bibliografia de cultura material!

Upload: pedro-beresin

Post on 21-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    1/9

    CULTURA MATERIAL

    A IMAGEM E O DISCURSO DE MODA

    Objetivo

    Analisar de que maneira a Cultura Material pode ser construda pelas imagens.

    Tpicos

    1| Construo da Material

    2| Roupa Fala?

    1| Construo da Material

    O uso de objetos como fonte de pesquisa atividade conhecida e praticada por museus e instituies afins desde a Antiguidade Veja no Glossrio), como vimos na aula anterior. Nesses espaos encontramos o

    colecionismo sistematizado de objetos curiosos, importantes, nicos, emblemticos depositados em localatribudo para armazenagem e exibio de conhecimento.

    No sculo XIX, a arqueologia se apressou em desvendar culturas desconhecidas Velha Europa e, atravs de

    grandes e pequenas expedies dispendiosas, grupos de homens associados a Museus enciclopdicos da Frana eda Inglaterra encontram, resgatam, catalogam, estudam, exibem e publicam seus achados numa sistemticabastante iluminista e nem sempre satisfatoriamente cartesiana daherana romntica oitocentista Veja noGlossrio)

    .

    As expedies arqueolgicas do sculo XIX geraram uma massa de trabalhos museais (ligados a museus) quedariam conta da catalogao e posterior estudo de objetos que refletiam, de acordo com os interesses dascincias humanas, culturas, suas formas de produo e diferenciao identitria por comparao a outras

    culturas. Esses trabalhos realizados em museus possibilitaram a elaborao de fichas de identificao e sistemasde observao de objetos que permitiriam seu reconhecimento visual, atravs da descrio de suascaractersticas fsicas, de sua articulao (quando possvel) e de um breve histrico sobre a origem geogrfico-cultural da pea.

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    2/9

    A sistematizao das referncias ligadas aos objetos em museuspermitiu ainda a construo de um saber baseado neste tipo de fonte,porm, de forma a insistir nas suas caractersticas visuais e materiais

    como prova ilustrativa do que fontes mais tradicionais, como a prprianarrativa de expedicionrios, transformariam em histria. Issosignifica dizer que o objeto de museu do sculo XIX at meados do XXtinha seu uso majoritariamente restrito a estudos visuais e de

    produo ligados cultura de determinado povo, mas apenas emmedida suficiente a refletir e concordar com fontes escritas ou orais,como vimos na aula passada.

    Nos anos de 1970, as relaes de ensino-aprendizagem engendradasnos e pelos museus europeus e norte-americanos passou por umprocesso de repensar o papel social, cultural e institucional dessesespaos de armazenagem e exibio de histria. A Nova Museologia

    no tendia apenas a questionamentos sobre o papel do museuenquanto agente de fomentao cultural e guardio do patrimnio histrico, mas principalmente s questes denacionalidade, tica e prticas museais especificamente apropriadas s suas realidades. A partir deste perodo, aorganizao museal questionada em sua forma e estrutura, em sua filosofia e ao prtica ao mesmo tempo

    em que a interdisciplinaridade se afirma como urgncia seja para o museu, seja para a Cincia Museolgica, sejapara o exerccio e a formao profissionais, cada vez mais se torna patente a profissionalizao como umanecessidade que, entretanto, no encontra reconhecimento em muitos pases, sobretudo nos chamadosperifricos (Guarnieri 1989: 10).

    O repensar a museologia acompanhou movimentos semelhantes de questionamentos e discusses sobre prticasde trabalho em outras reas. Na dcada anterior, especialmente no ps-maio de 1968 francs, havia umapreocupao na vanguarda intelectual com a continuidade irrepreensvel de anlises generalistas e enrijecidas

    pelo costume iluminista e cartesiano de mtodos empregados pelas cincias no mundo moderno. Novas teorias dalinguagem e cultura eram desenvolvidas para analisar vrias formas de discurso e cultura. Saussure, Foucault,Barthes, Henry Lefebvre, Lvi-Strauss, Baudrillard, entre muitos outros, buscaram na fuso de aspectos da crticaao pensamento marxista a estudos sobre o consumo, a mdia, a sensualidade e a moda, novas formas de pensar

    o fazer e o consumir (Kellner 1989:2-3). Coisas e palavras passaram a fazer parte constante nas anlises sobre omundo ps-guerra.

    Estudos elaborados a partir da cultura material sentiram reverberar as novas teorias. A batalha contra a corrente

    principal das cincias sociais nos anos de 1970 e 80 em que a cultura material era ainda insistentementeobservada em sua importncia enquanto forma material ser questionada exatamente por permitir que, emsendo trivializado, o objeto capaz de absorver mecanismos de reproduo social e ideolgica dominantes (Miller1998: 3). De acordo com Daniel Miller, editor fundador da revista acadmica The Journal of Material Culture, o

    desenvolvimento de estudos em cultura material um processo que passou por duas fases.

    A primeira, representada em trabalhos publicados no final da dcada de 1970 e 1980 (Bourdieu 1977 Miller1987 Appadurai 1986), representa a etapa em que foi preciso discutir que as coisas tm importncia no mundo

    acadmico e que o foco no mundo material no torna os objetos fetiche, uma vez que eles so umasuperestrutura separada dos mundos sociais (Miller 1998: 3). Esta primeira fase originou abordagens a questesligadas materialidade variando entre a cultura material anloga ao texto e como suas aplicaes modelosscio-psicolgicos (Miller 1998: 3).

    A segunda fase, tratada por Miller em Material Cultures why some things matter (1998), lida com opressuposto de que a importncia das coisas j tenha sido explorada e exposta na primeira fase. Esse segundomomento dos estudos em cultura material experimentado atualmente est centrado na questo da diversidade da

    materialidade das coisas e de seus mundos em contextos distintos e, portanto, prope que estes estudos no

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    3/9

    sejam reduzidos modelos do mundo social pr-existente ou a preocupaes restritas a subdisciplinas como oestudo da arquitetura ou o estudo dos tecidos (Miller 1998: 3). Miller defende a idia de que exatamente naespecificidade do estudo de determinada coisa, de sua materialidade especfica que podemos ter acesso a

    processos culturais em que disciplinas e fontes mais tradicionais tenderam a negligenciar. Por manter-seindisciplinar, tais estudos, porm, no se concentram em uma rea restrita do saber e nem fazem parte de umadeterminada disciplina ou reunio de disciplinas, o que dificulta a produo numerosa de trabalhos cujapreocupao central seja a materialidade (Miller 1998: 4-5).

    Estudos que consideraram temas bastante especficos dentro da perspectiva de cultura material, foram feitosparalelamente a estudos histricos, especialmente na Europa, levando em conta questes regionais (espaciais) etemporais.

    De acordo com Miller, algumas das produes mais influentes vieram da Antropologia e se preocupavamsobretudo com a natureza das mercadorias e com o consumo. Exemplo destes trabalhos o de Appadurai(1986). Houve ainda contribuies da rea de estudos sobre a mdia e, mais recentemente, de estudos ligados

    museus, particularmente aqueles ligados ao colecionismo como atividade exercida em sociedades industrializadas(Miller 1998: 4).

    Dependendo da perspectiva em que analisamos o que seja cultura material, poderemos incluir desde estudos

    mais tradicionais existentes em campos como a etnologia, antropologia e sociologia, at estudos marginais, comoaqueles em design, arquitetura e Moda. Em muitos casos, portanto, a Cultura Material melhor identificvelcomo um meio e no um fim. Miller a chama de tecnologia de investigao (Miller 1998:5). Uma das razes pelasquais a Cultura Material no se desenvolveu como um foco prioritrio de estudo deve-se a ser acusada de

    fetichismo. Assumiu-se que os ideais das anlises culturais seriam usurpadas pela proeminncia dada ao objeto, oque resultaria em distoro ou mesmo negligncia da vida cultural em estudo.

    Para no fetichizar os estudos que envolvam pesquisa baseada em objetos, porm, recomendvel observar

    caractersticas das ferramentas e fontes usadas nesta atividade. primordial, por exemplo, diferenciar a culturamaterial (o objeto), da lingstica (Miller 1998: 5). Miller acredita que a lingstica lida com fontesestruturalmente semelhantes. Os domnios da lingstica, ele afirma, so relativamente especficos, o que inclui amundo escrito, o discurso e a gramtica (Miller 1998: 5). Em comparao, o universo da cultura material

    infinitamente mais diversificado e, apesar de ser possvel estabelecer estruturas de estudo para as coisas como feito para as palavras, esta atividade seria improdutiva , possivelmente, desnecessria, visto que cada objeto temsua biografia, sua especificidade material. Miller diz:

    Diferentemente da linguagem, no podemos esperar poder enumerar os tipos e variedades dentro dos

    quais o mundo material possa ser categorizado e, ns estaremos rapidamente conscientes de que

    qualquer tentativa de o fazer impe vrias classificaes arbitrrias sobre o que , na verdade, um

    mundo infinitamente criativo e hbrido (Miller 1998: 6).

    Essa questo da diversidade talvez seja um dos grandes bloqueios para a reunio de uma massa crtica detrabalhos que representem a Cultura Material em oposio lingstica, por exemplo. Porm, exatamente nadiversidade que podemos propor novas formas de anlises sociais e culturais e, provavelmente esse ponto que

    torne a Cultura Material to significante para o estudo de questes culturais. Isso significa dizer tambm que, aotentarmos construir uma teoria da cultura material, ou mtodos e formas de anlises de objetos, no podemosperder de vista a importncia de considerarmos em primeiro plano as especificidades do nosso objeto de estudo.

    Uma das crticas mais ferrenhas feitas por Daniel Miller sobre a produo acadmica ligada Cultura Material que os autores tendem a se reunir em divises axiomticas, ou seja, sobre o guarda-chuva de reas comoEstudos Museais, Estudos de arquitetura e, por que no?, dizer estudos da Moda. Miller acredita que, com estadiviso explicitada na produo de peridicos para essas reas de estudo, no contribui para a formao de

    pensamento crtico sobre a importncia da cultura material para a compreenso mais ampla de formas eatividades culturais humanas.

    No universo das anlises resultantes de estudos em cultura material, o objeto o ponto de partida na pesquisa, e

    no o resultado ou a ilustrao dela.

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    4/9

    Os novos trabalhos em cultura material retomaram a mxima de que ns somos, vivemos e reagimos matria,s coisas.

    1.1 Glossrio

    Desde a Antiguidade

    De acordo com Waldisa Rssio Guarnieri, desde o desastre de Alexandria (sculo I a.C.), at a abertura doLouvre (sculo XVIII), o termo museu fica oficialmente congelado: fala-se, ento, em tesouros, penetralia,gabinetes de raridades e de curiosidades, em galerias... mas em museus, jamais! (GUARNIERI 1989: 8).

    Herana romntica oitocentista

    Classificado como o segundo momento do desenvolvimento dos museus, o sculo XIX marca a passagem doMuseu do Iluminismo para o Museu do Romantismo, cujos modelos podem ser tomados no Louvre, Museu do

    Prado e Museu Britnico (este, j prenunciando o movimento do pensamento que seria o Romantismo). Nestemomento, temos a reabilitao e consagrao definitiva do termo museu, um aclaramento das reflexes sobre aorganizao dos museus que ainda se manisfestam como organismos eclticos, porm j com a preocupao demaior abertura (...). A burguesia triunfante leva para as organizaes museais seus padres estticos,

    organizacionais e polticos os museus refletem a classe e seus conservadores so ungidos com a qualificaode notrio saber, cuja respeitabilidade est na razo direta de seu reconhecimento pela classe dominante e deacordo com os seus critrios (GUARNIERI 1989: 9).

    2| Roupa Fala?

    Ao menos uma coisa certa: ns podemos usar a roupa para falarmos alguma coisa sobre ns ou sobre umassunto que nos interessa. importante frisar aqui o PODEMOS. Isso quer dizer que esta possibilidade existe, ela

    nos acessvel, mesmo considerando as extenses e os limites dessa acessibilidade.

    Talvez um exemplo bastante bvio dessa possibilidade sejam as camisetas com fotografias de pessoas conhecidasnossas. Assim, possvel estampar o rostinho do filho recm-nascido e sair num domingo de manh para um

    passeio no parque, em famlia. Desnecessrio escrever na camiseta, se bem que ainda assim possvel, os dizeresmeu amor ou mame te ama. O sorriso do beb estampado no peito da me combinado com o ar de satisfaoe prazer dessa mulher que vo nos transmitir o clima de maternidade bem sucedida. uma situaoabsolutamente plausvel, eu acredito que vocs concordariam comigo.

    A predominncia das imagens em nosso mundo encobre questes vitais do processo de produo e difunde aidia de que o que material chato e difcil enquanto que o que imagem fantstico e facilmente assimilado.

    Nesta aula, trataremos da indiscutvel supremacia da massificao da aparncia, mas traremos perspectivas deum lugar para as sensibilidades individuais existirem dentro de processo industrial de Moda.

    Vamos refletir aqui sobre como nosso gosto por coisas bem resolvidas, limpas e de aparncia perfeita,controlada, nos desviou da nossa relao mais sensvel com as coisas que usamos inclusive roupas e sapatos.

    Mesmo quando pensamos na desconstruo e no pauperismo com estilos rasgados e do tipo mendigo sendovendidos por grifes consagradas, no nos enganemos, os materiais usados so de alta tecnologia, bem como astcnicas de produo e as estratgias de divulgao e marketing. O que parece desleixado e fora de controle estbem da verdade na ponta do lpis de grandes grupos que controlam as marcas.

    Quando Winona Ryder foi presa em dezembro de 2001, acusada de cleptomania por ter roubado algumas peas

    de roupa em Beverly Hills, falsificado receitas mdicas para comprar drogas e depois, em 2002, por roubarroupas de grife na loja de departamentos Saks na 5a Avenida em Nova York, o mundo da Moda em breve se

    renderia quilo que j vinha acontecendo h tempos, mas que no havia tomado as propores que tomaria

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    5/9

    neste caso. As imagens e a idia de uma cleptomanaca que, no se importando com os perigos a sua volta comocmeras de segurana ou mesmo o reconhecimento de sua fama, avana avidamente sobre artigos de luxo queela poderia bem comprar mas que prefere roubar, poderia ter sido apenas mais uma pequena manchete em

    jornais de grandes cidades no fosse essa mulher uma atriz globalmente reconhecida e associada ao glamoure aoesprito da doce beleza americana.

    No demoraria em que esta imagem fosse reproduzida em uma campanha publicitria do estilista Marc Jacobs,

    que usou a prpria Winona em cenas fotogrficas decadentes onde est implcito o vexame extensamenteexplorado pela mdia internacional. Vergonha transformada em aura e mote publicitrio que ajudou a criar umadistino da coleo primavera/vero de 2003 de Marc Jacobs como algo raro, subversivo e luxuoso, afinal, no

    todo cleptomanaco que poderia ter tamanho assdio e mdia espontnea como teve Winona. Transformar oevento em instrumento de glamourizao da Moda foi apenas uma rpida sacada do estilista e sua equipe queencontraram uma boa receptividade entre os leitores de Vogue, Harpers Bazar e outras revistas de Moda queveicularam a campanha.

    No houve, porm, nenhuma insinuao de que os produtos veiculados naquela campanha fossem inovadores oucriativos. Nenhuma ateno foi dada pela imprensa ao que realmente encontraremos venda nas lojas: asroupas, os acessrios e os perfumes. como se a materialidade desses produtos fosse de tal forma inundado

    pela representao da cena pecaminosa de Winona, que os atributos fsicos desses objetos fossem infinitamentemenos importantes do que a aura subversiva atribuda a eles atravs de imagens representadas nas revistas.

    Este apenas um dos muitos exemplos que podemos encontrar na Moda nos ltimos anos em que vemos o

    mundo material a que estamos sujeitos na produo dos objetos ser mascarado pelas visualidades da Moda. Ouseja, a imagem, as representaes e as idias atribudas maciamente pelos shows e difundidos globalmentepelas mdias tornaram-se o grande foco das indstrias e consumidores de Moda.

    Os objetos que compramos e que fazem parte do nosso dia-a-dia precisam ter uma aura que no ser identificadopor ns atravs de nossos sentidos tteis, olfativos, etc, mas sim por uma idia previamente veiculada emgrandes redes de comunicao. Por de trs desta rede de representaes est um mundo subterrneo e pouco

    conhecido de relaes srdidas de trabalho, cpias, pirataria e distino social a que o jornalista americanoNicholas Coleridge chamou de Fashion Cosnpiracy , a conspirao da Moda e que o dineasta brasileiro MarceloMasago representou em seu filme 1,99: o supermercado que vende palavras (2003).

    Parece haver, portanto, um confronto constante entre materialidade e discursos ou realidade e representao. Por

    isso, escolhi a palavra ROUPA ao em vez de MODA quando perguntei: ROUPA FALA? Num mundo ps-moderno ouhiper-moderno onde a Sede no nada e a imagem tudo (trocadilho com a recente campanha publicitria dorefrigerante Sprite), a moda conceitual, fantasiosa e alimenta-se da imagem. J a roupa a constataomaterial dessa moda. exatamente este antagonismo que fez surgir junto com os novos usos da cultura material

    uma crtica aos estudos semiticos da moda. Uma dessas linhas tericas, impulsionada pelo ingls Daniel Miller,observa que a leitura da imagem de moda como linguagem pode levar formulao distorcida de algumas

    realidades (vou record-los da nossa camiseta com a fotografia do beb e das vrias estrias que ela podedesencadear). Vamos ento refletir:

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    6/9

    A roupa fala ou nos serve de suporte para o nosso prprio discurso?Se existe essa fala, ela autnoma ou ela acontece em conjunto com o seu principal suporte, o corpo?

    A roupa sem o suporte corpo, se cala quando est esvaziada e inanimada no armrio, na vitrine, no

    museu, na galeria de arte ou na passarela de um desfile como o de Ronaldo Fraga (Corpo Cru)?

    No estudo da semitica de moda, a pesquisadora italiana Patrizia Calefato uma das mais publicadas. O seutrabalho um exemplo daquilo que o alvo de crtica de autores cujos trabalhos sejam centrados em cultura

    material, uma vez que baseado no pensamento de que:

    'A linguagem articulada pela sintaxe, um sistema de regras que garante a ela suas conexes

    internas, possibilitando a sua expresso. A moda (DRESS) articulada por um tipo de sintaxe

    socio-cultural, que poderia ser chamado de "costume" no contexto de sociedades tradicionais ou

    de funes ritualsticas, ou "moda" no contexto da modernidade e de funes estticas.

    Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1,Issue 1, 1997, pp.69-90, p. 70.

    Ela continua seu discurso colocando as implicaes desse sistema de linguagem no contexto social:

    'do ponto de vista do sujeito que cria a moda, a coleo dos elementos que formam essa sintaxe

    se apresenta como um sistema organizado com relao ao mundo na verdade, como uma

    linguagem, ou, para usar uma outra expresso, como um sistema de signos, a moda um

    pedao da sociedade materializado em objetos, estilos, ritos e modos de embelezamento

    corporal.

    'Se o vestir uma linguagem, ento, moda um sistema de sinais verbais e no verbais atravs

    do qual essa linguagem se expressa no contexto da modernidade.

    Patrizia Calefato, Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body in Fashion Theory, Volume 1,Issue 1, 1997, pp.69-90, p. 70.

    Um dos aspectos centrais no trabalho da Patrizia Calefato a idia de que a moda faz parte da "nova mdia",mesmo sendo esse um jargo usado para indicar simplesmente a mdia digital, ao passo que a moda enquantosistema de signos tenha existido em perodos anteriores produo em massa.

    Outra questo relevante colocada por Patrcia a de que esse sistema de signos na moda, inevitavelmente incluio corpo. Nesse sentido, o corpo uma performance, uma construo da identidade material, a dimensomundana da subjetividade. ele que d vida roupa.

    A crtica feita a essa teoria por pesquisadores cujos estudos so baseados na anlise de objetos que existeminstncias e esferas inerentes moda que no podem ser vistas na superfcie da imagem. Existemdesdobramentos da moda que no querem se revelar atravs da fala, seja ela uma linguagem verbal ou no

    verbal. No captulo do livro Cultura e Consumode 1990 chamado: O vestir como linguagem - a contribuio doobjeto nas propriedades expressivas da Cultura Material , o pesquisador americano Grant McCracken desabafa:

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    7/9

    Diferentemente da linguagem, ns (pesquisadores em cultura material) no podemos esperar

    enumerar os tipos e as variedades dentro dos quais o mundo do objeto possa ser categorizado

    e, logo nos conscientizamos de que qualquer tentativa neste sentido impem vrias

    classificaes arbitrrias sobre o que na realidade um mundo infinitamente criativo e hbrido .

    Daniel Miller (ed), Material Cultures. Why Some Things Matter (London: University College London, 1998), p.6.

    Miller sugere que a generalizao da materialidade, ou seja, qualquer tentativa no sentido de construir teoriasgerais sobre as qualidades materiais dos artefatos e do commodities, deve ser complementada por outraestratgia que aborde a especificidade do domnio material em que a forma do objeto em si empregada dentro

    da nossa cultura. De acordo com essa linha de raciocnio proposta por Miller, a Cultura Material seria mais umveculo do que um resultado alcanado. Ela uma tecnologia da investigao que concentra uma diversidade dehabilidades que se unem de acordo com o objeto em estudo. Assim, diferentemente da semitica, a CulturaMaterial no clama um posto, um status de cadeira acadmica.

    Na moda contempornea, a predileo pela leitura da moda como linguagem, tm apresentado seus reflexos nascriaes nacionais. Essa problemtica est formada em primeiro lugar pela tentativa perpetuada pela histria damoda em se datar estilos e nomear perodos rigidamente delimitados, procurando, desta forma, gerar uma lgica

    linear de transformaes estticas da moda, guiadas por sua vez, por mudanas sociais. Portanto, o aprendizadodo passado da moda j feito atravs da imagem, ou seja, primeiro a saia era em A, depois em H e S.Infelizmente, a relao ntima, individual e nica da pessoa com sua roupa perdeu-se com o tempo.

    A outra questo a de que a roupa s fala atravs do corpo. disso, na verdade, de que se alimenta a NewMedia comentada por Patrizia Calefato. Ora, uma vez sem corpo, a roupa perde sua validade e s vai readiquir-la com a moda vintage ou de brech. Esse foi um outro limite histrico imposto aos infinitos jogos que existem esempre existiram entre a nossa cultura material e nossos hbitos sociais. O consumo da roupa no termina no ato

    da compra, mas ele se estende na transformao dessa roupa numa nova pea, ou quando ela transforma-se emherana para a filha mais magra ou quando ela vira objeto de estudo em museu. Em cada uma dessas esferasdistintas, a roupa nos diz algo. No por causa de seus sinais verbais e no verbais, mas pela inteno e reaodas pessoas com relao quele objeto.

    Acredito que atravs da revalorizao do objeto em detrimento da mdia geradora de imagens que a criao emmoda vai nos sacudir a todos novamente. Enquanto isso no acontecer, as esferas criativas em moda estarorestritas Marca (territrio da leitura planejada), aosDesfiles (territrio da legitimizao da leitura planejada,

    atravs dos corpos) e da vanguardistaWearable Art (territrio do exerccio da criatividade que alia a fantasia realizao).

    3| Saiba Mais

    Para saber mais sobre a campanha Free Winona , visite o sitewww.freewinona.com.

    4| Bibliografia

    ANDRADE, Rita. A Roupa como documento histrico uma nova abordagem em estudos sobre Moda inEspao Crtico (www.modabrasil.com.br), abril de 2001.

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    8/9

    APPADURAI, Arjun (ed.).The Social Life of Things. Commodities in cultural perspective . CambridgeUniversity Press, 1986.

    ATTFIELD, Judy.Wild Things. The material culture of everyday life . Berg, 2000.

    BOUCHER, Franois.Histoire du Costume . Paris: Flammarion, 1996.

    BURKE, Peter.A Escola dos Annales 1929-1989 . A revoluo francesa da historiografia. So Paulo: Unesp,1997.

    CALEFATO, Patrizia. Fashion and Worldliness: Language and Imagery of the Clothed Body inFashion Theory,

    Volume 1, Issue 1, 1997, p.69-90.

    CEVASCO, Maria Elisa.Dez Lies sobre Estudos Culturais . So Paulo: Boitempo, 2003.

    DURAND, Jos Carlos. Moda, luxo e economia. Editora Babel Cultural, 1988.Fashion Theory a revista da moda, corpo e cultura.

    GUARNIERI, Waldisa Rssio. Museu, Museologia, Muselogos e Formao inRevista de Museologia . So

    Paulo, Instituto de Museologia de So Paulo, 1989, v.1, n.1, pp.7-11.

    HALL, Stuart et alli.Culture, Media, Language . Londres: Hutchinson, 1980.

    HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence.A inveno das tradies . 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

    HOGGARTH, Richard.As utilizaes da cultura . Trad. M.C. Cary. Lisboa: Presena, 1973.

    HORTA, Maria de Lourdes Parreiras (et al).Guia Bsico de Educao Patrimonial . Braslia: Instituto doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional, Museu Imperial, 1999.

    KELLNER, Douglas.Jean Baudrillard. From Marxism to Postmodernism and Beyond . Stanford: Stanford

    University Press, 1989.

    LAVER, James.A Roupa e a Moda . So Paulo: Cia das Letras, 1996.

    MAROTTA, Cludia Otoni de Almeida.O que Histria das Mentalidades (Coleo Primeiros Passos). SoPaulo: Brasiliense, 1991.

    McCRACKEN, Grant.Culture and Consumption . Indiana University Press, 1990.

    MILLER, Daniel (ed.).Material Cultures. Why some things matter . Londres: University College London,1998.

    PALMER, Alexandra. New Directions: Fashion History Studies and Research in North America and England inFashion Theory. Berg: 1997, volume 1, issue 3, pp. 297-312.

    PASTOUREAU, Michel.O pano do diabo . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

    PROWN, Jules. Mind in matter: an introduction to material culture theory and method in PEARCE, Susan M.(ed.)Interpreting Objects and Collections. Londres: Routledge, 1994, p. 133-138.

    RIBEIRO, Berta G. Cultura Material: objetos e smbolos inCincia em Museus . Volume 2, outubro/1990,pp.17-26.

    ROCHE, Daniel.Histria das Coisas Banais. Nascimento do consumo sc. XVII-XIX . Trad. Ana Maria

    Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

  • 7/24/2019 Bibliografia de Cultura Material!

    9/9

    ROCHE, Daniel.The Culture of Clothing. Dress and Fashion in the Ancien Regime . Cambridge UniversityPress, 1994 (1a ed. francesa 1989).

    STALLYBRASS, Peter.O casaco de Marx. Roupas, memria, dor . Trad.Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte:Autntica, 2000.

    STEELE, Valerie. A Museum of Fashion Is More Than a Clothes-Bag inFashion Theory . Berg: 1998, volume 2,

    issue 4, pp. 327-336.

    SUANO, Marlene.O Que Museu . (Coleo Primeiros Passos). So Paulo: Brasiliense, 1986, p.35-49.

    TAYLOR, Lou.The Study of Dress History . Manchester University Press, 2002.

    WILLIAMS, Raymond.Cultura e Sociedade, 1780-1950 . Trad. Leonidas H.B. Hegenberg. So Paulo: Nacional,1969.