a teoria de alexander wendt nas relações internacionais o construtivismo e o problema da anarquia

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  • 8/10/2019 A Teoria de Alexander Wendt Nas Relaes Internacionais o Construtivismo e o Problema Da Anarquia

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    I GEPR IMonografias

    A Teoria de Alexander Wendt nas Relaes Internacionais:

    O Construtivismo e o Problema da Anarquia

    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    Volume 11 | Ano 3 | 2013

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    Rocha, Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira.R672t A teoria de Alexander Wendt nas relaes internacionais :

    o construtivismo e o problema da anarquia / Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha. Marlia, 2010.

    103 f. ; 30 cm.

    Trabalho de Concluso de Curso (Graduao em RelaesInternacionais) Faculdade de Filosofia e Cincias,Universidade Estadual Paulista, 2010.

    Orientador: Dr. Jos Geraldo Alberto Bertoncini Poker.

    1. Relaes internacionais - Filosofia. 2. Wendt, Alexander, 1966- . 3. Construtivismo. 4. Anarquia.I. Autor. II. Ttulo.

    CDD 327.101.

    Ficha Catalogrfica Servio de Biblioteca e Documentao UNESP - Campus de Marlia

    Nota: Todo contedo publicado pela MonografiasIgepri de total responsabilidade de seu(s) autor (es).As opinies expressadas nesse caderno no repre-sentam as opinies do peridico, nem do ConselhoEditorial e nem dos rgos filiados a este caderno.

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    Monografias IGEPRI uma publicao bimestral do Instituto

    de Gesto Pblica e Relaes Internacionais (IGEPRI). Sua

    misso servir de espao alternativo publicao de pes-quisas cientficas elaboradas por jovens acadmicos dedi-

    cados ao estudo e ao debate de temas relativos Gesto

    Pblica e s Relaes Internacionais no Brasil e no mundo.

    Com potencial de influenciar e intervir no processo decisrio

    governamental nas suas diversas esferas, contribuindo comnovas propostas para a elaborao de polticas pblicas,

    efetivao de controle social, suporte advocacia de idias

    e a busca de transparncia no trato dos assuntos pblicos.

    Luis Antnio Francisco de Souza (UNESP Marlia)

    Luis Francisco Corsi (UNESP Marlia)

    Marcelo Fernandes de Oliveira (UNESP Marlia) Editor

    Marcelo Passini Mariano (UNESP Franca)

    Miriam Cludia Simoneti Loureno (UNESP Marlia)

    Tullo Vigevani (UNESP Marlia)

    Cristina Soreanu Pecequilo (UNIFESP - Osasco)

    Helosa Pait (UNESP Marlia)

    Janina Onuki (USP Instituto de Relaes Internacionais)

    Jos Blanes Sala (UFABC)

    Karina Lilia Pasquarielo Mariano (UNESP Araraquara)

    Conselho Editorial

    Lidia Maria Vianna Possas (UNESP Marlia)

    I GEPR IMonografias

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    A Teoria de Alexander Wendt nas Relaes Internacionais...

    UNESP- Universidade Estadual Paulista

    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAES INTERNACIONAIS: OCONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA

    MARLIA SP2010

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    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    UNESP- Universidade Estadual Paulista

    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAES INTERNACIONAIS: OCONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado aocurso de Relaes Internacionais da Faculdade deFilosofia e Cincias, da Universidade Estadual

    Paulista- UNESP como parte dos requisitos para aobteno do ttulo de Bacharel em RelaesInternacionais, sob orientao da Prof Dr.JosGeraldo Alberto Bertoncini Poker .

    rea de Concentrao: Teoria das RelaesInternacionais/Poltica Internacional

    Marlia-SP2010

    http://www.marilia.unesp.br/index.php?CodigoMenu=2444&CodigoOpcao=2444http://www.marilia.unesp.br/index.php?CodigoMenu=2444&CodigoOpcao=2444http://www.marilia.unesp.br/index.php?CodigoMenu=2444&CodigoOpcao=2444http://www.marilia.unesp.br/index.php?CodigoMenu=2444&CodigoOpcao=2444http://www.marilia.unesp.br/index.php?CodigoMenu=2444&CodigoOpcao=2444
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    UNESP- Universidade Estadual Paulista

    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    A TEORIA DE ALEXANDER WENDT NAS RELAES INTERNACIONAIS: OCONSTRUTIVISMO E O PROBLEMA DA ANARQUIA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado aocurso de Relaes Internacionais da Faculdade deFilosofia e Cincias, da Universidade EstadualPaulista- UNESP como parte dos requisitos para aobteno do ttulo de Bacharel em RelaesInternacionais, sob orientao da Prof Dr.JosGeraldo Alberto Bertoncini Poker.

    BANCA EXAMINADORA

    Orientador: _______________________________________________________Prof Dr. Jos Geraldo Alberto Bertoncini Poker

    Departamento de Sociologia e Antropologia FFC UNESP/Marlia

    2 Examinador: ___________________________________________________

    Prof Mestre Srgio Roberto Urbaneja de BritoFaculdade de Direito da Alta Paulista - FADAP

    3 Examinador: ___________________________________________________Prof Gabriel Cunha Salum

    Advogado e Mestre em Cincias Sociais

    Marlia, 25 de novembro de 2010

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    Famlia, um sonho ter uma famlia Famlia, um sonho de todo dia

    Famlia quem voc escolhe pra viver Famlia quem voc escolhe pra voc

    No precisa ter conta sangunea preciso ter sempre um pouco mais de sintonia.

    O Rappa No Perca as Crianas de Vista

    Ao meu lar, formado por trs pessoas com cuja ausncia aindano aprendi a conviver. Primeiramente, a minha me, porque a suavoz que preciso ouvir todos os dias para ter uma noite calma de sono. minha av Ded, possuidora da mesma energia de uma criana, etalvez seja por isso que, mesmo eu j me tornado adulto, ela aindaconsiga enxergar o meu encanto pueril. E ao meu tio Istone, porsempre acreditar em meus potenciais, incentivando-me no caminho dequalquer rumo que eu desejasse tomar.

    Na correria do cotidiano, na catarse da mistura de sensaes, asassimilaes so parciais. Ento, neste lar que a minha menteencontra refgio. L, as conexes ficam mais fluidas. Tenho tempo desentir, ento me sinto bem.

    As relaes internacionais me ajudaram a intensificar ainda maisminha vontade cosmopolita inata. Jogar-me ao mundo, ser global, mas possuindo em mos esse espao que me possibilita reavivar minhaessncia, orientar-me. Referncia...

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    AGRADECIMENTOS

    Woke up this morningSinging an old Beatles song I hear my voice among the others

    Through the break of day Hey, brothersSay, brothers

    It's a long long long longlong, long, long, long

    It's a long way I ts a long way

    Olivia Broadfield Its a long way

    Desde a minha infncia, sempre acreditei que teria um futuro brilhante, no por merodestino, mas porque sabia que era [sou] capaz de constru-lo. Porm, grandes obras no sofrutos do empenho de uma nica pessoa, mesmo que seja esta a lder do projeto. Reservo esteespao ento para agradecer todos aqueles que estiveram ao meu lado, auxiliando-me e meinspirando nessa trajetria. H aqui, laos com ns afrouxados, laos que se mantiveramapertados at ento, que ainda continuaro, que no, e que sempre permanecero. So essasdiferenas nas intensidades dos ns que fazem da vida algo dinmico. Essas pessoas encarama vida de maneiras diferentes uma das outras. E essa juno de peculiaridades que fazenriquecer a minha percepo de mundo. So pessoas que me proporcionaram um prazerosoaprimoramento, na medida em que me propiciaram um espao no qual pude ensin-las e, principalmente, aprender com elas.

    A Deus, por me conceder a ddiva de exercer o sinal mais vital de todos: pensar.

    Ao Poker, meu orientador, por transmitir conhecimento com maestria, instigando-me agalgar nveis de abstrao cada vez mais altos. E por ter sido solcito, aberto ao novo e libertode dogmas durante toda a minha orientao.

    minha prima-irm Vanessa. Parte da minha sintonia, a pessoa com a qual me sinto

    vontade para contar meus segredos, expor meus medos e compartilhar minhas alegrias. E

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    Gabriel Alexandre Deb da Silva de Oliveira Rocha

    minha afilhada Lara, simplesmente, por antecipar meu instinto paterno. Considero a Laracomo uma filha.

    Ao meu pai. Aos meus primos e tios, em especial minha tia Mey. Aos meus avsEdgar e Rochinha (in memoriam) e minha av Lourdes. Pessoas especiais da minha famliacom as quais me sinto vontade. Consigo perceber que elas desejam o meu sucesso.

    Ao Ricardo. Nessa trajetria, compartilhamos nossas inseguranas, transbordamossentimentos, aprendemos a ser forte. Sensveis s percepes, avistamos cedo uma fortalezaque alocava o segredo de um firmamento fraterno. Construmos um alicerce bem slido que

    nos proporcionou o crescimento de uma imbatvel amizade. Sentirei saudades do rockdedilhado no violo em meio ao ciclo natural do cotidiano.

    Ao Casco. A vida nos oferece caminhos diversos, estranhos, mas no impostos. Nsfazemos nossa prpria rota dentro de um movimento difuso, o que d a ideia de incerteza. isso que me conforta. No h nada predeterminado, caminhos sempre existiro. Sempreestarei aberto e disposto a encarar essa complexidade. Por voc, imensa considerao e a

    manuteno em minha memria dos momentos vividos a seu lado.

    Ao Anselmo e Alessandra. No enfatizarei momentos mais que especiais com vocsao meu lado, nem esbanjarei sobre as pessoas nicas que vocs so. Conhecimentos raros daconvivncia. So amigos corajosos que enfrentaram a ruptura de um cotidiano aparentementeconfortvel para se aventurarem em projetos incertos. As pessoas com as quais eu tenho avontade maior de exercer a arte da interao.

    Cia, Carol e Filipe. Amizades que transcenderam o mero fato de ocuparmos amesma sala. Desejo todo o sucesso do mundo para esses amigos.

    C, Diego e Camila. impossvel desvincular a minha infncia e adolescnciadesses grandes amigos. So partes sem as quais o todo no se formaria. incrvel saber queainda nos reunimos, embora esporadicamente, mas com a mesma disposio daquela poca.

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    Ao Bruno, Tiago e Danilo. Amigos com os quais tive a oportunidade de conviver namesma casa por to pouco tempo, mas que ficar guardado na memria devido maravilhosaconvivncia proporcionada. Admiro-os por serem inteligentes e sinceros em seus atos.

    Ao Rgis, Adauto, Leila e Silvia, em especial. Pessoas que fizeram do meu ambientede trabalho um espao prazeroso. So as relaes com esses amigos que fizeram de uma das partes rduas do meu cotidiano algo mais fluido, alegre. Tambm, aos pacientes atendidosneste local, os quais me ajudaram a perceber que o que consideramos como trivial (comer, beber, andar, respirar), na verdade, o essencial.

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    RESUMO

    Na era contempornea, o motor do desenvolvimento tem sido o conhecimento, destacando-seo papel das ideias na criao do progresso para a humanidade. Pensadores das mais variadasreas tentam elaborar as melhores alternativas para as teorias convencionais. A tendnciaatual aponta para a substituio das teorias simplistas por teses mais imperfeitas e complexas. Nesse sentido, o presente trabalho de concluso de curso tem como finalidade analisar o problema da anarquia nas relaes internacionais sob a perspectiva do construtivismowendtiano. Quando as relaes internacionais so analisadas sob a tica dos modelos tericosclssicos, percebe-se que o comportamento humano constantemente abordado de maneiraracional e generalizante. Em contrapartida, o construtivismo apresenta uma diferente proposta baseada em duas primrias preposies: as estruturas da associao humana so determinadas primeiramente pelo compartilhamento das ideias ao invs das foras materiais e as

    identidades e interesses dos atores so construdos por esse compartilhamento ao invs deserem considerados como pr-sociais. Pretende-se, assim, contextualizar a problemtica daanarquia nas anlises de poltica internacional a partir da viso construtivista de AlexanderWendt, um dos autores mais influentes da rea de relaes internacionais. O acadmicoobserva trs tipos principais de culturas anrquicas presentes no sistema internacional: ahobbesiana, a lockeana e a kantiana, as quais expressam papis adotados pelos Estados deinimigo, rival e amigo, respectivamente.

    Palavras-Chave: Anarquia; Construtivismo; Alexander Wendt; Poltica Internacional;Cultura; Ideias.

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    Abstract

    In contemporary times, knowledge has been the clog of development, with the role of ideas inthe creation of the progress for mankind being highlighted. Thinkers of several fields try toelaborate the best alternatives for conventional theories. The current tendency points to thereplacement of simple theories for more imperfect and complex ones. In that sense, the present dissertation aims to assess the problem of anarchy in international relations under the perspective of wendtian constructivism. When the international relations are analyzed underthe view of classical theoretical models, one realizes that human behavior is constantlyapproached in a rational and generalizing manner. On the other hand, constructivism presentsa different proposal based on two primary prepositions: the structures of human associationare determined primarily by sharing ideas instead of material forces and identities as well asinterests of the agents are built by such sharing instead of being regarded as pre-social. It is

    intended, thus, to contextualize the problem of anarchy in the analyses of international politicsfrom the constructivist standpoint of Alexander Wendt, one of the most influential authors inthe international relations field. The scholar observes three main types of anarchic cultureswithin the international system: the Hobbesian, the Lockean ad the Kantian, which expressroles adopted by the States of enemy, rival and friend, respectively.

    Key Words: Anarchy; Constructivism; Alexander Wendt; International Politics; Culture;Ideas.

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    SUMRIO

    INTRODUO.....................................................................................................................11

    Captulo 1 A condio anrquica em mbito internacional............................................15 1.1. Retornando Teoria Poltica Clssica........................................................................151.2. Entendendo melhor o conceito de Anarquia..............................................................181.3. Cenrios e Regimes....................................................................................................201.4. O debateneo-neosobre a cooperao em meio anarquia........................................251.5. Construtivismo e o incio de novas abordagens sobre a anarquia..............................29

    Captulo 2 O Construtivismo nas Relaes Internacionais.............................................32 2.1. Construindo definies...............................................................................................322.2. Contexto histrico de surgimento...............................................................................412.3. Alguns pressupostos indispensveis............................................................................442.4. Agenda de pesquisa construtivista..............................................................................49

    Captulo 3 A viso wendtiana de anarquia.......................................................................533.1. As trs culturas anrquicas..........................................................................................533.2. Estruturas estabelecidas e papis assumidos sob a condio anrquica......................563.3. A cultura hobbesiana...................................................................................................613.4. A cultura lockeana.......................................................................................................733.5. A cultura kantiana.......................................................................................................84

    CONSIDERAES FINAIS................................................................................................91

    REFERNCIAS.....................................................................................................................95

    ANEXO A As trs correntes ps-positivistas..................................................................103

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    INTRODUO

    E no vos conformeis com este mundo,mas transformai-vos pela renovao

    do vosso entendimento...

    Bblia Romanos, 12:2

    Desde a formao do sistema europeu criado a partir da Paz de Westflia em1648, as relaes internacionais comearam a ser estudadas por alguns intelectuaisatravs da anlise de fenmenos de relao entre guerra e paz entre os Estados.Entretanto, a rea passou a ter maior importncia no sculo 20, sobretudo no incio da 1Guerra Mundial.

    Assim, surge uma demanda para que se consolidem as Relaes Internacionaiscomo um estudo autnomo, mais especfico. A partir dessa necessidade, universidadesdos Estados Unidos e Inglaterra iniciaram um investimento macio no ensinorelacionado a essa disciplina. Atualmente, pode-se perceber que a grande parte da produo acadmica relacionada aos estudos das relaes internacionais se deve aosanglo-saxes. Eles elaboraram hipteses, definiram conceitos especficos que se

    universalizaram e, principalmente, formularam paradigmas e teorias a fim de proporcionar aos seus Estados ideias sobre acmulo de poder e polticas de conservaoda posio hegemnica.

    Com relao trajetria terica das relaes internacionais, o que se podeobservar a presena de Grandes Debates (GROOM; LIGHT, 1994), os quais vieramregistrando choques entre as antigas e novas teorias. Esse confronto foi se constituindoatravs das diversas transformaes significativas da dinmica do sistema internacional,

    fazendo com que os pesquisadores se empenhassem no aprofundamento de reflexesque acompanhassem os elementos novos surgidos, com o intuito de obter umconhecimento mais aproximado da realidade do cenrio internacional vigente. Porm,um conceito constitutivo sempre esteve presente nos estudos de relaes internacionais o da anarquia. A viso compartilhada sobre a condio anrquica do sistemainternacional pela maioria das correntes fez da anarquia um ponto de origem comum nadisciplina. A questo permanece a mesma como estabelecer a ordem? porm, os

    caminhos sugeridos so diferentes.

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    O Primeiro desses grandes debates se deu em 1930 com o embate entre a teoriadominante do Liberal-idealismo e a teoria emergente do Realismo. A primeira se pautava na institucionalizao da cooperao e no estabelecimento dos mecanismos deao coletiva dos Estados, construindo um condicionante soberania destes. Por outrolado, a segunda, com base no realismo poltico, constitua suas estruturas na prevalnciada razo de Estado atravs da prtica do clculo estratgico e do interesse nacional paraa garantia da soberania, da segurana e do poder. J o Segundo Debate envolveu umaquesto metodolgica, na qual os behavoristas apresentaram um empirismo trabalhadoatravs de modelos explicativos matemticos limitados para dar maior credibilidade teoria realista. Todos estes debates continuam acontecendo, s que sob novos nveis e perspectivas.

    Reportando-se aos anos 1970, este perodo foi representado por um perodo detransio no qual o cenrio de anarquia e equilbrio de poder sofreu uma passagem paraum espao composto por organizaes internacionais governamentais (OIGs). Nessesentido, houve a consolidao das estruturas multilaterais que se encontravam em plenofuncionamento e expanso em nvel global e regional. O dinamismo de organizaescomo a ONU, GATT, FMI, dentre outras, representava um processo de disseminaodos instrumentos de cooperao em nvel global ( spillover ).

    Sendo assim, reforaram-se as hipteses de que as OIGs pudessem mudar ocomportamento dos Estados, fazendo com que estes abandonassem o conflito. Essamudana comportamental resultou na limitao da autonomia estatal perante ascondies deste novo sistema internacional, o que fez com que os Estados alterassemsua percepo sobre a relevncia de temas para sua agenda e que percebessem algunsdficits de soberania em determinadas reas do globo. Era o declnio da aceitao dasconvices das teses pertencentes ao Realismo.

    no bojo desse panorama que nasce o Terceiro Debate das relaesinternacionais. Gerava-se uma tenso entre a tentativa de resgate do realismo comoreafirmao e o aprofundamento das concepes liberal-idealistas como forma de promover a manuteno de seus ideais.

    A nova agenda realista, tambm chamada de realismo estrutural, considera aabertura estatal para uma maior interao entre as demandas domsticas einternacionais, devido proliferao de leques de recursos de poder disponveis aos

    Estados. Porm, essa diminuio da distncia entre o nvel interno e externo nosuplanta a ideia de palavra final nas decises estatais.

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    Em contraponto a essas ideias, a viso neoliberal d maior importncia sinstituies internacionais e ao cenrio no qual esto inseridas, composto por uma redede valores e princpios que concedem estrutura ordem internacional. Seria a passagemda situao de soberania estatal para outra de supranacionalidade e governana globalem que esto envolvidos conceitos como o de interdependncia e transnacionalismo,gerando a ampliao da natureza e dos tipos de poder.

    nesse contexto, ao final da dcada de 80, que surge o construtivismo. Talcorrente trouxe a influncia de debates que estavam ocorrendo em outras reas dascincias sociais para as relaes internacionais o lugar das ideias e dos valores naanlise dos eventos sociais e polticos. No decorrer da dcada de 90, o construtivismoconseguiu ocupar posio de destaque nos debates posteriores que foram sedesenvolvendo na disciplina.

    Quanto s principais questes inovadoras, a viso construtivista negou aanarquia como uma estrutura que define as relaes internacionais, pois acredita naexistncia de um conjunto de normas e regras que fazem da rea uma disciplinaespecfica. Tambm classificou a condio anrquica internacional como socialmenteconstruda, e no como predeterminada. Definir o sistema internacional como umespao inerente de conflito e de competio no correto, pois, para os construtivistas,

    a anarquia possibilita a variao entre conflito e cooperao. Os processos deconstruo e reconstruo so permanentes e abrem espao para a contnua possibilidade de mudana (NOGUEIRA; NIZAR, 2005).

    Como uma das principais contribuies, no s para o construtivismo, mas paraa disciplina de relaes internacionais em geral, torna-se imprescindvel citar a verso peculiar desenvolvida por Alexander Wendt1 em seu livro de 1999,Social Theory of International Politics . Nele, o acadmico trabalha com trs tipos principais de cultura

    anrquica presente no sistema internacional: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana, as1 Alexander Wendt was born in 1958 inMainz in West Germany, and read political science and philosophy at Macalester College before receiving his Ph.D. in political science from the University ofMinnesotain 1989, studying under Raymond Bud Duvall. Wendt taught at Yale Universityfrom 1989 to1997, at Dartmouth Collegefrom 1997 to 1999, at the University of Chicagofrom 1999 to 2004, and iscurrently the Professor of International Security at the Ohio State University. He is married to JenniferMitzen, also a member of the Ohio State political science faculty. He is currently working on two projects: arguing for the inevitability of a world state, and investigating the possible implications ofquantum mechanicsfor social science. Wendt is one of the core social constructivistscholars in the fieldof international relations. A 2006 survey of American and Canadian International Relations scholarsranks Wendt as first among scholars who have been doing the most interesting work in international

    relations in recent years.

    http://en.wikipedia.org/wiki/Mainzhttp://en.wikipedia.org/wiki/Macalester_Collegehttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Minnesotahttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Minnesotahttp://en.wikipedia.org/wiki/Yale_Universityhttp://en.wikipedia.org/wiki/Dartmouth_Collegehttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Chicagohttp://en.wikipedia.org/wiki/Ohio_State_Universityhttp://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_mechanicshttp://en.wikipedia.org/wiki/Constructivism_in_international_relationshttp://en.wikipedia.org/wiki/International_relationshttp://en.wikipedia.org/wiki/International_relationshttp://en.wikipedia.org/wiki/Constructivism_in_international_relationshttp://en.wikipedia.org/wiki/Quantum_mechanicshttp://en.wikipedia.org/wiki/Ohio_State_Universityhttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Chicagohttp://en.wikipedia.org/wiki/Dartmouth_Collegehttp://en.wikipedia.org/wiki/Yale_Universityhttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Minnesotahttp://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Minnesotahttp://en.wikipedia.org/wiki/Macalester_Collegehttp://en.wikipedia.org/wiki/Mainz
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    quais expressam papis adotados pelos Estados de inimigo, rival e amigo,respectivamente. Essas caractersticas refletem estruturas sociais nas quais os atoresconsideram uns aos outros quando realizam suas tomadas de deciso. Tais culturas esto presentes simultaneamente no sistema, mas h uma cronologia de predominncia.Segundo o autor, a anarquia hobbesiana j se encontra ultrapassada e, hoje, o que se presencia um cenrio de transio lockeana-kantiana. Esses caminhos no representamindissociavelmente uma evoluo, so somente retratos que evidenciam mudanas deum estgio para outro. A questo utilizada como pano de fundo est relacionada afirmao da existncia de uma lgica anrquica e se essa estrutura afeta os interesses eas identidades do Estado ou somente seu comportamento, em suma, se o sistemainternacional constri os agentes estatais. O autor acredita que as estruturas anrquicasconstroem os Estados, mas no numa lgica intrnseca, pois essas estruturas podemvariar no nvel internacional e assumir diversos carteres.

    Desta maneira, o presente trabalho iniciar suas anlises, no primeiro captulo,observando o conceito de anarquia e as questes em torno dela, reportando-se s visesdos principais tericos polticos clssicos para, posteriormente, incluir o tema no mbitointernacional. Sero apresentados os cenrios e os regimes que vieram se moldandodesde a Paz de Westflia, situando a anarquia nos debates tericos mais recentes domainstream das relaes internacionais e introduzindo a relao da abordagemconstrutivista com o problema da anarquia.

    O segundo captulo possui como objetivo apresentar mais detalhadamente aviso construtivista dentro da disciplina, analisando definies de conceitos, o contextohistrico de surgimento, os pressupostos e os principais temas pesquisados pelacorrente. J o terceiro captulo, mais especfico, examina a viso wendtiana sobre aanarquia, as estruturas estabelecidas e os papis assumidos sob tal condio, com o

    intuito de analisar dialogicamente as caractersticas e as lgicas de cada cultura(hobbesiana, lockeana e kantiana).

    As consideraes finais, por sua vez, consistiro em uma recapitulao das principais ideias apresentadas bem como em um espao composto por crticas, pelasugesto de novas perspectivas, pela identificao de novas problemticas e pela buscade alternativas.

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    CAPTULO 1 A CONDIO ANRQUICA EM MBITO INTERNACIONAL

    We wear our scarves just like a noose But not 'cause we want eternal sleep

    And though our parts are slightly used New ones are slave labor you can keep

    We're living in a den of thieves Rummaging for answers in the pages

    We're living in a den of thieves And it's contagious And it's contagious And it's contagious And it's contagious

    Regina Spektor Us

    1.1 Retornando Teoria Poltica Clssica

    O estudo sobre a anarquia no um assunto pioneiro da rea de relaesinternacionais. Tericos do contrato social j contribuam para as cincias humanas,explorando a importncia da anarquia na criao de governos. Faz-se a necessidadeaqui, de serem citados brevemente, Hobbes, Locke e Kant.

    Para Hobbes (1964), os homens viveriam num estado de guerra, de todos contratodos, seguindo as leis naturais. Surge ento, a necessidade de um contrato para que segaranta a vida dos indivduos. A passagem do Estado de Natureza fase da SociedadeCivil no representa uma evoluo. Os homens em seu estado natural so racionais, porm incontrolveis. Para conter tal impulso, seria necessrio o predomnio da razo, aqual seria encontrada no estado civil. Assim, um pacto (ou contrato) social deveria serorganizado para que se controlassem esses instintos. A realidade deixaria de ser pura

    para se incorporar nas condies artificiais. No estado natural, todos nascem iguais quanto s faculdades do corpo e do

    esprito. Embora existam os mais fortes fisicamente e os mais nobres de esprito, Deusno privilegiou nenhuma vida. Hobbes analisa essa igualdade como propcia para umaguerra detodos contra todos . Como no h, nesse estgio, um poder comum capaz desubmeter a todos, os homens no tm como manter um respeito geral. A segurana queteriam contra os outros seria garantida por sua prpria fora e sabedoria, sendo livres para usar seu prprio poder da maneira que lhes conviesse. Isso acarretaria emconstantes guerras, as quais levariam os indivduos cada vez mais a se isolarem:

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    [...] if one plant, sow, build, or possesse a convenient Seat, others may probably be expected to come prepared with forces united, to dispossesse anddeprive him, not only of the fruit of his labour, but also of his life or liberty.And the invader again is in the like danger of another. And from thisdiffidence of one another, there is no way for any man to secure himself, soreasonable, as Anticipation; that is, by force, or wiles, to master the persons

    of all men he can, so long, till he see no other power great enough toendanger him. (HOBBES, 1964, p. 83).

    Em tal situao, o medo da morte e a busca pela segurana e conforto fazemcom que os homens abdiquem de sua liberdade de ao, renunciando esse direito emdetrimento de tudo e todos, transferindo, atravs de um contrato, esse poder individual para um poder comum, o qual estaria acima de todos os contratantes. Seria a imposio pelo direito, pelo medo e pela fora para que se garanta o cumprimento do pacto por

    todos. Esse poder comum seria comandado metaforicamente pelo Leviat , designaode Hobbes para o Estado, autoridade mxima escolhida e representada pela multido,que asseguraria a transformao da condio de guerras em condio de paz.

    J em Locke (KUNTZ, 1995), todos seriam iguais e livres perante Deus (anatureza). Todos possuiriam a mesma vantagem e no haveria relao de subordinao.Assim, o autor no acredita que exista uma guerra detodos contra todos . Essadescrena decorrente da afirmao da existncia de uma lei natural, a qual, em termos,limitaria a liberdade, ensinando a todos, por meio da vivncia, que os indivduos soindependentes e que no devem prejudicar a outrem:

    Em Locke, a norma natural pode ser entendida como lei no sentido forte. Alei positiva no mais mandatria que a da natureza. mais garantida quanto execuo, mas nem por isso a lei natural desprovida de eficcia. [...] Nacondio natural, escreve Locke, os homens vivem num estado de perfeitaliberdade para ordenar suas aes e para dispor de suas posses e pessoascomo julguem adequado, dentro dos limites da lei de natureza, sem pedirautorizao ou depender da vontade de qualquer outro homem. Esse tambm, segundo Locke, um estado de perfeita igualdade, no qual so

    recprocos todo poder e toda jurisdio, ningum tendo mais [dessesatributos] que qualquer outro. A condio natural se identificaimediatamente, portanto, pela diferenciao do poder. [...] A liberdade, este o ponto importante, explicada como poder de agir, dentro da lei denatureza, sem depender da autorizao de outra pessoa. Embora Locke serefira ao estado de natureza como condio tambm de igualdade, os doisatributos, de fato, no so apresentados como independentes. A idia deliberdade se explicita com a noo de igualdade, isto , de indiferenciao de poder. necessrio conceber os homens como iguais para v-los como livres.(KUNTZ, 1995, p. 96-97-98).

    A lei natural manteria uma relativa paz, preservando a humanidade conformeno houvesse a invaso dos direitos individuais. A execuo da lei seria realizada por

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    qualquer homem, tendo este o direito de castigar os que a violam. Como, nesse caso, ohomem se torna o juiz de seu prprio caso, a imparcialidade pode emergir nofavorecimento de si prprio e de seus amigos. Ento, essa dinmica providenciaria umespao mais de afinidade do que de isolamento, fator que ajudaria na manuteno da paz.

    Locke designa a propriedade como sendo o prprio corpo do homem (o homem proprietrio de si) e tudo que ele retira da natureza atravs de seu trabalho (afinal, tudoo que h na Terra bem comum de todos). O pacto ou contrato social se daria quandocada homem decidisse renunciar o seu prprio poder natural de julgar e executar a pena,transferindo-o sociedade civil. O principal objetivo dessa transferncia seria a preservao da propriedade, da posse pela vida, pela liberdade e pelos bens materiais. Ogoverno recm estabelecido faria com que os homens entregassem a liberdade (natural)em troca da segurana, promotora da garantia de suas propriedades. A guerra seria provocada pela autotutela individual no exerccio dos prprios interesses. A renncia daautotutela para admitir a presena de um rbitro para a resoluo de conflitos se tornavaento necessria.

    Em Kant (2008), a paz no seria estabelecida no estado natural, o qual sempreest propcio s ameaas de guerra decorrentes das discrdias entre os homens. Nem ao

    menos no estado civil natural, pois este possui certa contradio, na medida em queestabelece uma segurana contra as ameaas, porm que abalada pelo inato sentimentode rivalidade inerente proteo2:

    O estado de paz entre os homens que vivem lado a lado no o estado natural( status naturalis ) o estado natural o de guerra. Isto nem sempre significahostilidades abertas, mas, no mnimo, uma incessante ameaa de guerra. Umestado de paz, portanto, deve ser estabelecido, j que, a fim de se estar segurocontra a hostilidade, no basta que as hostilidades simplesmente no sejam

    cometidas; e, a menos que esta segurana seja garantida a cada um por seuvizinho (o que somente pode ocorrer num Estado juridicamente regulado),cada um pode tratar seu vizinho, do qual exige esta segurana, como uminimigo. (ANDRADE, 1993, p. 88).

    2 Ao contrrio do que se pode comumente supor, Kant discordava da ideia de um carter pacfico doestado de natureza entre os homens. Aproximava-se o filsofo, neste aspecto, do conceito hobbesiano deestado primitivo de guerra. Entretanto, segundo Kant, esta situao inicial exatamente o motivo pelo

    qual a busca pela paz deve ser empreendida.

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    Ento, para se obter o estado de paz, deve-se optar por dois princpiosfundamentais. O primeiro que a constituio civil de cada Estado deve serrepublicana. A paz estabelecida atravs das leis em uma sociedade, todos so livres perante uma legislao comum, a qual faz dos indivduos seres dependentes uns dosoutros. Logo, todos so iguais. Este seria o princpio fundamental da cidadania. AConstituio deve ser republicana porque alm de ser a mais prxima do conceito de lei, permite que as decises sejam tomadas com o consentimento dos cidados, at mesmonos casos de rompimento de paz e declarao de guerra.

    O segundo princpio se refere ao direito das naes, o qual deve ser fundadonuma federao de Estados livres. Cada Estado deve possuir sua prpria Constituio, pois se houvesse uma nica para todos, o conceito de superioridade e inferioridade permaneceria e os vrios Estados logo consistiriam em uma nica nao. Ela tambmdeveria ser organizada atravs de leis universais para que ningum imponha seu pontode vista sobre o do outro, evitando assim, a discrdia. Se essas leis apresentassem algumdefeito, deveriam ser corrigidas politicamente pela moral conforme o direito natural darazo. E essa correo deveria ser feita atravs de emendas que no causassem umaruptura imediata dos princpios civis, afinal, se assim fosse, a dinmica iria contra a prpria moral.

    1.2 Entendendo melhor o conceito de anarquia

    A anarquia caracterizada pela ausncia de governo ou de uma autoridade poltica presente sobre e entre as unidades de um sistema poltico. Como um conceitoanaltico, o termo no implica na falta de ordem poltica ou na presena do caos e,

    portanto, difere do uso informal, coloquial. O termo tambm difere de anarquismo, poiseste ltimo uma posio normativa (possivelmente utpica) que defende aminimizao da autoridade poltica em detrimento da maximizao da autonomiaindividual.

    A condio de anarquia entendida no contexto de um sistema internacionalmoderno, no qual as unidades de anlise so os Estados, os quais so todos formalmenteiguais perante a condio de possurem soberania plena. Esse fator separa as relaes

    internacionais de outras anlises polticas, caracterizando-se como um campo distintocomposto por diferentes regras e diferentes padres de interao.

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    Para a maioria das escolas de relaes internacionais, a anarquia evidencia quetodos os Estados devem confiar somente nos seus prprios recursos e habilidades uma prtica descrita como o princpio da autoajuda. Num quadro de ausncia de autoridade,os Estados podero apelar por proteo e ajuda, mas dependero, ultimamente, de seus prprios esforos. Isso implica que em qualquer acordo firmado, o Estado deve se auto-garantir em sua execuo, no podendo depender da outra parte, confiando nela paraque o acordo seja cumprido.

    Para Hedley Bull,a anarquia the central fact of the international system andthe starting place for theorizing about it (BULL, 1966, p. 35). No h, no campointernacional, uma legislao que regule as relaes entre Estados e no h umexecutivo supremo capaz de inibir as aes de um nico Estado quando suas aes seopem vontade comum de todos os demais. No h uma autoridade a qual um Estado possa recorrer por justia no que tange s suas relaes com seus vizinhos. justamente por causa dessa ausncia de um corpo governamental central que o sistemainternacional usualmente descrito como um sistema anrquico. Os Estados, soberanos,so autnomos e independentes. Essa autonomia mina a existncia de um governomundial.

    Com relao epistemologia da palavra anarquia, literalmente esta significa semum lder . Combina o prefixo gregoan (sem) com o radical indo-europeuarkh (iniciar,tomar a frente). Historicamente, a ausncia de um lder significava a ausncia de umgovernante poltico (SHIPLEY, 1984). No uso comum, o conceito de anarquia destinado tanto para a ausncia de um governante quanto para a desordem que essaausncia ocasiona. Segundo o dicionrio de Oxford, a anarquia tratada como aabsence of government; the state of lawlessness due to the absence or inefficiency ofthe supreme power; political disorder (Oxford University Press, 1971, p. 301). Embora

    a imagem das relaes internacionais tenha sido dominada tanto tempo por conflitos eguerras, a anarquia aqui, no significa desordem:

    Literally, anarchy refers to the absence of a ruler. More generally, politicalanarchy is the condition of any polity that is lacking in formal institutions ofgovernment at the system level, that is highly decentralized with respect tothe distribution of authority and power. Defined in this way, anarchy is by nomeans synonymous with disorder or chaos. There is no a priori reason toconclude that the emergence of effective systems of rights and rules isinfeasible in polities characterized by a high degree of decentralization withrespect to the distribution of authority and power. (YOUNG, 1994, p. 272).

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    O que se entende que entre as soberanias no h uma autoridade superior. Teoriasrecentes da rea esto se empenhando em entender o estado de ordem e paz nas relaesinternacionais na ausncia desse governo central supremo.

    1.3 Cenrios e regimes

    Atualmente, vrios autores da rea de relaes internacionais trabalham com ahiptese da decadncia do templo westfaliano, uma referncia ao sistema de Estadosque tem moldado o sistema mundial desde o sculo 17. Os Estados tm perdido acentralidade no sistema mundial, em funo da ampliao das redes de cooperao e detransnacionalismo. um retrato da formao de interdependncia complexa traadocom base num cenrio ps-hegemnico (KEOHANE; NYE, 1989).

    Com base numa situao de multipolarizao, de presena de novos atores e dedeclnio da pax americana presente no sistema internacional, h uma profundainterligao que se estabelece entre os Estados presentes em diversos setores e emmltiplas reas nas relaes internacionais. Todos os entes estatais passam a sersignificativamente afetados uns pelos outros, devido a essa multiplicidade de setores e

    recursos de poder. Esse fator leva, de certa maneira, criao de regimes internacionais,os quais se resumem na maneira de se estabelecer um contrato entre os Estados que se preocupam com temas comuns (KRASNER, 1982).

    As tradies de Westflia se remetem a uma ordem internacional anrquica3 nascente de um equilbrio de poder. As relaes conflituosas entre Estados no sistemainternacional se evidenciavam pela atuao de cada um desses atores em busca desegurana, sobrevivncia e poder, representando um mecanismo de conteno mtua.

    Essa a primeira caracterstica do sistema westfaliano: o princpio legal de ordenao,caracterizado pelo respeito mtuo soberania.

    A segunda caracterstica elementar a elevada autonomia estatal como forma principal de conduta. Os Estados so soberanos, no existindo uma autoridade superiora estes. A poltica internacional, ou seja, a ao do Estado no sistema, definida

    3 Dentro de uma anlise referente ao estado de natureza hobbesiano, o sistema internacional no derivado de um contrato que estabelea uma ordem e um conjunto de regras legitimadas em nvel global

    (como acontece no nvel domstico entre a sociedade civil e o Estado nacional). Sendo assim, naconcepo realista clssica, o sistema internacional considerado anrquico.

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    racionalmente pelo soberano, no existindo deslocamento entre tal poltica e a sociedadecivil, a qual no influencia as aes do Estado4. Prevalecem, assim, o interesse nacionale o clculo estratgico.

    Segundo Zacher (2000), seis so os pilares que sustentam esse templo deautonomia e soberania estatal. O autor mostra a decadncia desses pilares ocorrida emdiversos nveis durante o passar dos sculos, em que houve um grande aumento nonmero de organizaes internacionais e maior cooperao no sistema:

    [...] v-se o sistema internacional afastar-se do alto nvel de anarquiaexistente anteriormente, rumo a uma nova situao em que existam regimesrazoavelmente importantes em grande nmero de reas temticasinternacionais, e os Estados so cada vez mais limitados no seucomportamento competitivo. [...] No entanto, no propomos aqui que atransformao internacional corrente esteja prejudicando a importncia dosEstados; o que acontece que ela implica o seu enredamento em umconjunto de regimes internacionais explcitos e implcitos e em uma srie deinterdependncias que limitam cada vez mais a sua autonomia. (ZACHER, p. 90-91, 2000).

    O primeiro e principal pilar o fato de os Estados, com base no clculo decusto/benefcio, considerarem os recursos gastos com as guerras suportveis, se elasforem peridicas como vinham se mostrando. Isso faz com que os regimes destinados

    ao controle dessas tenses se enfraqueam. Todavia, houve um crescimento de carterdestrutivo, sobretudo devido ao advento do arsenal nuclear, fazendo com que as guerrasse tornassem improvveis.

    O segundo pilar se refere s externalidades fsicas, as quais no provocavamdanos alm-fronteiras estatais a ponto de induzirem a uma colaborao em nvelinternacional para solv-los. Entretanto, atualmente, a proliferao de doenas em todoo planeta e a problemtica do aquecimento global tm colaborado para um maiorengajamento de coordenaes polticas estatais e privadas que se do em um cenrio deinterdependncias ambientais e biolgicas que corroboram para uma interao mundial.

    Presente no terceiro pilar, a questo econmica tambm se estabelece numasituao de interdependncia. Se poca do templo solidificado o rompimento derelaes comerciais entre Estados por causa das guerras no acarretava em perdaseconmicas graves, hoje o que se pode observar um cenrio de liberalizao comercialem que est presente a participao no somente dos Estados, mas tambm de um

    4 a representao da razo de Estado.

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    grande nmero de corporaes multi/transnacionais na dinmica dos fluxos financeirosmundiais. Tambm o grau de envolvimento dos Estados atravs de instituiescomerciais internacionais tem crescido, proporcionando negociaes que discutamtemas pertinentes a determinada rea, bem como suas regras:

    Em um mundo onde o comrcio administrado mais importante, pode haverviolaes mais freqentes das regras globais do GATT, mas so essas regrasque fornecem um quadro importante para que os Estados formulem sua poltica comercial. O respeito s regras do jogo est longe de ser perfeito,mas ao mesmo tempo os Estados sabem que para ter acesso ao mercado dosoutros membros do sistema no podem divergir excessivamente dos padresnormais. (ZACHER, p. 117, 2000).

    O quarto pilar se refere aos fluxos de informao, que no perodo westfaliano

    eram limitados e no proporcionavam um processo intenso de intercmbio econmico ecultural como ocorrido atualmente. A revoluo nas comunicaes, ao mesmo tempoem que estimulou as transaes internacionais em diversas reas criando umainterpenetrao entre diversos atores e sistemas, tambm implicou num desafio autonomia estatal, na medida em que se dificultou identificar as identidades culturais e polticas dos povos em meio aos fluxos migratrios e s trocas de informaes presentesno mundo globalizado.

    A grande presena de governos no-democrticos, tema do quinto pilar, de certaforma colaborou para a restrio desses fluxos de informao e do trnsito de pessoasentre pases. Segundo o autor, as democracias alm de no entrarem em guerra entre si,tambm favorecem o capitalismo liberal, fazendo com que a expanso de regimesdemocrticos desobstrua o acesso a esses fluxos citados e provoque uma certa

    homogeneizaodos valores e dos costumes (ZACHER, p. 131, 2000).O sexto e ltimo pilar trata da questo dicotmica entre hetero e homogneo na

    esfera cultural. Ao mesmo tempo em que a globalizao evidenciou uma profundadiversificao de grupos tnicos e sociais, todas as culturas relacionadas a eles so, naverdade, produto hbrido de vrias outras. Esse fator, juntamente com o daocidentalizao, abre espao para um processo de homogeneizao cultural em nvelmundial, em que valores e prticas culturais devam caminhar em direo universalizao.

    A ideia do autor visualizar uma tendncia altamente plausvel de que todos

    esses processos contrrios aos pilares se intensificaro cada vez mais, no se

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    encontrando mais nenhum sentido em fazer qualquer referncia aos tempos deWestflia, pois este templo j se apresenta praticamente descaracterizado:

    Todas as indicaes so de que aumentaro as interdependnciasinternacionais nos campos econmico e do meio ambiente, fazendo com quesejam necessrios mais regimes, e regimes mais fortes. Poder haver ummovimento marcante em favor de vnculos e regimes regionais, em oposioaos de carter global, o que pode ser o resultado da considervel tensoexistente entre agrupamentos regionais. Mas provvel que continuem aexistir redes fortes de regimes e interdependncias globais, desde que aviolncia militar no volte a ser um trao importante da cena internacional.(ZACHER, p. 138, 2000).

    Neste caminho, faz-se necessria a apresentao da colaborao de StephenKrasner (1982) sobre as motivaes aos processos de integrao entre Estados. Para ele,as instituies internacionais so espaos normativos de formulao, comunicao,administrao, adaptabilidade e legitimidade de regras. Logo, regimes ultrapassam aideia de simples alianas, pois so mais do que parcerias momentneas.

    Regimes so maneiras de se estabelecer contratos entre Estados que se preocupam com temas comuns. Entretanto, a motivao dos atores internacionais decooperar nesse sentido no est relacionada somente com clculo de interesses, mas,sobretudo, com princpios e normas que agem na maximizao de uma noo de uma

    obrigao comum.Com relao a esses princpios, o autor foca bastante no de reciprocidade, o qual

    evidencia uma cooperao que sacrifica alguns interesses estatais em nome dessasobrigaes comuns, em que a expectativa com relao aderncia de outros atoresnesses regimes bastante elevada. Essa friendship transaction , como afirma o autor, narealidade, um ato de transferncia de lealdade poltica dos Estados para asorganizaes das quais fazem parte. Os atores estatais faro isso tanto por possurem

    interesses e preocupaes comuns, quanto por acreditarem nesses valores globais. Essainterdependncia estrutural ser sustentada por um compromisso gerador de confianamtua (confidence building major) .

    Segundo Krasner,changes in rules and decision-making procedures arechanges within regimes, provided that principles and norms are unaltered (p.3, 1982)

    porque changes in principles and norms are changes of the regime itself (p. 4, 1982).

    Princpios e normas esto acima ou se igualam aos prprios regimes. Desaparecendo

    esses valores, desaparecem os regimes ou h a criao de novos. As regras e decisesreferentes poltica internacional sofrem mudana no interior dos regimes e,

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    conseqentemente, no so de ordem estrutural. Logo, as falhas ocorridas nessesregimes esto relacionadas s incoerncias das relaes dos diversos atoresinternacionais, ou seja, das fragilidades entre os prprios regimes e os comportamentosocorridos dentro deles.

    As relaes entre Estados soberanos requerem regimes incumbidos de coordenaro comportamento estatal em direo obteno de resultados desejados. Esta condutaope-se aos intentos hegemnicos. Considerando que as motivaes de puro poderexcluem os regimes, estes poderiam ser etapas eliminadas na busca pela supremacia. Normas e princpios, por sua vez, no apenas surgem como mais uma razo ao adventode regimes, mas tambm so elementos que os definem e os caracterizam. Eles podemser tambm as causas do fim de um determinado regime.

    Finalmente, de um lado, os usos e costumes, e de outro, o conhecimento, so asduas ltimas variveis causais que podem afetar o desenvolvimento de regimes. Oconhecimento manifesta-se como uma varivel interveniente, consistindo no conjuntode informaes e teorias das quais os atores dispem para chegar a consensos e acordos.Ele diz respeito, portanto, segundo Krasner, chave para o entendimento mtuo:

    Knowledge creates a basis for cooperation by illuminating complexinterconnections that were not previously understood. Knowledge can notonly enhance the prospects for convergent state behavior, it can alsotranscend prevailing lines of ideological cleavage. It can provide acommon ground for both what Haas calls mechanic ap proaches [] andorganic approaches []. (KRASNER, 1982, p. 203)

    A ampliao do conhecimento acerca de determinados temas, como a sade e omeio ambiente, traz como consequncia a alterao de normas. Para que oconhecimento possa agir independentemente, ele precisa ter o consentimento dos atores.

    Em suma, o autor enxerga duas diferentes orientaes para as relaesinternacionais. Uma delas a perspectiva que se aproxima do pensamento de Grotius defendida por Hopkins e Puchala, e segundo a qual os regimes consistem em uma facetada interao social, isto , os vrios fatores acima citados contribuem para a formaode um regime.

    J a outra orientao diz respeito realista-estruturalista. Segundo esta, osregimes emergem como decorrncia da falha da deciso individual no sentido de

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    assegurar resultados desejados. Neste caso, as variveis causais bsicas que levam criao de regimes so o poder e o interesse, e os atores bsicos so os Estados5.

    Os regimes devem ser vistos, ento, como variveis autnomas agindoindependentemente, no somente sobre os comportamentos e resultados, mas tambmsobre as variveis causais bsicas, as quais so responsveis pela prpria criao doregime.

    1.4 O debate neo-neo sobre a cooperao em meio anarquia

    Mais do que uma discusso em torno do prprio propsito das instituies em si,a grande questo se relaciona com a identificao de qual a viso motivadora decooperao, ou seja, o que impele os Estados a cooperar. Enquanto, para os neoliberais,a cooperao assume sentido de mudana, a qual se dar por meio de uma rede de princpios e valores que tem o papel de sustentar a ordem internacional, no neo-realismo, a cooperao assume valor instrumental, evidenciando que as instituies soum espao de manobra funcional dominao e, portanto, esto subordinadas aointeresse nacional.

    Torna-se importante ento, observar os pontos de debate e convergncia entreneoliberais e neo-realistas. As correntes divergem sobre a possibilidade de ocorrncia esobre a freqncia da cooperao no sistema internacional. David Baldwin afirma queos neo-realistas enxergama cooperao como algo harder to achieve, more difficult tomaintain, and more dependent on state power (1993, p.3). So, portanto, mais cticosem relao s vantagens de uma combinao supranacional, uma vez que essa seriadifcil de ser alcanada e mantida. Por isso, os neo-realistas supervalorizam a existncia

    da anarquia que rege o sistema internacional em detrimento da existncia de umainterdependncia.

    Os neoliberais, por sua vez, apostam nos ganhos absolutos provenientes dacooperao internacional como um ganho comum. Para eles, cooperar significa somarinteresses compartilhados, e no um subtrair do outro. Enquanto os neoliberais

    5 Krasner observa que autores como Stein e Keohane vo alm das orientaes realistas convencionais,criticando a associao superficial que estas estabelecem entre as mudanas em variveis causais bsicase os comportamentos e resultados, bem como o fato de elas negarem a utilidade do conceito de regime.

    No entanto, segundo Krasner, esta anlise acaba se tornando redundante e se revelando igualmenteconstrangedora, pois que os argumentos que consideram os regimes como sendo variveis intervenientes,e o poder e interesse estatais como variveis causais, caem dentro do paradigma realista-estruturalista.

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    destacam a importncia da economia, os neo-realistas apostam na questo da seguranamilitar como prioridade do Estado. A existncia e fortalecimento de instituiesmultilaterais, contudo, diminuiu a necessidade de ser recorrer ao poderio militar. Tantoo neo-realismo quanto o neoliberalismo reconhecem a abundncia destas organizaes,mas diferem quanto a seu significado:

    Much of the contemporary debate, according to Keohane (this volume),centers on the validity of the institucionalist claim that internationalregimes, and institutions more broadly, have become significant in world politics. The neorealists agree that this is an important point of contention.They believe that neoliberals exaggerate the extent to which institutions areable to mitigate anarchys constraining effects on inter-state cooperation.(BALDWIN, 1993, p 8)

    Por isso, apontam os neorrealistas que as instituies devem ser seguidas de perto pelo poderio militar o poder um elemento muito significativo. Para Waltz(1989), um agente se torna poderoso na medida em que afeta mais os outros do que osoutros o afetam. Neste entendimento, mais poder para um ator sempre significar menos para os demais.

    O trabalho de Kenneth Waltz representa outra possibilidade de entender acooperao no mbito internacional na medida em que analisa a teoria realista, suas

    semelhanas e diferenas com relao ao neo-realismo. Para ele, necessrio entenderque a poltica internacional e a estrutura do sistema so autnomas. Enquanto a primeira desenvolvida no mbito interno do Estado, a segunda indica que o sistema anrquicoe, nesse sentido, o Estado deve se adaptar ao sistema, e no o contrrio.

    Vale ressaltar que o neo-realismo mantm as principais caractersticas dorealismo, entretanto, a forma de interpretar muda o poder representa agora um meiotil. Em situaes de risco, a condio dos Estados no a conquista do poder, mas sim

    a manuteno de sua segurana.Logo, a competio e o conflito entre Estados levam estes a providenciar sua

    prpria defesa, pois como o sistema internacional anrquico, pairando a instabilidade,os Estados sempre esto preocupados com um possvel ataque. Tanto a busca pelo poder quanto a busca em se manterem seguros fazem surgir um cenrio marcado pelainsegurana e pelo conflito. Em suma, a guerra ocorre motivada por mudanas naestrutura do sistema internacional.

    Baseado nesta viso apresentada pelo autor, pode se entender que a cooperaoentre os Estados ocorre quando h um conjunto de interesses em comum que buscam

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    gerar ou manter o fortalecimento desses atores no sistema internacional. Alm disso, acooperao somente ocorrer quando a estrutura desse sistema passar a valorizar estetipo de relao entre os Estados.

    Nesse sentido, em um sistema multipolar, em que h o predomnio dadiplomacia, as alianas ocorrem por um determinado conjunto de interesses em comume no, necessariamente, pela totalidade de interesses comuns. Aqui, necessrio queuma das grandes potncias abra mo de alguns objetivos para manter seus aliados prximos de si. Porm, a cooperao nunca est salva da chamada sombra dadesconfiana, pois em alianas em que existam discrepncias entre os pases h anecessidade de cautela com relao aos Estados mais fracos e aventureiros, os quais, emmomentos de crise, tendem a esquecer os laos e agir do modo que melhor lheconvenham fato este que pode alterar o equilbrio existente no sistema internacional.Por outro lado, em alianas entre Estados com poderes absolutos mais equalizados, adesero de um acaba por fragilizar a defesa do outro.

    Neste raciocnio, o erro no clculo estratgico na formulao de cooperaesacaba por ser mais impactante em um mundo multipolar que em um bipolar. Em umsistema que possui diversas potncias, o erro acaba por levar alterao do status quo .J em um mundo com apenas duas grandes potncias, h uma possibilidade de correo,

    na medida em que h mais clareza na possibilidade do erro de um e na sano que ooutro ir impor sobre aquele que falhou.

    Resumidamente, pode-se entender que o mundo multipolar marcado pelamaior interdependncia, por perigos difusos e responsabilidades confusas. Por outrolado, a baixa interdependncia das partes e a clareza no perigo so as principaiscaractersticas de um mundo bipolar. Entretanto, em ambos os mundos entende-se que acooperao busca a manuteno ou a conquista do poder, pois a estrutura do sistema

    internacional anrquica.Os neo-realistas consideram o Estado nacional como ator primrio das relaes

    internacionais e cada um, com a sua soberania, possui interesses nacionais que guiam a poltica externa e que se confrontam com a de outras naes. Waltz descreve essecenrio como um sistema de autoajuda:

    With many sovereign states, with no system of law enforceable among them,with each state judging its grievances and ambitions according to the dictates

    of its own reason or desire conflict, sometimes leading to war, is bound tooccur. To achieve a favorable outcome from such a conflict, a state has to

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    rely on its own devices, the relative efficiency of which must be its constantconcern. (WALTZ, 1959, p. 159).

    Nessa perspectiva, o poder mensurado em termos relativos. O Estado no

    precisa ser o mais poderoso de todos, porm mais poderoso do que seus potenciaisinimigos. A cooperao deve ser feita de maneira cautelar para que se evitem laos dedependncia. Assim, as relaes internacionais emergem de um desconfortvel entrave propiciado pelo balano de poder, em que os Estados evitam o conflito por estaremincertos sobre os resultados que podem acarretar.

    Como exposto, embora a questo de que o sistema internacional seja anrquicoseja amplamente compartilhada, o significado e as consequncias dessa hipteseocupam constantemente espaos centrais em debates da rea. Para os realistas, aanarquia produz um efeito de soma-zero num espao de esforo competitivo entre osEstados. Para os realistas polticos, ela no se caracteriza como proeminente, pois umacondio de experincias passadas. Hans Morgenthau (1950), por exemplo, situa ompeto pelo poder no carter inato do homem poltico, no na natureza do sistemainternacional. J para os neo-realistas, a anarquia uma das principais caractersticasque definem a estrutura internacional, gerando at efeitos causais significativos.

    Dentro ainda do neo-realismo, existem duas vertentes. A defensiva acredita quea condio de anarquia emerge quando Estados procuram por segurana. Sabido quealguns Estados podem possuir tendncia agressiva, todos os outros devem estarvigilantes e preparados para se defenderem. Entretanto, os realistas ofensivosestabelecem que a anarquia uma condio desafiadora na qual os Estados devem possuir poder a todo momento. Esses atores esto sempre inseguros, com o medo queoutros possam explorar suas foras, impondo sua vontade aos outros. E como o poder uma soma-zero, nada que acarreta em uma vantagem para um Estado pode criar uma

    desvantagem a outro. Nesse caso, a anarquia evidencia que as polticas internacionais possuem uma forte tendncia dominao.

    Os neoliberais institucionalistas enxergam a anarquia como uma condio que pode ser mitigada se no for resolvida totalmente atravs de instituies de negociaovoluntria entre os Estados. Ao contrrio do neo-realismo, aqui a anarquia no define osobjetivos dos Estados, mas permite que o dilema da colaborao e coordenao entreesses atores se sobreponha ao da cooperao somente por intuito de maximizao de

    ganhos. Na forma de uma ordem auto-organizvel, os Estados podem evitar algumasimplicaes conflituosas da anarquia formando instituies sem necessariamente se

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    subordinarem a uma autoridade central. Em suma, a ordem no sistema resultado maisda cooperao entre Estados do que das relaes de conflito constante.

    1.5 Construtivismo e o incio de novas abordagens sobre a anarquia

    Os construtivistas encaram a anarquia como uma condio aberta composta porelementos socialmente construdos e por regras e normas interpretadas que podemvariar no tempo e no espao. Esses atores podem representar e serem representados emdiferentes contextos, em um mundo de todos contra todos, em um mundo que refleteelementos importantes do institucionalismo e dos direitos naturais, ou em um mundo de paz e cooperao. Em todas essas ordens socialmente construdas h um potencial parauma transformao sistmica que exclui tanto as assunes do neo-realismo quanto doneoliberalismo. O Estado-nao produto de sistemas sociais e legais que permitem aexistncia da condio de soberania. O construtivismo baseado na ideia de que asinstituies sociais no so objetos externos formados por algum poder desconhecido.Essas instituies, como os Estados e o prprio sistema internacional, so socialmenteconstrudas por regras e prticas presentes na vida cotidiana humana. So resultados de

    um processo histrico que se apresenta em fluxo constante e, por isso, devem sersempre contextualizadas (LAKE, 2009).

    a partir desta vertente terica das relaes internacionais que se iniciam ascrticas sobre o conceito convencional de anarquia e seu papel desenvolvido no sistemainternacional. Basicamente, essas crticas se do em dois principais temas. O primeirose refere noo comum de anarquia derivada de uma concepo formal-legal deautoridade excessivamente limitada. Concepes alternativas abrem mais possibilidades

    para anlises que consideram diferentes tipos de autoridade coexistindo dentro dosistema internacional ao mesmo tempo. Segundo, a soberania no divisvel, comocomumente avaliada, mas um conjunto de diferentes tipos de autoridade que podemser desagregadas atravs de meios que no coincidem necessariamente com os Estados-nao tradicionais. Uma soberania divisvel permite um patchwork composto pordominao, competio e outras autoridades complementares que existemsimultaneamente. Esses temas crticos sugerem que algumas formas de governana

    global j existiam no passado e que, atualmente, formam uma tendncia maior deexpanso para o futuro (LAKE, 2009).

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    Na concepo formal-legal de autoridade, a pessoa ou a unidade envolvida tem odireito de executar certos comandos sobre um grupo de subordinados porque a posio aqual lhe permite fazer isso legtima. A autoridade no est no indivduo, mas na posio que este ocupa, alcanada atravs de um procedimento legal. Eleitamajoritariamente por um Colgio Eleitoral, por exemplo, uma pessoa se torna presidente dos EUA; estabelecendo regras de rotao, os pases coletivamente seapossam da presidncia do Conselho da UE. Nas relaes internacionais, como no huma autoridade ou um procedimento legtimo sobre os Estados, nenhum ator pode estarautorizado a governar, a no ser a si prprio. Como resultado, o sistema e as relaesque ocorrem nele so classificados como anrquicos.

    Entretanto, essa apenas uma fonte possvel de autoridade. Weber (1978), porexemplo, mesmo dentro da concepo formal-legal, afirma que a legitimidade e aautoridade podem derivar do carisma, da tradio ou de crenas religiosas. Outrosautores acreditam que deriva de princpios psicolgicos de equidade e justia, normasconstrudas socialmente, ou contratos negociados socialmente entre governante egovernado. Essas outras fontes abrem a possibilidade de a autoridade ser exercida nos por Estados, mas tambm por organizaes internacionais, ONGs, e outros atores.Enquanto os debates convencionais continuam em torno das questes de quem tem

    autoridade sobre quem e para que, esse crescente surgimento de pesquisas crticassugere que as relaes internacionais no so totalmente anrquicas, mas melhordescrita como um sistema variado de mltiplas unidades executoras de autoridadeoriundas de mltiplas fontes de autoridade.

    Com relao soberania, esta veio sendo considerada como fator indivisvel emais importante dentro de cada entidade territorialmente distinta. Antigamente, asoberania era exercida por um rei, um imperador, um soberano. Hoje, porm, a

    qualidade soberana do Estado tambm deriva do poder popular. Mas mesmo estandoatrelada a uma sociedade (parte constitutiva do Estado), a autoridade no pode, nem em parte, estar subordinada a qualquer outro ator. Essa suposio codificada na noo desoberania jurdica ou westfaliana, incorporada Carta das Naes Unidas. Atualmente,os Estados no necessitam controlar seus territrios como no passado, mas somente precisam ser reconhecidos como soberanos por outras unidades soberanas para que esse status se confira.

    H um grande consenso sobre a crena de que os Estados no tenhamincorporado essa viso idealizada de soberania westfaliana de fato. Todavia, mesmo

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    historicamente, a soberania se apresenta melhor se descrita como um conjunto deautoridades que so desagregadas atravs de unidades dentro de um Estado, o que seriaconhecido como federalismo, ou, mais importante, atravs dos Estados e outras partes.Essa desagregao exemplificada por um multinvel de governana presente na UEcontempornea e tambm refletida em numerosas restries internacionais s aes deliberdade dos Estados6.

    A combinao de mltiplas formas de autoridade permite a existncia de vriosespaos onde a autoridade pode ser exercida, o que sugere que os padres degovernana global tendem a ser mais variados, complexos e dinmicos do que outros.Grupos transnacionais no estatais exercem autoridade sobre seus membros, assimcomo as ordens religiosas, sindicatos, e outros corpos coletivos. ONGs ganhamautoridade sobre firmas e Estados, limitando aes de cartis internacionais, regulandoo comportamento dos atores atravs do monitoramento de procedimentos decertificao. Os Estados exercem autoridade uns sobre os outros em suas esferas deinfluncia. As organizaes internacionais tambm possuem autoridade a OMC,regulando as disputas comercias, a Agncia Internacional de Energia Atmica,gerenciando as instalaes e programas nucleares.

    A crtica sobre a concepo convencional de anarquia e a expanso da

    governana global implica trs desafios essenciais para o futuro: os analistas devemmapear as formas de governana global a fim de identificar onde a autoridade atual inadequada ou no regulada, propondo reformas que ajudem a melhorar o bem estarsocial; os policy makers devem aceitar e navegar entre essas mltiplas formas deautoridade, aliando-as aos seus propsitos nacionais quando apropriado; e os cidadosglobais devem trabalhar para assegurar que as autoridades globais atuem preocupadasem atender a interesses gerais.

    6 Direitos de proteo e garantia (caso dos EUA com a Federao de Estados da Micronsia); direitos de

    controle econmico e financeiro (aplicado entre EUA e Repblica Dominicana entre 1904 e 1941);direitos de servido (entre EUA e Japo, sob a presena de acordos forados); direitos de interveno(entre EUA e Panam, no tratado de neutralidade de 1977).

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    CAPTULO 2 O CONSTRUTIVISMO NAS RELAES INTERNACIONAIS

    Era uma casa muito engraada No tinha teto, no tinha nada

    Ningum podia entrar nela, no Porque na casa no tinha cho Ningum podia dormir na rede

    Porque na casa no tinha parede Ningum podia fazer pipi

    Porque penico no tinha ali Mas era feita com muito esmero

    na rua dos bobos numero zero

    Vincius de Moraes A Casa

    2.1 Construindo definies

    O construtivismo no , em si, uma teoria, mas uma abordagem dentro dosestudos de relaes internacionais que baseada no pressuposto de que estas sosocialmente construdas. Assemelha-se mais a uma metateoria, na medida em quetrouxe conceitos importantes das cincias sociais para a disciplina e questionou pontostericos e formas de teorizao tradicionais dentro do campo (NOGUEIRA; MESSARI,2005).

    O construtivismo se pauta na construo social humana e seu papel na vidainternacional (RUGGIE, 1998). A corrente focada na interferncia das ideias, normas,do conhecimento e da cultura nos entendimentos coletivos da vida social. Uma anliseque estabelece trs grandes preceitos: a) as interaes humanas so formadas, primeiramente, por fatores ideacionais, no somente por materiais; b) o fator ideacional o mais importante e representa o compartilhamento de crenas intersubjetivas, as

    quais no so reduzveis aos indivduos; c) esse compartilhamento construdo pelosinteresses e pelas identidades de atores que se constituem como intencionais (ADLER,1997; WENDT, 1999):

    Construtivismo a perspectiva segundo a qual o modo pelo qual o mundomaterial forma a e formado pela ao e interao humana depende deinterpretaes normativas e epistmicas dinmicas do mundo material. [...]Alm disso, os construtivistas acreditam que a capacidade humana dereflexo ou aprendizado tem seu maior impacto no modo pelo qual os

    indivduos e atores sociais do sentido ao mundo material e enquadramcognitivamente o mundo que eles conhecem, vivenciam e compreendem.Assim, os entendimentos coletivos do s pessoas razes pelas quais as

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    coisas so como so e indicaes de como elas devem usar suas habilidadesmateriais e seu poder. [...] construtivismo significa estudar como aquilo queos agentes consideram racional tem efeitos nos empreendimentos e nassituaes humanas coletivas. (ADLER, 1999, p. 205-6; 215).

    Os indivduos so os principais protagonistas de um mundo que constantemente construdo por eles mesmos, produto de suas escolhas. Este mundo no predeterminado, j que os agentes podem transform-los dentro de certos limites.Dentro deste raciocnio, os construtivistas no acreditam numa antecedncia ontolgica,ou seja, no identificam uma relao de precedncia entre estrutura e agentes, poisconsideram ambos co-construdos. Um no precede o outro nem no tempo e nem nacapacidade de influncia. No h como citar a sociedade sem mencionar os indivduosque a compem e nem h como citar os indivduos sem mencionar a sociedade a qualconstituem:

    O construtivismo est no meio termo porque se interessa em entender comoos mundos material, subjetivo e intersubjetivo interagem na construo socialda realidade, e porque, mais do que considerar exclusivamente como asestruturas constituem as identidades e os interesses dos agentes, ele pretendetambm explicar como, antes de tudo, os agentes individuais constroemsocialmente essas estruturas. (ADLER, 1999, p. 216).

    Agentes e estrutura so igualmente relevantes para a explicao docomportamento social. A estrutura est presente tanto na constituio dos agentes comona constituio das prticas sociais. tanto o meio como o resultado da reproduodestas. J os agentes so possuidores de identidades e tm o papel de construtores desuas prprias prticas. Agem de acordo com as regras institucionais e de acordo comseus interesses (GIDDENS, 1979). Portanto, o objetivo principal do construtivismo fornecer explicaes tanto tericas quanto empricas de instituies sociais e damudana social com o auxlio do efeito combinado de agentes e estruturas sociais(ADLER, 1999, p. 210).

    O sistema internacional um lugar de ideias, pensamentos, um sistema denormas7, o qual organizado por certas pessoas em certos momentos e em certoslugares. Os agentes constroem sua realidade social e a reproduzem em suas prticas

    7 O sistema um conjunto de relaes entre partes e um todo, sendo elas regulamentadas, o que presume

    que sigam um ordenamento, um padro. No caso do sistema internacional, o regulamento constitudo do prprio sistema, o que evidencia uma auto-regulao.

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    cotidianas. Logo, o construtivismo v o sistema internacional como socialmenteconstrudo, e no como algo dado (JACKSON; SORENSON, 2003).

    Os agentes no existem independentemente de seu ambiente social. Os interessesdos Estados, por exemplo, emergem do ambiente no qual operam. Isso significa que osinteresses so construes endgenas advindas das interaes dos Estados com oambiente no qual esto inseridos. O mundo social envolve pensamentos, crenas, ideias,conceitos, formas de linguagem, discurso, signos e significados. As pessoas fazem omundo social, o qual possui um significado peculiar para mente de cada um8. Aconstruo social da realidade nos faz entender que as coisas no significam por si s, omundo material no atribui significados. So as pessoas que constroem o significadodas coisas, usando um sistema de signos, que predominantemente lingustico. asubjetividade que cria os objetos a coletividade atribui significado a eles por meio deuma espcie de batismo social9. As interaes dentro desse ambiente que iro definirquem ns somos, nossas identidades (WENDT, 1999). Os construtivistas focam tantonas diferenas entre as pessoas quanto em como as relaes entre elas so formadas porsignificados atribudos atravs de instituies sociais coletivas.

    Os construtivistas se pautam nas estruturas normativas e ideacionais bem comonas estruturas materiais, com intuito de definirem o significado e a identidade dos

    indivduos. O mundo material constantemente interpretado pelos seres humanos, porisso a maior ateno s crenas, ideias, concepes e suposies trabalhadas no campointersubjetivo. As normas e as crenas compartilhadas constituem as identidades e osinteresses dos atores, o modo como as pessoas se consideram em suas relaes. Osinteresses so baseados nas identidades sociais dos atores, o que evidencia que ambosno so fixos, mas relativos e relacionados (ADLER, 1997).

    Os atores da poltica internacional so socialmente construdos, produtos de um

    processo histrico complexo que envolve dimenses sociais, polticas, materiais eideacionais. So (re)constitudos atravs de prticas polticas que criam entendimentos

    8 Com a sociedade moderna, o indivduo se torna centro de conhecimento e deciso. Cada um umatotalidade em si mesmo, pois se constitui em um centro de conhecimento individual. Cada indivduo possui seu prprio pensamento e o articula mentalmente de modo particular atravs de forma simblica(subjetividade).

    9 Construtivistas como Saussure (1974) do nfase s relaes ocorridas dentro deste sistema de signos,verificando a distino de um objeto pela existncia de outro. J construtivistas como Derrida (1981),

    trabalham com estruturas binrias de oposio (educao/ignorncia; modernidade/tradicionalismo),evidencia uma relao de poder na qual um elemento binrio sempre privilegiado.

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    sociais compartilhados. No h verdade objetiva no mundo social e, desde que este socialmente construdo, no se apresenta como esttico. Na realidade, uma teoria queenvolve metodologia interpretativa, no possuindo propsito explicativo, mascompreensivo.

    As teorias materialistas afirmam que o comportamento poltico determinadosomente pelo mundo fsico. J as teorias individualistas analisam os entendimentoscoletivos como simples fenmenos das aes individuais, negando que estas possuam poder causal ou algum status ontolgico. Contrariamente, o construtivismo se baseia emfatos sociais coisas como dinheiro, soberania, direitos, as quais no possuem realidadematerial, mas que existem devido ao fato de as pessoas compartilharem a crena de queelas existem e agirem de acordo com esse pressuposto. Todas as anlises construtivistasfazem o uso, embora em graus diferentes de intensidade, de uma ontologia ideacional edo holismo de certo modo10 (FINNEMORE; SIKKINK, 2001).

    O construtivismo um tipo de teoria diferenciada domainstream das relaesinternacionais (realismo, liberalismo, e at mesmo o marxismo), pois opera em um nveldiferente de abstrao. uma teoria social sobre a natureza da vida social e suasmudanas. Entretanto, no faz afirmaes acerca do contedo das estruturas sociais ouda natureza dos agentes. Consequentemente, no produz, por si s, previses sobre

    resultados polticos que poderiam ser testados num programa de pesquisa cientficasocial. Nessa lgica, o construtivismo se assemelha ao mtodo de escolha racional11. Oconstrutivismo oferece estruturas para o pensamento acerca da natureza da vida social edas interaes que nela ocorrem, mas no estabelece verdades sobre o contedoespecfico desse movimento. Agentes e estruturas so mutuamente constitudos namedida em que permite entendimentos de como o mundo poltico se dinamiza. Nem o

    10

    Suponha que voc arremesse uma pedra ao ar. Ela pode ter apenas uma resposta s foras fsicasexternas que agem sobre ela. Porm, se voc arremessar um pssaro ao ar, ele pode voar para uma rvore.Embora as mesmas foras fsicas ajam sobre o pssaro e a pedra, uma quantidade massiva de processamento interno de informao afeta o comportamento do pssaro (Waldrop, 1992). Finalmente, pegue um grupo de pessoas, uma ou vrias naes e metaforicamente os arremesse ao ar. Para onde,como, quando e porqu eles vo no inteiramente determinado por foras ou constrangimentos fsicos;no entanto, de mesmo modo no depende inteiramente de preferncias pessoais ou escolhas racionais.Depende tambm de seu conhecimento compartilhado, do significado coletivo que eles atribuem situao, de sua autoridade e legitimidade, das leis, instituies e recursos naturais que eles usam paraachar seu caminho, de suas prticas, ou mesmo, algumas vezes, de sua criatividade conjunta. (ADLER,1999, 203).

    11 No mtodo de escolha racional, os agentes agem racionalmente para maximizar utilidades, porm o

    contedo especificado dos atores e de suas utilidades no encontra suportes nesta anlise. Na realidade,deveriam ser providos antes de se iniciar tal anlise (FINNEMORE; SIKKINK, 2001).

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    mtodo de escolha racional nem o construtivismo oferecem explicaes substantivas ou previses acerca do comportamento poltico. Esto mais preocupados em trazerentendimentos sobre quo relevante os atores so, o que eles desejam e como ocontedo das estruturas sociais deveria ser.

    O construtivismo se engaja em questes que outras abordagens tm falhado emanalisar. A vertente entende que os atores so formados pelo meio social no qual vivem, procurando analisar como essa formao acontece e quais resultados ela traz. O foco dado a como as identidades e os interesses so criados, entendendo como as coisasfuncionam quando colocadas juntas, no se limitando a uma mera descrio delas. Masentender a constituio das coisas tambm essencial para a explicao de como elas secomportam e em quais resultados polticos acarretam12 (WENDT, 1999).

    Os construtivistas reconhecem que todos os mtodos de pesquisas inclueminterpretaes e, sendo assim, no h uma fonte neutra de onde se possa obterconhecimento objetivo sobre o mundo, mas, no entanto, autores dessa correntedivergem sobre como essas interpretaes devem ser feitas e sobre que tipos deexplicaes elas produzem.

    Estabelecem-se aqui, duas variaes de construtivismo: os modernos(positivistas) e os ps-modernos (interpretativistas). Estes ltimos no se atentam para a

    produo de conhecimento analtico, considerado como validado. Adotam uma posturaque torna possvel a realizao de crticas e a desconstruo de conhecimentosafirmativos de outras teorias, mas ao mesmo tempo encontram dificuldades emconstruir e elaborar novos conhecimentos. Possuem um compromisso com umaestratgia de pesquisa indutiva que foca na reconstruo da identidade dos agentes,utilizando-se de mtodos que abrangem uma variedade de tcnicas tericas de discurso.J os construtivistas modernos acreditam que o mundo constantemente interpretado e

    que esse fato no implica que as interpretaes e explicaes surgidas so todas iguais,mas que algumas se portam como mais evidentes, mais persuasivas [ou lgicas] e maisempiricamente plausveis do que outras13 (PRICE & RUS-SMIT, 1988). Logo, tentamrealizar anlises empiricamente concretas, no por mero desejo, mas tambm como12

    Just as understanding how the double-helix DNA molecule is constituted materially enablesunderstandings about genetics and disease, so, too, an understanding of how sovereignty, human rights,laws of war, or bureaucracies are constituted socially allows us to hypothesize about their effects in world politics (FINNEMORE; SIKKINK, p. 394, 2001).

    13 Os construtivistas modernos acreditam que a razo uma prtica fundada na ci