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SENTIDOS E SIGNIFICADOS SOBRE DOCÊNCIA E CONCEITOS
MATEMÁTICOS: CONTRIBUIÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DO
TRABALHO PEDAGÓGICO
Marisa da Silva Dias
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (UNESP)
RESUMO GERAL: O objetivo desse painel é discutir, a partir dos resultados de três
pesquisas, de cunho qualitativo, fundamentadas na teoria histórico-cultural e
desenvolvidas em duas universidades públicas (UFSCar e Unesp), situadas no estado
de São Paulo, possíveis contribuições que as produções de sentidos sobre o fazer
docente – explicitadas por professores que ensinam Matemática, em um contexto de
formação continuada, bem como, as produções de sentidos e de significados expressas
tanto por licenciandos do curso de Matemática sobre os conceitos geométricos que vão
ensinar, quanto por alunos da Educação Básica sobre o conceito de divisão que
aprendem – podem trazer, à organização do trabalho pedagógico, considerando-se os
diferentes contextos onde ocorreram as coletas dos dados: Escola de formação do
Estado de São Paulo (EFAP); curso de licenciatura de Matemática, da Universidade
Estadual do Paraná (UNESPar) – campus de Campo Mourão e Escola pública da
Educação Básica, do interior do estado de São Paulo. Tem-se como pressuposto que, na
formação de professores e, consequentemente, na sala de aula da Educação Básica, não
basta que, licenciandos, professores e alunos assimilem as significações dos conteúdos
matemáticos. Faz-se necessário que tenham a oportunidade de fazer relações com o que
aprendem, pois, segundo Leontiev, os conhecimentos adquiridos devem se converter em
conhecimentos vivos, pois são eles que medeiam a relação do individuo com o mundo.
Dessa forma, os significados sobre o pensar e o fazer docente pode se configurar como
materializações que decorrem de processos de significações que envolvem reflexões
coletivas sobre desenvolvimento profissional, elaboração e vivência de atividades de
ensino de Matemática em sala de aula.
Palavras chave: Processos de significação. Formação compartilhada. Conceitos
matemáticos.
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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NA
EFAP: OS SIGNIFICADOS DE UM GRUPO DE PROFESSORES
Wania Tedeschi - IFSP
Gisele Dionísio Ferreira da Rocha - UFSCAR
Resumo: Esta comunicação discute os significados dados por um grupo de professores
em relação aos cursos de formação continuada que realizam especificamente aqueles
realizados na Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores (EFAP). O
trabalho faz parte de estudos relacionados à formação continuada de professores no que
tange ao aprimoramento da prática docente e ao desenvolvimento profissional dos
professores de matemática da educação básica em cursos oferecidos pela Secretaria
Estadual de Educação SEE-SP. A investigação foi realizada considerando as propostas
de formação continuada promovidas pela EFAP durante os anos de 2009 a 2013. Esta
pesquisa, de caráter qualitativo, procurou responder à questão: Quais são os significados
dados por um grupo de professores em relação às formações continuadas que participam
oferecidas pela EFAP- Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores? A partir
da temática do professor prático, reflexivo e focado na compreensão para o
aprimoramento da prática docente, utilizamos a perspectiva histórico-cultural de
Vygotsky (2008) sobre a produção de sentidos e significados. Para conhecer o perfil dos
professores de matemática que participaram desta investigação, aplicamos um
questionário a vinte e cinco professores dos quais foram selecionados cinco para
aprofundar a coleta de dados por meio da realização de entrevistas. A condução da
análise foi realizada segundo a análise do conteúdo proposta por Bardin (1997). De
modo geral, o desenvolvimento da pesquisa nos permitiu concluir que os significados
atribuídos pelos professores aos cursos de formação continuada oferecidos pela EFAP
estão relacionados a um conjunto de fatores e necessidades recorrentemente
evidenciadas, tais como: aprendizagem em contato com os pares, valorização de
realização de atividades práticas, necessidade de certificação e o anseio por
conhecimento novo.
Palavras-chave: Formação Continuada. Professores de Matemática. Significados.
A Formação Continuada de Professores
A recorrente preocupação com a formação continuada oferecida aos professores
da educação básica destaca que investigar tais processos exige do pesquisador um olhar
para os diferentes aspectos que compõem a formação continuada de acordo com o
momento político da época em que esse processo se desenvolve, envolvendo identidade,
crenças, concepções, valores, conhecimentos e profissão docente, como demonstram os
estudos de Gatti et al. (1972) e Candau (1997).
Além disso, a formação continuada tem referência direta com ações dentro e fora
da escola das quais destacamos as considerações de Libâneo, Oliveira e Toschi (2003):
A formação continuada refere-se a:
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a) ações de formação durante a jornada de trabalho – ajuda a professores
iniciantes, participação no projeto pedagógico das escolas, reuniões de
trabalho para discutir a prática com colegas, pesquisas, minicursos de
atualização, estudos de caso, conselhos de classe, programas de educação à
distância, etc.; b) ações de formação fora da jornada de trabalho – cursos,
encontros e palestras promovidos pelas secretarias de educação ou por uma
rede de escolas. A formação continuada é a garantia de desenvolvimento
profissional permanente. (p. 388-389)
Segundo esses autores, formação continuada exige a confrontação da reflexão
proporcionada pelas experiências docentes dos professores e o processo de formação a
que se submetem, sendo uma responsabilidade mútua da instituição e do docente o
aprimoramento profissional, no qual o docente toma para si a responsabilidade da
própria formação.
Entendemos a formação continuada como um conjunto de ações realizadas pelo
professor ao longo de sua carreira profissional, com a finalidade de pensar, refletir e
construir um corpo de conhecimentos sobre as ações docentes. Nesse modelo, a
contribuição para que os professores tomem consciência de sua identidade profissional
possibilita discutir a profissionalidade, segundo a ideia de reflexão sistematizada da
prática que promove interrogações estruturantes dos saberes do professor.
Na atualidade, destaca-se ainda a influência na formação continuada de
professores, dos aspectos micro sociais, ou seja, na preocupação em entender o
professor na instituição em que atua e em sua formação pessoal no sentido de construir
uma identidade profissional.
Sendo assim podemos dizer que a formação continuada proposta aos professores
deve levar em consideração um movimento de mudanças na escola, nos programas de
formação continuada de forma que se possa evidenciar não apenas os aspectos técnicos
da profissão, relegando a um segundo plano as dimensões pessoais, culturais e
principalmente a falta de conhecimento das reais condições de organização e
funcionamento das escolas e todas as implicações oriundas destas.
Com respeito a atual situação da formação continuada de professores no Estado
de São Paulo, destacamos algumas justificativas dadas pela SEE-SP para a
implementação de programas de formação. Um argumento bastante utilizado para
justificar a necessidade de formação continuada de professores é que ela é necessária
em razão da formação inicial apresentar muitas limitações e problemas, assim nessa
perspectiva, a formação continuada é considerada como um mecanismo capaz de suprir
as carências deixadas pela formação inicial. Entretanto segundo Abreu et al (1999):
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É consenso que nenhuma formação inicial, mesmo em nível superior, é
suficiente para o desenvolvimento profissional, o que torna indispensável a
criação de sistemas de formação continuada e permanente para todos os
professores (p.19).
Isso indica que a formação continuada não se justifica por carências, dado que o
desenvolvimento profissional se dá no exercício da profissão, e é nesse momento que o
professor vislumbra a necessidade da formação. Portanto os programas não são medidas
clínicas, mas sim parte do desenvolvimento profissional do professor como profissional
da educação.
Chaves (2011) considera que por melhor que seja a formação inicial ela não
consegue englobar todas as novas temáticas educacionais, como educação especial,
novas tecnologias, cultura afro-brasileira, entre outras, é por meio da formação
continuada que o professor terá a oportunidade de conhecer e desenvolver essas novas
temáticas.
Outra justificativa, inseparável da primeira, baseia-se no pressuposto da
necessidade dos professores adquirirem novos conhecimentos, independente da
formação inicial. Dias (1991) esclarece que a formação continuada é essencial no
sentido de que é preciso fazer com que os professores possam acompanhar as mudanças
frente ao avanço da ciência, da técnica e da tecnologia. Tal evolução provoca à
obsolescência dos conhecimentos antigos, a emergência de outros novos e a
consequente complexificação de teias de relações cada vez mais sutis entre todos eles.
A necessidade de formação continuada tanto para os professores que acabaram
de se formar, quanto para os que já estão há algum tempo em exercício implica em
situações complexas, advindas do próprio fazer docente na dinâmica das aulas que
estimulam o professor a buscar atualização, seja ela conceitual e/ou metodológica.
Porém notamos uma contradição neste ponto em relação aos programas de
formação continuada no que se refere ao escopo e ao foco dos mesmos, pois
recorrentemente estes desconsideram as necessidades expressas pelos professores para a
construção de novos modos de ser professor e atuar na sala de aula, em geral eles não
são delineados levando em consideração a relevância dada pelos professores para a
própria formação e ação docente.
Ao desconsiderar a singularidade de cada professor e de seus locais de trabalho,
as propostas de formação continuada tendem a ser uniformes, e atingindo o objetivo de
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capacitar em quantidade desconsiderando a qualidade dessa capacitação. Nessas
propostas, portanto não se valorizam a autonomia docente que, de acordo com Contreras
(2002) é um dos fundamentos da profissionalidade do professor, avalia ainda que os
professores perdem autonomia quando são excluídos dos processos de concepção
educativa. Ao falar da autonomia do professor, estamos falando também de sua relação
com a sociedade e em ações que requerem apoio, relação de troca elementos
fundamentais para consolidação da mesma.
Tratada isolada de outros aspectos o professor tende a acreditar que possui poder
para decidir isoladamente sobre seu trabalho e que assim, é responsável totalmente por
seus resultados, isso pode fortalecer o processo de “culpabilização” do professor que
desconsidera segundo esse pensamento, fatores externos e internos à escola que
interferem na aprendizagem de seus alunos.
Ao buscar os significados produzidos pelos professores em cursos de formação
continuada procuramos ressaltar a compreensão de fatores tais como os referenciados
acima, ou seja, suas experiências, elementos dos processos de formação, como os
professores refletem sobre a construção de saberes e da profissão docente para o
aprimoramento de sua prática educativa.
Sentidos e significados
O objetivo de evidenciar os significados produzidos por um grupo de professores
sobre os cursos de formação continuada que realizam se deu por entendermos que ao
discorrer sobre esses cursos os professores fazem emergir também elementos de sua
história pessoal que é repleta de valores, objetivos, necessidades e expectativas, fruto de
suas relações sociais e que as mesmas estão presentes em seu fazer docente. A
percepção do real, formas de agir e consequentemente de a construção de uma
consciência do ser professor não está isolado de sua formação e de sua visão de mundo.
Ao optar pela perspectiva Histórico-Cultural compreendemos a comunicação e
socialização dos sujeitos, são mediadas por processos “facilitadores, que possibilitam ao
indivíduo apreender o mundo que o cerca em seus significados e permitem a
apropriação de novos significados, com os quais os sujeitos reorganizam suas ações e
sua vida” (ANDALÓ, 2006).
Em nossa pesquisa os professores discorrem sobre as experiências nos cursos de
formação continuada que realizaram na EFAP e nessa interação evidenciam os
significados que atribuem aos mesmos. Recorremos à mediação da linguagem como
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instrumento fundamental para destacarmos os significados produzidos pelos
professores.
Procedimentos metodológicos
Optamos por analisar os significados produzidos pelos professores de
matemática a partir dos cursos de formação continuada que realizaram e foram
oferecidos pela EFAP- Escola de formação e Aperfeiçoamento de Professores e
conduzimos a investigação objetivando responder a pergunta: Quais são os significados
dados por um grupo de professores em relação às formações continuadas que
participam oferecidas pela EFAP- Escola de Formação e Aperfeiçoamento de
Professores?
A construção dos dados levou em consideração oito cursos que foram oferecidos
aos professores de matemática entre os anos de 2009 e 2013, são eles: REDEFOR –
Rede São Paulo de Formação Docente; Programa Currículo e Prática Docente;
M@tmídias; Introdução aos Direitos Humanos e ECA para Educadores; Intel Educar –
Fundamentos Básicos; Disseminadores de Educação Fiscal; Melhor Gestão Melhor
Ensino – Formação de Professores de Matemática; Melhor Gestão Melhor Ensino –
Aprofundamento – Matemática.
Os instrumentos utilizados para a obtenção dos dados foram: questionários,
entrevistas individuais e um grupo focal. Os questionários foram aplicados a vinte e
cinco professores e a partir destes selecionamos cinco que realizaram os cursos acima,
para a realização das entrevistas uma delas individual e uma outra com este grupo
reunido.
Os depoimentos permitem compreender as crenças, aquilo que é importante para
os professores segundo o contexto em que vivem além evidenciar os anseios, as
aspirações, as histórias de vida, as representações que constroem sobre a profissão, suas
práticas e seus processos de formação (GÉGLIO, 2006).
Assim registramos como os professores expressam seus pensamentos quando
questionados sobre sua formação continuada procuramos apreender aspectos da
formação que realizam os significados das leituras e debates e o discurso sobre o
conteúdo desenvolvido. No entanto, os significados propostos nos cursos de formação,
modificam-se quando da prática docente assumindo um caráter pessoal, em virtude
disso, realizamos uma entrevista coletiva com os cinco professores, segundo a
concepção de um grupo focal, para apreender à negociação de sentidos entre os
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professores envolvidos evidenciando possivelmente significados não revelados na
entrevista individual.
Mesmo com significados aparentemente comuns entre os professores de
matemática, os sentidos podem ser díspares, visto que o sentido está relacionado com o
contexto de formação de cada um.
Os sentidos expressos pelos professores possuem características estritamente
pessoais, assim coletamos os dados por meio da realização de entrevistas individuais, na
qual cada sujeito pode verbalizar seu entendimento sobre os cursos de formação
continuada que realizou.
Em nosso trabalho, procedemos à análise do conteúdo dos dados obtidos
(BARDIN,1997) como procedimento metodológico utilizado para verificar os
significados explanados pelos professores a respeito dos cursos de formação continuada
que realizaram via EFAP como mostram os resultados a seguir.
Discussão e Resultados
Com a intenção de perceber os significados produzidos por meio das interações
dos professores participantes da pesquisa organizamos e selecionamos registros
significativos presentes nas respostas aos questionários e que pudessem responder nossa
pergunta de pesquisa.
Ao explorarmos o material coletado elaboramos unidades de análise (UA)
preservando os termos que foram utilizados pelos professores quando responderam o
questionário. Dessa forma destacamos quinze unidades de análise segundo a natureza do
problema enunciado, as mesmas foram numeradas conforme descrição a seguir:
(UA-1) Possibilidade de evolução funcional com a aquisição de certificados.
(UA-2) Aperfeiçoamento de conhecimento de multimídia.
(UA-3) Melhorar a formação.
(UA-4) Atualização (da formação).
(UA-5) Aperfeiçoamento da prática docente.
(UA-6) Obrigatoriedade por convocação.
(UA-7) Busca por novas práticas e novas ferramentas.
(UA-8) Troca de experiências.
(UA-9) Melhorar a prática de sala de aula.
(UA-10) Falta de contribuição para a prática na sala de aula.
(UA-11) Visão aprimorada do currículo de matemática.
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(UA-12) Preparação de atividades a serem trabalhadas com os alunos.
(UA-13) Crescimento profissional.
(UA-14) Trocar ideias com colegas e facilitar o aprendizado dos discentes.
(UA-15) Ter contato presencial com outros professores.
As Categorias
Em seguida selecionamos os registros das falas dos participantes nas entrevistas
individuais e coletiva que evidenciam significados dados pelas interações dos
professores participantes e que pudesse responder nossa pergunta de pesquisa.
Destacamos as asserções recorrentes no debate do grupo sobre os significados que
atribuem aos cursos que realizaram na EFAP e outros elementos que estivessem
correlacionados.
Identificamos e agrupamos por semelhança as unidades de análise. Desse
agrupamento evidenciaram-se quatro categorias, intituladas categorias de análise. Essas
categorias foram elaboradas a partir dos temas apontados na literatura e na recorrência
das falas dos professores sobre a percepção dos mesmos sobre a influência que os
cursos de formação continuada têm em relação a sua prática. Sendo assim, as categorias
utilizadas foram:
1- Contato com os Pares;
2- Atividades Práticas;
3- Certificação;
4- Conhecimento Novo.
Dentro da categoria Contato com os Pares, entendemos que as unidades de
análise utilizadas, estão ligadas à importância que os professores atribuem a cursos que
valorizarem a troca de experiências entre os participantes. Dessa forma agrupamos as
seguintes unidades: (UA-8) Troca de experiências; (UA-14) Trocar ideias com colegas e
facilitar o aprendizado dos discentes; (UA-15) Ter contato com presencial com outros
professores.
Vale ressaltar a fala de K-7 na unidade UA -14:
Troca de experiências, porque eu acho que muita gente consegue um bom
resultado, ... seria importante ter nos cursos esse espaço também, a gente
estava falando do contato com os pares, porque o curso ele é muito jogado,
joga os conteúdos e você tem que resolver exercícios de matemática, ficar
fazendo contas, resolver mesmo, e não é isso, não é o que a gente busca.
Estamos buscando melhorar a nossa prática pedagógica...
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Essa afirmativa evidencia a busca por valorização dos espaços de formação onde
o contato com os pares e a troca de conhecimento da prática docente e de saberes
docentes é compreendido como importante para a melhoria da prática pedagógica.
Em Atividades Práticas, verificamos a recorrência dos professores em fazer
observações à necessidade de que os cursos de formação oferecidos pela EFAP
estivessem ligados ao caráter prático da docência. Nessa perspectiva direcionamos essa
categorização baseados nas seguintes unidades de análise: (UA-5) Aperfeiçoamento da
prática docente; (UA-7) Busca por novas práticas e novas ferramentas; (UA-9)
Melhorar a prática da sala de aula; (UA-10) Falta de contribuição para a sala de aula;
(UA-12) Preparação de atividades para serem trabalhadas com os alunos, (UA-13)
Crescimento profissional e segurança nas aulas.
Essa categoria revelou o elo que o professor busca entre os cursos oferecidos a
aplicabilidade para o fazer docente. Vejamos a fala de K-13 na unidade UA-9:
... como trabalhar em sala de aula, porque os professores saem da faculdade,
tem um bom preparo só que falta saber o dia a dia, saber como lidar, algo
voltado em como trabalhar com os alunos e a realidade escolar de hoje. Esse
seria o foco. (K-13)
Nessas considerações emerge a dificuldade que sentem os professores em seus
processos de formação inicial e que os saberes da docência vão muito além dos
conteúdos a ser ensinados. Como citamos anteriormente a partir de Contreras (2002), os
professores perdem autonomia quando são excluídos dos processos de concepção
educativa, e o preparo para a docência exige momentos de formação que privilegiem
relação com a sociedade e com o contexto educativo.
A categoria Certificação foi construída a partir de duas unidades de análise:
(UA-1) Possibilidade de evolução funcional com a aquisição de certificados; (UA-6)
Obrigatoriedade por convocação. É recorrente que um dos principais motivos para os
professores de matemática participarem dos cursos de formação continuada está
diretamente ligado à evolução funcional e recebimentos pecuniários que essa evolução
proporciona na apresentação dos certificados oriundos dos cursos de formação
continuada.
A falta de opção em decidir pela condução de sua formação, reforça a cultura
dos professores como consumidores e não criadores das disciplinas que ministram, é
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importante destacar, nas palavras de Nogueira (2007) a constituição da consciência dos
sujeitos na perspectiva Histórico-Cultural:
O ser humano é ativo e o seu pensamento é construído gradativamente no
ambiente histórico e social, pois as transformações na estrutura de interação
social refletem nas estruturas do pensamento humano, orientando seu modo
de agir, de perceber o real e a constituição da sua consciência. (p.87)
Dessa forma o crescimento profissional dos professores e a construção de uma
consciência autônoma traz a necessidade de decisões sobre os caminhos formativos a
percorrer.
Conhecimento Novo foi uma categoria que emergiu das falas dos professores a
partir das seguintes unidades de análise: (UA-2) Aperfeiçoamento de conhecimento de
multimídia; (UA-3) Melhorar a formação; (UA-4) Atualização; (UA-11) Visão
aprimorada do currículo de matemática. Diante dessas unidades de análise é possível
identificar a distância entre o que o professor tem buscado como conteúdos necessários
à sua prática e o que tem sido oferecido nos cursos de formação continuada da EFAP.
Considerações Finais
Neste trabalho buscamos encontrar os significados que são atribuídos por um
grupo de professores de matemática aos cursos de formação continuada que realizaram
via EFAP tomando por base oito cursos de formação continuada desenvolvidos por essa
escola de formação entre os anos de 2009 a 2013. Durante a pesquisa coletamos os
relatos dos professores por meio de questionários, entrevistas individuais e coletivas. Ao
triangular as informações presentes nos questionários e entrevistas individuais com as
informações expressas no coletivo, elaboramos as unidades de análise e posterior
categorização, fruto da mediação no trabalho coletivo, na reflexão e no entendimento da
própria formação.
Durante a análise dos dados ficaram evidentes as reivindicações dos professores
para que se estabeleçam propostas de cursos comprometidas com a realidade da sala de
aula. Os professores, participantes da pesquisa, mostram estar dispostos a refletir e
tomar para si seu desenvolvimento profissional com o objetivo de conquistar a própria
autonomia, quando dizem que gostariam de escolher o tipo de curso para realizar. Além
da reivindicação por mais autonomia na escolha dos cursos, os professores também
indicam a necessidade do contato com outros professores presencialmente, o que
compreendem possibilitar a troca de conhecimentos entre os pares, melhorando dessa
forma sua prática em sala de aula. De fato, apesar da criação da EFAP promover a
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possibilidade da formação continuada dos professores, esta pesquisa indica elementos
necessários ao aprimoramento das ações de formação.
É preciso que os professores sejam ouvidos em suas razões para que o
conhecimento por eles produzido a partir da prática possa ser sistematizado tornando-se
parte explicita de seus saberes. Acreditamos que a formação continuada de professores
pode ser decisiva para fazer emergir um novo professor, cujos conhecimentos de sua
realidade de sala de aula sejam considerados e colocados em destaque, valorizando-se
assim os saberes da experiência.
A valorização dos professores não passa somente pelo oferecimento de cursos de
formação continuada, mas como apontado pelos professores, por condições de trabalho
dignas e adequadas e um plano de carreira responsável e motivador, dimensões
indissociadas do trabalho docente e da profissionalização do professor. Consideramos
que essa mudança faria o perfil de meros executores dar lugar a uma maior
profissionalização docente e valorizando a autonomia.
Ainda sobre a valorização dos professores com foco na melhoria salarial tem
sido encaminhada pela conquistada de certificações entretanto, a possibilidade da
profissionalização docente e a ascensão na carreira devem ser consideradas em conjunto
com a qualidade dos cursos e atividades realizadas pelos docentes.
Podemos dizer que a EFAP proporcionou o desenvolvimento de muitos cursos
de formação continuada, mas é também um mecanismo de controle e de padronização
do trabalho docente, pois é parte de uma reforma educativa imposta por decretos e
regulamentos. Os professores se veem obrigados a realizar os cursos, contudo não
conseguem estabelecer relações entre os cursos, que são obrigados a realizar, e a prática
docente.
Em conjunto com a necessidade de aprimoramento das ações formativas
destacamos os significados atribuídos pelos sujeitos sobre a importância das as trocas de
experiências nos cursos de formação continuada. Apontadas como forma de romper
com o individualismo ao possibilitar o contato com os pares essas trocas são capazes de
estabelecer uma relação crítica com os saberes matemáticos e com os saberes da
vivência docente.
Da mesma forma o apoio diante das dificuldades com as atividades práticas são
capazes de fazer o professor refletir sobre seu papel de construtor de conhecimento e
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não apenas como reprodutor de atividades prontas, pensadas para um ensino tecnicista,
mas atividades práticas como fruto das discussões e reflexões fomentadas pelos cursos.
Deste modo, a formação continuada de professores de matemática não deve
acontecer como um ato solitário, mais sim promover a produção do conhecimento
articulando o trabalho coletivo com a autonomia docente gerando o desenvolvimento
profissional que ascende o professor em sua carreira e lhe proporciona dignidade em seu
ofício.
Por fim, analisar a formação continuada considerando os significados atribuídos
pelos professores em relação à formação continuada oferecida permitiu refletir sobre
como o envolvimento dos docentes sobre que cursos realizados o que de maneira geral
pode permitir o aprofundamento de temas como a autonomia docente ligada a
mobilização dos professores em participarem outros cursos com o objetivo de repensar
sua prática. A pesquisa indica ainda que os cursos de formação continuada deveriam
levar em consideração as reais necessidades dos professores; mediante consulta prévia e
a possibilidade de optar pelos cursos oferecidos.
O espaço para troca de experiências entre os pares e encontros presenciais com
os formadores; atividades práticas também são elementos de destaque podem ser objeto
de aprofundamento de estudo de maneira a considerar as demandas da ação docente nas
aulas e o dilema entre a necessidade de participar de cursos de formação continuada e
ao mesmo tempo, se reconhecem frustrados por não encontrar nos cursos que realizam
novas possibilidades para melhoria do trabalho docente e crescimento profissional.
Nossos apontamentos indicam possíveis caminhos a serem trilhados em busca da
valorização de cursos de formação continuada que tenham como pressupostos a reflexão
sobre a prática docente. A partir dessas considerações, trabalho permitiu apontar
caminhos que podem contribuir para a melhoria da qualidade na formação de
professores, diante das limitações citadas pelos sujeitos da pesquisa.
Acreditamos que os resultados expressos nesse trabalho serão úteis na busca de
novas perspectivas de formação continuada que considerem a expressão dos
significados dados pelos professores.
Sabemos que nossos resultados não finalizam o tema Formação Continuada de
Professores de Matemática, mas esperamos que estes possam contribuir para aqueles
que como nós se interessam pelo tema e buscam caminhos capazes de superar os
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modelos existentes, avançando para novas formas de organização e desenvolvimento
dos espaços de Formação Continuada de Professores de Matemática.
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ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO DE GEOMETRIAS:
CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES
Talita Secorun dos Santos
Universidade Estadual do Paraná (UNESPar)
Maria do Carmo de Sousa
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que
investigou se, as Atividades de Ensino (AE) de Geometrias na perspectiva lógico-
histórica podem se configurar como unidade entre o ensino e a aprendizagem, ou seja,
como Atividade Orientadora de Ensino (AOE) na formação inicial de professores. Teve-
se como pressuposto que, a perspectiva lógico-histórica pode se tornar didática para a
formação inicial de professores, quando as AE forem desenvolvidas, a partir da
dinâmica indivíduo-grupo-classe-narrativas. A pesquisa, de cunho qualitativo foi
conduzida pelas seguintes questões: As atividades de ensino desenvolvidas nas
disciplinas de Geometria e de Geometria Euclidiana e Tópicos de Geometrias não
euclidianas foram geradoras de objetivos e motivos para se ensinar e aprender a ensinar
geometrias? Essas atividades vivenciadas pela dinâmica indivíduo-grupo-classe e
postagem das narrativas se tornaram uma AOE? Quais foram as produções de sentidos,
de significados, os objetivos e motivos que foram explicitados nas narrativas elaboradas
por licenciandos do curso de matemática, enquanto vivenciaram AE de geometrias na
perspectiva lógico-histórica, a partir da dinâmica relacional indivíduo-grupo-classe-
narrativas? Para a construção dos dados foram utilizados os seguintes instrumentos:
questionário, AE, diário de campo e as narrativas postadas em ambiente virtual. A
análise do material empírico foi feita a partir de quatro categorias descritivas e analíticas
que emergiram da triangulação dos dados: Do isolado ao coletivo; O Novo; Do
aprender ao aprender a ensinar e Contradições. Os resultados permitiram-nos inferir
que as AE de Geometrias na perspectiva lógica-histórica, a partir da dinâmica
indivíduo-grupo-classe-narrativas desencadeou (re)significações relacionadas à
apropriação do conhecimento teórico, ao ensino do conhecimento teórico, à organização
do ensino, às ações pedagógicas e pesquisa, na maioria dos sujeitos envolvidos no
processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Teoria da Atividade. História da Matemática. Perspectiva lógico-
histórica.
Introdução
Alguns pesquisadores, ao analisarem os cursos de licenciaturas de Matemática,
constatam que, apesar das mudanças que estão sendo feitas nos projetos pedagógicos
para atender a legislação vigente, boa parte dos futuros professores que ensinarão
Matemática na Educação Básica, ainda vêm sendo treinados, anos a fio para se tornarem
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matemáticos, demonstrarem teoremas, admirarem a beleza de suas demonstrações, sem
parar para pensar quais seriam as relações destes treinos com o ensino que deverão
ministrar às crianças e aos jovens.
Esse tipo de formação que ainda frequenta boa parte das universidades
brasileiras se aproxima da concepção bancária da educação tratada por Freire (1981), na
obra Pedagogia do Oprimido.
Na concepção de educação bancária o saber é uma doação dos que se julgam
sábios aos que julgam nada saber. O dever do educador é conduzir os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado, depositando e transferindo a eles valores e
conhecimentos. Quanto mais os educadores puderem encher os recipientes dos
educandos com seus depósitos, melhor o educador será e quanto mais docilmente os
educandos permitirem se encher, melhor eles serão.
Não é de estranhar, pois, que nesta visão „bancária‟ da educação, os homens
sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se
exercitem os educandos no arquivamento dos depósitos que lhes são feitos,
tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica de que resultaria a sua
inserção no mundo, como transformadores dele. Como sujeitos (FREIRE,
1981, p. 34).
Ou seja, ao formar licenciandos que vão ensinar Matemática, a partir de
propostas que se fundamentem na educação bancária pressupõe-se que, os futuros
professores terão, durante o curso, poucas oportunidades para conhecer e refletir sobre
os aspectos históricos, epistemológicos e as relações com as práticas sociais que se
apresentam nos conceitos matemáticos.
Assim, a partir destes pressupostos e com o intuito de romper com a educação
bancária que insiste em frequentar as universidades, sobretudo os cursos de licenciatura
em Matemática que, desenvolvemos uma pesquisa intitulada: Atividade Orientadora de
Ensino de geometrias na perspectiva lógico-histórica: unidade entre ensino e
aprendizagem na formação inicial de professores de matemática.
Procedimentos metodológicos
A pesquisa teve como objetivo analisar se, as Atividades de Ensino (AE) de
geometrias na perspectiva lógico-histórica podiam se configurar como unidade entre o
ensino e a aprendizagem, ou seja, como Atividade Orientadora de Ensino (AOE) na
formação inicial de professores.
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Foi conduzida pelas seguintes questões: 1) As atividades de ensino
desenvolvidas nas disciplinas de “Geometria” e de “Geometria Euclidiana e Tópicos
de Geometrias não euclidianas” foram geradoras de objetivos e motivos para se
ensinar e aprender a ensinar geometrias? Essas atividades vivenciadas pela dinâmica
indivíduo-grupo-classe e postagem das narrativas se tornaram uma AOE? e 2) Quais
são as produções de sentidos, de significados, os objetivos e motivos que são
explicitados nas narrativas elaboradas por licenciandos do curso de matemática,
enquanto vivenciaram AE de geometrias na perspectiva lógico-histórica, a partir da
dinâmica relacional indivíduo-grupo-classe-narrativas?
A construção dos dados ocorreu durante o ano letivo de 2013 na Universidade
Estadual do Paraná (UNESPar) – campus de Campo Mourão, onde ministramos duas
disciplinas, as quais tinham carga-horária anual de 144 horas-aula: 1) Geometria, para os
alunos do quarto ano de licenciatura em matemática, e 2) Geometria euclidiana e
tópicos de geometrias não euclidianas, para os alunos do segundo ano do mesmo curso.
Foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário, AE, diário de campo e as
narrativas postadas em ambiente virtual. Dessa forma, organizamos dois ambientes de
pesquisa e estudo: o primeiro foi denominado de presencial, já que aconteceu no interior da
sala de aula e com a presença da professora/pesquisadora e dos licenciandos e o segundo
ambiente foi denominado de virtual porque ocorreu via Google Grupos.
No ambiente presencial, portanto nas salas de aula, encontramo-nos com os
licenciandos no período de um ano, semanalmente, durante quatro horas, para aplicar os
questionários e estudar as atividades de ensino, as quais foram denominadas de AE e
elaboradas a partir elementos lógico-históricos, presentes na história da geometria
euclidiana e das geometrias não euclidianas. Tais elementos tinham por objetivo
desencadear situações de aprendizagem, de forma que os licenciandos pudessem se
apropriar de conhecimentos acerca dessas geometrias. Ao mesmo tempo, procurávamos
analisar com os licenciandos o papel desses conhecimentos em suas futuras práticas
docentes.
O segundo ambiente, portanto, o virtual foi o Google Grupos. Criamos dois grupos
de discussões, um para a disciplina de Geometria e outro para a disciplina de Geometria
euclidiana e tópicos de geometrias não euclidianas, em que ocorreram as discussões e
debates online sobre os encontros presenciais. Nesse ambiente virtual, os licenciandos
postaram suas narrativas, puderam ler as narrativas dos demais participantes,
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compartilharam dúvidas, incertezas, inseguranças e analisaram os momentos vivenciados
durante a disciplina por meio de suas narrativas.
As disciplinas foram pautadas na dinâmica relacional, proposta por Sousa (2004) e
Ferreira (2005), a qual foi composta de três momentos: primeiramente, individualmente, os
licenciandos analisaram uma situação proposta e produziam uma síntese que indicava uma
possível resposta. Depois, em pequenos grupos, as sínteses individuais foram analisadas e
reelaboradas. Aqui, o grupo produzia uma única síntese, a partir das reflexões coletivas. No
momento seguinte, cada grupo apresentava a sua síntese para a classe, de forma que a
classe pudesse chegar à melhor resposta.
Além dos três momentos da dinâmica, criamos o quarto momento: a escrita de
uma narrativa individual e postagem dessas narrativas no fórum de discussão no
Google Grupos para que as reflexões pudessem continuar, na medida em que a turma
entendesse ser necessário. Denominamos os quatro momentos dessa dinâmica de
indivíduo-grupo-classe-narrativa.
Foram desenvolvidas 11 AE e quatro avaliações, as quais se configuraram como
uma AE. Para responder as questões de investigação, analisamos as narrativas de 30
licenciandos, sendo 19 licenciandos do segundo ano de matemática e 11 do quarto ano.
Com a análise das narrativas, estabelecemos nove unidades de análises das narrativas 1)
descrição da atividade; 2) mudanças; 3) reflexões; 4) preocupação com a prática; 5)
(re)significações de conceitos; 6) da verdade matemática às verdades matemáticas; 7)
críticas às atividades; 8) concepção de matemática como construção humana; 9) a
preocupação com as notas e com as avaliações.
A triangulação dos dados foi feita a partir do diário de campo, AE, questionário
inicial e narrativas, a qual permitiu com que se emergisse quatro categorias de análise:
Do isolado ao coletivo; O Novo; Do aprender ao aprender a ensinar; Contradições.
Discussão e resultados
Os resultados desta pesquisa mostram que, as primeiras teorizações sobre os
conteúdos estudados foram feitas pelos licenciandos. Dessa forma, eles tiveram a
oportunidade de explicitarem, individualmente, os sentidos que davam aos conceitos
tratados, e, em pequenos grupos, tais sentidos foram coletivizados, dessa forma, os
pequenos grupos e, em seguida, a classe, explicitaram os significados que foram produzidos
tanto sobre os conceitos geométricos, quanto sobre o ensino destes conceitos, o que nos faz
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concordar com Leontiev (2006, 2010) quando afirma que sentido e significado caminham
juntos.
No caso específico desta pesquisa, os sentidos individuais se convergiram em
sentidos coletivos, produziram significados. Isso não quer dizer que os sentidos e os
significados produzidos pelos licenciandos coadunam-se tanto com os nossos, quanto com
os sentidos e os significados explicitados por teóricos em seus estudos sobre as geometrias e
seu ensino. Alguns sentidos e significados possuíam aproximações com os dos teóricos.
Outros, nem tanto.
Ao desenvolvermos as aulas através desta dinâmica, construímos, juntamente com
os licenciandos, o conceito de AOE. Aqui, buscamos romper com o ensino de geometrias
focado em listas de exercícios e repetições mecânicas, ou seja, focado na educação
bancária. Procuramos estimular a criatividade, a curiosidade, promovendo, assim,
momentos em que os futuros professores de Matemática da Educação Básica pudessem
duvidar de verdades absolutizadas e não repetir, sem pensar, aquilo ouvem sobre os
conceitos geométricos e seu ensino.
Entendemos que, ao desenvolvermos as aulas considerando a dinâmica
indivíduo-grupo-classe-narrativas e as AE, fundamentadas na perspectiva lógico-
histórica, conseguimos romper com a história factual e com o princípio
recapitulacionista e compreender os diferentes discursos do uso da história da
matemática, os quais estão amparados, teoricamente, nas cinco perspectivas elencadas
por Miguel e Miorim (2008): evolucionista linear; estrutural-construtivista operatória;
evolutiva descontínua; sociocultural e dos jogos de vozes e ecos.
Assim, por não compartilharmos da ideia do princípio recapitulacionista e da
noção linear do conhecimento, inferimos que, da forma que, fizemos uso dos elementos
históricos das geometrias, ao elaborarmos as AE, embora não façamos uso de
significações semióticas, aproximamo-nos da perspectiva sociocultural.
Ao mesmo tempo, em busca por mais teorizações, além daquelas indicadas por
Miguel e Miorim (2008), tomamos como pressuposto a perspectiva histórico-cultural e
dos estudos feitos por Moura (1996), Catalani (2002), Sousa (2004, 2009), Ferreira
(2005), Moretti (2007), Dias (2007), Cedro (2008), Moura et al. (2010), Moretti e
Moura (2010), Sousa e Jesus (2011), Cedro (2012), Furlanetto (2013) e Panossian
(2013). Dessa forma, passamos a considerar o par dialético lógico-histórico (KOPNIN,
1978) e a Teoria da Atividade (LEONTIEV, 2006, 2010) como uma possibilidade de
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perspectiva didática para a formação inicial de professores e, consequentemente, a
fluência, o movimento, a variabilidade e a pluralidade da verdade matemática na
organização das AE, uma vez que, corroboramos com Sousa (2004, p. 33), quando
afirma que, “o lógico-histórico é o processo de vir a ser dos conceitos”. Assim, as
geometrias ainda não são, elas estão por vir a ser, já que suas verdades não são eternas,
prontas e acabadas.
Vale a pena chamar atenção para o fato de que, ao elaborarmos as AE foi preciso
teorizar sobre o conceito de atividade, motivo, objetivo, sentido e significado na
perspectiva leontieviena, bem como, sobre o conceito de AOE (MOURA 1996;
MOURA et al. 2010), unidade entre o ensino e aprendizagem, como um recurso
metodológico que pudesse contribuir para a formação inicial de professores de
matemática.
A partir de um quadro proposto por Moraes (2008), em que a autora apresenta os
componentes centrais da AOE, propusemos um novo quadro, figura 1, com elementos
que consideramos importantes no contexto da formação inicial de professores.
Figura 1 - AOE: Relação entre atividade de ensino e atividade de aprendizagem na formação do
professor
Fonte: autoras
Dessa forma, ao analisarmos os dados construídos, na categoria Do isolado ao
coletivo, apresentamos as mudanças de sentido e significado que foram explicitadas
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pelos licenciandos em suas narrativas e foram provocadas, principalmente pelas AE
vivenciadas na dinâmica indivíduo-grupo-classe-narrativas. Essas mudanças se
refletiram principalmente na maneira de pensar e significar a história da matemática
como construção humana, a educação como comunicação e o diálogo como um ato de
ensinar. A dinâmica indivíduo-grupo-classe-narrativas orientaram as reflexões dos
licenciandos, fazendo com que, boa parte deles, mobilizassem conhecimentos,
partilhassem significados e gerassem soluções que trouxeram novos significados, como
podemos perceber na narrativa de um dos sujeitos envolvidos na pesquisa:
Na discussão entre o grupo percebi qual foi o meu erro na interpretação dos
enunciados, tais como a formalização do pensamento na fórmula para
encontrar o número de segmentos e a soma dos comprimentos da curva de
Koch. Com esta atividade conclui que a costa brasileira se assemelha a um
fractal, e que as medidas que possuímos são apenas aproximações, pois seria
inviável calcularmos a sua dimensão de uma maneira tão precisa. Logo,
conseguiríamos encontrar um tamanho bem aproximado da costa brasileira
utilizando a ideia de fractal (LIC. 1, 2013).
Na categoria O novo, destacamos os momentos de silêncio, de incômodo, de
resistência, de confronto, de alegria e de satisfação manifestados por alguns
licenciandos em suas narrativas e nos diálogos em sala de aula, no que diz respeito, à
aceitação das geometrias não euclidianas como uma geometria tão consistente quanto à
geometria euclidiana. A nosso ver, as AE contribuíram para que os licenciandos dessem
o impulso em direção ao novo e (re)significassem o conceito de verdade matemática,
como indica a narrativa de um dos participantes da pesquisa:
No entanto diante da abordagem realizada pela professora no decorrer do
ano, passei olhar a Geometria com outros olhos, de modo que o pensamento
equivocado que eu possuía em relação à Matemática e sua construção passou
a ser mais critico e argumentativo. Considerando assim a possibilidade de
organizá-la de outra maneira (LIC. 2, 2013).
A mesma categoria, O novo também se manifestou quando analisamos o sentido
que os licenciandos atribuíram à disciplina e à sua organização. Os licenciandos do
segundo ano, inicialmente, se apresentaram tímidos, temerosos e com aversão à
dinâmica que escolhemos para organizar o ensino, mas os licenciandos do quarto ano
foram mais resistentes. A dinâmica das aulas causou certo desconforto em alguns
licenciandos. Ao analisamos o sentido atribuído pelos licenciandos do quarto ano à
dinâmica, inferimos que este se diferenciou do sentido atribuído pelos licenciandos do
segundo ano. Os alunos que estavam há mais tempo no curso cobravam mais listas de
exercícios e demonstrações matemáticas porque estavam acostumados à dinâmica de
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aulas que se fundamentam na educação bancária. Os excertos, a seguir, apresentam
recortes de duas narrativas: de um licenciando do segundo e de um do quarto ano.
Indicam os diferentes sentidos atribuídos por eles à dinâmica da disciplina:
As novas experiências que tive com essa matéria foi muito enriquecedora
para o meu desenvolvimento na área matemática, no começo das aulas fique
meio assustado com o método adotado pela professora para as aulas de
Geometria Euclidiana e Tópicos de Geometrias não Euclidiana, pois sempre
tinha aprendido da maneira tradicional de ensino, mas com essa nova
experiência percebi uma nova maneira de ensinar matemática a meus futuros
alunos (LIC. 3, 2013). Quanto a forma que a disciplina foi ministrada, devo
dizer que não gostei muito, gosto do método tradicional e acredito que se
tivesse estudado neste método a minha aprendizagem em geometria teria sido
mais satisfatória. Porém, não foi de todo o mal estudar assim, uma das coisas
que eram interessantes na aula eram as discussões feitas sobre as atividades,
onde eram levantados diferentes pontos com relação a uma mesma situação.
E sobre as narrativas, no início até que era interessante escrevê-las, mas
depois foi ficando um trabalho muito maçante a se fazer (LIC. 4, 2013).
A categoria O novo nos permitiu repensar e avaliar o trabalho desenvolvido, bem
como, analisar as críticas e sugestões feitas pelos licenciandos. Dessa forma,
constatamos a necessidade de realizar novas mudanças e outras teorizações, as quais, lós
levaram à repensar a nossa prática. Afinal, ao organizar uma AE, tivemos um ponto de
partida e idealizamos o ponto de chegada, no entanto nem sempre conseguimos atingir
os objetivos idealizados e isso nos levou à repensarmos a nossa prática.
Na categoria Do aprender ao aprender a ensinar, apresentamos os movimentos
dos motivos que levaram os licenciandos a cursar a disciplina. Ao analisarmos os dados,
inferimos que, de maneira geral, as AE foram geradoras de motivos para atividade de
aprendizagem, ou seja, elas geraram e promoveram motivos nos alunos que os levaram
à apropriação do conhecimento e à compreensão de como trabalhar com esses
conhecimentos em suas futuras práticas docentes. O recorte da narrativa de um
licenciando nos ajuda a compreender que as AE foram geradoras de motivos para a
atividade de aprendizado e o pensar acerca da AE:
Entretanto, essas discussões são interessantes, mas ao mesmo tempo nos faz
repensar sobre o que realmente sabemos e se sabemos alguma coisa, não
temos ainda uma visão que nos permite analisar minuciosamente detalhes que
podem fazer a diferença para o aprendizado dos alunos. Eu acho válido
quando surgem essas discussões que envolvem conceitos que serão
trabalhados com os alunos na sala de aula, pois acredito que preparar uma
aula é fácil, mas pensar em uma maneira que vai realmente esclarecer certos
conceitos para os alunos de modo a sanar a sua dúvida é muito difícil e essas
discussões me ajudam a ter uma visão mais ampla sobre coisas que antes eu
não tinha capacidade para visualizar (LIC. 5, 2013).
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Constatamos ainda que, as AE se apresentaram como uma possibilidade para o
licenciando que não adentrou nas salas da Educação Básica e como uma perspectiva
para quem já possui prática docente.
Na categoria Contradições, indicamos os momentos de contradições vivenciados
pelos licenciandos e pela professora/pesquisadora. Os licenciandos, como indicado no
excerto a seguir, manifestaram suas contradições por meio de frases conflituosas, nas
quais admitiam a necessidade de mudanças na formação inicial e consideraram
importantes as discussões realizadas. No entanto, sentiram dificuldades em aceitar a
dinâmica utilizada, uma vez que estavam acostumados com uma formação baseada em
disciplinas fechadas e que priorizavam aulas memorísticas, ou seja, a educação
bancária.
Embora a atividade tenha sido interessante, pois discutimos algumas coisas
de geometria como semelhança de triângulos e reta tangente a uma
circunferência, não gosto dessas atividades porque não vejo o formalismo das
definições e me parece que fica algo incompleto, que foi o que aconteceu
com essa atividade com algumas demonstrações inacabadas. Por isso não
consigo entender como essas atividades me ajudam a aprender geometria!
(LIC. 6, 2013).
A contradição também se fez presente em nossas ações como
professora/pesquisadora. Vivemos durante toda pesquisa a contradição entre a busca
pela coerência e o medo de enfrentar o novo.
Considerações finais
A partir da análise dos dados, através das quatro categorias apresentadas, fomos
levados a responder a primeira questão da pesquisa de forma afirmativa, ou seja, as AE
desenvolvidas nas disciplinas, e vivenciadas pela dinâmica indivíduo-grupo-classe-
narrativas foram geradoras de objetivos e motivos para ensinar, aprender e aprender a
ensinar geometrias. Com isso, pudemos afirmar que, as AE se configuraram em AOE,
uma vez que houve a unidade entre a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem,
pois, desencadearam tanto a formação dos licenciandos, quanto a nossa formação
enquanto professora e pesquisadora, pois, permitiram com que nos apropriássemos do
conhecimento teórico e realizássemos reflexões acerca de como ensinar esse
conhecimento teórico no curso de licenciatura de Matemática.
Ao respondermos a segunda questão de pesquisa, pudemos afirmar que houve
movimentos nos motivos e objetivos dos licenciandos provocados pelas mudanças nos
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sentidos e significados que eles atribuíam à disciplina, ao papel do professor, às
geometrias e à formação inicial.
Na análise do questionário, foi possível constatar a presença de motivos
compreensíveis para cursar a disciplina. No decorrer do ano, muitos deles se
transformaram em motivos eficazes, já que houve coincidência com os nossos objetivos.
Assim, durante o curso, os licenciandos apresentaram objetivos de aprender o
conhecimento teórico e pensar na prática docente. Esse movimento dos motivos pode
indicar uma possível mudança em sua futura prática docente, uma vez que a
transformação dos motivos ocorre na própria prática do sujeito, a partir do momento
que ele atribui sentido às atividades.
Pensar acerca do lógico-histórico das geometrias permitiu que os licenciandos
compreendessem que o ensino de geometrias não pode ser reduzido apenas ao lógico-
formal, uma vez que a importância do ensino de geometrias não está apenas no rigor,
mas na possibilidade de criar, experimentar, levantar hipóteses, compreender os
movimentos da vida e a mutabilidade dos conhecimentos.
As análises das narrativas nos permitiram afirmar ainda que, a dinâmica
utilizada possibilitou que os licenciandos (re)significassem conceitos de geometrias e
passassem a aceitar a pluralidade de verdades e a variabilidade dos conceitos
matemáticos. Nas AE, os licenciandos mobilizaram seus conhecimentos e geraram uma
busca por um novo referencial. E, nessa busca, partilharam significados na interação
com os sujeitos e geraram soluções que trouxeram significados novos. Nas narrativas,
eles explicitaram os sentidos e significados que passaram a dar aos conceitos
geométricos.
Considerando todos os elementos descritos acima, defendemos a tese (SANTOS,
2015), que as AE de geometrias na perspectiva lógica-histórica, a partir da dinâmica
indivíduo-grupo-classe-narrativas, se configuraram, na pesquisa, como uma unidade
entre o ensino e a aprendizagem (AOE) na formação inicial de professores.
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SENTIDOS E SIGNIFICADOS DO CONCEITO MATEMÁTICO DE DIVISÃO
EM UMA ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO
Marisa da Silva Dias
Suzana Maria Pereira dos Santos
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” (UNESP)
Resumo: O presente artigo apresenta alguns resultados e reflexões de uma pesquisa
concluída, cujo objetivo foi compreender os sentidos e os significados do conceito de
divisão que podem ser formados a partir de uma Atividade Orientadora de Ensino, por
estudantes do quinto ano do Ensino Fundamental, especificamente explorando
algoritmos. Pressupostos teóricos e metodológicos da perspectiva histórico-cultural, da
Atividade Orientadora de Ensino e do materialismo histórico-dialético contribuíram
para uma análise e compreensão do fenômeno estudado. A parte empírica ocorreu em
aulas com vinte e cinco estudantes de uma escola municipal do interior do Estado de
São Paulo e foi conduzida por meio de uma Atividade Orientadora de Ensino, cujos
problemas desencadeadores de aprendizagem foram gerados por uma história virtual,
uma situação emergente e um jogo. Neste texto, apresentam-se os resultados do
desencadeamento da atividade proveniente da história virtual. Adotou-se uma
abordagem qualitativa de pesquisa, cujos dados foram coletados a partir de produções
escritas, vídeo e áudio das ações da professora e dos estudantes. A análise dos dados
recorreu-se a partir de episódios que evidenciam sentidos e significados do conceito
matemático de divisão dos estudantes em situações de ensino-aprendizagem. Dentre
eles, a relação da divisão com a distribuição de objetos discretos, repartição de grandeza
contínua, divisão de números naturais usando ábaco e método da chave. Referente aos
movimentos do pensamento destaca-se a economia de pensamento, relações dialéticas
quantidade-qualidade, negação da negação e superação por incorporação. Considera-se
que uma Atividade Orientadora de Ensino, que medeia as atividades dos sujeitos
envolvidos na relação ensino-aprendizagem e que organize o ensino coerente com a
função escolar, permite o desenvolvimento do estudante e a apropriação do
conhecimento científico.
Palavras-chave: Perspectiva Histórico-Cultural. Atividade Orientadora de Ensino.
Matemática.
Introdução
O presente texto refere-se a uma pesquisa que investigou sentidos e significados
do conceito de divisão provenientes de uma Atividade Orientadora de Ensino. A
investigação surgiu como síntese de reflexões da professora-pesquisadora sobre o
ensino e aprendizagem da operação de divisão (no campo numérico dos naturais), no
ensino fundamental, especificamente na apropriação dos modos gerais dessas
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operações, os quais levam aos algoritmos. O delineamento da problemática da pesquisa
se deu mediante relatos de professores de um sistema de ensino municipal, localizado
no interior do estado de São Paulo, sobre a dificuldade dos estudantes em relação à
aprendizagem do sistema numérico e suas operações, em particular, a divisão. E,
também, de reflexões sobre o currículo comum das escolas de ensino fundamental desse
mesmo município, onde foi realizada parte da pesquisa, especificamente no que diz
respeito às considerações gerais da área de matemática e texto introdutório.
A abordagem do materialismo histórico-dialético e a perspectiva histórico-
cultural contribuíram para compreender o fenômeno, assim como uma metodologia
qualitativa, apoiada em tais abordagens. Essa escolha permitiu encaminhar os
procedimentos metodológicos de modo a buscar captar o fenômeno em seu movimento
e no ambiente em que ocorre, a sala de aula, considerando “a ciência como uma
categoria histórica, ou seja, a história é o eixo da compreensão e da explicação científica
e tem na prática seu fundamento epistemológico” (FIORENTINI; LORENZATO, 2012,
p.67).
Os documentos dos dados coletados foram registros dos estudantes, anotações
da observação da professora pesquisadora, registros audiovisuais das aulas e gravações
de áudio. A organização dos dados para análise foi feita em episódios (MOURA, 2001,
p.64), que se constituíram em transcrição de trechos de diálogos e produção escrita dos
estudantes. Embora se explicite somente trechos, as análises levaram em conta todo
histórico de ações manifestas pelos estudantes e professora em situação de ensino-
aprendizagem.
Considerações da perspectiva histórico-cultural
A base da perspectiva histórico-cultural está no fato de que os indivíduos têm o
direito de se apropriar dos conhecimentos historicamente elaborados pela humanidade.
Sabemos que nem todos os grupos sociais ou indivíduos se apropriam desses
conhecimentos e, muitas vezes, nem têm acesso a eles.
A formação de conceitos, segundo esta perspectiva, requalifica o sistema
psíquico do sujeito, desse modo, salientamos as diferenças qualitativas do ensino
orientado para o desenvolvimento no que se refere aos conceitos científicos. É papel da
escola oferecer o ensino dos conhecimentos científicos, já que tais conhecimentos não
se desenvolvem como os cotidianos.
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[...] o processo de desenvolvimento de conceitos, afirmou Vigotski, exige e
se articula a uma série de funções, a exemplo da atenção voluntária, da
memória lógica, da comparação, generalização, abstração, etc. por isso,
diante de processos tão complexos, não pode ser simples o processo de
instrução escolar que de fato vise a esse desenvolvimento. Ademais, alertou
que o professor, ao assumir o caminho da simplificação do ensino, não
conseguirá nada além de assimilação de palavras, culminando em um
verbalismo que meramente simula a internalização de conceitos (MARTINS,
2013, p. 280).
O conceito de atividade, também colaborou com esta pesquisa, uma vez que é
um dos princípios do desenvolvimento do psiquismo. Leontiev apresenta seu estudo da
atividade mental e de sua relação com o próprio desenvolvimento da personalidade:
“[...] não chamamos todos os processos de atividade [...] designamos apenas aqueles
processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma
necessidade especial correspondente a ele” (LEONTIEV, 1983, p. 68, tradução nossa).
Desse modo, não se confunde ação com atividade. A compreensão desta atividade se dá
com base na vida em sociedade, estabelecendo, por meio dela, relações com a realidade.
Destarte, o potencial de desenvolvimento está aliado a atividade principal do
indivíduo que, no caso dos estudantes das séries iniciais, se dá pela Atividade de
Estudo. Davydov (1982) defende que, desde os primeiros anos escolares, o ensino deve
estar voltado para a formação do pensamento teórico nas crianças, dando sentido e
significado à aprendizagem.
Observamos, principalmente com a preocupação das avaliações externas, que o
ensino da matemática ainda está, ainda, focado nas técnicas algorítmicas, gerado por
uma concepção na qual a rapidez e formas de resolução dos problemas e/ou exercícios
sejam os principais objetivos a serem alcançados. Nesse campo, buscamos dar uma
atenção aos algoritmos, a hipótese é que a compreensão das etapas de um algoritmo
permitirá a organização do raciocínio, porém o ensino dos algoritmos não pode ser
desconectado da produção de conhecimento sintetizado nele. Uma vez que somente a
memorização dos passos de um procedimento pode levar o estudante a utilizar somente
um método de resolução e de modo automático, sem atribuir significado.
Assim, para que aconteça a aprendizagem, consideramos que é necessária a
compreensão das relações entre a formação de conceitos científicos na sua historicidade
e sua apropriação pelos estudantes. É função da escola, contribuir para que os
estudantes tenham uma aprendizagem que não seja baseada na memorização de
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procedimentos matemáticos, ou mesmo na repetição, em longas listas de exercícios, que
pouco auxilia no desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Com a finalidade de contribuir para uma aprendizagem que favoreça o
desenvolvimento, compreendemos a necessidade de entendermos os conceitos de
sentido e significado nessa perspectiva teórica. Leontiev (1983, p. 228, tradução nossa)
afirma que sentido pessoal, ou simplesmente sentido, “expressa a relação do motivo da
atividade com o objetivo da ação”. Sobre significado ou significação, Leontiev (1978)
elucida que
[...] é aquilo que num objeto ou fenômeno se descobre objetivamente num
sistema de ligações, de interações e de relações objetivas. A significação é
refletida e fixada na linguagem, o que lhe confere sua estabilidade [...]. A
significação pertence, portanto, antes de mais nada, ao mundo dos
fenômenos objetivamente históricos [...] é, portanto, a forma sob a qual um
homem assimila a experiência humana generalizada e refletida (p.94).
Significado compreende a estabilização de ideias por um determinado grupo,
que por sua vez compõem o significado e são utilizadas na constituição de sentido. O
sentido é pessoal, tem caráter simbólico, pois é o simbólico o elemento mediador da
relação homem-mundo, que possibilita a apreensão do mundo pelo homem. Os sentidos
modificam-se e traduzem a relação do sujeito com os fenômenos objetivos
conscientizados, enquanto os significados são mais estáveis.
O conceito de sentido expande o compromisso da escola com o trabalho
educativo, na medida em que o sentido amplia o campo das significações, possibilitando
a flexibilização do pensamento. Uma vez que não entendemos por trabalho educativo a
mera transmissão de conhecimentos.
Consideramos um dos grandes desafios da educação escolar, fazer com que a
aprendizagem dos conteúdos escolares tenham sentido para os estudantes. Daí a
necessidade da relação do sentido com o motivo da atividade. A ocorrência da
aprendizagem depende do sentido que esta tenha para o indivíduo e, dialeticamente, a
forma como o indivíduo apropria-se de determinadas significações, depende do sentido
pessoal que tenha para ele. A escola, a partir de ensino formal e sistematizado, é o lugar
social que poderá contribuir para a formação dos sujeitos, possibilitando a atribuição de
sentidos e significados referente aos conceitos científicos.
A Atividade Orientadora de Ensino (AOE), desenvolvida a partir dos
pressupostos da perspectiva histórico-cultural e organizada sob os princípios e estrutura
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da atividade proposta por Leontiev, materializou-se, na pesquisa, como um modo de
organização do ensino da divisão para uma aprendizagem que possibilitasse a
apropriação de conhecimentos socialmente construídos pela humanidade e transmitidos
pelo homem. Em sua estrutura, a “AOE visa centralmente a um problema de
aprendizagem e não a um problema prático” (MOURA, 2010, p.104). Nela, professor e
estudante são sujeitos em atividade, portadores de conhecimentos, afetividade, valores e
realizaram ações que tem por objetivo um conhecimento de qualidade nova, num
movimento dialético. São componentes da AOE, a necessidade, os motivos, as ações e
operações, os quais permitem que ela seja elemento de mediação entre atividade de
ensino (atividade do professor) e atividade de estudo (atividade do estudante,
considerada aqui também como atividade de aprendizagem).
Na AOE, os sujeitos são mobilizados a partir de uma situação desencadeadora,
de modo que o estudante se aproprie de uma forma de ação geral, que se tornará base de
orientação em diferentes situações. Dentre as citadas por Moura (2010), tem-se jogos,
situação emergente e história virtual. A história virtual é
[...] uma narrativa que proporciona ao estudante envolver-se na solução de
um problema como se fosse parte de um coletivo que busca solucioná-lo,
tendo como fim a satisfação de uma determinada necessidade, à semelhança
do que pode ter acontecido em certo momento histórico da humanidade
(MOURA, 2010, p.105).
Ainda explica que “o significado de virtual é encontrado ao se apresentar um
problema na situação desencadeadora de aprendizagem que possua todas as condições
essenciais do conceito vivenciado historicamente pela humanidade” (MOURA, 2010, p.
95). Não abordaremos neste texto nem o jogo nem as situações emergentes.
Uma finalidade da AOE é organizar a atividade do estudante, de tal forma, que
ele se conscientize do seu direito de apropriação do conhecimento desenvolvido pela
humanidade. Desta forma, “a intencionalidade da atividade orientadora é mobilizar o
estudante, orientando suas ações, para que ele desenvolva autonomia na apropriação e
objetivação do conhecimento” (DIAS, 2007, p. 41).
No que se refere ao ensino da matemática, a AOE surge como possibilidade de
organizar o ensino, contribuindo para que os estudantes tenham uma aprendizagem do
movimento do pensamento na produção de conhecimento. Para que não criem uma
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concepção de que a matemática é produção de gênios e que, cabe a eles, estudantes,
memorizarem procedimentos, fórmulas e regras.
O objeto de ensino: conceito de divisão
A ideia mais comum da divisão está relacionada com o conceito de partição,
diretamente associada ao cotidiano social. Devido a certas regularidades no processo de
divisão na matemática, é possível a constituição de algoritmos, principalmente a divisão
numérica em partes iguais. As situações que envolvem a divisão referem-se a duas
ideias principais: repartir em partes iguais e medida. Dias e Moretti (2011) explicam
que “ao relacionar o processo de dividir em partes iguais, o estudante vai desenvolvendo
o conceito de divisão. A partir disso, ele pode criar variações desse procedimento ou
mesmo elaborar seu próprio algoritmo” (p.67). Muitas vezes, a escolha do algoritmo
pelo estudante depende da ordem de grandeza dos números envolvidos. É possível
observar que muitos deles acabam resolvendo por tentativa certas situações-problema
em que aparece divisão.
O uso de estratégias não convencionais para resolução de divisão podem
possuir limitações operacionais, porém tais limitações permitem saltos qualitativos no
processo de aprendizagem, no que se refere ao desenvolvimento psíquico. Quando nos
deparamos com divisões cujos números envolvidos possuem uma ordem de grandeza
que inviabiliza o uso de estratégias não convencionais, uma alternativa é utilizar
estratégias convencionais da divisão. Denominados como uma das estratégias
convencionais, o uso do algoritmo de divisão com chave ou método da chave.
Com a finalidade de facilitar certos processos, o homem desenvolveu técnicas
operatórias, seus algoritmos.
O processo de organização das operações numéricas no desenvolvimento da
estrutura aritmética, sua formalização, inicia-se com a busca de uma
generalização a partir de regularidades que ocorrem com os movimentos
numéricos. A busca dessa generalização nem sempre é direta e simples.
Inconsistências têm que ser sanadas mesmo sem o apoio da prática
operacional com objetos. Essa é a dialética de construção do conhecimento
entre a prática com objetos e a teorização (DIAS E MORETTI, 2011, p.42).
A pesquisa realizada levou em consideração esses movimentos numéricos na
organização do ensino, a fim de mobilizar o pensamento dos estudantes na elaboração
de seus algoritmos.
Compreendendo a produção de sentidos e significados
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Tendo como foco o objetivo geral da pesquisa, ou seja, compreender os sentidos
e os significados do conceito de divisão que podem ser formados a partir de uma
Atividade Orientadora de Ensino, em aulas com estudantes do quinto ano do Ensino
Fundamental, especificamente explorando algoritmos, para uma aprendizagem que
permita o desenvolvimento psíquico do estudante, a partir de pressupostos da Psicologia
Histórico-Cultural. Empenhou-se em compreender esse movimento dialético na
manifestação do pensamento tanto no ensino, quanto na aprendizagem, cujas análises
desse movimento evidenciaram relações de sentido do conceito de divisão do sujeito.
A parte empírica da pesquisa foi desenvolvida numa escola do Sistema
Municipal de Educação, em um município de médio porte no interior do estado de São
Paulo. Foram vinte e cinco estudantes com frequência regular de uma turma do 5º ano.
A Atividade Orientadora de Ensino teve a proposição de colocar os estudantes
em atividade diante de uma situação desencadeadora de aprendizagem. A organização
do ensino constou de uma história virtual do conceito, com o objetivo de envolver os
estudantes em situações semelhantes ao que o homem vivenciou nos processos
históricos de produção de conhecimento, com enfoque no desenvolvimento do conceito
de divisão em partes iguais; situação emergente, visando problematizar a divisão por
meio de subtrações sucessivas, em situação comum envolvendo a divisão dos estudantes
em grupos e, um jogo, com propósito de evidenciar o resto de uma divisão entre dois
números no campo dos números naturais. Os procedimentos metodológicos se
estruturaram nas etapas: 1 - apresentação de uma história virtual e resolução coletiva da
situação-problema; 2 - apresentação e uso do ábaco; 3 – uso do algoritmo de divisão por
meio da chave, método longo; 4 – jogo com propósito pedagógico. Destacamos aqui
dois momentos, um referente a etapa 1 e outro a etapa 4.
Resultados e discussões
A intencionalidade nesta etapa foi criar condições para que os estudantes se
apropriassem da experiência histórica contida no texto “O caso dos sete jarros”, do livro
“O homem que calculava” de Malba Tahan (1995). A história apresenta um problema
sobre divisão em partes iguais, que no contexto didático, consideramos como o
problema desencadeador de aprendizagem. Como objetivos dessa etapa, destacamos:
identificar os sentidos e significados em relação à divisão manifestos por meio de
estratégias pessoais, usadas pelos estudantes para resolução da situação-problema.
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Particularmente a ideia de partição e medida, envolvendo grandezas discretas e
contínuas.
Na história “O caso dos sete jarros”, Tahan (1995) narra um episódio da vida de
Beremiz, um calculista que vivia aventuras matemáticas nas Arábias, e em uma de suas
visitas à cidade de Bagdá, se deparou com um problema de difícil solução para os
aldeões. Porém, o texto diz que Beremiz o resolveu prontamente e de maneira muito
simples.
Considerou-se a história apresentada como uma história virtual do conceito,
devido sua relação com necessidades humanas de dividir coisas em partes iguais.
Destacou-se da história virtual o seguinte problema para desencadear a aprendizagem:
Como pagamento de pequeno lote de carneiros, três amigos receberam uma
partida de vinho, composta de 21 vasos iguais, sendo: 7 cheios, 7 meio
cheios e 7 vazios. Os amigos queriam dividir os 21 vasos de modo que cada
um deles recebesse o mesmo número de vasos e a mesma porção de vinho,
sem abrir os vasos, isto é, conservando-os exatamente como estão (TAHAN,
1995, p.42).
A proposta, com o problema em destaque, foi que os estudantes buscassem uma
solução usando suas próprias estratégias, diante de uma situação que muito
provavelmente o homem vivenciou para criação do conhecimento necessário a fim de
solucionar problemas dessa natureza. Em grupos, os estudantes compartilharam sentidos
e significados, na elaboração de soluções, cujas estratégias deveriam levar em
consideração o contexto e o conhecimento da época.
Para o envolvimento dos estudantes no contexto da época foram realizadas
diversas ações envolvendo mapa da Arábia, vestimentas, nomes, etc. Uma lista
contendo nomes árabes femininos e masculinos foi apresentada. Cada estudante e pôde
escolher um nome para usar durante toda a atividade, com isso asseguramos o
anonimato dos estudantes. Para ilustrar destacamos o episódio que segue:
Maryuh – aqui ó, já fizemos!
Professora-pesquisadora: já? Como fizeram?
Maryuh: então, dividi os jarros. Um pra cada um.
Malyka: então, dentro do jarro cheio, cabe dois meio cheio. Aí, tem então
(aponta para o desenho) olha aí, no jarro cheio, tem 14 meio cheio e mais 7
do meio cheio.
Professora-pesquisadora: entendi! E aí, como fica? Não esquece [...],
Maryuh: Aí... é só distribuir o palito cheio, contando 2 pra cada um e vê
quanto falta (aponta para o palito, que está usando como auxiliar)
Professora-pesquisadora: Entendi, mas e aí, como faz?
Maryuh: aí, é só dividir depois o meio cheio igual.
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Professor- pesquisadora: Mas vai ficar certo?
Maryuh: vai, olha aí: cada um tem 7 meio cheio, depois é só ver quanto
falta para ficar com 7 jarros cada (SANTOS, 2016, p. 73, grifo do autor).
Observou-se que os estudantes optaram por usar palitos para representar os
vasos e após encontrarem uma possível solução, fizeram desenhos para representá-la.
Neste trecho, Malyka, está na relação do conceito de divisão do líquido dos jarros, ao
dizer dentro de um cheio tem dois meio cheio e abstrai essa ideia na representação com
palitos. Maryuh começa o relato explicando o que fez desde início ao dizer é só
distribuir o palito cheio (representando um vaso cheio), contando 2 pra cada um...
Analisando o movimento do pensamento no processo de solução elaborada pelos
estudantes, diferentes formas de representação e suas relações foram utilizadas, na
atribuição dos sentidos: a relação entre os vasos, o líquido, as quantidades, a
organização da distribuição de vasos, os palitos, os dados do problema, a comunicação,
entre outros elementos que podem ser observados. Porém salientamos aqui, a
construção de significados quando Maryuh e Malyka, que estavam em um mesmo
grupo, compartilham seus sentidos que produzem, referente à compreensão que cada
uma teve do problema. Para distribuir um jarro de cada tipo para cada amigo, pareceu
ser algo que não apresentava dificuldade, conforme expressa Maryuh essa ação. De
início, cada amigo ficou com 2 vasos cheios, 2 meio cheios e 2 vazios. A criação de uma
estratégia foi devido a necessidade de dividir para, aos três amigos, o que sobrou, ou
seja, 1 vaso cheio, 1 vaso vazio e 1 vaso meio cheio de modo a atender as condições do
problema. Nesse momento, o pensamento dirigiu-se ao líquido.
A equivalência da quantidade de líquido, entre 1 vaso cheio e 2 vasos meio
cheios, mudou a configuração anterior de distribuição igualitária. Esse salto qualitativo
foi percebido e compartilhado por Malyka. Ou seja, dois amigos ficaram com 2 vasos
cheios, 3 meio cheios e 2 vazios e um dos amigos com 3 vasos cheios, 3 vazios e 1 meio
cheio. Essa solução satisfez o problema, ou seja, todos os amigos ficam com 7 vasos e a
mesma quantidade de vinho.
Embora a qualidade, dada pela configuração de vasos que um dos amigos
recebeu, tenha sido diferente, a quantidade foi igualmente distribuída. E as estudantes
conseguiram elaborar a solução por meio de pensamento quantitativo, ao abstraírem e
discutirem somente a quantidade de vasos e líquido.
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O problema dos sete jarros foi apresentado com a quantidade de jarros
aumentada, como outra ação desta etapa. Dentre as manifestações dos sentidos e
significados que os estudantes atribuíam às versões do problema, por meio de suas
resoluções, destacamos: constatar a limitação do uso das estratégias anteriores, num
movimento de negação da estratégia anterior por superação, prevendo a mobilização e
criação de sentidos e significados na relação indivíduo-coletividade. A negação foi
necessária para a economia do pensamento (CARAÇA, 1951)
A etapa 2, constituiu-se no uso ábaco como possibilidade de superação das
limitações encontradas nas estratégias anteriores para resolução das situações-problema
propostas na etapa 1, com elevadas quantidades de vasos. O objetivo foi compreender o
movimento dos sentidos e significados dos estudantes em relação aos agrupamentos da
base numérica e o princípio do valor posicional do nosso sistema numérico. Nesta ação,
cada amigo envolvido na história virtual foi representado por um ábaco.
Após perceberem esses conceitos, discutiu-se a possibilidade de serem muitos
amigos e muitos vasos de forma tal que perceberam uma inconveniência para uso da
estratégia com o ábaco, promovendo a necessidade de novas elaborações para resolução
da situação problema apresentada.
Destacamos o seguinte diálogo referente a etapa 3 que compreendia uma
discussão do método da chave:
Mohammed: “Ah, é por isso que dá o abraço!
Professora-pesquisadora: Que abraço?
Mohammed: Ali, olha, quando preciso trocar uma unidade por dez, aí
fica dez, aí, quando fazemos na continha, tem que dar o abraço, para
virar dez!
Professora-pesquisadora: Você está dizendo da resolução usando a chave?
Mohammed: É, aí a gente faz igual do ábaco, tira um daqui e passa dez pra
lá. É igual, só que aí, a gente dá um abraço, e vira dez. Aí dá pra fazer a
conta, só usando o número e não o ábaco. Agora eu já sei! (SANTOS,
2016, p. 85).
Mohammed indica uma atribuição de sentido com base no significado das
operações no sistema numérico decimal que usamos, “...ele estava aprendendo o método
da chave, mas não tinha desenvolvido sentido acerca do conceito relacionado ao sistema
numérico posicional (SANTOS, 2016, p. 85).
No momento em que o estudante expressa seu pensamento, demonstra a
formação de sentido pessoal coerente com o significado da divisão em questão, ao
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relacionar o desagrupamento realizado na divisão usando o ábaco e o uso do algoritmo.
Houve indicação de compreensão, pelo estudante, da necessidade do conceito de base,
no se refere ao agrupamento, e da posição do algarismo para a realização da divisão.
Com isso, observamos que a atividade de ensino com o uso do ábaco surtiu efeito na
criação de um sentido ao algoritmo da chave. Caracterizando a relação dialética entre
fluência e interdependência no processo de pensamento. (CARAÇA, 1951).
Considerações
Algumas relações, reflexões e inferências foram feitas a partir das manifestações
dos estudantes com a mediação da professora-pesquisadora, diante da situação
desencadeadora apresentada, a fim de compreender as estratégias das soluções de
situações-problema que envolviam divisões apresentadas no decorrer do
desenvolvimento da Atividade Orientadora de Ensino.
A escolha dos princípios teórico-metodológicos possibilitou uma compreensão
no que diz respeito ao princípio geral de economia de pensamento, relações dialéticas
quantidade-qualidade, superação por incorporação e negação da negação; fluência e
interdependência no movimento do pensamento. A economia do pensamento foi guia
para os estudantes abandonarem uma estratégia de solução ou um algoritmo em
determinado momento, quando houve certa variação quantitativa. Ou seja, quando a
quantidade se tornou elevada o suficiente para eles se motivarem a elaborar outras
estratégias. A negação de uma estratégia permitiu a criação de outra, de qualidade nova,
que satisfez igualmente a solução do problema, pois preservou a essência desta. Além
disso, percebeu-se que a nova solução, baseada em novo algoritmo, também poderia ser
usada na situação inicial.
Colocar os estudantes em atividade, por meio de uma Atividade Orientadora de
Ensino, com propostas de ensino da divisão no campo dos números naturais, baseadas
na perspectiva histórico-cultural, possibilitou a apresentação de formas diferentes de
solução, compondo diferentes estratégias e algoritmos. Os estudantes perceberam a
limitação de estratégias usadas, principalmente no que se refere ao movimento
quantidade-quantidade, buscando sempre uma nova, mais geral.
Neste movimento, compreendemos o favorecimento do desenvolvimento
psíquico, numa relação de superação por incorporação, pois ao superar o modo de
resolver anterior, houve a necessidade de incorporar novas qualidades das próprias
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representações dos objetos e de operá-las, possibilitando a formação de sentido pessoal
acerca dos conceitos envolvidos na resolução da situação-problema.
Os sentidos pessoais e significados atribuídos pelos estudantes acerca do
conceito de divisão foram produzidos em diversos contextos no decorrer da atividade,
embora, neste texto, enfocamos somente dois episódios. Contudo, podemos inferir que a
Atividade Orientadora de Ensino é uma possibilidade de organização da prática
pedagógica que permite a aprendizagem coerente com conhecimentos científicos e o
desenvolvimento psíquico dos estudantes.
Referências
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Matemática Ltda, 1951.
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desenvolvimento do conceito de perspectiva lógico-histórica. Tese (Doutorado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em Educação Matemática:
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LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa. Livros Horizonte. 1978.
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MARTINS, L.M. O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar:
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MOURA, M. O. (org). A atividade pedagógica na teoria histórico-cultural. Brasília:
Líber livro, 2010.
SANTOS, S. M. P. dos. Sentidos e significados do conceito de divisão provenientes
de Atividade Orientadora de Ensino. 2016. 105f. Dissertação (Mestre em Docência
para Educação Básica) – UNESP, Faculdade de Ciências, Bauru, 2016.
TAHAN, M. O homem que calculava. Rio de Janeiro: Record, 1995.
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