constitutividade da didÁtica e constituvidade...
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CONSTITUTIVIDADE DA DIDÁTICA E CONSTITUVIDADE DOCENTE:
SABERES, PRÁTICAS E DIVERSIDADE
O presente painel se organiza em torno de três artigos que se completam e que têm em
comum, em primeiro lugar, o objetivo de discutir saberes docentes na formação inicial e
continuada de professores. Em segundo lugar, dois deles tratam da diversidade, das
relações étnico-raciais em aulas de Didática e da inclusão, sendo que o terceiro discute
saberes silenciados da formação docente. Em terceiro lugar, analisam discursos
docentes em contextos diferenciados, por meio de práticas de escrita: o primeiro utiliza
entrevistas com universitários, o segundo toma relatórios escritos de estágio e o terceiro
analisa discursos presentes no gênero discursivo ensaio. O primeiro artigo trata do
estudo da diversidade cultural na aula integrada de Didática e Currículo, em turmas do
terceiro período do Curso de Pedagogia de uma universidade estadual, cujos dados
foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas. Os depoimentos dos
universitários confirmaram a imprescindibilidade do estudo étnico-racial na formação
docente. O segundo analisa práticas pedagógicas de dois professores de Educação
Básica, no atendimento a dois alunos de inclusão, a partir de relatórios de uma
estagiária, que acompanhou alunos de inclusão, o que possibilitou reflexão e análise de
posturas dos docentes e suas ações inclusivas (ou não) na interação com os alunos. Já, o
terceiro artigo tem como objetivo compreender que saberes e práticas se manifestam nas
enunciações discursivas de docentes em exercício no Ensino Fundamental e no Ensino
Médio de Língua Portuguesa e que saberes silenciam, a partir de uma situação de
produção escrita. Este painel se apresenta, desse modo, como uma rica oportunidade de
levantar contribuições para se desenhar uma nova constitutividade para a Didática.
Palavras-chave: Saberes Docentes. Diversidade. Didática.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
10402ISSN 2177-336X
O ESTUDO DA DIVERSIDADE NA AULA DE DIDÁTICA E CURRÍCULO:
UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS UNIVERSITÁRIOS
Marilza de Oliveira Santos – UEMG
RESUMO
Este artigo trata do estudo da diversidade cultural na aula integrada das disciplinas de
Didática e Currículo, em turmas do terceiro período do Curso de Pedagogia da
Faculdade de uma universidade Estadual de Minas Gerais. Tem como objetivos analisar
a importância do estudo das relações étnico-raciais na formação do docente dos anos
iniciais do Ensino Fundamental e descrever o papel da Didática na formação desse
profissional, na visão dos universitários. Seu relato transcreve o desenvolvimento e os
resultados de uma pesquisa, de abordagem qualitativa, realizada durante o primeiro
semestre de 2015, com 80 estudantes do curso através de atividades desenvolvidas inter
e extraclasse e entrevistas semiestruturadas. A metodologia da análise do discurso de
Fairclough (2001) possibilitou desenvolver reflexões e debates sobre as relações étnico-
raciais na sala de aula, embasadas, também, pelas pesquisas de Munanga & Gomes
(2006). A leitura e as discussões baseadas em Bakhtin (2003) subsidiaram essa análise e
a construção de uma visão crítica dos universitários a respeito da importância da
Didática na formação de professores do Ensino Fundamental, assim como os estudos de
Zabalza (2004), Pimenta (2004), Nóvoa (1992), dentre outros pesquisadores. Os
depoimentos dos universitários confirmaram a imprescindibilidade do estudo das
relações étnico-raciais na formação docente, estudo esse considerado uma oportunidade
ímpar de poderem ser compreendidas, aprendidas e respeitadas as diferenças de cada
cultura na figura de seus portadores. Finalmente, o relato dos estudantes confirmou a
importância da Didática como disciplina estruturadora de uma formação adequada dos
docentes, preparando-os para o trabalho em diversos contextos e para uma prática
transformadora na sala de aula.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais. Práticas discursivas. Didática.
INTRODUÇÃO
Este artigo visa analisar a necessidade de se estudar as relações étnico-raciais na
escola e descrever a importância da Didática na formação de professores para a
Educação Básica, analisada pela ótica de alunos de um Curso de Pedagogia de uma
Universidade do Estado de Minas Gerais. Tem por base uma pesquisa de abordagem
qualitativa realizada durante o primeiro semestre de 2015, através de entrevistas
semiestruturadas com 80 estudantes do terceiro período do curso. Como suporte, foi
utilizada a metodologia da análise do discurso de Fairclough (2001), na demonstração
da possibilidade de se desenvolverem práticas pedagógicas que possibilitem uma
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reflexão consciente sobre as relações étnico-raciais na sala de aula, e segundo, dentre
outros autores, as pesquisas de Munanga & Gomes (2006), Nóvoa (1992), Bakhtin
(2003), Zabalza (2004), Pimenta (2004) foram selecionados para leitura orientadora dos
alunos na busca de uma visão crítica da contribuição da Didática.
Partindo do pressuposto de que a linguagem constitui sujeitos e é um lugar de
conflitos, de confronto ideológico (Bakhtin, 2003), elegeu-se, como campo de
experiência para a investigação do assunto, as aulas integradas das disciplinas de
Didática e Organização Curricular, de duas professoras do Curso de Pedagogia.
Tal escolha se justifica devido à importância de se trabalhar na universidade, em
parceria, disciplinas que se complementam, o que amplia a possibilidade de se
reestruturarem práticas pedagógicas vigentes, assim como de se desenvolverem novos
hábitos de exame de problemas. No estudo das relações étnico-raciais, a reunião
teoria/prática visava proporcionar não só a aquisição conjunta de conhecimentos sobre a
temática, mas, especialmente, a reflexão crítica sobre posturas racistas nem sempre
claramente perceptíveis pelos discentes na sala de aula e, consequentemente, na prática
social, assim como no exercício futuro do magistério na Educação Básica.
Os discursos discentes captados através das entrevistas com os alunos de duas
turmas do terceiro período do curso serviriam ao objetivo de se compreender em que
medida a aula integrada contribuiria para o conhecimento da diversidade cultural,
especificamente das relações étnico-raciais na educação escolar, bem como entender
qual a importância da Didática nessa formação docente.
Esse artigo estrutura-se da seguinte forma: além dessa introdução, explicita-se a
importância da aula integrada nas disciplinas Didática e Currículo, apresentando-se uma
discussão sobre o mito da democracia racial e o currículo escolar.
A partir da análise de discurso analisam-se os enunciados dos universitários em
relação ao estudo às relações étnico-raciais, a discussão sobre a diversidade cultural e a
importância da Didática na formação docente. Por fim, nas considerações finais
apontam-se algumas perspectivas da constitutividade da Didática na atualidade.
2. AS RELAÇÕES ÉTNICO –RACIAIS NA AULA INTEGRADA DE DIDÁTICA
E ORGANIZAÇÃO CURRICULAR.
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A aula integrada de Didática e Currículo mostrou-se um espaço fundamental de
discussão para a diversidade cultural, em especial para as relações étnico-raciais na sala
de aula. Nela foram propostos aos universitários trabalhos com temáticas sobre
pluralidade cultural, gênero, cidadania, sexualidade, ética, meio ambiente, indígenas,
quilombolas e relações étnico-raciais. Essa última temática é que servirá de objeto para
esse artigo.
O Mito da Democracia Racial
Considerando o contexto de uma democracia racial que ainda induz a uma
discriminação da população negra no Brasil, relegando-a a uma vida indigna e com
privações, conforme mostra Bento (2000), observa-se que essa ideologia é incorporada
ao discurso das anticotas raciais, conforme mostra Munanga & Gomes (2006). A
discussão sobre as cotas, que representam uma estratégia de ação afirmativa, parece ser
a única ideia que os discentes conheciam sobre a temática étnico-racial.
Algumas pesquisas, como os estudos desenvolvidos por Fúlvia Rosemberg
(1985, 1987, 2001), Ana Célia da Silva (1995), contribuíram para estudos que
demonstraram a discriminação racial nas escolas, especificamente nos livros didáticos.
Daí o alerta para ser trabalhada a valorização de todas as culturas no âmbito escolar.
Neste sentido, então, estudar e aprofundar as discussões sobre a questão étnico-racial na
formação docente é de especial importância para a compreensão do quadro geral da
educação brasileira e também para discutir a essência do racismo. É preciso atentar-se
para o artigo 242, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988: ―o ensino da História
do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro‖. E, também, para as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana.
Não obstante, ainda hoje se percebe que a escola brasileira, ao ser questionada
sobre a implementação de uma educação antirracista, vive, segundo mostra Gomes
(2010, p. 102), ―uma tensão entre configurar-se como um direito social para todos e, ao
mesmo tempo, respeitar e reconhecer as diferenças. Daí, a escolha do questionamento
de Gomes (2010, p.103), proposto aos discentes para o debate da questão das relações
étnico-raciais nas aulas: ―Por que a discussão sobre a questão racial e a diversidade não
se constitui em um dos eixos da reflexão educacional e dos currículos escolares
brasileiros?‖
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O currículo escolar
O currículo escolar tem sido em diferentes épocas e regiões, um instrumento de
orientação sobre o que ensinar aos alunos para formar um determinado perfil de sujeito
almejado pela sociedade.
Historicamente, tais sujeitos têm sido preparados para as funções do trabalho
(subordinados), ou para as funções do comando (subordinantes), conforme as condições
socio-econômico-culturais (cf Platão, 2004, p.111). Nesse cenário, conforme mostra
Silva (2007, p. 148): ―a formação da consciência — dominante ou dominada — é
determinada pela gramática social do currículo‖.
Para Silva (2007, p.15), ―as teorias do currículo deduzem o tipo de
conhecimento considerado importante justamente a partir de descrições sobre o tipo de
pessoa que elas consideram ideal‖. Contudo, falta, nesse painel, a figura da diversidade,
ou seja, da relação entre grupos diferentes, entre pessoas diferentes, pois, diante do
contato, as pessoas e as culturas se modificam produzindo novas características.
Como se pode perceber, ―o currículo é lugar, espaço, território, é a relação de
poder. No currículo se forja nossa identidade‖, porque, como bem afirma Silva (2007,
p.150), ―o currículo é documento de identidade‖. Assim, privilegiar na escola um tipo
de conhecimento cultural em detrimento de outro é uma operação de poder.
Nas escolas o currículo se constitui de múltiplas narrativas. Por isso é
fundamental observar o currículo em suas ações e efeitos, na formação docente, pois
como bem afirma Silva (2007, p. 26) ―nós fazemos o currículo e ele nos faz‖. Que
culturas são apresentadas e quais são silenciadas nos currículos escolares?
3. ANÁLISE DISCURSIVA DOS DISCENTES SOBRE AS RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS, DIVERSIDADE E DIDÁTICA.
O dialogismo na aula Integrada.
Para Bakhtin (1992), a alteridade é a condição da identidade, ou seja, os outros
constituem dialogicamente o eu que se transforma dialogicamente num outro de novos
outros eus. Nesse aspecto, cada pessoa deve passar pela consciência do outro para se
constituir. Desse modo, as vozes são sempre vozes sociais, que manifestam as
consciências valorativas e que reagem a algo nos enunciados.
No contexto das aulas integradas das disciplinas de Didática e Currículo, três
questões se demonstraram relevantes de serem discutidas com os discentes com
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diferentes práticas pedagógicas - pesquisas, debates, teatralização, seminários, produção
de vídeos, programas de TV, júri simulado, dentre outras atividades que permitiram o
desenvolvimento das aulas. As perguntas formuladas aos alunos visavam identificar se
os estudos das relações étnico-raciais e da diversidade eram importantes e qual a
importância da Didática na formação do professor.
As respostas dos discentes revelaram uma consciência valorativa sobre, em
especial, o preconceito e a discriminação racial e a função da Didática na análise desses
procedimentos em sala de aula; possibilitaram verificar que conhecimentos teriam sido
construídos pelos alunos e/ou que possíveis mudanças teriam resultado das leituras e
discussões propostas, considerando que segundo Fairclough (2001) os sujeitos, embora
sejam moldados pelas práticas discursivas, são também capazes de remodelar e
reestruturar essas práticas.
Para melhor compreender os discursos dos alunos, foi escolhida uma amostra de
08 (oito) discentes, nomeados ficticiamente pelos nomes de Marta, João, Clara, Romeu,
Sara, Cátia, Vitória e Júlio.
As vozes dos discentes sobre as relações étnico-raciais
Para a aluna Marta é necessário ter consciência das diferenças culturais
resultantes da formação da etnia dos diferentes povos. A discussão sobre as relações
étnico-raciais ensinou a aluna ―a não ser racista‖. A declaração da aluna confirma a
existência do racismo e aponta para a fala de Silva (2011, p. 86): ―deve-se tolerar e
respeitar a diferença porque sob a aparente diferença há uma mesma humanidade‖.
O discente João não só contextualiza a problemática do combate à discriminação
racial, mas também aponta para a necessidade de se observarem as próprias atitudes e
julgamentos, comuns nas práticas cotidianas, muitas vezes, discriminatórias, sem que se
perceba tal fato. Essa reflexão remete aos estudos sobre as desigualdades raciais na
educação, como os de Munanga (1996), Gonçalves (2000), Gomes (2001), reveladores
das penalizações dos negros através da sua exclusão do sistema formal de ensino.
Gomes (2010) alerta para o fato de que, ainda quando os negros conseguem uma
ascensão social, não deixam de sofrer em situações racistas, nas quais são tratados, no
mínimo, com desconfiança. Como retrata João é inegável o fato de que vivemos um
momento ―de grande combate à discriminação racial e com essas discussões
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enriquecemos nosso conhecimento e começamos a observar melhor nossas atitudes e
julgamentos feitos muitas vezes sem perceber devido a estereótipos que existem na
sociedade‖.
Segundo Lima (2004), é necessário tanto preparar profissionais para ministrar
aulas, quanto para debater os conteúdos sobre a diversidade cultural que promovam um
conhecimento sobre a história brasileira. A importância desse debate é ressaltada pela
aluna Clara quando afirma que a disciplina integrada ao tratar das relações étnico-raciais
trouxe ―conhecimentos mais exatos e nos deu a oportunidade de expressarmos e
interagirmos dentro de sala de aula‖.
Já o aluno Romeu, ao considerar que deve haver ―uma política de valorização
da diversidade para que as pessoas sejam reconhecidas por suas atitudes perante o
mundo e não por sua etnia‖, remete ao alerta de Bakhtin (2003, p.77), quando diz ―não
posso representar o outro de modo diferente: tudo o que conheço do interior dele e em
parte vivencio empaticamente eu lhe insiro na imagem externa como num recipiente que
contém o seu eu‖.
A fala de Sara e Cátia remetem ao currículo oculto (Silva, 2011), pelo qual as
pessoas constroem atitudes, valores e comportamentos que as levam a se ajustarem na
sociedade pela submissão e conformismo segundo regras e códigos ―disfarçados‖. Pois
segundo a discente ―as questões abordadas geralmente ficam esquecidas ou até mesmo
disfarçadas por preconceitos que julgamos não existir ou não possuirmos‖.
Segundo relata a aluna Cátia é importante uma relação onde haja respeito entre
as pessoas, pois para a discente ―as relações interpessoais regem a sociedade e o
respeito à tolerância são fundamentais para uma convivência saudável‖, principalmente
na sala de aula. Neste sentido, como bem aponta a aluna Vitória, o estudo desenvolvido
propiciou o embasamento teórico para posturas pedagógicas que valorizam a
diversidade e instrumentalizou os discentes para o combate ao preconceito na escola,
lembrando, conforme mostra Cortesão & Stoere (1999), que as diferenças são
invisibilizadas, negadas e silenciadas no currículo e nas escolas, e, nesse sentido, os
processos pedagógicos são marcados por um caráter monocultural, não se enxergam as
diferenças.
Vitoria: Foi muito importante estudar sobre as relações étnico-raciais na
disciplina integrada, pois este estudo nos deu embasamento teórico para que
possamos ter uma postura pedagógica que valorize a diversidade e nos
instrumentaliza para que possamos combater os preconceitos na escola e na
sociedade. Faz se necessário ―tornar mais visíveis e audíveis, rostos e vozes
que até então permaneceram em silêncio" (Rosenfeld,1997) e isto só será
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possível se tivermos disciplinas como as integradas que favorecem a
pesquisa, o estudo e a sensibilidade do profissional da educação de trabalhar
a construção da identidade comprometida com a cidadania.
No dizer de Júlio, percebe-se que o estudo feito de forma integrada proporcionou
a ele e aos discentes ―compreenderem melhor as temáticas ainda pouco exploradas na
sala de aula que em breve estaremos atuando‖. De fato, no currículo universitário, essas
temáticas também estão silenciadas, e a Didática, de forma geral, ainda não deu conta
de incorporar, na formação docente, a discussão desses estudos, em qualquer dos cursos
de Pedagogia.
As vozes dos discentes sobre o estudo da Diversidade
Em relação à diversidade, Marta considera que o papel do professor é o de abrir
horizontes para os educandos inclusive na análise de posturas sociais, da diversidade, no
caso em pauta, pois essas questões fazem parte do cotidiano brasileiro e, em
consequência, da vivência em sala de aula.
Marta: Estudar a diversidade cultural só fortalece ainda mais a importância
do papel do professor na vida de seus alunos, pois se aquele que esta ali para
conduzir o ensino-aprendizagem tiver uma mente aberta, respeitável e culta
sobre essa temática, de certo contribuirá notoriamente para que seus alunos
não sejam pessoas preconceituosas e ainda contribuirá para abrir os
horizontes de conhecimento de seus educandos.
Segundo os estudantes João, Romeu e Clara a diversidade cultural deve ser
discutida na formação docente como subsídio para ―a formação pessoal e profissional
do professor‖. Pois na medida em que conseguir reexaminar seus próprios conceitos, o
docente deverá estar preparado para a orientação das crianças quanto a avaliarem os
delas na compreensão das diversas culturas, considerando que todas apresentam
características próprias, diferenciadas, o que deve ser respeitado. É o que regem tanto a
Constituição Brasileira, quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº
9394/1996, quando tratam do conhecimento, respeito e valorização de todas as raízes
culturais que constituem a nação.
É nesse contexto que Sara confirma o importante papel do professor na
transformação da realidade e o estudo da diversidade, pois para a discente ―é o que o
profissional da educação vai encontrar em sua prática já que o nosso país é tão diverso
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culturalmente‖. Assim, é necessário que o docente esteja preparado para exercer seu
trabalho com competência e profissionalismo, pois, para alcançar êxito, a escola ―não
pode improvisar‖ (BRASIL, 2004, p. 15).
Finalmente, a discente Cátia contextualiza a realidade atual das escolas,
criticando a terceirização que acontece hoje na educação. Considera essencial que o
―educador esteja atento às mudanças da sociedade a fim de se tornar um profissional
capacitado a compreendê-las e interagir com elas‖. Nas palavras de Freire (1998, p. 15):
―Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa [...]. Foi assim, socialmente aprendendo,
que ao longo dos tempos, mulheres e homens perceberam que era possível – depois
preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar‖. Um desses caminhos é o
combate ao racismo e ao preconceito, pois conforme Moreira e Candau (2003, p. 163):
―muitos dos relatos sobre situações de discriminação mostraram, também, que a escola é
palco de manifestações de preconceitos e discriminações de diversos tipos‖.
Vitória: A partir do momento em que conhecemos através de estudos
científicos as origens da sociedade brasileira, sua constituição por diferentes
grupos étnico-raciais e sociais que caracterizam em termos culturais,
abriremos importantes canais para o respeito às diferenças e para luta contra
as distintas formas de discriminação existentes em nossa sociedade, bem
como o resgate da autoestima e a construção da identidade social. Somados,
esses canais contribuirão para o desenvolvimento de um país mais justo e
mais humano, que irá favorecer: alunos professores e sociedade a respeitar o
direito à cidadania de cada povo. É preciso responder ao racismo, ao
preconceito e a discriminação num conhecimento, embasado no campo das
ciências sociais, tais como: a Sociologia, Antropologia, Filosofia, Etnologia,
História, Antropologia, etc.
A aluna Vitória e também Júlio reiteram a necessidade de estudos sobre as
questões da diversidade da sociedade brasileira na formação docente, imprescindível
para que os docentes compreendam o quanto podem ajudar a combater, minimizar e até
eliminar racismos e discriminações ainda existentes na sociedade, pois de acordo com o
aluno a importância de estudar estas temáticas ―é instigar o aluno do curso de pedagogia
a ter uma visão mais ampla, para no futuro quando tiver que enfrentar as diversidades
culturais saiba lidar com sabedoria e tirar proveito do acontecido‖.
As vozes dos discentes sobre a importância da Didática na formação docente.
A Didática tem como objeto de estudo o processo de aprendizagem escolar em
sua totalidade. É uma disciplina que articula o conhecimento teórico-científico com o
técnico-prático. Daí por que ela se articular com outras disciplinas com as quais pode
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propiciar aos futuros docentes fundamentarem suas práticas e refletirem sobre ela. De
acordo com Libâneo (2002, p. 144), ―a didática não se limita ao fazer, só ação prática,
mas também se vincula às demais instâncias e aspectos da educação formal.‖
Em relação à Didática, Marta a percebe como sendo instrumental, orientadora do
como executar a prática e salienta a ―postura da professora de Didática daquele período‖
pelo diálogo autêntico entre docente e discente. Considera que essa disciplina deveria
ser cursada do primeiro ao oitavo período, nessas bases da importância pedagógica de
escutar o aluno e ouvir suas histórias, pois ―escutar, no sentido aqui discutido, significa
a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a abertura à fala do
outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro‖. (FREIRE, 1991, p. 135).
A discente reitera que a Didática praticada dessa maneira é importante porque
tais questões ficam ―esquecidas ou até mesmo disfarçadas nas escolas‖, no currículo
oculto, conforme mostra Tadeu (2011), principalmente do curso de formação docente.
Remete também às Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações
étnico-raciais, quando afirma que a escola tem papel fundamental para ―eliminação das
discriminações e para emancipação dos grupos discriminados‖. (BRASIL, 2004, p.15).
Marta considera que a Didática foi fundamental para instrumentalizar os alunos
e lhe possibilitou tanto alcançar resultados satisfatórios na compreensão do processo
educativo, manejo de classe, planejamento e avaliação, quanto ajudou na reflexão sobre
a diversidade cultural e a relacionar teoria e prática.
Marta: Claro que sim, pois é através da didática que aprendemos o manejo
em sala de aula, aprendemos o planejamento que é nosso braço direito para
uma boa relação de ensino-aprendizagem, aprendemos a usar a avaliação
como método de colaboração para o desenvolvimento do aluno, entre outras
vantagens. Mas em relação a postura do professor, penso que esse
aprendizado é mérito da excelente professora que tivemos. A didática é uma
disciplina que deveria ter em todos os cursos de pedagogia do 1 ao 8 período.
Os alunos João e Clara e Romeu, mostram como a Didática ajudou nas suas
práticas, sendo ―uma disciplina das mais importantes‖ para a aluna e também para João,
pois conforme relata o aluno, ele ―aprendeu a focar nos objetivos e adquiriu maior
autonomia no trato com os conhecimentos‖. É importante observar nesses dizeres dos
alunos o processo de articulação teoria-prática que os estudantes conseguiram
estabelecer na sala. De acordo com Freire (2000, p.27), ―ensinar e aprender se vão
dando de tal maneira que quem ensina aprende‖. Ao relatar que a Didática ajuda todos
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os envolvidos a obterem, no processo educativo, ―resultados satisfatórios‖, Romeu
aponta a importância da avaliação no processo pedagógico. (ZABALA, 1998).
Verifica-se em todos os discursos, que os discentes consideraram a Didática
como essencial na formação docente, e alguns conseguiram percebê-la para além de
uma disciplina instrumental. Esses relatos ajudaram as docentes formadoras a avaliarem
que as disciplinas de Didática e Currículo ainda precisam desenvolver muitas práticas
pedagógicas integradas. Percebeu-se que a Didática, historicamente, ainda não
incorporou na formação docente superior essas discussões.
Para Sara a Didática é ―extremamente importante e enriquecedora, com grande
contribuição na formação do professor, é uma ponte mediadora entre a teoria e prática
docente‖. No entender de Cátia a disciplina é mais do que importante, é fundamental,
pois a Didática fornece o conhecimento necessário para o emprego de uma metodologia
―eficiente, na qual planejamento, execução e avaliação são utilizados com otimização de
tempo e recursos, a fim de atingir o objetivo principal do processo de ensino e
aprendizagem: o aluno‖. E, finalmente, para Vitória a Didática é uma área do
conhecimento que ajuda a elucidar o conhecimento do profissional de como atuar. Que
―implicações e consequências podem ter o modo que atuo? Quais as melhores
estratégias eu posso utilizar para facilitar a aprendizagem dos meus alunos por uma
aprendizagem mais significativa‖? A Didática deve, segundo a aluna proporcionar ao
professor a articulação entre a teoria e a prática pedagógica, pois é o reconhecimento do
―fazer pedagógico, ensinar o quê, como, para quem e para quê? Em quais condições?
Sem a Didática a aprendizagem não acontece, ou se acontecer é de forma muito
superficial‖. Neste sentido, avalia-se que, nesta integração, das disciplinas de Didática e
Organização Curricular, houve o que se pode chamar de uma constitutividade da
Didática, na medida em que essa disciplina deu conta não só do como fazer, mas
também do pensar sobre esse fazer.
CONCLUSÃO
O trabalho das relações étnico-raciais na formação docente foi importante,
considerando que esses estudos nem sempre são trabalhados na disciplina de Didática e
ainda ficam silenciados na de Currículo. Por isso a integração das disciplinas foi
essencial para que as propostas alcançassem os objetivos propostos e resultados
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satisfatórios para docentes e discentes em âmbito pessoal e profissional, e, possibilitasse
o resgate da discussão da identidade das pessoas negras e o estudo da Lei Federal
10.639/2003. O estudo com as temáticas ainda não trabalhadas pela área, possibilitou a
constitutividade da Didática, pois, além da instrumentalidade, reuniu reflexão, análise e
síntese, numa articulação teoria-prática.
Observou-se que todos os discentes ressaltaram que o estudo da diversidade
propicia uma reflexão sobre as práticas racistas e discriminatórias que ainda existem na
sociedade e que debater sobre a diversidade promove o respeito às diferenças, bem
como resgata a autoestima e contribui para o processo ensino-aprendizagem.
Por fim, pode-se considerar que os estudos da diversidade, especificamente das
relações étnico-raciais, fizeram ecoar muitas vozes silenciadas no currículo do curso de
Pedagogia e promoveram o diálogo, a reflexão e o desenvolvimento de saberes até então
não trabalhados.
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AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS DE ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA EM UMA ESCOLA PÚBLICA
Maria de Lourdes Teixeira – UEMG
Marilza de Oliveira Santos – UEMG
de Oliveira Santos- UEMG
RESUMO
O presente artigo visa analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas por dois
professores de Educação Básica, no atendimento a dois alunos de inclusão. Essas
práticas foram observadas e apresentadas nas aulas da disciplina de Didática, por uma
aluna do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de
Minas Gerais. Essa discente é uma bolsista inserida no Programa Institucional de Bolsa
de Incentivo a Docência (PIBID), que tem como papel estratégico e estruturante formar
professores para lidar com os complexos desafios da educação. Para desenvolver essas
observações, realizou-se uma pesquisa qualitativa de observação participante, com
docentes de uma escola pública municipal em Belo Horizonte durante um ano. Utilizou-
se como instrumento cinco relatórios elaborados pela bolsista PIBID. Os dados
analisados neste trabalho foram coletados através de relatórios elaborados e
apresentados pela discente. Escolheu-se para análise as práticas pedagógicas das
professoras. A pesquisa se ampara teoricamente nos conceitos de formação docente
encontrados em (Tardif, 2011; Morin, 2005); de práticas pedagógicas (Duk, 2005;
Sacristán, 1999; Gómez, 1998; Perrenoud, 1999; Vásquez, 1997; Zabala, 1998) e de
inclusão conforme (Jesus et al.,2009; Machado, 2005; Mantoan, 1998; Rodrigues, 2005;
Sassaki, 2003), que possibilitam a reflexão e análise de posturas dos docentes e suas
ações inclusivas na interação com os alunos. Os resultados apontam que a atuação da
bolsista do PIBID com os dois docentes, favoreceu não apenas o contato com a
realidade da inclusão nas escolas públicas municipais, mas também permitiu à discente
vivenciar práticas inclusivas diferenciadas, bem como proporcionou uma reflexão e
discussão de todos os graduandos nas aulas de Didática, de repensar e rever os
paradigmas acerca da inclusão na escola.
Palavras – chave: Prática pedagógica- Inclusão- Formação.
I. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa analisar a percepção de uma aluna estagiária de um Curso
de Pedagogia, com base em práticas pedagógicas inclusivas desenvolvidas por duas
professoras de educação básica em uma escola pública. Esse enfoque se justifica pelo
fato de ser a inclusão um tema que merece ainda ser debatido no âmbito da formação de
professores. A metodologia adotada foi a Pesquisa Participante, realizada pela interação
da aluna do Programa Institucional de Bolsa de Incentivo a Docência (PIBID), nos anos
de 2013 e 2014, com duas docentes nomeadas ficticiamente por Laura e Sandra, sendo o
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primeiro ano com Laura e o segundo com Sandra. A bolsista, nomeada de Clara
permaneceu na escola duas vezes por semana, durante 04 (quatro) horas, acompanhando
os mesmos os alunos durante os dois anos de pesquisa. Utilizou-se como instrumentos
cinco relatórios. Para a análise dos dados da observação da prática inclusiva elegeu-se
as práticas pedagógicas docentes.
Partindo do pressuposto de que a prática pedagógica é um elemento fundamental
na transformação da escola, buscou-se os fundamentos deste trabalho nos conceitos de
formação docente (Tardif, 2011 e Morin, 2005), nas práticas pedagógicas de (Duk,
2005; Sacristán, 1999; Gómez, 1998; Perrenoud, 1999, Vásquez, 1997; Zabala, 1998) e
na inclusão (Jesus et al.,2009; Machado, 2005; Mantoan, 1998; Rodrigues, 2005;
Sassaki, 2003).
Neste contexto, Duk (2005, p. 65) destaca que ―a atitude e o estilo de ensino do
docente representam fatores primordiais para assegurar o êxito de todos [e que] uma
nova abordagem educacional pressupõe pensar o ensino a partir de uma atitude aberta,
flexível e, sobretudo, reflexiva em relação à própria prática educacional‖. Assim, a
prática pedagógica inclusiva deveria ser aquela em que o (a) professor (a), considera a
diversidade de seus alunos (as) e tenta atender suas necessidades educacionais,
flexibilizando as ações voltadas para o acesso à participação social e ao conhecimento.
É na direção desse olhar que segue o presente artigo.
No centro das observações feitas pela estagiária estão dois alunos com
Necessidades Educacionais Especiais, que foram atendidos por duas professoras com
ações e práticas pedagógicas diferenciadas. Estes estudantes responderam de forma
diferenciada às distintas ações destas professoras, em relação à postura comportamental
e à realização das atividades.
Essa singularidade também justifica a escolha e a motivação da estagiária pela
importância de verificar in lócus a indissociabilidade entre a prática e a teoria, na
formação docente, ressaltada pelos professores do curso de pedagogia. E, mais ainda,
pela necessidade da estagiária de ―pisar no chão da sala de aula‖ e experienciar práticas
docentes inclusivas.
Ainda, para efeito do artigo, entende-se a prática como uma atividade
manifestada no momento do trabalho que visa o alcance de objetivos definidos. A
prática caracteriza-se pela "transformação real, objetiva, do mundo natural ou social
para satisfazer determinada necessidade humana" (VÁSQUEZ, 1997, p.194). Portanto,
pode-se dizer que a prática pedagógica é uma ação desenvolvida pelo sujeito que ensina
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10417ISSN 2177-336X
com vistas a alcançar uma transformação no sujeito que aprende e que, para tanto,
lança mão de instrumentos e meios diversos para alcançar seus objetivos.
Esse artigo foi estruturado da seguinte forma: além de uma introdução, apresentou-se
uma contextualização teórica sobre as concepções que amparam as práticas inclusivas
docentes. Em seguida elaborou--se a análise das categorias advindas de espaço de sala de aula
e práticas inclusivas e, finalmente, teceu-se as conclusões.
2. AS CONCEPÇÕES SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOCENTES E A
INCLUSÃO.
Uma discussão sobre práticas pedagógicas pode levar-nos a outras análises que
giram em torno da Didática e das Teorias Pedagógicas, objetos de estudo desde o
Século XVII, começando por Comênio passando por Herbart no Século XVIII e Dewey
no Século XX, dentre outros estudiosos. No Brasil, tal discussão tem em José Carlos
Libâneo, Vera Maria Candau, Maria Rita N. Sales de Oliveira, Ilma Passos, Luiz Carlos
Freitas, Demerval Saviani entre outros, seus principais expoentes.
Vale-se, assim, da definição apresentada por Zabala (1998), que afirma que as
práticas pedagógicas podem ser representadas pelas ações de ensino e aprendizagem
que são realizadas no processo educacional e formativo, que visam a transformação dos
sujeitos envolvidos no ato educativo.
As práticas pedagógicas evidenciam os métodos, os instrumentos, os tempos,
espaços e os recursos elaborados e/ou utilizados pelos educadores com o objetivo de
mediar à construção do conhecimento por parte do estudante. Representam, portanto, as
ações intencionais do educador que possibilitam – ou facilitam – a aprendizagem.
(ZABALA, 1998).
Desta forma, devido ao seu caráter intencional, as práticas pedagógicas
desenvolvidas pelos educadores, revelam suas concepções de conhecimento, de mundo,
de homem, educação, mesmo que estas não lhes sejam conscientes e que haja
incoerência entre os seus discursos e suas atuações, pois as práticas pedagógicas são
também práticas sociais complexas. (TARDIF, 2011).
Entre os instrumentos e métodos adotados pelo professor/instrutor em numa
relação pedagógica, evidenciamos os materiais, técnicas e os recursos didáticos
utilizados, como livros, vídeos, textos, músicas, apostilas, experiências; a organização
do espaço físico e a disposição dos alunos na sala de aula/local de formação; aulas
expositivas; seminários; trabalho em grupo; pesquisas; a escolha dos conteúdos que
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serão trabalhados; a relação (ou não) desses com o mundo do trabalho e com a realidade
do aluno, dentre outros. (ZABALA, 1998). Entretanto, a prática pedagógica do
professor não se resume à simples execução de métodos e de técnicas, pois a ―realidade
social e, concretamente, a realidade da aula é sempre complexa, incerta, mutante,
singular e carregada de opções de valor‖ (GÓMEZ, 1998, p. 83, in: SACRISTÁN &
GÓMEZ, 1998).
A INCLUSÃO NA ESCOLA
A inclusão social e escolar das pessoas com necessidades educacionais especiais
está se desenvolvendo através de estudos, pesquisas e é marcada pela luta contra os
preconceitos que vêm contribuindo para o trabalho dos profissionais da educação,
facilitando questões envolvidas nesse processo de inclusão.
A educação das pessoas com deficiência ainda acontecia, quase que
exclusivamente, nas escolas especiais, em ambientes segregados. Mudanças em relação
a essa prática começaram a acontecer na década de 1960. Surgiram investimentos em
serviços especializados. Esse movimento contribuiu para o surgimento do princípio da
normalização, ou seja, as pessoas diferentes deveriam se assemelhar à maioria, para
poderem participar dos espaços sociais. Esse princípio da normalização foi a base para o
modelo de inserção nas escolas regulares denominado integração. De acordo com
Mantoan (1998, p. 145) ―a normalização visava tornar acessíveis às pessoas socialmente
desvalorizadas, condições e modelos de vida análogos aos que são disponíveis, de um
modo geral, às pessoas de um dado meio ou sociedade‖.
A integração dos alunos com necessidades especiais é uma das mais importantes
consequências do princípio de normalização. É um processo de inserção da pessoa com
necessidades educacionais especiais no ensino regular e pode ser conceituada como um
fenômeno complexo que vai muito além de se colocar ou se manter esses indivíduos
sem classes regulares. De acordo com Sassaki (2003), a integração propõe inserção
parcial do sujeito, enquanto que a inclusão propõe inserção total.
A inclusão, apoiada numa visão ampliada do processo de ensino aprendizagem,
parte do princípio de que todos podem aprender e de que suas diferenças devem ser
respeitadas e trabalhadas. Por isso, a escola comum torna-se um lugar fecundo para a
construção de novos referenciais para essas crianças. Incluir requer postura crítica por
parte dos educadores em relação aos saberes escolares e à forma como tais
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10419ISSN 2177-336X
conhecimentos podem ser trabalhados. Incluir implica considerar que a escola não é
uma estrutura pronta, acabada, inflexível.
É importante ressaltar que o movimento por uma educação inclusiva não nega
que as síndromes, as deficiências e o sofrimento psíquico existam. A diferença é que
estas questões passaram a serem consideradas como acontecimentos a que todos estão
expostos e com os quais devem aprender a lidar. Nesse sentido, a educação inclusiva é
uma proposta que requer disponibilidade para mudanças, pois implica o reconhecimento
de que as pessoas não aprendem as mesmas coisas da mesma forma.
A Educação Inclusiva é regulada por várias normas e encontra seu fundamento
na Constituição Federal de 1988, que determina igualdade de condições de acesso a
permanência na escola a todos nas escolas regulares. Entretanto, ainda há uma
insegurança e o despreparo docente diante da demanda da educação para as pessoas
com deficiência. O processo de inserção que predomina a integração.
3. A ESCOLA COMO CAMPO DE PESQUISA: O CONTEXTO DAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS NA REDE MUNICIPAL.
A escola onde se realizou o projeto localiza-se em um bairro da região norte, no
município de Belo Horizonte. Assiste a população de classe baixa, filhos de
trabalhadores do setor de serviços, com ensino fundamental incompleto. A região é
considerada de risco social e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
é abaixo da média nacional. A instituição oferece a Educação Infantil, Ensino
Fundamental. Foram selecionadas duas (2) professoras que atendiam em uma turma
dois estudantes com necessidades educacionais especiais. Com o objetivo de preservar
identidade das professoras e da discente bolsista, sua a identificação foi feita com nomes
fictícios. (Maria, Joana e Clara).
3.1 O Programa Institucional de Bolsa de Incentivo a Docência (PIBID)
O programa PIBID do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/UEMG), no subprojeto: Educação
Ambiental Urbana com foco Segurança Alimentar, se desenvolve em uma Escola da
rede Municipal de Belo Horizonte.
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10420ISSN 2177-336X
O PIBID é um Programa recente na (FaE/UEMG), teve início em 2013, em um
trabalho que envolve a articulação e cooperação entre a Universidade e a Educação
básica, são desenvolvidas atividades diversas, especialmente, planejamento, execução e
avaliação de atividades didático-pedagógicas no interior das escolas públicas
conveniadas. Os bolsistas também participam de atividades de formação variadas e de
divulgação/comunicação em eventos proporcionados pela universidade e outros.
Sob a gestão da Coordenação de Acompanhamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), o PIBID é uma política de formação e valorização do magistério. Trata-se de
uma política pública que conta com um financiamento e cria condições especiais para o
desenvolvimento da formação docente. Visa promover a inserção de estudantes no
contexto das escolas públicas desde o início de sua formação acadêmica para que
desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob a orientação de um docente da
licenciatura e de um professor da escola, viabilizado por meio. O PIBID cria uma
situação favorável de intercâmbio de saberes e experiências entre professores que atuam
nas redes de ensino, reconhecidos como professores experientes e os jovens
licenciandos.
A aprendizagem proposta pelo Programa PIBID é ressaltada e comprovada por Clara
em seus relatos, quando afirma que ―em sala de aula o programa nos oferece a oportunidade de
atuar como docente estando ainda em formação e nos indica caminhos de formação continuada,
buscando essa formação em outros espaços não escolares‖. Sobre a base teórica adquirida
com o PIBID, por meio de visitas técnicas, leituras e estudos, exposições atuação e
intervenção, a bolsista Clara considera a eficácia do programa PIBID na sua formação,
ao dizer que: ―O PIBID tem me ajudado não só na construção do saber docente, mas
também em minha iniciação a docência de forma tranquila, interessante e coerente‖.
Segundo mostra a bolsista Clara, seu interesse em participar do projeto se deu à
medida que avançava o curso de pedagogia e universitária percebia cada vez mais a
importância da prática na formação dos professores, já que a ação do professor se
realiza com os objetivos do ensino, planejamento e metodologia. Ressaltou sua
ansiedade, pois ainda não tinha qualquer experiência de sala de aula, conforme bem
afirma ―[...] nunca havia estado em sala de aula como docente‖. Assim, durante a sua
formação universitária, Clara ressaltou que ouviu dos professores do curso que a
profissão docente requer formação continuada, comprometimento, ética, pensamento
crítico e amor pelo que se faz. Os professores formadores destacavam também a
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10421ISSN 2177-336X
importância da indissociabilidade entre a prática e a teoria, tanto dos processos de
estágio supervisionado, quanto do hábito de pesquisar, colocando essa responsabilidade
não só nas universidades e seus docentes formadores, mas também nos próprios
estudantes de Pedagogia. E, foi assim, neste contexto, que Clara ―resolveu candidatar-se
uma vaga de bolsista do PIBID‖, no ano de 2013.
Os dizeres de Clara endossam os estudos e pesquisas de Tardif (2011, p. 79)
que: ―sublinham a importância da história de vida dos professores, e, particular a de sua
socialização escolar, tanto no que diz respeito à escolha da carreira e ao estilo de ensino
quanto no que se refere à relação afetiva e personalizada no trabalho‖.
4. ANÁLISE DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA PROFESSORA LAURA
OBSERVADAS PELA ESTAGIÁRIA CLARA NO PROJETO PIBID, EM 2013.
No ano de 2013, Clara chegou à escola municipal para fazer um trabalho com a
professora Laura. Em relação à sua chegada à escola a bolsista afirma ―quando cheguei
à escola, era grande a minha ansiedade, queria ver de perto a atuação da professora em
sala no dia a dia, queria vivenciar um pouco do chão da escola, para ver seu
funcionamento, suas práticas‖, e, também para vivenciar a realidade escolar. Para Clara
havia muito a aprender e observar na formação docente e, sendo assim, esta era uma
oportunidade única para a iniciação à docência, sem traumas ou prejuízos.
À medida que começaram as atuações em sala de aula e os planejamentos de
aula, Clara pode comprovar que este era o momento em que poderia realmente associar
a teoria e a prática na formação acadêmica.
Essa percepção da bolsista está em conformidade com Tardif (2011), quando em
seu livro Saberes Docentes e Formação Profissional discute a respeito dos saberes
docentes e a sua relação com a formação profissional dos professores e o exercício da
docência. O autor destaca ainda que o saber docente é um ―saber plural, formado de
diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional,
dos currículos e da prática cotidiana‖. (TARDIF 2011, p.54)
Em sua observação da prática docente da professora Laura, Clara observou
práticas que podiam ser nomeadas ―nada inclusivas‖, pois ressalta que a professora
humilhava as crianças ao chamar atenção delas na sala de aula. Dizia que os discentes
eram ―chatos, entojados, insuportáveis‖, e isso contribuía para diminuir a auto estima de
cada uma das crianças, que já tinham uma deficiência. No tratamento pessoal com as
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10422ISSN 2177-336X
crianças e de modo peculiar com os alunos com deficiência era impaciente, e trazia no
rosto uma expressão, no dizer de Clara, ―fechada‖.
Neste contexto, Clara, mesmo se sentindo indignada e impotente diante da
situação, não pode fazer nada. Esses fatos foram, entretanto, levados para a sala de aula
de Didática e proporcionaram à Clara fazer vários questionamentos sobre sua futura
prática docente, tais como: ―Como seria se ela estivesse no lugar da professora regente;
de que forma agiria com esses alunos? Qual seria minha postura, minha prática? De que
forma posso me tornar uma professora mais bem preparada para trabalhar e ajudar essas
crianças?‖.
Observa-se que esse relato de Clara sobre a prática da docente Laura gerou uma
grande discussão, estudos e pesquisas sobre o tema inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais e permitiram que, paulatinamente, os universitários
do curso de pedagogia compreendessem a complexidade do processo de inclusão nas
escolas.
Nesta perspectiva, Tardif (2011) mostra que ―os saberes docentes dividem-se
em: Saberes da formação profissional, que é um conjunto de saberes transmitidos pelas
instituições de formação de professores, de Saberes disciplinares‖, correspondem aos
diversos campos do conhecimento, são os saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais
como se encontram hoje, integrados nas universidades, sob forma de disciplinas, no
interior de faculdades e cursos distintos de Saberes curriculares que correspondem aos
discursos, objetos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar
categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos
da cultura e de Saberes experienciais ou práticos, são os saberes baseados no trabalho
cotidiano e no conhecimento de seu meio, brotam da experiência individual e coletiva
de saber fazer e saber ser.
Durante todo o período que esteve acompanhando a sala de Laura, Clara
presenciou práticas não inclusivas.
5. ANÁLISE DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA PROFESSORA SANDRA
OBSERVADAS PELA ESTAGIÁRIA CLARA NO PROJETO PIBID, EM 2014.
No ano de 2014, a bolsista continuou seu trabalho do projeto PIBID na escola e
acompanhou a professora Sandra. E qual não foi sua surpresa, quando encontrou na sala
os mesmos alunos com deficiência que já tinha acompanhado no ano anterior.
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10423ISSN 2177-336X
Entretanto, começou a observar que as práticas agora eram diferentes, pois eram
inclusivas. Segundo relata Clara ―os alunos com deficiência já não assentavam nas
últimas carteiras como no ano anterior. A sala estava organizada em forma de U e na
frente os alunos com necessidades educacionais especiais ocupavam as carteiras da
frente.‖ Notou-se que a professora circulava por toda sala, dando atenção a todos e os
alunos que assentavam na frente tinha uma atenção especial, com atividades adaptadas.
Os discentes eram sempre solicitados a participarem das aulas e a darem suas opiniões.
A professora também sempre elogiava a produção que as crianças com deficiência
conseguiam faziam, mostrava para os demais alunos da turma e contava pra Clara as
vitórias que os alunos tinham conseguido alcançar.
Em relação à forma de tratamento sempre sorria e deixava as crianças
orgulhosas e felizes. Clara observou a felicidade dos alunos em ajudarem os colegas e a
oportunidade dos alunos, antes excluídos, de mostrar o que aprenderam. Tais práticas
proporcionaram à bolsista refletir sobre a importância da ação pedagógica da professora
adotar práticas, no sentido de promover a interação de todos e fazer com que os alunos
participassem do momento de aprendizagem. Essa prática inclusiva foi importante para
Clara que bem afirma: ―Levei mais essas experiências para as reuniões e sala de aula da
universidade para refletirmos as posturas de dois professores com trabalhos na mesma
escola e práticas totalmente diferenciadas‖.
Considerando que a prática pedagógica inclusiva é um elemento fundamental na
transformação da escola, Duk (2005, p.65) destaca que ―a atitude e o estilo de ensino do
docente representam fatores primordiais para assegurar o êxito de todos‖ e que ―uma
nova abordagem educacional pressupõe pensar o ensino a partir de uma atitude aberta,
flexível e, sobretudo, reflexiva em relação à própria prática educacional‖. Assim, a
prática pedagógica inclusiva é aquela em que o (a) professor (a), considera a diversidade
de seus alunos(as) e tenta atender suas necessidades educacionais flexibilizando as
ações voltadas para o acesso à participação social e ao conhecimento.
Por outro lado, ao se analisar os cursos de formação de professores e, mais
especificamente, a disciplina de Didática e outras correlatas, como as Práticas de
Ensino, também se constata a pouca presença da temática das diferenças, da inclusão e
de como ela afeta os diferentes componentes da ação pedagógica. Os professores de
Didática e das demais disciplinas do curso de formação destes profissionais estão
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10424ISSN 2177-336X
desafiados a trabalhar nessa direção, não apenas teoricamente, mas incorporando esta
perspectiva nas nossas próprias práticas pedagógicas.
A atuação da estagiária para além da sala de aula, no pátio das escolas, durante o
recreio, foi importante também porque, segundo Clara, ―deram oportunidade de
relacionar com outros alunos que não estão inseridos no subprojeto e com a escola
integrada que nos ajuda nas atividades do recreio‖.
Nesta perspectiva, a estagiária avalia que o projeto proporcionou-lhe perceber a
indissociabilidade teoria-prática, e, também, favoreceu refletir não só sobre sua prática,
mas sobre as práticas das duas professoras com os mesmos alunos de inclusão, pois,
segundo Clara, ‖a cada aula dada, a cada prática vivenciada ou observada, a cada
questionamento levava a um novo estudo, a uma nova pesquisa‖.
CONCLUSÃO
Os relatos de Clara sobre as práticas inclusivas de duas professoras da escola
pública municipal, dentro do projeto PIBID, proporcionou para a discente uma
articulação da teoria–prática.
Observou-se que esse relato das experiências vividas pela bolsista durante o
desenvolvimento do subprojeto no PIBID enriqueceu as discussões na disciplina de
Didática, no sentido de se aprofundar os estudos sobre as práticas pedagógicas
inclusivas nas salas de aula.
Demonstrou-se com a experiência de Clara ao observar as docentes Laura e
Sandra que o saber do professor é um saber social que pode ser adquirido no contexto
de uma socialização profissional, pois, conforme se verificou neste, os saberes
mobilizados pelas duas professoras contribuíram para a construção de uma identidade
docente, na medida em que ajudou a bolsita a refletir sobre sua futura prática,
Revelou alguns desafios que precisam ser discutidos na formação docente,
trazidos pelo processo de inclusão associados ao despreparo e à desinformação inicial
para lidar com alunos (as) com deficiência na Educação Básica, tais como o tratamento
que se dá a essas crianças e o conhecimento sobre os diversos tipos de deficiência.
Possibilitou à bolsista Clara elaborar não só uma reflexão sobre a importância da
articulação entre ensino, pesquisa e extensão, em uma formação universitária, mas
também a de vivenciar práticas pedagógicas inclusivas, que a ajudou a potenciar os seus
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10425ISSN 2177-336X
próprios processos de aprendizagem e a torná-los mais significativos na sua formação
docente.
Por fim, verificou-se e concluiu que o projeto, construído a partir da parceria da
Universidade com a Escola básica, alcançou seu objetivo principal, isto é, incentivar a
docência com o intuito de fornecer aos bolsistas maior preparo para sua prática
pedagógica, oportunizando-lhes experiências que servirão de subsídios para sua futura
atuação docente, e para elevar a qualidade da Educação Básica.
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A ENUNCIAÇÃO DISCURSA DE PROFESSORES SOBRE SEUS SABERES E
SUAS PRÁTICAS DOCENTES
Leiva de Figueiredo Viana Leal - UFMG
RESUMO
A presente investigação ancora-se na constatação de que a sociedade do conhecimento,
imersa em desafios e necessidades postas pela contemporaneidade afeta, de modo
crucial, os saberes necessários à formação docente que possa atender aos imperativos
desses novos tempos. Em vista disso, interessa a esta pesquisa compreender que saberes
e práticas encontram-se manifestos nas enunciações discursivas de docentes do Ensino
Fundamental e do Médio de Língua Portuguesa e que saberes silenciam, a partir de uma
situação de produção escrita. Para alcançar o objetivo proposto, lançamos mão de
alguns elementos da abordagem metodológica da AD, que se configura como um
dispositivo de grande importância para a compreensão de vozes discursivas. Nesse
sentido, fizemos um recorte em BAKHTIN(1993), para categorização dos discursos,
associando-as à categorização dos saberes proposta por GAUTHIER (2006). A análise
dos dados aponta que há saberes construídos e em construção, porém pouco sólidos em
relação à ciência de que trata cada um. Constata ainda que as vozes da docência
apontam dizeres comuns, verdades cristalizadas pelos discursos oficiais e que pouco
dizem do real saber de cada um. Por fim, os dados nos levam a reconhecer o quanto a
ausência de um saber epistemológico afeta os saberes pedagógicos e as práticas
docentes. O silenciamento sobre alguns saberes docentes coloca em questão não apenas
que saberes os futuros e já docentes em atuação precisam saber, até porque a cada dia
novos saberes são construídos, mas, em especial de que modo saber, de que modo
conhecer: uma questão epistemológica aliada a uma valor ético.
Palavras-chave: Saberes Docentes. Discurso. Didática.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é resultado de parte de pesquisa desenvolvida há anos, sobre
Cultura e Escrita e Formação de Professores, registrada no CNPq, em parceria com
pesquisadores franceses, cujo objetivo se centra no reconhecimento de como
professores de Língua, aqui entendendo desde o professor alfabetizador a professores do
Ensino Fundamental e Médio, manifestam seus saberes e suas práticas de ensino de
leitura e de escrita, que saberes e práticas são essas e quais contextos geram
determinadas práticas e determinados saberes. Somam-se mais de seis artigos
produzidos e apresentados em diferentes congressos nacionais. No presente momento,
optamos por recortar sujeitos professores em processo de formação em um curso de
Pós-Graduação Lato –Sensu em Ensino de Língua Portuguesa, quando da primeira
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10427ISSN 2177-336X
disciplina, ministrada pela pesquisadora, disciplina denominada o Ensino de Língua
Portuguesa na contemporaneidade. Como atividade de finalização do curso, solicitamos
aos professores que produzissem um Ensaio, com vistas a comentar e refletir sobre que
saberes dominam e que saberes sentem que ainda precisam dominar para alcançar o
perfil desejado desse profissional de ensino.
É nessa direção que essa pesquisa segue, na busca e no esforço de atender à
necessidade de pesquisas na produção científica em educação, que investiguem a
relação dos professores na construção teórica do seu objeto de ensino e de seus saberes.
Com efeito, poucos docentes, nas pesquisas por nós desenvolvidas, apresentam
compreensão a respeito do que é que eles ensinam quando se reconhecem como
professores de uma determinada disciplina. Nossa hipótese é a de que em seus
processos formativos foram deixadas de lado as mediações entre o sujeito do
conhecimento e o objeto a ser ensinado, como nos lembra Adorno(1995). Não se trata
aqui de um conteúdo disciplinar, nem mesmo de uma concepção de ensino, mas
propriamente de seu objeto de ensino. Continuando, nossa hipótese é a de que esse
desconhecimento, que é não só um saber pragmático, mas epistemológico, é uma das
principais lacunas nos saberes docentes e que, de algum modo, impactam outros saberes
e as próprias práticas. Essa dedução prévia nos leva a considerar que, ainda que
docentes em formação reconheçam como altamente relevante as disciplinas Didática e
Prática de Ensino, pouco dela se vale, por lhes faltar a base epistemológica de seu
objeto de ensino. Além disso, como toda proposta curricular é alicerçada em uma
seleção cultural de conteúdos, esta dificilmente se concretizará, sem que a perspectiva
epistemológica esteja suficientemente clara, apontam nossos resultados.
Nessa esteira reconhecemos, atualmente, que, por um lado, a multiplicidade de
ciências teóricas que tratam do objeto do ensino da língua, vem fazendo com os
professores tenham saberes fragmentados sobre determinado recorte conceitual e poucas
referências para situar o seu objeto na totalidade do conhecimento. Do ponto de vista
teórico, acreditamos que o mirante precisa se deslocar das multiplicidades e chegar a
uma unidade que, para além de simplesmente teórica, como já dissemos, é
epistemológica. Por outro lado, não é difícil reconhecer o quanto disciplinas
pedagógicas são fundantes no conjunto de saberes necessários a quem ensina, mas o
quanto , do mesmo modo, reconhecemos as dificuldades em transitar entre saberes
teóricos e saberes da e para a prática, como bem já esclareceu Perrenoud: há saberes a
ensinar - os conteúdos da disciplina- e saberes para ensinar -que se referem ao modo
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10428ISSN 2177-336X
como organizamos e planejamos nossas aulas, aos dispositivos e ferramentas utilizadas,
às atividades programadas, nossa atitude diante do ensino, dentre outras possibilidades
(2000). Nos saberes para ensinar, destacam-se os saberes curriculares, pedagógicos,
experienciais, dentre outros, seguindo aqui o modo como Gauthier et al (2006)
entendem esses saberes.
NOVOS OLHARES E NOVOS SABERES PARA NOVAS NECESSIDADES
O mundo se encontrou, nas últimas décadas, perdido em relação ao que
acreditava saber. Muitos saberes desapareceram, paralelamente ao surgimento de novos
conhecimentos e saberes, frente à cultura em que nos encontramos mergulhados. A
configuração do trabalho hoje vem mudando e, cada vez mais, exige-se flexibilidade das
pessoas, multiespecialidade, iniciativa, partilha e produção de conhecimentos,
incorporando com eficiência, as velhas e novas tecnologias. Grosso modo podemos
sumarizar os saberes da seguinte forma; com base em MORIN (2004):
Fonte: Acervo da autora
Que saberes se evidenciam em discursos de autoria? (sujeitos reais e sujeitos da
prática) E de que modo eles são trazidos na enunciação? O que se pode apreender
dessas vozes em relação aos saberes conceituais, curriculares, pedagógicos e
experienciais? O que revelam de si mesmos, sujeitos contemporâneos? Nesse sentido,
vale a questão posta por Giroux:
[...] os educadores não poderão ignorar as difíceis questões do
multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, da ética e do trabalho,
que, na verdade, as escolas já estão enfrentando. Essas questões exercem um
papel importante na definição do significado e do propósito da escolarização,
no que significa ensinar e na forma como os estudantes devem ser ensinados,
para viver num mundo que será amplamente mais globalizado, hightech e
racialmente diverso que em qualquer época da história. (GIROUX, 2002,
p.88).
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Além disso, como já dissemos, os conhecimentos fragmentados só servem para
usos também isolados, se não há uma razão para juntá-los. Esses saberes não
conseguem conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a situação
humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de
nossa época: a integralização dos conhecimentos na condução das nossas vidas e das
pessoas com as quais precisamos preparar para viver nesse mesmo mundo.
BREVE CONTEXTO DA PESQUISA E DE SEUS APORTES TEÓRICO-
METODOLÓGICOS
Os dados da presente investigação foram coletados, pela pesquisadora, em uma
turma de Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Ensino de Língua Portuguesa na
Contemporaneidade, em janeiro de 2015, quando cursavam a primeira disciplina que
recebe o mesmo título do curso. Esse curso é procurado por profissionais de vários
estados do Brasil, tendo, assim, num grupo de 33 (trinta e três) professores, uma boa
representação da formação docente no país. Ao final da disciplina, foi solicitado aos
professores e às professoras que produzissem um Ensaio, a respeito dos seus saberes e
de suas práticas docentes, levando-se em conta o contexto contemporâneo. A escolha do
Gênero Ensaio se justifica pelo fato de ser um gênero que permite um estudo bem
desenvolvido, discursivo e concludente e que pode conter um alto nível de interpretação
e julgamento pessoal. Professores e Professoras de Língua Portuguesa em exercício
mostram-se como interlocutores potenciais no debate sobre saberes necessários ao
docente dos tempos contemporâneos. Isso porque já não se trata do que está por vir, mas
de acontecimentos reais em existências reais; sujeitos de uma prática que, colocando-se
em processo de autoscopia, manifestem seus saberes e seus não-saberes. Desse modo,
os textos produzidos são considerados discursos, ou seja, uma enunciação de sujeitos
em uma situação discursiva real. Os recortes discursivos são acompanhados pela letra S,
seguida de um número que corresponde ao código com que seus textos foram
identificados no arquivo da pesquisa.
O aporte teórico tomado de Bakhtin, nos leva a tomar os textos em sua
materialidade como discursos que não se realiza fora de uma esfera comunicacional,
portanto, dentro de uma dada formação social. Os discursos dos professores e das
professoras, na esteira bakhtiniana, são atos singulares, irrepetíveis e permitem uma
compreensão do que é dito, como algo em construção. Dele tomamos, também, a
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concepção de excedente de visão. (Bakhtin,1993, pág.32/33) que assegura o seguinte:
ainda que sejamos autores de uma voz, é apenas o outro, em sua visão, capaz de nos ver
como um todo.
Como suporte para a compreensão dessas vozes, tomaremos , sempre que
necessário as categorizações elaboradas por Gauthier et al (2006), aqui, com dada
licença, resumidos: saberes disciplinares (conteúdo disciplinar),saberes curriculares (
de como os conteúdos são selecionados e organizados em relação à cultura),saberes da
ciência da educação(processos de ensino e de aprendizagem, por exemplo), saberes da
tradição pedagógica ( experiências como aluno), saber experimental (os construídos ou
defendidos fora do contexto científico) e saber da ação pedagógica (saberes didáticos,
saberes relacionados ao planejamento de ensino, às estratégias a serem utilizadas, aos
instrumentos de avaliação, a relação professor-aluno e ao sistema de disposição com a
qual o professor desenvolve sua prática, dentre outros).
SABERES NAS VOZES E NOS DIZERES DE SUJEITOS DA PRÁTICA
DOCENTE
Saberes disciplinares: nos dizeres variados, saberes esfacelados
Os saberes disciplinares estão presentes em verbalizações dos entrevistados tais
como: ―o professor deve ter domínio do conteúdo a ser explicado‖, ―o professor deve
dominar a matéria‖. Os saberes disciplinares, no entanto, correspondem às diversas
áreas do conhecimento que se corporificam, hoje, na forma de disciplina. Assim,
quando o professor /professora afirma que o docente precisa. ―Conhecer a matéria‖ essa
expressão pode expressar compreensões diferenciadas, como se pode constatar no
enunciado abaixo:
―Fica claro nos documentos que um dos requisitos básicos do professor de Língua
Portuguesa é que este domine a sua área de conhecimento, sabendo equilibrar aulas
expositivas e momentos mais informais.” (S1)
Saberes da ação pedagógica
1- O impacto dos discursos dos documentos oficiais nos discursos docentes
Chama-nos especial atenção a recorrência de uma orientação oficial e não-oficial
que destaca o papel da mediação do professor nos processos de ensino e de
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aprendizagem, como algo que vai mudar a vida dos alunos e dos professores. O que se
percebe é que do discurso à prática ou do discurso à exemplificação real de como a
mediação acontece ainda existe uma distância imensurável. As vozes dos professores,
em quase unanimidade, destacam que o mais importante é que aquele que ensina seja
um MEDIADOR, mas, nem de longe sinalizam que se trata de uma prática e não de
uma concepção abstrata. Os discursos recortados, que se seguem, exemplificam essa
constatação:
- ―O professor figuraria como mediador das relações de aprendizagem, cabendo a este
analisar, refletir e tomar decisões em função das necessidades de aprendizagem de seus
alunos.” (S4)
- “Aquela ideia arcaica de que o professor é o centro do conhecimento é rompida e ele
passa a ser o mediador ou mesmo o personagem que irá acompanhar o
desenvolvimento do aluno.” (S3)
- “Com base nas orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o professor é o
mediador na construção social do conhecimento do aluno e o respeito a essa postura
inovadora em contraposição a postura tradicional, é determinante na formação do
indivíduo.” (S10)
- “Não é entrar pelas as quatro paredes de uma sala de aula e mostrar que você
(professor) é o detentor de todo conhecimento. É demonstrar na simples forma que és
mediador de experiências.” (S7)
- “Deve o docente ser o mediador das experiências de seus alunos, devendo explorar o
imaginário e trabalhá-lo visando expandir a capacidade de uso da linguagem.” (S21)
2- O silenciamento sobre saberes da ação pedagógica
As vozes da enunciação desses sujeitos nada pouco revelam sobre suas ações
pedagógicas. O que fica é a compreensão de que esses saberes ou já são devida e
amplamente conhecidos e, por isso, podem ser excluídos de uma reflexão sobre seus
saberes ou esses saberes inexistem em sua formação como algo constitutivo de sua
prática e de si mesmo. Outra interpretação possível é a de que o docente se sente em
total liberdade em suas ações, frente a um emaranhado de saberes não definidos, o que
gera um paradoxo pedagógico: não expresso como ensino, mas ensino. Uma docência
glorificada, ainda que despida de suas ferramentas essenciais, sem âncoras,
contraditoriamente ao mundo repleto de novidades diferentes campos da existência
humana. No entanto, para alguns, uma convicção e não um saber:
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10432ISSN 2177-336X
“O professor lida com se res humanos e os prepara para a vida. Este é o legado maior
que se pode deixar para a humanidade: sujeitos pensamentos, éticos, críticos e capazes
de dar rumos positivos na sua própria história e na realidade em que faz parte.” (S 15)
Saberes entrecruzados
Nos recortes discursivos abaixo é possível aprender o quanto os diferentes
saberes encontram-se ainda pouco compreendidos:
- “A partir do momento que concretizamos que a língua se realiza no uso, nas práticas
sociais; nós professores planejamos as didáticas pedagógicas baseadas principalmente
em gêneros discursivos e que serão os facilitadores do aprendizado dos alunos” (S8)
De um lado um saber recortado sobre a língua(disciplinar), de outro, a remissão
ao planejamento (ação pedagógica) e, ainda, facilitadores (saberes da ciência da
educação).
- ―De acordo com o PCN, o ensino de Língua Portuguesa na escola é resultado de três
variáveis: o aluno, a língua e o ensino. O aluno é aquele que age sobre o objeto do
conhecimento. A língua é o objeto do conhecimento. O ensino é aquele que realiza a
mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento.‖ (S25)
Neste recorte, há conceitos equivocados que misturam saberes disciplinares e
saberes da ação pedagógica, apontando para uma fragilidade em relação a que se
referem esses saberes e de que modo podem constituir e sustentar as práticas.
Outros saberes silenciados
1-Muito pouco foi evidenciado a respeito de saberes curriculares. Recortamos aqui um
enunciado que se refere a currículo e, por ele, pode-se inferir o desconhecimento a
respeito do que é um currículo, quase sempre confundido com as propostas curriculares
oficiais e a projetos isolados e não a uma projeto de escola, culturalmente elaborado.
- - “O currículo escolar deve se adequar as novas demandas sociais, abordando temas
que fazem parte do dia a dia da criança e do adolescente, porém sem deixar de mostrar
a linguagem como o único meio de comunicação que nos permite expressar nossos
sentimentos, experiências e ideias” (S11)
2- Os saberes da tradição pedagógica não foram evidenciados. Parte dessa ausência
debitamos ao fato de que a orientação para a produção do ensaio deixou de lado a
questão que busca responder em que medida experiências vivenciadas como aluno ou
aluno influenciam as práticas desenvolvidas como professor/professora.
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Um saber em destaque: o valor formativo da disciplina
.” Primam exercer com o aluno a prática da cidadania que por meio da reflexão,
análise, avaliação e posicionamento frente aos diversos contextos” (S5)
- “Que cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam
socialmente, de assumir a palavra, e, como cidadão de produzir textos eficazes nas
mais variadas situações.”
- “O objetivo é formar indivíduos emancipados para a participação social e cidadã,
sujeitos autônomos, críticos, cientes de seus direitos e deveres, aptos a colaborar com a
transformação da sociedade.” (S18)
- “A proposta é mostrar o aluno o poder imensurável que a língua tem e saber usá-la
apropriadamente é o caminho para a lapidação de sujeitos autênticos, conscientes e
cada vez mais comprometidos com o exercício da cidadania.” (S 30)
Se eu mesmo sou um ser acabado e se o acontecimento é algo acabado, não
posso nem viver nem agir: para viver, devo estar inacabado, aberto para mim mesmo-
pelo menos no que constitui o essencial da minha vida-, devo ser para mim mesmo um
valor ainda por –vir, devo não coincidir com a minha própria atualidade‖ (Bakhtin,
1992, p.33)
CONSIDERAÇÕES QUE NÃO SÃO FINAIS: encerrando um diálogo e abrindo
outro
O resultado desse recorte de pesquisa apresenta elementos para reconhecer a
necessidade premente de construção de novas teorias sobre o sujeito da docência e da
própria docência. Os discursos aqui recortados também silenciam sobre a identidade
docente, ou, ao contrário, apontam como a crise ou a ausência de saberes necessários à
prática docente impactam a vida dos docentes. Os discursos altamente prescritivos e
pouco analíticos das vozes aqui destacadas apontam para uma revisão não só nos
saberes, mas, em especial, nos modelos de formação inicial e continuada que precisam
ganhar novos desenhos e novas visibilidades.
Nesse contexto, pesquisas que vimos realizando nos levam a trazer para esse
debate, a necessidade de investigações que, para além da relação teoria e prática,
incorporem o conhecimento teórico sobre o objeto de ensino, à luz da historicidade do
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10434ISSN 2177-336X
real, fortalecendo vínculos e parcerias entre o campo da formação inicial e o da atuação
profissional.
Do ponto de vista epistemológico, consideramos que as mudanças efetivas
dos educadores, relativamente à sua formação requer o reconhecimento de que ampliar
conhecimentos não se reduz ao incremento quantitativo de saberes. Esses devem
ampliar a capacidade analítica, crítica e prática de quem os possui. Deve reconhecer a
profunda vinculação histórica dos conhecimentos socialmente reconhecidos e que, como
tais, são passíveis de questionamentos, de aperfeiçoamento e de reformulação.
Do ponto de vista dos direitos da docência, a formação precisa ser
considerada um estado permanente, em rede de aprendizado, capaz de ajudar cada
docente na sua constitutividade humana, na sua completude de vida, na sua identidade.
Como nos afirma Bakhtin:
―Se eu mesmo sou um ser acabado e se o acontecimento é algo acabado, não
posso nem viver nem agir: para viver, devo estar inacabado, aberto para mim
mesmo-pelo menos no que constitui o essencial da minha vida-, devo ser para
mim mesmo um valor ainda por –vir, devo não coincidir com a minha própria
atualidade‖ (Bakhtin, 1993, p.33)
Os recortes discursivos aqui evidenciados não são apenas recortes da linguagem
desses docentes. São os sujeitos mesmos, carregados de sonhos, de esperança e de
necessidades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, T. Sobre sujeito e objeto. In: Palavras e sinais: modelos críticos II. Trad.
Maria Helena Ruschel. Petrópolis: Vozes, 1995.
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. SP:Martins Fontes, 1993
GAUTHIER, Clermont et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas
sobre o saber docente. 2ª ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2006.
GIROUX, Henry. Praticando estudos culturais nas faculdades de educação. In: SILVA,
Tomaz T. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em
educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 9. ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre:
Artmed Editora, 2000.
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