apontamentos de direito constitucional i
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APONTAMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL I,ANO LETIVO DE 2012-2013
1. Primeiro olhar: o Direito Constitucional entre o movimento occupy e o fim da
histria
Todos j ouviram certamente falar do movimento Occupy, motivado pelas revoltas
populares ocorridas em 2011 no Norte de frica e iniciado na tentativa de ocupao, em
Outubro do mesmo ano, de Wall Street. E todos conhecem os motivos do movimento: o
extremar dos nveis de rendimento da populao, com uma percentagem cada vez menor
de pessoas a apropriar-se de uma percentagem cada vez maior dos recursos financeiros; o
agravamento das condies da classe mdia e a criao de uma nova classe, o precariado as
pessoas que vivem uma existncia precria nas margens da sociedade e se distinguem do
proletariado pela ausncia simples de trabalho; a incapacidade dos lderes polticos de
lidarem com os problemas da globalizao, desde a ameaa nuclear ao colapso ambiental; a
desregulao do sistema financeiro e a circunstncia de as externalidades geradas por este
serem suportadas por toda a populao, etc.1.
O movimento Occupy assume-se como um movimento de apelo revolta e ao direta.
Uma comentadora, criticando a continuidade afirmada pelos manifestantes entre os seus
protestos e os da Primavera rabe, teceu, no entanto, as seguintes consideraes:
Em Nova Iorque, os manifestantes gritaram: esta a cara da democracia, mas na
verdade esta no a cada da democracia. a cara da liberdade de expresso. A
democracia um bocado mais chato. Requer instituies, eleies, partidos
1 Cf. Noam Chomsky, Occupy; Jos Nuno Matos e Nuno Domingos (orgs.), Novos Proletrios, Edies 70,Lisboa, 2012.
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polticos, regras, leis, poder judicirio e muitas atividades nada atraentes e que
consomem tempo.
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Manifestantes em Londres gritam Precisamos de um processo! Bem, eles j tm
um processo: chama-se sistema poltico britnico. E, se no souberem us-lo,
simplesmente o enfraquecero.2
A isto responde iek que uma vez que a economia global est fora dos limites das polticas
democrticas, qualquer tentativa de aproxim-la da democracia apressar o declnio desta3. Esta , de
facto, a questo: existe alguma forma de atuao poltica legtima fora do
constitucionalismo? O constitucionalismo d resposta, hoje, como nos seus alvoresrevolucionrios, aos anseios da generalidade das pessoas? O Estado o nico lugar do
constitucionalismo?
No outro extremo, temos uma ideia bem diversa, j subjacente crtica de Anna
Applebaum atrs citada: e se o Estado constitucional corresponder ao fim da histria, no
sentido de que a sua instituio em todas as latitudes a nica forma de assegurar a
coexistncia pacfica, no s entre os povos, mas tambm no interior de cada comunidade
poltica?
2. O Direito Constitucional e as disciplinas jurdicas
O que o direito constitucional? Vamos considerar duas aproximaes: em primeiro lugar,
podemos dizer que o direito constitucional aquela rea dos saberes jurdicos que estuda o
estabelecimento dos poderes supremos isto , o poder executivo, o poder legislativo e o
poder judicial , a distribuio da competncia entre eles, bem como a transmisso e o
exerccio da autoridade poltica atravs das regras de designao dos respetivos titulares e
a influncia da participao poltica dos cidados nessa designao , e, ainda a formulao
2 Anna Applebaum, cit. em Slavoj iek, O Violento Silncio de um Novo Comeo, in AA. VV., Occupy:Movimentos de Protesto que Tomaram as Ruas, Boitempo Editorial, 2012, pp. 19-203 Cf. Slavoj iek, ob. cit., p. 21.
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dos direitos individuais e sociais. Neste sentido, o direito constitucional regula o poder
poltico (no apenas o governo, mas as bases da organizao jurdica do Estado) e os
direitos individuais em face desse poder.
De acordo com uma segunda aproximao, podemos dizer que o direito constitucional otronco de que derivam todos os outros ramos do direito (Paulo Bonavides). Os regimes
dos diversos ramos do direito (o direito civil, o direito penal, o direito administrativo, o
direito fiscal, etc.) esto contidos em leis cuja produo obedece s regras do direito
constitucional e cujo contedo deve tambm obedincia aos princpios constitucionais. H
at quem diga que os princpios de cada ramo do direito so tambm princpios
constitucionais.
Assim, podemos assentar duas ideias fundamentais: (i) o direito constitucional o direito
do poder poltico e dos direitos do indivduo em face desse poder, ou se se quiser, o direito
contido na Constituio, entendida como o estatuto jurdico do poder poltico (Castanheira
Neves); (ii) o direito constitucional o tronco comum de todos os ramos do direito.
Em face do que fica dito, fcil concluir que o direito constitucional direito pblico, ao
regular as relaes entre os principais rgos do Estado e as relaes entre o Estado e os
indivduos, expressas nos direitos fundamentais destes ltimos.
Como se relaciona o direito constitucional com as demais disciplinas jurdicas?
O que h pouco afirmei sobre o direito constitucional regular o Estado coloca, desde logo,
dificuldades na sua distino em face do direito administrativo, dado que ambos se ocupam
do Estado em sentido amplo. Mas o primeiro apenas se ocupa dos rgos de soberania,
enquanto o segundo se ocupa dos restantes rgos do Estado. Em qualquer caso, preciso
salientar que as Constituies incluem disposies sobre os princpios bsicos e a estrutura
do direito administrativo (vejam-se os artigos 266. a 272. da nossa Constituio).
O direito penal ocupa-se da definio das penas e dos crimes cuja prtica d origem
respetiva aplicao. Como seria de esperar, vrias disposies constitucionais, em matria
de direitos, liberdades e garantia, dizem diretamente respeito ao direito penal. Assim sucede
com o artigo 27., sobre os casos em que pode haver privao da liberdade; com o artigo
28., sobre os pressupostos da priso preventiva; com o artigo 29., sobre a aplicao da lei
criminal (incluindo o problema da retroatividade); com o artigo 30., sobre os limites daspenas.
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Europeia na ordem interna no depende, em princpio, do que a Constituio diga a esse
respeito4; (ii) por outro lado, as normas de direito internacional geral ou comum (aqui
includo o chamadojus cogens, isto , o conjunto de princpio e normas que se impe a todos
os sujeitos de direito internacional independentemente de aceitao, incluindo a proibio
da guerra ofensiva, a tortura, o genocdio, a pirataria, a autodeterminao dos povos, etc.)
sobrepem-se Constituio de qualquer Estado, uma vez que os Estados so membros da
comunidade internacional; (iii) para alm disso, as normas de direito internacional seja ele
o direito internacional geral ou o convencional, isto , resultante dos acordos e tratados
internacionais prevalecem sobre as normas de direito interno ordinrio; (iv) por ltimo, as
normas dos Tratados que regem a Unio Europeia e as normas emanadas das suas
instituies, no exerccio das respetivas competncias prevalecem sobre as normas de
direito interno, incluindo a Constituio, embora com ressalva dos princpios fundamentaisdo Estado de direito democrtico.
O direito que regula as relaes entre os privados, isto , o direito civil (incluindo o direito
das obrigaes, os direitos reais, o direito da famlia e o direito das sucesses), bem como
outros ramos especiais do direito privado (como o direito comercial) esto subordinados ao
direito constitucional, tal como a lei ordinria est submetida Constituio. Esta
subordinao tanto mais importante quanto se admite, cada vez mais, que os direitos
fundamentais no so apenas invocveis pelos indivduos em face dos poderes pblicos,
mas tambm em face dos poderes privados, em termos que adiante veremos. Esta
possibilidade de invocar os direitos fundamentais no mbito das relaes entre privados
no pe, todavia, necessariamente em risco a distino entre direito constitucional,
enquanto direito pblico, e direito privado. Nos termos desta distino, importa record-lo,
dizem respeito ao direito pblico todas aquelas normas que visam exclusivamente o Estado
enquanto poder soberano, enquanto o direito privado abrange as normas que valem para
qualquer pessoa. Neste sentido, o direito pblico o direito especial do Estado, enquanto odireito privado o direito de qualquer pessoa, sendo certo que tambm o Estado pode atuar
como qualquer pessoa, quando prossegue determinadas tarefas sem o recurso a poderes de
autoridade5.
Finalmente, as relaes entre o direito constitucional e a teoria geral do estado so to
estreitas que h at quem entenda que se trata de duas maneiras diferentes de designar o
4 Cf. Jorge Miranda,Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6. ed., p. 59.5 Cf. Hartmut Maurer, Staatsrecht I, 6. ed., Beck, Munique, 2010, p. 8.
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mesmo objeto de estudo. Para aquilo que agora importa podemos dizer que o Direito
Constitucional direito positivo, isto , estuda a organizao jurdica do Estado vigente
num determinado momento histrico, enquanto a teoria geral do Estado se ocupa da
compreenso do Estado na sua estrutura e funo atuais, o seu devir histrico e as
tendncias da sua evoluo (Herman Heller).
3. As fontes do Direito Constitucional
As fontes so os modos de formao e manifestao da norma jurdica constitucional. Em
termos tradicionais, fala-se de criao e revelao do Direito; estamos aqui, respetivamente,
perante o que Castanheira Neves chama as fontes genticas e as fontes de conhecimento.
Na verdade, o que importa entender as fontes de direito como fontes de juridicidade, isto
, os modos especficos graas aos quais uma certa normatividade jurdica se constituir como
normatividade de direito.
Entre as fontes escritas, podemos distinguir: (i) as leis constitucionais; (ii) as leis de valor
reforado e as leis ordinrias, que fazem com que numerosos preceitos constitucionais
tenham aplicao; (iii) o regimento da Assembleia da Repblica, que disciplina o
funcionamento do parlamento; (iv) os tratados internacionais e o direito da Unio
Europeia; (v) a jurisprudncia, que no entendimento tradicional se limita a revelar o direito
vigente, sem o criar, mas cuja importncia fundamental cada vez mais reconhecida,
sobretudo na concretizao dos princpios; (vi) a doutrina, como fonte meramente
instrumental ou de conhecimento.
Entre as fontes no escritas, devemos, antes de mais referir o costume, fundado no
consentimento tcito que o uso reiterado autoriza (Paulo Bonavides). Temos aqui os dois
elementos do costume: a prtica reiterada (elementos objetivo) com convico de
obrigatoriedade (elemento subjetivo).
H traos especficos do costume no direito constitucional: (i) a criao pblica, pelos
rgos de soberania, e no pelos privados, nas relaes entre si; (ii) o acentuar do aspetoracional sobre o tradicional; (iii) a brevidade, isto , o curto espao de tempo em que o
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costume se afirma, em comparao com outras reas da prtica consuetudinria; (iv) a
flexibilidade, decorrente da natureza poltica do costume constitucional6.
Esta breve enumerao de aspetos especficos do costume constitucional tem de ser
completada por duas observaes. Por um lado, estes aspetos especficos apontam parauma menor relevncia do elemento objetivo do costume constitucional, no sentido em que
se reduz a dimenso temporal da repetio da prtica que o consubstancia; por outro lado,
o elemento subjetivo pode tambm ser alterado, na medida em que adquira a especial
relevo, em relao prtica desenvolvida por um dos poderes do Estado, a atitude de
aceitao dos demais poderes. Deste modo, o elemento subjetivo do costume
constitucional deve ser compreendido no contexto do princpio da separao de poderes7.
Entre as fontes no escritas temos ainda os usos ou convenes, isto , as praxes
convencionais que a tradio, a conveno social e a moral aconselham. Na prtica, falamos
de usos e no de costumes quando esto em causa matrias respeitantes ao funcionamento
dos rgos de soberania (na Gr-Bretanha, dissoluo da cmara baixa e convocao do
Parlamento), mais do que questes de fundo.
A importncia do costume e dos usos resulta do tipo de sistema jurdico em que nos
situemos. Essa importncia , naturalmente, maior, em pases desprovidos de Constituio
escrita e formal, como a Gr-Bretanha.
Em sistemas de Constituio formal8, qual o relevo do costume? Admite-se o costume
secundum legem e o praeter legem, mas e o costume contra legem, ou contra constitutionem? Em
princpio, a aceitao do costume contrrio Constituio equivale preterio da
constitucionalidade, como afirma Jorge Miranda9. Mas em casos pontuais pode no ser
assim. Neste sentido, Jorge Miranda aponta, entre outros, os seguintes exemplos: a
precedncia dos Ministros de Estado, sobre os demais Ministros, contra o artigo 183.; a
6 Cf. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 27. ed., Malheiros Editores, So Paulo, 2012, pp. 56-57;Jorge Miranda,Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6. ed., p. 152.7 Cf. David J. Bederman, Custom as a Source of Law, Cambridge University Press, 2010, p. 111.8 Estes, como adiante melhor veremos, caracterizam-se por trs notas essenciais: a Constituio resulta de umprocedimento especfico de formao e, em geral, reviso; a Constituio ocupa o lugar cimeiro no
ordenamento; a Constituio um conjunto sistemtico de normas com unidade e coerncia prprias JorgeMiranda,Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6. ed., pp. 30-31.9 Cf. Jorge Miranda,Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6. ed., p. 149.
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importncia do Presidente da Cmara Municipal como rgo autnomo do municpio e
com proeminncia sobre a Cmara, contra o artigo 250.10.
Sem pr em causa estes exemplos, julgo que o alcance do costume em sistemas de
Constituio formal tem de partir da considerao de dois aspetos.
Em primeiro lugar, importa ponderar que o costume pode influenciar o contedo do
direito de dois modos distintos: determinando como deve ser o direito tal como
oficialmente promulgado ou, uma vez adotado, determinando como deve ser aplicado11.
Admite-se, em relao ao primeiro modo de influenciar o contedo do direito, que o
costume constitucional tem, nos sistemas de Constituio formal, um carter derivado em
relao a outras fontes do direito, como a lei (e mais propriamente a lei constitucional)12;
simplesmente, isso ainda deixa, considerando agora o segundo modo de influenciar o
contedo do direito, um espao de aprecivel relevncia constitucional do costume a
propsito da aplicao do direito, como suceder no domnio dos direitos fundamentais.
O que acaba de ser dito leva-nos a considerar um segundo aspeto do problema do costume
em sistemas de constituio formal. Com efeito, a existncia de uma Constituio em
sentido formal, em que esteja consagrado o princpio da legalidade da Administrao
Pblica, no permite, em regra, a invocao do costume como justificao de uma atuao
do executivo contrria lei. Para alm disso, a restrio ou violao de direitos
fundamentais no pode ter como fundamento o costume13.
4. O constitucionalismo moderno
10 Cf. Jorge Miranda,Manual de Direito Constitucional, tomo II, 6. ed., p. 154.11 Cf. George Rutherglen, Custom and Usage as Action Under Color of State Law: An Essay on Forgotten
Terms of Section 1983, in Virginia Law Review, vol. 89, 2003, p. 970.12 Este carter derivado do costume constitucional em sistemas de Constituio formal no resulta de umaapreciao geral da relao entre costume e lei, como sucede na leitura de um certo positivismo jurdico, masreleva da considerao de dois paradigmas do sistema jurdico, o paradigma fundacional, em que h umaConstituio formal e rgida, e o paradigma no-fundacional, em que no existe Constituio formal ou, pelomenos, essa Constituio flexvel (sobre esta distino, cf. Miguel Galvo Teles, Temporalidade Jurdica eConstituio, in AA. VV., 20 Anos da Constituio de 1976, Coimbra Editora, 2000, pp. 40-41; Miguel
Nogueira de Brito, A Constituio Constituinte: Ensaio sobre o Poder de Reviso da Constituio, Coimbra Editora,2000, p. 309).13 Cf. David J. Bederman, Custom as a Source of Law, Cambridge University Press, 2010, p. 105.
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Quando falamos de Constituio e de constitucionalismo, podemos ter em mente aquilo
que se pode designar por um conceito histrico de Constituio14. Neste sentido a todas as
sociedades ou Estados corresponde uma Constituio, que diz respeito s relaes
estruturais bsicas de poder, determinantes das formas jurdicas. Toda a ordem poltica e
social dotada de uma Constituio, mesmo as sociedades arcaicas, porque em todas elas
h estruturas bsicas de um poder difuso, determinantes tambm das formas jurdicas. Este
conceito no nos interessa, pois no permite a anlise da Constituio em sentido
moderno15.
Temos depois o conceito decisionista da Constituio, desenvolvido por Carl Schmitt.
Neste mbito, a Constituio surge como deciso poltica fundamental, como deciso de
conjunto de um povo sobre o modo e a forma da unidade poltica. A Constituio comodeciso poltica est acima das leis constitucionais em que essa deciso se exprime em cada
momento16. O direito est aqui numa posio subalterna em relao poltica, como
sucedia ainda na noo absolutista da soberania.
Finalmente, quando falamos de Constituio e constitucionalismo em sentido moderno,
pressupomos normalmente uma suficiente diferenciao entre poltica e direito e, ao
mesmo tempo, uma adequada relao entre as duas esferas. Isso acontece quando so
institudos procedimentos judiciais, submetidos a uma racionalidade especificamentejurdica, e procedimentos parlamentares e eleitorais, submetidos a uma racionalidade
poltica. Deste modo, temos uma legitimao poltica do direito, mas tambm uma
legitimao jurdica da poltica.
A importncia desta complexa relao entre direito e poltica no surgimento do
constitucionalismo est bem patente na definio da Constituio como estatuto jurdico
do poltico. A tenso entre poltica e direito revela-se especialmente na possibilidade de as
leis maioritariamente votadas serem declaradas inconstitucionais por violarem os direitos
fundamentais.
A Constituio, como afirma Marcelo Neves, torna o direito relevante para a poltica, na
medida em que as exigncias do Estado de direito e dos direitos fundamentais passam a constituir
contornos estruturais da reproduo dos processos polticos de busca pelo poder e de tomada de decises
coletivamente vinculantes, inclusive na medida em que decises majoritrias podem ser declaradas
14 Cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7. ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 5215 Cf. Marcelo Neves, Transconstitucionalismo, Editora WMF Martins Fontes, So Paulo, 2009, p. 54.16 Cf. Carl Schmitt, Verfassungslehre, 10. ed., Duncker & Humblot, Berlim, 2010, p. 21.
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inconstitucionais. Ao mesmo tempo, a Constituio torna tambm o poder poltico relevante
para o sistema jurdico, no sentido em que o processo democrtico de tomada de deciso poltica, no
sentido de formao da maioria, passa a constituir varivel estrutural da reproduo dos procedimentos
jurdicos de soluo e absoro de conflitos, inclusive na medida em que a produo de normas jurdicas
legislativas fica dependente das decises polticas deliberadas democraticamente e tomadas
maioritariamente17.
Assim, compreende-se o modo especfico de relao entre poltica e direito, assente na
diferenciao mtua e na complementaridade, que est na base do constitucionalismo
moderno. Este aspeto revelado de modo paradigmtico no artigo 16, da Declarao dos
Direitos do Homem e do Cidado, aprovada pela Assembleia Constituinte francesa em 26
de agosto de 1789: Qualquer sociedade em que no esteja assegurada a garantia dos direitos, nemestabelecida a separao de poderes, no tem Constituio18.
At ao momento tratei do conceito de Constituio na perspetiva da relao entre poltica e
direito. Nessa perspetiva, a Constituio moderna caraterizada pela garantia dos direitos
fundamentais, pela separao de poderes e pela representao poltica. Simplesmente, ao
lado da tradio ocidental que v na subordinao da poltica ao direito, nos termos
expostos, o trao distintivo da Constituio, h ainda a apontar uma outra tradio no
pensamento poltico e jurdico ocidental que tende a negar esta subordinao. Para estatradio, as Constituies dos Estados modernos tm duas partes: por um lado,
regulamentam a organizao do Estado, isto , as competncias e os cargos polticos e, por
outro lado, regulam os fins e a ideologia do Estado. Na verdade, estas duas dimenses da
Constituio esto tambm presentes na tradio jurdico-constitucional a que fiz
referncia. Sucede que para a tradio jurdico-constitucional, a proteo dos direitos
fundamentais consiste na justificao e fim do Estado. Para a tradio que nega a
vinculao jurdica do Estado, com bvias afinidades com o conceito decisionista de CarlSchmitt acima mencionado, essencial a ideia da livre alterao do direito pelo poder
poltico soberano.
Ambas as tradies identificadas tm o seu fundamento nas teorias do contrato social,
desenvolvidas desde o sculo dezasseis em diante e mais tarde, a partir do sculo dezoito,
na ideia de revoluo. Poderamos, com efeito, reformular o contedo do artigo 16. da
17 Cf. Marcelo Neves, Transconstitucionalismo, cit., p. 57.18 Cf. Jorge Miranda (organizao e traduo), Textos Histricos do Direito Constitucional, 2. ed., ImprensaNacional Casa da Moeda, Lisboa, 1990, p. 59.
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Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, atrs transcrito, nos seguintes termos:
toda a sociedade cuja organizao poltica no decorra de uma revoluo no tem
Constituio. Simplesmente, se a tradio jurdico-constitucional encara a revoluo como
um modo de afirmao dos direitos individuais, das liberdades naturais, em suma como um
ato comum de libertao de um povo do jugo da tirania; a tradio absolutista encara a
revoluo como um ato atravs da qual o povo ocupa o lugar dos monarcas soberanos.
Aqui a prpria revoluo que encarada como libertao e caso se demonstre que a
revoluo no trouxe ainda a verdadeira e definitiva libertao, ento deve-se proclamar uma nova
revoluo19. Ao primeiro conceito de revoluo pertencem a Revoluo americana, a
Revoluo francesa, de 1789 a 1791, e as revolues da europa de leste de 1989 em diante;
do segundo conceito fazem parte a Revoluo francesa, de 1792 em diante e a Revoluo
de Outubro de 1917.
5. O Direito Constitucional como direito pblico
J antes mencionei que o Direito Constitucional direito pblico. O que agora me interesse
desenvolver esta caracterizao tendo em vista a importncia, para o Direito
Constitucional, da diferenciao entre uma esfera pblica e uma esfera privada.
Vejamos os seguintes exemplos: um particular compra um imvel ou obtm um
emprstimo para a compra de um imvel. Estamos perante relaes privadas, ainda que
uma das partes possa ser o Estado. Ouras situaes: o Estado expropria um particular para
construir uma estrada; o parlamento vota um determinado imposto. No temos dvida
existir aqui uma entidade que intervm com uma fora e autoridade especial, que nenhumprivado se pode arrogar.
As relaes de direito privado so relaes que se estabelecem em termos de igualdade
jurdica e coordenao, em que s partes assiste liberdade para se vincularem nos termos da
sua autonomia individual. As relaes de direito pblico fundam-se na soberania estadual,
no princpio da legalidade e na prossecuo do interesse pblico.
19 Cf. Grg Haverkate, Verfassungslehre: Verfassung als Gegenseitigkeitsordnung, Verlag C. H. Beck, Munique, 1992,p. 10. A este autor se deve tambm a distino entre uma tradio jurdico-constitucional e uma tradiopoltica do conceito de Constituio desenvolvida no texto.
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Mas quando se menciona aqui a importncia do Direito Constitucional na manuteno da
diferena entre esfera pblica e esfera privada no se tem simplesmente em vista a
distino, dependente da configurao de cada ordenamento jurdico e, nessa medida,
contingente, entre direito privado e direito pblico, mas uma certa representao das
relaes entre as pessoas. Na esfera privada, essas relaes assentam na responsabilidade
individual de cada um pelos seus atos e no desenvolvimento da autonomia privada de cada
um; na esfera pblica, est em causa a liberdade enquanto capacidade de atuao poltica
em conjunto com outros e a responsabilidade partilhada envolvida nessa atuao
conjunta20.
Imagine-se uma sociedade vivendo apenas numa esfera privada: poderiam existir empresas
de segurana privada, mas no uma polcia de segurana pblica, como designamos no
por acaso a principal fora de segurana em Portugal. Imagine-se agora o contrrio:deixaria de existir o conceito de privacidade e at, talvez, o de famlia, como na Repblicade
Plato. O Direito Constitucional um instrumento na construo de uma sociedade que
no prescinde de nenhuma dessas duas esferas, nem permite que uma se sobreponha
indevidamente outra.
6. O Direito Constitucional entre o direito do Estado e o Estado de direito
O Direito Constitucional , pois, na sua essncia um direito do Estado. Mas no um direito
de qualquer Estado e apenas de um Estado de direito. O que significa isto? Referncia ao
artigo 2. da Constituio.
O Estado de direito como limitao efetiva do poder poltico pelo Direito. Principais
aspetos a considerar:
(i) Efetiva garantia dos direitos individuais;(ii) Atribuio ao parlamento do primado do poder legislativo;(iii) Salvaguarda do pluralismo poltico;(iv) Reserva da funo jurisdicional aos tribunais;(v) Fiscalizao jurisdicional da constitucionalidade das leis;
20 Cf. Philippe Mastronardi, Verfassungslehre: Allgemeine Staatsrecht als Lehre vom guten und gerechten Staat, HauptVerlag, Berna, 2007, p. 20.
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(vi) Garantia da impugnao dos atos e omisses da Administrao que sejamlesivos dos particulares;
(vii) Responsabilidade civil do Estado por danos causados no exerccio dasrespetivas funes.
7. Os conceitos material, formal e instrumental de Constituio
A Constituio em sentido material corresponde ao conjunto de normas que disciplinam aorganizao do poder, a distribuio de competncia entre os diversos rgos de soberania,
o exerccio da autoridade, a forma e o sistema de governo e os direitos da pessoa humana,
tanto individuais como sociais.
Kelsen resumiu bem este conceito quando afirmou que atravs dele se entendem as normas
referentes aos rgos superiores e s relaes dos sbditos com o poder estatal (cf. Teoria
Geral do Estado).
J a Constituio em sentido formal carateriza-se por se tratar de uma norma sujeita a um
procedimento difcil quanto sua elaborao e reviso, em contraste com o procedimento
relativamente fcil para aprovar e alterar a lei ordinria. Esta, com efeito, normalmente
aprovada por maioria simples ou relativa, em contraste com as maiorias qualificadas
exigidas para a aprovao da lei constitucional.
Para alm deste aspeto, j vimos que dois outros caraterizam tambm a Constituio em
sentido formal: a Constituio ocupa o lugar cimeiro no conjunto das fontes de origemlegal; a Constituio corresponde a um conjunto de normas com uma sistematizao
prpria. o conceito formal que permite distinguir entre legislao ordinria e lei
constitucional.
A distino entre estes dois conceitos permite compreender que muitas vezes a
Constituio material no est vertida na Constituio formal, assim como tambm sucede
que as normas formalmente constitucionais no o so materialmente. Um bom exemplo
disso so os artigos 263. a 265. da Constituio, sobre organizaes de moradores.
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Finalmente, um ltimo sentido bsico da Constituio o instrumental: o
documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais diz-se Constituio em
sentido instrumental, segundo o Prof. Jorge Miranda. Se bem que pudesse (ou possa)
ser extensivo a normas de origem consuetudinria quando recolhidas por escrito, o
conceito coevo das Constituies formais escritas. A reivindicao de que haja uma
Constituio escrita equivale, antes de mais, reivindicao de que as normas
constitucionais se contenham num texto ou documento visvel, com as inerentes vantagens
de certeza e de preveno de violaes. Cabe aqui, porm, fazer uma advertncia. Por um
lado, Constituio instrumental vem a ser todo e qualquer texto constitucional, seja ele
definido material ou formalmente. Por outro lado, de modo mais estrito, por Constituio
instrumental pode entender-se o texto denominado Constituio.
8. Constituio rgida e Constituio flexvel; Constituio escrita e Constituio
consuetudinria
Remonta a James Bryce (Studies in History and Jurisprudence, 1901) a distino entre
Constituies rgidas e flexveis. As primeiras so aquelas que no podem ser modificadas
da mesma maneira que as leis ordinrias, mas exigem um processo de reviso mais
complexo e solene. Quase todos os Estados tm hoje uma Constituio rgida. Nalguns
casos fala-se at de Constituio hiper-rgidas, como sucede quando no existem apenas
exigncia de forma para aprovar uma reviso da Constituio, mas tambm limites
materiais, como sucede com o artigo 288. da nossa Constituio.
Constituies flexveis so as que podem ser adotadas ou alteradas nos mesmos termos que
se encontram previstos para a lei ordinria. Exemplo mais tpico da Constituio flexvel
o da Gr-Bretanha. No se pense, todavia, que toda a Constituio rgida escrita e toda a
Constituio de base costumeira flexvel. Embora esta ltima identificao tenda a ser
verdadeira, a primeira j no o . Uma Constituio escrita pode ser flexvel, como sucedia
com o Estatuto Albertino, de 1848, em Itlia, e at, em parte, com a Carta Constitucional
portuguesa de 1826, cujo artigo 144. estabelecia que as matrias no constitucionais
podiam ser revistas nos termos da lei ordinria.
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O que parece no oferecer dvidas que as Constituies modernas so, em regra
Constituies escritas. De resto, inegvel que as Constituies escritas oferecem maiores
garantias e segurana aos governados com o arbtrio dos governantes.
9. Constituies outorgadas, pactcias e populares
Como salienta Paulo Bonavides, a Constituio outorgada corresponde, de um ponto de
vista jurdico, a um ato unilateral de uma vontade poltica soberana, normalmente um rei;
de um ponto de vista poltica, significa normalmente uma concesso feita por aquela
vontade ao poder popular ascendente. Estas Constituies exprimem normalmente a
passagem do absolutismo monrquico para o constitucionalismo monrquico. Assim
sucedeu, em Portugal, com a Carta de 1826 e, no Brasil, com a Constituio imperial de
1824. Entre outros exemplos, cabe ainda mencionar a Carta de Lus XVIII restaurando a
monarquia francesa em 1814, a Constituio japonesa de 1889 e a Constituio da Arbia
Saudita de 1950.
As Constituies pactcias exprimem um compromisso entre duas foras polticas rivais: a
monarquia absoluta enfraquecida, de um lado, e a nobreza e a burguesia, sobretudo esta, do
outro.
Como exemplos, temos a Constituio portuguesa de 1838 e o Bill of Rightsingls, de 1689.
As Constituies populares ou democrticas so as que exprimem verdadeiramente o
princpio democrtico de que todo o governo deve ser escolhido pelo povo e todo o poder
deve traduzir a soberania popular. No espanta assim que a maior parte das constituies o
sejam, nem que o tenham sido as primeiras constituies modernas, como a Americana de1789 e a Francesa de 1791. H aqui vrios sistemas a mencionar, envolvendo uma
combinao entre assembleias constituintes escolhidas pelo voto popular e referendos.
10. Constituies normativa, nominal e semntica
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Constituio normativa aquela cujas normas so efetivas, isto , aplicadas pelos seus
destinatrios, sejam eles os governantes ou os governandos. Podemos dizer que a
Constituio normativa aquela em que convergem a validade jurdica, a validade material
e a validade social.
Constituio nominal juridicamente vlida, mas no efetiva, sendo desmentida pela
prtica constitucional.
Constituio semntica juridicamente vlida e aplicada na prtica, mas corresponde
apenas manuteno do status quo.
No primeiro caso, as normas da Constituio dominam o processo poltico, no segundo
caso, so incapazes de o fazer e no terceiro so por dominadas pelo processo poltico(Marcelo Rebelo de Sousa).
11. As Constituies simblicas
A Constituio simblica, de um ponto de vista negativo, aquela que se caracteriza pela
ausncia de concretizao normativa do texto constitucional; do ponto de vista positivo, a
atividade constituinte e a linguagem constitucional desempenham um importante papel
poltico ideolgico (Marcelo Neves). Existe, pois, uma evidente continuidade entre os
conceitos de Constituio simblica e de Constituio normativa, no sentido em que esta
ltima sempre manifestao tambm daquela, embora o contrrio possa no suceder.
12. Constituies concisas e prolixas
As Constituies concisas so aquelas que enunciam apenas os princpios bsicos e regrasgerais, deixando o desenvolvimento desses princpios e regras legislao complementar.
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So Constituies que tratam apenas de matria constitucional e permitem, ao mesmo
tempo, uma maior estabilidade e flexibilidade do texto que permite a sua adaptao a
circunstncias diversas e situaes novas (Paulo Bonavides). Exemplo mximo a
Constituio americana, com apenas sete artigos.
As Constituies prolixas so as que tratam a matria constitucional com demasiada
mincia e trazem ao texto constitucional matria que alheia a este direito. So um
instrumento do que atrs chammos a constitucionalizao simblica.
13. Constituio e sistema constitucional
Disse h pouco que Constituio normativa aquela cuja normas controlam efetivamente
o processo poltico. Isto pressupe a possibilidade de diferenciar a Constituio normativa
da Constituio real, de que fazem parte todos os fatores que determinam a eficcia da vida
poltica como os partidos polticos, os grupos de interesses, a opinio pblica e ainda todas
as foras que refletem os compromissos internacionais da sociedade politicamenteorganizada (neste sentido, a troikafaz parte da nossa Constituio real).
O contraste entre estes dois aspetos atenuado atravs da ideia de sistema, ou perspetiva
da totalidade. O sistema constitucional tem, designadamente, por contedo a Constituio,
as leis complementares, as leis ordinrias materialmente constitucionais e os partidos
polticos e grupos e correntes de interesses.
Uma viso sistmica da Constituio assenta na dualidade entre sistema interno e sistema
externo. Este diz respeito ao trabalho intelectual de que resulta um conjunto ou totalidade
de conhecimentos logicamente classificados, segundo um princpio unificador (Paulo
Bonavides). O sistema interno no se refere ao conhecimento do objeto, mas este em si
mesmo. Consiste num conjunto de elementos ligados entre si por uma relao de mtua
dependncia, constituindo um todo. No direito, a ideia de sistema externo assenta no
pressuposto de que cabe ao jurista atribuir unidade s normas jurdicas isoladas. Neste caso,
o jurista impe unidade lgica ao direito, enquanto no sistema interno essa mesma unidade
est no prprio direito, aguardando ser revelada.
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14. Sistema constitucional e hermenutica constitucional
Se encararmos o sistema externo como um sistema axiomtico-dedutivo e o sistemainterno como um sistema axiolgico-teleolgico vemos com facilidade as consequncias
desta distino para o problema da interpretao. No primeiro caso, interpreta-se a norma
sem atender realidade do seu contedo; no segundo caso, s esse contedo importa,
sendo secundria a prpria norma. Aqui avulta a perspetiva do todo, do conjunto do
ordenamento constitucional.
Se no atendermos simultaneamente aos dois aspetos podemos cair no formalismo do
sistema axiomtico-dedutivo ou, em alternativa, no subjetivismo do sistema axiolgico-teleolgico. S a interao entre os dois permite dar conta da evoluo do sistema
constitucional.
15. O conceito de Estado
O conceito material de Constituio pressupe o conceito de Estado, que agora vamos
analisar tendo em conta a sua realidade contempornea. Como ponto de partida adotarei o
seguinte conceito jurdico de Estado: um povo fixado num determinado territrio que
institui, por vontade prpria, dentro desse territrio, um poder poltico relativamente
autnomo (Marcelo Rebelo de Sousa). So, pois, trs os elementos que integram este
conceito de Estado: povo, territrio e poder poltico.
15. 1 O povo
Conjunto de cidados, sujeitos ou nacionais de cada Estado, ligados a certo Estado por um
vnculo de nacionalidade. Artigo 4. da Constituio: conjunto de cidados portugueses que
como tal sejam considerados por lei ou conveno internacional.
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Diferente deste conceito jurdico-poltico o conceito econmico-demogrfico de
populao, que corresponde ao conjunto de pessoas fsicas, nacionais ou estrangeiras,
habitualmente residentes no territrio de um Estado.
Diferente do conceito de povo ainda o conceito de nao, isto , comunidade de pessoas
presas por laos de existncia coletiva comum, nos planos cultural e socioeconmico.
Tal como no coincidncia entre povo e populao, porque nem todos os residentes so
nacionais, tambm no existe coincidncia necessria entre povo e nao. Assim sucede
com as naes no organizadas em Estados (curdos, palestinianos, naes indgenas) e
Estados cujo povo no corresponde a uma nao (Estados recm independentes, como
sucedeu com os EUA).
Afasta-se, assim, a tese da soberania nacional, adiante referida.
Relevncia da nao: aspetos culturais que se prendem com a promoo da cultura, lngua e
histria da nao.
A cada nao um Estado? Direito de autodeterminao dos povos , em larga medida,
direito de autodeterminao das naes.
A cidadania
Cidadania ou nacionalidade o vnculo jurdico que liga uma pessoa a determinado Estado.
Regra: cada pessoa tem uma, e s uma, nacionalidade. Dupla nacionalidade e casos de
apatrdia ou apoldia.
Dois critrios tipo para a determinao do vnculo de nacionalidade: ius sanguinis, centradona filiao relativamente a nacionais de certo Estado; ius soli, baseado no local de
nascimento. Se prevalecer o ius sanguinis, pode dizer-se que o conceito de povo se aproxima
do conceito de nao; pelo contrrio, se prevalecer o ius soli, dir-se- que o conceito de
povo se aproxima do conceito de populao.
Aquisio originria e derivada. A Constituio (artigo 122.) exige a nacionalidade
originria como condies elegibilidade para o cargo de Presidente da Repblica.
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Cidadania ativa, passiva e semi-cidadania. A primeira define-se pelo gozo de todos os
direitos atribudos em resultado do vnculo de nacionalidade: participao poltica,
capacidade de eleger e ser eleito. Artigo 30., n. 4, nenhuma pena envolve, como efeito
necessrio, a perda de direitos civis, profissionais ou polticos. Sbditos no cidados em
sociedade colonizadas e mulheres em certas sociedades bem como historicamente. Semi-
cidadania como situao dos cidados com restries quanto ao gozo ou exerccio de
alguns direitos e deveres (artigo 308. da Constituio, verso originria; dementes).
Cidadania no s qualidade jurdica, mas tambm direito fundamental: artigo 26., n. 4:
A privao da cidadania e as restries capacidade civil s podem efetuar-se nos casos e
termos previstos na lei, no podendo ter como fundamento motivos polticos. No mesmo
sentido, artigo 15. da DUDH, de 1948, e artigo 24., n. 3, do Pacto Internacional dosDireitos Civis e Polticos, de 1966.
Nas primeiras Constituies portuguesas era o texto constitucional que definia os critrios
de atribuio da nacionalidade. Como no contexto da Carta de 1826 a matria em causa
no era considerada constitucional, a mesma acabou por ser regulada na lei.
O atual regime de aquisio da cidadania consta da Lei n. 37/81, de 3 de outubro, objeto
de sucessivas alteraes.
As principais ideias a ter em conta so as seguintes:
Aquisio originria por efeito da lei, ou do efeito combinado da lei e da vontade, na
verdade uma combinao do ius sanguinie do ius soli(artigo 1.)
1 - So portugueses de origem:
a) Os filhos de me portuguesa ou de pai portugus nascidos no territrio
portugus;
b) Os filhos de me portuguesa ou de pai portugus nascidos no estrangeiro se o
progenitor portugus a se encontrar ao servio do Estado Portugus;
c) Os filhos de me portuguesa ou de pai portugus nascidos no estrangeiro se
tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil portugus ou se declararem que
querem ser portugueses;
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d) Os indivduos nascidos no territrio portugus, filhos de estrangeiros, se pelo
menos um dos progenitores tambm aqui tiver nascido e aqui tiver residncia,
independentemente de ttulo, ao tempo do nascimento;
e) Os indivduos nascidos no territrio portugus, filhos de estrangeiros que no se
encontrem ao servio do respetivo Estado, se declararem que querem ser
portugueses e desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui
resida legalmente h pelo menos cinco anos;
f) Os indivduos nascidos no territrio portugus e que no possuam outra
nacionalidade.
2 - Presumem-se nascidos no territrio portugus, salvo prova em contrrio, os
recm-nascidos que aqui tenham sido expostos.
Aquisio no originria por efeito da vontade (artigos 2. a 4.):
- Os filhos menores ou incapazes de pai ou me que adquira a cidadania portuguesa podem
tambm adquiri-la, mediante declarao;
- O estrangeiro casado com cidado portugus h mais de trs anos pode adquirir a
cidadania portuguesa mediante declarao feita na constncia do casamento, equiparando-
se ao casamento a unio de facto, depois de reconhecida;
- Os que hajam perdido a cidadania portuguesa por efeito de declarao prestada durante a
sua incapacidade podem readquiri-la quando capazes, mediante declarao.
Aquisio no originria por adoo (artigo 5.)
Aquisio no originria por naturalizao: o Governo concede a naturalizao aos
estrangeiros que satisfaam cumulativamente os seguintes requisitos: i) sejam maiores ou
emancipados face lei portuguesa; ii) residam legalmente em territrio portugus; iii)
conheam suficientemente a lngua portuguesa; no tenham sido condenados, com
sentena transitada em julgado, pela prtica de crime punvel com pena de priso de
mximo igual ou superior a trs anos, segundo a lei portuguesa.
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Questo: como conciliar este ltimo requisito com o disposto no artigo 30., n. 4, da
Constituio, segundo o qual nenhuma pena pode envolver, como efeito necessrio, a
perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou polticos (Jorge Miranda, tomo III, 6.
ed., p. 126). A questo passa por saber se existe um direito aquisio de cidadania, para
alm do direito a manter a cidadania, claramente reconhecido na Constituio.
Situao dos estrangeiros e aptridas artigo 15. da Constituio:
1. Os estrangeiros e os aptridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam
dos direitos e esto sujeitos aos deveres do cidado portugus.
2. Excetuam-se do disposto no nmero anterior os direitos polticos, o exerccio
das funes pblicas que no tenham carcter predominantemente tcnico e os
direitos e deveres reservados pela Constituio e pela lei exclusivamente aos
cidados portugueses.
3. Aos cidados dos Estados de lngua portuguesa com residncia permanente em
Portugal so reconhecidos, nos termos da lei e em condies de reciprocidade,
direitos no conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da
Repblica, Presidente da Assembleia da Repblica, Primeiro-Ministro, Presidentes
dos tribunais supremos e o servio nas Foras Armadas e na carreira diplomtica.
4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no territrio nacional, em condies
de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleio dos titulares de
rgos de autarquias locais.
5. A lei pode ainda atribuir, em condies de reciprocidade, aos cidados dos
Estados-membros da Unio Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem
e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu.
15.2 O territrio
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O segundo elemento do Estado o territrio. O Estado contemporneo um fenmeno
essencialmente espacial, no sendo concebvel um Estado nmada. Territrio integra o
territrio terrestre (solo e subsolo) areo e martimo.
Territrio martimo faixa martima calculada a partir das costas dos Estados ribeirinhos,
numa distncia que varia de acordo com as legislaes nacionais e as convenes
internacionais. Compreende o mar territorial (limite mximo fixado em 12 milhas, de
acordo com a Conveno de 29 de abril de 1958); zona contgua, no parte do territrio,
mas a se exerce o poder de fiscalizao do acatamento de certas disposies alfandegrias,
fiscais, de emigrao e sanitrias, zona definida pelo espao de 12 milhas a contar dos
limites do mar territorial; ZEE, conceito nascido na III Conferncia de Direito do Mar,
patrocinada pela ONU em 1973, extenso de 200 milhas a contar da costa, no pertence aoterritrio, mas o Estado exerce alguns poderes: controlo da pesca por embarcaes
estrangeiras; preservao e investigao cientfica de recursos naturais; explorao
econmica.
Plataforma continental leito do mar e o subsolo das regies submarinas adjacentes s
costas, mas situadas fora do mar territorial, at uma profundidade de 200 metros ou at ao
ponto onde a profundidade das guas permita a explorao dos recursos naturais.
Relevncia jurdico-poltica do territrio tripla (Marcelo Rebelo de Sousa):
a) Condio de independncia nacional;b) Circunscreve o mbito do poder soberano do Estado;c) Representa um meio de atuao jurdico-poltica do Estado.
Oprimeiro aspeto poltico. Nos termos do artigo 9., alnea a), da Constituio, tarefa
do Estado garantir a independncia nacional e criar as condies polticas, econmicas,
sociais e culturais que a promovam. A garantia da integridade do territrio um dos
objetivos da defesa nacional, como tal consagrado no artigo 273. da Constituio.
O segundo aspeto jurdico: o territrio delimita a soberania do Estado, ao definir o
espao em que exercem os seus poderes os rgos soberanos desse Estado. O territrio
delimita o mbito de aplicao do direito do Estado.
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A aplicabilidade de uma ordem jurdica pode ligar-se a uma de duas realidades: princpio da
territorialidade (dentro do territrio aplica-se o direito do Estado, a todos os que nele se
encontram, residam ou sejam titulares de direitos sobre bens localizados n Estado em
causa, sejam nacionais, estrangeiros ou aptridas) ou princpio da pessoalidade (o direito do
Estado aplicado apenas aos seus nacionais, onde quer que se encontrem, e no aplicado
aos estrangeiros ou aptridas, mesmo que se encontrem, residam ou sejam titulares de
direitos sobre bens localizados no Estado em causa).
Cinco excees ao princpio da territorialidade:
a) Receo formal de fontes de direito estrangeiro DIP.b) Atribuio de poderes soberanos a outra entidade, diversa do Estado, numa frao
do territrio nacional. Exemplos: companhias majestticas, bases estrangeiras
situadas em territrio nacional.
c) Aplicao do princpio da pessoalidade aos Chefes de Estado e pessoal diplomtico.d) Integrao em organizaes internacionais de tipo supra-nacional. Unio Europeia.e) Atribuio do estatuto de zona franca a uma regio do territrio do Estado,
sujeitando-a, por exemplo ao direito alfandegrio de um Estado limtrofe, mediante
acordo com esse Estado.
O terceiro aspeto significa que o territrio um meio de atuao do poder poltico do
Estado. Fins do Estado.
Direito do Estado sobre o territrio
- Teses patrimoniais direito real qualificvel de domnio; adequao conceo
patrimonial do Estado prpria do absolutismo.
- Teses do imperium pessoal no direito sobre as coisas, mas direito pessoal sobre os
residentes.
- Teses intermdias direito real minstitucional o seu contedo determinado por aquilo
que o servio da instituio estatal exige.
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- Direito de jurisdio, que recai simultaneamente sobre as pessoas dos residentes e as
coisas a situadas e aquelas atravs destas. Dois poderes: poder de jurisdio ou de senhorio
sobre as pessoas (e indiretamente sobre as coisas), propriedade ou domnio sobre as coisas
no apropriadas.
Artigo 5. da Constituio fala em direitos de soberania, realidade mais vasta que adiante
tratarei. Com especial expresso no territrio podem apontar-se as seguintes manifestaes
de soberania: exerccio de competncias normativas com validade em todo o territrio;
definio da lngua, ou lnguas, oficial; fixao da nacionalidade em relao ao povo do
territrio (cf. Gomes Canotilho, CRP Anotada, p. 229).
15.3 O poder poltico
Podemos defini-lo como a faculdade que um povo se d de instituir rgos que exeram,
com relativa autonomia, a jurisdio sobre um territrio, nele criando e executando normas
jurdicas, e praticando os demais atos e operaes necessrios, usando os necessrios meios
de coao.
Duas ideias: autarquia e soberania. Autarquia no sentido de autossuficincia econmica;
soberania no sentido de supremacia e independncia em relao a outros poderes. No
esquecer, em relao a este ltimo aspeto, que o Estado moderno surge em oposio a
outros poderes: o poder da Igreja, o poder do imprio romano, o poder dos senhores
feudais (Jellinek, Teoria General del Estado, p. 432)
Estes dois aspetos so hoje postos em causa pela globalizao. No plano econmico pela
mobilidade do capital e pelo comrcio internacional; no plano jurdico, por convenesinternacionais, que em alguns casos (UE) conduzem criao der organizaes
supranacionais.
a) Poder e soberania
O poder poltico do Estado pode assumir a feio de poder poltico soberano, isto , um
poder poltico supremo, na ordem interna, e independente, na ordem externa, por se
encontrar no mesmo plano dos poderes dos restantes Estados na ordem internacional.
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Soberania expresso que surge em Jean Bodin, Os Seis Livros da Repblica, obra publicada
em Frana no sculo XVI, 1576.
Estados no soberanos, no plano jurdico-constitucional
Estados protegidos o poder poltico tutelado pelo do Estado protetor, que pode
fiscalizar e vetar decises dos rgos daquele e superintender nas sua relaes
internacionais. Imprio marroquino at 1957, protetorado francs e espanhol. Protetorado
francs sobre a Tunsia (desde finais do sculo dezanove at 1943).
Estados federados so verdadeiros Estados, com constituio prpria, com poder
legislativos, jurisdicional e executivo, mas o seu poder poltico est dependente do Estado
Federal, em termos que veremos adiante.
Estados semissoberanos e no soberanos, no plano jurdico-internacional
Um Estado soberano plenamente participante na vida internacional dever ser titular de
quatro direitos: o direito de celebrar tratados, o direito de receber e enviar representantes
diplomticos, o direito de reclamao internacional, o direito de fazer a guerra.
Estados semissoberanos: Estados protegidos, Estados vassalos, Estados exguos, Estadosconfederados e Estados neutralizados.
Estados no soberanos: Estados federados e Estados membros das Unies Reais.
Estados protegidos cf. supra.
Estados vassalos o exerccio da plenitude dos direitos internacionais acima referidos fica
dependente de autorizao prvia de uma Estado suserano. Caso do Egito no sculodezanove em relao Turquia.
Estados exguos pela sua dimenso ficam dependentes de Estados limtrofes, alm de que
no preenchem requisitos mnimos para participarem em organizaes internacionais,
como a ONU. Caso do Mnaco em relao Frana, da Repblica de S. Marino em
relao Itlia, do principado do Liechtenstein em relao Sua.
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regionais, assegurando a sua conformidade com a Constituio e podendo exercer o
veto constitucional e desencadear a fiscalizao abstrata sucessiva (artigo 233.)
As Regies Autnomas tm hoje poderes legislativos tais que permitem conceber a
existncia de trs ordens jurdicas em Portugal.
c) Descentralizao e poder local
Da descentralizao poltica, que o fenmeno prprio das Regies Autnomas, cabe
distinguir a descentralizao administrativa, que caracteriza as autarquias locais.
Pressupostos da descentralizao administrativa: i) reconhecimento pelo Estado de
coletividades humanas baseadas numa solidariedade de interesses; ii) gesto desses
interesses por rgos eleitos, emanados das coletividades; iii) controlo administrativo
limitado exercido sobre esses rgos pelo Estado21. Como seria de esperar, estes
pressupostos correspondem tambm, no essencial, aos traos que definem o contedo da
garantia constitucional da autonomia local, que abrange a tutela da existncia das
autarquias, a garantia de que cabe s autarquias perseguir os interesses prprios das
populaes respetivas e a proteo da posio das autarquias em face do Estado, atravs,
desde logo, de um direito de recurso aos tribunais para defesa dos seus interesses.
Segundo afirma Baptista Machado, a descentralizao, em sentido prprio, o outro nomeda liberdade22. Entramos aqui no cerne da diferenciao entre administrao local do
Estado e poder local. A primeira, com efeito, uma medida que visa potenciar a eficcia do
Estado; a segunda, mais do que isso, uma garantia da liberdade individual e uma exigncia
do princpio democrtico.
Para compreendermos o que acaba de ser dito temos de perceber que no correta a
identificao da democracia com o centralismo do Estado, assente no funcionamento do
princpio maioritrio apenas a nvel nacional. Neste contexto, o poder local surge comouma espcie de constrangimento de ordem constitucional a uma conceo identitria de
democracia. Temos assim a velha ideia, desenvolvida por Carl Schmitt a partir de uma certa
interpretao das teses de Jean-Jacques Rousseau, de acordo com a qual democracia e
limites constitucionais ao poder so realidades opostas e dificilmente conciliveis. Segundo
Schmitt, errneo equiparar o princpio democrtico da identidade com o ideal da mais
ampla Administrao municipal autnoma (em contraste com a Administrao estatal). O
21 Cfr. J. Baptista Machado, Participao e Descentralizao, cit., p. 27.22 Cfr. J. Baptista Machado, Participao e Descentralizao, cit., p. 65.
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povo, em uma democracia, sempre o povo inteiro da unidade poltica, no o corpo
eleitoral de um municpio ou de um distrito. pressuposto essencial da Democracia
poltica que se distinga a unidade poltica em um modo especfico, como um todo
homogneo e fechado, de todos os demais agrupamentos e organizaes poltico-
internas23.
Embora sem nomear especificamente Schmitt, contra este modo de ver, designando-o de
centralismo democrtico, que, com inteira razo, se insurge Baptista Machado. Como o
autor afirma, devemos considerar errneas aquelas doutrinas que afirmam existir uma
antinomia entre o princpio democrtico e o princpio do Estado de Direito. Tais
doutrinas tendem a encarar o Estado como uma organizao direta, ou de primeiro grau,
de todos os cidados, e no como uma organizao de segundo grau, ou instituio cpula,
que visa regular as relaes entre os diversos agentes sociais, sejam eles o indivduo, os
entes coletivos ou o prprio Estado. No mbito de um tal entendimento, ao indivduo
reconhecida a liberdade de participar na formao da vontade do Estado, mas j no a
liberdade de autonomia em face do Estado24. Ora, deste modo ignora-se que, em direta
contraposio s teses da democracia identitria, as atribuies e o mbito de competncia
da maioria no mbito do Estado no podem ser determinados pela vontade dessa mesma
maioria, mas pelo quadro organizativo subjacente a esta. Assim, para que uma deciso seja
legtima no basta provir da maioria, mas deve ainda cair dentro de esfera de atribuies do
quadro estatal25.
Podemos assim dizer que no existe democracia sem Constituio ou, se se preferir, sem
garantia da autonomia individual e da existncia de comunidades infra estaduais. A
descentralizao territorial constitui a manifestao de um princpio de separao de
poderes vertical, ao lado da tradicional separao horizontal de poderes, e nessa medida
no pode ser entendida, como j foi dito, enquanto simples medida destinada a promover a
eficincia da atuao administrativa do Estado, mas antes como uma exigncia da
realizao da democracia e da liberdade26. Isto mesmo foi j reconhecido por Tocqueville,
23 Cfr. Carl Schmitt, Teora de la Constitucin(traduo do original alemo com o ttulo Verfassungslehre, de 1928),Alianza Editorial, Madrid, 1982, p. 265.24 Nas palavras de Baptista Machado, Participao e Descentralizao, cit., p. 95, nota 60a, no seio docentralismo democrtico no pode haver liberdade-autonomia (ou liberdade-descentralizao), mas apenas
liberdade-participao.25 Cfr. J. Baptista Machado, Participao e Descentralizao, cit., pp. 67, 85 e 97.26 Cfr. Jos Casalta Nabais,Estudos sobre Autonomias Territoriais, cit., p. 66.
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quando salientou a importncia das instituies do poder local para combater as tendncias
despticas da maioria27.
16. Formas de Estado
A forma de Estado corresponde definio da natureza interna do poder, isto , ao modo
como o Estado estrutura o seu poder internamente.
Estados simples ou unitrios e Estados compostos ou complexos. Entre estes podemosdiferenciar o Estado federal e a Unio real.
Estado federal vrios poderes polticos, um soberano (Estado federal) e outros
dependentes (Estados federados). Territrio e povo do Estado federal resulta da adio dos
territrios dos estados federados e da juno dos seus povos, sendo nico o vnculo da
nacionalidade. O poder poltico um resultado do exerccio dos poderes polticos dos
Estados federados num certo sentido.
Estrutura de sobreposio?
Caractersticas dos Estados Federais condicionar os poderes dos Estados Federados:
a) Constituies dos Estados federados conformam-se com a do Estado federal;b) Estados federados no podem desvincular-se, exercer o direito de secesso;c) Tribunais federais controlam a conformidade das Constituies e leis dos Estados
federados com a Constituio Federal;
d) S o Estado Federal mantm relaes internacionais e define a poltica de defesa detoda a Federao.
Poderes dos Estados federados:
27 Cfr. Alexis de Tocqueville, De la Dmocratie en Amrique, vol. I, Gallimard, Paris, 1961, p. 273: Em nenhumadas repblicas americanas o governo central jamais se ocupou com mais do que um pequeno nmero deobjetos, cuja importncia chamava a sua ateno. Nunca se dedicou a regular as coisas secundrias dasociedade. Nada indica que alguma vez tenha mesmo concebido esse desejo. A maioria, tornando-se cada vez
mais absoluta, nunca aumentou as atribuies do poder central; nada fez seno torn-lo todo-poderoso na suaesfera. Assim o despotismo pode ser pesado num ponto, mas no poder estender-se a todos. (traduo doautor).
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a) Elaboram a sua prpria Constituio;b) Participam, atravs de representantes prprios, na feitura e reviso da Constituio
Federal;
c) Dispem de representantes prprios numa das cmaras parlamentares do EstadoFederal;
d) Dispem de poder legislativo prprio;e) Dispem de tribunais, administrao e foras de segurana prprias.
Estados federais perfeitos e imperfeitos, consoante a instituio federal parte de baixo para
cima (caso dos EUA) ou o inverso (caso do Brasil).
Independentemente desta classificao, importa referir as seguintes tendncias
centralizadoras:
a) Reforo do poder executivo federal;b) Crescente dependncia econmico-financeira dos Estado federados em relao ao
Estado Federal;
c) Crise dos poderes residuais dos Estados Federados e alargamento dos poderesimplcitos do Estado Federal;
d) Estrutura nacional das principais estruturas polticas: partidos, grupos de presso,associaes profissionais;
e) Papel dos Tribunais federais.
Unio Real
Dois ou mais Estados, sem perderem a sua autonomia, adotam Constituio comum, que
prev rgos comuns a par de rgos prprios inerentes a cada Estado. Exemplos:
Portugal e Brasil, de 1815 a 1822; a Inglaterra e Esccia, a partir do sculo XVIII; a ustria
e a Hungria, de 1867 a 1918; e a Sucia e Noruega, de 1819 a 1905.
A designao de Unio Real explica-se por a estrutura monrquica coexistir normalmente
com este tipo de Estado composto.
Diferena em relao Unio Pessoal. Mera coincidncia de a mesma pessoa ser, em
virtude das leis de sucesso, titular do rgo Chefe de Estado em mais de que um Estado,
que mantm a sua autonomia plena. Exemplo: Portugal com Filipe I.
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Confederao de Estados
No um novo Estado soberano, como sucede com a Federao, pois os Estados
Confederados no perdem a sua soberania e sua personalidade internacional, em tudo o
que no esteja abrangido pelo tratado constitutivo da Confederao. Exemplos: EstadosUnidos entre 1781 e 1787, Confederao Helvtica, at 1848 e a Confederao Germnica
de 1817.
A Unio Europeia uma Confederao? Em sentido afirmativo, poderia dizer-se o
seguinte: tal como a Confederao a UE tem personalidade de direito internacional, sem
excluir a personalidade internacional dos Estados membros; ambas so criadas por tratado;
ambas admitem a secesso; os rgos de ambas as estruturas deliberam, em regra, por
maioria. Em sentido negativo: a UE tem pelo menos um rgo, o Parlamento, cujostitulares no representam os Estados membros, nem so por eles designados, mas antes
eleitos por sufrgio universal, rgos todavia com competncia para a prtica de atos cujos
efeitos se projetam diretamente na ordem interna dos Estados membros.
Estado regional
Estado regional integral (Itlia, Espanha)
Estado regional parcial partes do territrio correspondem a regies autnomas e outras
no (Checoslovquia at 1969).
Estado regional perifrico poucas regies cujo aparecimento se deve a razes de natureza
especfica: China e Portugal.
Desconcentrao transferncia de poderes dos rgos centrais para os rgos locais
dentro da mesma pessoa coletiva de direito pblico (Estado administrao).
Decentralizao lei cria novas pessoas coletivas de direito pblico, atribuindo-lhes
poderes administrativos que normalmente caberiam ao Estado.
Descentralizao territorial e institucional descentralizao territorial constitui a
manifestao de um princpio de separao de poderes vertical, ao lado da tradicional
separao horizontal de poderes, e nessa medida no pode ser entendida, como j foi dito,
enquanto simples medida destinada a promover a eficincia da atuao administrativa do
Estado, mas antes como uma exigncia da realizao da democracia e da liberdade, pois
envolve eleio dos titulares dos rgos da pessoa coletiva.
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Descentralizao poltica do Estado unitrio d lugar ao Estado unitrio regional.
Diferenas em relao ao Estado Federal:
a) No Estado federal cada Estado Federado elabora a sua constituio; no UnitrioRegional as regies autnomas elaboram o seu estatuto poltico-administrativo, quecarece de ser aprovado pelos rgos centrais (autoconstituio
/heteroconstituio).
b) Estados federados participam na feitura e reviso da Constituio, o que nosucede nos Estados Unitrios Regionais (participao na formao da vontade do
Estado soberano, no plano constituinte).
c) Nos Estados Federais existe uma segunda cmara, cuja composio definida emfuno dos Estados Federados; nos Estados Regionais, no existe segunda cmara
parlamentar de representao das regies autnomas, ou outro rgo de soberania
cuja composio seja definida em funo das regies (participao na formao da
vontade do Estado soberano, no plano constitudo).
d) Tribunais prprios e foras de segurana prprias.Estado regional Estado unitrio que dispe de uma s Constituio elaborada por um
poder constituinte em que no participam as regies enquanto tais e em que se verifica uma
descentralizao poltica em regies autnomas, nos termos da Constituio e de estatutospoltico-administrativos, outorgados ou aprovados pelos rgos legislativos centrais.
Conceitos de Estado
Estado-coletividade definio de povo fixo em territrio onde exerce poder poltico
relativamente autnomo abrange Estado soberano e no soberano.
Estado-soberano estado coletividade em que existe poder poltico soberano. Exclui
Estados federados, protegidos ou tutelados.
Estado-poder poltico conjunto de rgos do poder poltico num Estado-coletividade.
Estado-administrao pessoa coletiva de direito pblico que leva a cabo a funo
administrativa do Estado-coletividade.
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17. Fins e funes do Estado
17.1 Fins segurana, justia e bem-estar econmico e social
Segurana individual e coletiva.
Justia comutativa Estado garante equivalncia nas relaes entre os cidados.
Justia distributiva cada indivduo deve receber da comunidade de acordo com a sua
atividade ou situao de carncia.
Bem-estar econmico e social Estado deve promover as condies de vida dos cidados,
sobretudo os mais desfavorecidos.
Autonomia cada vez mais relativa dos Estados na prossecuo destes objetivos (Anne-
Marie Slaugther).
Artigo 9.
So tarefas fundamentais do Estado:
a) Garantir a independncia nacional e criar as condies polticas, econmicas,sociais e culturais que a promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princpios doEstado de direito democrtico;
c) Defender a democracia poltica, assegurar e incentivar a participao democrticados cidados na resoluo dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre osportugueses, bem como a efectivao dos direitos econmicos, sociais, culturais eambientais, mediante a transformao e modernizao das estruturas econmicas esociais;
e) Proteger e valorizar o patrimnio cultural do povo portugus, defender anatureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correctoordenamento do territrio;
f) Assegurar o ensino e a valorizao permanente, defender o uso e promover adifuso internacional da lngua portuguesa;
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g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o territrio nacional, tendoem conta, designadamente, o carcter ultraperifrico dos arquiplagos dos Aores eda Madeira;
h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.
17.2 Funes do Estado
Atividades desenvolvidas pelos rgos do Estado tendo em vista a prossecuo dos fins do
Estado.
Duas caratersticas: carter especfico com base em elementos materiais (resultado), formais
(trmites e procedimentos) e orgnicos (rgos de que promana); carter duradouro, ainda
que concretizado em atos e operaes localizados no tempo.
Impossibilidade de diferenciao com base em critrios materiais ou orgnicos.
Teoria de Jellinek dos fins para os meios. Fim jurdico criar e executar o direito; Fim
cultural desenvolver condies materiais e espirituais de vida dos cidados. Meios
criao de normas jurdicas gerais e abstratas ou prtica de atos concretos. Meio normativo
para fim jurdico ou cultural funo legislativa; meio concreto para fim jurdico funojurisdicional; meio concreto para fim cultural funo administrativa.
De fora fica a guerra e conduo de poltica externa atividades extraordinrias.
Funo legislativa livre; funes jurisdicional e administrativa so vinculadas.
Teoria de Marcello Caetano teoria integral das funes do Estado
Funes jurdicas (atividades com contedo jurdico) criao: funo legislativa; execuo:
processo administrativo (atividade volitiva, com posio de iniciativa e parcialidade e
integrao em estrutura hierrquica) ou processo jurisdicional (atividade intelectual, com
posio de passividade e imparcialidade e independncia).
Funes no jurdicas (operaes materiais) conservao da sociedade poltica e opo
entre polticas alternativas: funo poltica; satisfao das necessidades materiais e culturais
de natureza coletiva dos cidados: funo tcnica.
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Crticas: i) recurso a um conceito material de lei, quando a Constituio adota
maioritariamente um conceito formal; ii) rigidez da distino entre funes legislativa e
poltica (so os mesmos os rgos que as exercem e, alm disso, muitas opes polticas
assumem a forma legislativa); iii) funes administrativa e jurisdicional so, cada vez
menos, de simples execuo da lei, o que se torna patente com um Estado interventor na
economia.
Marcelo Rebelo de Sousa
A distino essencial no entre funes jurdicas e no jurdicas, mas entre funes
independentes e dominantes, por um lado, e funes dependentes e subordinadas, por
outro.
Funes independentes ou dominantes:
Funo poltica definio e prossecuo pelos rgos do poder polticos dos interesses
essenciais da coletividade, realizando em cada momento as opes mais adequadas.
Funo legislativa prtica de atos provenientes de rgos constitucionalmente
competentes para o efeito e que revestem a forma externa de lei.
Atos polticos que no revestem a forma de lei: programa de Governo (artigos 163. e188.), voto de confiana e moes de censura (artigos 193. e 194.). Existncia de leis sem
contedo poltico, mas versando sobre matria essencialmente administrativa.
Carcter essencialmente vinculado de ambas as funes no plano constitudo. No plano
constituinte errado pretender que se exercem de forma ilimitada.
Lei em sentido material: de disposio de contedo genrico e abstrato, isto , aplicvel a
um nmero indeterminvel de destinatrios e a um nmero indeterminvel de situaes.
Lei em sentido formal: forma de ato legislativo (artigo 112. da Constituio).
Exigncia de um conceito material para certas categorias de leis: leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias, segundo o artigo 18., n. 3, da Constituio.
Funo jurisdicional atividade de resoluo de conflitos de interesses pblicos e privados
(elementos material) atravs de rgos independentes (elementos orgnicos) rodeados de
garantias de imparcialidade e colocados numa posio de passividade (elementos formais).
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Funo administrativa execuo de leis e satisfao de necessidades coletivas que por
prvia opo poltica incumbe ao Estado prosseguir, sendo estas tarefas entregues a rgos
inseridos numa hierarquia, dotados de iniciativa e visando a prossecuo do interesse
pblico.
Cumpre ainda assinalar: quanto funo jurisdicional, a possibilidade de adotarem assentos
(diferenciam-se da lei pela falta de iniciativa, pela falta de liberdade conformativa, e pela
falta de auto reversibilidade); quanto funo administrativa, os regulamentos (normas
jurdicas de carter geral e abstrato e execuo permanente, emanada de uma autoridade
administrativa em matria da sua competncia; distino da lei: carcter subordinado lei
atravs da reserva de lei nenhum regulamento sem autorizao da lei e da precedncia
de lei nenhum regulamento contra a lei e nenhum regulamento sem aplicar o regime da
lei).
Regulamentos diretamente fundados na Constituio?
As funes do Estado na Constituio
Primado legislativo do Parlamento e relevncia do conceito material de lei
1) Conceito material de lei no artigo 18., n. 3.2) Primazia legislativa do Parlamento atravs da reserva de competncia legislativa do
parlamento (artigos 164. e 165.), leis de valor reforado (artigos 112., 166. e
168., n. 6), instituto da apreciao parlamentar de atos legislativos (artigo 169.),
carter no absoluto do veto presidencial (artigos 136. e 279.).
18. Princpio da separao de poderes
Antecedentes: Locke e a distino entre poder legislativo, executivo (executar a lei, mas
tambm envolvendo a prerrogativa) e poder federativo (definio da poltica de defesa
nacional, de segurana interna e externa do Estado e ainda poltica externa).
Montesquieu poder legislativo, executivo (corresponde ao federativo de Locke) e judicial.
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Mas a Constituio fala de separao e interdependncia, ou freios e contrapesos, checks and
balances, vnculos.
Quais so:
- Veto presidencial (artigo 136.)
- Referenda ministerial dos atos do Presidente (artigo 140.)
- Apreciao parlamentar dos decretos-leis do Governo (artigo 169.)
-Moo de censura e de confiana (artigos 195.)
Tribunais esto fora da rede de controlos polticos (cf., no entanto, a fiscalizao
preventiva)
Origem histrico-emprica da trade funcional.
Separao de poderes: instrumento de diviso, mas tambm de racionalizao. Assim:
parlamento lugar de deliberao; Gov. e Ad. lugar de ao; tribunais dizer o direito.
Da a independncia dos tribunais e a sua subordinao apenas lei e Const. Isto
significa: (i) os tribunais dizem todo o direito e no s o direito legal; (ii) s os tribunais
dizem direito; (iii) os tribunais s dizem direito. Da princpio da reserva de jurisdio.Neutralidade e apoliticidade desta funo.
Todos os poderes so jurdicos ideia matriz do Estado de direito. Isto significa um
avano em relao ao entendimento tradicional da separao de poderes, no mbito do
qual o poder executivo, por exemplo, no era integralmente submetido lei.
Reservas de funo
Reserva de jurisdio absoluta, sem derrogaes ou excees.
Reserva de legislao relativa Gov. tem competncia legislativa e normativa. Todavia,
exprime-se de vrios modos: i) reserva de competncia absoluta e relativa; ii) apreciao
parlamentar de decretos-leis; iii) reviso constitucional no admite propostas do Governo;
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iv) fiscalizao preventiva e veto podem ser superadas por confirmao dos diplomas, o
que no sucede com os diplomas do Gov.
Reserva de administrao muito relativa parlamento pode fazer leis medidas; reserva de
administrao no tem ncleo material firme, como a reserva de lei. Principais reservas de
administrao: i) reservas de administrao autnoma (autonomia local, universidades); ii)
reserva de execuo da lei [artigo 199., c)]; iii) reserva de poder de organizao s o
Governo; iv) reserva de regulamentos autnomos, no fundados na lei.
Um exemplo do alcance da reserva da funo executiva -nos dado pelo Ac. TC 214/2011.
Neste Ac. discutia-se a seguinte questo: a Assembleia da Repblica enviou ao Presidente,
para ser promulgado como lei, um decreto determinando o seguinte: deve o Governo
iniciar os procedimentos, negociais, legais e regulamentares, que conduzam adoo de um
novo modelo de avaliao de desempenho dos docentes que produzir efeitos a partir do
prximo ano letivo; entretanto, fica suspenso o modelo j existente, o que implica que,
at entrada em vigor do novo, sejam aplicveis os procedimentos de avaliao que,
definidos por despacho, refletiam as opes anteriores s do modelo existente. O decreto
regulamentar que incorporava este ltimo fica revogado.
Quanto questo da revogao do regulamento, sem que ao efetuar essa revogao, o
parlamento revogue, derrogue ou abrogue, direta ou implicitamente, a competncia de
regulamentao que nessas situaes se encontrava deferida ao Governo:
Um ato legislativo do Parlamento que, mantendo intocados os parmetros legais
em funo dos quais determinada atividade administrativa h -de ser prosseguida ea atividade normativa derivada necessria h -de ser desenvolvida, se limita a
revogar a regulamentao produzida ao abrigo dessa mesma legislao que o
Governo continua a ter de executar, priva este rgo de soberania dos instrumentos
que a Constituio lhe reserva para prosseguir as tarefas que neste domnio lhe
esto constitucionalmente cometidas [maxime artigos 182., ltima parte, 199.,
alnea e), primeira parte, e 199., alnea c), da CRP], quebrando toda a racionalidade
do sistema de separao e interdependncia entre rgos de soberania. o prprio
pressuposto da responsabilidade poltica do Governo, na estrutura tridica de
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organizao do poder poltico constitucionalmente definida (artigo 190. da CRP),
que assim o exige, porque dificilmente se concebe o funcionamento de um sistema
de responsabilidade poltica de um rgo perante atuaes totalmente
heterodeterminadas ou para cuja prossecuo foi privado dos meios instrumentais
de ao autnoma. Procede, pois, quanto norma do artigo 3. do decreto a
imputao de violao do princpio de separao e interdependncia dos rgos de
soberania.
Quanto obrigao de iniciar processo de negociao sindical:
A AR no pode ordenar -lhe a prtica de determinados actos polticos ou a adoo
de determinadas orientaes (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 414).
Designadamente, no pode faz-lo sem previamente alterar os parmetros legaisdessa atividade, no domnio das competncias.
19. Organizao do poder poltico
O Estado moderno uma entidade jurdica autnoma, centro de direitos e deveres. Porque
no tem uma realidade fsica, ao contrrio da pessoa singular, pode ter a forma de pessoa
coletiva.
Personalidade qualidade de ser portadora de direitos e deveres.
Pessoas coletivas de tipo associativo conjunto de indivduos que se aglutinam para
prosseguirem em conjunto determinados fins comuns no lucrativos.
Fundaes assentam em fundo patrimonial afetado prossecuo de no lucrativa de
determinados objetivos.
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Sociedades caraterizam-se pela coexistncia de elementos pessoais e patrimoniais, mas
destaca-se a estrutura corporativa e a prossecuo de objetivos economicamente
interessados.
Estado-coletividade uma pessoa coletiva de tipo associativo. Aspeto fundamental a sua
vontade ser expressa atravs de rgos. Problema: saber em que condies as vontades
psicolgicas individuais dos membros, expressas de uma certa maneira, vinculam todos os
associados. , em grande medida, o problema da representao poltica.
Vontade funcional vontade imputada pessoa coletiva e que a vincula. Quem a exprime?
Os rgos do Estado. Definio: elemento da pessoa coletiva que consiste num centro
institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivduo ou colgio dos indivduos
que nele estiverem providos com o objetivo de exprimir a vontade jurdica imputvel a essa
pessoa coletiva (Marcello Caetano).
Necessidade de distinguir entre rgo e titular, em cada momento, do rgo. Quando o
titular manifesta vontade essa vontade imputada ao rgo. Dois momentos da imputao:
do titular ao rgo e do rgo pessoa coletiva.
Classificaes:
rgos singulares e colegiais o corpo eleitoral, ou eleitorado, um rgo colegial?
Segundo o Prof. Jorge Miranda, em princpio no. Importa, todavia salientar a possvel
exceo das democracias diretas.
As assembleias de voto no so rgos porque as operaes e resultados nelas verificados
s adquirem significado a posteriori(cf. Funes, rgos e Atos do Estado, 1990, pp. 98-99, 112
e ss.).
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O eleitorado no rgo pelas seguintes razes: 1) a sua composio no fixa, nem se
exige nmero mnimo de membros para deliberar; 2) o seu funcionamento intermitente,
ao contrrio do dos rgos de soberania; 3) nos eleitores so inseparveis os interesses
funcionais e os interesses pessoais ou do grupo (J. Miranda, ob. cit., p. 114).
Em estudo posterior, Jorge Miranda argumenta que se a eleio uma via de formao e
manifestao da vontade do Estado no pode deixar de ser um rgo a entidade que elege.
Apresenta como caso paralelo o das associaes e sociedades, em que compete s
assembleias gerais a eleio, respetivamente, dos membros de direo e dos
administradores. Sendo aquelas assembleias gerais rgos tambm o seria o eleitorado,
assembleia geral dos eleitores28. Segundo o mesmo autor, no possvel negar ao eleitorado,
pelo menos no caso do referendo, a categoria de verdadeiro rgo do Estado por ele
formar, direta ou indiretamente, uma vontade que a este imputvel.
rgos simples e complexos, consoante compreendam, ou no, no seu seio outros rgos
do Estado. O Governo um rgo complexo, uma vez que abrange vrios rgos: o
Primeiro-Ministro, os ministros e os secretrios de Estado.
rgos deliberativos e consultivos
rgos hierarquizados e independentes
Competncia dos rgos conjunto de poderes jurdicos que a lei confere a determinado
rgos para o desempenho da sua funo, sendo normalmente estabelecida em razo da
matria e do lugar.
28 Cf. J. Miranda, O Eleitorado, rgo do Estado, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor MarcelloCaetano no Centenrio do Seu Nascimento, vol. I, Coimbra Editora, 2006, p. 716. No mesmo sentido, cf. Jellinek,Teoria, p. 538 e ss.; G. Meyer, Lehrbuch, pp. 18-19.
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Representao jurdica e poltica A ideia geral da representao consiste num exerccio,
ou numa atuao, por parte de uma pessoa em prol de outrem. Essa atuao vai repercutir-
se na esfera jurdica do beneficirio29.
Neste sentido, os rgos do Estado no representam o Estado, na medida em que estamos
dentro da mesma pessoa jurdica (cf. Meyer, Lehrbuch, p. 18). No entanto, fala-se na
doutrina constitucionalista de rgos representativos, para designar os rgos do Estado
cujos titulares detm a representao poltica do povo.
O que distingue, pois, a representao jurdica, isto , a representao enquanto instituto do
direito privado, da representao poltica? Segundo Bluntschli, citado por Carl Schmitt30, a
repres