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As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário
Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
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7 As limitações da calculadora gráfica e os manuais
escolares do Ensino Secundário
7.1 Introdução
O programa actual de Matemática A do Ensino Secundário ([15]), que
entrou em vigor no 10º ano de escolaridade no ano lectivo 2003/2004, tal como
o programa que o antecedeu, alerta os professores para as limitações da
calculadora gráfica, como já foi referido no capítulo 2.
As publicações lançadas pelo Ministério da Educação através do
Departamento do Ensino Secundário, a partir do ano lectivo de 1997/1998
([64], [65] e [66]), chamam igualmente a atenção dos professores para o facto
da tecnologia ter limitações (mesmo com a entrada do novo programa, estas
publicações permanecem actuais).
Na brochura de Funções do 10º ano ([64] pp. 20 – 25, 30 – 34)
encontram-se diversos exemplos (alguns deles estudados no capítulo 5 deste
trabalho) em que os gráficos das funções, realizados numa calculadora gráfica,
sugerem conclusões erradas.
É na brochura de Funções do 11º ano ([65] pp. 11 – 16, 32, 33, 48 – 53)
que se encontra um estudo mais pormenorizado das calculadoras gráficas no
que diz respeito a alguns aspectos do seu funcionamento (nomeadamente o
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sistema numérico de ponto flutuante que tem incorporado), às suas limitações
no estudo dos limites de funções (uma vez que o programa oficial sugere uma
abordagem numérica com base na utilização da calculadora) e no cálculo de
derivadas.
Finalmente na brochura de Funções do 12º ano ([66] pp. 51 – 53) os
professores são alertados para os limites da calculadora gráfica no cálculo de
valores aproximados para o número de Neper, através do limite da sucessão
de termo geral ( )nn11+ (este caso foi analisado na secção 6.1)29.
Apesar da preocupação demonstrada, quer no programa oficial, quer nas
publicações anteriores, em alertar para os limites do uso da calculadora
gráfica, de um modo geral, este cuidado não se encontra claramente presente
nos manuais escolares analisados. De facto, dos exemplos apresentados ao
longo deste trabalho para ilustrar as limitações da calculadora gráfica no
estudo de diversos conceitos matemáticos, poucos são aqueles que se
encontram incluídos nos manuais escolares. No entanto, em todos os manuais
analisados, de uma forma mais ou menos explícita, é referido o cuidado que se
deve ter na utilização das calculadoras, sobretudo no que diz respeito à
representação de gráficos.
De um modo geral, os manuais analisados incluem poucos dos exemplos
apresentados nas três brochuras. Vejamos em seguida como são abordados
nos manuais do Ensino Secundário, os exemplos apresentados nos capítulos
anteriores e outros susceptíveis de levar os alunos a resultados erróneos.
Foram analisados quatro manuais do 10.º ano do tema Funções ([6], [28], [36]
e [46]), quatro do 11.º ano dos temas Funções e Sucessões, ([7], [8], [29], [37],
[38], [47] e [48]) e três do 12º ano do tema Funções ([35], [41] e [45]).
29 Este exemplo surge nesta publicação uma vez que não chegou a ser publicada uma brochura sobre as Sucessões (tema incluído no 11º ano de escolaridade).
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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
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7.2 Sucessões
O programa oficial prevê o estudo intuitivo da sucessão de termo geral
( )nn11+ num contexto de modelação matemática, devendo o número de Neper
ser definido como o limite desta sucessão. Para determinar um valor
aproximado para este limite, deverá ser utilizada a calculadora gráfica.
O manual da Porto Editora ([48] p. 95), apresenta a definição do número
de Neper e refere que: “com uma calculadora gráfica podemos procurar
valores aproximados do limite da sucessão de termo geral ( )nn na 11+= ”. No
entanto, tal procura não é efectuada, apresentando somente o gráfico da
sucessão, e uma aproximação de e para 25=n , isto é, 6658363.225 ≈a , que
possui somente um algarismo correcto!
Este compêndio não segue a indicação metodológica do programa
oficial e, por conseguinte, não alerta para as limitações no uso da calculadora
gráfica.
Os manuais da Contraponto ([8] pp. 99 - 100), da Texto Editora ([29]
pp. 270 –271) e da Areal Editores ([38] pp. 54 – 56), introduzem a sucessão de
termo geral ( )nn11+ num contexto de modelação matemática: a capitalização
contínua dos juros (num dos manuais é mesmo referido que o número de
Neper é conhecido nos círculos financeiros por constante bancária). Em [38] é
obtida para 510256.5 ×=n , uma aproximação para o número de Neper com 5
algarismos correctos (juro capitalizado de minuto a minuto) e em [8] e [29]
obtém-se para 7101536.3 ×=n uma aproximação para o valor de e com 6
algarismos correctos (juro contabilizado segundo a segundo). Não existem, em
qualquer um dos manuais, referências para as limitações da calculadora
gráfica na abordagem do limite desta sucessão.
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7.3 Funções
Este tema é estudado ao longo de todo o Ensino Secundário e prevê a
utilização da calculadora como um instrumento de pesquisa. São diversos os
subtemas em que o uso da calculadora é imprescindível.
7.3.1 Funções polinomiais e racionais
No 10º ano, o estudo de algumas funções polinomiais de grau superior a
dois, só poderá ser efectuado com o recurso à utilização da calculadora
gráfica30.
Sempre que não se possuem os valores exactos dos pontos notáveis,
todos os manuais analisados cometem incorrecções. Vejamos o seguinte
exercício ([29] p. 13)31:
Recorrendo à calculadora faz uma representação gráfica da função
definida em ℜ por
( ) 5225.034 +−+= xxxxf .
Assinala as coordenadas dos pontos de intersecção com os eixos e os
extremos relativos (com 1 c.d.). Regista num quadro a variação de sinal
de f e, num outro, os intervalos de monotonia e extremos.
Uma vez que os zeros desta função não podem ser obtidos exactamente,
o quadro de variação de sinal e o dos intervalos de monotonia e extremos não
podem ser apresentados correctamente, mas somente com valores
aproximados (ver exemplo da secção 6.5). No manual não existe qualquer
referência a esta limitação. Pelo contrário no exemplo apresentado em [7],
p. 29, é efectuado o estudo em ℜ da função racional ( )1
88842
+
++=
x
xxxf .
30 Só no 12.º ano será possível efectuar o estudo analítico completo de funções. 31 Em [46] (pp. 107, 157 e 161) surgem igualmente alguns exercícios propostos, que apresentam inexactidões no conjunto – solução de inequações, intervalos de monotonia e contradomínio.
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O cálculo dos extremos da função só pode ser efectuado, no 11º ano, com o
auxílio da calculadora (figura 7.1).
Fig. 7.1 – Cálculo dos extremos de f na Texas TI - 83
Como não foram obtidos valores exactos, o manual apresenta de uma
forma correcta:
• o contradomínio: ] ] [ [+∞∪∞−= ,, rrf mMCD
• os intervalos de monotonia: crescente em ] [Mx,∞− e em ] [+∞,mx e
decrescente ] [1,−Mx e em ] [mx,1− .
Não há qualquer referência no manual para o facto de não se apresentar
os intervalos com valores aproximados.
Este mesmo problema surge na resolução de inequações de grau
superior a dois e sempre que não se possuem os valores exactos do(s)
extremo(s) do(s) intervalo(s) do conjunto - solução. Em [28], p. 95, adoptam um
procedimento análogo ao utilizado em [7]. No entanto os autores do manual
entram em contradição ao apresentar nas soluções para os exercícios
propostos, conjuntos – soluções com valores aproximados para os extremos
(pp. 94 e 118, por exemplo).
Em [36], pp. 103 – 104, é apresentada a resolução da inequação
30361222 >+− xx , com [ ]6,0∈x , recorrendo à representação gráfica e a uma
tabela. Os valores de x que satisfazem esta condição pertencem ao intervalo
[ [ ] ]6,6363,0 +∪− . No entanto, neste manual é apresentado o
conjunto – solução [ [ ] ]6,,0 β∪α=S , sendo 55,0≈α e 45,5≈β . Como
4494,563 ≈+ , o conjunto S contém valores de x que não satisfazem a
inequação dada.
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7.3.2 Gráficos
De um modo geral, todos os manuais analisados alertam para a
importância da escolha de uma janela de visualização adequada à observação
do comportamento global de uma função. Referem igualmente que por vezes
torna-se necessário considerar várias janelas de visualização para captar as
características mais importantes de uma função ([6] pp. 41-43). Vejamos um
exemplo ([6] pp. 139-140):
(...) a representação da função 181023 −+−= xxxy pode levantar
algumas dúvidas, conforme a janela de visualização escolhida. Por
exemplo:
Fig. 7.2 – Gráfico da função obtido na Texas TI - 83
Modificando a janela verifica-se que a função tem três zeros.
Fig. 7.3 – Gráficos obtidos na Texas TI - 83
Neste caso apenas podemos dar valores aproximados das soluções da
equação:
154,0≈x . 709,0≈x . 136,9≈x .
Não é referido no entanto que não é possível visualizar
simultaneamente os três zeros e o mínimo relativo da função.
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É claro que sempre que o domínio da função seja um conjunto ilimitado
“devemos procurar uma representação que evidencie as principais
características da função, já que é impossível obter todo o seu gráfico”
([6] p. 37). Em muitos casos os manuais limitam-se a apresentar a janela de
visualização não explicando como obtê-la. Outros manuais referem que o
aluno poderá escolher a janela de visualização consultando uma tabela (na
máquina) que lhe dê uma ideia do valor das imagens para objectos por ele
escolhidos. Em [46] (pp. 26 – 28) são apresentados alguns exemplos e
propostos exercícios que têm como objectivo o aluno escolher um rectângulo
de visualização adequado a cada função. Apesar da escolha da janela de
visualização estar intimamente relacionada com a função que se está a
estudar, o aluno deverá desde o princípio experimentar diversas janelas,
adquirindo dessa forma uma certa “sensibilidade” para a escolha mais
correcta.
Em [29], p. 14, na representação gráfica de uma função definida por
ramos, é aconselhado o uso da opção Draw Type – Plot (nas máquinas Casio)
no sentido de se evitar os “riscos verticais” que surgem no modo Connect
(exemplo análogo surge em [28] p. 66). Não há qualquer chamada de atenção
para a distinção entre as duas opções disponibilizadas pela calculadora, assim
como para o facto de surgirem os denominados “riscos verticais”32. Como foi
referido no capítulo cinco, a utilização do modo Plot ou Connect, poderá levar
ao aparecimento de segmentos de recta verticais. Por exemplo, em [7], p. 21,
surge a representação gráfica da função ( )62
58
−
−=x
xxf (figura 7.4), sendo o
aluno alertado para o facto da linha recta não
fazer parte do gráfico da função nem ser a
representação da assimptota. Contudo, não é
apresentada qualquer justificação para a sua
existência. O mesmo acontece em [37], p. 36 e
[47], p. 11.
Fig. 7.4 - Gráfico da função obtido na Texas TI - 83 32 Dos manuais analisados, em nenhum aparece uma distinção clara entre estas duas opções e quais as suas consequências.
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No manual do 10.º ano ([46] p. 18), é apresentado o gráfico da função
racional ( )1
12 −
=x
xf onde surgem duas “rectas verticais”, não havendo
qualquer referência para esse facto. Note-se ainda que as funções racionais
fazem parte do programa do 11.º ano e não do 10º ano.
Como já foi referido, aquando da apresentação do gráfico de uma
função na calculadora, o aluno deverá ser capaz de encontrar o rectângulo de
visualização que melhor ilustre o comportamento da função na identificação
das suas características. Assim actividades como as que surgem em [29],
p. 17 (actividade 2) e p. 36 (actividade 5), deverão ser propostas apenas numa
primeira fase. Posteriormente o aluno, de acordo com os conhecimentos que
possui da função, deverá escolher sempre o rectângulo de visualização mais
apropriado. A constante indicação da janela de visualização por parte do
manual ao aluno, poderá levar a que este, perante uma nova função, não saiba
como proceder.
Actividade 2
Obtém com a calculadora representações gráficas das funções
f , g e h nas janelas de visualização indicadas. Depois explica, para
cada função, qual das representações achas mais eficaz na
identificação:
• do domínio de existência da função;
• das imagens de número muito, muito grandes ou muito, muito
pequenos;
• das imagens de números muito próximos de –1.
1.º ( )1
5
+=x
xf em [ ] [ ]4,46,6 −×− ; [ ] [ ]10,1010,10 −×− ;
[ ] [ ]5,550,50 −×− [ ] [ ]50,5010,10 −×−
(...)
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Depois da resolução da actividade anterior, o manual chama a atenção
para o facto de que
as dificuldades na compreensão do comportamento das funções,
através da observação dos gráficos, prendem-se com a identificação
das imagens de números muito “grandes” ou muito “pequenos”, bem
como a identificação das imagens de valores muito próximos de
números que não pertencem ao domínio das funções.
Actividade 5
Recorrendo à calculadora obtém (...) os gráficos das funções
f , g , h e j nas janelas indicadas33:
( )1
2 −=x
xxf e ( )
x
xxg
2
122 +
= em [ ] [ ]4,46,6 −×− ;
( ) xxh 2= em [ ] [ ]5,15,5 −×−
( )x
senxxj = em [ ] [ ]1,125,25 −×−
(...)
Aquando da realização desta actividade o manual adverte o aluno para
os erros que a máquina poderá apresentar, devendo manter a todo o momento
uma postura crítica
ao utilizares a calculadora para obter o gráfico de uma função tens
que ser crítico em relação ao que a máquina te apresenta. Não te
deixes enganar! Tem em atenção, por exemplo, o que deves saber
acerca do domínio de existência da função.
O manual XEQMAT do 10º ano ([28] pp. 28-35) é aquele que apresenta,
em relação aos outros manuais analisados, um estudo mais pormenorizado
das limitações das calculadoras gráficas na representação gráfica de funções.
O manual citado apresenta alguns dos exemplos que foram abordados no
33 As funções h e j não fazem parte do programa do 11.º ano mas sim do 12.º.
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capítulo cinco (exemplos 1, 3, 4, 5 e 6), não apresentando porém qualquer
justificação. Refere este manual que,
As calculadoras ou os computadores podem constituir uma
ferramenta de grande utilidade no estudo das funções,
nomeadamente pelas potencialidades gráficas que oferecem. Há, no
entanto, necessidade de um constante apoio de conhecimentos
teóricos (...). Vamos analisar alguns exemplos de situações
“enganosas” que podem surgir e, progressivamente, irás adquirindo
“armas” com que te poderás “defender” e, consequentemente, tirar o
máximo partido das tecnologias que tens ao teu dispor.
Após a apresentação dos vários exemplos, o mesmo manual refere que
a intenção dos exemplos não é desencorajar o aluno na utilização da
calculadora gráfica, mas sim alertá-lo para a necessidade de possuir
conhecimentos teóricos que facilitem a interpretação dos gráficos
apresentados pela calculadora e permitam efectuar “boas escolhas” para os
rectângulos de visualização.
De acordo com [36] “a calculadora deve ser encarada pelo estudante
como uma ferramenta que, tal como outras, deve estar sempre presente no
seu trabalho”. Assim, ao longo de todo este manual encontram-se diversos
exemplos resolvidos com o auxílio da máquina gráfica, alertando o aluno para
os cuidados que deverá ter na sua utilização (ver por exemplo pp. 142 – 145).
Neste sentido, este manual (pp. 27-31) indica como calcular várias imagens
com a calculadora e como obter um quadro de valores, representações
gráficas e uma janela apropriada:
O aluno deve estar sensibilizado para a grande importância da escolha
e definição da janela na resolução de problemas. Está em causa uma
interpretação correcta do domínio da variável independente e dos
valores do contradomínio. Exige muitas vezes uma previsão sustentada
pela manipulação da TABLE, para uma definição dos valores de minX ,
maxX , minY e maxY que sejam adequados ao problema. (...) À medida
que os estudantes progredirem para o 11.º e 12.º anos, onde
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conhecerão novas famílias de funções, eles compreenderão a
importância de saberem escolher sem perda de tempo as dimensões
da janela, na sua calculadora. E esta capacidade só pode ser adquirida
se conhecerem muito bem esta sua “nova ferramenta” de trabalho, se a
usarem muitas vezes para descobrir, estudar e verificar resultados e se
dominarem bem as suas limitações.
Refere este manual a propósito da representação gráfica na calculadora
(pp. 31, 39, 96 e 141):
Consideremos a representação gráfica da função
2
:
xx
f
a
ℜ→ℜ.
Consoante as escalas escolhidas, o gráfico anterior pode modificar o
seu aspecto.
Da mesma forma, quando representamos funções recorrendo às
calculadoras gráficas, poderemos obter representações bem diferentes,
consoante as dimensões do rectângulo de visualização escolhido. Por
outro lado, muitas funções há, que não permitem ter uma visão
completa do seu gráfico, por mais próximos ou mais afastados que
estejam os valores de minX e
maxX ou minY e
maxY .
Se os valores estiverem muito próximos, grande parte do gráfico não é
visualizado, podendo não estar representados aspectos importantes do
gráfico; por outro lado, se estão muito afastados, alguns
comportamentos vão esconder-se para além da curva que aparece no
rectângulo de visualização.
(...) A menos que se trate de representações gráficas de funções
conhecidas, só após o estudo (...) da importante ferramenta
matemática que é a derivada, e que é um importante complemento à
utilização crítica da calculadora, é que poderemos ter a certeza se
determinada representação gráfica de uma função está completa ou
não.
(...) A resolução algébrica (com recurso ao material de escrita
tradicional) pode agora ser facilitada ou confirmada, mas nem sempre
substituída, pelo método numérico ou pelo método gráfico.
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(...) Algumas vezes, com papel e lápis, confirmaremos analiticamente
os resultados que obtivemos com a calculadora; outras vezes,
optaremos pela resolução algébrica e verificaremos a correcção dos
cálculos efectuados recorrendo à calculadora gráfica (...).
Muitas vezes, ao pedirmos à calculadora o gráfico, quando ela toma
valores muito grandes (ou muito pequenos), as suas características
ficam escondidas, isto é, a parte que se vê no visor não nos dá
algumas características importantes da curva. (...) Um gráfico completo
é o que não esconde qualquer característica importante do
comportamento da função. (...)
(...) O gráfico de uma função polinomial dir-se-á completo, se nele
forem visíveis as principais características da função, ou seja:
• O “comportamento inicial” e o “comportamento final” da
função (crescendo ou decrescendo) quando x é “muito
grande”, quer seja positivo ou negativo.
• Intervalos em que a função cresce ou decresce.
• Localização dos extremos.
• Intervalos em que a função tem a concavidade voltada para
cima ou para baixo.
• Localização dos zeros.
Teremos de ter sempre presente que só nos é acessível a parte do
gráfico que se situe dentro do rectângulo de visualização.
7.3.3 Igualdade de funções
A utilização da calculadora gráfica no estudo da igualdade de duas
funções poderá levar a conclusões erradas se apenas se utilizar o gráfico.
Como é referido em [29], p. 41,
as diferenças entre alguns pares de funções são tão pouco evidentes
no gráfico que podem perfeitamente passar despercebidas se não
tiveres conhecimentos teóricos adequados.
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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
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São apresentados neste manual, entre outras, as funções ( )x
xxxf
+=
2
e
( ) 1+= xxg , que diferem no ponto de abcissa 0=x e ( )1
12
+
−=x
xxf e
( ) 1−= xxg que diferem no ponto de abcissa 1−=x .
Como já foi mencionado na secção 5.3 (exemplo 4), o gráfico da função
3
92
−
−=x
xy só poderá assinalar o ponto aberto se 3=x for um dos ix
disponíveis, o que depende obviamente da janela de visualização escolhida e
não da calculadora utilizada. Porém, em [37], p. 48, chama-se atenção para o
seguinte,
Note que a maioria das calculadoras gráficas apresentam a seguinte
representação gráfica da função 3
92
−
−=x
xy :
Fig. 7.5 – Gráfico obtido na Texas TI – 83 com a janela Standard
Quando a representação correcta seria:
Fig. 7.6 – Gráfico obtido na Texas TI – 83 na janela [ ] [ ]7,27.4;7.4 −×−
É claro que esta chamada de atenção não está correcta.
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7.3.4 Resolução de inequações fraccionárias
O programa do 11º ano prevê o estudo de inequações fraccionárias no
contexto de resolução de problemas, podendo a sua resolução ser gráfica ou
analítica. Em [29], p. 65, surge no contexto de um problema a inequação
20
1
12
+≥
+
x
x
x em { }12\ −ℜ , a qual é resolvida analiticamente, uma vez que
segundo o manual não é fácil de obter, simultaneamente, boas representações
gráficas de 12+
=x
xy e
20
1+=x
y . No entanto, não é apresentada qualquer
justificação para este facto, cabendo ao aluno essa tarefa. Parece-nos que
esta era uma oportunidade a ser explorada para dar a entender ao aluno qual
é a limitação da máquina.
7.3.5 Limites
Conforme já foi mencionado ao longo deste trabalho, o estudo do limite
de algumas funções deverá ser realizado, com o apoio da calculadora gráfica,
através da observação de tabelas e gráficos. Por vezes os manuais não
seguem esta recomendação do programa oficial (é o caso, por exemplo, de
[47]). Por outro lado, os manuais da Areal Editores ([35] e [37]) estudam todos
os limites de forma intuitiva seguindo as orientações do programa oficial.
Vejamos, por exemplo, o caso da função ( ) xxf 2= ([35] pp. 20 e 21), para a
qual se pretende determinar
( )xfx +∞→lim e ( )xf
x −∞→lim .
Para isso são apresentadas as seguintes tabelas34:
x 10 20 30 50 100 300
( )xf 1024 1048576 1073741824 1.1259E15 1.26765E30 2.037E60
Tabela 7.1 – Estudo da função f quando +∞→x
34 É igualmente apresentado o gráfico da função.
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x -5 -10 -20 -50 -100 -300
( )xf 0.03125 9.7656E-4 9.53674E-7 8.8818E-16 7.8886E-16 4.9091E-91
Tabela 7.2 – Estudo da função f quando −∞→x
Perante valores de x relativamente “pequenos” em valor absoluto, os
alunos poderiam questionar a utilização de valores de x muito maiores. Como
resposta a esta questão são colocadas ao aluno duas propostas de trabalho,
onde eles poderão ter conhecimento das limitações da calculadora no cálculo
destes limites:
1.ª Recorra à sua calculadora e verifique se é possível determinar
( )330f , ( )335f , ( )340f e ( )380f . Explique porquê.
2.º Averigúe se algum dos valores seguintes pode ser nulo: ( )330−f ,
( )335−f , ( )340−f e ( )370−f . Verifique se a sua calculadora
confirma a resposta dada e explique porquê.
Em [35], p. 60, surge uma actividade muito semelhante ao exemplo
apresentado na secção 6.2, onde se chama atenção para o facto de uma
tabela poder levar a conclusões erradas acerca do limite da função:
Actividade 5
Recorrendo à tecla TABLE de uma calculadora, obtiveram-se as
seguintes tabelas de valores de uma certa função 1Y .
Fig. 7.7– Tabelas obtidas na Texas TI – 83
Q1) Com base nos elementos fornecidos, conjecture, se for possível,
o valor para que tende 1Y , quando x tende para ∞+ .
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Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
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Q2) A representação gráfica de 1Y em [ ] [ ]25,2531,1 −×− é
Fig. 7.8 – Gráfico obtido na Texas TI – 83
Recorrendo ao gráfico e aos valores apresentados nas tabelas
comente a afirmação: “Quando x tende para ∞+ , 1Y tende para ∞+ ”.
7.3.6 Derivadas
Como foi referido no capítulo seis, as calculadoras gráficas possuem
diversas potencialidades no que diz respeito ao cálculo de derivadas. Os
diversos manuais estudados, apresentam as funcionalidades das calculadoras
relativas ao estudo das funções ([29] pp. 96 e 97; [37] pp. 96, 97 e 102;
[47] p. 184 – 190).
De acordo com o que foi referido na secção 6.7.2, na Texas TI – 83,
para calcular a derivada da função num ponto é necessário indicar um valor
para ε , quando este valor não é indicado a máquina assume 310
−=ε . Em [29]
refere que quanto menor for o valor de ε , melhor será a aproximação. Já
vimos que tal não é verdade.
Em [37] são apresentados de forma detalhada, os procedimentos a
adoptar nas calculadoras Texas TI – 83 e Casio CFX – 9850, para calcular
uma aproximação numérica do valor da derivada de uma função num ponto do
seu domínio. Este manual chama a atenção para dois aspectos importantes no
cálculo de derivadas utilizando a calculadora (pp. 96-97)35:
35 Em [47] surge um estudo semelhante, mas somente na Texas TI – 83.
As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário
Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
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• nDeriv utiliza para valor da derivada num ponto de abcissa x o
valor da taxa média de variação no intervalo [ ]hxhx +− , . Isto é, a
fórmula utilizada pelo comando nDeriv é
[ ]( ) ( ) ( ) ( )
h
hxfhxf
hxhx
hxfhxftmv hxhx
2,
−−+=
+−+
−−+=+− ,
tomando 310
− para valor da amplitude h do intervalo (se nada for
dito em contrário). Claro que, quanto mais próximo de zero estiver o
valor de h , melhor é aproximação ao valor da derivada. (...) É, no
entanto, importante referir que, fazendo diminuir o valor de h , a
aproximação da derivada, na calculadora, só melhora até certo
ponto.
• É importante referir, no entanto, que, devido à fórmula que aplica, a
instrução nDeriv pode fornecer um valor errado. É o que acontece,
por exemplo, se recorremos à calculadora para determinarmos o
valor da derivada da função ( ) xxf = no ponto 0=x .
No que diz respeito à derivada das funções módulo, em [29] o aluno é
aconselhado a verificar que
sendo ( ) 12 +−= xxf a calculadora apresenta o valor ZERO para
( )2'f . Esse resultado está ERRADO (...) não existe derivada da
função no ponto 2=x .
Todavia, não é apresentada qualquer justificação para este facto.
Em [47], p. 140, é apresentada a função ( ) 3
2
1 xxf −= . Como já vimos na
secção 5.3 (exemplo 8), o gráfico apresentado pelas máquinas Texas TI – 83 e
Casio CFX – 9850 é diferente. Por outro lado, na Texas TI – 83 esta função
admite derivada para 0=x , o que não corresponde à verdade (ver figura 7.9).
Porém, esta situação nem sequer é referida no manual, limitando-se a
apresentar o gráfico da função obtido na Texas TI – 83.
As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário
Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
192
Fig. 7.9 – Gráfico de f obtido na Texas TI - 83
7.4 Conclusão
Os manuais escolares são somente um dos recursos que os alunos e os
professores dispõem no ensino-aprendizagem da Matemática, mas a verdade
é que tal recurso constitui em muitos casos um instrumento de trabalho de
intensa e privilegiada utilização. Os professores como profissionais, deverão
assumir constantemente uma atitude crítica e construtiva em relação aos
manuais escolares. Esta atitude deverá, na medida do possível, ser transmitida
aos alunos.
Como sabemos, o manual escolar adoptado, no actual sistema de
ensino, cumpre um papel importante como elemento de estudo dos alunos,
que são obrigados a adquiri-lo, podendo usá-lo em qualquer momento, em
casa ou na escola. Porém, ele constitui muitas vezes a principal (e em certos
casos, mesmo a única) fonte de orientação do professor.
Tirando um ou outro caso pontual, a qualidade científica e pedagógica
dos manuais, assim como o respeito pelos programas e a sua adequação ao
trabalho dos alunos não têm sido analisados por comissões independentes,
tornando-se públicas as conclusões e recomendações respectivas. Um estudo
conduzido durante alguns anos por uma comissão liderada por E.M. Sá (na
parte respeitante à disciplina de Matemática) alerta para a qualidade deficiente
que apresentam, regra geral, este importante instrumento de trabalho
religiosamente seguido por muitos professores ([77]).
As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário
Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
193
A grelha de análise proposta pelo Ministério da Educação mostra-se
insuficiente, tanto sob o ponto de vista pedagógico como científico, sendo
particularmente difícil prever os aspectos mais salientes relativos ao seu uso
pelos alunos (ver anexo E). Deste modo os grupos disciplinares sentem com
frequência grandes dificuldades na selecção dos manuais a adoptar, tanto
mais que esta é feita num intervalo de tempo curto para a análise profunda de
diversas opções que o mercado coloca à consideração. Por exemplo, para o
próximo ano lectivo (2005/2006), é necessário escolher três novos manuais,
dois deles de disciplinas novas: Matemática B do 11º ano, Matemática
Aplicada às Ciências Sociais (11º ano) e Matemática A do 12º ano. Esta
decisão tem de ser tomada num intervalo de tempo (23 de Maio a 24 de
Junho) que, além de reduzido, coincide com a avaliação final dos alunos e o
início dos exames do 9º e 12º anos. Acresce ainda o facto de que as Editoras
nem sempre conseguem ter atempadamente os seus manuais disponíveis.
Apesar da sua importância, os manuais escolares não têm sido objecto
de muitas investigações em educação matemática. Deste modo, não se sabe
dizer com rigor quais são as características mais desejáveis num manual para
os alunos de cada nível etário, nem quais os modos mais eficazes de apoiar os
professores na sua selecção e utilização.
Alguns dos manuais escolares analisados não têm claramente uma
abordagem didáctica compatível com as orientações curriculares oficiais. De
um modo geral, eles não apresentam explicitamente exemplos que ilustrem as
limitações da calculadora gráfica, apresentando as respectivas justificações.
Todavia, alguns dos manuais que foram publicados a partir do ano lectivo
2003/2004, para o novo programa de Matemática A, já demonstram mais
cuidado, no estudo de funções através da calculadora gráfica, chamando a
atenção para algumas das limitações (estas relacionam-se sobretudo com a
janela de visualização). No entanto, este aspecto não deverá ter sido
considerado pelos professores aquando da escolha do manual nas suas
escolas.
As limitações da calculadora gráfica e os manuais escolares do Ensino Secundário
Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas
194
É claro que a compreensão completa das limitações das calculadoras
gráficas não está ao alcance da maioria dos alunos do Ensino Secundário.
Porém, e de acordo com o que é referido no programa oficial, é importante que
os alunos tenham conhecimento e entendam que a máquina gráfica tem
limitações, devendo para isso o manual ilustrar através de exemplos estes
aspectos, apresentado breves explicações. O professor, por seu lado, deverá
ter perfeito conhecimento das limitações subjacentes ao uso da calculadora
gráfica, estando à vontade para esclarecer todas as dúvidas que os alunos
poderão colocar e todas as “surpresas” que as calculadoras gráficas lhes
reservem.
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