docÊncia e pesquisa: experiÊncias de estÁgio na...
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DOCÊNCIA E PESQUISA: EXPERIÊNCIAS DE ESTÁGIO NA FORMAÇÃO INICIAL
A proposta deste painel envolve três trabalhos realizados em diferentes universidades do
Nordeste com professoras que exercem sua docência com o componente estágio em
curso de formação inicial. A docência no estágio está articulada à propostas teórico-
metodológicas dentro do viés da abordagem experiencial cujo foco centraliza-se na
escrita de narrativas como um movimento de conhecimento de si e de prospecção a
partir das histórias de vida para o „tornar-se professor‟. Dessa forma, a primeira
experiência está configurada nos memoriais de formação como dispositivos de pesquisa
formação elaborados pelos estudantes-estagiários no percurso do estágio. A
pesquisadora buscou compreender o percurso de formação até o 'tornar-se professor' no
movimento de escritas narrativas dando ênfase à histórias de vida pessoal e profissional
dos futuros professores. O segundo trabalho aborda práticas com o estágio relacionadas
à formação de professores alfabetizadores configurando memórias e apropriações por
atos de leitura triangulada, atividade esta consolidada no Projeto de extensão
universitária, Escola Laboratório e no Grupo de Pesquisa e Estudos de Alfabetização e
Letramento por Atos de Leitura Triangulada, GEP-ALFALETRI na Universidade
Federal do Maranhão – UFMA, São Luís, MA e, finalmente, o terceiro trabalho agrega
a reflexão acerca dos saberes autobiográficos do estágio na formação inicial. Trata-se de
um debate acerca das aprendizagens construídas no processo formativo de Estágio na
sala de aula através de um recorte que faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado
Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa: retratos, imagens
e registro de narrativas, portfólios e memoriais desenvolvido em um curso de Letras na
UNEB, campus de Alagoinhas, BA.
Palavras-Chave: Estágio, Formação Inicial, Pesquisa Autobiográfica
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES COM SIGNIFICAÇÃO E
SENTIDO: MEMÓRIAS E APROPRIAÇÕES POR ATOS DE LEITURA
TRIANGULADA
Marise Marçalina de Castro Silva Rosa
UFMA, MA
RESUMO:
No presente trabalho analiso uma experiência formadora de professores no campo da
alfabetização, no curso de pedagogia da universidade Federal do Maranhão-UFMA.
Destaco as memórias de uma experiência de formação por meio de narrativas
autobiográficas de processos de apropriação da língua materna, narradas por estudantes
da disciplina Fundamentos e Metodologia da Alfabetização. Situo práticas de ensino
com base nos Atos de Leitura Triangulada como uma experiência inovadora de
extensão/pesquisa de minha autoria, voltada para o processo de
alfabetização/Letramento múltiplos no estágio supervisionado e em cursos de extensão
universitária. Fundamenta-se na indissociabilidade das ações formadoras e, em uma
extensão universitária crítica e na compreensão da escrita como instrumento cultural
complexo. Analiso a perspectiva inovadora da formação de futuros professores no
Projeto de extensão universitária, Escola Laboratório e no Grupo de Pesquisa e Estudos
de Alfabetização e Letramento por Atos de Leitura Triangulada, GEP-ALFALETRI.
PALAVRAS-CHAVE: Estágio; Alfabetização; Narrativas.
A escrita de uma trajetória, a partir de uma narrativa sobre si, por mais
simples que seja, significa falar de experiências de vida mediadas por relações sociais
cotidianas. Quando se trata de itinerários de formação, ou experiências vividas no
campo da docência universitária, as representações sociais sobre a prática docente
poderão revelar as estruturas de um habitus professoral, marcado por experiências
acadêmicas, ideias, crenças, valores e sentimentos vividos coletivamente na relação
com o outro.
Segundo Halbwachs (1990, p. 71) “[...] a memória é uma construção social
e depende do relacionamento do sujeito com o grupo social em que vive.”. Assim
sendo, o ato de rememorar eventos de minha carreira acadêmica carrega, em si, marcas
e significações engendradas no meu relacionamento com os sujeitos da minha prática
docente, meus pares e comunidade universitária em geral ao longo do meu
desenvolvimento profissional como professora formadora, pesquisadora social,
coordenadora de projeto de extensão.
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Minha experiência como professora universitária só poderá ser
compreendida a partir de uma análise relacional sobre a forma como foi produzida, ao
longo dos dezoito anos de trabalho docente na Universidade Federal do Maranhão. É
preciso não só citar os fatos, acontecimentos e atividades realizadas nesse período, mas,
ao narrar cada situação vivida, compreendê-la como parte de uma história carregada de
sentidos e motivações diversas, as quais me permitiram produzir saberes e fazeres
particulares. Ademais, não poderei deixar de situar, nesse contexto, duas dimensões
importantes experimentadas na minha ação docente: a) afetividade nos processos de
ensino e de aprendizagem; b) reflexividade no processo de apropriação de saberes e
autonomia didático-pedagógica de futuros/as professores/as. Quero, com isto, anunciar
essas dimensões, que só agora visualizo como tendo marcadamente influenciado a
minha prática no campo da docência.
Porém, a relação espaço/tempo de experiência, no magistério superior, não pode
ser analisada isoladamente de outras experiências escolares, vividas, por mim, no campo
do magistério da Educação Básica, pois o universo da sala de aula, independentemente
do nível ou segmento escolar, pressupõe um ato de extrema complexidade se
considerarmos que o processo de ensino-aprendizagem envolve sujeitos numa
engenharia humana atravessada por dimensões políticas e didático-pedagógicas,
imbricadas numa prática social viva, necessitando, portanto, do conhecimento de
saberes docentes necessários ao desenvolvimento crítico desse processo.
Um dos maiores desafios discutidos e enfrentados no país, principalmente nas
instituições formadoras de professores, relaciona-se aos saberes que professores
alfabetizadores devem ter e ás políticas públicas voltadas para o campo da
alfabetização. A questão sobre a apropriação da língua materna, o processo de
alfabetização de crianças da escola pública, sempre foi alvo de inúmeras discussões, de
preocupações acadêmicas, estudos e pesquisas em campos diversos. Porém, a que mais
me incomoda, como professora universitária, tem a ver com a formação de professores
alfabetizadores. Nesse sentido, me interrogo sobre, questões fundantes no curso de
Pedagogia: Quem forma o alfabetizador, a alfabetizadora? Como se aprende a ser
alfabetizador/a? Que matrizes curriculares são articuladas no sentido de formar
capacidades alfabetizadoras por futuros/as professores/as? Que teorias devem ser
estudadas? Como resolver a questão da alfabetização e dos letramentos múltiplos nesse
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processo formativo? Quais os desafios e as exigências na contemporaneidade, para
formadores e formandos, diante dos avanços das tecnologias da comunicação e da
informação? Como alfabetizar com os gêneros digitais e as ferramentas do computador,
ipad, tablets, smartphone e novos portadores de leitura?
Na verdade, essa realidade engendrada na contemporaneidade, nos desafia e
nos “desequilibra”. Será preciso, então, criar novas teorias? Ou, só a inovação
pedagógica, a partir de uma sólida fundamentação teórica sobre a apropriação da língua
materna nos fará responder adequadamente a tantos desafios?
Ao longo desses vinte e dois anos de carreira na UFMA, trabalhamos,
pesquisamos e construímos alternativas mediadas por práticas extensionistas no curso
de Pedagogia, visando resolver a questão da formação do/a alfabetizador/a. Nesse
sentido, coordenamos o projeto Escola Laboratório, situa-se nessa experiência como
lugar de apropriações de saberes sobre o ser professor de ensino de língua materna, ou
melhor ser um/a agente letrador/a. Neste projeto de extensão, desenvolvemos uma linha
de ação voltada para alfabetização de meninos e meninas em situação de
vulnerabilidade social, sob orientação de estagiários/as, bolsistas e, ou, voluntários/as
do curso. Diríamos que três grandes movimentos deram forma ao projeto. O primeiro,
movidos por uma concepção de extensão, que na época, nos fortalecia, que extensão
universitária era ir até a comunidade e possibilitar o contato dos alunos com a
comunidade, com a sociedade, extrapolando os muros da universidade. Mesmo assim, o
grupo de professoras, do referido projeto, mobilizou toda escola campo do estágio e, por
conseguinte, das práticas extensionistas, em torno da formação contínua de professores
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
O segundo movimento, vivenciamos a superação dessa visão de extensão
como via de mão única. Ou até mesmo, de necessidade de ir, sair do campus para
“comunicar” seus saberes científicos aos que, apesar de possuírem saberes populares, e
próprios de sua condição, “precisavam” dos universitários por meio de suas práticas
extensionistas, para, enfim, “serem” melhores. Ou seja, esse segundo movimento, é o de
volta. Ou ainda, o movimento que permitiu diálogos na universidade entre os estagiários
extensionistas com as crianças, suas mães, avós e demais familiares na sala de aula.
Ou até mesmo, a perspectiva do diálogo proposto como ecologia dos saberes
(Santos, 2007) , ao afirmar que, “As universidades só ensinam o conhecimento dos
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vencedores, e não dos vencidos. [...] O conhecimento universitário, científico, é
importante, mas não basta”. Assim, cria-se na universidade, uma classe experimental de
alfabetização, onde meninos e meninas do entorno social da UFMA, com dificuldades
na leitura e na escrita, ou ainda, com um histórico de reprovação, pudessem aprender
tais habilidades.
Nesse sentido, as alunas do curso, vinculadas ao projeto, iniciaram um
processo de alfabetização, sob sua responsabilidade, fundamentado nos aportes teóricos
de uma pedagogia social, ancorados nas teorias de Vigotski, Leontiev, [...] articulado á
perspectiva de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Cabe situar, que no
período de 1999 a 2009, a classe experimental de alfabetização possibilitou que um
número significativo de acadêmicos construíssem uma experiência alfabetizadora com
autonomia nas decisões teórico- metodológicas. Desse período, inúmeros trabalhos
foram publicados e apresentados em eventos científicos.
Com isto, entendemos que não seja possível apropriar-se habilidades e
capacidades para ensinar a língua materna, sem experimentar, vivenciar uma
experiência alfabetizadora. Logo, a sala de aula do curso de Pedagogia, não deve ser o
único lugar de se aprender sobre o processo de alfabetização. Porém, é o espaço
legítimo para produzirmos conhecimentos sobre tão complexo processo, lecto-escrita.
Assim, em 2010, após processo de doutoramento, iniciou-se mais uma linha de ação no
projeto e, por conseguinte, o terceiro movimento se inicia com a criação dos Atos de
Leitura Triangulada. Uma atividade para alfabetização e letramento de crianças em
situação de alta vulnerabilidade social, que se encontram matriculadas na escola pública
onde as ações do projeto escola-laboratório passou a desenvolver-se com apoio de
estagiárias, bolsistas e voluntários extensionistas. Associa-se á esses movimentos
descritos, ações articuladas com a disciplina de Fundamentos Teórico-metodológicos da
Alfabetização. O que pretendemos caracterizar, como uma experiência, também,
exitosa na formação inicial, de formar alfabetizadores, ao aproximar a extensão do
ensino em bases investigativas.
O processo formativo de docentes, com capacidades para o ensino da leitura
e da escrita, de crianças, jovens, adultos e idosos , seja no nível de escolaridade que for,
é complexo e não tem receita pronta. Depende, não só princípios e desenhos
curriculares que contemplem os aportes teóricos que fundamentam esse processo. Mas,
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de saberes, fazeres e quereres de todo um coletivo de educadores comprometidos com a
escola de ensino de língua materna, bem como, as instituições formadoras.
O currículo do curso de Pedagogia da UFMA possui um desenho que inclui a
disciplina de “Fundamentos e Metodologia da Alfabetização-60h”, no quarto período.
Além, de Fundamentos e Metodologia de Língua Portuguesa-60h. Na condição de
estudiosa desse campo de conhecimento, reconheço, que um currículo que esteja
voltado para a formação de professores alfabetizadores, não pode deixar de oferecer um
eixo ou núcleo de fundamentação teórico-metodológico que garanta estudos específicos
do ensino e da aprendizagem da leitura e da escrita, dos letramentos múltiplos e
interculturais.
Diante dessa complexidade, e, de questões como as apontadas acima,
historicamente, temos buscado em nossa prática de ensino, como formadora, trabalhar a
partir da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão como fundamento teórico-
metodológco de nossos fazeres. Para tanto, acionamos saberes pedagógicos que
garantam aos estudantes o estabelecimento de uma relação teoria e prática em cotextos
situados.
Nesse sentido, convém destacar a ementa da disciplina de alfabetização e como
trabalhamos seus conteúdos, visando alcançarmos os objetivos previstos.
A alfabetização como questão nacional: relações históricas
entre escola e alfabetização. Contribuição da Linguística, da
Psicolinguística e da Sociolinguística. Alfabetismo e
Letramento: concepções de aprendizagem da língua escrita
como representação gráfica da linguagem e desenvolvimento de
habilidades de utilização desse sistema para a interação social.
Projetos e propostas de trabalho envolvendo a leitura e a escrita.
O papel do/a professor/a alfabetizador/a: conhecimento e
habilidades. Estudo e análise de recursos didáticos e
procedimentos de avaliação no campo da alfabetização
(UFMA, 2013).
A ementa destaca os elementos importantes na disciplina e que dever apontar as
linhas de investigação, de estudo e reflexões coletivas. Assim, ao se discutir a
“alfabetização como questão nacional: relações históricas entre escola e alfabetização,”
os conceitos de alfabetismo/analfabetismo/ analfabetismo funcional;
Letramento/iletrismo/ leramentos múltiplos são estudados e, dessa forma, a turma é
desafiada, a identificar uma criança, jovem, adulto ou idosa para iniciar o processo de
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alfabetização. Essa tem sido uma das experiências mais exitosas desenvolvidas por nós
para possibilitar que futuros professores iniciem uma experiência alfabetizadora e ao
mesmo tempo, tenham exemplos, dúvidas e questões “verdadeiras” para discussão em
sala de aula.
Num primeiro momento, após a identificação do alfabetizando, é feita uma
entrevista episódica com a pessoa a ser alfabetizada. Em sala de aula, numa roda de
conversa, as entrevistas são apresentadas, refletidas e estabelecidas as relações sociais,
psicológicas e pedagógicas. Interessante destacar, nesse último ano, a quantidade de
alunos que alfabetizam familiares, avós, pais, sobrinhos, profissionais da limpeza e do
entorno da universidade, presidiários, domésticas enfim, pessoas em sua volta que não
foram alcançadas pelos “braços” da democratização da educação, diríamos.
Num contínum, cada estudante da disciplina faz seu próprio horário de
ensino/aprendizagem semanalmente, e, durante as aulas, no primeiro momento,
organizamos uma roda de conversa para colocarmos as questões/experiências do
processo de alfabetização. Nessa perspectiva, promovemos discussões conceituais sobre
a prática de alfabetizar sem “saber” alfabetizar. Portanto, uma decisão que tomamos
coletivamente, tem a ver com a organização de um kit de recursos didáticos. Letras
móveis, caderno, lápis, pasta, revistas, livros etc. As ferramentas como, computador,
ipad, smartphone, celulares e tablets, também foram utilizados por muitos alunos da
turma. Um exemplo, foi a de uma aluna que estava alfabetizando as avó, e a mesma, ao
ser questionada sobre que palavra gostaria inicialmente de escrever, ela afirmou que
gostaria imensamente de escrever os nomes dos seus doze filhos. Ao refletirmos sobre a
importância de partir de textos, palavras e frases do interesse do alfabetizando, estamos,
na verdade, considerando a perspectiva apresentada por (CHARLOT, 2000), ao afirmar
que para haver saber, três coisas são fundamentais: Atividade, Mobilização e Sentido.
Ou seja, a relação com o saber é uma relação de sentido. Assim, todos os alunos partem
do querer, do desejo de cada aprendiz. Assim, destacam-se alguns quereres: ler a bíblia,
escrever o seu próprio nome, ler as placas dos ônibus, ler uma receita, ler notícia de
jornal, poesias e tantos outros. As aulas vão sendo registradas e as produções escritas
vão sendo organizadas como memória da experiência.
As ancoragens, entretanto, vão sendo feitas á medida que vamos estudando as
abordagens previstas no programa, a exemplo cita-se: “Dimensões histórico-conceituais
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de alfabetização. Da alfabetização ao letramento: evolução histórica, os métodos e
processos de alfabetização”. Não se indica, sob hipótese alguma, um método de
alfabetização para que os alunos aprendizes coloquem em prática. Ao contrário, essa é
uma escolha individual, sobre o percurso metodológico, já que as práticas dependem do
contexto, do nível de interesse e das habilidades em mobilizadas para cada sujeito.
Entretanto, como professora formadora, acompanhamos, avaliamos e orientamos as
atividades que potencializam o processo de aprendizagem língua materna.
Em relação às abordagens teóricas, além de exposição oral, sessões de vídeos e
estudo de textos e biografias dos teóricos, as pesquisas na internet e os seminários em
grupo fazem parte de nossa programação e são cuidadosamente preparados. Em 2015,
realizamos uma experiência na disciplina que foi de grande alcance formativo, o Rodas
de Diálogos I, versando sobre letramentos múltiplos – concepções e práticas. Nesta, os
alunos da disciplina organizaram e desenvolveram um lindo processo de diálogo com as
professoras de uma escola pública, campo de estágio, sobre a temática supracitada.
Assim, na segunda unidade do programa se estuda: a “aquisição da língua escrita na
teoria histórico-cultural e na escola de vygotsky, a partir das seguintes categorias
conceituais: Conceito de Homem, Objetivação, Apropriação, Zona de Desenvolvimento
Próximo e Atividade”. Como destaca, essa abordagem teórica, ensinamos as crianças a
traçar as letras e a formar palavras com elas, mas não ensinamos a linguagem. Escrever
é registrar e expressar informações, ideias e sentimentos. (VIGOTSKY, 1995). Essa
perspectiva teórica colocava para todos os envolvidos na experiência a necessidade de
aprofundamento sobre como ensinar a língua escrita a partir desses aportes. Nesse
sentido, era possível compreender, também, a natureza dessa aprendizagem. A escrita
como instrumento cultural complexo, como afirma Vygotsky.
Outra abordagem estudada é a da psicogênese da língua escrita e as categorias
conceituais: construtivismo, ambiente alfabetizador, erro construtivo níveis de escrita:
pré-silábico, silábico e alfabético implicações metodológicas. Nesse sentido, os alunos
são desafiados a fazerem o teste da psicogênese com seus alfabetizandos e, em escola
pública onde o projeto escola laboratório se desenvolve.
Ao estudarmos os fundamentos teóricos da alfabetização de jovens e adultos,
recorremos á teoria de Paulo Freire, cujas categorias conceituais indicadas são:
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conscientização, palavra geradora, círculo de cultura, diálogo, alfabetização. Aqui se
estuda a experiência sobre as quarenta horas de Angicos e o referencial freiriano.
Segundo Freire (1990, p. 90), a leitura de mundo deve vir entrelaçada à leitura
da palavra, potencializando a leitura da palavra num contexto discursivo de interlocução
e interação com uma visão crítica da realidade. Esse fundamento possibilitou a
compreensão da importância das experiências de mundo das crianças, de suas
aprendizagens anteriores e das interações vividas naquele contexto discursivo. Assim,
em todos os momentos de aula era permitido, por meio de rodas de conversas,
momentos de diálogos e escuta das histórias que as alunas tinham para contar.
A questão da leitura e escrita na perspectiva de Celestin Freinet, é uma outra
linha de estudo do nosso programa. Logo, as categorias conceituais são; o método
natural, pedagogia do trabalho, escrita as técnicas Freinet: aula passeio, texto livre,
jornal escolar, imprensa escolar, correspondência interescolar, livro da vida, cantos de
atividade implicações metodológicas. Para Freinet (apud SANTOS, 1996) é falando que
aprendemos a falar. É escrevendo que aprendemos a escrever. Em relação ao texto livre,
esse autor apresenta como sendo uma técnica que tem suas bases firmadas na vida do
aluno, no seu meio, na sua afetividade, naquilo que ele traz em si de criador, de
dinâmico, de inteligente e de humano. Esses aportes foram sendo apropriados e
colocados em prática, na medida do possível, pelos alfabetizadores.
Finalizando os estudos, trabalha-se o texto como unidade básica no processo de
alfabetização, o ensino da leitura e produção textual, destacando as concepções de
leitura segundo Josette Jolibert, Chartier, Jean Foucambert, Frank Smith e Elie Bajard.
Durante todo desenvolvimento da disciplina, estabelecemos uma relação
teórico-prática. O que fortalece as bases formativas de futuros alfabetizadores. A parte
final, consta de ateliês e apresentação de relatórios individuais. Assim, percebemos,
quão importante foi a vivência de experiências alfabetizadoras concomitante ao
percurso da disciplina. Os depoimentos abaixo, nos permitem compreender melhor,
como diz uma aluna: “a experiência de alfabetizar é uma experiência muito rica e
importantíssima, pois dá a criança todo o suporte que ela necessita para compreender e
interpretar o mundo a sua volta”. Ou ainda,
“Foi graças a essa experiência que pude observar na prática como as
interações das crianças com a linguagem escrita e o ato de leitura são
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dinâmicas, as crianças não são apenas expectadoras nesse processo,
pelo contrário elas confrontam, consideram, refletem e argumentam
suas ideias, e trazem para esse convívio da alfabetização todas as suas
vivências cotidianas e o papel do professor neste caso é o de permitir
o diálogo e de convidar a criança a mergulhar no mundo da leitura e
da escrita- estes, portanto são fatores de incentivo e essências para que
a criança gradativamente se apodere da escrita convencional” (C.D.
2013).
Trabalhar como professor alfabetizador é uma tarefa que requer
muito mais do que conceitos ou métodos prontos, mas acima de tudo
amor. Isso porque requer toda uma dedicação, tempo e paciência para
ensinar. Características essas reservadas a poucos que acreditam muito
mais no processo do que no produto (J.F.L. 2013)
Com isto, compreende-se que o processo de tornar-se professor alfabetizador, é
complexo, porém rico de desafios e possibilidades. Porém, experiências na formação
inicial de professores, contribui de forma relevante no processo de tornar-se professores
alfabetizadores.
Conclui-se, assim, as atividades formadoras no campo acadêmico, que
favorecem a apropriação de saberes necessários ao desenvolvimento do trabalho
educativo de forma intencional e humanizadora, também, envolve a indissociabilidade
entre ensino pesquisa e extensão. Considera-se, que aprender a alfabetizar,
alfabetizando é uma experiência formadora que desenvolve contribui, ainda, para que os
futuros professores façam apropriações/objetivações de saberes e conhecimentos
necessários ao desenvolvimento de uma prática mais consolidada teoricamente.
A compreensão de que o estágio supervisionado ocupa um lugar de centralidade
no currículo de formação de professores, exige por parte dos agentes sociais que o
desenvolvem, o estabelecimento de relações de sentido a partir da articulação do ensino
com a pesquisa por meio da mediação da extensão universitária. Com isto, o Estágio em
Docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental adquire um status de lugar
privilegiado para produção/apropriação de saberes, logo passando a exigir das
universidades, flexibilização curricular para inclusão da extensão como prática social
mobilizadora da construção desses saberes.
Nesse sentido, podemos afirmar, ainda, que essa escola, apresenta-se
configurada com necessidades oriundas de um tempo em curso. Neste cenário,
acreditamos, que esta, ao encontrar-se “plugada” a uma realidade social que exige uma
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concepção de escola, aberta e integrada ao seu entorno, nos desafia na mobilização de
saberes que promovam o “encontro” dos alunos/aprendizes com os conhecimentos a
partir de uma relação de sentido. Ou ainda, que é preciso defender a ideia de escola
como espaço de convivência sendo para os seus alunos, muito mais que um lugar para
aprender. Mas, também, como território que permite viver experiências significativas a
partir de uma relação de sentido que possibilite aos seus alunos e professores sonharem,
criarem e pensarem a realidade vivida com autenticidade.
O curso de Alfabetização e Letramento Digital: diálogos e apropriações
objetivam não somente o domínio da tecnologia por parte dos alunos, mas acima de
tudo o domínio da língua materna, desenvolvendo a partir daí o pensamento crítico, a
consciência cidadã, pois acreditamos que a partir do acesso a tecnologia, por meio dos
computadores as pessoas praticam a leitura e a escrita, se comunicam, interagem com o
outro, tornam-se dessa maneira sujeitos da informação.
Nessa perspectiva, o Projeto Escola Laboratório é o lócus de ações
extensionistas cujo fundamento teórico metodológico prioriza a indissociabilidade
ensino pesquisa e extensão e a formação de professores. Com base nesses referenciais
teóricos, o grupo de estagiários organizou o processo de alfabetização articulado a uma
concepção de letramento. Ou seja, mais que aprender a ler e escrever, as crianças
precisavam compreender a escrita como uso social da língua. Com isto, entendemos que
a experiência, no Projeto Escola Laboratório tem uma base teórica que possibilita aos
sujeitos do processo, o desenvolvimento de uma prática pedagógica consistente.
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ESCRITAS NARRATIVAS NO ESTÁGIO: HISTÓRIAS DE VIDA-FORMAÇÃO
Arlete Vieira da Silva
UESC, BA
Resumo: Para o debate acerca do que é promovido sobre „Ensino e a pesquisa tendo
como foco as experiências e narrativas construídas no estágio‟, este texto situa uma
proposta teórico-metodológica, denominada de pesquisa-formação a partir do
movimento das escritas narrativas, na forma de memoriais de formação, no percurso do
estágio. Com base na pesquisa autobiográfica e no procedimento de um ateliê
biográfico, os estudantes-estagiários, sujeitos e atores das narrativas dimensionam seu
percurso de formação na pesquisa de suas histórias de vida. Dessa forma, o movimento
das escritas narrativas traduz a implicação acerca da vida dos estudantes-estagiários
com o percurso de formação construído no tempo-espaço do estágio. Este movimento
da escrita das narrativas tem demonstrado que as experiências de vida evocadas do
percurso da formação são determinantes nas escolhas, posturas e desafios em relação à
docência vivificando o „tornar-se professor‟ numa dimensão mais propositiva e
humanizadora para o exercício da docência.
Palavras-chave: Estágio; Pesquisa (auto)biográfica; formação inicial
A escrita narrativa de memoriais de formação: pesquisa-formação no estágio
O uso da escrita narrativa do memorial de formação está demarcado neste texto
como uma atividade formadora. Neste pressuposto, configura-se como um dispositivo
para a pesquisa-formação das experiências escolares vividas por estudantes-estagiários
durante o percurso do estágio, em um curso de formação inicial. Nas palavras de
Souza:
Enquanto atividade formadora, a narrativa de si e das experiências
vividas ao longo da vida caracterizam-se como processo de formação
e de conhecimento, porque se ancora nos recursos experienciais
engendrados nas marcas acumuladas das experiências construídas e de
mudanças identitárias vividas pelos sujeitos em processo de formação
e desenvolvimento (SOUZA, 2006a, p. 136).
Dessa forma, a pesquisa-formação adequou-se à investigação do processo de
formação a partir de situações de reflexão nas quais os estudantes-estagiários foram se
constituindo, discutindo e projetando práticas acerca do ensino, da escola e da docência.
Estudos e pesquisas centrados na escrita de si como prática de formação e como
método de investigação têm nas narrativas de formação um desdobramento das fontes
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autobiográficas que buscam refletir a formação docente e percursos da formação inicial,
como o procedimento para o desenvolvimento do estágio aqui descrito.
Assim sendo, a perspectiva da pesquisa-formação sustenta-se em Josso (2004)
ao conceber a abordagem biográfica como um “caminhar para si” empreendido pelo
sujeito que narra sua história de vida.
Como opção epistemo-metodológica para a formação de professores, a
investigação configurou-se, de um lado como um movimento de investigação sobre o
processo de formação e, por outro lado, a partir das narrativas (auto)biográficas, a
compreensão dos sentimentos e das representações dos atores sociais no seu processo de
formação e autoformação.
Inserida no âmbito do método (auto)biográfico (NÓVOA e FINGER, 1988),
apropriei-me da perspectiva apresentada por Pineau (1988, 2003), ao demarcar as
possibilidades das práticas de investigação-formação com histórias de vida, situando
como centro o sujeito aprendente, sua história escolar e suas experiências no processo
de formação.
Para a apropriação de concepções, papeis e encaminhamentos sobre o estágio,
detive-me nos trabalhos e pesquisas de Pimenta e Lima (2004), Souza (2004; 2006) e
Lüdke (2008a; 2008b). Verticalizei, entretanto, para os trabalhos de Souza, cujas
discussões situam-se nas dimensões epistemológica e metodológica da abordagem
(auto)biográfica, e apresentam diversas possibilidades de trabalho com as narrativas
(auto) biográficas na formação de professores e no espaço do estágio supervisionado.
Demarco os referenciais da pesquisa (auto)biografia, enquanto instrumentos e
dispositivos de formação na produção científica de Passeggi (2002; 2008), e Delory-
Momberger (2006) na proposta de realização de um ateliê biográfico como espaço de
articulação da escrita dos memoriais de formação. Acrescento, ainda, os trabalhos de
Souza (2004; 2007; 2008) e Josso (2004; 2006), no sentido de pensar as implicações
geradas na organização e construção da escrita narrativa, a partir do conceito de
experiências formadoras, da fecundidade da dimensão experiencial desta abordagem, na
medida em que tratam das especificidades das histórias de vida-formação, com ênfase
nos processos de aprendizagem e de conhecimento, no sentido da investigação-
formação.
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Em se tratando da gênese e dos procedimentos da pesquisa-formação, Passeggi
(2008) confirma que desde a introdução das histórias de vida no campo da formação de
adultos, há a associação entre formação e pesquisa, [...] admitindo que no ato de narrar
experiências pessoais ou profissionais é possível transformar saberes implícitos em
conhecimento (pesquisa), promovendo, ao mesmo tempo, a reinvenção de si (formação)
(PASSEGGI, 2008, p. 240).
O movimento de escrita do memorial de formação assume o caráter de
dispositivo ao mesmo tempo em que é uma prática institucional e processo numa
proposta de pesquisa-formação que aconteceu, no percurso do estágio, numa estratégia
de acompanhamento, portanto mediada e que intencionou o “descortinar” no processo
de formação de estudantes-estagiários acerca da docência – do tornar-se
professor/professora.
Os memoriais de formação: movimento de vida-formação para a docência
Tendo como eixo norteador a pesquisa-formação, a experiência com o estágio
aqui narrada, foi realizada com/por sujeitos em formação – estudantes-estagiários, num
contexto institucional – na Universidade Estadual de Santa Cruz, em um curso de
formação inicial e organizado na forma de um ateliê biográfico, no qual, e em uma
estratégia de acompanhamento, as escritas narrativas foram orientadas. A proposta de
pesquisa-formação, por meio de histórias de vida, foi além da utilização dos saberes
formais, reconhecendo, como importantes, os saberes da experiência. Nessa perspectiva,
a proposta do “ateliê-biográfico”, criado por Christine Delory-Momberger, define-se
como:
[…] um procedimento que inscreve a história de vida em uma
dinâmica prospectiva que liga o passado, o presente e o futuro do
sujeito e visa fazer emergir o seu projeto pessoal, considerando a
dimensão do relato como construção da experiência do sujeito e da
história de vida como espaço de mudança aberto ao projeto de si
(DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 359).
Tomado aqui como um espaço de construção da escrita narrativa, o ateliê
biográfico, na forma de uma pesquisa-formação, foi uma ferramenta estruturante que
permitiu que os atores-autores, pudessem explicitar suas experiências e transformar
saberes implícitos em conhecimento, num movimento autopoiético e heurístico e de
reinvenção e descoberta de si como sujeitos aprendentes. Passeggi (2008) ressignificou
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esse movimento (auto)biográfico ao concebê-lo a partir dessa dimensão formativa que
se desdobra em outras dimensões – a etnossociológica, a heurística, a social e afetiva, a
hermenêutica, a autopoiética e a política, admitindo, assim, que as escritas de si, longe
de comunicar o que já se sabe, constituem-se em verdadeiros processos de descoberta
(PASSEGGI, 2010, p. 115). Ou como também define Delory-Momberger (2008, p. 93-
94), citando Pineau; Jolbert (1989) “histórias de vida em formação” e “prática no campo
de uma reflexão que vê no próprio curso da vida um movimento de autoformação”.
[...] os pressupostos teóricos que inspiram os procedimentos de
formação pelas “histórias de vida” podem ser apresentados
sinteticamente sob dois aspectos: o primeiro diz respeito ao estatuto da
narrativa na “experiência” que o sujeito faz de si mesmo por meio da
produção de sua “história”; o segundo concerne à dimensão de
“projeto” constitutiva da “história de vida” e do processo de formação
(DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 95, aspas e grifos da autora).
Ao vincular histórias de vida e processo de formação, Delory-momberger (2008)
situa as histórias de vida ao lado do processo de mudança global da pessoa e da relação
que essa pessoa estabelece com o saber e, consequentemente, com a sua formação. Isso
pode ser definido como formabilidade, ao conferir ao sujeito a capacidade „de mudança
qualitativa, pessoal e profissional, engendrada por uma relação reflexiva com sua
“história”, considerada como “processo de formação” que é motivado e construído no
projeto – ateliê biográfico, ou seja, “a dimensão do projeto é, dessa forma, constitutiva
do procedimento de formação, na medida em que instaura uma relação dialética entre
passado e o futuro e abre ao formando um espaço de formabilidade” (DELORY-
MOMBERGER, 2008, p. 99).
Continuo com Delory-Momberger (2008), na referida obra, para situar esse ator
social que, na evocação e no sentido de sua experiência, constrói-se sujeito de sua ação,
no processo de biografização. Para a autora, está posto como um reconhecimento
biográfico essa associação da escrita biográfica na dimensão de um projeto ao
configurar-se como:
[...] um forte estímulo às pessoas em formação a fazerem um trabalho
reflexivo sobre elas mesmas: realizando um balanço de seus percursos
e de suas competências, inscrevendo sua formação num projeto
pessoal e profissional [...] (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 89).
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Citando Dominicé (1990), Delory-Momberger (2008) confirma que esse
“balanço individual” realizado pelo sujeito pode se configurar uma biografia educativa
caso seja considerada globalmente a história de vida como um “processo de formação”;
ou uma biografia epistêmica caso haja a evidência da relação do sujeito com o saber e
com seus modos de constituição do saber. Essa epistemologia do saber é o
reconhecimento social das aquisições da experiência que se dá quando os saberes
constituídos na ação são nomeados pelos próprios sujeitos e encontram lugar em seu
sistema de representação.
Nesse sentido, o memorial de formação foi/é instrumento para que fossem/sejam
validadas as aquisições da experiência, num movimento reflexivo que permite o retorno
do sujeito ator-escritor sobre si mesmo e sobre os seus percursos formativos,
transformando, assim, o sujeito “saberes brutos da ação em saberes formalizados e
reconhecidos” (idem, p. 92).
No procedimento de evocação da memória das experiências, a dimensão
autoformadora está sendo forjada e desenvolvida no movimento da escrita narrativa – na
forma de memoriais de formação. Assim sendo, a instalação do ateliê biográfico
configurou-se como um procedimento metodológico que, estruturado em quatro eixos
temáticos e, organizados em encontros semanais na universidade, assumiu um caráter
institucional, pois aconteceu durante os horários de aulas, com estudantes-estagiários do
curso de formação inicial em Letras, matriculados no estágio. A organização de
atividades de leitura, de debates, de apresentações orais e de sessão de vídeos não teve o
objetivo de serem atividades formadoras em si, mas oportunidades oferecidas para que
os estudantes-estagiários as utilizassem na reflexão de seus processos de formação, na
construção da escrita de seus memoriais de formação.
Contextualizando a proposta metodológica passo a descrever a organização e
encaminhamento teórico-metodológico do ateliê biográfico1 e como antes dito a
elaboração do ateliê foi articulada com base na proposta do ateliê biográfico de projeto
de Delory-Momberger, descrita na obra Biografia e Educação, com o tema
„Formabilidade e projeto de si: os ateliês biográficos de projeto‟ (2008, p.99 -102).
1 A apresentação teórico-metodológica do ateliê biográfico destaca as atividades e os procedimentos de
instalação e desenvolvimento do ateliê biográfico.
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Vale ressaltar que o ateliê biográfico, situado como um procedimento
metodológico teve a intenção de se configurar no rigor de uma estratégia de
acompanhamento, ou seja, percorreu etapas e mesmo tempo oportunizou a reflexividade
biográfica, buscou o confronto/embate do ator-autor com o seu processo de formação,
no movimento da escrita em cada encontro realizado, vislumbrando sua formabilidade.
A noção de estratégia de acompanhamento de escritas autobiográficas, utilizada
retoma os trabalhos de Delory-Momberger (2008) e Passeggi (2011, p. 65) ao ser
definida como momentos nos quais os “aprendizes” da docência buscam o
aperfeiçoamento na arte de aprender, em companhia de um orientador/mediador,
estabelecendo relações [...] mais horizontais, na medida em que promovem a autonomia
do aprendiz. Em Delory-Momberger (2006; 2008), principalmente, a estratégia de
acompanhamento refere-se ao trabalho biográfico que acontece em práticas de formação
e (auto)formação vividas pelos sujeitos em seus percursos de vida-formação. Tanto para
Delory-Momberger (2008) quanto para Passeggi (2008), a noção de acompanhamento
vincula-se a uma dimensão antropológica ao considerar que, a partir da palavra – oral
ou escrita, o adulto em formação interroga-se sobre as suas condições profissionais e
existenciais, buscando outros sentidos para sua vida-formação.
Para organizar o acompanhamento do movimento da escrita narrativa do
memorial de formação, articulando-o à instalação do ateliê biográfico, foi necessário
demarcar quais questões vinculadas à formação de professores – profissão, identidade
profissional, profissionalização, condições de trabalho, o estágio, entre outras, seriam
abordadas, com ênfase nas dimensões (auto)formativas das narrativas, das
aprendizagens e das experiências construídas, mediante um processo de mediação
biográfica. Uma tentativa de ir além do que pode ser revelado como sendo os modos de
compreender a formação para situar na singularidade e na individuação das itinerâncias
do percurso de vida-formação, o desenvolvimento profissional – aprendizagem da/e
para a docência dos estudantes-estagiários.
Dessa forma, na descrição dos eixos temáticos e dos procedimentos biográficos
provocados em cada encontro do ateliê biográfico, foi possível compreender as
subjetividades que estão/estiveram inseridas em cada percurso e que marcaram
significativamente o processo de formação dos estudantes-estagiários.
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Para o elenco das atividades e dos procedimentos realizados, os seis encontros
foram organizados através de um projeto2, (DELORY-MOMBERGER, 2008), no
sentido de que, no movimento da escrita narrativa na forma de uma pesquisa-formação,
pudesse compreender o processo de formação para a docência dos estudantes-
estagiários do curso de Letras da UESC.
O primeiro momento, denominado de informação, foi construído na forma de
uma oficina com o tema: „Memória, narrativas e formação: o memorial de formação‟,
para apresentar a abordagem experiencial própria da pesquisa autobiográfica e a
perspectiva das escritas narrativas como fontes, instrumentos para a coleta de dados
neste tipo de pesquisa. Entretanto, o foco da apresentação aconteceu em torno da escrita
narrativa na forma de um memorial como um dispositivo de formação, haja vista que os
estudantes-estagiários trazem experiências do memorial como um instrumento de
avaliação. A apresentação ficou em torno da compreensão de que, sendo um
instrumento pedagógico, caracteriza-se, ao mesmo tempo, como pesquisa e formação,
como um dispositivo, uma forma, uma estratégia ou, ainda, uma ferramenta para
agregar, na forma de narrativa, as experiências formativas. Desse modo, o memorial,
[...] como meio de investigação contribui para a apreensão de
dispositivos sobre os percursos de formação e de dimensões do
cotidiano escolar, de questões vinculadas à profissão, além de
possibilitar a apreensão de diferentes processos de aprendizagem, de
conhecimentos e de formação, através das experiências e modos de
narrar as histórias individuais e coletivas [...]. (PASSEGGI, 2008, p.
128).
Os eixos temáticos foram ferramentas para a realização do movimento da
escrita, ou seja, a escrita da trajetória que, motivada pelos encontros em sala de aula, nas
reflexões da prática e do cotidiano da escola e, principalmente, nas aprendizagens
vividas e reinventadas no percurso do estágio, configuraram-se na história de vida e do
processo de formação de estudantes-estagiários.
Eixo 1 – Trajetórias de vida pessoal e familiar
Eixo 2 – Imagem e perfil da docência
2 A opção de estruturar em um projeto justifica-se para além do suporte teórico-metodológico do ateliê
biográfico de Delory-Momberger (2008), mas em consolidar o projeto Mosaico de si: memórias,
narrativas e formação como um encaminhamento que vinha sendo desenvolvimento por mim no estágio
desde 2010 e que tinha a escrita do memorial de formação como uma injunção institucional ao se
configurar apenas como um instrumento de avaliação do componente curricular estágio.
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Eixo 3 – O estágio como campo de conhecimento e de pesquisa da
docência
Eixo 4 – Tornar-se professor: o educador e a docência (SILVA, 2012,
p. 111-112)
Outrossim, esse movimento de autonomia se refaz na reflexão do vivido como
estudante no acesso à escola em suas memórias da infância, nas evocações de
professores marcantes em sua vida estudantil, de práticas pedagógicas que o levaram à
apreensão de conhecimentos e aprendizagens e que, independente ou dependente delas,
levaram-no à busca da formação em Letras e nela o “tornar-se professor/professoras”.
O segundo momento foi denominado de elaboração, negociação e ratificação
coletiva do contrato biográfico. Dentro da especificidade desse contrato biográfico,
houve ainda esclarecimentos e o (re)conhecimento de que em se tratando de uma
pesquisa autobiográfica, com acompanhamento de uma professora formadora, havia a
necessidade de instalação de princípios éticos que fazem parte do movimento da
pesquisa autobiográfica e da relação entre os escritores-atores e a mediadora, os quais a
partir daquele momento se estabeleciam.
Superadas as etapas de informação e de organização do contrato biográfico, o
grupo foi motivado para a produção da primeira narrativa autobiográfica e sua
socialização. O procedimento adotado no ateliê, no terceiro encontro, foi planejado a
partir da solicitação de uma breve apresentação individual na tentativa de identificação
do perfil biográfico de cada estudante-estagiário e das reflexões provocadas e sugeridas
sobre as trajetórias de vida pessoal e familiar.
A organização do quarto momento do ateliê biográfico foi articulada
antecipadamente pela necessidade de uma leitura prévia. O livro Meu professor
inesquecível, organizado pela escritora Fanny Abramovich (1997)3, foi escolhido e
indicado para a reflexão biográfica sobre a trajetória de escolaridade e também sobre o
perfil e imagem da docência construída na história de vida de cada estudante-estagiário.
A escolha dessa obra literária se deu antes pelo enredo e seu aspecto motivador para que
refletissem em suas experiências sobre a profissão, a profissionalização e as condições
do trabalho docente. Estas categorias constam no programa de ensino do estágio com a
3 O livro Meu professor inesquecível foi organizado por Fanny Abramovich com o objetivo de divulgar,
publicando, os ensinamentos e aprendizagens construídas com os professores inesquecíveis de alguns
escritores.
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intenção de se constituírem de repertórios de conhecimento sobre/para a docência, a
qual é (re)construída no percurso do estágio. Cada uma dessas categorias carrega,
fortemente, apelos reflexivos para uma profunda reflexão tanto sobre a escolha para a
docência quanto para o professor/professora que desejam tornar-se. No encontro
presencial, os estudantes-estagiários foram motivados para outra escrita e socialização
posterior, no sentido de deflagrar a reflexão sobre a docência – razão da procura por um
curso de formação de professores e papel formativo do estágio como componente
curricular na formação inicial. Dessa forma, foi apresentado mais um eixo temático para
motivar a escrita:
Imagem e perfil da docência - Quem é o professor na sociedade atual?
– Memórias da profissão-professor - Por que escolhi ser professor?
Que percepções tenho da profissão professor na atualidade? Que
imagens de professores marcam minhas lembranças e de que maneira
me projetam para a formação de professor? Quais as causas de
minha decisão pela docência? Por que escolhi Letras? Houve algum
professor marcante em minha trajetória, nas disciplinas do Curso?
(eixo 2. 4º encontro do ateliê biográfico, abril de 2014).
Do movimento dessa segunda escrita (auto)biográfica, o momento da
socialização pode ser considerado um dos mais ricos e significativos pelo apelo
temático à docência e ao processo de formação para essa docência que estava sendo
construída no estágio. Inicialmente, os sujeitos socializaram sobre a história de um
professor inesquecível narrado na obra organizada por Fanny Abramovich e,
naturalmente, as narrativas foram atravessadas por suas impressões acerca dos
professores que marcaram suas vidas.
O quinto momento que, no percurso das etapas do ateliê biográfico, tratou da
Socialização da narrativa autobiográfica com perguntas dos participantes foi um
momento significativo e afetuoso entre mediadora e estudantes-estagiários. Na proposta
de mais uma vez narrar, socializando suas escritas, de uma forma mais madura, os
estudantes-estagiários confirmaram seus objetivos no processo de formação em
projeções mais concretas incidindo na configuração de que os fatos de suas histórias de
vida, narrados até o presente direcionam-se numa lógica que os levará a inserção
docente.
Neste encontro e diante da socialização dos projetos de si, os estudantes-
estagiários foram convidados à reflexão sobre o estágio no curso de Letras e de sua
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representação em seus processos de formação. Sendo um eixo temático, a reflexão sobre
a importância do estágio esteve cerceada em dois objetivos ao se configurar como o
espaço-tempo de realização do projeto desta tese e de se conceber como um lugar
aprendente (SCHALIER, 2008) acerca da docência.
Não sendo um questionamento, mas uma afirmativa, o último momento
presencial com o grupo de estudantes-estagiários, denominado por Delory-Momberger
(2008) de síntese para um balanço da incidência da formação no projeto profissional de
cada um, foi motivado com a sugestão do filme Sociedade dos Poetas Mortos e com a
reflexão do quarto eixo temático:
Tornar-se professor. O educador e a docência.
Há um professor crescendo dentro de mim? Como me percebo nesse
processo de construção de uma identidade de professor? (eixo 4. 6º
encontro do ateliê biográfico, junho de 2014)
No projeto profissional refletido no percurso do estágio, a unidade significativa
do „tornar-se professor‟ está como a prospecção natural desse percurso. A aprendizagem
da docência está demarcada em muitos saberes construídos no processo de formação,
entretanto, há um destaque para os saberes da experiência revisitados durante o estágio,
demarcando um necessário rigor aos saberes escolares e à mediação como um
procedimento de construção do conhecimento.
Ainda considerações: O estágio como lugar da pesquisa-formação
A escrita dos memoriais de formação é um dispositivo de pesquisa-formação, no
qual os estudantes-estagiários se implicam ao narrarem suas experiências que compõem
um tecido de experimentações produtoras de aprendizagem.
As narrativas (auto)biográficas construídas e tendo como centralidade as
experiências dos estudantes-estagiários, foram marcadas por aspectos históricos e
subjetivos mediados nas reflexões e nas análises construídas a partir do ato de lembrar e
de narrar. Tão logo, o sentido da compreensão das experiências foi coerente com a
análise compreensivo-interpretativa ao considerar as subjetividades, o valor heurístico
que as narrativas implicaram como fonte e recolha de dados.
Para essa compreensão, foi em Dominicé (1988) que encontrei fôlego para
atribuir a cada um dos eixos temáticos a denominação de pontos de referências para
melhor compreender a dimensão formadora da experiência narrada nos memoriais de
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formação. O primeiro eixo, que denominei de Trajetórias de vida pessoal e familiar,
evidenciou a importância do contexto familiar como um lugar que marcou o processo de
autonomização do sujeito autor-ator – os estudantes-estagiários, ou seja, aquilo em que
cada um se torna é atravessado pela presença de todos aqueles a quem se recorda. Na
narrativa biográfica, todos os que são citados fazem parte do processo de formação: a
família é o lugar principal dessas mediações. Os pais são objetos de memórias muito
vivas. Estabelece-se com cada um deles uma relação particular que vai, por vezes,
mostrar-se determinante na orientação escolar ou profissional (DOMINICÉ, 1988, p.
87).
Essa autonomização, reiterada no primeiro eixo, situado como um componente
do processo de formação está em interação com outros processos e, como tal, pode
influenciar de forma importante as escolhas realizadas na trajetória de vida em relação
ao tornar-se professor/professora.
Da mesma forma, no segundo eixo, o qual foi denominado de Imagem e perfil
da docência, cuja motivação estava em buscar a experiência com os professores
inesquecíveis foi expressa essa influência da família e reiterada no percurso de
socialização com o vivido na escola. Refletir a partir das imagens de professores e neles
estabelecer relações com o perfil da profissão e da profissionalidade permitiu que o
tempo vivido, no percurso da formação, com os seus professores os identificassem
como inesquecíveis, e, dessa forma, os estudantes-estagiários, compreendessem todas as
idiossincrasias próprias da docência que configurou seu processo de formação, ou seja,
as relações construídas com esses professores inesquecíveis os ajudaram a moldar suas
vidas e escolhas acerca da professoralidade. Sinalizo, portanto, dessa relação que a
formação é feita da presença do outro, daqueles de que foi preciso distanciar-se, dos que
acompanharam os momentos-charneira (JOSSO, 2004), dos que ajudaram a descobrir o
que é importante aprender para nos tornarmos competentes e dar sentido ao nosso
trabalho.
Nas imagens e nas lembranças desses professores, tem-se uma aproximação do
que Josso (2004) define de recordações-referências como sendo elementos constituintes
da narrativa de formação e que incidiram e ressignificaram as experiências dos
estudantes-estagiários. As recordações-referências são, portanto, referências das
motivações de determinadas escolhas, das influências que atravessaram as trajetórias de
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vida, dos modelos, dos momentos vivenciais que “fizeram/fazem dos sujeitos
singulares/plurais individualidades dinâmicas, porque reflexivas, em constante vir a ser,
sendo” (ABRAHÃO, 2011, p. 168).
Na reflexão sobre o estágio como campo de conhecimento e de pesquisa da
docência, configurado como o terceiro eixo que referendou a dimensão formadora das
experiências narradas nos memoriais de formação, foi possível articulá-lo como lugar
aprendente na dimensão das aprendizagens dos estudantes-estagiários sobre a docência
e de suas idiossincrasias acerca da profissão professor, mas também associá-lo aos
repertórios de conhecimento considerados necessários desde este tempo de iniciação no
percurso do estágio, bem como o desenvolvimento profissional que está latente no
processo de formação.
Referências ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Memoriais de formação: a (re)significação das
imagens-lembranças/recordações-referências para a pedagoga em formação. Educação. Porto
Alegre, v. 34, n. 2, maio/ago. 2011, p. 165-172.
ABRAMOVICH, Fanny (org.) Meu Professor Inesquecível: ensinamentos e aprendizados
contados por alguns dos nossos melhores escritores. São Paulo: Ed. Gente, 1997.
DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e Educação: figuras do indivíduo/projeto.
Tradução e revisão científica de Mª da Conceição Passeggi, João Gomes da Silva Neto e Luis
Passeggi. Natal/RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.
DELORY-MOMBERGER, Christine. Formação e socialização: os ateliês biográficos de
projeto. Educação e Pesquisa, São Paulo. V.32, n. 2 p. 359-371, maio/ago. 2006.
DOMINICÉ, Pierre. L’histoire de vie comme processus de formation. Paris: L‟Harmattan,
1990.
DOMINICÉ, Pierre. O processo de formação e alguns de seus componentes relacionais. In:
NÓVOA, Antonio; FINGER, Mathias (Orgs.). O método (auto)biográfico e a formação.
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JOSSO, “Prefácio”. In: SOUZA, Elizeu Clementino de; ABRAHHÃO, Maria Helena Menna
Barreto (Orgs.). Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre:
EDIPUCRS/EDUNEB, 2006, p. 07-13.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Lisboa: EDUCA, 2004.
LÜDKE, Menga; Aproximando a universidade da escola de educação básica pela pesquisa no
mestrado. Relatório Final de Pesquisa. Departamento de Educação. Rio de Janeiro: PUC-
RJ/FAPERJ, 2008a
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OS SABERES (AUTO) BIOGRÁFICOS: DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO
INICIAL
Áurea da Silva Pereira
DEDC II - UNEB/Pós-Critica
Resumo
Discute-se, neste texto, as aprendizagens construídas no processo formativo de Estágio
na sala de aula. O recorte apresentado faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado
Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa: retratos,
imagens e registro de narrativas, portfólios e memoriais. A pesquisa teve início em
2012 com a participação de dois bolsistas. A pesquisa apropria-se dos pressupostos
teóricos da pesquisa qualitativa e apoia-se na pesquisa documental analisando
memoriais e portfólios. Para a escrita deste texto, utilizou-se um portfólio de
aprendizagem escrito por um estudante-estagiário que narra experiências formativas de
estágio II – denominada como oficina de intervenção. As narrativas registradas nos
portfólios oportunizam a debruçar-se sobre as aprendizagens, promovendo uma
autorreflexão acerca das práticas pedagógicas vividas na sala de aula.
Palavras-chave: narrativas de estágio; portfólios; aprendizagens.
Contextualização da pesquisa
Pretende-se, neste texto, apresentar e discutir as aprendizagens construídas no
processo de Estágio na sala de aula. O recorte do estudo abordado faz parte do Projeto
de Pesquisa Estágio de Letras na Formação de Professores de Língua Portuguesa:
retratos, imagens e registro de narrativas, portfólios e memoriais. A investigação teve
início em 2012 e teve a participação de dois bolsistas do Programa de Iniciação
Científica da Universidade do Estado da Bahia - PICIN /UNEB. Tomamos como objeto
de estudo, narrativas autobiográficas que constituem os portfólios e memoriais de
estudantes-professores graduandos de Língua Portuguesa do curso de Letras do Campus
II, do Departamento de Educação – DEDC da UNEB, construídos durante o período de
estágio.
A idealização da proposta de portfólios e memoriais como dispositivo
metodológico, no Estágio Supervisionado, começou a ser delineada entre os anos de
2008 a 2009 quando comecei com os estudantes as leituras das narrativas. Porém,
inicialmente, o objetivo era puramente avaliativo, pois desejava saber como os
estudantes se percebiam no processo de escrita de si acerca do estágio. As narrativas me
surpreendiam cada vez mais, e eu não sabia que o material se constituía em documentos
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para além do estágio: fontes de pesquisa para formação docente e um contributo teórico-
metodológico para estudantes-estagiários, professores supervisores e orientadores de
Estágio.
Na condição de professora orientadora e supervisora de estágio, comecei a
experimentar os portfólios e memoriais como dispositivo teórico-metodológico na
formação inicial da docência: o Estágio. As narrativas que compõem os portfólios
permitiam/permitem aos estudantes em iniciação docente falar de si, escrever sobre si e
de sua práxis da docência de estágio. O ato de escrever sobre si na elaboração do
portfólio e do memorial é um modo de revelar-se para dizer quem é, como tem pensado
a docência e o porquê das escolhas no processo formativo (PEREIRA, 2013). Ainda
segundo Pereira (2013, p.187):
[...] tomamos a escrita autobiográfica como eixo metodológico como forma
de propiciar espaços e estratégias que permita a cada estudante e professor
formador a pensar sobre sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional. E a
construção de portfólios e memoriais como gêneros textuais e instrumentos
que permitem que as estudantes escrevam suas percepções, crises, aulas,
dilemas, inferências e estratégias construídas nesse processo de autoformação
e construam suas histórias de discentes e docentes. Ao narrar sobre si, o/a
estudante se constitui como autor/pesquisador e ao mesmo tempo, ele se
convoca a se responsabilizar sobre o ato de escrever e dizer sobre si.
As narrativas me instigavam mais e mais, e comecei a pensar sobre um projeto
de pesquisa com o qual pudesse estudar os portfólios, construídos através de narrativas,
confeccionados pelas estudantes-estagiárias. Diante das experiências com as narrativas e
análise do material, na condição de professora de Estágio Supervisionado construí o
projeto de pesquisa e o submeti à avaliação do Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino na
graduação e pós-graduação e ao Comitê de Ética da Universidade do Estado da Bahia.
Pereira (2013, p. 187) coloca:
A escolha por portfólios se dá por entendermos que se trata de uma estratégia
didática de aprofundamento do conhecimento sobre o processo ensino-
aprendizagem e natureza reflexiva, colaborativa e interpessoal dos processos
de construção do conhecimento. Acreditamos que o registro pontual e
reflexivo das aulas/atividades/reflexões narradas no portfólio dão subsídios
para um olhar de si no ato de narrar e registrar os acontecimentos da prática
docente; além disso, permite a construção do retrato pedagógico na sala de
aula.
A escrita de si conta, narra, reflete e reaprende sobre as aprendizagens
pedagógicas e linguisticas no processo de formação inicial. As narrativas registradas nos
portfólios permitem que os estudantes se debrucem sobre si e teçam as dificuldades
pedagógicas vividas na sala de aula, na busca de estratégias didáticas para alcançar os
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obejtivos propostos para cada plano de aula. Nos portfólios, os estudantes-estagiários
registram as aulas, narrando-se, apresentando episódios, cenas, descrições que são
captadas no processo interativo pedagógico. Como pontua Bastos (2015, p.62) “Os
portfólios de aprendizagem são dispositivos que permitem captar a singularidade de
cada docente, em formação inicial, durante o processo de formação superior”.
No trajeto da atuação no campo de estágio, enquanto
professora/pesquisadora/orientadora/supervisora, tenho experienciado questionamentos,
a saber: (a) como se configura o estágio no curso de Letras? (b) como os professores se
apropriam das teorias e elaboram e reelaboram sua prática pedagógica? (c) como os
professores de Língua Portuguesa (res)significam os saberes teóricos e os saberes da
experiência no cotidiano escolar? Quais os sentidos das aprendizagens do Estágio?
Questões desta natureza põem em debate o currículo do curso de Letras e seu papel na
formação pedagógica, intelectual e política, e as contribuições do Estágio
Supervisionado como componente que tem um diálogo permanente com a educação
básica.
Questões dessa natureza corroboram com Lima (2012, p.29), ao afirmar que:
“Fazendo do Estágio espaço de pesquisa que espero contribuir na formação de
professores críticos-reflexivos, competentes, comprometidos e cientes de sua função
social”. Então, pesquisar sobre a contribuição do Estágio de Letras e sua práxis na
formação profissional no âmbito da pesquisa e da docência, implica investigar os
saberes construídos na pesquisa, no ensino e na extensão, por meio do diálogo que se
estabelece e constrói entre o Estágio I até o Estágio IV em Língua Portuguesa e
Literaturas do Curso de Letras do Campus II - UNEB, município de Alagoinhas (BA).
De acordo com Pereira (2013, p. 182):
Há tempos temos nos perguntado sobre a função política, social e educacional do Estágio na formação docente dos cursos de licenciaturas.
Somos nós professores de Estágio que acompanhamos estudantes dos cursos
de Licenciaturas nas escolas. Somos nós que propomos o diálogo entre a
escola e a universidade. Por outro lado, somos nós que experienciamos as
crises entre as escolhas, os espaços de educação, planejamentos. Somos nós
também que recebemos e-mails que dizem assim: “Professora eu não desejo
ser professora de ensino fundamental e médio, por favor, me arrume outro
lugar para fazer o estágio; Professora, eu não quero mais ficar naquela sala de
aula, a regente me deixou só...” Entre outras questões, temos também os
outros componentes curriculares junto com o componente estágio; ou apenas
uma falsa aparência de que o estágio se configura apenas como cumprimento
de carga horária.
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Questões dessa natureza fortaleceram nossas decisões quanto a pensar em
dispositivos metodológicos, oportunizando a cada estudante-estagiário o acesso a si a
mesmo e à sua práxis de formação na docência, a partir de suas narrativas formativas,
como recomenda Delory-Momberger (2008, p. 56): “A narrativa (auto) biográfica
instala uma hermenêutica da „história de vida‟, isto é, um sistema de interpretação e de
construção que situa, une e faz significar os acontecimentos da vida como elementos
organizados no interior de um todo”. Como acena Bolívar (2012, p. 40-41):
Em su magna obra Tiempo y narración, Ricoeur(1995) hace uma
hermenêutica de laconciencia histórica subrayando El valor productivo
(“poiético) Del relato para re-presentar (“mímesis”) laacción,
transformándola - mediante supuestaenorden o sentido - en una intriga.
Mediando entre los relatos históricos y los relatos de ficción está el relato
de nuestrapropia vida: “la historia narrada diceelquién de laacción. La
identidad Del quien no es, pues, Ella misma más que una identidad
narrativa”. La hermenêutica de los textos permite hacer - a través del
relato - hermenêutica de la vida humana. De este modo, el modelo
compreensivo de Ricoeur possibilita unos fundamentos epistemológicos a
laconstrucción de lás historias de vida.
Os humanos são dotados de competências para se narrarem. Aliás, uma parte de
nossa vida transcorre no contar histórias e refleti-las. Ao narrarmos episódios e ações
refletimos sobre aprendizagens pedagógicas e nos reconhecemos como responsável ou
corresponsável pelas ações, fundamentando-as nas teorias estudadas na universidade, e
mobilizando-as para as ações didáticas no processo de ensino e aprendizagem em sala
de aula. Esses registros ganham poder nas narrativas, potencializando os conhecimentos
acerca de si e do contexto pedagógico e acadêmico, avaliando-se, ao mesmo tempo em
se percebe como professor. Passeggi (2012, p. 41-42) observa que:
Uma criança de 05 (cinco) anos pode nos dizer: “Quando eu era pequeno eu
não gostava de tomates”; “Quando eu crescer, eu quero ser grande”.
Mediante essas pequenas narrativas, a criança se desdobra como objeto de
reflexão e como ser reflexivo; coloca-se em cena como espectador e
espetáculo; observa-se, avalia-se, projeta-se como espectador e objeto
pensado. É essa a dialética entre ser e a representação do ser, mediada pela
interpretação, nas narrativas de si, que nos permite falar de reflexividade
autobiográfica.
A interpretação de si diante da própria representação permite a cada humano
voltar para si mesmo, fazendo um balanço de como se tornou a ser o que se é hoje e
como se predita para o futuro. No entender de Passeggi (2012, p. 43) “Mediante a
linguagem e a narrativa é possível reabrir o passado e se projetar em devir”. Ao
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biografizar as próprias narrativas, o estudante-estagiário se apropria do tempo
cronológico e psicológico, colocando-o num tempo humano presente, atualizando o
passado.
Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa - “narrativas
autobiográficas” nos portfólios de aprendizagens
A leitura e a análise das narrativas, em estudo, buscaram a teoria da
interpretação de Ricoeur (1976) como perspectiva epistemológica para interpretar as
categorias que emergem das “questões-problema” da pesquisa e da proposta
metodológica do campo de Estágio, bem como dos objetivos propostos através da
investigação acerca do objeto em análise. A apreciação das narrativas tem por base a
compreensão sobre si mesma, como se reconhecem nos seus percursos formativos da
docência. Para análise das fontes coletadas, utilizamos a trama interpretativo-
compreensiva (RICOEUR, 1976) e análise compreensiva de Bertaux (2010); além
disso, apropriamo-nos da pesquisa documental por utilizar documentos que se
constituem como uma fonte rica de informações explicada pelo uso da técnica
documental nas áreas das Ciências Humanas e Sociais (CELLARD, 2008). Esse tipo de
análise cria possibilidades de ampliar a compreensão acerca do objeto de estudo.
A pesquisa documental se constitui num método que utiliza a apreensão,
compreensão e análise de documentos diversos. Faz-se necessário ainda explicar que o
documento como fonte de pesquisa não precisa necessariamente ser escrito ou impresso.
Numa pesquisa documental, podemos incluir: filmes, vídeos, slides, fotografias ou
pôsteres. Tais documentos podem ser utilizados como fonte de informações. No caso
desta pesquisa, usamos Portfólios de aprendizagem: documentos oficiais de Estágio de
Letras. Para o corpus apresentado nesse texto, foi considerado apenas um portfólio
elaborado no semestre 2012-1.
Os Portfólios permitem ao estudante-estagiário em formação inicial “avaliar a si
próprio, tendo como parâmetro sua condição inicial de aprendizagem, sendo capaz de
visualizar as conquistas, os desafios e, ao mesmo tempo, as reais potencialidades [...]”
(ALMEIDA; GOMES; TINÓS. p.210). Uma vez que, refletir sobre seu próprio
processo de aprendizagem contribui para transformamo-nos, a melhorar aquilo que
ainda nos falta e valorizar os nossos avanços, valendo-nos sempre da premissa de que
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somos sujeitos em constante processo de mudança e corresponsáveis pelos avanços e
entraves. Conforme afirmam Almeida, Gomes e Tino (2011, p. 210):
[...] portfólio de aprendizagem constituiu na elaboração de uma auto e uma
heteroavaliação, de maneira que cada um pudesse, ao mesmo tempo, se ver e
ver o outro, o seu par, em todo o itinerário em que esteve implicado. Com tal
procedimento, mediante a metacognição como processo de autorregulação da
aprendizagem, de relações construídas entre causas e conseqüências,
buscamos garantir a globalidade da aprendizagem. Avaliar a si próprio, tendo
como parâmetro sua condição inicial de aprendizagem, sendo capaz de
visualizar as conquistas, os desafios e, ao mesmo tempo, as reais
potencialidades, foi um procedimento útil nessa etapa do trabalho.
As narrativas que constituem os portfólios oportunizam ao estudante-estagiário
em formação inicial, a auto avaliação de sua prática docente, tendo a oportunidade de
interpretar-se, analisar-se, reescrever-se e inscrever-se como objeto de estudo de sua
formação. Os fenômenos que acontecem na sala de aula estão/estarão presente nas
autobiografias do modo como cada estudante-estagiário se percebeu no processo.
Os portfólios são constituídos de narrativas autobiográficas, planos de aulas,
atividades escritas, exercícios, textos produzidos pelos estudantes da educação básica
das escolas públicas do município de Alagoinhas (BA). Nas narrativas do portfólio em
estudo adotou-se nome fictício, a fim de preservar a imagem pessoal, acadêmica e
profissional do autor. As narrativas construídas no processo de formação docente
permitem um olhar sobre sua construção identitária da docência imbricada na
profissionalização e construção dessa identidade. Não há projeto de formação que não
esteja entrelaçado com a identidade de cada um. O excerto textual retirado do portfólio
do estudante-estagiário Paulo, apresenta a primeira experiência na docência, o Estágio
Supervisionado II. Nesse Estágio, os estudantes organizam oficinas de intervenção
pedagógica com base na pesquisa realizada durante o Estágio I concebido como Estágio
de observação.
Logo que chegamos à sala de aula nos apresentamos para os alunos,
explicando o motivo de estarmos ocupando a aula de Língua Portuguesa e ao
mesmo tempo situando-os a respeito da regulamentação da Lei 10.639, que
estabelece como norma o ensino da cultura afro-brasileira na escola. [...]
Lemos um conto sobre racismo que retiramos da internet de autoria
desconhecida, pois propositalmente não providenciamos cópias para eles,
uma vez que objetivávamos também a prática de escuta de textos literários
[... Para nossa surpresa, entretanto, durante a leitura do poema todos os
estudantes estavam atentos, de ouvidos bem abertos para o que estava sendo
lido, o que já me deixava contente. Ainda que no fim da leitura eles
dissessem que não haviam entendido nada, ficaria ainda assim contente pelo
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fato de terem escutado a leitura. Ao término da leitura, mais uma feliz
surpresa: todos os alunos bateram palmas. Eu pensei: meu Deus eles bateram
palmas! Isso mesmo eles bateram palmas e, se tomaram essa atitude foi
porque gostaram e se gostaram foi porque entenderam a mensagem. A partir
desse momento, para mim a oficina já tinha superado minhas expectativas.
Pensei que os estudantes teriam dificuldades de concentração, pois afinal a
turma desde sempre tinha se mostrado inquieta, mas foi justamente o
contrário. A turma foi bastante participativa, discutiu o tema, trouxe
exemplos do cotidiano, enfim, interagiu muito conosco. Esse momento de
debate me fez perceber que nós, ainda que na posição de professores, temos
muito a aprender com nossos alunos. Sempre escutei isso, mas sem dar muito
crédito, mas através desse primeiro dia de oficina pude ver que, mesmo com
pouca idade, eles efetivamente têm o que nos ensinar e que nós, sem sombra
de dúvidas, podemos aprender com eles. Digo isso, pois durante esse
momento de discussão do texto um dos alunos, Vinícius, sinalizou algo que
no texto eu não tinha notado e que sem dúvida contribuiu muito para o
enriquecimento das discussões. Além disso, me senti muito acolhido e
respeitado pela turma. Me senti muito confortável. ( Paulo, 2012-1).
Observa-se como o estudante-estagiário narra uma de suas primeiras experiências
de estágio. Ele se apresenta e vai se constituindo professor enquanto se narra no
processo de mediação pedagógica. Munido de vontade, desejos e muitas expectativas
em corresponder ao planejamento da oficina, a leitura de texto sobre o racismo no
Brasil, ao que parece, rendeu muitas discussões na aula e supriu as expectativas do
estudante-estagiário. Percebe-se que a identidade docente é demarcatória na narrativa
ao se colocar sempre na primeira pessoa do plural, envolvendo a colega que realizou a
oficina com ele. As aprendizagens construídas no processo interativo com os estudantes
demonstram e garantem a mobilização dos conteúdos presente no texto sobre racismo.
Pode-se afirmar que “[...] os processos formativos pessoais e os processos formativos
profissionais constroem-se mutuamente a formação de um sujeito – é a sua inserção em
um mundo conceitual e prático” (FÁVERO; TONIETO, 2010, p. 29). Entretanto, como
pontua Schön (2000, p.131):
É sempre difícil dizer o que um estudante finalmente aprendeu a partir da
experiência de uma aula prática reflexiva. É especialmente difícil dizer, o que
[...] não aprendeu, porque a experiência do ensino prático pode criar raízes no
subsolo da mente, na frase de Dewey, supondo significados sempre novos no
decorrer do desenvolvimento de uma pessoa.
A aprendizagem construída em uma aula prática torna-se significativa à medida
que o estudante entra em uma nova experiência, num novo contexto pedagógico. Ao
perceber o que está em seu entorno e o que há de diferente nessa nova aula, o estudante-
estagiário pode avaliar-se e refletir sobre as aprendizagens, bem como acerca dos
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desafios que ainda precisa enfrentar, como narra a aula realizada em outro espaço
pedagógico:
Na segunda parte da oficina, levamos duas notícias que traziam como
manchete o racismo cometido contra pessoas negras na atualidade, cujos
títulos eram: Senador italiano compara ministra negra a orangotango e
Montagem compara vereadora negra e travesti de Piracicaba a chimpanzé,
ambas retiradas do site de notícias G1. A proposta inicial era que, os
estudantes, divididos em dois grupos, pudessem ler e discutir a notícia entre
si e, posteriormente, lê-la para toda a turma, buscando apresentar a situação
problema trazida pela reportagem, de maneira que todos pudessem
compreender que as práticas de racismo, esteriotipação e desvalorização da
figura do negro não são algo do passado e ainda se perpetuam nos dias atuais.
[...] Após o momento de leitura, os estudantes puderam argumentar contra ou
a favor ao conteúdo da notícia. De imediato, eles se colocaram contra as
práticas de racismo que estava sendo noticiadas, buscando argumentar da
melhor maneira possível. Nossa oficina não tinha nenhumarelação direta com
as redes sociais, muito menos com o Facebook. Entretanto, as discussões
sobre esta rede de relacionamento nos fez sugerir que as discussões em sala
de aula pudessem ser levadas por eles para as redes sociais, em especial o
Facebook, realizando, assim, uma corrente contra as práticas de racismo e
outras formas de desrespeito contra as pessoas negras. Com issoaprendi que
uma aula pode ir além daquilo que planejamos, e creio que os estudantes
talvez tenham percebido as aulas de Português para além da sala de aula. (
Paulo, 2012.1).
O estudante-estagiário descreve em sua narrativa estratégias para realização da
atividade didática e apresenta os resultados da atividade com encaminhamentos e
reflexões, propondo a se pensar de fato na função da aula de Português. Vê-se que aula
está imbricada numa prática reflexiva do fazer docente. Para Schön (2000, p.133): “Um
ensino prático reflexivo é uma experiência de alta intensidade interpessoal” que merece
levar em conta a realidade cultural e social dos estudantes, bem como a vulnerabilidade
e os diversos comportamentos presentes na sala de aula. Percebe-se que os saberes
discentes ganharam outros sentidos e o estudante-estagiário assume a docência
mobilizando os discentes para sua ação pedagógica, transformando-os em pactos e
estratégias de combate ao racismo nas redes sociais.
Em razão disso, não podemos pensar educação e escola, sem pensar no perfil do
professor que nela irá atuar, pois ele é o ingrediente principal para a construção da nova
identidade escolar. Para Libâneo (2004, p. 7) “[...] não há reforma educacional, não há
proposta pedagógicas em professores, já que são os profissionais mais diretamente
envolvidos com os processos e resultados da aprendizagem escolar”.
A realidade e o ambiente educativo nos quais os estudantes-estagiários realizam
suas práticas de estágio deveriam ter o papel político e pedagógico de discutir, propor
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questões e repensar atitudes preconceituosas vividas no ambiente escolar. Muitas destas
consideradas como normais pelos professores-regentes, como se pode observar no
excerto textual a seguir:
Terminada a atividade, nos arrumávamos todos para sair da sala e logo os
meninos e meninas começaram a devolver os textos que havíamos entregado
para a realização da atividade. Logo que percebi que tais textos estavam
sendo devolvidos, falei com a professora que seria bom que os estudantes
ficassem com os textos, que não havia necessidade de devolverem. Para
minha infeliz surpresa, a professora me respondeu que não, que não
deveríamos dar os textos aos estudantes. Se nós não os quiséssemos,
podíamos dar a ela, mas aos estudantes não, porque iriam, segundo ela,
rasgar, e não teriam cuidado, enfim não saberiam como utilizar. Neste
momento a fala da professora me pareceu agressiva, como se ela tivesse
chamando os estudantes de selvagens. Entretanto, este modo de falar me
pareceu grosseiro, não foi nada comparado a ótima discussão e participação
dos estudantes durante toda a realização das atividades. (Paulo, 2021-1).
Observa-se como a atitude da professora-regente chocou a concepção de
educação e formação do estudante-estagiário. Como os textos podem ser negados aos
estudantes? O pensamento da professora está arraigado numa concepção de mundo
etnocêntrico e de hierarquização dos saberes e valores incutidos na sociedade. Logo, a
professora-regente propõe que os textos deveriam ficar com os professores e não com os
estudantes. “A realidade, o ambiente educativo e a própria noção de ser humano são do
ponto de vista técnico-instrumental-comportamentalista, fenômenos objetivos que
podem ser manipulados por meio de intervenções e controle do ambiente” (FÁVERO;
TONIETE, 2010, p. 43).
São espaços educativos como esses nos quais os estudantes-estagiários vão se
constituindo, reconstruindo valores e identidade e, ao mesmo tempo, se inscrevendo
como professor. E, se “não cair na cilada da burocracia curricular escolar”, o professor
estagiário poderá escrever outra escola - um espaço educativo prazeroso para todas as
classes sociais. Porém, é preciso ter determinados cuidados com nossos discursos, bem
como gêneros textuais que levamos para o ambiente escolar, pois como aponta Delory-
Momberger (2008, p. 117):
Na experiência que as crianças e os adolescentes têm da escola, os signos e
os discursos segundo os quais se diz e se lê o mundo constituem um dos
primeiros campos de conflito entre mundo-da-vida e a cultura escolar. De
fato, a escola é, por excelência, um lugar de produção de signos e de
discursos: tudo o que é ensinado, aprendido, avaliado na escola, é feito por
signos.
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Por outro lado, “os professores não conseguem refletir concretamente sobre
mudanças porque são eles próprios condicionados ao contexto que atua”(PIMENTA,
2002, p. 23): Porém, mesmo sabendo que “não há transparência, inocência, neutralidade
na cultura escolar (DELORY-MOMBERG ER, 2008, p. 119), o espaço educativo está
sujeito a mudanças, contornos e tons impregnados de signos e símbolos que propõem a
reflexão e a ressignificação do mundo e da vida cotidiana. Em pouco tempo, o
estudante-estagiário conseguiu perceber a participação e envolvimento dos estudantes
na atividade realizada, pois se trata de uma realidade vivida nas escolas públicas
brasileiras, como a questão do racismo. Portanto, corroboro com Lima(2012, p. 37), ao
afirmar que “o Estágio como espaço e processo aberto – contextualizado - permite
elaborar uma nova cultura emergente na ação docente”.
A escrita das narrativas autobiográficas sobre as aulas de Estágio propõe ao
estudante-estagiário pensar na sua formação acadêmica e no professor que quer se
tornar conduzindo-o à reflexão da ação da pedagógica. Assim, tomando como
parâmetro a etnografia da escola e as práticas pedagógicas sala de aula, eles constroem
projetos de intervenção pedagógica realizados no Estágio Supervisionado II durante as
oficinas. A escrita do Estágio permite refletir sobre o Estágio enquanto espaço de
formação e aprendizagem na construção do processo identitário, pois, como afirma
Nóvoa (2000, p. 10), “todo conhecimento é autoconhecimento, toda formação é
autoformação”. Isso fica evidente em Delory-Momberger (2008, p.36), ao discutir a
importância das narrativas autobiográficas no processo de formação docente:
O ser humano apropria-se de sua vida e de si mesmo por meio de histórias.
Antes de contar essas histórias para comunicá-las aos outros, o que ele vive
só se torna sua vida e ele só se torna ele mesmo por meio de figurações com
as quais representa sua existência. A primeira dessas figurações, a mais
matriarcal e abrangente, aquela que de certa forma enquadra a infinita
multiplicação das histórias humanas, concerne ao desenrolar da vida. Tanto
na sua linguagem mais coloquial quanto nas criações mais elaboradas, os
homens recorrem às palavras e imagens que transpõem para uma
representação espacial o desenvolvimento temporal de sua existência: linha,
fio, caminho, trajeto, estrada, percurso, círculo, carreira, ciclo de vida. O
homem escreve no espaço a figura de sua vida.
Narrar-se sobre o processo formativo é contar para si como está se
experimentando a prática pedagógica de Estágio na sala de aula e, ao mesmo tempo,
refletir sobre as aprendizagens de si, da docência e práticas educativas experienciadas.
Esse dispositivo metodológico dá “[...] ao (futuro) professor as chaves para o acesso ao
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processo histórico de sua formação, aos conhecimentos implícitos e as novas formas de
aprendizagem” (PASSEGGI, 2008, p. 43). “A narrativa de um percurso intelectual e de
práticas de conhecimento põe em evidência os registros da expressão dos desafios de
conhecimento ao longo de uma vida. Esses registros são precisamente os conhecimentos
elaborados em função de sensibilidades particulares em um dado período” (JOSSO,
2004, p. 43).
Narrar sobre si é construir conhecimentos implícitos e novas aprendizagens. Por
intermédio da escrita de si, o sujeito tem a oportunidade de refletir sobre seu processo
formativo, pois como afirma Souza (2006, p. 102): “[...]a arte de lembrar remete o
sujeito a observar-se numa dimensão genealógica, como um processo de recuperação do
eu, e a memória narrativa marca um olhar sobre si em diferentes tempos e espaços, os
quais se articulam com as lembranças e as possibilidades de narrar às experiências”.
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