clemente de antologia

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Clemente de Antologia «Quem em meu nome acolher este pequenino, é a mim que acolhe» O Pedagogo, I, 21-24 «Os seus filhinhos serão levados aos ombros e consolados ao colo, vem nas Escrituras. Como à criança a quem a mãe dá consolo, também eu vos consolarei» (Is 66,12-13). A mãe chega seus filhos a si, e nós, nós procuramos nossa mãe, a Igreja. Todo o ser de pouca idade e frágil é, nessa fragilidade desprotegida, um ser gracioso, doce, encantador; Deus não recusa o seu auxílio a seres tão jovens assim. Todos os pais têm uma ternura peculiar para com seus filhos pequenos… De igual modo, o Pai de toda a criação acolhe aqueles que se refugiam junto de si, regenera-os pelo Espírito e adopta-os como filhos; conhece a sua doçura e só a eles ama, auxilia, defende; por isso lhes chama filhos (cf. Jo 13,33). O Santo Espírito, falando pela boca de Isaías, aplica ao próprio Senhor o termo filho: «Eis que nos nasceu um menino, foi-nos dado um filho.» (Is 9,5). Quem é então esta pequena criança, este recém-nascido, à imagem de quem também nós somos crianças? Pela boca do mesmo Profeta, o Espírito descreve-nos a sua grandeza: «Conselheiro admirável, Deus poderoso, Pai eterno, Príncipe da paz» (v. 6). Ó Deus tão grande! Ó menino perfeito! O Filho está no Pai e o Pai está no Filho. Poderia não ser perfeita a educação que nos dá este menino? Ela reúne-nos para nos guiar, a nós, os seus filhos. O menino estendeu-nos as mãos, e nelas pomos toda a nossa fé. Também João Baptista dá testemunho desta criança: «Eis o cordeiro de Deus», diz-nos (Jo 1, 29). Como as Escrituras designam as crianças por cordeiros, chamou “cordeiro de Deus” ao Verbo

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Clemente de AntologiaQuem em meu nome acolher este pequenino, a mim que acolheO Pedagogo, I, 21-24Os seus filhinhos sero levados aos ombros e consolados ao colo, vem nas Escrituras. Como criana a quem a me d consolo, tambm eu vos consolarei (Is 66,12-13). A me chega seus filhos a si, e ns, ns procuramos nossa me, a Igreja. Todo o ser de pouca idade e frgil , nessa fragilidade desprotegida, um ser gracioso, doce, encantador; Deus no recusa o seu auxlio a seres to jovens assim. Todos os pais tm uma ternura peculiar para com seus filhos pequenos De igual modo, o Pai de toda a criao acolhe aqueles que se refugiam junto de si, regenera-os pelo Esprito e adopta-os como filhos; conhece a sua doura e s a eles ama, auxilia, defende; por isso lhes chama filhos (cf. Jo 13,33).O Santo Esprito, falando pela boca de Isaas, aplica ao prprio Senhor o termo filho: Eis que nos nasceu um menino, foi-nos dado um filho. (Is 9,5). Quem ento esta pequena criana, este recm-nascido, imagem de quem tambm ns somos crianas? Pela boca do mesmo Profeta, o Esprito descreve-nos a sua grandeza: Conselheiro admirvel, Deus poderoso, Pai eterno, Prncipe da paz (v. 6). Deus to grande! menino perfeito! O Filho est no Pai e o Pai est no Filho. Poderia no ser perfeita a educao que nos d este menino? Ela rene-nos para nos guiar, a ns, os seus filhos. O menino estendeu-nos as mos, e nelas pomos toda a nossa f. Tambm Joo Baptista d testemunho desta criana: Eis o cordeiro de Deus, diz-nos (Jo 1, 29). Como as Escrituras designam as crianas por cordeiros, chamou cordeiro de Deus ao Verbo Deus que por ns se fez homem e que em tudo nos quis ser igual, ele, que o Filho de Deus, o menino do Pai.* * * * *Pedi e recebereis:ficareis assim repletos de alegriaEstrmata 7,7Venerar e honrar aquele que ns acreditamos ser o Verbo, nosso Salvador e nosso chefe, e, por Ele, o Pai, tal o nosso dever, no em certos dias especiais (tal como outros fazem) mas continuamente, durante toda a nossa vida e de todas as formas. "Sete vezes por dia cantei o teu louvor" (Sl 118,164), exclama o povo eleito... Por isso, no num lugar determinado, nem num templo escolhido, nem em certas festas ou em certos dias fixos, mas durante toda a vida, em todo o lugar, que o homem verdadeiramente espiritual honra a Deus, isto , proclama a sua aco de graas por conhecer a verdadeira vida.A presena do homem de bem, pelo respeito que inspira, torna sempre melhor quem com ele convive. Quanto mais aquele que est continuamente em presena de Deus, pelo conhecimento, pela maneira de viver e pela aco de graas, no se ir tornando cada dia melhor em tudo: aces, palavras e disposies!... Vivendo, pois, toda a nossa vida como uma festa, na certeza de que Deus est totalmente presente em toda a parte, trabalhamos cantando, navegamos ao som de hinos, comportamo-nos maneira dos "cidados do cu" (Fl 3,20).A orao , se o ouso dizer, uma conversa ntima com Deus. Mesmo se murmuramos suavemente, mesmo se, sem mexer os lbios, falamos em silncio, ns gritamos interiormente. E Deus volta constantemente o seu ouvido para esta voz interior... Sim, o homem verdadeiramente espiritual ora durante toda a sua vida, porque orar para ele um esforo de unio com Deus, e rejeita tudo o que intil porque atingiu aquele estado em que j recebeu, de certa maneira, a perfeio que consiste em agir por amor... Toda a sua vida uma liturgia sagrada.* * * * *Eu vim para que os homens tenham vidae a tenham em abundnciaO Pedagogo, 9, 83 ss.Doentes, precisamos do Salvador; perdidos, daquele que nos conduzir; sedentos, da fonte de gua viva; mortos, precisamos da vida; ovelhas, do pastor; crianas, do educador; e toda a humanidade precisa de Jesus. []Se quereis, podemos compreender a sabedoria suprema do santssimo pastor e educador, que o Todo-Poderoso e o Verbo do Pai, quando Ele se serve de uma alegoria, dizendo-se pastor das ovelhas; mas Ele tambm o educador dos pequeninos. Com efeito, dirige-se longamente aos ancios, por intermdio de Ezequiel, dando-lhes o exemplo da sua solicitude: Pensarei na que est ferida e tratarei da que est doente; procurarei a que se tinha perdido. A todas apascentarei com justia (Ez 34, 16). Sim, Senhor, conduz-nos aos prados frteis da tua justia. Sim, Tu, que s o nosso educador, s o nosso pastor, at tua montanha santa, at Igreja que se eleva acima das nuvens, que toca nos cus. Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu quem as far descansar (Ez 34, 15). Ele quer salvar a minha carne, revestindo-a com a tnica da incorruptibilidade. [] Clamars e Ele dir: Eis-Me aqui! (Is 58, 9). []Assim o nosso educador, bom com justia. O Filho do Homem no veio para ser servido, mas para servir (Mt 20, 28). por isso que, no Evangelho, nos aparece fatigado (Jo 4, 5), Ele, que se fatiga por ns, e que promete dar a sua vida pelo resgate de muitos (Mt 20, 28). E afirma que s o bom pastor age desta maneira. Que doador magnfico, que d por ns o que de maior tem: a sua vida! Que benfeitor, amigo dos homens, que preferiu ser irmo a Senhor deles! Que levou a bondade a ponto de morrer por ns.* * * * *No podeis servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiroH uma riqueza que semeia a morte em toda a parte em que domina: libertai-vos dela e sereis salvos. Purificai a vossa alma; tornai-a pobre para poder ouvir o apelo do Salvador que vos repete: Vem e segue-me (Mc 10,21). Ele o caminho em que avana aquele que tem o corao puro; a graa de Deus no penetra numa alma ocupada e dividida numa grande quantidade de pertencesQuem olha para a sua fortuna, para o seu ouro e para a sua prata, para as suas casas, como sendo dons de Deus, esse testemunha a Deus o seu reconhecimento vindo com os seus bens em auxlio dos pobres. Sabe que os possui mais para os seus irmos do que para si mesmo. Continua dono das suas riquezas em vez de se tornar escravo delas; no as fecha na sua alma, tal como no nelas no encerra a sua vida, mas continua, sem se cansar, uma obra que divina. E se, um dia, a sua fortuna vier a desaparecer, aceita a sua runa com um corao livre. Esse homem, Deus o declara bem-aventurado; chama-lhe pobre em esprito, herdeiro seguro do Reino dos Cus (Mt 5,3)Pelo contrrio, h quem encerre a sua fortuna no corao, no lugar do Esprito Santo. Esse guarda em si as suas terras, acumula sem fim a fortuna, s se preocupa em acrescentar sempre mais. No levanta nunca os olhos ao cu; atola-se no material. De facto, ele no mais do que p e voltar ao p (Gn 3,19). Como pode ento experimentar o desejo do Reino aquele que, em vez de corao, tem dentro de si um campo ou uma mina, aquele a quem a morte surpreender sempre no meio das suas paixes? Porque onde estiver o teu tesouro, estar tambm o teu corao (Mt 6,21).* * * * *O Cntico Novo: Ana proclamava os louvores de DeusProtrpticoQuando o Verbo estava nas alturas, Ele era e o divino comeo de todas as coisas. Mas, agora que recebeu como nome "Aquele-que-foi-consagrado", o nome de "Cristo", eu chamo-lhe "um cntico novo" (Sl 33, 144, 149, etc.). O Verbo fazia-nos existir h muito tempo, porque estava em Deus; por Ele a nossa existncia boa. Ora este Verbo acaba de aparecer aos homens, Ele que Deus e homem; Ele para ns a causa de todos os bens. Tendo aprendido com Ele a viver bem, somos por Ele introduzidos na vida eterna. Porque, como nos diz o apstolo do Senhor, "a graa de Deus, fonte de salvao, apareceu a todos os homens; ela ensina-nos a renunciar impiedade e s cobias do mundo e a viver no tempo presente com temperana, justia e piedade, aguardando com jubilosa esperana, a revelao da glria do grande Deus, Jesus Cristo, nosso Salvador" (Tt 2,11-13).Eis o cntico novo, a apario do Verbo que existia desde o princpio e que acaba de resplandecer entre ns... Porque Aquele que existia como Salvador desde sempre acaba de aparecer; Aquele que Deus apareceu como mestre; o Verbo por quem tudo foi criado apareceu. Como criador, Ele dava a vida no princpo; agora, tendo aparecido como mestre, ensina-nos a viver bem, de maneira a que, um dia, nos possa dar, enquanto Deus, a vida eterna. No foi hoje a primeira vez que Ele teve piedade de ns por andarmos perdidos; foi desde o princpio.* * * * *Bem-aventurados os pobres em esprito (Mt 5, 3)Homilia: Os ricos salvar-se-o?No se trata de rejeitar os bens susceptveis de ajudar o prximo. da natureza das posses serem possudas; como da natureza dos bens difundir o bem; Deus destinou-os ao bem-estar dos homens. Os bens esto nas nossas mos como ferramentas, como instrumentos dos quais retiramos bom uso, se soubermos manipul-los. [...] A natureza fez das riquezas escravas, e no senhoras. No se trata, pois, de as depreciar porque, em si mesmas, no so boas nem ms, mas perfeitamente inocentes. S de ns depende o uso, bom ou mau, que delas fizermos; o nosso esprito, a nossa conscincia, so inteiramente livres para disporem sua vontade dos bens que lhes foram confiados. Destruamos, pois, no os nossos bens, mas a cobia que lhes perverte o uso. Quando nos tivermos tornado virtuosos, saberemos us-los com virtude. Compreendamos que esses bens dos quais nos mandam desfazermo-nos so os desejos desregrados da alma. [...] Nada lucrais em largar o dinheiro que tendes, se continuardes a ser ricos em desejos desregrados. [...]Eis de que forma concebe o Senhor o uso dos bens exteriores: temos de nos desfazer, no de um dinheiro que nos permite viver, mas das foras que nos levam a us-lo mal, ou seja, das doenas da alma. [...] Temos de purificar a nossa alma, isto , de a tornar pobre e nua, para nesse estado ouvirmos o chamamento do Salvador: Vem e segue-Me. Ele o caminho que percorre aquele que tem o corao puro. [...] Este considera que a fortuna, o ouro, a prata, as casas que possui, que tudo isso so graas de Deus, e mostra-Lhe o seu reconhecimento socorrendo os pobres com os seus prprios fundos. Ele sabe que possui esses bens, mais para os irmos do que para si mesmo; longe de se tornar escravo das suas riquezas, mais forte do que elas; no as encerra na sua alma. [...] E, se um dia o dinheiro lhe desaparecesse, aceitaria a runa com a felicidade dos melhores dias. esse o homem, afirmo eu, que Deus considera bem-aventurado e a quem chama pobre em esprito (Mt 5, 3), herdeiro certo do Reino dos Cus, que est fechado queles que no souberam desprender-se da sua opulncia.