão da
complexidade da sociedade moderna, de tomar as decisões necessárias em uma base bem
fundamentada e responsável, ou seja, considerando as possíveis consequências.
Da crítica da sociedade de risco, vemos que, no conceito de risco, o poder de
decisão do indivíduo é comprometido pela complexidade da sociedade moderna, e as
decisões não são livres.
Para Brüseke, o conceito de contingência não significa simplesmente “acaso”,
”imprevisto”, “inesperado” 9 e “só devemos falar de riscos quando possíveis danos são
consequências da própria decisão”10.
Já a contingência denomina algo que não é necessário, nem impossível e fala, desta
maneira, sobre a abertura fundamental da experiência humana no âmbito social11.
Assim o conceito de contigência está diretamente ligado ao conceito de sistema
complexos não lineares – ou apoieticos, quando o referido autor afirma que:
6 BECK, Ulrich; GIDDENS Anthony; LASH Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 12 7 Idem, ibidem, p. 14. 8 Idem, ibidem, p. 19. 9 BRUSEKE, Franz Josef, op. cit., 2007, p. 72. 10 Idem, ibidem, p. 71. 11 Idem, ibidem, p. 72.
66
O conceito de contingência também se estende à percepção do mundo que depende de distinções (entre aquilo que está dentro do sistema e aquilo que está no seu ambiente); essas distinções podem ser feitas desta ou daquela maneira, são então “contingentes”. A necessidade da redução de complexidade deriva-se dessa abertura fundamental do agir e perceber humano. Sistemas sociais têm a função de reduzir a complexidade e controlar a contingência, possibilitando assim um agir direcionado e com sentido pelo ator social.
A distinção entre os conceitos de Risco e Contingência fica muito clara a partir da
Teoria Autopoiética dos sistemas aplicada ao sistema social, do qual Luhmann é o
principal idealizador, como abordado na obra Teoria do Sistema Jurídico, de Cristiano
Carvalho12.
Contudo, a confusão entre risco e contingência é resultado do conceito amplo de
risco e, neste sentido, adverte Brüseke13:
Em termos operacionais, o conceito restrito, favorecido por Luhmann, é sem dúvida mais preciso. Não obstante, a aplicação do conceito amplo de risco ganhou, por causa do seu largo uso, uma importância que não podemos eliminar, simplesmente, no nível do combate conceitual. Avaliamos que a grande aceitação do conceito amplo de risco é resultado, exatamente, da crescente consciência da contingência, que se expressa sui generis, i.e., a consciência de contingência nãos se apresenta sob a denominação (“filosoficamente correta”) de contingência, mas sob outras formas linguísticas. Neste sentido, a fala do risco é uma maneira de se comunicar sobre um campo de eventos contingentes. Esta categoria de eventos é sempre, para o homem, uma ameaça hipotética. Existem outros eventos avaliados como chances, sorte, benção, graça etc. que, apesar de ter a mesma estrutura contingente como o risco, ocultam facilmente seu caráter porque são vividas de forma positiva. O homem tem a compreensível inclinação de atribuir as “contingências positivas” ao seu próprio mérito e buscar a culpa para as “contingências negativas” fora da própria responsabilidade. Entendendo o “risco” desta maneira, i.e., enquanto uma expressão moderrna da consciência da contingência.
Concluindo o referido autor afirma que o conceito de contingência14 fala por um
lado da necessidade e por outro da possibilidade. Importante lembrar, mais uma vez, que
trata ao mesmo tempo da necessidade e da possibilidade. Daí a dificuldade de compreensão
do conceito de Contigência, pois o risco não é necessário, mas possível ou provável cuja
12 Vide nota no. 24 do capítulo 1 13 BRÜSEKE, Franz Josef, op. cit., 2007, p. 73. 14 Idem, ibidem, p. 76.
67
consequência é sempre um dano, ao passo que a contingência, além de necessária, pode ser
positiva ou negativa.
4.2 Probabilidade
A Teoria das Probabilidades teve impulso através dos estudos de Fermat e
Pascoal15, no século XVII. Eles inseriram a chave de um método sistemático de cálculo das
probabilidades de eventos futuros. Interessante mencionar que a palavra probabilidade
deriva do latim probare, que significar “provar” e “testar”.
Mas foi através do teorema de Jacob Bernoulli16 que levantou-se pela primeira vez
a questão de como desenvolver probabilidades a partir de amostra de dados, em 1703, e
que se levou a probabilidade do mundo da teoria para o mundo da realidade, e, assim, o
cálculo da probabilidade de um número empiricamente determinado a aproximar-se de um
valor real, mesmo quando o valor real é uma incógnita, o que ficou conhecido como a Lei
dos Grandes Números.
Da Lei dos Grandes Números surge o conceito de “certeza moral” que Jacob
Bernoulli deriva da definição de probabilidade, a partir do trabalho de Leibniz, assim
Probabilidade “é grau de certeza e difere da certeza absoluta como a parte difere do
todo”17.
Não obstante a evolução da Teoria das Probabilidades a partir de então, o tema
“probabilidade” é complexo. Em A lógica da pesquisa científica, Karl Popper18 inicia o
capítulo “Probabilidade” afirmando:
Ideias concernentes à teoria da probabilidade desempenham papel decisivo na física moderna. Continua a faltar uma definição coerente e satisfatória de probabilidade, ou, o que vale aproximadamente a dizer o mesmo, continua a faltar um sistema axiomático satisfatório para o cálculo de probabilidades. As relações entre probabilidades e experiências também reclamam esclarecimento.
15 BERNSTEIN Peter L., op. cit., 1997, p. 71. 16 Idem, ibidem, p. 121-123. 17 Idem, ibidem, p. 122. 18 POPPER, Karl. A Lógica da Pesquisa Cientifica. Trad. Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 160.
68
O autor destaca também que a mais importante aplicação da Teoria das
Probabilidades é a que se faz na área dos eventos ou ocorrência que poderíamos denominar
“casualoides” ou “aleatórios”19, com destaque para o problema da interpretação da
probabilidade, inicialmente solucionado através do conceito de enunciado de probabilidade
formalmente singular, que20:
Em outras palavras, pode ocorre que nada saibamos acerca de um evento, a não ser que ele pertence a certa classe-referência, em relação à qual alguma estimativa de probabilidade foi submetida a teste com êxito. Esta informação não nos capacitará a prever qual será a propriedade do evento em questão; habilita-nos, todavia, a expressar tudo o que sabemos a propósito dele, por meio de um enunciado de probabilidade formalmente singular, que se apresenta como uma previsão indefinida acerca do particular evento em causa.21
Na obra Conjecturas e refutações, Karl Popper22 apresenta a diferença entre
verossimilhança e probabilidade:
A diferenciação entre estas duas ideias é tanto mais importante quanto a elas se tornaram confusas – porquanto ambas estão intimamente relacionadas com a ideia de verdade, e ambas introduzem a ideia de aproximação gradual à verdade. A probabilidade lógica (não discutimos aqui a probabilidade física) representa a ideia de aproximação à certeza lógica, ou a verdade tautológica, através de uma diminuição gradual do conteúdo informativo. A verossimilhança, por outro lado, representa a ideia de aproximação de uma verdade abrangente. Combina, por conseguinte, verdade e conteúdo, ao passo que a probabilidade combina verdade com falta de conteúdo.
É a falta de conteúdo da probabilidade que a torna relevante à decisão, e o elemento
essencial do risco é a consciência dos danos possíveis.
4.3 O dano O conceito de risco pressupõe a consciência dos danos possíveis, a distinção entre
um dano hipotético, em consequência da própria ação, e um dano hipotético, em
19 Idem, ibidem, p. 165, 20 Idem, ibidem, p. 232. 21 A posteriore Popper criou um sistema formal de axiomas ou postulados, substituindo o conceito de enunciado de probabilidades formalmente singular. 22 Idem. Conjecturas e Refutações. Trad. Benedita Bettencourt. Coimbra: Almedina, 2006, p. 322.
69
consequência da ação dos outros, da natureza ou de outras causas fora do próprio controle,
sendo que é o que distingue o risco do perigo23.
Juridicamente, dano pode ser definido como lesão (diminuição ou destruição) que,
devido a certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse
jurídico, patrimonial ou moral24.
Para Heloisa Hernandez Derzi25: Os prejuízos materiais ou patrimoniais advindos da realização do evento constituem o dano [...] Dano é consequência da perda, destruição ou inutilização de um bem pertencente ao patrimônio do segurado [...] O dano deve provocar um desequilíbrio desfavorável ao segurado, passível de indenização.
O dano deve ser real e efetivo, sendo necessária sua demonstração e evidência em
face dos acontecimentos e sua repercussão sobre a pessoa, ou patrimônio desta, salvo nos
casos de dano presumido26. Então, o conceito de dano se amolda tanto ao dano real como
ao dano presumido.
4.4 O Risco Social
A inclinação pelo risco e o desejo de segurança representam tendências
fundamentais do espírito humano. Uma ou outra dessas tendências predomina dependendo
de cada indivíduo e também de cada época27.
Para os fins propostos neste trabalho, o conceito de risco adotado é o conceito
restrito, ou seja, o risco como a probabilidade da ocorrência de um dano.
Os elementos que compõem o risco são a probabilidade e o dano. Sem esses
elementos, não estamos diante de um risco. Para caracterizar o risco, é imprescindível a
futuridade, aleatoriedade e incerteza.
Heloisa Hernandes Derzi28 classificou as contingências sociais protegidas como:
23 BRÜSEKE, Josef Franz, op. cit., 2007, p. 71 24 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, volume Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva 1994, p. 48. 25 DERZI, Heloisa Hernandez, Os beneficiários da pensão por morte: regime geral de previdência social. São Paulo: Lex Editora, 2004, p. 48. 26 Idem, ibidem, p. 49. 27 DURAND, Paul, La política contemporánea de seguridad social. Madrid Ministerio de Trabajo y Seguridad Social. 1991, p. 51.
70
I – Origem Patológica
a) doença : (i) comum ou (ii) decorrente de acidente do trabalho ou doença profissional
b) invalidez
II – Origem Biológica
a) maternidade b) velhice c) morte: (i) natural (comum ou resultante de doença profissional)
ou (ii) violenta (comum ou por acidente do trabalho)
III – Origem Econômico Social
a) desemprego b) encargos familiares c) prisão
Contudo, como visto, a utilização da palavra contingência no contexto da
Seguridade Social deve ser limitada ao campo da Saúde e da Assistência, reservando o
conceito restrito de risco, ou seja, a probabilidade de dano, para o contexto da Previdência
Social, uma vez que risco e contingência são conceitos distintos e presentes em formas
diferenciadas de proteção social.
Segundo Paul Durand29, a noção de Risco Social é delicada. Tem-se definido a
noção jurídica de risco. Porém, é necessário analisar quais são os diferentes riscos
inerentes à vida social e, depois, elucidar quais são, dentre esses riscos, o que se deve
aplicar ao sistema da Previdência Social.
Podemos atribuir o início da concepção moderna de Risco Social a partir do
Relatório Beveridge, que passou a dar destaque para o papel da solidariedade entre os
indivíduos e o Estado.
Para Armando de Oliveira Assis30, o Risco Social “é o perigo, é a ameaça que fica
exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por esta ou
por aquela ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se,
destarte, num nódulo de infecção no organismo social que cumpre extirpar.”
28 DERZI, Heloisa Hernandez, op. cit., 2004, p. 66. 29 DURAND, Paul, op. cit., 1991, p. 54. 30 ASSIS, Armando de Oliveira, Em busca de uma concepção moderna de Risco Social, Revista de Direito Social, n. 14, 2004, p. 161,
71
Nas palavras de Mattia Persiani31 “a tutela de quem, vivendo do próprio trabalho,
acaba por encontrar-se em condições de necessidade, não é considerada mais como
atividade benevolente do Estado, nem permanece confiada às categorias interessadas, mas
constitui-se expressão necessária da solidariedade de toda a coletividade.”
Para Ilídio das Neves32, o objetivo do Sistema de Segurança Social é “assegurar de
forma organizada a proteção dos cidadãos contra determinados risco da existência, pois se
considera que seus efeitos danosos não interessam apenas individualmente às pessoas, mas
também à sociedade no seu todo”.
O que distingue o Risco Social dos demais eventos que também se apresentam
como risco é o dano. Na medida em o risco se materializa em dano, atinge o indivíduo e,
consequentemente, atinge a sociedade.
Para a Teoria do Risco Social, o objeto da relação jurídica é a prestação
previdenciária, instrumento apto a reparar o dano, constituindo-se, basicamente, da
substituição dos rendimentos do trabalhador. A reparação se dá apenas no âmbito
econômico.
O primado do trabalho é um valor33, ou seja, é um bem do homem enquanto ser.
Dessa maneira, a perda da capacidade para o trabalho, isto é, a incapacidade laboral, é um
desvalor em relação ao valor trabalho. A incapacidade laboral representa o não trabalho, e,
neste contexto, o Risco Social.
Portanto, para dimensionar a proteção foram eleitos métodos de aferição do risco,
através de uma linguagem própria que se identifica com o contexto da previdência social,
assim a idade, a morte, a doença, a invalidez, o tempo de serviço, a maternidade, a
reclusão, o desemprego, não são riscos propriamente ditos, mas sim meios de comprovação
da incapacidade laboral, essa sim entendida como Risco Social.
Tanto a incapacidade como o dano, pode ser aferida de forma “real”, ou seja,
através de uma pericia médica, por exemplo, ou de forma presumida, isso vai depender dos
requisitos impostos a cada tipo de benefício do Regime Geral de Previdência Social.
Sanar o dano é recuperar a capacidade econômica do segurado, através da
substituição do salário pela prestação previdenciária, isto é, o benefício, mas o risco é a
31 PERSIANI, Mattia, Direito da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 35. 32 NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social: Princípios Fundamentais numa análise prospectiva. Coimbra: Editora Coimbra, 1996, p. 19. 33 REALE, Miguel. Introdução à Filosofia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 164-182.
72
perda da capacidade laborativa, de maneira que o saneamento do dano soluciona as
consequências do risco no seu aspecto econômico.
No dano real, é exigida a comprovação do fato gerador: a incapacidade laboral é
requisito nos benefícios por incapacidade, que vamos denominar, para fins deste estudo, de
incapacidade stricto sensu ou incapacidade real.
No dano presumido, preenchidos os requisitos que conduzem à presunção, a
incapacidade também é presumida, decorrendo do enquadramento do sujeito passivo no
critério material do benefício. Está presente, por exemplo, na aposentadoria por tempo de
contribuição, aposentadoria por idade, aposentadoria especial, salário-maternidade,
auxílio-reclusão.
Com base no critério do Risco Social, percebe-se que o salário-família não
contempla o conceito de Risco Social. Ao contrário, deve ser compreendido como um
benefício assistencial decorre de uma contingência social.
No que se refere ao saneamento do dano, Paul Durand34 já alertava para o caráter
insuficiente da forma de reparação do dano, na medida em que repará-lo não representa
sanar o risco, afirmando que:
A política de garantia contra os riscos sociais são revestidos de aspectos sucessivamente. A política mais simples e a mais intuitiva consiste em indenizar a vitima do risco. E a que inicialmente se tem seguido em todas partes. Em caso de acidente ou de enfermidade, prestações em espécies compensam a perda da capacidade de ganho ou cobrem os gastos médicos e farmacêuticos. Esta política de indenização é indispensável quando se quer socorrer a vitima e assegurar meios de subsistência. Contudo, tais medidas não prestam mais que uma seguridade imperfeita, inclusive porque se recorre de uma técnica de reparação empregando procedimentos distintos ao da indenização, como por exemplo o sistema de readaptação para as vítimas de acidente de trabalho.
Contemporâneo à concepção moderna de Risco Social, afirmava que35 as formas
modernas de reparação dos riscos sociais traduzem, por sua vez, um esforço para imaginar
novas e diferenciadas técnicas destinadas a assegurar sua melhor indenização (reparação).
34 DURAND, Paul, op. cit., 1991, p. 64, 35 DURAND, Paul, op. cit., 1991, p. 69.
73
No âmbito do acidente de trabalho, no que se refere ao auxílio-acidente, a natureza
do benefício é de indenização, que é reparação do dano decorrente da incapacidade
relativa, ou redução da capacidade laborativa.
A indenização também é técnica de seguro social tradicional. Remanesce no
sistema, uma vez que, segurado, não perde toda a capacidade laboral, bem como continua a
auferir rendimentos do trabalho. Segundo Maria Helena Diniz36, indenizar é reparar,
podendo a reparação ser específica ou in natura (sanção direta) ou reparação por
equivalente, ou melhor, a indenização (sanção indireta).
Indenização (sanção indireta), entendida como remédio sub-rogatório, de caráter pecuniário, do interesse do atingido. Tal reparação jurídica se traduz por pagamento do equivalente em dinheiro. Pela indenização, não se repõe na forma especifica o bem lesado, mas se compensa o menoscabo patrimonial sofrido em razão do dano, restabelecendo o equilíbrio patrimonial em função do valor que representa o prejuízo.37
Existem várias formas de proteção, considerando a especificidade de cada
sociedade, tanto na sua medida de evolução social quanto na medida seus dos recursos
financeiros, principalmente porque a superação dos efeitos danosos do Risco Social
exprime um interesse coletivo, atinente ao bem comum.38
Ainda hoje, a tutela previdenciária é realizada através dos chamados seguros
sociais, oriundos dos seguros privados, que atualmente, de seguros, só lhes resta o nome,
sendo expressão destituída de significado no que diz respeito à definição da estrutura dos
sistemas jurídicos previdenciários39.
Segundo Almansa Pastor40, a doutrina que centraliza e reduz o campo de estudo da
previdência social se denomina Seguridade Social, que surgiu a partir da noção de risco.
Para o referido autor, o Risco Social pode ser situado no Direito ex ante ou ex post:41
O risco no seguro social tradicional a finalidade fundamental do seguro privado, como é sabido, consiste na transmissão das consequências de
36 DINIZ, Maria Helena, op. cit., 1994, p. 96. 37 Idem, ibidem, p. 96. 38 NEVES, Ilídio das, op. cit., 1996, p.22. 39 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 52. 40 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de La Seguridad Socil. 7. ed. Madrid: Tecnos. 1991, p. 218-219. 41 Idem, ibidem, p. 220-221.
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um determinado acontecimento a um terceiro, em troca de uma contraprestação onerosa, mediante um contrato de seguro previamente celebrado. Para que se de a transação de consequências é necessária a preexistência de uma relação jurídica, sem a qual o indivíduo afetado pelo acontecimento sofreria as sequelas deste, como se se tratara de simples feito metajurídico. A exigência da relação jurídica preexistente situa ao Direito ex ante, de forma que a transição ou reparação da consequência se produz se antes de verificar-se o acontecimento foi constituída a relação sobre a possibilidade do mesmo. O risco no seguro social progressivo: O seguro social progressivo situa-se no Direito ex post do acontecimento. Assim para que se verifique a proteção não é necessário que a relação jurídica se haja instaurado com antecedência ao evento, basta que o acontecimento tenha lugar para que se constitua a relação protetora automaticamente por via legal, cujo pressuposto é, precisamente, a sobrevivência ao acontecimento, unida a uma situação subjetiva do individuo sobre o qual incide aquele.
No seguro privado, a eliminação da situação de necessidade é assumida pelo
segurador, que tem a obrigação de suportar os efeitos econômicos do temido evento,
depois do correspondente pagamento do prêmio por parte do segurado, enquanto no seguro
social a efetividade se dá através da organização de um serviço público.
No que diz respeito ao seguro privado, adverte Paul Durand42:
O princípio de proporcionalidade do prêmio e do risco, que é fundamental no seguro privado, está excluído no seguro social. O seguro de enfermidade ou o seguro por morte, por exemplo, não classificam os seguros por grupos de idade, ou segundo seu estado de saúde. A instituição gestora dos seguros social não pode levar a cabo nenhuma seleção do risco e, portanto, não tem direito de exigir prêmios mais elevados pelos riscos mais graves, nem eliminar os riscos demasiados “maus”. Estes se compensam necessariamente sempre com os “bons” em razão da obrigatoriedade do seguro. É por isso que socialmente a indenização resulta sempre necessária. A compensação de riscos se produz deste modo no interior de uma ampla coletividade cujos membros recebem todos o mesmo trato.
Seguros sociais e privados são complementares. Todos os problemas do futuro
incerto não podem e nem devem ser resolvidos somente com a previdência obrigatória.
A Seguridade Social, como meta essencial do Estado, diz respeito apenas às
necessidades essenciais. Esse sistema encontra limites em sua própria função43 e, no que
diz respeito à natureza jurídica previdenciária, afirma Mattia Persiani44:
42 DURAND, Paul, op. cit., 1991, p. 111. 43 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 53.
75
A doutrina tradicional afirmava que a relação jurídica previdenciária seria uma relação complexa, porém sempre unitária, devido à ligação de sinalagmaticidade que julgava existir entre a obrigação contributiva e a de conceder prestações previdenciárias [...] É evidente, porém, que essa concepção da relação jurídica estava ligada à estrutura contratual, ao mecanismo de seguro e a ideologia que caracteriza as primeiras realizações Por outro lado, um nexo entre a obrigação contributiva e a de conceder prestações previdenciárias subsiste, mas se trata, no máximo, de uma relação de instrumentalidade.
A carência pode ser entendida como pressuposto da norma de incidência das
prestações previdenciárias. O número mínimo de contribuições indispensáveis para que o
beneficiário faça jus ao benefício é técnica remanescente do seguro social tradicional. A
evolução do sistema para a Seguridade Social e saneamento do Risco Social pode levar à
implantação de um sistema que dispense a carência, como já ocorre com a pensão por
morte.
No sistema de seguro, a carência guarda relação com a probabilidade, um dos
elementos do risco. Quanto maior a probabilidade do evento ocorrer, maior a carência.
Porém, no Risco Social, partindo do pressuposto de que o dano é que distingue o risco
como social, a questão da carência pode ser resolvida com a aplicação plena do princípio
da solidariedade.
4.5 Teoria do Risco Profissional
As transformações econômicas e sociais determinadas pela revolução industrial,
novas estruturas econômicas e sociais determinadas pela industrialização, o fenômeno do
empobrecimento, a exigência de proteção dos trabalhadores devido à ocorrência de
acidentes, formam o contexto social do século XIX45.
Naquele contexto, a responsabilização fundada na culpa se mostrou insuficiente e o
seguro se apresentava como única escolha coerente, justificada por meio do conceito de
Risco Profissional. Portanto, sustentava-se que o empregador, uma vez que tira proveito do
44 Idem, ibidem, p. 85-87. 45 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 24.
76
trabalho alheio, deveria arcar com os riscos enfrentados pelo trabalhador no cumprimento
de sua atividade46.
Segundo Mattia Persiani, a obrigação de pagar as contribuições dos empregadores
era explicada suficientemente pelo principio do risco profissional47:
Assim sendo, tal concepção, de um lado, pressupõe com frequência, ainda que implicitamente, a equiparação dos seguros públicos e privado. Por outro lado, essa concepção deve ser relacionada ao relevo atribuído ao risco profissional que constitui a justificativa da primeira forma de seguro, a relativa aos acidentes de trabalho. Entende-se, com efeito, que as consequências do acidente de trabalho, como acontecimento necessariamente ligado ao exercício de uma atividade laboral, deveriam ser arcadas por que extrair uma vantagem dessa atividade, explicando-se, de tal forma, a obrigação dos empregadores de assegurar os seus dependentes, inclusive, relativamente aos acidentes ocorridos devidos a caso fortuito ou à força maior, que acabou por ser transformar em seguida, com a evolução publicista do sistema, na obrigação de pagar as contribuições previdenciárias.
Na evolução para o Risco Social, vemos que à concepção inicial do Risco
Profissional, que inspirou e justificou as primeiras intervenções legislativas, foi
acrescentada a percepção mais ampla: a da solidariedade coorporativa entre empregadores
e trabalhadores48. Por outro lado, a tutela permanece essencialmente limitada aos
trabalhadores subordinados49.
No Brasil, não obstante a implantação da fase da Seguridade Social em 1988, com
uma crescente evolução em direção à Teoria do Risco Social, no que se refere à proteção
do Acidente de Trabalho, o sistema ainda não implementou completamente a Teoria do
Risco Social, em virtude da presença de elementos caracterizadores da Teoria do Risco
Profissional como o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), o nexo Técnico
Epidemiológico (NTEP) e a Ação Regressiva contra o Empregador prevista no art. 120 da
Lei 8.213/91, ou seja, métodos buscam a responsabilização do empregador, evidenciando
assim a Teoria do Risco Profissional.
46 Idem, ibidem, p. 26. 47 Idem, ibidem, p. 186. 48 Idem, ibidem, p. 30. 49 Idem, ibidem, p. 29.
77
4.6 O Risco Social na Pós-Modernidade
Com a Teoria do Risco Social, vemos que o seguro social tradicional dá vez ao
seguro social progressivo, porém, a grande diferença no Risco Social na pós-modernidade
está na forma de enfrentamento do risco e na forma de saná-lo.
Pois, como visto o saneamento do dano só leva em consideração o aspecto
econômico. Na pós-modernidade, o econômico e o social não podem ser desvinculados;
muito pelo contrário, estão atrelados, ou melhor, como afirma Karl Polanyi, o sistema
econômico é mera função da organização social50.
Neste novo contexto da pós-modernidade, surgem novas formas de solução do
risco, não só através do saneamento do dano, de novos meios de reabilitação e educação
profissional novas formas de emprego, novas forma de divisão e da remuneração do
trabalho, o que também passa pela chamada “flexibilização” das leis trabalhistas como
meio de viabilizar a criação de novos postos de trabalho, com formas de garantir os direitos
das gerações, pois a verdadeira inclusão social é através do trabalho e não através da
concessão de benefícios.
Os escritórios deixarão de existir. Os Sohos, sigla para single home offices, ou
escritórios caseiros, já possibilitam que 20 milhões de americanos trabalhem meio-período
sem sair de casa, e outros 4,2 milhões em período integral51.
No campo da Previdência, temos o exemplo da previdência privada norte-
americana, citado por Arthur Bragança de Vasconcelos Weintraub52:
Na Previdência Privada norte-americana, devido ao envelhecimento populacional e às mudanças na natureza do trabalho em geral (nas quais o trabalho que requer força física vem se transfigurando num trabalho que requer intelecto) vem ocorrendo um fenômeno inovador: a aposentadoria parcial, fásica ou gradual. O trabalhador norte-americano O trabalhador norte-americano pode se aposentar gradualmente ao invés de se aposentar de maneira direta (opção da mudança brusca do full-time work ao full retirement), como acontece tradicionalmente no mundo. Este trabalhador passa, após certa idade por ele escolhida, a trabalhar período parcial, v.g.., e recebendo como aposentadoria privada um valor
50 POLANYI, Karl. A grande Transformação: as origens de nossa época. Trad.Fanny Wrobel. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 69. 51 In Revista Galileu: Ciência, Tecnologia, Cultura e Consumo, Editora Globo, São Paulo, n. 216, jul. 2009, p. 49, 52 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcelos. A autonomia da previdência privada em relação à previdência social e tendências contextuais. In; BALERA, Wagner (Org.); Revista da Escola Paulista de Direito, v. 5. Campinas, SP: Millennium Editora, 2008 p. 88.
78
proporcional daquilo que receberia integralmente (possibilitando o pagamento de benefícios maiores ou por períodos mais prolongados).
O exemplo clássico dessa nova concepção é a forma de enfrentar o desemprego,
que, como risco, representa uma forma de incapacidade do segurado de retornar ao
mercado de trabalho. Enfrentar esse tipo de incapacidade somente através do Seguro
Desemprego é a concepção que só preocupa com o aspecto econômico do dano, mas, a
longo prazo, não soluciona o risco.
Neste aspecto, a legislação brasileira, no campo da efetividade das normas de
proteção, sequer alcançou o mesmo nível de proteção em relação às prestações
previdenciárias previstas na Lei 8.213/91 e na Lei do Seguro Desemprego, ou seja, o
sistema de proteção é devedor de uma proteção efetiva.
Concluindo, a concepção pós-moderna de Risco Social é resultado do novo
contexto social, cuja velocidade das mudanças transformou a sociedade industrial em
sociedade de risco, criando uma sociedade complexa, cujos sistemas políticos, econômicos
jurídicos se apresentam como sistemas autopoiéticos. Nessa sociedade complexa, o
enfrentamento do Risco Social reclama novas formas de solidariedade.
4.7 O Risco Social e o Regime Geral de Previdência Social
Como ensina Wagner Balera53, o objetivo do Sistema Nacional de Seguridade
Social se confunde, com o objetivo da Ordem Social, e compreende três partes: saúde,
previdência social e assistência social, proporcionando a todos Seguridade Social.
A integração dessas três áreas tem a incumbência de satisfazer certos direitos
sociais, mediante a racionalização da atividade administrativa, permitindo melhor
aproveitamento das particulares formas de proteção pelos usuários54.
Enquanto que na Previdência social prevalece a técnica de reparação do dano
decorrente do Risco Social, na Assistência Social prevalece a reparação da situação de
indigência decorrente da Contingência.
Na análise prospectiva de Ilido da Neves55, tratam-se de duas grandes realidades
interdependes e não fusionáveis, por terem objetivos diferenciados e utilizarem técnicas
próprias, entre si muito diferenciadas, na realização da proteção social.
53 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4 ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 13. 54 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4 ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 13
79
Segundo esse autor56, as ponderações das características dos riscos sociais ou das
contingências, que determinam uma proteção social, especificam em cada uma daquelas
realidades sistêmicas:
No sistema de segurança em sentido estrito (regimes) os riscos sociais são acontecimentos danosos fundamentalmente exteriores à pessoa (doença, desemprego, incapacidade laboral, morte etc.), ocorrências naturais ou sociais que as atingem, as agride de fora para dentro, na sua estabilidade econômica e social. Pelo contrário, na ação social, os riscos representam, antes de tudo, uma incapacidade ou uma indisponibilidade das famílias ou uma falta das estruturas familiares para assegurarem normalmente os apoios indispensáveis às crianças, aos jovens, aos idosos e aos deficientes
Quanto às técnicas de proteção Ilídio das Neves57 destaca que , “nos regimes de
segurança social, fundamentalmente voltados para proteção econômica, predomina a
técnica da garantia de rendimentos, quer de rendimentos de substituição ou compensatórios
da remuneração do trabalho”.
Enquanto que na Assistência Social o mesmo autor esclarece58 que “na técnica do
serviço social, que caracteriza o funcionamento da ação social, baseia-se na intervenção
direta no domínio sociocomunitário e apoio pessoal às famílias ou a cada um dos
elementos que a integram, tendo em vista a superação das disfunções sociofamiliares
verificadas”.
Assim, enquanto o Risco Social está presente na Previdência Social, verifica-se que
a contingência é o fato gerador da proteção no campo da assistência social, lembrando que
o Risco Social está presente na técnica de Previdência Social, na medida em que podemos
identificar os elementos do risco: a probabilidade e o dano.
Nesse sentido Mattia Persiani59 destaca que o conceito de risco apresenta, na
previdência social, características particulares, isto quer em relação ao tipo de intervenção
voltada para regular as consequências dos eventos previstos, quer no que se refere à
natureza desses eventos.
55 NEVES, Ilídio das, op. cit., 1996, p. 25. 56 Idem, ibidem, p. 27. 57 Idem, ibidem, p. 28. 58 Idem, ibidem, mesma página 59 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 190.
80
Para Wagner Balera60, a Previdência Social é, antes de tudo, uma técnica de
proteção que depende da articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais.
Fabio Lopes Vilela Berbel61 afirma que, para ser social, a previdência tem de impor
a filiação dos sujeitos jurídicos abstratos de forma obrigatória. A facultatividade, na
vinculação pessoal retira o caráter social da previdência.
Outro aspecto caracterizador da Previdência Social, segundo Devali62, é o Risco
Social, pois, para ele, o risco coberto pelo regime há de ser social, isto é, afetar
indiretamente a coletividade.
Em análise minuciosa da legislação brasileira, Thiago D’ Ávila Melo Fernandes
apresenta seis fases da proteção social no Brasil63: Fase Embrionária (até 1922); Fase de
Implantação (1923 – 1930); Fase de Expansão (1931 – 1959); Fase de Uniformização
(1960 – 1965); Fase de Unificação (1966 – 1987); e, por fim, Fase de Seguridade Social
(desde 1988).
No que se refere à Teoria do Risco Social e à Teoria do Risco Profissional, a atual
legislação previdenciária apresenta uma clara evolução do sistema de proteção baseado na
Teoria do Risco Profissional, o chamado modelo “Bismarck” de proteção em direção à
Teoria do Risco Social, o modelo de “Beveridge”. Contudo, o sistema ainda mescla
características dos dois modelos.
Na legislação referente ao Acidente de Trabalho, é possível perceber, o que
Almansa Pastor64 chama de legislação ziguezagueante na Espanha, ora com predominância
do modelo baseado na Teoria do Risco Profissional, ora da Teoria do Risco Social.
No Brasil há uma crescente evolução em direção à Teoria do Risco Social, contudo,
esse efeito “ziguezagueante” se verifica principalmente a partir da edição da Lei 9.032/95
numa tentativa de total ruptura com a Teoria do Risco Profissional e com o objetivo de
integrar a legislação acidentária totalmente á Teoria do Risco Social.
Não obstante a mesma legislação ao limitar a Concessão do Auxílio-Acidente a
uma categoria específica de segurados, revela resquícios da Teoria do Risco Profissional, e
60 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 49. 61 BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 130. 62 DEVALI, Mario L. Curso de Derecho Sindical y de La Previsión Social. Buenos Aires: Zavalia, 1952, p. 273. 63 FERNANDES, Thiago D’Ávila Melo. Conceito de seguridade social. 2003. Dissertação (Mestrado em Direito: Direito das Relações Sociais), PUC-SP, São Paulo: 2003, p. 42
64 PASTOR, José Manoel Almansa, op. cit. 1991, p. 251.
81
numa verdadeira “marcha ré” em relação a Teoria do Risco Social, o sistema criou novas
formas de responsabilização do empregador pelo custeio das prestações acidentárias.
Uma das evidências mais recentes, dessa retomada a Teoria do Risco Profissional
na legislação brasileira é a instituição do Fator Acidentário de Prevenção - FAP, do Nexo
Técnico Epidemiológico - NTEP e da chamada Ação Regressiva contra o Empregador,
prevista no art. 120 da Lei 8.213/91, ou seja, métodos que buscam a responsabilização do
empregador, o que é incompatível com a Teoria do Risco Social.
A par da legislação Acidentária, a Previdência Social é regida pela Teoria do Risco
Social, como podemos observar no estudo dos princípios gerais que regem a Previdência
Social, dentre os quais se destacam os princípios da Universalidade da Cobertura e do
Atendimento, da Seletividade e Distributividade em relação à Previdência Social.
É objetivo do Sistema de Seguridade Social dar a todas as pessoas proteção social
de que necessitam. Assim, todos serão protegidos em situações definidas pela lei como
situações de necessidade, aquelas que se configuram como Risco Social, no âmbito da
Previdência Social e as Contingências no âmbito da Saúde e Assistência. Contudo, o
sistema apresenta restrições65.
Como na saúde e na assistência está presente a contingência, o grupo protegido não
é diretamente definido. Na previdência, acontece ao contrário: a universalidade é limitada
ao grupo protegido, ainda que inclua a figura do facultativo. O sistema protege aqueles que
estão sujeitos ao Risco Social, aqui entendido como incapacidade “lato sensu”, porque
mesmo o facultativo, para filiar-se ao regime, deve apresentar-se como capaz para o
trabalho, tanto que só podem se filiar os maiores de 16 anos, ou seja, aqueles que, embora
não exerçam atividade laboral, possam fazê-lo.
A seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços é um
princípio dirigido ao legislador, que deve selecionar os riscos sociais através do critério da
distributividade.
Mas, como adverte Wagner Balera66, o legislador não pode fazer a escolha de modo
discricionário. Deve pautar seu agir com o critério da distributividade, selecionando
prestações que carreguem consigo o manifesto potencial distributivo, para que tais bens
permitam a concretização da justiça social.
65 Conforme já analisado no capítulo 1, ao tratar da autopoiese e do Sistema de Seguridade Social. 66 BALERA,Wagner. Sistema de Seguridade Social, op. cit., p. 158.
82
Assim, esse princípio deve ser entendido como verdadeira norma de estrutura. As
normas de estruturas, segundo Paulo de Barros Carvalho67, aparecem como condição
sintática para a elaboração de outras regras, a despeito de veicularem comandos
disciplinadores que se vertem sobre os comportamentos intersubjetivos.
A Constituição, no inc. I do art. 201, trata da cobertura de eventos, os quais são, na
verdade, um método de aferição da Incapacidade, pois este é o Risco Social protegido, e
não a morte, a doença ou idade avançada.
Dessa maneira, o Risco Social, dada sua natureza, é automaticamente selecionado,
e é na distributividade das prestações que está a efetividade dos direitos previdenciários,
portanto, nos métodos de prova de incapacidade que deve o legislador se debruçar.
4.8 O Risco Social como discriminem da equidade
Eis aqui alguns dos princípios mais complexos do Sistema de Seguridade Social e
de fundamental importância, porque se relacionam diretamente com o sobreprincípio da
igualdade, nas palavras de Wagner Balera68” o princípio que há de reger a participação de
todos será o da equidade, cuja aplicação impõe o tratamento igualitário entre os atores
sociais. Ele norteia a relação de custeio da Seguridade Social.”
O princípio da equidade deve ser interpretado como uma forma de aplicação do
princípio da isonomia, a partir da seguinte formulação: quanto maior o risco, maior deve
ser a contribuição social devida. Portanto, a equidade é um método que incide
primordialmente na relação de custeio, com incidência nas contribuições que se relacionam
com o trabalho, enquanto causa da incapacidade.
O exemplo típico da aplicação do princípio da equidade na participação está na
contribuição social conhecida como SAT, atualmente designada como RAT – Risco
Ambiental do Trabalho e flexibilizada pelo FAP – Fator Acidentário de Prevenção. A base
de cálculo e as alíquotas dessas contribuições levam em consideração o Risco Social.
Quanto maior o risco, maior será a contribuição.
67 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência, op. cit., p. 42. 68 BALERA, Wagner, Sistema de Seguridade Social, op. cit., p. 159.
83
Dessa maneira, percebemos que o elemento que define a equidade é o contexto na
qual está inserida, ou seja, o Risco Social, pois como ensina Wagner Balera69 o sistema
tributário brasileiro, elegeu o risco como “o elemento intermediário, provocador da atuação
estatal” no que se refere as contribuições sociais.
Equidade é normalmente interpretada como sinônimo de justiça. Porém, Justiça é
um valor que ingressa na norma através de prescrições normativas, mas os valores não são,
eles valem70. Assim, a equidade, como princípio, funciona como método, ou seja, como
fórmula eleita pelo constituinte apta a realizar o ideal de justiça no contexto do Risco
Social.
O princípio da isonomia, ou o princípio da igualdade, como ensina Paulo de Barros
Carvalho71, está contido na formulação expressa do art. 5o, caput, da Constituição Federal
e reflete uma tendência axiológica de extraordinária importância. Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza. Neste ponto, ele afirma que tudo seria fácil se o
princípio da isonomia não fosse um autêntico valor. Para o universo do direito, múltiplos
são os critérios que podem ser tomados para a realização da igualdade.
Assim, a Constituição Federal elegeu normas, ora com status de princípios, ora com
status de regra, que indicarão quais critérios serão considerados para aferição do princípio
da isonomia. No caso da Seguridade Social, foi eleita a equidade na participação e no
custeio.
A especialidade majora o risco na medida em que expõe o trabalhador a uma
probabilidade maior de Risco Social, a incapacidade. Essa situação também deve ser
resolvida pela equidade no custeio com contribuições que levem em consideração as
condições do ambiente do trabalho (art. 22 inc. II da Lei 8.212/91), atuando, assim, como
princípio regulador da isonomia em face da Teoria do Risco Social.
4.9 A incapacidade para o trabalho como Risco Social na Previdência Social
A incapacidade laboral representa o Risco Social na previdência, em decorrência do
valor social do trabalho, na medida em que o primado do trabalho como valor está presente
não só como princípio constitucional, mas como um bem do homem enquanto ser. Dessa
69 Idem. As contribuições Sociais no Sistema Tributário Brasileiro (Coord. Hugo de Brito Machado), p. 563. 70 CARVALHO, Paulo de Barros Carvalho. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 176. 71 Idem, ibidem, p. 267.
84
forma, a perda da capacidade para o trabalho, isto é, a incapacidade laboral, é um desvalor
em relação ao valor social do trabalho, e como tal afeta diretamente o ser humano na
dignidade.
A caracterização da incapacidade para o trabalho como o Risco Social protegido na
Previdência Social decorre não só do valor do social do trabalho, mas como afirma Mattia
Persiani72 da condição humana que acabou, essencialmente, por coincidir com a condição
de quem trabalha e mais:
Os eventos cuja ocorrência é prevista a distribuição de benefícios apresentam, em sua variedade, uma característica constante: trata-se de eventos, que pela natureza das coisas ou pelo modo em que a sociedade é organizada, normalmente inevitáveis que, devido a estrutura socioeconômica, determinam, para quem vive do próprio trabalho, uma situação de necessidade, geralmente consequência da impossibilidade ou incapacidade de trabalhar que dela resulta73.
Sob outro prisma, a incapacidade ou a impossibilidade de trabalhar, também pode
ser entendida como Risco Social, porque o perigo que ameaça o indivíduo se transfere para
a sociedade, ou, por outro lado, se ameaça uma das partes componentes do todo, fatalmente
ameaçará a própria coletividade, como defendido por Armando Oliveira de Assis.74
A incapacidade laboral é o risco protegido na previdência social, na medida em que
o sistema repara as consequências do dano sofrido pelo segurado após a ocorrência de um
evento que lhe retire a capacidade de trabalho, sendo que essa perda também pode ser
presumida.
Logo, o sistema repara danos reais ou danos presumidos. A idade, a invalidez e a
morte são métodos eleitos pelo legislador para comprovarem a incapacidade.
Pode ser filiado ao sistema não apenas aquele que pratica o fato gerador – trabalho
– como também quem pode vir a exercê-lo. Portanto, aquele que não detém a capacidade
laborativa não pode ingressar no sistema, sendo sua filiação nula.
Assim, a idade não é um risco. Ela é uma das formas de comprovar a incapacidade
para o trabalho, tendo como técnica o dano presumido.
72 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 32. 73 Idem, ibidem, p. 191. 74ASSIS, Armando de Oliveira, op. cit., 2004, p. 157.
85
O tempo de contribuição nos termos do artigo 4º da EC 20/98, até que a lei venha a
regulamentar a matéria, equivale ao tempo de serviço. Assim como a idade, o tempo de
serviço é um método que o legislador elegeu a fim de comprovar a incapacidade para o
trabalho, também tendo como técnica o dano presumido.
A aposentadoria especial se aproxima mais da aposentadoria por invalidez, na
medida em que o segurado, a partir da aposentadoria, não pode a voltar a exercer a sua
atividade laboral sob as mesmas condições que deram ensejo à concessão da aposentadoria
especial. Embora o dano seja presumido, o risco decorrente da atividade especial envolve
mais que a perda da capacidade laboral: há risco de perda da capacidade física, danos
graves à saúde e, em alguns casos, perda da vida do segurado. É essa grave ameaça
associada a uma elevada probabilidade de dano que o sistema tenta inibir, afastando o
segurado da exposição aos agentes nocivos.
No salário-maternidade, protege-se a incapacidade presumida da mãe por 120 dias
após o parto. Nesse período, a lei presume o dano, ou seja, a perda de rendimentos do
trabalho. Essa presunção não é absoluta, na medida em que pode interessar à segurada
retornar ao trabalho antes do referido período.
Já o salário-família representa uma contingência, na medida em que não há o
elemento risco, tem natureza assistencial, não guarda relação com a perda da capacidade
laboral, antes tem relação exclusiva com o aumento de gasto da família.
Podemos conferir a condição de risco à morte se atribuirmos aos dependentes uma
incapacidade presumida. Embora a morte seja considerada um evento incerto quanto ao
momento de sua ocorrência, a morte de um segurado com um filho incapaz não produz o
mesmo efeito da morte de um segurado de um filho capaz. Logo, o Risco Social protegido
é a incapacidade do dependente e não a morte do segurado, pois a morte de segurado que
não deixa dependente não representa um Risco Social.
A partir da conclusão de que o Risco Social na previdência social é representado
pela incapacidade, importa compreender como deve ser entendida a incapacidade.
A incapacidade para fins de concessão de auxílio-doença, auxílio-acidente e
aposentadoria por invalidez, tem como requisito a comprovação real do dano, exigindo que
o segurado se submeta a perícia médica, enquanto que nos demais benefícios se verifica a
incapacidade através do mecanismo da presunção.
86
A incapacidade laboral, proposta neste trabalho, também leva em consideração o
dano, ou seja, a perda da capacidade de ganho do segurado, como destacou Daniel Pulino75
ao estudar a Aposentadoria por Invalidez:
O que interessa para a configuração da invalidez em nosso direito é a perda da capacidade de ganho do segurado. Afinal, dentro do regime jurídico-previdenciário, sem perda da capacidade de ganho não ocorrerá a situação de desequilíbrio econômico em que consiste a necessidade social, não se justificando, por conseguinte, a concessão da aposentadoria, da compensação econômica que reintegrará o segurado no seu nível de subsistência.
Assim, podemos concluir que a incapacidade para o trabalho é o Risco Social
protegido no Sistema da Previdência Social Brasileira, uma incapacidade que não pode ser
reduzida à ordem exclusivamente médica76, mas que leva em consideração a perda da
capacidade de ganho do segurado ou do seu dependente, revelando um conceito
socioeconômico.
4.10 O Risco Social como aspecto material da relação jurídica de proteção As ordenações jurídico-normativas estabelecem caminhos próprios para a
construção, com regras de coordenação e subordinação. Todas as normas do sistema
convergem para um único ponto – a norma fundamental –, que dá fundamento de validade
à Constituição Positivada.
A construção da regra matriz de incidência deverá observar a diretriz da estrita
legalidade, isto é, deverá ser preenchida pelas significações do Direito Positivo, porém só
poderão ser utilizados os enunciados produzidos por lei – em qualquer um dos aspectos da
regra matriz. Sintetizando a Regra Matriz de Incidência, Paulo de Barros Carvalho77
conclui que:
O dever-ser que une a hipótese e a consequência, na arquitetura lógica da norma jurídica, recebe o nome de conectivo deôntico ou operador deôntico, ou ainda, dever-ser interproposicional, porque vem entre a
75 PULINO, Daniel. A aposentadoria por invalidez no direito positivo brasileiro. São Paulo. LTr, 2001, p.125. 76 Idem, ibidem. 77CARVALHO, Paulo de Barroso, Curso de Direito Tributário ,op. cit., p. 374.
87
proposição hipótese e a proposição consequente. Sua ação é fulminante e inapelável. Realizando-se o fato previsto no suposto, instaura-se a consequência, de modo automático e infalível (Becker), mesmo que as pessoas cuja conduta foi regulada propositadamente não a observem. Ora a regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela encontramos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado.
Para explicar o caráter abstrato da hipótese de incidência, Paulo de Barros
Carvalho78 reitera que “as normas jurídicas são as significações que a leitura do texto
desperta em nosso espírito e, nem sempre, coincidem com os artigos em que o legislador
distribui a matéria no campo escrito da lei” e que:
Na constituição do fato jurídico, a análise relacional entre a linguagem social e a linguagem jurídica, redutora da primeira, sobrepõe-se ao conhecimento (experiência) obtendo como resultado um novo signo, individualizado no tempo e no espaço do direito e recebendo qualificação jurídica: eis o fato jurídico. É, portanto, uma construção de sobrelinguagem. Há duas sínteses: (i) do fenômeno social ao fenômeno abstrato jurídico e (ii) do fenômeno abstrato jurídico ao fenômeno concreto jurídico.
Na hipótese de incidência, encontraremos três critérios identificadores do fato: a)
critério material; b) critério temporal e c) critério espacial:
O aspecto mais complexo da hipótese de incidência é o critério material que
segundo Geraldo Ataliba79 “contém a designação de todos os dados de ordem objetiva,
configuradores do arquétipo em que ela h.i. consiste; é a própria consistência material do fato ou
estado de fato descrito pela h.i. é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à h.i.”
Para Paulo de Barros Carvalho80, no critério material, há referência de um
comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço
e tempo. É indevida a alusão ao critério material, como a descrição objetiva do fato. Ora, a
descrição objetiva do fato é o que se obtém da compostura integral da hipótese tributária,
enquanto o critério material é um dos seus componentes lógicos. 78 Idem, ibidem, p. 263. 79 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 9. tir. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 106. 80 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário , op. cit., p. 285.
88
Analisando o critério material das normas de proteção, todas pressupõem a
incapacidade como critério material. Assim, ficar incapacitado, para os segurados,
representa a realização do critério material das hipóteses de incidência da norma de
proteção.
Nesse sentido explica Berbel81 que a doença, a morte, o acidente, a invalidez, a
maternidade não podem ser qualificados como critério material da norma jurídica de
proteção, pois esses institutos constituem apenas a origem do fato jurídico. O fato jurídico
é a situação jurídica de “incapacidade laboral”, sendo irrelevante para a configuração do
critério material a sua origem.
Assim, para a concessão de aposentadoria a norma prevê algum tipo de
incapacidade real ou presumida, sendo que a incapacidade real será comprovada através de
perícia médica enquanto que, nas demais espécies de aposentadoria, ela é presumida
através da idade ou do tempo serviço comum ou especial.
No auxílio-doença a incapacidade é a mesma da aposentadoria invalidez, porém,
enquanto que no auxílio-doença a incapacidade tem natureza provisória e por tempo
determinado, na aposentadoria por invalidez, o diferencial da incapacidade, ainda que
provisória, está na indeterminação da sua duração.
No salário-maternidade, tem-se uma incapacidade laboral total presumida da
segurada que acaba de dar à luz, sendo a duração dessa incapacidade já predeterminada por
lei.
Nas prestações em que os beneficiários são os dependentes, ou seja, pensão por
morte e auxílio-reclusão, ocorre a presunção da incapacidade dos dependentes. É por isso
que o fator gerador da pensão por morte não é a morte de segurado, mas a morte de
segurado que deixa dependente, sendo a dependência da classe I presumida, enquanto que
para os dependentes das classes II e III deverá ser comprovada82.
No auxílio-acidente, temos a incapacidade relativa ou redução da capacidade
laborativa. Em todos, podemos atribuir o Risco Social como fato gerador da proteção
social, fato descrito no aspecto material da hipótese de incidência das normas de proteção
previdenciária.
81 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 199. 82 Vide art. 16 da Lei 8.213/91.
89
No seguro-desemprego, a incapacidade entendida como a perda da capacidade de
ganho evidencia o risco protegido, ainda que essa perda seja por condições estruturais,
socioeconômicas, ou seja, uma incapacidade presumida do segurado.
Conclui-se que o Risco Social, este entendido como incapacidade laboral lato
sensu, isto é, não só a incapacidade para o trabalho, mas também a perda da capacidade de
ganho, assim como representa o critério material da norma de proteção previdenciária.
90
5 RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA
5.1 Relação jurídica previdenciária de proteção no regime geral de Previdência Social
Aurora Tomazini de Carvalho1 destaca que relação jurídica pode ser tomada em
sentido amplo para se referir as possíveis formas de combinar a multiplicidade de sujeitos,
normas e efeitos que compõem o fenômeno jurídico. Contudo, interessa-nos a definição de
relação jurídica, em sentido estrito, como
o vínculo abstrato segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação, sendo que esta última tem o dever jurídico de adimpli-la. Tal vínculo é constituído no consequente de normas individuais, produzidas no processo de aplicação do direito. Dizemos que é abstrato para reforçar o fato de o vínculo não existir empiricamente (enquanto dado bruto). Trata-se de uma construção proposicional, identificada com a formalização (abstração lógica) da linguagem veiculada pelo ato de aplicação.
Como adverte Berbel2, a norma jurídica é o elemento basilar da relação jurídica e,
sob o esquema da lógica dos predicados poliádicos, a relação jurídica é sempre irreflexiva,
pois, como ensina Paulo de Barros Carvalho3, hipótese genuína de relação irreflexiva é a
jurídica, dado que ninguém pode estar juridicamente em relação consigo próprio. O direito
pressupõe, inexoravelmente, dois sujeitos distintos, no mínimo, como imperativo de sua
fundamental bilateralidade.
Ainda sob o enfoque da Teoria das Relações, Paulo de Barros Carvalho4 enfatiza
que a relação jurídica, além de irreflexiva, é assimétrica e conversa, pois ter direito a,
seu converso é ter a obrigação de. Sendo assim, a concessão de direito subjetivo ao sujeito
ativo importa na imputação de um determinado dever ao sujeito passivo.
No que se refere ao aspecto de transitividade, as relações jurídicas podem ser
transitivas ou intransitivas, de acordo com os interesses políticos inerentes às prescrições
normativas5, lembrando que há transitividade quando x está em relação com y e está em
1 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., p. 556. 2 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 21. 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 104. 4 Idem, ibidem, p. 540. 5 CARVALHO, Aurora Tomazini de, op. cit., 2009, p. 587.
91
relação com z, porque y está em relação com z, e intransitividade, quando, apesar de y
estar em relação com z e x estar em relação com y, não existe relação entre x e z. Contudo,
Lourival Vilanova6 adverte que:
A lógica só decide se há relação, se a relação é simetria ou assimétrica (A é causa de B, mas B não é causa de A), se há transitividade (quanto B assume a posição de causa de C), se A tem relação consigo mesmo – reflexividade (A causa de A ou, A R A). Se há transitividade, o sistema causal tem continuidade e fechamento. Mas onde há sistema fechado, não o decide a lógica. É um problema empírico e gnoseológico.
Existem vários critérios de classificação das relações jurídicas7. Contudo, segundo
Berbel8, considera-se que na relação jurídica há componentes internos e externos, para
classificar a relação jurídica interessa os elementos internos: o direito subjetivo e o dever
jurídico, visto serem esses fenômenos jurídicos exclusivos da relação jurídica. Sob esse
enfoque, a relação jurídica previdenciária é analisada a partir das Teorias Escicionista e
Unitária, como se verá a seguir.
5.2 Teoria Unitária da Relação Jurídica Previdenciária
A Teoria Unitária ou da bilateralidade alicerça sua doutrina na defesa da
sinalagmaticidade9. A relação jurídica de seguro social, destarte, seria única e bilateral,
amparando, simultaneamente, direito e deveres em face das prestações e contribuições10.
Para Marly Cardone11, a relação jurídica previdenciária é complexa e unitária:
Preferimos, portanto, designar o fenômeno como uma relação jurídica complexa, apoiados, especialmente, nos seguintes argumentos da corrente unitarista: a. o nascimento do direito às prestações e a obrigação de contribuição estão baseados num único e mesmo fato: o contrato de
6 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 5. 7 As relações jurídicas podem ser classificadas de inúmeras formas de acordo com os vários critérios possíveis, como, por exemplo: patrimoniais ou não patrimoniais; principais ou acessórias; materiais ou processuais etc. 8 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 28. 9 NEVES, Ilídio. Direito da Segurança Social, op. cit., p. 303: “Sinalagmatismo, consiste, em termos gerais, na correspectividade e mútua interdependência de direitos e obrigações, traduz um princípio comutativista ou contratualista, típica da relação jurídica de seguro”. 10 BERBEL. Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 145. 11 CARDONE, Marly Antonieta. Seguro Social e contrato de trabalho: contribuição ao estudo de suas principais relações. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 44.
92
trabalho; b. o entrelaçamento dos quatro sujeitos, empregado, empregador, Estado e órgão previdencial tende a um único fim: a cobertura das contingencias que atingem o trabalhador.
A Teoria Unitária tem como premissa um evento, porém o mesmo evento pode dar
ensejo a inúmeros fatos e relações jurídicas, porque, como explica Paulo de Barros
Carvalho12,
O direito cria suas próprias realidades, não estando condicionado a atender, como foros de obrigatoriedade, à natureza das relações contidas no plano sobre o qual incide. As fórmulas e esquemas que constrói independem do fenômeno real que organiza, contingência que explica disposições jurídicas que não só prescindem de vínculos subjacentes, como até chegam a assumir feição indisfarçavelmente antagônica
Segundo Hermens de Arrais Alencar13, a Teoria Unitária atribui direto à percepção
de benefícios do RGPS àqueles que se revestem da situação jurídica de contribuintes,
fundamento sua aplicabilidade no art. 201 da Constituição Federal:
Diante do caráter contributivo exigido constitucionalmente (art. 201), apenas podem se valer de benefícios os que mantenham a regularidade contributiva ao subsistema da Previdência. Trata-se de uma relação uma, indissociável, contemplando na posição de domínio e contradomínio, a um só tempo, o ente público, com direito subjetivo a exigir tributo do sujeito passivo, e o segurado, como direito subjetivo a benefícios e serviços em face do INSS. Em virtude do sinalagma inerente à teoria unitária, obstada a via contributiva (dever), resta inviabilizada a proteção previdenciária (direitos).
Para o referido autor14, a Teoria Unitária justifica relação jurídica previdenciária
dos contribuintes individuais e do segurado facultativo, cuja percepção do benefício
dependeria do regular recolhimento das contribuições previdenciárias, enquanto que a
teoria Escisionista é, de forma nítida, aplicada em dois institutos, a saber: automaticidade
das prestações e período de graça.
12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, op. cit., p. 831. 13 ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 4. ed. rev. atual. com obediência às leis especiais e gerais. São Paulo: Liv. Ed. Universitária de Direito, 2009, p. 193. 14 ALENCAR, Hermes Arrais, op. cit., 2009, p. 194.
93
Contudo, como leciona Mattia Persiani15, essa concepção da relação da jurídica
como unitária estava ligada à estrutura contratual, ao mecanismo de seguro e à ideologia,
que deram origem à Previdência Social, atribuindo ao nexo entre a obrigação contributiva e
a obrigação de conceder prestações, uma relação de mera instrumentalidade.
Para Berbel16, a relação jurídica previdenciária carece de sinalagmaticidade, pois a
efetivação da proteção previdenciária não guarda liame com a satisfação do dever de
contribuir. A hipótese que gera a proteção previdenciária não se constitui em
adimplemento contributivo, mas em ocorrência da contingência social.
5.3 Teoria Escisionista da Relação Jurídica Previdenciária A Teoria Escisionista, como leciona Berbel17, defende a multiplicidade e a
unilateralidade das relações jurídicas previdenciárias, pois, nesta compreensão, as relações
jurídicas seriam unilaterais e autônomas.
O fundamento da Teoria Escisionista está na negação da bilateralidade, tendo em
vista que esta pressupõe a concessão simultânea de direito e deveres aos sujeitos que
compõem a relação jurídica, o que não ocorre nas relações previdenciárias, pois, como
explica Berbel18, o dever de contribuir necessariamente não nasce no mesmo momento
temporal do direito à prestação.
Para fundamentar a ausência de bilateralidade, a Teoria Escisionista destaca a
distinção de sujeitos jurídicos, de maneira que as relações jurídicas de custeio e proteção
são autônomas porque os sujeitos jurídicos são distintos.
Berbel19 sustenta ainda a ausência de sinalagmaticade genética e funcional nas
relações jurídico-previdenciárias, destacando que a diferença entre as duas espécies de
sinalagmaticidade não está no critério substancial, pois, enquanto que na primeira espécie a
vinculação entre o direito subjetivo e o dever jurídico nasce no mesmo momento (critério
temporal), e a partir do mesmo fato jurídico, na segunda espécie, a correspectividade,
torna-se presente somente na execução das obrigações.
15 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 85. 16 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 150. 17 Idem, ibidem, p. 141. 18Idem, ibidem, p. 142. 19 Idem, ibidem, p. 147-148.
94
Assim, enquanto a Teoria Unitária carece de um dos elementos essenciais para sua
aplicação, verificado por Berbel, qual seja, ausência de sinalagmaticidade, a Teoria
Escisionista, por sua vez, nada mais é que senão a própria relação jurídica previdenciária
de proteção isoladamente considerada. Contudo, o direito não se realiza senão através de
forma de Sistema. Assim, o sistema de custeio está ligado ao sistema de proteção. Cada um
não pode ser isoladamente considerado, de maneira que, ao contrário do que afirma Berbel,
resiste um sinalagma funcional entre as contribuições, a concessão e o valor das prestações
previdenciárias.
Mattia Persiani20 destaca que o pagamento das contribuições previdenciárias
constitui, nesses casos, um elemento da hipótese de cujo complemento deriva, como efeito
jurídico, o surgimento do direito às prestações previdenciárias, ressalvando, contudo, que a
função da contribuição é diferente da função do prêmio do seguro privado.
Também nesse sentido, Cardone21 já ressalvava a posição Barassi, que sustentava a
existência de duas relações jurídicas:
Uma entre o sujeito protegido e o órgão previdencial e outra entre contribuinte – o empregador – e o mesmo órgão. Alega que, tratando-se de sujeitos diferentes, diferentes devem ser as relações jurídicas. Não nega, porém, a estreita ligação de ambas as relações jurídica, vistos que as contribuições possibilitam a concessão de prestações.
Sob este aspecto, ressalta Paulo de Barros Carvalho22 que o mesmo fato social pode
sofrer tantos cortes jurídico-conceptuais quanto o desejar a autoridade que legisla, dando
ensejo à incidência de normas jurídicas diferentes, bem como Lourival Vilanova23
confirma que, “se há várias relações jurídicas, força é convir que há várias normas
incidentes no fato-suporte dessas relações”.
Com isso, quer demonstrar-se que o dever de contribuir decorre de uma norma
jurídica cuja eficácia irradia efeitos jurídicos sobre a norma jurídica de proteção. Desse
modo, a eficácia da norma de proteção jurídica está diretamente relacionada com a norma
jurídica, que prevê a obrigação de contribuir, não obstante sejam duas relações jurídicas
distintas, com sujeitos e objetos próprios.
20 PERSIANI, Mattia, op. cit., 2009, p. 89. 21 CARDONE, Marly A., op. cit., 1973, p. 42. 22 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário, Linguagem e Método, op. cit., p. 114. 23 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito, op. cit., p. 116.
95
Em linguagem formalizada, podemos dizer que a relação jurídica de proteção está
incluída na relação jurídica de contribuição, e instaura-se a primeira entre dois indivíduos,
se, e somente se, a segunda, inevitavelmente, também ocorrer. São os vínculos de
coordenação e subordinação que permeiam todo o sistema.
Partindo da premissa que a Teoria Escisionista tem como pressuposto a autonomia
jurídica da norma de proteção, sua aplicabilidade fica comprometida em decorrência da
transitividade da relação entre os sujeitos da norma de proteção e da norma de
contribuição, que, como visto, decorrem de interesse interesses políticos inerentes às
prescrições normativas.
O modelo de Previdência Social adotado no Brasil sempre se baseou no modelo
contributivo, de maneira que tempo de serviço, via de regra, também sempre foi
acompanhado da respectiva contribuição, excetuando-se determinados períodos por
interesses político ou social, como, por exemplo, o tempo de exercício militar, ou mesmo
para estimular a educação e a aprendizagem industrial, revelando que o tempo de serviço
desacompanhado das respectivas contribuições (com exceção da situação do segurado
empregado em razão do princípio da automaticidade das contribuições) não é suficiente
para dar ensejo à proteção previdenciária.
Se havia dúvida sobre essa opção, ou seja, da vinculação entre o dever de
contribuição e o direito à prestação previdenciária, essa se dissipou após a chamada
“Reforma da Previdência” através da Emenda 20/98, que deu nova redação ao artigo 201
da Constituição Federal, além de confirmar a natureza contributiva do Regime Geral de
Previdência Social passou a impor o equilíbrio financeiro e atuarial ao sistema:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Nova redação dada pela EC nº 20, de 1998)
96
Ressalve-se, mais uma vez, que não se está negando a natureza autônoma das
relações jurídicas de custeio e proteção, mas que há relações entre relações jurídicas, ou
seja, há uma reciprocidade entre as relações.
5.4 Objeto da relação jurídica de Proteção Previdenciária
Fabio Lopes Vilela Berbel24 destaca que vários são os fenômenos que podem
constituir objeto do direito. Todavia, essa qualidade está condicionada à valoração desse
fenômeno, pois o objeto do direito, inexoravelmente, está adstrito à ideia de valor.
O objeto da relação jurídica previdenciária é a prestação previdenciária, que, como
visto no capítulo anterior, tem por escopo sanear o dano gerado pela concretização do
Risco Social, ou seja, a incapacidade laboral.
Nos termos do art. 18 da Lei 8.2123/91, o Regime Geral de Previdência Social
compreende as seguintes prestações, devidas, inclusive, em razão de eventos decorrentes
de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:
I – quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição;
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II – quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
III – quanto ao segurado e dependente:
a) serviço social;
b) reabilitação profissional.
24 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 57.
97
Integra ainda o quadro acima de prestações previdenciárias o seguro-desemprego,
lembrando que, para Wagner Balera25, todas as prestações exigem, para a respectiva
concessão, a observância dos seguintes requisitos comuns: a) constatação dos riscos que
geram necessidades ou meios indispensáveis à superação de tais necessidades; e b)
cumprimento dos requisitos formais exigidos pelo plano previdenciário.
Nesse sentido, a referida afirmação vem confirmar a natureza complexa da prova a
ser realizada com o objetivo de constituir a relação jurídica previdenciária de proteção,
pois, além de comprovar o Risco Social, o segurado deverá fazer prova de requisitos
formais, dentre os quais se destacam a prova de filiação, qualidade de segurado, carência e
tempo de serviço ou contribuição, os chamados requisitos gerais, como se verá no capítulo
seguinte.
5.5 Sujeito Ativo e Passivo
A relação jurídica está adstrita à dos sujeitos jurídicos. O sujeito ativo na relação
jurídica previdenciária de proteção é aquele que pode exigir o cumprimento da prestação
previdenciária.
Segundo Berbel26, os sujeitos ativos da relação jurídica de proteção podem ser
divididos em três espécies: a) filiado direito; b) ex-filiado direito; e c) filiado indireto,
enquanto que o sujeito passivo, por força do princípio da descentralização, vemos que a
União transfere a outros entes sociais a capacidade de concessão das prestações:
O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS é o principal ente substituidor da União na relação jurídica de proteção, pois se constitui em sujeito passivo da maioria das relações de proteção. Esse instituto organiza-se na forma de autarquia federal, entidade pública personificada, híbrida de fundação e corporação , com características de um e de outro. A natureza jurídica do INSS ao mesmo tempo que lhe concede autonomia, vincula-lhe ao ente federal, por se este responsável por sua insuficiência27.
25 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 4, ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 56. 26 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 219. 27 Idem, ibidem, p. 226.
98
Contudo, o INSS não é único a figurar no polo passivo da relação jurídica. Outras
pessoas podem assumir essa condição, como prevê o artigo 117 da Lei 8.213/91, ou, ainda,
há casos em que a norma jurídica atribui ao empregador a obrigação de pagar a prestação,
como o salário-maternidade e o salário-família.
Em relação ao Seguro-desemprego, que não obstante tenha natureza jurídica de
prestação previdenciária, nos termos do art. 201 da Constituição Federal, seu pagamento é
realizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego através da Caixa Econômica Federal.
Ladenthin28 ao analisar a Aposentadoria Compulsória, destaca uma exceção à regra
geral afirmando que é possível considerar como integrante da relação jurídica de proteção
da aposentadoria compulsória uma terceira pessoa, o empregador. Todavia, discorda-se de
Ladenthin, pois, na verdade, trata-se de outra relação jurídica e de outro objeto, pois, como
visto no item que trata da relação jurídica, sobre o mesmo fato social pode ocorrer a
incidência de normas jurídicas diferentes.
5.6 Extinção da relação jurídica de proteção
Extingue-se a relação jurídica de proteção entre o RGPS e o segurado com a morte
do segurado ou pela perda da qualidade de segurado, sem que tenham preenchido os
requisitos para a concessão de qualquer dos benefícios previstos na Lei 8.213/91.
Não obstante a filiação do dependente seja indireta, com a morte real ou presumida
do segurado, surge uma nova relação jurídica entre o dependente e o RGPS, e,
principalmente, a morte do ex-segurado não dá direito à pensão por morte, salvo na
hipótese do direito adquirido, que é o que se compreende da redação do artigo 102 da Lei
8.213/91:
Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) § 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos. .(Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997) § 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na forma do parágrafo anterior. .(Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)
28 LADETHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria por Idade. Curitiba: Juruá, 2009, p. 145.
99
Todavia, a partir da Lei 10.666/2001, a perda da qualidade de segurado não obsta a
concessão das aposentadorias por idade, desde que preenchidos os requisitos etário e da
carência, o que revela que, em relação à aposentadoria por idade, a extinção da relação
jurídica entre o segurado e o RGPS só ocorre com a morte do segurado, enquanto que, para
os demais benefícios, a perda da qualidade de segurado importa na extinção da relação
jurídica.
100
6 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA
SOCIAL – REQUISITOS GERAIS
6.1 Prova de filiação
Como destaca Daniel Pulino1 na Previdência Social, são protegidos sujeitos
específicos e disso decorre a necessidade de, em primeiro lugar, demarcar-se o quadro de
beneficiários, que, potencialmente, receberão as prestações.
A obrigatoriedade da filiação, segundo Horvath Jr2, é um princípio fundamental e
técnico da Previdência Social, fundamentandando-se na necessidade do cálculo atuarial e
do caráter cogente da relação jurídica previdenciária em relação ao segurados que
desenvolvem relação de trabalho.
A filiação, segundo Fabio Lopes Vilela Berbel3, com exceção do facultativo, não
decorre da vontade do filiado, mas da imputação normativa. Para o referido autor, estamos
diante de uma situação jurídica cuja implicação não resultaria em nenhum direito
subjetivo.
Contudo, discorda Berbel, na medida em que a filiação se enquadra como relação
jurídica, uma vez que a filiação obrigatória decorre de uma imputação normativa, dado o
fato de exercer trabalho remunerado, e não estar vinculado a um regime próprio de
previdência, então deve-se ser filiado ao regime geral de Previdenciária Social, ou seja,
temos uma relação jurídica na qual temos delimitados tanto os sujeitos ativo e passivo da
relação jurídica quanto o objeto, o ser filiado.
Berbel4 classifica a filiação em direta e indireta, sendo filiado direito aquele que
pratica o fato tipo da filiação, e, por conseguinte, vincula-se à Previdência Social, enquanto
que a filiação indireta decorre do vínculo entre a previdência e o dependente do segurado,
de maneira que a filiação direta é pressuposto da filiação indireta.
Para o segurado facultativo, a filiação surge diretamente de uma relação jurídica em
sentido estrito, uma vez que dado o fato de deter capacidade laborativa, mas não exercê-la
e recolher contribuição social, então deve ser filiado facultativo do RGPS, na medida em
que só pode ser filiado ao sistema não só aquele que pratica o fato gerador – trabalho –, 1 PULINO, Daniel, op. cit., 2001, p. 35. 2 HORVATH JR., Miguel, op. cit., 2008, p. 76. 3 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 153. 4 Idem, ibidem, p. 154 e 219.
101
mas aquele que pode vir a exercê-lo, assim, aquele que não detém a capacidade laborativa
não pode ingressar no sistema, sendo sua filiação nula.
Para Miguel Horvath Jr5, filiação é a relação jurídica estabelecida entre segurado e
o órgão previdenciário. É o vínculo que se estabelece entre pessoas que contribuem para o
Regime Geral de Previdência Social, decorrendo deste vínculo direitos e obrigações entre o
segurado e entidade gestora da previdência social.
Para o referido autor, em decorrência do princípio da universalidade da cobertura e
do atendimento, o sistema previdenciário admite segurados obrigatórios e facultativos.
Para Miguel Horvath Jr6, a filiação decorre, automaticamente, do exercício da
atividade remunerada para o segurado obrigatório. Contudo, a partir dos pressupostos do
Constructivismo Lógico-Semântico, estabeleceu-se como premissa de que os fatos do
mundo social não ingressam diretamente no mundo do jurídico de maneira que não se pode
atribuir a um fato social consequências jurídicas. O fato social ingressa pela porta aberta da
hipótese, desde que formalizado na linguagem competente.
O exercício da atividade remunerada é o evento produzido no mundo social e, para
ingressar no mundo jurídico, há que se produzir a prova, isto é, o fato jurídico em sentido
amplo, através das marcas deixadas pelo evento, fazendo surgir no direito o fato jurídico
em sentido estrito: a filiação para o segurado obrigatório, de maneira que a linguagem
formalizada, ou seja, a prova, é indispensável para fazer surgir a relação jurídica
previdenciária qualificada como filiação.
Em relação à filiação do segurado facultativo, a formalização do ato vem
expressamente consignada no texto da lei, levando a crer que seria a própria formalização,
o que diferencia a filiação do segurado facultativo da filiação do segurado obrigatório.
Contudo, ambas dependem de formalização para ingressarem no mundo jurídico,
diferenciando-se na origem quanto ao evento, e produzindo, consequentemente, diferentes
fatos jurídicos em sentido amplo, assim como diversos meios de prova aptos a constituir o
fato jurídico em sentido estrito – prova do efetivo exercício do trabalho para a filiação do
segurado obrigatório e prova da efetiva contribuição e capacidade de trabalho para a
filiação do facultativo.
Lembrando mais uma vez que formalizar, nesse contexto, significa construir as
normas individuais e concretas. Falar em linguagem competente e em formalização é 5 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 176. 6 Idem, ibidem.
102
verter a concretude existencial em construção linguística do fato jurídico e respectivas
relações jurídicas, ou seja, requer a linguagem das provas.
Da análise do instituto da filiação sob a ótica do Constructivismo Lógico-
Semântico, podemos concluir que a obrigatoriedade de filiação não implica em
automaticidade da incidência da norma, o que não se confunde com a aplicabilidade do
princípio da automaticidade das contribuições, que se aplica através do mecanismo da
presunção; contudo, antes há que se fazer a prova da filiação.
Comprova a filiação na qualidade de segurado empregado nos termos do inc. I do
art. 11 da Lei 8.213/91. O destinatário da prova fará incidir o princípio da automaticidade
das contribuições, independentemente do efetivo recolhimento das contribuições, por força
da disposição legal.
Para o segurado facultativo, a contribuição é um requisito que será verificado
quando estabelecida a relação de jurídica de benefício. Nesse momento, será verificada se
a contribuição e a filiação ocorreram sucessivamente, sendo que a filiação nasce da
contribuição, e não o contrário. Nesse sentido, também se verifica que as contribuições
sociais vertidas pelo facultativo não têm natureza jurídica de tributo, pois lhes falta a
compulsoriedade. O predicado que une o sujeito passivo é a facultatividade. No operador
deôntico, atua o modal da permissão, sendo que nas relações jurídicas tributárias sempre
teremos uma obrigação.
Não se estabelece uma relação jurídica de custeio entre o segurado facultativo e o
órgão responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança da contribuição social, na
medida em que o sujeito ativo da contribuição social do facultativo não tem o direito
subjetivo de cobrar as contribuições do segurado facultativo.
A relação só nasce enquanto relação de benefício. É no momento da concessão que
serão verificados os requisitos e, então, podemos falar que a contribuição vai integrar a
norma de benefício enquanto qualidade do sujeito ativo. Não é qualquer segurado
facultativo que pode exigir o cumprimento da obrigação, mas sim aquele que contribuiu
para a Seguridade Social. Assim, para o segurado facultativo, sempre há que fazer a prova
das contribuições, então conclui-se que, enquanto o segurado obrigatório contribui porque
é filiado, o segurado facultativo é filiado porque contribui.
A prova da filiação do segurado facultativo é o pagamento da contribuição social,
enquanto que inúmeros fatos jurídicos podem resultar na filiação do segurado obrigatório.
103
Para o segurado obrigatório empregado, em decorrência do princípio da
automaticidade das contribuições, há de provar a existência do contrato de trabalho,
servindo, para tanto, como meio de prova as anotações na Carteira de Trabalho e
Previdência Social. Nesse sentido, também corrobora o enunciado 12, do TST, que dispõe:
TST Enunciado nº 12 - Anotações – Empregador - Carteira Profissional – Jure et de Jure – Juris Tantum As anotações apostas pelo empregador na Carteira Profissional do empregado não geram presunção jure et de jure, mas apenas juris tantum7.
Outro meio de prova documental muito utilizada são as informações constantes nos
bancos de dados que alimentam o Cadastro Nacional das Informações Sociais (CNIS) e
Fundo de Garantia por tempo de serviço, sendo que os dados do CNIS servem
especialmente para comprovação da filiação nos termos da redação atual do artigo 29-A da
Lei 8.213/91.
Como enfatiza Horvath Jr.8, havendo discordância acerca dos dados constantes do
CNIS, o segurado poderá, a qualquer momento, solicitar a retificação das informações,
desde que apresente documentos comprobatórios sobre o período divergente, em
conformidade com a redação do parágrafo 2º ao 5º do mesmo artigo 29-A:
§ 2o O segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação de informações constantes do CNIS, com a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes, conforme critérios definidos pelo INSS. Alterado pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 § 3o A aceitação de informações relativas a vínculos e remunerações inseridas extemporaneamente no CNIS, inclusive retificações de informações anteriormente inseridas, fica condicionada à comprovação dos dados ou das divergências apontadas, conforme critérios definidos em regulamento. Acrescido pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 § 4o Considera-se extemporânea a inserção de dados decorrentes de documento inicial ou de retificação de dados anteriormente informados, quando o documento ou a retificação, ou a informação retificadora,
7RA 28/1969, DO-GB 21.08.1969 – Mantida – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 - Referências: - Art. 29, Anotações - Identificação Profissional - Normas Gerais de Tutela do Trabalho, Art. 447 e Art. 456, Disposições Gerais - Contrato Individual de Trabalho - CLT - obs.dji: Anotações da Carteira de Trabalho e Previdência Social; Carteira de Trabalho e Previdência Social; Empregado (s); Empregador; Jure et de Jure; Juris Tantum; Presunção. 8 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 192,
104
forem apresentados após os prazos estabelecidos em regulamento. Acrescido pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006 § 5o Havendo dúvida sobre a regularidade do vínculo incluído no CNIS e inexistência de informações sobre remunerações e contribuições, o INSS exigirá a apresentação dos documentos que serviram de base à anotação, sob pena de exclusão do período. Acrescido pela Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006
Todo esse aparato jurídico, não obstante sua larga utilização para os segurados
urbanos em geral, mostrava-se extremamente deficitário quando o tema era o segurado
especial, em decorrência da natureza da sua vinculação ao sistema, ou seja, para o
segurado especial, na grande maioria das vezes, a prova do efetivo exercício da atividade
só lhe era requerida no momento da concessão do benefício. Contudo, a Lei 11.718/2008
criou uma espécie de “CNIS RURAL” com a introdução do artigo 38-A na Lei 8.213/91:
Art. 38-A. O Ministério da Previdência Social desenvolverá programa de cadastramento dos segurados especiais, observado o disposto nos §§ 4o e 5o do art. 17 desta Lei, podendo para tanto firmar convênio com órgãos federais, estaduais ou do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com entidades de classe, em especial as respectivas confederações ou federações. Incluído pela LEI Nº 11.718 – DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 § 1o O programa de que trata o caput deste artigo deverá prever a manutenção e a atualização anual do cadastro, e as informações nele contidas não dispensam a apresentação dos documentos previstos no art. 106 desta Lei. Incluído pela LEI Nº 11.718 – DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008
Esse cadastramento dos segurados especiais busca sanar uma lacuna no sistema,
uma vez que, para o segurado especial, a filiação se dá mediante a prova do efetivo
exercício da atividade rural.
6.2 Prova da qualidade de segurado ou ex-segurado
Segundo Cristiane Miziara Mussi,9, para a aquisição da qualidade de segurado, é
preciso que ocorra a inscrição e filiação do segurado na previdência social. Somente a
9 MUSSI, Cristiane Miziara, Os efeitos jurídicos do recebimento dos benefícios previdenciários no contrato de trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 88.
105
partir da filiação e da inscrição do trabalhador no Instituto Nacional do Seguro
Social é que aparece a figura do segurado.
Assim, a qualidade de segurado surge a partir de ato administrativo interno do
Instituto Nacional do Seguro Social através do reconhecimento da filiação e da inscrição.
Através da inscrição, que pode ser levada a efeito através dos meios eletrônicos10,
os segurados sãos identificados pelo número do NIT – Número de Identificação do
Trabalhador, ou através do número do cadastro nos programas do PIS/PASEP.
A filiação, como visto anteriormente, pode ser classificada como obrigatória e
facultativa. O grupo dos segurados obrigatórios, por sua vez, divide-se em: (i) empregado;
(ii) empregado doméstico; (iii) trabalhador avulso; (iv) contribuinte individual; e (v)
segurado especial.
Para o segurado empregado, a inscrição é formalizada pelo empregador através dos
lançamentos da GFIP – Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia e Informações à
Previdência Social, tendo, assim, dupla finalidade: a) serve como guia de recolhimento
para o FGTS; e b) documento de declaração de dados para a Previdência Social.
A GFIP na forma instituída pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997,
estabeleceu também a obrigatoriedade dos contribuintes informarem mensalmente ao INSS
os dados relacionados aos fatos geradores de contribuição previdenciária e outras
informações de interesse da Previdência Social. A confecção da GFIP tornou-se obrigatória
a partir da competência janeiro de 1999, para prestar informações à Previdência Social,
devendo ser apresentada mensalmente, independentemente do efetivo recolhimento ao
FGTS ou das contribuições previdenciárias, quando houver.
Para o empregado doméstico a inscrição se comprova através do registro na CTPS
– Carteira de Trabalho e Previdência Social, enquanto que, para o trabalhador avulso, a
inscrição é formalizada através do cadastro e registro no Órgão Gestor de Mão de Obra ou
no sindicato.
O contribuinte individual, segurado facultativo e o segurado especial devem
requerer sua inscrição diretamente junto ao Instituto Nacional de Seguro Social, sendo que
a inscrição do segurado especial inclui o grupo familiar, conforme dispõe o parágrafo 4º do
artigo 17 da Lei 8.213/91:
10 A inscrição pode ser feita diretamente no site oficial da previdência social: www.mps.gov.br.
106
§ 4o A inscrição do segurado especial será feita de forma a vinculá-lo ao seu respectivo grupo familiar e conterá, além das informações pessoais, a identificação da propriedade em que desenvolve a atividade e a que título, se nela reside ou o Município onde reside e, quando for o caso, a identificação e inscrição da pessoa responsável pela unidade familiar. Incluído pela LEI Nº 11.718 – DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 § 5o O segurado especial integrante de grupo familiar que não seja proprietário ou dono do imóvel rural em que desenvolve sua atividade deverá informar, no ato da inscrição, conforme o caso, o nome do parceiro ou meeiro outorgante, arrendador, comodante ou assemelhado. Incluído pela LEI Nº 11.718 – DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 § 6o Simultaneamente com a inscrição do segurado especial, será atribuído ao grupo familiar número de Cadastro Específico do INSS – CEI, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias. Incluído pela LEI Nº 11.718 – DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008
Na categoria de segurado especial, estão incluídos: (i) o produtor rural lato sensu,
(ii) o parceiro rural, (iii) o meeiro rural; (iv) o comodatário rural; (v) o arrendatário rural; e
(vi) o pescador artesanal e os eles assemelhados.
Como leciona Marcel Cordeiro11, também são segurados especiais os respectivos
cônjuges ou companheiros desses trabalhadores, bem como os filhos maiores de 16 anos,
ou a eles equiparados, desde que trabalhem comprovadamente, com o grupo familiar
respectivo e mais:
Esses trabalhadores devem exercer suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros. O regime de economia familiar, por seu turno, evidencia-se quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
A qualidade de segurado ou ex-segurado é requisito para a concessão de qualquer
benefício previdenciário, seja aquele concedido em favor do próprio segurado ou em favor
dos dependentes do segurado.
Interessa comprovar a qualidade de ex-segurado, especialmente para a concessão
das aposentadorias por idade, especial e por tempo de contribuição. Dessas três espécies de
benefícios, as aposentadorias por tempo de contribuição e especial estão diretamente
ligadas ao instituto do Direito adquirido, Já a aposentadoria por idade, com a edição da Lei
11 CORDEIRO, Marcel. Previdência Social Rural, Campinas, SP: Millennium Editora, 2008, p. 163.
107
10.666 de 10 de dezembro de 2003, ficou garantida ao ex-segurado a concessão mediante o
preenchimento dos requisitos de forma não concomitante, questão que será mais bem
analisada quando verificados os requisitos específicos da aposentadoria por idade.
A aquisição da qualidade de segurado decorre da filiação e depende da
formalização para a incidência da norma de filiação, assim como a perda e manutenção da
qualidade de segurado também decorre da incidência, ou seja, a aplicação dos enunciados
contidos no artigo 15 da Lei 8.213/91, que, por sua vez, requerem uma série de produção
de provas específicas, de maneira que, para o gestor do RGPS, negar a concessão do
benefício sob o fundamento da perda da qualidade de segurado, também se faz necessária a
produção de prova.
Não obstante, não basta a qualidade de segurado para a fruição de todo e qualquer
benefício previdenciário, sendo a qualidade de segurado um requisito geral, cabendo ao
segurado fazer a prova dos requisitos específicos para cada tipo de benefício, como será
visto no capítulo seguinte.
Mais complexa é a manutenção da qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da
Lei 8.213/91, pois, além da filiação, mantém a qualidade a segurando durante determinadas
situações. Mesmo sem a incidência da norma de filiação, é chamado “período de graça”
que se verá a seguir.
6.3 Prova da situação de desemprego e o “período de graça” Interessa ao sistema também a manutenção da qualidade de segurado, ainda que
cessado o fato gerador da filiação.
Dessa maneira, o sistema criou uma série de regras conhecidas como “período de
graça”, isto é, um período em que, mesmo que o segurado deixe de praticar o fato gerador
da qualidade de segurado e, consequentemente, de recolher as contribuições sociais, tem
garantido, por um determinado prazo, a qualidade de segurado e todos os direitos a ela
inerentes. Essas regras estão previstas no artigo 15 da Lei 8.213/91:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
108
II – até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração12; III – até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória; IV – até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V – até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI – até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social13. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
A denominação “período de graça”, cunhada na doutrina e na jurisprudência, não
escapa à crítica. Evidentemente que “de graça” não existe qualquer benefício ou prestação
previdenciária no sistema baseado na contributividade e no equilíbrio financeiro e atuarial.
Trata-se, na verdade, de simples cobertura previdenciária, atuarialmente prevista no
sistema.
Para Berbel14, a concessão da prestação previdenciária importa na alteração da
situação jurídica do segurado. A partir desse momento temporal, o segurado é visto como
beneficiário. Todavia, nos termos do inc. I do art. 15, mantém a qualidade de segurado
durante o período de recebimento de benefício previdenciário, portanto não se trata de
12 A Medida Provisória nº 1.709-4, de 27.11.1998, reeditada até a de nº 2.164-41, de 24.8.2001, em vigor em função do disposto no Art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 11.9.2001, assegura a qualidade de segurado aos empregados ali mencionados, nos seguintes termos: “Art. 11. Ao empregado com contrato de trabalho suspenso nos termos do disposto no Art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT aplica-se o disposto no Art. 15, inciso II, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991”. 13 Atualmente, Ministério do Trabalho e Emprego. Denominação instituída pela Medida Provisória nº 1.795, de 1º.1.1999, reeditada até a de nº 2.216-37, de 31.8.2001, posteriormente transformada na Medida Provisória nº 103, de 1º.1.2003, convertida na Lei nº 10.683, de 28.5.2003. 14 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit. 2005, p. 243.
109
alteração, mas de cumulação de vínculos, ou seja, surge mais uma relação jurídica, entre
beneficiário e o gestor do RGPS, ao mesmo que se mantém a relação de filiação.
Por outro lado, também interessa ao sistema, a prova do desemprego, uma vez que
este também representa um Risco Social. Assim, o parágrafo 2º do art. 15 da Lei 8.213/91
estende a qualidade de segurado por mais 12 meses.
Neste caso, o segurado deve fazer a prova da situação de desemprego através do
registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Emprego, ou como vem sendo
admitido pelos Tribunais Regionais Federais, em conformidade com o sistema aberto de
provas, a comprovação da situação de desempregado por outros meios de provas, nesse
sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO §1º DO ART. 557 DO CPC. PENSÃO POR MORTE. SITUAÇÃO DE DESEMPREGO. QUALIDADE DE SEGURADO COMPROVADA.CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. NÃO INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.960/2009. I - O compulsar dos autos revela que a falecida se encontrava em situação de desemprego posteriormente ao último vínculo empregatício (09.04.2001), dada a inexistência de anotação em CTPS ou de registro na base de dados da autarquia previdenciária. Cumpre ressaltar que tal ilação decorre do exame da vida laborativa da de cujus, posto que esta sempre procurou manter-se empregada, consoante se infere de seus vínculos empregatícios anotados em CTPS, não tendo alcançado tal objetivo em razão das dificuldades existentes no mercado de trabalho, ainda mais considerando a existência de muitos filhos pequenos para cuidar. II - O "..registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social", constante da redação do art. 15, §2º, da Lei n. 8.213/91, constitui prova absoluta da situação de desemprego, o que não impede que tal fato seja comprovado por outros meios de prova, como fez a r. decisão agravada. Na verdade, a extensão do período de "graça" prevista no aludido preceito tem por escopo resguardar os direitos previdenciários do trabalhador atingido pelo desemprego, de modo que não me parece razoável cerceá-lo na busca desses direitos por meio de séria limitação probatória. III - Reconhecida a qualidade de segurado da falecida e preenchidos os demais requisitos estatuídos pela legislação que rege a matéria, é de rigor a concessão do benefício de pensão por morte. IV - A correção monetária incide sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, na forma da legislação de regência, observando-se que a partir de 11.08.2006 o IGP-DI deixa de ser utilizado como índice de atualização dos débitos previdenciários, devendo ser adotado, da retro aludida data (11.08.2006) em diante, o INPC em vez do IGP-DI, nos termos do art. 31 da Lei nº 10.741/2003 c.c o art. 41-A da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.430, de 26.12.2006. V - Os juros moratórios devem ser calculados, de forma globalizada, para as parcelas anteriores à citação, e de forma decrescente, para as prestações vencidas após tal ato processual até a data da conta de liquidação, que der origem ao precatório ou a requisição de pequeno valor - RPV (STF - AI- AgR 492.779-DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJ 03.03.2006). Será observada a taxa de 6% ao ano até 10.01.2003 e, a partir de 11.01.2003, será considerada a taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil e do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. VI - Conforme salientado na r. decisão atacada, o E. STJ se pronunciou sobre o tema, adotando o entendimento no sentido de que "o art. 5º da Lei 11.960/09, que alterou o critério do cálculo de juros moratórios previsto no art.1º-F da Lei 9.494/97, possui natureza instrumental material. Assim, não pode incidir sobre processos já em andamento" (STJ, AgRg nos Edcl no Resp
110
1136266/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17.06.2010, Dje 02.08.2010). VII - Agravo do INSS não conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido (art. 557, §1º, do CPC). (APELREE 200803990247463, JUIZ SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 01/06/2011)
A situação de desemprego não só prorroga o prazo, como também é geradora da
manutenção da qualidade de segurado, uma vez que o seguro-desemprego se configura
como verdadeira prestação previdenciária. Portanto, durante o recebimento do seguro-
desemprego, mantém-se qualidade de segurado por força do inc. I do art. 15 da Lei
8.213/91.
O seguro-desemprego está previsto no inc. II do art. 7º da Constituição Federal na
qualidade de direito social dos trabalhadores urbanos e rurais. No inciso III, artigo 201,
tem-se a garantia em favor dos filiados ao RGPS a proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário.
O site do Ministério do Trabalho e Emprego15 classifica o seguro-desemprego
como beneficio da Seguridade Social. Contudo, as prestações da seguridade se dividem em
prestações de previdência, assistência de saúde. Evidentemente, o seguro-desemprego não
pode ser classificado nem como prestação de saúde ou assistência, confirmando, assim, seu
caráter previdenciário.
Nos termos do artigo 239 da Constituição Federal, os valores que antes eram
destinados ao fundo PIS-PASEP passaram a financiar o programa de seguro-desemprego.
O Programa de seguro-desemprego foi criado por intermédio da Lei n.º 7.998, de
11 janeiro de 1990, que também regula o Abono-Salarial, Fundo de Amparo ao
Trabalhador – FAT e instituiu o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao
Trabalhador – CODEFAT, constituído por representantes dos empregadores, dos
trabalhadores e do governo, responsáveis pela gestão do FAT.
Em fevereiro de 2000, o seguro-desemprego do empregado doméstico foi instituído
por intermédio de Medida Provisória nº. 1.986-2, atual Lei 20.298, de 23 de março de
2000, visa fornecer a assistência temporária ao empregado doméstico desempregado,
15 “ O Seguro-Desemprego é um benefício integrante da seguridade social, garantido pelo art.7º dos Direitos Sociais da Constituição Federal e tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador dispensado involuntariamente”. Disponível em: <http://www3.mte.gov.br/seg_desemp/historico.asp>. Acesso em: 08 ago. 2011
111
inscrito no Fundo de Garantia de Tempo de Serviço – FGTS, que tenha sido dispensado
sem justa causa.
Segundo Miguel Horvath Jr.16, são requisitos para a concessão desta prestação
previdenciária: a) ser o requerente integrante do sistema previdenciário, b) ter capacidade
para o trabalho; c) disponibilidade para o trabalho; e d) impossibilidade de obtenção do
trabalho.
O programa do seguro-desemprego compreende as duas modalidades de prestação
previdenciária, na medida em que se realiza tanto na modalidade de benefício, através do
pagamento pecuniário, quanto na modalidade de serviço mediante intermediação de mão
de obra e qualificação profissional, o que Miguel Horvath Jr.17 qualifica como tripé básico
das políticas de emprego.
Outro elemento importante na análise da manutenção da qualidade de segurado é a
contagem do prazo, nos termos do § 4º do art. 15 da Lei 8.13/91. A perda da qualidade de
segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no plano de custeio para o
recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos
prazos fixados no artigo 15 e seus parágrafos, o que equivale ao primeiro dia útil
subsequente ao dia 15 de cada mês (se este também for dia útil, caso contrário, prorroga-se
também a partir do dia seguinte ao primeiro dia útil) do mês subsequente após a contagem
dos prazos do artigo 15 e seus parágrafos.
6.4 Prova de qualidade dependente
A dependência pode ser caracterizada como o vínculo jurídico entre o segurado e
seus dependentes, de maneira que, para os dependentes elencados no inc. I do art. 16, basta
comprovar a relação jurídica com o segurado.
A dependência pode ser caracterizada como o vínculo jurídico entre o segurado e
seus dependentes. Enquanto o artigo 16 da Lei 8.213/91 apresenta um rol de três classes de
dependentes, Heloisa Hernandez Derzi18 classifica a os dependentes em duas espécies em
função ou não da necessidade de comprovação da dependência econômica: 1) preferenciais
ou presumidos; e 2) dependentes sujeitos à comprovação.
16 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 317. 17 Idem, ibidem, p. 323. 18 DERZI, Heloisa Hernandez, op. cit., 2004, p. 222.
112
Nos termos do parágrafo 1º do artigo 16 da Lei. 8.213/91, a existência de qualquer
uma das classes exclui do direito às prestações das classes seguintes, de maneira que, entre
os dependentes da mesma classe, a pensão por morte pode ser compartilhada, o que não
ocorre entre dependentes de classes distintas, ainda que o dependente da classe II faça a
prova da dependência econômica. Contudo, cessando a relação de dependência dos
dependentes da primeira classe, a exemplo de quando os filhos atingem a idade de 21 anos,
não pode o dependente de segunda classe requerer a sucessão em relação ao dependente de
primeira classe.
O sistema também não prevê a proteção da invalidez superveniente do dependente,
ou seja, o critério temporal da norma de proteção limita a incidência ao momento do óbito
do segurado, de maneira que a prova da dependência econômica deve ser contemporânea à
data do óbito do segurado.
Analisando o art. 16 da Lei 8.213/91 contata-se que a dependência econômica do
cônjuge e dos filhos menores ou incapazes é presumida, não admitindo, assim, prova em
contrário, ou seja, basta comprovar a relação jurídica com o segurado, enquanto que nos
demais casos, a dependência econômica deve ser comprovada.
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995 ) II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) IV - (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995) § 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
113
No rol de dependentes do inc. I, temos o cônjuge, a companheira, o companheiro e
o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido. São
denominados dependentes de Primeira Classe. Os pais estão no inc. II, sendo denominados
dependentes de segunda classe, remanescendo na terceira classe, no inciso III, o irmão não
emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido.
Foi retirado do rol de dependentes o menor sob guarda equiparado a filho em
decorrência da MP 1.523/96, convertida na Lei 9.528/97, apresentando, assim, conflito
com o parágrafo 3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, o que
resultou em inúmeras ações civis públicas interpostas pelo Ministério Público Federal19,
cujos efeitos vêm gerando decisões no sentido de reconhecer a manutenção da condições
de dependente do menor sob guarda. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - ÓBITO EM 1998 - LEI 8.213/91 - MENOR SOB GUARDA. I. Em matéria de pensão por morte, o princípio segundo o qual tempus regit actum impõe a aplicação da legislação vigente na data do óbito do segurado. II. Na data do óbito o falecido mantinha a qualidade de segurado, uma vez que já foi concedido o benefício de pensão por morte à viúva. III. Em razão de decisões proferidas em Ações Civis Públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal, o INSS editou a IN INSS/D nº 106, de 14.04.2004, que estabeleceu que os menores sob guarda judicial continuam mantendo a condição de dependente mesmo após a publicação da Lei 9.528/97, nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Sergipe e Tocantins. IV. A guarda judicial foi concedida apenas à viúva. Entretanto, há prova de que o autor esteve, desde aproximadamente os 6 (seis) meses de idade, sob os cuidados da família do falecido. V. Não foram esclarecidas as razões pelas quais somente Inacília requereu a guarda. O INSS estave presente na audiência, podia ter perguntado, mas não o fez. VI. Negar o benefício com esse fundamento seria formalismo exagerado e negação da situação de fato, o que não se compadece com a natureza dos direitos sociais. VII. Apelação do INSS e remessa oficial desprovidas. (APELREE 200603990342311, JUIZA MARISA SANTOS, TRF3 - NONA TURMA, 04/03/2011)
Todavia, entende-se que o conflito de normas seria apenas aparente, na medida em
que a proteção conferida pelo ECA é destinada para os menores sob guarda para fins de
tutela e adoção, como prevê o parágrafo 1º do artigo 33 do referido diploma, sendo que a
guarda, fora os casos de tutela e adoção, só será deferida em caso excepcional, como
determina o parágrafo 2º. Portanto, o menor sob guarda para fins de tutela ou adoção está
protegidos nos termos da redação do parágrafo 2º do art. 16 da Lei. 8.213/91, enquanto que
aquele menor que tem guarda deferida, para suprir a falta eventual dos pais ou
19 Ação Civil Pública 0057902-69.1997.4.03.6183. Disponível em: <http://www.trf3.jus.br/trf3r/index.php?id=26&acao=consulta>. Acesso em: 08 ago. 2011.
114
responsáveis, não perde o vínculo jurídico com os pais ou responsáveis, bem como o
alcance da guarda é limitado para determinados atos.
Lembrando que nos termos do artigo 1728, do Código Civil, os filhos menores são
postos em tutela: I – com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; II – em
caso dos pais decaírem do poder familiar.
Assim, corroboram com esse entendimento as decisões que confirmam a proteção
previdenciária para o menor sob guarda, desde que equiparado à do tutelado, atribuindo,
inclusive, presunção de dependência econômica, nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO § 1º DO ARTIGO 557 DO CPC. SUSPENSÃO DO FEITO NOS TERMOS DA LEI 10.259/2001 E DA RESOLUÇÃO 10/2007 DO STJ. DESCABIMENTO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. CONDIÇÃO DE DEPENDENTE. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.960/2009. I - A Lei nº 9.528/97 não teve o condão de revogar o § 3º, do art. 33, do ECA, pois não poderia o legislador ordinário contrariar os princípios e valores constitucionais em matéria de promoção do melhor interesse da criança e do adolescente. II - A alteração legislativa deve, pois, ser interpretada de modo a se considerar que apenas nos casos de colocação do menor sob guarda, no sentido formal, mas sem a correspondente constituição da família assistencial, é que não haverá o direito à pensão previdenciária. Entretanto, nos casos em que a criança ou o adolescente foi regular e corretamente colocado em família substituta sob a forma da guarda, haverá direito à pensão. III - A correção monetária incide sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, na forma da legislação de regência, observando-se que a partir de 11.08.2006 o IGP-DI deixa de ser utilizado como índice de atualização dos débitos previdenciários, devendo ser adotado, da retro aludida data (11.08.2006) em diante, o INPC em vez do IGP-DI, nos termos do art. 31 da Lei nº 10.741/2003 c.c o art. 41-A da Lei nº 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Medida Provisória nº 316, de 11 de agosto de 2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.430, de 26.12.2006. IV - Os juros moratórios devem ser calculados de forma globalizada para as parcelas anteriores à citação e, de forma decrescente, para as prestações vencidas após tal ato processual até a data da conta de liquidação, que der origem ao precatório ou a requisição de pequeno valor - RPV (STF - AI- AgR 492.779-DF, Relator Min. Gilmar Mendes, DJ 03.03.2006). Será observada a taxa de 6% ao ano até 10.01.2003 e, a partir de 11.01.2003, será considerada a taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil e do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. V - Importante assinalar que "o art. 5º da Lei 11.960/09, que alterou o critério do cálculo de juros moratórios previsto no art.1º-F da Lei 9.494/97, possui natureza instrumental material. Assim, não pode incidir sobre processos já em andamento" (STJ, AgRg nos Edcl no Resp 1136266/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17.06.2010, Dje 02.08.2010). VI - Em relação ao termo final da incidência dos juros de mora, verifica-se que a decisão agravada dispôs no mesmo sentido da pretensão do ora agravante, inexistindo interesse recursal neste ponto. VII - Agravo do INSS não conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido (art. 557, §1º, do CPC). (AC 201003990239473, JUIZ SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 11/05/2011)
115
A proteção ao cônjuge também sofre restrição no que se refere à situação de
divorciado, separado judicialmente ou separado de fato, conforme se verifica da redação do
parágrafo 2º do art. 76 da Lei 8.213/91:
§ 2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei.
Neste caso, a presunção de dependência econômica decorre do pagamento da
pensão alimentícia. Como visto no capítulo que trata do Risco Social, com a prova da
dependência econômica, faz-se presumir uma “incapacidade lato sensu” do dependente.
A proteção ao cônjuge se estende, ainda que tenha renunciado aos alimentos na
separação judicial, desde que comprovada a necessidade econômica superveniente, em
consonância com a Súmula 336 do STJ20.
Ao companheiro ou companheira, a prova ser produzida não é da dependência
econômica, mas sim a própria união estável, em conformidade com o previsto no parágrafo
3º do art. 226 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 9.278/1996. Reconhece-se
como entidade familiar a convivência duradoura pública e contínua de um homem e uma
mulher, estabelecida como o objetivo de constituição de uma família.
Miguel Horvath Jr.21 destaca que, no parágrafo 8º da referida Lei, depreende-se que
os conviventes não podem ter impedimento para o casamento, ressaltando que a existência
de concubinato impuro não dá direito à pensão por morte, no caso de convivência comum
com esposa e concubina.
Ao consultar os julgados sobre a questão, não é difícil encontrar decisões no sentido
de que, para a concessão da pensão por morte ao companheiro ou companheira, requer-se a
prova da dependência econômica como requisito, o que, evidentemente, onera de
sobremodo o companheiro(a) requerente da pensão por morte, uma vez que a dependência
econômica não é elemento de comprovação da união da estável.
É evidente que a prova da dependência econômica, uma vez alegada e produzida,
será valorada pelo destinatário da prova, como um elemento de corroboração da união que
se quer provar. Contudo, a ausência de dependência não pode servir de base para o
20 Súmula 336: A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente. 21 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 167.
116
indeferimento da concessão por morte, uma vez que essa se presume, de forma absoluta,
ou seja, não admite prova em contrário.
Em relação ao companheiro homossexual, Derzi22 sustenta a necessidade de
comprovação da dependência econômica. Contudo, recentemente o STF reconheceu a
natureza de união estável nas uniões homoafetivas no julgamento conjunto da ADI 4277 e
ADPF 132, o que, para fins previdenciários, representa a inclusão do companheiro(a)
homossexual na classe I dos dependentes do segurado e consequente presunção absoluta da
dependência econômica.
No que refere aos pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de
21 anos ou inválido, a dependência econômica precisa ser comprovada, ressalvado que, em
relação aos pais, não se requer que essa dependência seja exclusiva, bastando a
comprovação de dependência econômica parcial.
Segundo Miguel Horvath Jr.23, a perda da qualidade de dependente ocorre:
a) Para o cônjuge, pela separação judicial ou divórcio sem direito a alimentos, certidão de anulação de casamento, certidão de óbito ou sentença judicial, transitada em julgado;
b) Para a companheira ou companheiro, pela cessação da união estável com o segurado ou segurada, enquanto não lhe for garantida a prestação de alimentos
c) Para o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem 21 anos de idade, salvo de inválidos, ou pela emancipação, ainda que inválido, exceto, neste caso, se a emancipação for decorrente de colação de grau cientifico em curso de ensino superior.
6.5 Prova do número mínimo de contribuições: carência
Nos termos do caput do art. 24 da Lei 8.213/91, a carência é o número mínimo de
contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício. Essas
contribuições são consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas
competências.
Para Wagner Balera24, a seguridade social ainda está ligada ao esquema de seguro,
pois, ainda que o segurado seja atingido pela contingência que gera necessidade, se não
cumpriu requisito formal da carência, não obtém do sistema a concretização da prestação.
22 DERZI, Heloisa Hernandez, op. cit., 2004, p. 243. 23 HORAVATH JR. Miguel, op. cit., 2008, p. 174. 24 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social, op. cit., p. 57-58.
117
Segundo Miguel Horvath Jr.25, a carência é o pré-requisito legal para acesso às
prestações previdenciárias, decorrendo da natureza contributiva e tendo como finalidade a
manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial.
A carência mede-se por números de contribuições, independentemente do número
de dias trabalhados dentro do mês. O período não pode ser ampliado26. O período de
recebimento de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez não é contado para fins de
carência, e o número mínimo de contribuições depende do tipo de prestação, conforme
redação do artigo 25 da Lei 8.213/91, que prevê:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26: I – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais; II – aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180 contribuições mensais. (Redação dada pela Lei nº 8.870, de 1994) III – salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26/11/99) Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26/11/99)
A Lei 9.032/95 é considerada um marco na transição da Teoria do Risco
Profissional27 em direção à consolidação da Teoria do Risco Social. A partir da sua edição,
os benefícios acidentários foram equiparados aos benefícios previdenciários, entre eles o
auxílio-doença acidentário, a aposentadoria por invalidez acidentária e a pensão por morte
acidentária. Esses benefícios e seus chamados “homônimos previdenciários” tinham base
de cálculo e coeficientes diferenciados.
As alterações introduzidas pela Lei 9.032/95 trouxeram certo avanço social, na
medida em que aumentou a proteção social, pois o benefício acidentário, via de regra, era
25 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 182. 26 O termo ampliado refere-se à contagem do tempo especial. 27 FREUDENTHAL, Sergio Pardal. A evolução da indenização por acidente do trabalho. São Paulo: Ltr, 2007, p. 106-107.
118
mais vantajoso que o benefício previdenciário, cujo coeficiente dependia do tempo de
serviço do segurado.
Assim, foram extintas as principais diferenças entre os benefícios acidentários e
chamados benefícios “comuns”, entre elas a base de cálculo, pois, enquanto os benefícios
acidentários tinham por base o salário de contribuição no dia do acidente, com opção pelo
salário-de-benefício somente se este fosse mais vantajoso, o que não era muito comum, os
benefícios previdenciários tinha como base de cálculo somente o salário-de-benefício.
Todavia, a princípio remanesceu uma diferença, a carência. Contudo, a partir da
edição da Lei 9.876/99 o sistema de previdência social passou a dispensar o cumprimento
do requisito da carência para algumas prestações em decorrência da evolução da Teoria do
Risco Social e do caráter solidário do sistema de seguridade, conforme se verifica do
disposto da redação atual do art. 26 da Lei 8.231/91:
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: I – pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26/11/99) II – auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social a cada três anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; III – os benefícios concedidos na forma do inciso I do art. 39, aos segurados especiais referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei; IV – serviço social; V – reabilitação profissional. VI – salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26/11/99)
Por força do princípio da automaticidade das contribuições, as contribuições do
segurado empregado, presume-se, não são apenas recolhidas, como recolhidas em dia.
As contribuições dos demais segurados precisam ser recolhidas sem atraso, sob
pena de não serem consideras para fins de carência. Assim, para o segurado empregado
doméstico, contribuinte individual, especial e facultativo, conta-se a carência a partir da
primeira contribuição sem atraso, conforme disposto no artigo 27 da Lei 8.213/91:
Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:
119
I – referentes ao período a partir da data da filiação ao Regime Geral de Previdência Social, no caso dos segurados empregados e trabalhadores avulsos referidos nos incisos I e VI do art. 11; II – realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados empregado doméstico, contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos II, V e VII do art. 11 e no art. 13. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26/11/99)
A exclusão do empregado doméstico de sua classe dos empregados, no inciso I,
afronta claramente o princípio da isonomia. Por outro lado, a distinção também não tem
como fundamento no Risco Social, uma vez que não verifica uma incidência maior do
risco na atividade do trabalhador doméstico. De maneira que pela via judicial o trabalhador
doméstico vem obtendo decisões não só no sentido de reconhecer o vínculo como filiação,
como os recolhimentos dessas contribuições para fins de carência. Nesse sentido:
REEXAME NECESSÁRIO. CONDENAÇÃO QUE NÃO EXCEDE A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS OU PROVIMENTO DECLARATÓRIO NO QUAL O DIREITO CONTROVERTIDO (VALOR DA CAUSA) NÃO EXCEDE A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. APLICAÇÃO DO § 2º AO ARTIGO 475 DO CPC. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. SENTENÇA TRABALHISTA QUE DETERMINOU O RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Incabível o reexame necessário quando se verifica mediante simples consulta aos autos que a condenação não ultrapassa o valor de sessenta salários mínimos. 2. Comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias determinado por sentença proferida em ação trabalhista, não há falar em falta de carência e ausência de qualidade de segurada. 3. O recolhimento extemporâneo, ou mesmo a ausência de contribuição, não obstam, necessariamente, a concessão de benefício previdenciário ao empregado doméstico, uma vez que é o empregador quem possui o dever legal de efetuar os recolhimentos. 4. Comprovada pela prova pericial a incapacidade laboral da autora, de manter-se a sentença que lhe concedeu auxílio-doença desde a data do requerimento administrativo. 5. Os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento do STJ (Embargos de Divergência em REsp nº 209.073-SE, Terceira Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 11/09/2000; REsp nº 503.907-MG, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15/12/03; AgRg/AG nº 461.961-SC, Quinta Turma, DJ 19/12/02; REsp nº 246.608-CE, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ 2/5/00). 6. Os honorários advocatícios, para ações de cunho previdenciário, devem ser fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a prolação da sentença. (AC 200172070013250, CELSO KIPPER, TRF4 - QUINTA TURMA, 15/12/2004)
Perdendo a qualidade de segurado, desfaz-se a carência, aplicando-se a regra do
parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91:
120
Parágrafo único. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido. (Vide Medida Provisória nº 242, de 2005)
No que diz respeito à prova do cumprimento da carência, aplica-se também o
princípio da automaticidade das contribuições em relação ao segurado empregado e
segurado avulso. Este princípio nada mais é do que uma presunção absoluta, em favor do
segurado, não admitindo prova em contrário, de que as contribuições foram recolhidas
durante todo o período de vigência do contrato de trabalho.
De maneira que para o segurado empregado e o segurado avulso basta fazer prova
do contrato de trabalho, para, por força da presunção legal, comprovar o recolhimento das
contribuições e, consequentemente, da carência e do tempo de serviço.
Para o segurado especial, a carência corresponde ao tempo de efetivo exercício de
atividade rural, ainda que de forma descontínua, igual ao número de meses necessários à
concessão do benefício requerido.
Ao tratar da carência do segurado especial, Marcel Cordeiro28 ressalta que servem
como prova documental, dentre outros: declarações da Secretária da Receita Federal do
Brasil; contratos de arrendamento, parceira ou comodato rural; comprovante de cadastro do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA); blocos de notas do
produtor rural; declarações de sindicatos dos trabalhadores rurais ou colônias de
pescadores; e ainda certificados ou certidões de entidade oficial, dos quais constem os
dados do segurado.
28 CORDEIRO, Marcel, op. cit., 2008, p. 169.
121
7 O OBJETO DA PROVA NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – REQUISITOS ESPECÍFICOS
7.1 As provas em relação às prestações previdenciárias
As provas no Direito Previdenciário estão diretamente ligadas às prestações
previdenciárias, ou seja, o objeto da relação jurídica de proteção, uma vez que para cada
tipo de prestação o sistema elegeu um método de aferição do Risco Social.
Ocorrido o risco, isto é, a incapacidade real ou presumida do segurado, tem-se
preenchido o critério material da norma de proteção. Contudo, outros elementos compõem
a estrutura da norma de proteção, ou seja, os demais critérios contidos no antecedente
normativo: o aspecto territorial e temporal.
Já no consequente normativo, estão os critérios subjetivos e objetivos, como a
qualidade do sujeito ativo e passivo, enquanto que o critério objetivo vai definir a base de
cálculo e o percentual da prestação.
As prestações previdenciárias podem ser classificadas em relação ao objeto da
proteção e, nesse aspecto, as prestações se classificam como benefícios e serviços.
Contudo, a classificação também pode ser dar quanto ao tipo de beneficiário, ou seja, se a
prestação é dirigida diretamente ao segurado ou ao conjunto dos dependentes.
Em relação ao segurado a Lei 8.213/91, elenca as seguintes prestações:
aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de
contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade,
salário de família, reabilitação e o Serviço Social.
Em relação aos dependentes temos: a pensão por morte, auxílio-reclusão,
reabilitação e Serviço Social.
Interessa, assim, investigar, dentre os principais benefícios, quais fatos podem ser
objeto de prova, ou seja, o que precisa se provar para ter acesso às diversas prestações
previdenciárias, no que diz respeito aos requisitos específicos.
7.2 Auxílios-doença, aposentadoria por invalidez, reabilitação profissional e auxílio-acidente Em primeiro plano, serão analisados os benefícios que dependem diretamente da
perícia médica para sua configuração. Portanto, além da qualidade de segurado, carência, o
122
segurado deverá fazer prova da incapacidade “real” ou da redução da capacidade. Tratam-
se dos requisitos para a concessão do auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, a
reabilitação profissional e do auxílio-acidente.
Não obstante a reabilitação profissional, seja um serviço e não um benefício, ela se
relaciona diretamente como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, de maneira
que sua análise se fará em conjunto com esses benefícios, por uma questão de coerência
com os objetivos deste trabalho.
O art. 59 da Lei 8.213/91 dispõe que o auxílio-doença será devido ao segurado que,
havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigida nesta Lei, ficar
incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze)
dias consecutivos, momento a partir do qual lhe será devido auxílio-doença, a contar do
16º (décimo sexto) dia do afastamento da atividade e enquanto permanecer incapaz.
Assim, a natureza jurídica do auxílio-doença é de prestação previdenciária
provisória por tempo determinado, Nesse sentido, lecionam Marcos Orione Gonçalves
Correia e Erica Paula Barcha Correia1, confirmando que “a incapacitação provisória, por
problema de saúde, atestável já desde o início a dessas condições de transitoriedade, dá
ensejo ao auxílio-doença e não a aposentadoria por invalidez”.
Contudo, para se determinar a provisoriedade ou não do afastamento, há que se
determinar a duração da incapacidade, de maneira que, toda vez que não for possível
determinar o prazo de duração da incapacidade, estamos diante do benefício que tem por
objetivo uma prestação previdenciária por tempo indeterminado, podendo ou não ser
definitiva, ou, como se verá a seguir, permanente. Todavia, a indeterminação retira o
caráter provisório.
Enquanto que para a concessão do auxílio-doença o sistema requer que a
incapacidade seja em relação a sua atividade habitual, para sua cessação o sistema requer
que o segurado esteja totalmente recuperado para o exercício da sua função habitual ou ser
reabilitado para outra função que lhe garanta subsistência, conforme redação do art. 62 da
Lei 8.213/91:
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de
1 CORREIA, Marcos Orione Gonçalves, Érica Paula Barcha Correia. Curso de direito da seguridade social. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 282.
123
reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez.
Já a aposentadoria por invalidez, prevista no artigo 42 da Lei 8.213/91, será devida,
também cumprida a carência, quando for o caso, ao segurado que, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício
de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta
condição. Assim, a possibilidade de reabilitação do segurado é a ponte “móvel”, que faz
cessar o benefício por incapacidade, bem como liga os institutos do auxílio-doença e da
aposentadoria por invalidez.
Segundo Miguel Horvath Jr2, “o conceito previdenciário de invalidez é amplo,
significando inaptidão ou incapacidade para o exercício de total e qualquer atividade por
parte do segurado capaz de garantir sua subsistência [...], porém, a incapacidade de
trabalho não precisa ser total e cabal, mas deve atingir um percentual significativo”3.
Nos termos da redação do art. 43 da Lei 8.213/91, a aposentadoria por invalidez é
devida ao segurado que apresentar uma incapacidade total e definitiva para o trabalho:
Art. 43. A aposentadoria por invalidez será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença, ressalvado o disposto nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo. § 1º Concluindo a perícia médica inicial pela existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho, a aposentadoria por invalidez será devida: (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Contudo, não é possível falar em incapacidade total definitiva, como demonstra
Daniel Pulino4, ao tratar da aposentadoria por invalidez. A expressão mais adequada seria
incapacidade substancial e permanente, essa entendida como “mais do que uma pequena,
ou mesmo média, redução da capacidade: como dito, há que ser drástica, considerável,
sensível essa redução. Numa palavra: substancial”5.
2 HORVATH JR., Miguel, op. cit., 2008, p. 234. 3 Idem, ibidem, p. 235. 4 PULINO Daniel, Aposentadoria por invalidez no direito positive brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 113. 5 Idem, ibidem, p. 121.
124
Para o referido autor, a partir da redação do artigo 42 da Lei 8.213/91, o conceito
de invalidez consiste “na insusceptibilidade de reabilitação do trabalhador – quanto à
manutenção em certa proporção, do nível de subsistência que essa atividade deve
proporcional ao segurado, acaba por se referir evidentemente, ainda que não esclareça com
todas as tintas, à capacidade de ganho do segurado”.6
Mesmo o termo “permanente” sofre restrição, considerando-se que a aposentadoria
por invalidez também não é definitiva, visto que o segurado, readquirindo a capacidade
laboral, deve voltar a trabalhar, o que demonstra que a natureza jurídica da aposentadoria
por invalidez é de proteção em relação ao risco de incapacidade substancial por tempo
indeterminado. Nesse sentido, Daniel Pulino7 destaca que a incapacidade na aposentadoria
por invalidez deve ser mais que provisória ou, mesmo, meramente prolongada.
Assim, vê-se que a distinção entre o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez
não está no grau da incapacidade, mas na sua duração. Essa lógica não é tão evidente no
nosso sistema, porque a norma não fixou um limite máximo para a concessão do auxílio
doença. Contudo, tal falta de limite não permite a utilização de uma proteção provisória
indiscriminadamente. No entanto, não é difícil encontrar julgados que façam referências a
sucessivas prorrogações de auxílio-doença por períodos que atingem quase cinco (05)
anos, como se pode verificar:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. RECURSO NÃO PROVIDO. - Não merece retoques a decisão agravada, eis que se constata a plausibilidade do direito e a verossimilhança das alegações através dos atestados médicos acostados que demonstram o quadro da incapacidade laborativa da agravada, com base na declaração, nos exames médicos e receituário de remédios (fls. 27/32), que demonstram que a segurada está em tratamento ortopédico por apresentar lombrocitalgia, cervicobraquialgia, tenossinorote do supra-espinhoso D e E, bem como por graves problemas psíquicos, codificados no CID 20 - F34.8 + F33.2 + F45.4 + F44.8. -Assim, há prova de sucessivas prorrogações do benefício durante o período de 23/05/2004 a 30/04/2009 (fls. 39/97), ao que se acrescenta restar configurado o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, na medida em que se trata de benefício de natureza alimentar por incapacidade, sendo que ao que tudo indica a autora não dispõe de outros meios para assegurar a sua subsistência, inclusive, porque o não restabelecimento do benefício em voga só poderia vir a agravar a situação da sua enfermidade. -Embora o atestado médico particular não seja suficiente para uma conclusão definitiva acerca da incapacidade laborativa da agravada, em se tratando de juízo liminar, garante uma verossimilhança plausível da alegação, sendo suficiente para determinar o recebimento, em caráter provisório, do benefício previdenciário. - Agravo interno não provido. (AG 200902010192553, Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, 29/06/2010)
6 Idem, ibidem, p. 125. 7 Idem, ibidem, p. 134.
125
Outro equívoco é falar em incapacidade absoluta para fins de concessão de
aposentadoria por invalidez, pois, como leciona Daniel Pulino8:
O que interessa para a configuração da invalidez em nosso direito é a perda da capacidade de ganho do segurado. Afinal, dentro do regime jurídico-previdenciário, sem perda da capacidade de ganho não ocorrerá a situação de desequilíbrio econômico em que consiste a necessidade social, não se justificando, por conseguinte, a concessão da aposentadoria, da compensação econômica que reintegrará o segurado no seu nível de subsistência. A aferição da invalidez não se resume, portanto, numa comprovação de ordem exclusivamente médica.
Com isso, temos que a incapacidade do ponto de vista médico pode até ser parcial,
porém, com o comprometimento total de sua capacidade de ganho, em razão das condições
pessoais do segurado. Nesse sentido, Daniel Pulino9 esclarece que por “pessoal” deve se
entender o contexto formado a partir do impacto da lesão ou enfermidade sofrida pelo
trabalhador sobre sua capacidade. Devem ser levados em conta aspectos relativos à
escolaridade, formação profissional, idade e até mesmo condições do mercado de trabalho.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CARÊNCIA. QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE PARA O TRABALHO. PROCEDÊNCIA. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESPESAS PROCESSUAIS. I. A aposentadoria por invalidez é devida ao segurado que, após cumprida a carência exigida em lei, estando ou não em gozo do auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade laborativa que lhe garanta a própria subsistência. II. Comprovado através de perícia médica que a parte autora está incapacitada de forma parcial e permanente para o trabalho, ao que se agrega a baixa escolaridade, o fato de sua profissão exigir grandes esforços físicos e a idade da parte autora, estando sem condições de ingressar no mercado de trabalho, evidencia-se que sua incapacidade é absoluta, o que gera o direito a aposentadoria por invalidez, uma vez implementados os requisitos legais necessários. III. A autora faz jus à percepção do benefício de aposentadoria por invalidez, uma vez demonstrada a implementação dos requisitos legais, desde a data do ajuizamento da ação, conforme estabelecido no decisum, pois demonstrou que já havia preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício desde então. IV. Os honorários advocatícios devem incidir somente sobre as parcelas vencidas, considerando-se como tais as compreendidas entre o termo inicial do benefício e a data da sentença (Súmula 111 do STJ). V. A autarquia, nos termos do art. 27 do Código de Processo Civil, deverá arcar ao final, quando vencida, com as despesas decorrentes da prática de atos processuais. VI. Apelação do INSS parcialmente provida. (AC 200361130013744, JUIZ WALTER DO AMARAL, TRF3 - SÉTIMA TURMA, 03/06/2009)
8 PULINO, Daniel, op. cit., 2001, p. 125. 9 Idem, ibidem, p.126.
126
Retomando as diferenças entre o auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, no
que se refere à sua duração, é fundamental que se possa responder a seguinte indagação:
Quando o segurado estará apto para o exercício da sua atividade laboral?
Se não se puder determinar esse momento, a proteção devida é a aposentadoria por
invalidez e não um auxílio-doença por tempo indeterminado, uma vez que a incapacidade é
a mesma, tanto no auxílio doença como na aposentadoria.
O critério de discriminação não deve ser o grau de incapacidade, mas sim se é por
tempo determinado ou indeterminado, pois a incapacidade dever ser sempre substancial
para o trabalho que se exercia habitualmente.
Essa distinção é fundamental para se determinar se a prestação a ser concedida será
auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, pois, na prática, verifica-se que o INSS
vem concedendo o auxílio-doença de forma inadequada, ou seja, mediante sucessivas
prorrogações, contrariando a natureza temporária e provisória do benefício, uma vez que,
constatado que a incapacidade é por tempo indeterminando, a proteção devida é
aposentadoria por invalidez.
Adotadas essas premissas, o segurado deverá fazer prova da qualidade de segurado,
da carência e da incapacidade substancial para o trabalho por tempo determinado, para a
concessão do auxílio-doença, enquanto que para a concessão da aposentadoria por
invalidez o segurado deverá fazer prova da qualidade de segurado, da carência e da
incapacidade substancial para o trabalho por tempo indeterminado. Em ambos os casos,
estamos diante de uma incapacidade real para o trabalho que exercia habitualmente.
Essa afirmação pode parecer a priori contra legis, Contudo, está alicerçada no
conceito de reabilitação, pois não basta a reabilitação para qualquer trabalho: há que se
garantir o mesmo nível de remuneração do trabalhador, o que equivale a uma reabilitação
que proporcione uma remuneração equivalente à função que o trabalhador habitualmente
exercia. Logo, a incapacidade se dá sempre em relação a atividade habitual e não em
relação a qualquer trabalho.
Do ponto de vista pragmático, aceitar a reabilitação para qualquer atividade laboral
é o mesmo que dizer que, por exemplo, um juiz, um advogado, um médico, um torneiro,
um carpinteiro, um pedreiro podem ser reabilitados para exercer, por exemplo, a função de
porteiro. Ora, isso não é reabilitação. Evidentemente que todos esses profissionais só
podem ser enquadrados como reabilitados se a reabilitação possibilitar o exercício de outra
127
função que lhes garanta o mesmo nível de subsistência. Caso contrário, o segurado não se
enquadra na hipótese da reabilitação.
Em relação à incapacidade real, o meio de prova é a perícia médica. Assim, para ser
concedida na esfera administrativa, o segurado deverá se submeter ao exame médico-
pericial a cargo da Previdência, podendo ser acompanhado de médico de sua confiança.
A avaliação médica a que se sujeita o segurado na esfera administrativa recebe o
nome de “perícia médica”. Todavia, trata-se de mero parecer, uma vez que o segurado que
se apresenta perante um profissional médico que está a cargo do INSS é custeado pelo
INSS. Portanto, faz as vezes de um “assistente técnico”. Enquanto isso, na esfera judicial,
ao contrário do que ocorre na via administrativa, o autor-segurado será submetido a uma
efetiva perícia médica.
A distinção fica mais clara quando analisado o documento expedido pelo INSS.
Após a realização da perícia, chamada de “comunicado de decisão”, o resultado traz
apenas a informação: “constatada a incapacidade” ou “não constatada a incapacidade”, isto
é, o resultado do exame médico realizado pelo INSS não apresenta elementos suficientes
para se caracterizar como “perícia médica”.
Conforme já analisado no capítulo 3, todo laudo pericial deve estar devidamente
fundamentado, em especial aquele que atesta ou não a incapacidade laboral, tendo em vista
a complexidade do conceito da incapacidade, que, como visto, envolve não só os aspectos
de saúde física e os aspectos temporais, mas também os aspectos laborais e a
insusceptibilidade de reabilitação, que deverá levar em conta o nível de ganho e as
condições pessoais do segurado.
Outro aspecto da aposentadoria por invalidez é a chamada “grande invalidez”, que,
como ensina Miguel Horvath Jr.10, é a incapacidade total e permanente de tal proporção,
que acarreta a necessidade permanente do auxílio de terceiros para o desenvolvimento das
atividades cotidianas. Neste caso, o segurado faz jus a um adicional de 25% do valor
benefício.
A grande invalidez pode ser simultânea ou superveniente à incapacidade, de
maneira que pode ser requerida a qualquer momento durante a vigência do benefício,
conforme redação do art. 45 da Lei 8.213/91:
10 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 242.
128
Art. 45. O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25% (vinte e cinco por cento). Parágrafo único. O acréscimo de que trata este artigo: a) será devido ainda que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal; b) será recalculado quando o benefício que lhe deu origem for reajustado; c) cessará com a morte do aposentado, não sendo incorporável ao valor da pensão.
Não obstante, o anexo I do Decreto 3.048/99 apresenta um rol de quais situações
configuram as situações de grande invalidez. Ele é meramente exemplificativo, pois, como
destaca Daniel Pulino, a parte mais evidente do critério material da hipótese consiste em
“necessitar da assistência permanente de outra pessoa”11. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ADICIONAL DE 25%. LAUDO PERICIAL. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS PERICIAIS. 1. Nas ações em que se objetiva o auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base no laudo pericial. 2. Comprovado que a segurada encontra-se totalmente incapaz para o labor, necessitando de cuidados permanentes de terceiros, mantém-se a sentença que julgou procedente o pedido do adicional de 25% ao benefício. 3.Juros de mora fixados em 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, conforme entendimento da Colenda 3ª Seção do STJ (ERESP nº 207.992-CE, 3ª Seção, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 04-02- 2002, p. 287). 4. Honorários periciais arbitrados em consonância com a Resolução nº 281 do Egrégio Conselho da Justiça Federal, cujos valores foram atualizados pela Portaria nº 001, de 02 de abril de 2004, expedida pelo Coordenador-Geral da Justiça Federal, devendo ser reembolsados pelo INSS à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul. (AC 200371070064150, VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, TRF4 - SEXTA TURMA, 16/11/2005)
Contudo, ainda que com elevado grau de convencimento, o laudo pericial não deve
ser considerado como o único meio de convencimento do julgador, que precisa também
considerar as demais provas documentais apresentadas pelo segurado, como os atestados e
relatórios médicos, prontuários hospitalares e exames, bem como as condições pessoais do
segurado.
Neste caso, o julgador vai aplicar exatamente o que se falou sobre o critério
persuasão racional, isto é, o julgador não tem liberdade absoluta, mas, antes, deve ater-se
ao conjunto das provas produzidas, lembrando, mais uma vez, que esse critério tem como
principal consequência a (i) a impossibilidade de o julgador decidir exclusivamente com
base em seu conhecimento pessoal e (ii) necessidade de motivar a decisão.
11 PULINO, Daniel, op. cit., 2001, p. 173.
129
Nesse sentido, encontram-se respaldadas as decisões que, ainda que do ponto de
vista médico, haja apenas incapacidade parcial, no contexto geral, o segurado apresenta
uma incapacidade substancial dando ensejo à concessão de aposentadoria por invalidez:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, CPC. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO C. STJ E DESTA CORTE. INCAPACIDADE COMPROVADA. AGRAVO DESPROVIDO. - A decisão agravada está em consonância com o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, visto que supedaneada em jurisprudência consolidada do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. - As razões recursais não contrapõem tal fundamento a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando a rediscussão da matéria nele contida. - Embora o laudo pericial tenha atestado que o autor possui uma incapacidade parcial e permanentemente para o trabalho, afirma que ele é portador de cegueira total do olho esquerdo. Assim, levando em conta a moléstia que apresenta, não há como exigir que o autor, hoje com 48 anos de idade, inicie uma atividade diferente daquela que sempre trabalhou a vida toda - prático, e que lhe garanta a subsistência, justificando, portanto, a concessão do benefício. - Agravo desprovido. (APELREE 200761210012713, JUIZA DIVA MALERBI, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 20/07/2011)
Para a concessão do auxílio-acidente, embora haja dispensa da carência, o benefício
é restrito a alguns segurados. Somente os segurados empregado, especial e avulso, em
conformidade com parágrafo 1º do art. 18 da Lei 8.213/91, podem ser beneficiários do
auxílio-acidente.
A partir da Lei 9.032/95, o auxílio-acidente passou a ser concedido em decorrência
de acidente de qualquer natureza, nos termos da redação atual do art. 86 da Lei 8.213/81:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
Assim, a princípio, a Teoria do Risco do Profissional teria sido totalmente afastada
com a concessão do benefício em decorrência de acidente de qualquer natureza, inclusive o
do acidente do trabalho, pois a concessão que, antes da Lei 9.032/95, dependia da
conjunção de três provas (qualidade de segurado, redução da capacidade laborativa e nexo
causal com o trabalho), na atual configuração, exige apenas a prova da qualidade de
segurado e prova redução da capacidade do trabalho. Contudo, a limitação de concessão
aos segurados, cuja remuneração gera a obrigação de contribuir nos termos do inc. II do
130
art. 22 II, 22-A e inc. II do art. 25 da Lei 8.212/91, conhecido como SAT, revela um
retorno à Teoria do Risco do Profissional, especialmente após a edição do art. 21-A da Lei
8.213/91, que passou a utilizar o nexo técnico epidemiológico – NTEP, para caracterizar a
natureza acidentária da incapacidade e com criação do Fator Acidentário de Prevenção –
FAP.
Por outro lado, a concessão do benefício em decorrência do acidente de qualquer
natureza não eliminou do sistema as prestações concedidas em decorrência do acidente de
trabalho, casos que em o segurado deve fazer a prova do acidente de trabalho ou do nexo
com o trabalho, nos termos do art. 19 a 21 da Lei 8.213/91, podendo, ainda, utilizar o
NTEP, nos termos do art. 21-A, para caracterizar a natureza acidentária da incapacidade,
além é claro da prova da redução da capacidade para o trabalho, para a concessão do
auxílio-acidente.
7.3. Aposentadoria por idade A aposentadoria por idade, na redação original da Lei 8.213/91, estava dividida em
três modalidades, sendo a primeira a aposentadoria por idade do trabalhador urbano, a
segunda, do trabalhador rural e a aposentadoria compulsória. Atualmente, a essas
modalidades, podemos acrescentar a aposentadoria por idade, nos termos da Lei
10.666/2003, para aqueles que perderam a qualidade de segurado, e a aposentadoria por
idade, nos termos da Lei. 11.718/2008, para os segurados que comprovarem parte do
tempo de serviço urbano e parte rural.
Para fazer prova da idade, o segurado deve apresentar um documento emitido com
base no Registro Civil de Nascimento ou Casamento que evidencie a idade do segurado, ou
seja, que apresente as características do conceito de documento: toda representação
material destinada e idônea a reproduzir uma dada manifestação do pensamento.
O requisito idade está presente em cada uma dessas modalidades de aposentadoria,
variando conforme o sexo e a categoria de trabalhadores. Porém, a qualidade de segurado,
a carência, o tempo de serviço e o tempo de contribuição seguem regras específicas
conforme a modalidade de aposentadoria.
131
Nesse sentido, afirma Ladenthin12 que, embora o benefício aparentemente seja um
só: aposentadoria por idade, cada uma das modalidades dessa prestação tem suas próprias
características e elas são independentes umas das outras.
7.3.1. Aposentadoria por idade do trabalhador urbano
O trabalhador urbano que comprovar a idade de 65 anos, se homem, e 60 anos, se
mulher, e a carência exigida para ter direito à aposentadoria por idade, nos termos do caput
do art. 48 da Lei 8.213/91.
A carência a partir da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 passou a ser de 180
contribuições, porém, considerando que com a edição da Lei 8.213/91 elevou-se a carência
das aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial de 60 contribuições para
180, foi instituída uma tabela de transição no artigo 142 por um período de 20 anos, entre
1991 e 2011, através de uma escala progressiva para carência:
Art. 142. Para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à seguinte tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício: (Artigo e tabela com nova redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
Ano de implementação das condições
Meses de contribuição exigidos
1991 60 meses
1992 60 meses
1993 66 meses
1994 72 meses
1995 78 meses
1996 90 meses
1997 96 meses
1998 102 meses
1999 108 meses
2000 114 meses
12 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro, op. cit., 2009, p. 67.
132
2001 120 meses
2002 126 meses
2003 132 meses
2004 138 meses
2005 144 meses
2006 150 meses
2007 156 meses
2008 162 meses
2009 168 meses
2010 174 meses
2011 180 meses
Para o segurado ter direito à aplicação da tabela, há que fazer prova de sua filiação
ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, até a data da edição da Lei, ou seja, 24 de
julho de 1991.
Aqui é importante destacar a importância da formalização da filiação, ainda que
posterior, pois se o segurado, ainda que tenha exercício atividade remunerada antes de 24
de julho de 1991, não conseguir fazer prova da sua filiação, terá de cumprir a carência 180
para ter direito às aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial.
7.3.2. Aposentadoria dor idade do trabalhador rural
O trabalhador rural, como ensina Marcel Cordeiro13, para fins previdenciários, é
gênero do qual são espécies o segurado empregado, o contribuinte individual, o segurado
avulso e até o segurado especial, destacando que, diferentemente de alguns
posicionamentos trazidos pelo Direito do Trabalho, a delimitação previdenciária do
trabalhador rural está centrada na atividade do profissional e não na natureza econômica do
empregador.
Kerbauy14, por sua vez, utiliza a expressão “trabalhador rural” em seu sentido lato
para abranger todas as figuras contidas no art. 143 da Lei 8.213/91, entendidas como:
13 CORDEIRO, Marcel, op. cit., 2008, p. 165. 14 KERBAUY, Luís, op. cit., 2009, p. 83.
133
a)o empregado que presta serviço de natureza rural à empresa em caráter não eventual, subordinado e mediante remuneração; b) contribuinte individual previsto na alínea b do inciso V do artigo 11; c) trabalhador avulso que preste serviço de natureza rural a diversas empresas, sem vinculo empregatício; d) o segurado especial
Ao analisar a categoria do trabalhador rural, Kerbauy15 destaca que o cenário social
impôs tratamento legal diferenciado, que, nos termos da lei, goza de quatro prerrogativas
básicas: a) regime jurídico de custeio diferenciado, com base de cálculo de alíquotas
distintas dos demais segurados, em razão das peculiaridades das atividades rurícolas; b)
concessão dos benefícios previstos no artigo 39, I, da Lei 8.213/91, estendidos a todo
grupo familiar, no caso do segurado especial; c) concessão de aposentadoria por idade,
independentemente de contribuições, conforme regra de transição prevista no artigo 143,
da Lei 8.213/91; d) computo do tempo trabalhado nas atividades campesinas,
anteriormente à vigência da referida lei, exceto para fins de carência (§ 2º do artigo 55).
Para o trabalhador rural, há uma redução de 5 anos na idade mínima como requisito
específico para a concessão da Aposentadoria por Idade, previsto no parágrafo 1º do art. 48
da Lei 8.213/91:
§ 1o Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999)
A diferença de idade entre trabalhadores urbanos e rurais decorre da penosidade do
trabalho rural, de maneira que se torna totalmente justificada a distinção e de que não há
como tratar trabalhadores rurais e urbanos da mesma forma, pois são diferentes.
O critério aqui, mais uma vez, é o da presunção de incapacidade, quando atingida a
idade mínima e carência. Nesse sentido, Ladenthin16 afirma que
Encontram-se presumidamente incapazes para o trabalho, uma vez que se supõe que ao atingirem a idade de 65 ou 60 (trabalhador urbano e trabalhador rural), ou 60 e 55 anos (trabalhadora urbana e trabalhadora rural, respectivamente), têm suas aptidões para o trabalho em acelerado declínio e, por isso, deve ser-lhes concedida a prestação previdenciária.
15 KERBAUY, Luis, op. cit., 2009, p. 55. 16 Idem, ibidem, p.68
134
No mesmo sentido ensina Berbel17, para o qual a situação social do segurado
especial é diferenciada dos demais segurados, fato que lhe impõe um envelhecimento
físico mais acelerado.
A aposentadoria por idade para o trabalhador rural pode ser concedida com base em
três possibilidades previstas na Lei 8.213/91: artigo 39, nos artigos 48 a 50 e ainda com
base no artigo 143.
Enquanto os artigos 48 a 50 trazem a regra geral de concessão da aposentadoria por
idade, podemos atribuir ao artigo 39 uma natureza de “regra afirmativa” em relação ao
trabalhador rural enquadrado como segurado especial:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou II – dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.
Como se verifica, pela redação acima, a regra do artigo 39 não tem prazo definido.
Trata-se de uma regra que busca equilibrar uma situação de desigualdade social, como toda
regra afirmativa18. Assim, não obstante, o segurado especial seja contribuinte obrigatório,
nos termos do inc. VII do artigo 11 da Lei 8.213/91, terá acesso a prestação no valor de 01
(um) salário mínimo, ainda que não tenha realizado as contribuições nos termos do artigo
25 da Lei 8.212/91, tendo em vista a especificidade de sua base de cálculo, representada
pelo total da receita bruta proveniente da comercialização da produção rural.
Já a previsão de aposentadoria por idade do artigo 143 tem natureza de “regra de
transição”, uma vez que não era exigida do trabalhador rural a contribuição social.
Contudo, essa regra, embora tenha um limite temporal, é mais abrangente, uma vez que
17 BERBEL, Fábio Lopes Vilela, op. cit., 2005, p. 202. 18 Outro exemplo de “regra afirmativa” é a Lei de cotas nas universidades.
135
inclui não apenas a espécie “segurado especial”, como também o gênero “trabalhador
rural”:
Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea “a” do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de 1995)
Assim, o trabalhador rural não enquadrado como segurado especial, com término
do prazo previsto no artigo 14319 da Lei 8.213/91, terá de fazer prova da carência, ou seja,
o número mínimo de contribuições, para ter direito às prestações previdenciárias, nos
termos do artigo 48 a 50 da Lei 8.213/91, enquanto que, para ao trabalhador rural
enquadrado como segurado especial, é garantida a aposentadoria por idade, o auxílio-
doença, a aposentadoria por invalidez, o auxílio-reclusão e a pensão por morte, no valor de
01 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício da atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
Desse modo, para fazer jus à prestação com base na regra afirmativa do artigo 39
ou com base na regra de transição do artigo 143, o segurado deverá comprovar o efetivo
exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento.
A mesma prova será exigida para ter direito à aposentadoria por idade, com base na
regra geral prevista no artigo 48. Porém, nesse caso, o conteúdo da prova é que vai garantir
a redução de 5 anos na idade, conforme redação do parágrafo 2º do mesmo artigo:
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta
19 O prazo foi prorrogado até 31/12/2010 nos termos do artigo 2º da Lei 11.718/2008.
136
Lei. Alterado pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008
Assim, a prova do efetivo exercício da atividade imediatamente anterior é requisito
indispensável para ter direito às prestações previstas nos artigos 39 e 143, bem como para
ter direito à redução no limite da idade, pois esse é o elemento que gera a presunção de
incapacidade real do segurado a partir do 60 anos para o homem e 55 para a mulher.
A Lei 8.213/91 traz, no seu artigo 106, com a redação dada pela Lei 11.718/2008,
um rol enunciativo dos meios de prova a serem utilizadas especificamente pelo trabalhador
rural:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: Alterado pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; V – bloco de notas do produtor rural; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; V VII – documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008 X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008
137
Esse rol é meramente enunciativo como assevera Kerbauy20, podendo a atividade
rural ser comprovada por quaisquer outros meios de prova. Inclusive, é possível a
utilização de documentos de outros membros da família. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REVISÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO DA RMI. ATIVIDADE URBANA INCONTROVERSA. CÔMPUTO DE TEMPO DE LABOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PROVA MATERIAL INDIRETA EM NOME DE TERCEIRO . PROVA TESTEMUNHAL. COMPROVAÇÃO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de ser possível a utilização de documentos em nome de terceiros (como marido e genitores) para efeito de comprovação da atividade rural, se corroborados por prova testemunhal idônea e consistente (Precedentes: REsp nº 576.912-PR, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 02-08-2004, p. 518 e AGA nº 463.855-SC, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 02-08-2004, p. 582). 2. Comprovado o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, o respectivo tempo de serviço deve ser computado, juntamente com os períodos de labor urbano reconhecidos pela Autarquia Previdenciária, para fins de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço. 3. Se o segurado contava mais de 34 anos completos de atividade laboral à data de entrada de seu requerimento administrativo, que precede à EC nº 20/98, faz jus à revisão do coeficiente de cálculo da RMI de sua aposentadoria por tempo de serviço, que deverá corresponder a 94% do salário-de-benefício, nos termos dos artigos 52 e 53, inciso I, da Lei nº 8.213/91. 4. Apelação e remessa oficial improvidas. (AC 200072050052701, NYLSON PAIM DE ABREU, TRF4 - SEXTA TURMA, 03/11/2004)
Ladenthin21, ao tratar das provas para fins de aposentadoria por idade do
trabalhador rural, destaca que são aceitos também como prova documentos, desde que
contemporâneos, tais como:
a) Certidão de Casamento; b) Certidão de Nascimento de filho, desde que a profissão declarada à
época tenha sido lavrador ou agricultor; c) Titulo de Eleitor; d) Certificado Militar; e) Comprovante de matrícula ou ficha de inscrição do próprio ou de
filhos em escola; f) Notas fiscais emitidas pela comercialização dos produtos cultivados; g) Atestados de antecedentes que pode ter a profissão da época; h) Escritura do imóvel rural, caso o imóvel seja de propriedade do
segurado ou de membros da família; i) Certidão de tutela ou curatela; j) Procuração;
20 KERBAUY, Luís, op. cit., 2009, p. 105. 21 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro, op. cit., 2009, p. 234.
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k) Recibo de compra e venda de implementos e/ou equipamentos agrícolas;
l) Ficha de associado em cooperativas ou sindicato; m) Comprovante de empréstimos bancário para fins de atividade rural; n) Comprovante de pagamento do Imposto Territorial Rural – ITR; o) Comprovante de participação como beneficiário de programas
governamentais para a área rural dos estados e/ou municípios; p) Ficha de crediário em estabelecimentos comerciais; q) Registro em livros de Entidades Religiosas, quando da participação em
sacramentos, tais como batismo, crisma e casamento; r) Registro em documentos de associações recreativos ou desportivas; s) Carteira de vacinação; t) Fichas ou registros em livros de casa de saúde, hospitais ou postos de
saúde; u) Declaração anual de Produtor – DAP, firmada perante o Incra; v) Título de aforamento; w) Declaração de aptidão fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais para fins de obtenção de financiamento ao Pronaf.
Como já visto, existem inúmeros fatos que podem levar à conclusão ou não do
efetivo exercício da atividade laboral, cabendo ao julgador proceder a sua adequada
valoração, observado o que já se falou sobre o início de prova material.
7.3.3 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 10.666/2003 A aposentadoria com base na Lei 10.666/2003 é uma subespécie da aposentadoria
por idade urbana, porém não tem como requisito a qualidade de segurado e a carência é
substituída pelo tempo de contribuição correspondente, o que evidentemente não é o
mesmo que carência, conforme redação do parágrafo 2º do Artigo 3º da referida Lei:
Art. 3º A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. § 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. § 2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do § 1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e § 2º, da Lei no 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.
139
Há de se observar que a redação da parte final do parágrafo 2º, no que refere à
“data do requerimento do beneficio”, adotou a redação original do artigo 142, alterado pela
Lei 9.032/95. Contudo, tal enunciado não tem eficácia jurídica, ou seja, não tem
capacidade de produzir os efeitos que lhe são próprios, uma vez que tal requisito contraria
o direito adquirido. Portanto, aplica-se a mesma regra geral da aposentadoria por idade nos
termos da redação do artigo 142 alterada pela Lei 9.032/95, ou seja, leva-se em conta o ano
em que o segurado completou a idade (65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher) como
confirma Ladenthin22:
O critério temporal exigido pelo referido artigo, em que o direito será verificado “a partir da data do requerimento”, não tem respaldo constitucional. Como direito subjetivo, a qualquer momento em que o segurado pretenda busca, exigir, exercitar o seu direito, este o estará aguardando intacto, pronto para ser consumado.
Em relação à carência, a principal diferença é a utilização do tempo de serviço23
para computo do tempo necessário para concessão do benefício. Assim, o segurado poderá
aproveitar o tempo de serviço que não pode ser considerado como carência, para fins da
concessão da aposentadoria por idade nos termos da Lei 10.666/2003, como, por exemplo,
o período de serviço militar, o tempo intercalado em que o segurado esteve em gozo de
auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, período rural, entre outros. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR URBANO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. IRRELEVÂNCIA. I – Para a obtenção de aposentadoria por idade é necessário o preenchimento dos requisitos previstos no art. 48 da Lei nº 8.213/91; II – A carência, disposta no art. 142 da Lei 8.213/91, disciplina o período exigido para obtenção das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial, para os segurados inscritos antes de 24 de julho de 1991, tendo como parâmetro o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a concessão da aposentadoria pretendida. Desta forma, em 13/09/1999 (data em que o demandante completou 65 anos), eram necessários, a título de carência, 108 meses de contribuição, assim, computando-se todos os períodos informados no Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição emitido pelo INSS (fls. 45/48), chega-se a um total de
22 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro, op. cit., p. 80. 23 Nos termos do artigo 4º da Emenda Constitucional 20/98, tempo de serviço é o mesmo que tempo de contribuição, até que lei específica discipline a matéria.
140
aproximadamente 11 anos e 04 meses, tempo superior à carência de 108 meses exigida para a concessão da aposentadoria pleiteada; III – No que tange à perda da qualidade de segurado, dispõe o § 1º, do art. 3º, da Lei nº 10.666/2003, que “na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”. IV – Agravo interno a que se nega provimento. (AC 200150010100970, Desembargador Federal ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES, TRF2 - PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, 15/09/2009)
7.3.4 Aposentadoria por idade nos termos da Lei 11.718/2008
Até o advento da Lei 11.718/2008, como ensina Ladenthin24, não era possível ao
segurado reunir períodos de atividade rural e urbana para implementar os requisitos
mínimos da aposentadoria por idade, de maneira que houve um avanço com a referida lei
que trouxe essa possibilidade, dando nova redação ao parágrafo 3º do artigo 48 da Lei
8.213/91:
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. Incluído pela LEI Nº 11.718 - DE 20 JUNHO DE 2008 – DOU DE 23/6/2008
Assim, o segurado que completou o requisito idade poderá, através de prova de
efetivo exercício de atividade rural, computar esse período para completar o requisito de
“carência” e se aposentar nessa nova modalidade de aposentadoria por idade, daí o nome
atribuído por Ladinthin25 de aposentadoria por idade mista.
Embora seja aplicável o tabela de transição do artigo 142 da Lei 8.213/91, o
conceito de “carência” para essa modalidade de aposentadoria também fica comprometido,
pois, nessa modalidade, o segurado deverá fazer prova de exercício de efetiva atividade
rural e prova de tempo de serviço, nos mesmos moldes da aposentadoria por idade nos
termos da Lei 10.666/2003.
24 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro, op. cit., 2009, p. 90. 25 Idem, ibidem, p. 90.
141
7.3.5 Aposentadoria “compulsória”
A aposentadoria “compulsória” é aquela prevista no artigo 51 da Lei 8.213/91 e em
que, ao contrário do previsto na Lei. 10.666/2003, a qualidade de segurado é inerente ao
benefício, como ensina Ladenthin26, bem como o empregador só pode se utilizar do
recurso da aposentadoria compulsória se o empregado tiver cumprido a carência mínima
exigida, funcionando também como rescisão indireta do contrato de trabalho.
Para Miguel Horvath Jr,27, essa modalidade de aposentadoria é de
constitucionalidade duvidosa, pois atenta contra o direito ao trabalho assegurado
constitucionalmente, além de retirar do segurado o direito à disponibilidade da concessão
do benefício, outorgando ao empregador o direito de impor a concessão, em afronta à
garantia constitucional da legalidade, na medida em que ninguém é obrigado a se
aposentar, ao contrário, é um direito social, que só poderia ser exercido pelo segurado.
A carência é a mesma do trabalhador urbano, ou seja, 180 contribuições a partir da
Lei 8.213/91, ou para aqueles que já estavam inscritos até 24 de julho de 1991, aplica-se à
tabela de transição, prevista no artigo 142 da Lei 8.213/91, enquanto que a idade é de
setenta (70) anos para o homem e sessenta e cinco (65) se mulher.
7.4 Aposentadoria por tempo de contribuição
A aposentadoria por tempo de contribuição será concedida aos 30 anos de
contribuição, para a mulher, e aos 35, para o homem, em face da nova redação dada ao § 7º
do Art. 201 Constituição Federal, pelo Art. 1º da Emenda Constitucional nº 20, de 1998.
A Emenda reconheceu, ainda, àqueles que na data de sua promulgação
preenchessem os requisitos para a concessão da Aposentadoria por Tempo de Serviço, o
direito adquirido à concessão do benefício.
Deve-se entender aposentadoria por tempo de contribuição, em substituição à
aposentadoria por tempo de serviço. Todavia, até que seja definido “tempo de
contribuição”, nos termos do art. 4º da Emenda Constitucional nº 20, “tempo de
contribuição” equivale a “tempo de serviço”. Desse modo, para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição, o segurado deverá comprovar o tempo de
serviço, a qualidade de segurado ou ex-segurado e a carência. 26 LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro, op. cit., 2009, p. 143. 27 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 226.
142
A carência é de 180 contribuições, observando-se, no que couber, a tabela do artigo
142 da Lei 8.213/91.
Uma das questões envolvendo o tempo de serviço e tempo de contribuição é a dos
efeitos da sentença trabalhista na esfera previdenciária, e muitos casos equiparando a
referida sentença ao início de prova material, como explica Miguel Horvath Jr.28
Apesar da autonomia existente entre a relação jurisdicional trabalhista e a relação previdenciária e mesmo que a decisão proferida pela Justiça do Trabalho não seja oponível ao Instituto Nacional do Seguro Social, a decisão proferida no Juízo Trabalhista que reconheça a relação empregatícia, ainda que não seja pautada em início de prova material, passa a servir como início de prova material que, se conjugada com a comprovação do efetivo recolhimento das contribuições sociais, possibilita o reconhecimento do estado de filiação à previdência social.
No Direito Previdenciário, para provar o tempo de serviço, o segurado deverá ter,
no mínimo, alguma representação material, ou seja, um documento, que, por sua vez,
remete a toda representação material idônea e contemporânea ao fato que pretende provar.
Contudo, o documento, além de idôneo, deve ser contemporâneo ao fato que se
pretende provar; logo, a sentença trabalhista, que não esteja pautada em início de prova
material, embora seja um documento idôneo, não é contemporânea ao fato que se pretende
provar.
Assim essa sentença trabalhista deve ser valorada pelo destinatário da prova com o
mesmo peso de uma declaração do ex-empregador, ou seja, um documento não
contemporâneo ao fato, pois, para que a referida decisão seja efetivamente um início de
prova material há que fazer referência a outros documentos que preencham os requisitos de
idoneidade e que sejam contemporâneos ao exercício do trabalho.
Não obstante a referida sentença vir acompanhada do recolhimento das
contribuições, está não tem o condão, em relação ao segurado empregado, de gerar a
filiação.
No que se refere à aposentadoria do professor, trata-se de uma modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição com tempo reduzido, abrangendo todos aqueles que trabalham na educação, como ensina Cleci Maria Dartora29: 28 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 216. 29 DARTORA, Cleci Maria. Aposentadoria do professor: aspectos controvertidos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 82.
143
A Constituição Federal estabeleceu um plus da aposentadoria com tempo de contribuição reduzido ao “professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio” . Ao fazer constar no texto a expressão funções de magistério, o legislador abrangeu todos aqueles que trabalham na educação infantil, fundamental e ensino médio, que são: especialistas, coordenadores pedagógicos, orientadores e diretores, até porque primeiro tem que ser professor para galgar uma das outras funções. Portanto, o tempo de efetivo magistério é condição sine qua non para alcançar a aposentadoria no forma do parágrafo 8º do art. 201 da CF.
Ainda em relação à aposentadoria por tempo de contribuição do professor, ao trazer
uma contagem especial, o sistema traz uma presunção absoluta de que, após 30 ou 25 anos,
se homem ou mulher, de efetivo magistério, o segurado apresentará uma incapacidade lato
sensu, como já apontado. Dessa maneira, o professor não precisa comprovar a exposição a
agente nocivo, ou mesmo a penosidade, como alguns defendem, Basta comprovar a
qualidade de professor, nos termos dos artigos 56 e 61, da Lei 8.213/91:
Art. 56. O professor, após 30 (trinta) anos, e a professora, após 25 (vinte e cinco) anos de efetivo exercício em funções de magistério poderão aposentar-se por tempo de serviço, com renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, observado o disposto na Seção III deste Capítulo. .... Art. 61. Observado o disposto no art. 19, são contados como tempo de contribuição, para efeito do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 56: (Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de 9/01/2002) I – o de serviço público federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal; II – o de recebimento de benefício por incapacidade, entre períodos de atividade; e III – o de benefício por incapacidade decorrente de acidente do trabalho, intercalado ou não. § 1º A comprovação da condição de professor far-se-á mediante a apresentação: I – do respectivo diploma registrado nos órgãos competentes federais e estaduais, ou de qualquer outro documento que comprove a habilitação para o exercício do magistério, na forma de lei específica; e II – dos registros em Carteira Profissional e/ou Carteira de Trabalho e Previdência Social complementados, quando for o caso, por declaração do estabelecimento de ensino onde foi exercida a atividade, sempre que necessária essa informação, para efeito e caracterização do efetivo exercício da função de magistério, nos termos do 2º do art. 56.
144
§ 2º É vedada a conversão de tempo de serviço de magistério, exercido em qualquer época, em tempo de serviço comum.
Tanto a aposentadoria do professor como a aposentadoria especial são modalidades
de aposentadoria por tempo de contribuição. Logo, a vedação de conversão do tempo de
serviço de magistério em comum é uma afronta ao princípio da isonomia.
A prova do tempo de serviço e tempo de contribuição serve de base não só para a
aposentadoria por tempo de contribuição, mas para a concessão da qualquer das
modalidades de aposentadoria.
No capítulo 4, ao se proceder a análise do Risco Social, demonstrou-se que tempo
de serviço ou tempo de contribuição são formas de aferição do Risco Social, o que se
denominou incapacidade presumida, ou seja, a norma prevê que, após um determinado
período de trabalho ou de contribuição, o segurado, através do mecanismo da presunção,
está incapacitado para o trabalho.
Tudo que já foi dito a respeito do CNIS, por ocasião da análise da prova da filiação,
aplica-se, igualmente, ao tempo de serviço e tempo de contribuição.
Segundo Miguel Horvath Jr.30, considera-se tempo de serviço o lapso desde o início
até a data do requerimento ou do desligamento da atividade abrangida pela Previdência
Social, descontados os períodos legalmente estabelecidos como de suspensão do contrato
de trabalho, de interrupção do exercício e do desligamento da atividade.
Nos termos do artigo 55 da Lei 8.213/91, o tempo de serviço será comprovado na
forma estabelecida pelo Regulamento e ainda:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: I – o tempo de serviço militar, inclusive o voluntário, e o previsto no § 1º do art. 143 da Constituição Federal, ainda que anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, desde que não tenha sido contado para inatividade remunerada nas Forças Armadas ou aposentadoria no serviço público; II – o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez; III – o tempo de contribuição efetuada como segurado facultativo; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
30 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 212.
145
IV – o tempo de serviço referente ao exercício de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social; (Redação dada pela Lei nº 9.506, de 1997) V – o tempo de contribuição efetuado por segurado depois de ter deixado de exercer atividade remunerada que o enquadrava no art. 11 desta Lei; VI – o tempo de contribuição efetuado com base nos artigos 8º e 9º da Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991, pelo segurado definido no artigo 11, inciso I, alínea "g", desta Lei, sendo tais contribuições computadas para efeito de carência. (Incluído pela Lei nº 8.647, de 1993) § 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o disposto no § 2º. § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. § 4o Não será computado como tempo de contribuição, para efeito de concessão do benefício de que trata esta subseção, o período em que o segurado contribuinte individual ou facultativo tiver contribuído na forma do § 2o do art. 21 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, salvo se tiver complementado as contribuições na forma do § 3o do mesmo artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 123, de 2006)
O Decreto 3.048/99, no artigo 60, traz uma série de períodos considerados como de
tempo de serviço e, consequentemente, de contribuição, inclusive por meio da presunção,
como, por exemplo, o tempo em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou
aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade, ou seja, período em que o
segurado, mesmo deixando de praticar o fato gerador da filiação, tem considerado o
período em questão para fins de tempo de serviço.
A reprodução do conteúdo do artigo 60 do Decreto 3.048/99 se revela bastante
útil, tendo em vista a especificidade da prova a ser produzida em relação ao tempo de
serviço, uma vez que, em determinadas situações, a norma permite a utilização do referido
tempo, ainda que desacompanhada da respectiva contribuição:
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Art.60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros: I – o período de exercício de atividade remunerada abrangida pela previdência social urbana e rural, ainda que anterior à sua instituição, respeitado o disposto no inciso XVII; II – o período de contribuição efetuada por segurado depois de ter deixado de exercer atividade remunerada que o enquadrava como segurado obrigatório da previdência social; III – o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade; IV – o tempo de serviço militar, salvo se já contado para inatividade remunerada nas Forças Armadas ou auxiliares, ou para aposentadoria no serviço público federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, ainda que anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, nas seguintes condições: a) obrigatório ou voluntário; e b) alternativo, assim considerado o atribuído pelas Forças Armadas àqueles que, após alistamento, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter militar; V – o período em que a segurada esteve recebendo salário-maternidade; VI – o período de contribuição efetuada como segurado facultativo; VII – o período de afastamento da atividade do segurado anistiado que, em virtude de motivação exclusivamente política, foi atingido por atos de exceção, institucional ou complementar, ou abrangido pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, ou que, em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, tenha sido demitido ou compelido ao afastamento de atividade remunerada no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988; VIII – o tempo de serviço público federal, estadual, do Distrito Federal ou municipal, inclusive o prestado a autarquia ou a sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público, regularmente certificado na forma da Lei nº 3.841, de 15 de dezembro de 1960, desde que a respectiva certidão tenha sido requerida na entidade para a qual o serviço foi prestado até 30 de setembro de 1975, véspera do início da vigência da Lei nº 6.226, de 14 de junho de 1975; IX – o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não; X – o tempo de serviço do segurado trabalhador rural anterior à competência novembro de 1991; XI – o tempo de exercício de mandato classista junto a órgão de deliberação coletiva em que, nessa qualidade, tenha havido contribuição para a previdência social; XII – o tempo de serviço público prestado à administração federal direta e autarquias federais, bem como às estaduais, do Distrito Federal e municipais, quando aplicada a legislação que autorizou a contagem recíproca de tempo de contribuição;
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XIII – o período de licença remunerada, desde que tenha havido desconto de contribuições; XIV – o período em que o segurado tenha sido colocado pela empresa em disponibilidade remunerada, desde que tenha havido desconto de contribuições; XV – o tempo de serviço prestado à Justiça dos Estados, às serventias extrajudiciais e às escrivanias judiciais, desde que não tenha havido remuneração pelos cofres públicos e que a atividade não estivesse à época vinculada a regime próprio de previdência social; XVI – o tempo de atividade patronal ou autônoma, exercida anteriormente à vigência da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, desde que indenizado conforme o disposto no art. 122; XVII – o período de atividade na condição de empregador rural, desde que comprovado o recolhimento de contribuições na forma da Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, com indenização do período anterior, conforme o disposto no art. 122; XVIII – o período de atividade dos auxiliares locais de nacionalidade brasileira no exterior, amparados pela Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993, anteriormente a 1º de janeiro de 1994, desde que sua situação previdenciária esteja regularizada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social; XIX – o tempo de exercício de mandato eletivo federal, estadual, distrital ou municipal, desde que tenha havido contribuição em época própria e não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social; XX – o tempo de trabalho em que o segurado esteve exposto a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, observado o disposto nos arts. 64 a 70; e XXI – o tempo de contribuição efetuado pelo servidor público de que tratam as alíneas “i”, “j” e “l” do inciso I do caput do art. 9º e o § 2º do art. 26, com base nos arts. 8º e 9º da Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991, e no art. 2º da Lei nº 8.688, de 21 de julho de 1993. XXII – o tempo exercido na condição de aluno-aprendiz referente ao período de aprendizado profissional realizado em escola técnica, desde que comprovada a remuneração, mesmo que indireta, à conta do orçamento público e o vínculo empregatício. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 1º Não será computado como tempo de contribuição o já considerado para concessão de qualquer aposentadoria prevista neste Regulamento ou por outro regime de previdência social. § 2º (Revogado pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/1999) § 3º O tempo de contribuição de que trata este artigo será considerado para cálculo do valor da renda mensal de qualquer benefício. § 4º O segurado especial que contribui na forma do § 2º do art. 200 somente fará jus à aposentadoria por idade, tempo de contribuição e especial após o cumprimento da carência exigida para estes benefícios, não sendo considerado como período de carência o tempo de atividade rural não contributivo. § 5º Não se aplica o disposto no inciso VII ao segurado demitido ou exonerado em razão de processos administrativos ou de aplicação de política de pessoal do governo, da empresa ou da entidade a que estavam
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vinculados, assim como ao segurado ex-dirigente ou ex-representante sindical que não comprove prévia existência do vínculo empregatício mantido com a empresa ou sindicato e o consequente afastamento da atividade remunerada em razão dos atos mencionados no referido inciso. § 6º Caberá a cada interessado alcançado pelas disposições do inciso VIIcomprovar a condição de segurado obrigatório da previdência social, mediante apresentação dos documentos contemporâneos dos fatos ensejadores da demissão ou afastamento da atividade remunerada, assim como apresentar o ato declaratório da anistia, expedido pela autoridade competente, e a consequente comprovação da sua publicação oficial. § 7º Para o cômputo do período a que se refere o inciso VII, o Instituto Nacional do Seguro Social deverá observar se no ato declaratório da anistia consta o fundamento legal no qual se fundou e o nome do órgão, da empresa ou da entidade a que estava vinculado o segurado à época dos atos que ensejaram a demissão ou o afastamento da atividade remunerada. § 8º É indispensável para o cômputo do período a que se refere o inciso VIIa prova da relação de causa entre a demissão ou afastamento da atividade remunerada e a motivação referida no citado inciso.
Já o artigo 62 do mesmo Decreto trata especificamente dos meios de prova,
restringindo-as às provas documentais, que podem ser complementadas mediante o
processo de justificação administrativa, desde que baseada no início de prova material:
Art.62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do art. 60, observado o disposto no art. 19 e, no que couber, as peculiaridades do segurado de que tratam as alíneas "j" e "l" do inciso V do caput do art. 9º e do art. 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi prestado. (Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de 9/01/2002) § 1º As anotações em Carteira Profissional e/ou Carteira de Trabalho e Previdência Social relativas a férias, alterações de salários e outras que demonstrem a sequência do exercício da atividade podem suprir possível falha de registro de admissão ou dispensa. (Parágrafo restabelecido pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003) § 2º Subsidiariamente ao disposto no art. 19, servem para a prova do tempo de contribuição que trata o caput: (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) I – para os trabalhadores em geral, os documentos seguintes: (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) a) o contrato individual de trabalho, a Carteira Profissional, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a
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caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Secretaria da Receita Federal do Brasil; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) b) certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) c) contrato social e respectivo distrato, quando for o caso, ata de assembleia geral e registro de empresário; ou (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) d) certificado de sindicato ou órgão gestor de mão-de-obra que agrupa trabalhadores avulsos; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) II – de exercício de atividade rural, alternativamente: (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) a) contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) b) contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) c) declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo INSS; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) d) comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) e) bloco de notas do produtor rural; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) f) notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 24 do art. 225, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) g) documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) h) comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) i) cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) j) licença de ocupação ou permissão outorgada pelo INCRA; ou (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) l) certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural, desde que homologada pelo INSS. (Nova redação dada pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008)
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I – o contrato individual de trabalho, a Carteira Profissional e/ou a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Receita Federal; II – certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade; III – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) IV – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) V – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) VI – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) VII – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) VII – (Revogado pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 3º Na falta de documento contemporâneo podem ser aceitos declaração do empregador ou seu preposto, atestado de empresa ainda existente, certificado ou certidão de entidade oficial dos quais constem os dados previstos no caput deste artigo, desde que extraídos de registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social. (Parágrafo restabelecido pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003) § 4º Se o documento apresentado pelo segurado não atender ao estabelecido neste artigo, a prova exigida pode ser complementada por outros documentos que levem à convicção do fato a comprovar, inclusive mediante justificação administrativa, na forma do Capítulo VI deste Título. (Parágrafo restabelecido pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003) § 5º A comprovação realizada mediante justificação administrativa ou judicial só produz efeito perante a previdência social quando baseada em início de prova material. (Parágrafo restabelecido pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003) § 6º A prova material somente terá validade para a pessoa referida no documento, não sendo permitida sua utilização por outras pessoas. (Parágrafo restabelecido pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003) § 7o A empresa colocará à disposição de servidor designado por dirigente do Instituto Nacional do Seguro Social as informações ou registros de que dispuser, relativamente a segurado a seu serviço e previamente identificado, para fins de instrução ou revisão de processo de reconhecimento de direitos e outorga de benefícios do Regime Geral de Previdência Social Alterado pelo Decreto nº 6.496 - de 30 de Junho de 2008 – DOU DE 01/7/2008 § 8 o A declaração mencionada na alínea “c” do inciso II do § 2o, além da identificação da entidade e do emitente da declaração, com indicação do respectivo mandato: (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008)
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I – deverá ser fornecida em duas vias, em papel timbrado da entidade, com numeração sequencial controlada e ininterrupta; (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) II – deverá conter a identificação, a qualificação pessoal do beneficiário e a categoria de produtor a que pertença; (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) III – deverá consignar os documentos e informações que serviram de base para a sua emissão, bem como, se for o caso, a origem dos dados extraídos de registros existentes na própria entidade declarante ou em outro órgão, entidade ou empresa, desde que idôneos e acessíveis à previdência social; (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) IV – não poderá conter informação referente a período anterior ao início da atividade da entidade declarante, salvo se baseada em documento que constitua prova material do exercício da atividade; e (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) V – deverá consignar dados relativos ao período e forma de exercício da atividade rural na forma estabelecida pelo INSS. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 9 o Sempre que a categoria de produtor informada na declaração de que trata a alínea “c” do inciso II do § 2o for de parceiro, meeiro, arrendatário, comodatário, ou outra modalidade de outorgado, o documento deverá identificar e qualificar o outorgante. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 10. A segunda via da declaração prevista na alínea “c” do inciso II do § 2o deverá ser mantida na própria entidade, com numeração sequencial em ordem crescente, à disposição do INSS e demais órgãos de fiscalização e controle. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 11. Na hipótese de inexistência de sindicato que represente o trabalhador rural, a declaração mencionada na alínea “c” do inciso II do § 2o poderá ser suprida pela apresentação de duas declarações firmadas por autoridades administrativas ou judiciárias locais, desde que exerçam cargos ou funções de juízes federais ou estaduais ou do Distrito Federal, promotores de justiça, delegados de polícia, comandantes de unidades militares do Exército, Marinha, Aeronáutica ou de forças auxiliares, titulares de representação local do Ministério do Trabalho e Emprego e de diretores titulares de estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 12. As autoridades mencionadas no § 11 somente poderão fornecer declaração relativa a período anterior à data do início das suas funções na localidade se puderem fundamentá-la com documentos contemporâneos do fato declarado, que evidenciem plena convicção de sua veracidade. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 13. A declaração de que trata o § 11, sujeita à homologação pelo INSS, e a certidão a que se refere a alínea “l” do inciso II do § 2o deverão obedecer, no que couber, ao disposto no § 8o. (Incluído pelo Decreto nº 6.722,de 30/12/2008) § 14. A homologação a que se refere à alínea “l” do inciso II do § 2o se restringe às informações relativas à atividade rural, em especial o atendimento dos incisos II, III e V do § 8o. (Incluído pelo Decreto nº 6.939, de 18 de agosto de 2009 – DOU DE 19/8/2009)
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Art.63. Não será admitida prova exclusivamente testemunhal para efeito de comprovação de tempo de serviço ou de contribuição, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, observado o disposto no § 2º do art. 143.
Contudo, dada a natureza aberta do sistema de prova adotado no ordenamento
brasileiro, o referido rol é meramente exemplificativo, prevalecendo a regra geral da
admissão de todos os meios de prova em direito admitidos.
7.5 Aposentadoria especial
A aposentadoria especial está prevista nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91 e,
atualmente, é considerada o benefício de maior complexidade dentro do Regime Geral de
Previdência Social. Há inúmeras obras tratando da matéria e, considerando o objetivo
desse trabalho, trataremos apenas dos aspectos relacionada com as provas.
Para a sua concessão, além da carência e da qualidade de segurado ou ex-segurado,
a aposentadoria especial requer a comprovação por parte do segurado de efetiva exposição
a agente nocivo químico, físico ou biólogo. É o que se verifica da redação do caput do
artigo 57 e dos parágrafos 3º e 4º:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado.
§ 4º O segurado deverá comprovar, além do tempo de trabalho, exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do benefício.
Assim, além da carência, qualidade de segurado ou ex-segurado, há que se fazer
prova do Risco Social, ou seja, da incapacidade presumida mediante a efetiva exposição a
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agentes nocivos físicos químicos e biológicos durante 15, 20 ou 25 anos, dependendo do
agente nocivo.
Neste ponto, retomemos alguns aspectos relevantes, na medida em que a legislação
que cuida da relação entre o segurado e Previdência Social tem por objeto conferir
proteção social contra os chamados Riscos Sociais, mediante prestações.
O Risco Social cuida da probabilidade ou da possibilidade de dano. No âmbito da
Previdência Social, o dano é a perda da capacidade para o trabalho e uma das formas de
saná-lo é mediante a substituição do salário pelo benefício. Contudo, mais que sanar o
dano, também é objetivo da Previdência Social preveni-lo, mediante normas de proteção,
segurança e higiene do trabalho.
No nosso sistema, a incapacidade encontra duas formas de verificação: aquilo que
denominamos de incapacidade real e aquilo que denominamos de incapacidade presumida.
Na aposentadoria por tempo de contribuição e especial, não há a necessidade da
comprovação da incapacidade. Ela é presumida em virtude de Lei. Assim, para o sistema, o
homem, ao completar 35 anos de trabalho, tem presumida sua incapacidade com direito à
aposentadoria por tempo de contribuição.
Nas atividades com exposição aos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos, a
Lei Previdenciária presume que a exposição, a simples exposição, levará a um dano, mas
não há exigência de comprovação do dano.
Dessa maneira, a norma busca proteger o trabalhador da exposição ao agente
nocivo. Aqui, também há duas formas de prevenção: ou a norma limita o tempo de
exposição do trabalhador, ou a lei garante um adicional ao tempo de laborado em
condições especiais, reduzindo, assim, o tempo total para a concessão, pois o patamar de
35 anos de trabalho não leva em consideração que ele era realizado sob condições
especiais, completando a lógica própria do nosso sistema de Previdência Social, em que a
incapacidade, neste tipo de benefício, é presumida.
Como ensina Miguel Horvath Jr.31, este benefício visa proteger a saúde ou a
integridade do trabalhador. Basta a mera exposição ao risco, independentemente do
atingimento da capacidade laboral, daí a aposentadoria especial ser uma das espécies da
aposentadoria por tempo de serviço.
31 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 253.
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O segurado deverá fazer prova de exposição de agentes nocivos prejudiciais à saúde
ou à integridade física pelo período de 15, 20 ou 25 anos, conforme o agente nocivo, bem
como comprovar que a exposição foi permanente, não ocasional e não intermitente.
Os agentes físicos são as diversas formas de energia a que possam estar expostos os
trabalhadores, tais como os ruídos, as vibrações, as temperaturas anormais (frio ou calor),
as pressões anormais, as radiações ionizantes, as não ionizantes, a umidade, a iluminação32.
São considerados agentes químicos as substâncias compostos ou produtos que
possam penetrar no organismo pela via respiratória ou que, pela natureza da atividade de
exposição, possam ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por
ingestão, sendo manifestados por névoa, neblinas, poeiras, fumos, gases e vapores33.
São considerados agentes biológicos os microorganismos como bacilos, bactérias,
fungos, parasitas etc. Os trabalhadores que geralmente têm contato com agentes nocivos
biológicos são os da área médica, de enfermagem, funcionários de laboratórios de análise
biológica, lixeiros, açougueiros, lavradores, tratadores de gado, de curtume e de estação de
tratamento de esgoto, dentro outros34.
No que se refere ao agente o ruído, o uso do Equipamento de Proteção Individual –
EPI - tem prevalência no entendimento jurisprudencial, no sentido de que o seu uso, ainda
que elimine a insalubridade, não descaracteriza o tempo de serviço como especial em
consonância com Súmula 09 da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Federais.
Contudo, há decisões no sentido de que, comprovada a adequada utilização do EPI e a
eficácia do equipamento utilizado, o período especial não deve ser considerado especial
após a edição da Lei 9.732, de 13 de dezembro de 1998.
Todavia, a partir da análise do Risco Social, verifica-se que, mesmo que o EPI
venha eliminar o dano, não tem o condão de eliminar o risco. A legislação previdenciária
protege o segurado do risco, diferente da proteção conferida na esfera trabalhista, que trata
da indenização do trabalhador que sofreu o dano mediante adicionais de insalubridade.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. SIMPLES FORNECIMENTO.
32 Idem, ibidem, p. 255. 33 Idem, ibidem, p. 258. 34 Idem, ibidem, p. 259.
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MANUTENÇÃO DA INSALUBRIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Para que seja cabível a decisão monocrática segundo o art. 557, § 1º, do CPC, não há necessidade de a jurisprudência dos Tribunais ser unânime ou de existir súmula dos Tribunais Superiores a respeito. A existência de jurisprudência dominante nos Tribunais, ou nos Tribunais Superiores já seria suficiente. 2. O fato de a empresa fornecer ao empregado o Equipamento de Proteção Individual - EPI, ainda que tal equipamento seja devidamente utilizado, não afasta o direito ao benefício da aposentadoria com a contagem de tempo especial, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. 3. Os argumentos trazidos pelo agravante no presente recurso são mera reiteração das teses ventiladas anteriormente, não atacando os fundamentos da decisão recorrida, que se apresenta fundamentada em jurisprudência dominante desta corte e dos tribunais superiores. 4. Agravo a que se nega provimento. (AMS 200361210000614, JUIZ MARCO AURELIO CASTRIANNI, TRF3 - JUDICIÁRIO EM DIA - TURMA E, 06/04/2011)
Desse modo, em vários aspectos, a norma previdenciária é distinta da norma
trabalhista. Logo, o EPI, que elimina o dano de forma eficaz, retira do empregador a
obrigação de indenizar. Todavia, o segurado continua exposto ao agente nocivo. Somente
com a eliminação do risco, ou seja, com um ambiente do trabalho livre de agentes nocivos,
elimina-se o risco de exposição, corroborando, assim, o entendimento da referida Súmula
09 da Turma de Uniformização dos JEFs.
Concluindo a prova deve ser sempre da exposição aos agentes nocivos. Essa
comprovação, atualmente, é feita através do documento denominado Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP, que substituiu o formulário anterior denominado e DIRBEN 8030,
tendo sido introduzido através do Decreto 4032, de 26 de novembro de 2001 e com
vigência a partir de 01 de janeiro de 2004.
Segundo Wladimir Novaes Martinez, PPP pode ser definido como:
Formulário histórico-laboral escrito (ou virtual), retrato fiel das condições ambientais de trabalho e narrativa das condições do segurado, exposto ou não a gente nocivos (contemplados ou não no Anexo IV do RPS), baseado em registros administrativos do setor de recursos humanos (área pessoal), cadastro da área interna da higiene, medicina e segurança do trabalho, colhidos no LTCAT, PCMSO, PGR e PPRA (e outros programas laborais), emitido e entregue legal e obrigatoriamente pela empresa ao trabalhador.
Antes do PPP, a comprovação se dava, principalmente, pelos formulários SB/40,
DIRBEN 8030 e DSS 8030 e do Laudo Técnico das Condições Ambientais - LTCAT.
Contudo, enquanto documento, ou seja, uma representação material de um fato, não é o
tipo de documento (formulário) que comprova, mas o seu conteúdo, que tem como fonte
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outros documentos elaborados à época, como o próprio LTCAT, o Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO e o Programa de Prevenção de Riscos
Ambientais - PPRA, através de perícia realizada no ambiente do trabalho. Portanto, ainda
que as informações sejam transmitidas pelo formulário atual, PPP, o seu conteúdo será
referente às situações pretéritas, aliás como todo documento, e, nesse sentido, o PPP
substitui a necessidade de apresentação por parte do segurado dos formulários anteriores e
o respectivo laudo.
Não quer dizer que não se está exigindo o laudo técnico, apenas que o conteúdo das
informações constante no laudo já foi retransmitido para o PPP. Nesse sentido:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. DECRETO Nº 4882/03. PPP. LAUDO. DESNECESSIDADE. RETROATIVIDADE. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. IMPROVIMENTO. 1. Os argumentos trazidos pelo réu na sua irresignação foram devidamente analisados pela r. decisão hostilizada, a qual se encontra alicerçada na legislação que estabelece o benefício e em jurisprudência da Colenda Corte Superior. 2. A legislação previdenciária não mais exige a apresentação do laudo técnico para fins de comprovação de atividade especial, sendo que embora continue a ser elaborado e emitido por profissional habilitado, qual seja, médico ou engenheiro do trabalho, o laudo permanece em poder da empresa que, com base nos dados ambientais ali contidos, emite o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP , que reúne em um só documento tanto o histórico profissional do trabalhador como os agentes nocivos apontados no laudo ambiental, e no qual consta o nome do profissional que efetuou o laudo técnico, sendo que o PPP é assinado pela empresa ou seu preposto. 3. Portanto, não se mostra razoável desconstituir a autoridade dos precedentes que orientam a conclusão que adotou a decisão agravada. 4. Agravo legal a que se nega provimento. (AMS 200861090091139, JUIZA MARISA CUCIO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 25/08/2010)
O Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP - deverá ser assinado por
representante legal da empresa, contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente
habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica.
Trata-se de um documento que tem por base uma perícia, ou seja, uma prova técnica.
Retomando o que já se falou, uma prova pericial só pode ser confirmada ou
infirmada por outra perícia, mas sempre em relação ao ambiente do trabalho. É possível a
utilização de outros laudos técnicos provenientes de reclamação trabalhista, da
Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego. Contudo, a aceitação de laudo
elaborado por similaridade em relação a outra empresa, equipamento ou setor similar, via
157
de regra, não são admitidas35, mas podem vir a serem aceitas em situações excepcionais,
ou seja, em caso fortuito ou de força maior.
Até 28 de abril de 1995, o enquadramento da atividade podia ser feito com base na
categoria profissional, com base no quadro anexo ao Decreto 53.831/64, os anexos I e II do
Decreto 83.080/79, mediante Formulário, CTPS, sendo exigido o LTCAT somente para
ruído.
De 29 de abril e 1995 a 05 de março de 1997, o enquadramento dos agentes com
base no código 1.0.0 do anexo ao Decreto 53.831/64 e o anexo I do Decreto 83.080/79,
mediante Formulário e LTCAT somente para ruído.
De 06 de março de 1997 a 31 de dezembro de 2003, enquadram-se todos os agentes
agressivos constantes do anexo IV do Decreto 2.172/97 (substituído pelo Decreto
3.048/99), mediante Formulário e LTCAT para todos os agentes nocivos.
A partir de 01 de janeiro de 2004, enquadram-se todos os agentes agressivos
constantes do anexo IV do Decreto 3.048/99, mediante PPP.
O enquadramento por atividade, até a edição da Lei 9.032/95, tinha como
pressuposto a presunção de que o trabalho era exercido em condições insalubres, perigosas
ou penosas. A presunção de enquadramento da referida atividade era absoluta, não
admitindo prova em contrário. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL – PREVIDENCIÁRIO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS INFRINGENTES - EFEITOS INFRINGENTES - ATENDIMENTO AOS IDEAIS DE JUSTIÇA - CONCESSÃO DE APOSENTADORIA ESPECIAL - COMPROVADA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. I – Até o advento da Lei nº 9.032/95 era possível contar o tempo de serviço prestado em condições prejudiciais e penosas à saúde e também o exercido por uma determinada categoria profissional, em virtude de presunção legal, conforme listagem anexada aos Decretos que regulamentavam a matéria. II – A Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995, contudo, inaugurou uma nova concepção sobre o instituto da aposentadoria especial, quando suprimiu do caput do artigo 57, da Lei nº 8.213/91 o termo “conforme atividade profissional”, deixando apenas o requisito das “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. III – Portanto, para a obtenção da aposentadoria especial, com base em fatos anteriores à Lei nº 9.032/95 basta demonstração de que a atividade profissional exercida pelo segurado era daquelas relacionadas como perigosas, insalubres ou penosas em rol contido em norma expedida pelo próprio Poder Executivo; com relação aos fatos ocorridos entre a Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995 e a expedição do Decreto nº 2.172/97, de 05 de março de 1997, o benefício só será concedido se restar comprovado nos formulários SB-40 e DSS-8030, que o pretendente desempenhou atividade profissional com efetiva exposição a agentes nocivos e a partir daí, mediante a apresentação de laudo técnico. IV – Havendo nos autos farta documentação comprovando o exercício de atividade laboral em condições insalubres, corroborando o parecer emitido pela
35 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 268.
158
Divisão de Perícias Médicas do Instituto Nacional do Seguro Social, deve ser dado efeitos infringentes aos embargos de declaração, a fim de atender aos ideais de justiça que norteiam as decisões judiciais. V – Embargos de declaração providos. (EEIAC 200151015269646, Desembargador Federal ANDRÉ FONTES, TRF2 - PRIMEIRA SEÇÃO ESPECIALIZADA, 15/08/2008)
Outra questão diretamente ligada à aposentadoria especial, geradora de inúmeros
processos, é a possibilidade ou não da conversão do tempo especial em comum, quando o
segurado, durante a sua vida laboral, exerceu atividades parte exposto a agentes nocivos e
parte não exposto.
Em relação à possibilidade de conversão, a questão atualmente está praticamente
pacificada com revogação da Súmula 16 do STJ, que limitava tal possibilidade numa
interpretação totalmente equivocada culminando com a revogação do referido enunciado.
A conversão, além de lógica, pois carece de sentido matemático a soma de
elementos diferentes sem a respectiva conversão, é necessária, pois o trabalhador, na
grande maioria das vezes, não tem um único vínculo laboral durante sua vida, de maneira
que parte da atividade é exercida com exposição a agentes nocivos e a outra parte sem
exposição. Logo, a conversão é único caminho viável, a fim de conciliar a soma dos
tempos diferentes de serviços.
Atualmente a conversão se, de um lado, permite ao trabalhador obter uma redução
o tempo necessário para concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de outro
lado, em decorrência da aplicação do fator previdenciário, é geradora de uma redução
muito grande na renda mensal inicial do segurado.
Isso ocorre porque ao considerar a idade desse trabalhador, o fator previdenciário,
acaba por interpretá-la como se fosse uma aposentadoria precoce, quando, na verdade, esse
trabalhador sofreu um desgaste maior em decorrência da exposição aos agentes nocivos,
que lhe permite o afastamento antecipado.
Na redação original da Lei 8.213/91, as aposentadorias por idade, especial e por
tempo de serviço tinham a mesma base cálculo: média dos trinta e seis últimos salários de
contribuição multiplicados pelo coeficiente de cálculo, aglutinando, assim, todas as demais
variantes, limitadando-se a 100% do salário de benefício.
Desse modo, o trabalhador, que durante sua vida laboral ficou sujeito a condições
especiais que prejudicaram a saúde ou a integridade física, através da exposição aos
agentes nocivos físicos, químicos e biológicos, ou exerce uma das atividades enquadradas
por categoria profissional como insalubre, perigosa ou penosa, observando-se o
159
enquadramento segundo a época em que o trabalho foi exercido e preenchendo uma das
hipóteses da aposentadoria especial, ou seja, após 15, 20 ou 25 anos de atividade
profissional especial, tem direito ao respectivo benefício.
Não completando o tempo necessário para a concessão de aposentadoria especial, o
segurado tem garantido, nos termos do parágrafo 5º do art. 57 da Lei 8.213/91, o direito à
conversão do tempo especial em comum, segundo a tabela do art. 70 do Decreto 3.048/99,
de maneira que o coeficiente era um dos fatores determinantes para manter o equilíbrio
matemático entre o tempo de serviço e o valor do benefício e, ao mesmo tempo, dar
tratamento isonômico aos segurados que exercem atividades especiais por toda a vida
laboral, ou somente em parte dela.
Contudo, a partir da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, em atendimento ao
Comando Constitucional de Equilíbrio Financeiro e Atuarial, mantendo 100% do salário de
benefício para a Aposentadoria por Invalidez, foram adotados novos critérios informadores
para a apuração do nível de proteção para as demais espécies de aposentadoria, na busca de
um nível de proteção mais específico, introduzindo, dessa maneira, um novo elemento: o
fator previdenciário e uma nova base de cálculo.
O fator previdenciário não incide na aposentadoria especial e é opcional na
aposentadoria por idade. Assim, todo o peso do equilíbrio financeiro e atuarial passou a
recair, única e exclusivamente, sobre a aposentadoria por tempo de contribuição, dada a
falta de uma idade mínima para sua concessão.
Assim, o trabalhador, após 35 anos, se homem, ou 30 anos, se mulher, ainda que
tenha sua incapacidade laboral presumida, recebe uma medida de proteção reduzida a
partir de sua expectativa de sobrevida, que, por sua vez, parte do pressuposto que ele,
durante a sua vida laboral, não trabalhou em condições especiais que prejudicassem a
saúde ou a integridade física.
Porém, esse critério despreza todo o tempo laborado em condições especiais, na
medida em que o fator previdenciário incide integralmente sobre o valor do salário de
benefício, quando ocorre a conversão do tempo especial para comum e consequente
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Contudo, o trabalhador tem assegurado, constitucionalmente, a adoção de critérios
diferenciados para a concessão de benefícios, nos caso de atividades exercidas sob
condições especiais que prejudicassem a saúde ou a integridade física, nos termos do
160
parágrafo 1º do art. 201 da CF. Contudo, o Comando Constitucional não vem sendo
observado, uma vez que o INSS faz justamente o contrário, aplicando os mesmos critérios
de cálculo, tanto para aqueles que exerceram atividades em condições especiais, ainda que
parcialmente, quanto para aqueles que nunca exerceram qualquer atividade sob condições
especiais.
O parágrafo 1º do art. 201, com redação dada pelas Emendas 20/98 e 41/2003 e
47/2005, passou a ter a seguinte redação:
§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.
Nos termos do art. 15 da Emenda 20/98, até que seja publicada a Lei
Complementar, permanecem em vigor o disposto nos artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91.
Uma das alternativas seria a adoção de critérios diferenciados para o tempo especial
e o tempo comum também no momento de apuração da Renda Mensal Inicial, fazendo
incidir de forma proporcional o Fator Previdenciário.
A adoção de critérios de cálculo diferenciado não é novidade, já existindo no
sistema, quando o segurado exerce atividades concomitantes, de maneira que é
perfeitamente possível a adequação proporcional ao tempo de serviço especial, assim como
é possível converter tempo de serviço especial em comum, na medida em que, ao exercer
atividades em condições especiais, o segurado tem direito não só ao tempo acrescido, bem
como ao respectivo cálculo, na medida em que a proteção social é diferida ao trabalhador
que exerce atividades sob condições especiais que prejudicam a saúde ou a integridade
física.
Antes da Emenda Constituição 20/98, bastava à conversão do tempo de serviço
especial em comum para garantir uma aplicação com equidade e isonomia entre
trabalhadores comuns e os trabalhadores sujeitos a condições especiais, mas no atual
sistema não basta converter o tempo especial em comum para fins de concessão. Seria
necessária a adoção dos mesmos critérios de cálculo da aposentadoria especial na mesma
161
proporção do tempo de trabalho exercício em condições especiais, como forma de dar
atendimento ao comando Constitucional.
Por fim, existe ainda um requisito, cujo cumprimento não cabe ao segurado, mas ao
empregador. Trata-se da contribuição instituída no parágrafo 6º e 7º do artigo 57 da Lei
8.213/91.
§ 6º O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inciso II do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11/12/98) § 7º O acréscimo de que trata o parágrafo anterior incide exclusivamente sobre a remuneração do segurado sujeito às condições especiais referidas no caput. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11/12/98)
O critério material, contido nos enunciados acima, indica que a contribuição é,
única e exclusivamente, para financiamento da aposentadoria especial, do segurado
empregado ou avulso, que fará jus à aposentadoria após 15, 20 ou 25 anos de exposição às
condições especiais que prejudiquem a saúde.
Portanto, se o segurado não fizer jus a aposentadoria especial, não há incidência do
adicional, conhecido como RAT, o que demonstra uma incompatibilidade lógica no
critério material na forma disposta pelo legislador, pois não há como o empregador saber
se o seu empregado ficará exposto a condições especiais por 15, 20 ou 25 anos.
Considerando que, se o tempo especial não for suficiente para a concessão da
aposentadoria especial, ele deverá ser convertido, logo o adicional deveria incidir em
relação a todo segurado exposto ao agente nocivo e não somente em relação àquele que
terá direito à Aposentadoria Especial, pelas mesmas razões pelas quais a conversão é
necessária, ou seja, durante a vida laboral, o segurado tem vínculos com exposição a
agentes nocivos e vínculos sem exposição.
Como afirma Paulo de Barros Carvalho36, o critério material há de ser preciso e
especifico, pois:
36 Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 287.
162
O comportamento de uma pessoa, consistência material linguisticamente representada por um verbo e seu complemento, há de estar delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, como descrição normativa de um fato.
É evidente que o recolhimento da contribuição pode ser utilizado como um dos
elementos de prova, apto a corroborar o direito, desde que também haja prova dos demais
requisitos, mas sua ausência não pode ser invocada para negar o direito do segurado.
O recolhimento da contribuição é uma obrigação do empregador, não podendo ser
imputada ao segurado empregado a obrigação de fiscalizar e muito menos a falta de
recolhimento pode lhe retirar o direito a considerar o tempo como especial, aplicando sobre
essa contribuição a regra geral que incide sobre as demais contribuição em relação ao
segurado empregado, ou seja, aplica-se o princípio da automaticidade da contribuição.
7.6 Salário-família
O salário-família independe de carência nos termos do art. 26 da Lei 8.213/91
sendo concedido ao segurado de baixa renda que tenha filho menor de 14 (quatorze) anos
ou inválido ou equiparado a filho, devendo o segurado fazer prova mediante certidão de
nascimento do filho ou sentença de adoção, ou comprovação de invalidez para os filhos
maiores de 14 anos.
A partir da análise do Risco Social, o salário-família não se enquadra em nenhuma
das modalidades de incapacidade, ou seja, real ou presumida. Não obstante, para a fruição
do benefício, além da prova em relação ao filho menor de 14 anos, inválido ou equiparado,
o segurado deverá comprovar a “baixa renda” em atendimento a disposto no inc. IV do art.
201 da Constituição Federal, que limitou o salário-família e o auxílio-reclusão aos
dependentes dos segurados de baixa renda37.
A partir de 2000, o segurado deverá ainda apresentar prova de vacinação para os
menores de 7 anos e da frequência escolar para os maiores de 7 anos, conforme redação
atual do artigo 67 da Lei 8.213/91:
Art. 67. O pagamento do salário-família é condicionado à apresentação da certidão de nascimento do filho ou da documentação relativa ao equiparado
37 O conceito de baixa renda será analisado no item que trata do auxílio-reclusão.
163
ou ao inválido, e à apresentação anual de atestado de vacinação obrigatória e de comprovação de frequência à escola do filho ou equiparado, nos termos do regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26/11/99
O salário família, segundo Miguel Horvath Jr.38, é típico beneficio previdenciário
familiar de natureza assistencial, instituído pela Lei no. 4,266, de 03 de outubro de 1963,
para incentivar a natalidade, surgindo como direito complementar ao salário mínimo.
Contudo, o referido conceito padece de ambiguidade, pois ou o benefício tem natureza
assistencial ou tem natureza previdenciária.
Dado o conceito de Risco Social o salário-família apresenta natureza jurídica de
benefício assistencial, sendo uma assistência dada pelo Sistema de Seguridade Social
através do gestor da Previdência Social, com vista a amenizar o encargo familiar
decorrente da criação e educação de filhos ou equiparados a filhos.
7.7 Salário-maternidade
O salário-maternidade está previsto nos artigos 71 a 73 da Lei 8.213/91. O Risco
Social é representado pela incapacidade presumida da mãe, não admitindo, assim, prova
em contrário.
Não obstante seja devido a todas as seguradas, enquanto as seguradas empregadas
(inclusive as domésticas) e as trabalhadoras avulsas estão dispensadas da carência, para as
contribuintes individuais e facultativas é exigida a carência de 10 contribuições mensais
para a concessão, e, no caso de parto antecipado, a carência será reduzida em número de
contribuições equivalentes em números de meses que o parto foi antecipado.
A segurada especial deverá comprovar o efeito exercício da atividade rural nos dez
meses anteriores ao requerimento do benefício, bem como a regra afirmativa39, prevista no
parágrafo único 39 da Lei 8.213/91, garante-lhe o benefício com base em um (01) salário
mínimo.
Assim, para a concessão do benefício, há de ser fazer prova da qualidade de
segurada, da carência quando se tratar de segurada contribuinte individual, especial ou
facultativa, prova do nascimento, da adoção ou guarda, ou, no caso de natimorto
38 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 278. 39 A questão da regra afirmativa foi abordada no item que trata da aposentadoria por idade do trabalhador rural.
164
comprovado mediante atestado médico, sem necessidade de avaliação pela perícia médica
oficial.
Segundo Miguel Horvath Jr.40, o parto e a adoção ou guarda judicial para fins de
adoção são fatos geradores do salário-maternidade, sendo que, em relação ao parto,
somente é devido em relação aos eventos ocorridos a partir da 23ª semana (6º mês) de
gestação, inclusive em caso de natimorto.
Considera-se natimorto o nascimento sem vida após 6 (seis) meses de gestação ou
23ª semana. Antes desse período, o nascimento sem vida é considerado como aborto.
A Organização Mundial da Saúde define abortamento como sendo a interrupção da
gestação antes de 20-22 semanas ou com peso inferior a 500 gramas. Subclassifica, ainda
precoce, quando ocorre até 12 semanas e tardio quando entre 12 e 20-22 semanas.41
Quando ocorre óbito fetal, após as 20-22 semanas, denomina-se Óbito Fetal Intra-
útero, sendo sua expulsão o parto de um natimorto. Se o feto inviável, porém com mais de
20-22 semanas, nascer com vida e falecer em seguida, fala-se em parto prematuro e não em
aborto.
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. PROVAS MATERIAL E TESTEMUNHAL SUFICIENTES. 1. Pretensão da Apelada, trabalhadora rural, de haver o pagamento do salário-maternidade previsto no art. 71 da Lei nº 8.213/91. 2. Início de prova material, em face da juntada, dentre outras, de cópias do(a): Certidão de Natimorto, na qual consta que os genitores da criança são "agricultores"; Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR 1998/1999, em nome do proprietário da gleba onde a Autora-Apelada exerceu atividade rural; ficha individual do aluno referente ao estabelecimento de ensino do Estado da Paraíba, atestando que a Autora é "agricultora"; ficha de filiado ao STR de São José das Piranhas/PB; declaração do exercício de atividade rural no período de 2.1.1996 a 28.3.2001, emitida pelo aludido Sindicato, as quais, corroboradas por provas testemunhais colhidas em Juízo de forma idônea, se prestam para a efetiva demonstração do exercício de atividade rural pela Autora-Apelada, e a sua qualidade de segurada especial, sob o regime de economia familiar, nos termos da Lei nº 8.213/91. Comprovação do parto. Direito ao salário-maternidade. Apelação improvida. (AC 200182010022092, Desembargador Federal Geraldo Apoliano, TRF5 - Terceira Turma, 22/05/2006)
40 Idem, ibidem, p. 286. 41 Disponível em: <www.meac.ufc.br/obstetricia/manual_meac/ABORTAMENTO.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2011.
165
Em caso de aborto não criminoso, que deverá ser comprovado mediante atestado
médico, nos termos do parágrafo 5º do art. 93 do Decreto 3.048/99, a segurada fará jus ao
afastamento do trabalho e ao recebimento de benefício pelo período de 2 (duas) semanas.
O salário-maternidade tem ainda como diferencial o valor do benefício em relação
às demais prestações, enquanto que para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa é
garantida uma renda igual a sua remuneração integral às demais seguradas o cálculo do
benefício segue a regra prevista nos inciso I, II e III do artigo 73 da Lei 8.213/91:
I – em um valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26/11/99) II – em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26/11/99) III – em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses, para as demais seguradas. (Incluído pela lei nº 9.876, de 26/11/99)
No caso da segurada desempregada, cujo nascimento do filho se deu no período de
graça, fará jus ao benefício, calculado nos termos do inciso III, acima colacionado. Mesmo
a situação de desemprego, conforme já tratada no capítulo anterior, pode ser comprovada
mediante a ausência de contrato de trabalho. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. DESEMPREGADO. PERÍODO DE GRAÇA. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, CPC. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO C. STJ E DESTA E. CORTE. AGRAVO DESPROVIDO. - A decisão agravada está em consonância com o disposto no artigo 557 do Código de Processo Civil, visto que supedaneada em jurisprudência consolidada do Colendo Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. - O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação concernente à proteção à maternidade, nos termos do art. 71 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 10.710/2003. - O art. 71, da Lei nº 8.213/91 contempla todas a seguradas da previdência com o benefício, não havendo qualquer restrição imposta à segurada desempregada. - A legislação previdenciária garante a manutenção da qualidade de segurada até doze meses após a cessação das contribuições, para a segurada que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social. Durante esse período, denominado como "período de graça", a segurada desempregada conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social, conforme preconiza o art. 15, II, § 3º, da Lei nº 8.213/91. - Mencionado prazo pode ser estendido para 24 (vinte e quatro) meses, nos termos do § 2º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, sendo desnecessário o registro perante o Ministério do Trabalho, bastando a ausência de contrato de trabalho para a comprovação de desemprego. - As razões recursais não contrapõem tal fundamento a ponto de demonstrar o
166
desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando a rediscussão da matéria nele contida. - Agravo desprovido. (APELREE 201103990183277, JUIZA DIVA MALERBI, TRF3 - DÉCIMA TURMA, 20/07/2011) Em relação à segurada adotante, a prestação é devida em relação à adoção de
criança até 08 (oito) anos de idade. A concessão do salário-maternidade é condicionada à
apresentação do termo judicial de guarda, nos termos da Lei 10.421/2002, que também
acrescentou o artigo 71-A à Lei 8.213/91:
Art. 71-A. À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade. (Incluído pela Lei nº 10.421, de 15/4/2002)
Parágrafo único. O salário-maternidade de que trata este artigo será pago diretamente pela Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 10.710, de 5/8/2003
Outro aspecto relevante é que somente a segurada faz jus ao salário-maternidade.
Assim, além da qualidade de segurada e da carência, as provas a serem produzidas são
novamente “tarifadas”. Desse modo, a segurada deverá comprovar o nascimento através da
certidão de nascimento, enquanto o atestado médico é indispensável para comprovar o
aborto não criminoso, assim como em caso de natimorto e sentença judicial, ou termo
judicial de guarda, no caso da segurada adotante.
7.8 Pensão por morte
A pensão por morte é beneficio de prestação previdenciária, prevista nos artigos 74
a 79 da Lei 8.213/91 devida aos dependentes do segurado, independente de carência nos
termos do inc. I do art. 26 da Lei 8.213/91.
Para a concessão dos benefícios, os dependentes devem fazer prova morte do
segurado, da qualidade de segurado do falecido e da qualidade de dependente na data do
óbito, ou ainda da qualidade de ex-segurado no caso de direito adquirido.
167
Miguel Horvath Jr.42 acrescenta, ainda, o reconhecimento de incapacidade
geradora dos benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, dentro do
período de graça, por meio de parecer médico-pericial do INSS, com base em atestados ou
relatórios médicos, exames complementares, prontuários ou outros documentos
equivalentes, referente ao ex-segurado. Esse reconhecimento pode se dar diretamente pelo
julgador ou através de uma perícia “indireta”, ou seja, o perito o fará o laudo com base na
documentação médica do segurado:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEMONSTRAÇÃO DE QUE O SEGURADO ESTAVA INCAPACITADO PARA O TRABALHO NA ÉPOCA EM QUE AINDA MANTINHA A CONDIÇÃO DE SEGURADO. DIREITO DOS DEPENDENTES À PENSÃO POR MORTE. 1. Evidenciando a prova dos autos que a falecida segurada estava incapacitado para o trabalho desde a data da cessação do último vínculo laboral, não se cogita de perda de tal condição. 2. Assim, sendo certo que a dependência do marido e dos filhos é presumida por força do disposto no artigo 16, I e § 4º, da Lei 8.213/91, têm eles direito à pensão por morte. 3. Ocorrido o óbito antes da vigência da Lei nº 9.528/97, o início do benefício de pensão por morte deve recair na data do falecimento do segurado, nos termos da redação original do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, observada a prescrição quinquenal. (AC 00007154920084047102, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, TRF4 - QUINTA TURMA, 14/06/2010)
Considerando que já foram analisados, no capítulo anterior, os requisitos gerais: a
qualidade de segurado e a qualidade de dependente. Passa-se à análise da prova em
relação à morte do segurado.
Como bem salienta Heloiza Hernandez Deriz43, não é tarefa do legislador
previdenciário definir o conceito de morte, pois, para a concessão do benefício, interessa o
momento em que se finda a pessoa como ente jurídico. Assim é tarefa do Direito Civil:
dispor sobre a fixação da extinção da personalidade jurídica.
O Direito Civil, por sua vez, distingue entre morte natural e morte presumida
conforme dispõe o art. 6º do Código Civil.
Do ponto de vista jurídico, a prova da morte é verificada pela certidão de extraída
do assento de óbito lavrado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, sendo o
referido documento instrumento apto a certificar a morte real do segurado.
42 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 296. 43 DERZI, Heloisa Hernandez, op. cit., 2004, p. 184.
168
A morte presumida, segundo Marcos de Queiroz Ramalho44, comporta duas
modalidades: a primeira é ausência simples, o desaparecimento do segurado, e a segunda
espécie de morte presumida dá-se quando ocorre o desaparecimento do segurado num
acidente, desastre ou catástrofe, em que não é possível localizá-lo, nos termos do artigo 78
e seu parágrafo 1º:
Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória, na forma desta Subseção. § 1º Mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo.
Consoante leciona Heloiza Hernandez Derzi45, para efeitos previdenciários o caput
do artigo 78 exige a ausência do segurado por prazo superior a 6 (seis) meses, além da
decisão judicial que a declare. Dessa maneira, a data do início do benefício só pode ser
fixada após o transcurso de 6 (seis) meses da em que o segurado teria abandonado o
domicílio.
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE PRESUMIDA. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA - ART. 78, DA LEI 8.213/91. AUTORA BENEFICIÁRIA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. I- O segurado Olavo Antonio Barbosa Filho era titular de uma aposentadoria especial (NB 0855893923) desde 29/08/1990 (fls.18), porém, em face do seu desaparecimento em 2001, a sua esposa propôs ação de alimentos, tendo sido fixada pensão alimentícia a ser descontada nos proventos da aposentadoria (fls.8/10); a qual foi suspensa juntamente com o benefício principal pelo não comparecimento do titular da aposentadoria à agência bancária para saque do seu benefício. II-Tendo sido demonstrado o desaparecimento do Sr. Olavo Antonio Barbosa Filho por mais de seis meses, bem como comprovada a dependência econômica da ora apelada, tanto que já usufruía de pensão alimentícia, acertada a sentença que declarou a morte presumida de segurado, para os fins previdenciários previstos no art.78, da Lei n.8.213/91 e condenou o INSS a implantar imediatamente a pensão por morte provisória à qual faz jus a autora na qualidade de esposa (dependente), antecipando os efeitos da tutela. III – Remessa necessária desprovida. (REO 200751018055453, Desembargador Federal ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES, TRF2 - PRIMEIRA TURMA ESPECIALIZADA, 03/03/2011)
Enquanto que na primeira hipótese é imprescindível a Declaração Judicial de
Ausência, para a segunda hipótese de morte presumida basta a prova de que o segurado 44 RAMALHO, Marcos de Queiroz. A pensão por morte no regime geral da previdência social. São Paulo: LTr, 2010, p. 73. 45 DERZI, Heloisa Hernandez, op. cit., 2004, p. 198.
169
estava no local do evento danoso. Nesse caso, há uma forte probabilidade de morte46.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - PENSÃO POR MORTE - MORTE PRESUMIDA - DESAPARECIMENTO EM CONSEQUÊNCIA DE ACIDENTE, DESASTRE OU CATÁSTROFE - SEGURANÇA CONCEDIDA - SENTENÇA MANTIDA. 1. Em caso de desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, aplicável o disposto no § 1º do art. 78 da Lei nº 8.213/91, que dispensa, para concessão da pensão por morte, o cumprimento dos requisitos da declaração judicial e 6 meses de ausência. 2. Remessa oficial improvida. Sentença mantida. (REOMS 200001000507592, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ GONZAGA BARBOSA MOREIRA, TRF1 - PRIMEIRA TURMA, 02/04/2007)
Desse modo, diante da morte presumida, o Direito Previdenciário concede, desde
que não tenha ocorrido a perda da qualidade de segurado, uma pensão provisória.
Todavia, o reaparecimento do segurado faz cessar imediatamente nos termos do parágrafo
2º do mesmo artigo. 78 da Lei 8.213/91:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. COMPANHEIRA. AUSÊNCIA. REAPARECIMENTO. PRESSUPOSTO ESSENCIAL. I - Pensão requerida pela companheira com fundamento na declaração de ausência do companheiro. II - Ausente que reaparece a exerce atividade remunerada em período posterior ao termo inicial da ausência, afastando-se a morte presumida pressuposto essencial à concessão do benefício. III - Aplicação do art. 480 do Código civil, cessando todas as vantagens dos sucessores nela imitidos. IV - Recurso do INSS provido. V - Sentença reformada na íntegra. (AC 91030273016, JUIZA MARIANINA GALANTE, TRF3 - SEGUNDA TURMA, 23/09/2002)
A presunção no caso de ausência é sempre relativa, podendo ser elidida a qualquer
tempo, mediante a produção de prova em sentido contrário.
Nesse caso, a devolução, com exceção da situação de má-fé, não é necessária, uma
vez que, durante o período de ausência, os dependentes ficaram sujeito ao Risco Social,
pois, conforme já visto, o Risco Social protegido é a incapacidade do dependente e não a
morte do segurado, pois a morte de segurado que não deixa dependente, ou seja, alguém
portador de algum tipo de incapacidade de prover o próprio sustento não representa um
Risco Social.
46 Idem, ibidem, p. 201.
170
7.9 Auxílio-reclusão
Nos termos do art. 80 da Lei 8.213/91, o auxílio-reclusão será devido nas mesmas
condições da pensão por morte aos dependentes47 do segurado que não receber
remuneração da empresa, nem estiver em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria e por
força do inc. IV do art. 201 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda
Constitucional 20/98 foi introduzido como requisito o enquadramento do segurado como
de “baixa renda”.
O auxílio-reclusão é uma prestação previdenciária destinada à proteção dos
dependentes do segurado de baixa renda que ficam privados dos recursos para a
subsistência em decorrência da prisão do segurado e independe de carência nos termos do
artigo 26 da Lei 8.213/91.
Miguel Horvath Jr.48 destaca que não cabe auxílio-reclusão ao dependente do
segurado em livramento condicional, ou que cumpre pena em regime aberto, bem como
são causas de suspensão do beneficio: a) fuga; b) recebimento de auxílio-doença no
período de privação de liberdade; c) deixar de apresentar trimestralmente atestado de
prisão firmado pela autoridade competente; e d) livramento condicional, cumprimento de
pena em regime aberto ou prisão albergue.
Já a extinção do benefício, segundo o referido autor49, dá-se com: a) a extinção da
última cota individual; b) concessão de aposentadoria no período de privação da liberdade;
c) óbito do segurado; d) soltura do preso; e) emancipação ou atingimento de 21 anos para
filos e irmãos, saldo se inválidos; e f) cessação da invalidez para dependentes inválidos.
Para a verificação se o segurado se enquadra como segurado de “baixa renda”, é
utilizado como parâmetro o último salário de contribuição, que não deve ultrapassar o
limite estabelecido na Art. 5º da portaria Interministerial MPS/MF nº 407, de 14 de julho
de 2011, de maneira que o auxílio-reclusão, a partir de 1º de janeiro de 2011, será devido
aos dependentes do segurado cujo salário-de-contribuição seja igual ou inferior a R$862,60
(oitocentos e sessenta e dois reais e sessenta centavos), independentemente da quantidade
de contratos e de atividades exercidas.
47 Nesse sentido, são aplicáveis todas as considerações sobre a prova da qualidade de dependente tratada no capíitulo 6. 48 HORVATH JR, Miguel, op. cit., 2008, p. 312. 49 Idem, ibidem, p. 312-313.
171
O critério da baixa renda leva em consideração a renda do segurado e não dos
dependentes, conforme decidido pelo STF:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LIMITAÇÃO DO UNIVERSO DOS CONTEMPLADOS PELO AUXÍLIO-RECLUSÃO. BENEFÍCIO RESTRITO AOS SEGURADOS PRESOS DE BAIXA RENDA. RESTRIÇÃO INTRODUZIDA PELA EC 20/1998. SELETIVIDADE FUNDADA NA RENDA DO SEGURADO PRESO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. I - Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que a deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II - Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III - Diante disso, o art. 116 do Decreto 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 587365, RICARDO LEWANDOWSKI, STF)
DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. PARÂMETRO PARA CONCESSÃO. RENDA DO SEGURADO PRESO. 1. O Supremo Tribunal Federal assentou que, nos termos do art. 201, IV, da Constituição Federal, a renda do segurado preso é a que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. 2. Ausência de razões aptas a desconstituir a decisão agravada. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI-AgR 767352, ELLEN GRACIE, STF)
Como leciona Fábio Zambitte Ibrahim50 considera-se pena privativa de liberdade,
para fins de reconhecimento do direito ao benefício de auxílio-reclusão, aquela cumprida
em regime fechado ou semiaberto, sendo:
I – Regime fechado: aquele sujeito à execução de pena em estabelecimento de
segurança máxima ou média;
II – Regime semiaberto: aquele sujeito à execução da pena em colônia agrícola,
industrial ou estabelecimento similar.
Dessa maneira, para a concessão do benefício, os dependentes devem fazer prova
da qualidade de segurado de baixa renda, qualidade de dependente, da prisão do segurado –
esta somente através dos meios específicos de prova, ou seja, a certidão de efetivo 50 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 10. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 571.
172
recolhimento à prisão –, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação
de declaração de permanência na condição de presidiário. Mais uma vez, estamos diante de
uma prova tarifada.
Também deverá ser comprovada a inexistência de remuneração paga pela empresa
ou percepção de aposentadoria ou auxílio-doença, ou seja, trata-se de uma prova negativa
formal ou aparente, tendo em vista que é possível identificar os critérios temporal e
espacial, ou seja, é uma prova definida e determinada que deverá ser produzida pelo
dependente do segurado, através do mecanismo a inversão, como proposto no terceiro
capítulo ao tratar dos meios de prova, neste caso, também é perfeitamente possível a
comprovação através do CNIS ou Declaração da empregadora.
173
CONCLUSÃO
1. A utilização da base teórica do Constructivismo Lógico-Semântico tem como principal
consequência para o cientista do direito é que não há mais verdades absolutas, pois não
há essências nas coisas para serem descobertas, e nem verdades a serem reveladas.
Aquilo que temos das coisas são ideias, construções linguísticas existentes em função
dos nomes, porque língua e realidade estão diretamente interligados
2. A realidade é constituída linguisticamente, assim como o Direito, o que não representa
a inexistência de dados físicos independentes da linguagem, apenas que somente pela
linguagem podemos conhecê-los, identificá-los e transformá-los numa realidade
objetiva para nosso intelecto
3. O Direito Positivo se apresenta através da linguagem prescritiva. Esta linguagem
encontra-se inserida num contexto comunicacional e, sob esse aspecto, o direito é um
sistema de mensagens insertas num processo comunicacional, ou seja, constituídos por
atos de comunicação.
4. Essa concepção traz um novo paradigma para o Direito, pois o que não estiver vertido
em linguagem competente, ou seja, em linguagem das provas, não existe para o mundo
jurídico, daí a importância da Teoria das Provas para o Direito
5. Uma teoria sobre a incidência estuda como se dá a produção de efeitos da norma
jurídica e sua problemática envolve justamente a distinção entre efeitos jurídicos e
efeitos sociais.Destacam-se duas grandes correntes explicando a incidência: (i) a Teoria
Tradicional e (ii) a Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico
6. Para a Teoria Tradicional, a incidência e a aplicação ocorrem em momentos distintos,
de maneira que a norma incide de forma automática independente da ação do homem,
enquanto que a aplicação pode ou não ocorrer, dependendo, assim, de uma ação
humana.
7. Na Teoria da Incidência no Constructivismo Lógico-Semântico ou Teoria de Paulo de
Barros Carvalho, a incidência não é automática nem infalível à ocorrência do evento,
diferenciando o plano do direito positivo do plano da realidade social, de maneira que
não se confundem as consequências jurídicas com as consequências sociais.
8. Distingue-se evento e fato, pois para aplicar as normas é preciso conhecer o fato,
ressaltando que o que se denomina evento é o acontecimento no mundo fenomênico,
174
que se perde no tempo e no espaço, mas que deixa vestígios e marcas, através das quais
se constrói o fato, ou seja, o enunciado, produto da enunciação.
9. No sentido comum, o vocábulo “prova” é empregado para denotar algo que possa
servir ao convencimento de outrem.
10. A partir do Constructivismo Lógico-Semântico e tomando-se a prova no sentido de
enunciado, esta seria um fato jurídico em sentido amplo, cuja função consiste em
convencer o destinatário acerca da veracidade da argumentação de determinado sujeito,
levando a composição do fato jurídico em sentido estrito.
11. O prova como fato jurídico em sentido amplo apresenta três características: (i) fato,
por relatar acontecimento pretérito; (ii) jurídico, por integrar o sistema do direito; e (iii)
em sentido amplo, por ser apenas um dos elementos de convicção que, conjugado com
outros, propiciará a constituição do fato jurídico em sentido estrito.
12. Todas as provas são pessoais, assumem forma documental, pois mesmo as afirmações
realizadas oralmente só assumem a condição de prova quando devidamente reduzidas a
escrito, é sempre indireta, uma vez que jamais alcança o fato que se pretende provar.
13. Toda prova é indiciária, pois os indícios representam as marcas deixadas pelo evento
aliadas a um processo de dedução, ou seja, mediante um silogismo. Esses indícios, uma
vez alegados, passam a ser objeto de valoração por parte do destinatário da prova.
14. O que varia é o modo de produção da prova. As espécies de meios de prova que
podem ser classificados como: (i) Manifestação oral ou escrita da própria parte
(confissão); (ii) Relato proferido por terceiro que presenciou o acontecimento
(depoimento testemunhal); (iii) Opinião emitida por pessoa detentora de conhecimento
especializado (perícia); (iv) Enunciado lingüístico pré-constituído (documento); ou (v)
Certificação realizada pelo próprio destinatário da prova (vistoria ou inspeção judicial
ou ocular)
15. O risco deve ser compreendido como a probabilidade de dano, sendo o conceito de
probabiliade ditingue-se da verossimilhança, enquanto que o dano pode ser real ou
presumido.
16. A crítica da sociedade de risco tem como conclusão que o poder de decisão do
individuo é comprometido pela complexidade da sociedade moderna, as decisões não
são livres.
175
17. O conceito de contingência fala por um lado da necessidade e por outro da
possibilidade, fala ao mesmo tempo da necessidade e da possibilidade, daí a dificuldade
de compreensão do conceito de Contingência, enquanto que o risco não é necessário
ele é possível ou provável, cuja consequência é sempre um dano, ao passo que a
contingência pode ser positiva ou negativa.
18. A concepção pós-moderna de risco social é resultado no novo contexto social, cuja
velocidade das mudanças transformaram a sociedade industrial em sociedade de risco,
criando uma sociedade complexa, cujos sistemas políticos, econômicos e jurídicos se
apresentam como sistemas autopoiéticos, nessa sociedade complexa o enfrentamento
do Risco Social reclama novas formas de solidariedade.
19. A incapacidade laboral representa o Risco Social na previdência, em decorrência do
valor social do trabalho, na medida em que o primado do trabalho como valor está
presente não só como princípio constitucional, mas como um bem do homem enquanto
ser. Dessa forma, a perda da capacidade para o trabalho, isto é, a incapacidade laboral,
é um desvalor em relação ao valor social do trabalho, e como tal afeta diretamente o ser
humano na dignidade.
20. A incapacidade para o trabalho é o Risco Social protegido no Sistema da Previdência
Social Brasileira, uma incapacidade que não pode ser reduzida à ordem exclusivamente
médica, mas que leva em consideração a perda da capacidade de ganho do segurado ou
do seu dependente, revelando um conceito socioeconômico.
21. O Risco Social, este entendido como incapacidade laboral lato sensu, isto é, não só a
incapacidade para o trabalho, mas também a perda da capacidade de ganho, representa
o critério material da norma de proteção previdenciária.
22. A relação jurídica está adstrita à dos sujeitos jurídicos, o sujeito ativo na relação
jurídica previdenciária de proteção é aquele que pode exigir o cumprimento da
prestação previdenciária, ou seja, o beneficiário, que dependendo do tipo de prestação
pode ser o próprio segurado ou seus dependentes.
23. Enquanto a teoria Unitária carece de um dos elementos essenciais para sua aplicação, a
ausência de sinalagmaticidade, a teoria Escisionista, por sua vez, nada mais é que senão
a própria relação jurídica previdenciária de proteção isoladamente considerada.
Contudo, o direito, não se realiza senão através de forma de Sistema.Assim o sistema
de custeio esta ligado ao sistema de proteção.
176
24. O objeto da relação jurídica previdenciária é a prestação previdenciária,, tem por
escopo sanear o dano gerado pela concretização do Risco Social, ou seja, a
incapacidade laboral.
25. É complexa da prova a ser realizada com objetivo de constituir a relação jurídica
previdenciária de proteção, pois além de comprovar o risco social o segurado deverá
fazer prova de requisitos formais
26. A filiação depende de formalização para ingressar no mundo jurídico, diferenciando-se
filiação do segurado obrigatório do segurado facultativo, na origem quanto ao evento,
produzindo conseqüentemente os diferentes fatos jurídicos em sentido amplo, assim
como diversos os meios de prova aptos a constituir o fato jurídico em sentido estrito -
prova do efetivo exercício do trabalho para a filiação do segurado obrigatório e prova
da efetiva contribuição e capacidade de trabalho para a filiação do facultativo.
27. A aquisição da qualidade de segurado decorre da filiação e depende da formalização
para a incidência da norma de filiação, assim como a perda e manutenção da qualidade
de segurado também decorre da incidência, ou seja, a aplicação dos enunciados
contidos no artigo 15 da Lei 8.213/91, que por sua vez requer uma série de produção de
provas especificas, de maneira que para o gestor do RGPS negar a concessão do
benefício sob o fundamento da perda da qualidade de segurado, também se faz
necessária a produção de prova.
28. Não basta a qualidade de segurado para a fruição de todo e qualquer benefício
previdenciário, sendo a qualidade de segurado um requisito geral cabendo a segurado
fazer a prova dos requisitos específico para cada tipo de benefício.
29. A denominação “período de graça”, cunhada na doutrina e na jurisprudência, não
escapa à crítica. Evidentemente que “de graça” não existe qualquer benefício ou
prestação previdenciária no sistema baseado na contributividade e no equilíbrio
financeiro e atuarial. Trata-se, na verdade, de simples cobertura previdenciária,
atuarialmente prevista no sistema.
30. A situação de desemprego não só prorroga o prazo, como também é geradora da
manutenção da qualidade de segurado, uma vez que o seguro-desemprego se configura
como verdadeira prestação previdenciária. Portanto, durante o recebimento do seguro-
177
desemprego, mantém-se qualidade de segurado por força do inc. I do art. 15 da Lei
8.213/91.
31. Nos casos em que a dependência é presumida, torna-se evidente que a prova da
dependência econômica, uma vez alegada e produzida, será valorada pelo destinatário
da prova, como um elemento de corroboração. Contudo, a ausência de dependência não
pode servir de base para o indeferimento da concessão por morte, uma vez que essa se
presume, de forma absoluta, ou seja, não admite prova em contrário.
32. A exclusão do empregado doméstico de sua classe dos empregados, no inciso I,
afronta claramente o princípio da isonomia. Por outro lado, a distinção também não
tem como fundamento no Risco Social, uma vez que não verifica uma incidência maior
do risco na atividade do trabalhador doméstico
33. No que diz respeito à prova do cumprimento da carência, aplica-se também o princípio
da automaticidade das contribuições em relação ao segurado empregado e segurado
avulso. Este princípio nada mais é do que uma presunção absoluta, em favor do
segurado, não admitindo prova em contrário, de que as contribuições foram recolhidas
durante todo o período de vigência do contrato de trabalho.
34. As provas no direito previdenciário estão diretamente ligadas às prestações
previdenciárias, ou seja, o objeto da relação jurídica de proteção, uma vez que para
cada tipo de prestação o sistema elegeu um método de aferição do Risco Social.
35. Ocorrido o risco, isto é, a incapacidade real ou presumida do segurado, tem-se
preenchido o critério material da norma de proteção. Contudo, outros elementos
compõem a estrutura da norma de proteção, ou seja, os demais critérios contidos no
antecedente normativo: o aspecto territorial e temporal.
36. Já no consequente normativo, estão os critérios subjetivos e objetivos, como a
qualidade do sujeito ativo e passivo, enquanto que o critério objetivo vai definir a base
de cálculo e o percentual da prestação.
37. A natureza jurídica do auxílio-doença é de prestação previdenciária provisória por
tempo determinado. Contudo, para se determinar a provisoriedade ou não do
afastamento, há que se determinar a duração da incapacidade, de maneira que, toda vez
que não for possível determinar o prazo de duração da incapacidade, estamos diante do
benefício que tem por objetivo uma prestação previdenciária por tempo indeterminado,
podendo ou não ser definitiva.Todavia, a indeterminação retira o caráter provisório.
178
38. A distinção entre o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez não está no grau da
incapacidade, mas na sua duração. Essa lógica não é tão evidente no nosso sistema,
porque a norma não fixou um limite máximo para a concessão do auxílio doença.
Contudo, tal falta de limite não permite a utilização de uma proteção provisória
indiscriminadamente.
39. Todo laudo pericial deve estar devidamente fundamentado, em especial aquele que
atesta ou não a incapacidade laboral, tendo em vista a complexidade do conceito da
incapacidade, que, como visto, envolve não só os aspectos de saúde física e os aspectos
temporais, mas também os aspectos laborais e a insusceptibilidade de reabilitação, que
deverá levar em conta o nível de ganho e as condições pessoais do segurado.
40. Em relação ao Auxilio-Acidente até a edição da Lei 9.032/95, sua concessão dependia
da conjunção de três provas (qualidade de segurado, redução da capacidade laborativa
e nexo causal com o trabalho). Na atual configuração, exige-se apenas a prova da
qualidade de segurado e prova redução da capacidade do trabalho. Contudo, a limitação
de concessão aos segurados, cuja remuneração gera a obrigação de contribuir nos
termos do inc. II do art. 22 II, 22-A e inc. II do art. 25 da Lei 8.212/91, conhecido
como SAT, revela um retorno à Teoria do Risco do Profissional.
41. A aposentadoria por idade, na redação original da Lei 8.213/91, estava dividida em três
modalidades, sendo a primeira a aposentadoria por idade do trabalhador urbano, a
segunda, do trabalhador rural e a aposentadoria compulsória. Atualmente, a essas
modalidades, podemos acrescentar a aposentadoria por idade, nos termos da Lei
10.666/2003, para aqueles que perderam a qualidade de segurado, e a aposentadoria
por idade, nos termos da Lei. 11.718/2008, para os segurados que comprovarem parte
do tempo de serviço urbano e parte rural.
42. A aposentadoria por idade para o trabalhador rural pode ser concedida com base em
três possibilidades previstas na Lei 8.213/91: artigo 39, nos artigos 48 a 50 e ainda com
base no artigo 143. E enquanto os artigos 48 a 50 trazem a regra geral de concessão da
aposentadoria por idade, podemos atribuir ao artigo 39 uma natureza de “regra
afirmativa” em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado especial
43. No que se refere a Aposentadoria por idade nos termos da Lei 10.666/2003 em relação
à carência, a principal diferença é a utilização do tempo de serviço para computo do
tempo necessário para concessão do benefício. Assim, o segurado poderá aproveitar o
179
tempo de serviço que não pode ser considerado como carência, para fins da concessão
da aposentadoria por idade.
44. Até o advento da Lei 11.718/2008, não era possível ao segurado reunir períodos de
atividade rural e urbana para implementar os requisitos mínimos da aposentadoria por
idade, de maneira que houve um avanço com a referida lei que trouxe essa
possibilidade.
45. Para provar o tempo de serviço, o segurado deverá ter, no mínimo, alguma
representação material, ou seja, um documento, que, por sua vez, remete a toda
representação material idônea e contemporânea ao fato que pretende provar.
46. Para o Direito Previdenciário, o documento, além de idôneo, deve ser contemporâneo
ao fato que se pretende provar; logo, a sentença trabalhista, que não esteja pautada em
início de prova material, embora seja um documento idôneo, é extemporânea.
47. Tanto a aposentadoria do professor como a aposentadoria especial são modalidades de
aposentadoria por tempo de contribuição. Logo, a vedação de conversão do tempo de
serviço de magistério em comum é uma afronta ao princípio da isonomia.
48. Para concessão da Aposentadoria Especial o segurado deverá provar, a carência,
qualidade de segurado ou ex-segurado bem como há que se fazer prova do Risco
Social, ou seja, da incapacidade presumida mediante a efetiva exposição a agentes
nocivos físicos químicos e biológicos durante 15, 20 ou 25 anos, dependendo do agente
nocivo.
49. Antes do PPP, a comprovação se dava, principalmente, pelos formulários SB/40,
DIRBEN 8030 e DSS 8030 e do Laudo Técnico das Condições Ambientais (LTCAT).
Contudo, enquanto documento, ou seja, uma representação material de um fato, não é o
tipo de documento (formulário) que comprova, mas o seu conteúdo, que tem como
fonte outros documentos elaborados à época, como LTCAT, PCMSO, PPRA, através
de perícia realizada no ambiente do trabalho. Portanto, ainda que as informações sejam
transmitidas pelo formulário atual, PPP, o seu conteúdo será referente às situações
pretéritas, aliás como todo documento, e, nesse sentido, o PPP substitui a necessidade
de apresentação por parte do segurado dos formulários anteriores e o respectivo laudo.
50. A partir da análise do Risco Social, o salário-família não se enquadra em nenhuma das
modalidades de incapacidade, ou seja, real ou presumida. Não obstante, para a fruição
do benefício, além da prova em relação ao filho menor de 14 anos, inválido ou
180
equiparado, o segurado deverá comprovar a “baixa renda” em atendimento a disposto
no inc. IV do art. 201 da Constituição Federal, que limitou o salário-família e o auxílio-
reclusão aos dependentes dos segurados de baixa renda.
51. Para a concessão do salário-maternidade há de ser fazer prova da qualidade de
segurada, da carência quando se tratar de segurada contribuinte individual, especial ou
facultativa, prova do nascimento, da adoção ou guarda, ou, no caso de natimorto
comprovado mediante atestado médico, sem necessidade de avaliação pela perícia
médica oficial.
52. Para a concessão da Pensão por morte os dependentes devem fazer prova da morte do
segurado, da qualidade de segurado do falecido e da qualidade de dependente na data
do óbito, ou ainda da qualidade de ex-segurado no caso de direito adquirido.
53. O Direito Civil, por sua vez, distingue entre morte natural e morte presumida
conforme dispõe o art. 6º do Código Civil. Do ponto de vista jurídico, a prova da
morte é verificada pela certidão de extraída do assento de óbito lavrado no Cartório de
Registro Civil de Pessoas Naturais, sendo o referido documento instrumento apto a
certificar a morte real do segurado.
54. Em relação ao direito previdenciário a morte presumida, comporta duas modalidades: a
primeira é ausência simples, o desaparecimento do segurado, e a segunda espécie de
morte presumida dá-se quando ocorre o desaparecimento do segurado num acidente,
desastre ou catástrofe, em que não é possível localizá-lo.
55. O auxílio-reclusão será devido nas mesmas condições da pensão por morte aos
dependentes do segurado que não receber remuneração da empresa, nem estiver em
gozo de auxílio-doença ou aposentadoria e por força do inc. IV do art. 201 da
Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 20/98 foi
introduzido como requisito o enquadramento do segurado como de “baixa renda”.
56. O auxílio-reclusão é uma prestação previdenciária destinada à proteção dos
dependentes do segurado de baixa renda que ficam privados dos recursos para a
subsistência em decorrência da prisão do segurado e independe de carência nos termos
do artigo 26 da Lei 8.213/91.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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