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CURSO DE DIREITO CONHECIMENTOS TRADICIONAIS SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA Direito ao Patrimônio Intelectual JOÃO MITIA ANTUNHA BARBOSA RA4312246 TURMA:315-C1 FONE: 38730775 EMAIL: [email protected] São Paulo 2003

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CURSO DE DIREITO

CONHECIMENTOS TRADICIONAIS SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Direito ao Patrimônio Intelectual

JOÃO MITIA ANTUNHA BARBOSA

RA4312246

TURMA:315-C1

FONE: 38730775

EMAIL: [email protected]

São Paulo

2003

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JOÃO MITIA ANTUNHA BARBOSA Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenão do título de Bacharel em Direito sob a orientaão do Professor Marco Antonio de Carvalho Teixeira. BANCA EXAMINADORA: PROFESSOR ORENTADOR: PROFESSOR ARQÜIDOR: PROFESSOR ARQÜIDOR:

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SINÓPSE Pretendemos com este trabalho fazer uma análise acerca da efetiva aplicaão do preceito contido no artigo 8 (j) da Convenão sobre a Diversidade Biológica, no que tange ao respeito e proteão dos conhecimentos tradicionais, sobretudo os dos povos indígenas brasileiros. De acordo com a CDB, entende-se que se deve “preservar, respeitar e manter os conhecimentos, inovaões e as práticas das comunidades indígenas para a conservaão e a utilizaão sustentável da diversidade biológica e promover sua aplicaão mais ampla, com a aprovaão e participaão de quem possui esses conhecimentos.” O saber tradicional, descrito na CDB como incluindo conhecimentos, práticas e inovaões, não é um simples repositório de conhecimentos do passado. É um modo de produzir conhecimentos por meio de práticas específicas. “O que é tradicional no saber tradicional não é sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e usado”. Tais consideraões não foram utilizadas quando da elaboraão da legislaão brasileira a respeito da matéria, e parece-nos que não seja do interesse de setores industriais e econômicos (tais como a indústria farmacêutica) levá-los em consideraão, o que acarreta em um evidente desrespeito aos direitos dos povos afetados.

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PLANO INTRODUÇÃO. 6 Objetivos: 6 Metodologia: métodos e materiais de pesquisa. 11 1 – CONCEITOS NECESSÁRIOS PARA A COMPREENSÃO DO TEMA ABORDADO. 13 2 – A IMPORTANCIA DO CONHECIMENTO TRADICIONAL 16 2.1) Pesquisa médica e “bioprospecão”. 16 2.2) Comercio internacional e medidas de apoio. 27 3 - A CONVENÇAO DA BIO DIVERSIDADE. 30 3.1. A Convenão da Biodiversidade e os Povos Indígenas. 38 4 – A VISAO DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE SEUS INSTITUTOS POLITICOS, ESPIRITUAIS E A NATUREZA. 50 4.1 – Especificidades dos direitos indígenas em razão das suas relaões especiais com a terra e com a natureza. 53 5 - DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E O PATRIMÔNIO INTELECTUAL INDÍGENA SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA. 66 5.1) Análise de algumas propostas de soluão. 69 5.2) Especificidades dos problemas em razão do detentor do direito. 72 5.3) Princípios éticos a serem observados para o respeito aos direitos dos povos tradicionais 75 6 – O CASO BRASILEIRO. 76 7- OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: ABRANGÊNCIA, UTILIZAÃO E POSSIBILIDADE DE SISTEMETIZAÃO DOS INTERESSES INDÍGENAS E DA SOCIEDADE OCIDENTAL CONFRONTADOS. 80 CONCLUSÃO. 92 BIBLIOGRAFIA. 99

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INTRODUÇÃO Objetivos: O objetivo do presente trabalho é contribuir para compreensão da dimensão política, da cosmo-visão e do conhecimento que os povos e comunidades tradicionais têm sobre a natureza, ou partes dela, e que é objeto (a natureza e suas partes) de interesse da comunidade científica, da empresa farmacêutica e outras, enfim, da sociedade ocidental. Objetivamos também analisar como se apresenta e se desenvolve a coexistência e o relacionamento dos diferentes interesses e visões dos grupos enfrentados, ou seja, os povos indígenas de um lado e o direito e interesses ocidentais, nacional e internacional, de outro. Pretendemos conhecer as normas que existem e que estão sendo elaboradas para a captaão do conhecimento tradicional e do patrimônio material da biodiversidade e intelectual indígena, e analisá-las a partir da crítica que é feita por esses povos. Interessa-nos, igualmente, fazer a análise do discurso que os índios produzem: conhecer a base sólida desses conhecimentos ou pelo menos as estruturas produtoras da mentalidade, filosofias e políticas sobre as quais as mentalidades se sustentam, existem, mantêm-se e que, pela sua dinâmica própria, produzem o conhecimento e mantêm a diversidade cultural e biológica como a percebemos existir. A possibilidade de se conhecer o fundamento cultural de sociedades tradicionais parece-nos ter importância múltipla; implica em se apreender uma filosofia que produz técnicas que são da maior utilidade para o mundo ocidental voltado ao comércio, pois, ao mesmo tempo essas técnicas freiam as formas nocivas geradoras de degradaão e esgotamentos de materiais e de vidas. A pesquisa de parâmetros voltados para a conservaão e a busca de soluões alternativas para os desequilíbrios ambientais é outro dos objetivos do trabalho. O trabalho será uma análise da legislaão, das políticas públicas e das práticas empresariais à luz do artigo 8 (j) da Convenão sobre a Diversidade Biológica, que trata das comunidades indígenas e locais, que utilizam estilos tradicionais de vida relevantes para a conservaão da diversidade biológica.

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vista do artigo 8 (j) da Convenão e das conseqências que decorrem para os Estados, Povos Indígenas e demais interessados (indústrias, ongs, etc) é que se desenvolverá o trabalho. A obrigaão imposta a cada parte contratante, pela Convenão, de respeitar, preservar e manter conhecimentos, inovaões e técnicas de comunidades indígenas e locais que possam ser utilizados para a conservaão e a utilizaão sustentável da diversidade biológica é, na verdade, admissão e reconhecimento de que possível a permanência do homem em áreas naturais remanescentes, pois aí há o testemunho da eficácia dos sistemas indígenas de manejo de recursos naturais. Através das comunicaões recebidas, por ocasião, por exemplo, da Conferência das Partes (4A. Reunião – Bratislava 1998), das comunidades locais e indígenas, verifica-se que ainda que se expresse apoio ao Convênio sobre a Diversidade Biológica em seu conjunto, ao estar o artigo 8(j) sujeito à legislaão nacional, a eficácia real do Convênio depende em definitivo desta última. Essas comunidades desejam, portanto, que se formule uma série de estandartes ou diretrizes sobre a legislaão nacional relacionada com a aplicaão do artigo 8(j). Mediante leis que habilitem as comunidades indígenas ou locais a estar representadas nos órgãos legislativos é mais provável que as preocupaões e interesses dessas comunidades sejam considerados e levados em conta na adoão de decisões onde prevaleçam o respeito e a igualdade. Existe uma perspectiva indígena de ocupaão e preservaão simultâneas? Esta perspectiva está afastada das políticas ocidentais de preservaão por envolver duras divergências de concepão de mundo? Essa abordagem faz parte da nossa análise, como estratégia de apoio para o implemento de políticas nacionais e internacionais de equilíbrio de sistemas econômicos, sociais e legais, sobre as quais já existe o consenso de estarem em desequilíbrio. A pesquisa pretende verificar de que forma as diferentes posturas políticas com relaão aos diversos projetos que tratam do meio ambiente, biodiversidade, propriedade intelectual, revoluão verde e outros, têm condião de eficácia para atender ao que se propõe, e ainda, se atendem, também, aos propósitos do equilíbrio nas relaões do homem e natureza.

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Este estudo do tema, na área do Direito, visa também trazer subsídios para a capacitaão dos próprios povos indígenas para que estes mantenham o controle sobre seus bens culturais, intelectuais, bem como sobre os naturais remanescentes, de forma que essas riquezas culturais, intelectuais e naturais, lhes possibilitem sobrevivência e auto-desenvolvimento ou auto-sustentabilidade. Este estudo visa ainda servir de base para o estabelecimento de normas que equilibrem melhor as partes envolvidas e para a adoão de um certo número de medidas institucionais pelos órgãos e organismos competentes, tanto no nível internacional, através das Naões Unidas e suas agências, em colaboraão com os povos e especialistas autóctones, como no plano local, para a redaão, a promulgaão e a publicaão de leis e de outras medidas destinadas a proteger de imediato os povos autóctones contra as ameaças cada vez mais intensas integridade de suas tradiões e de seus valores culturais, espirituais, religiosos, artísticos e científicos. Metodologia: métodos e materiais de pesquisa Toda a legislaão nacional de preservaão ambiental está permeada pelas questões acima enfocadas e o nosso propósito é fazer a leitura delas de forma crítica para a sua adequaão aos propósitos da CDB (Convenão da Biodiversidade). As hipóteses serão verificadas a partir da visão dos povos tradicionais e locais[1] sobre a legislaão ambiental encontrada, pois, é a partir desses documentos legais e de sua percepão pelos afetados (os povos indígenas) que as hipóteses serão formuladas: Tais como: MP n º 2186/01: Acesso ao Patrimônio Genético. Art. 225 da Constituião Federal. Convenão da Biodiversidade. Gestão e manejo dos recursos ambientais. Manejo florestal sustentável.

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Proteão da biodiversidade. Educaão ambiental. Aspectos sócio-econômicos. Políticas públicas. Noões gerais de economia ambiental. Agenda 21. Desenvolvimento sustentável. Para tanto, dividimos o trabalho em 7 partes, visando desta forma tratar as questões levantadas, quais sejam: 1 – Conceitos necessários para a compreensão do tema abordado. 2 – A importância do conhecimento tradicional. 3. A Convenão da Biodiversidade. 4. A visão dos Povos Indígenas sobre seus institutos políticos, espirituais e a natureza. 5 Direito internacional privado e o patrimônio intelectual indígena sobre a diversidade biológica. 6 O caso brasileiro. 7 Os conhecimentos tradicionais: abrangência, utilizaão e possibilidade de sistematizaão dos interesses indígenas e da sociedade ocidental confrontados. 1 CONCEITOS NECESSÁRIOS PARA A COMPREENSÃO DO TEMA ABORDADO. Tendo em vista a particularidade do assunto neste trabalho abordado e o pouco conhecimento a respeito de certos conceitos empregados, vamos, neste item tentar trazer informaões que permitam um certo grau de compreensão com o intuito de transmitir ao leitor com mais clareza o desenvolvimento seguinte deste estudo.

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Pretendemos, minimamente, esclarecer como são considerados: a) comunidades indígenas ou tradicionais, b) conhecimentos tradicionais e a c) relaão dos povos indígenas com os objetos de proteão legal. Tomaremos como explicaões dessas noões documentos de ordem legal para os dois primeiros casos acima apontados e um estudo de autoria de Erica Irene Daes, Presidente do Grupo de Trabalho Sobre Povos Indígenas da ONU. a) Comunidade tradicional ou indígenas: refere-se, segundo a Deliberaão Consema[2] – 3, de 14-2-2001: grupamentos humanos que possuam com a região, há pelo menos três geraões, vínculos de origem, ocupaão e histórico-cultural, com identidade cultural reconhecida pela comunidade cuja produão material e sócio-cultural estejam diretamente relacionadas com o ecossistema da região, geralmente no que diz respeito ao domínio de técnicas de produão específicas desenvolvidas em interaão com ele. b)Conhecimento tradicional associado: trata-se segundo a Deliberaão do Consema – 3 de 14-2-2001: informaão ou prática, individual ou coletiva, da populaão indígena ou da comunidade tradicional, com valor real ou potencial, associada aos recursos biológicos, genéticos ou aos produtos derivados. c) Os povos indígenas e sua relaão com os objetos de proteão legal, segundo Erica-Irene Daes[3] são assim apresentados: “De fato, os povos indígenas não vêem sua herança em termos de propriedade, como algo que tem um dono e é usado para o propósito de se extrair benefícios econômicos, mas sim em termos de responsabilidade individual e comunitária”. Uma música, uma história, um conhecimento médico trazem consigo responsabilidades no sentido de se demonstrar respeito e de forma a que se mantenha uma relaão de reciprocidade com os seres humanos, animais, plantas e lugares com os quais a música, história ou o remédio estão ligados. Para os povos indígenas, herança feixe de relaões, mais do que um grupo de direitos econômicos. O objeto não tem sentido fora da relaão, seja um objeto físico como um lugar sagrado ou cerimonial, ou um intangível como uma música ou história. Para a venda é preciso desprezar a relaão, pôr fim a ela“. 2 – A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO TRADICIONAL 2.1) Pesquisa médica e “bioprospecão”

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De acordo com Erica-Irene Daes, um grande número de remédios importantes foi descoberto em plantas selvagens e em micro organismos presentes na natureza; no entanto, a pesquisa no campo dos remédios naturais é extremamente difícil e imprevisível”, assim afirma o bioquímico Georg Albers-Schonberg[4]. De fato, é muito difícil fazer a escolha dentre as centenas de milhares de espécies que ainda faltam para ser estudadas. A seleão ao acaso das espécies, assim como para os compostos sintéticos, representa uma importante perda de tempo e de dinheiro. Economias podem ser feitas dando-se prioridade às espécies utilizadas na medicina tradicional. Michael Blalick (1990) descobriu que fazendo uso dos conhecimentos da medicina tradicional, pode-se quadruplicar a eficácia na seleão das plantas a serem estudadas por suas propriedades medicinais[5]. Os países menos desenvolvidos, cujos ecossistemas estão relativamente preservados, possuem importantes recursos genéticos, mas deles, em regra geral, não são tirados proveitos econômicos pelas descobertas realizadas em seus territórios. Por exemplo, dois medicamentos utilizados há 40 anos para tratar algumas formas de câncer, a vincristina e a vinblastina, são extraídas da Vinca rósea, uma planta de flores original de Madagascar, que é utilizada de longa data pelos curandeiros tradicionais nesse país. As vendas atuais destes dois remédios representam mais de 100 milhões de dólares, mas nem Madagascar, nem os curandeiros tradicionais recebem a mínima porcentagem destas receitas. Segundo as estimativas, o número total das vendas mundiais de outros produtos derivados de remédios tradicionais seria da ordem de 43 bilhões de dólares. As principais sociedades farmacêuticas americanas que efetuam pesquisas sobre espécies vegetais são Merk & Co, Smithkline Beechcam, Monsanto, Sterling e Bristol Meyers[6]. O National Cancer Institute (NCI), nos EUA, inaugurou em 196O um programa mundial de coleta e estudo das substâncias presentes na natureza. Em 1981, 35000 espécies de plantas e um número ainda maior de micro-organismos tinham sido testados. Estas atividades se intensificaram desde 1986, acentuando-se com a pesquisa de substancias próprias para o combate à AIDS. O NCI emprega desde 1986 três instituiões nos EUA, pelo custo de 6,5 milhões de dólares, para a coleta de espécies vegetais em 28 países. A maior parte destas atividades é executada sob a forma de contratos de terceirizaão com 22 organizaões e institutos nacionais do país em questão, dentre os quais apenas um (no Zimbabwe) representa os curandeiros tradicionais. Se o NCI pede aos prestadores de serviço a obtenão do consentimento dos curandeiros tradicionais que estes participem das atividades de pesquisa, ele menciona que os povos autóctones devem ser retribuídos por seus conhecimentos médicos ou levados em consideraão nas patentes que serão depositadas na seqência das pesquisas.[7] Em junho de 1992, os institutos nacionais de saúde dos EUA lançaram um novo programa em cooperaão com o USAID com o intuito de financiar os projetos de “descoberta de medicamentos” nos países em desenvolvimento, fazendo uso da “massa de conhecimentos adquiridos pelas culturas tradicionais aonde o potencial medicinal é mais fácil de ser explorado”. Um crédito de aproximadamente 1,5 milhões de dólares foi aberto para a realizaão de três projetos em 1994. Créditos serão fornecidos a grandes instituiões que , por sua vez, poderão atribuir em organizaões menores nos países em desenvolvimento o cuidado de conduzir as atividades de pesquisa em campo. Os beneficiários dos créditos são responsáveis por fazer com que todos os lucros gerados por suas pesquisas sejam “eqüitativamente” repartidos entre todas as organizaões participantes dos paises mencionados. Não foi, todavia, mencionada na documentaão relativa a este novo programa, dados relativos aos direitos das populaões autóctones, cujo conhecimento será utilizado e explorado.

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No decorrer de um encontro organizado em agosto de 1992 pelos institutos nacionais da saúde para examinar este programa, altos funcionários da saúde reconheceram o interesse que havia em estudar os conhecimentos tradicionais das populaões autóctones. Por outro lado, eles apresentaram dúvidas quanto à necessidade de obter o consentimento em boa e devida forma das populaões autóctones e de retribuir as comunidades que comunicam informaões úteis de ordem médica e botânica associado-os aos autores das patentes eventuais às quais as pesquisas podem chegar. Os responsáveis desses institutos nacionais da saúde afirmaram que os direitos das populaões autóctones dependeriam inteiramente dos termos dos contratos assinados com eles ou com o governo do país sede. Dito Isso, tradicionalmente os especialistas da bioprospecão não assinavam contratos com as populaões autóctones, mas, sobretudo, com as instituiões cientificas nos países sede que serviam tanto como centros de pesquisa no campo, quanto como centros de coleta. As sociedades farmacêuticas são cada vez mais numerosas no campo da bioprospecão, mas os acordos contratuais são ainda os mesmos, na maior parte dos casos. Uma sociedade transnacional que disponha de instalaões de laboratórios necessários para testar as propriedades químicas das espécies estudadas elabora contratos com as universidades ou organizaões não governamentais locais, que se encarregam de recolher tais espécies em campo. Estas recebem em geral um preço fixo por espécime ou por quilo de espécime. Elas podem por vezes, em virtude de certos contratos, receber percentuais na venda dos produtos obtidos a partir destes espécimes. Estes percentuais de venda vão geralmente de 1 a 10. Dito isso, em regra geral, as instituiões que se ocupam da coleta não concluem nenhum acordo contratual com as populaões autóctones das quais elas exploram os conhecimentos ecológicos. A Merck & Co., uma das maiores sociedades farmacêuticas, com sede nos EUA, concluiu em 1991 um acordo com o Instituto Nacional de Biodiversidad (Inbio) na Costa Rica, com o intuito de coletar amostras de plantas e insetos. Nos termos deste acordo, a Merk possui direito exclusivo para estudar o valor comercial potencial das espécimes recolhidas pela Inbio, durante dois anos. Assim, como o direito de patentear todo composto químico útil que poderia ser descoberto, em troca de que ele coloque suas instalaões de laboratório à disposião da Inbio e lhe dando-lhe percentuais dos ganhos tirados da exploraão destas patentes. O acordo não indica como a Inbio identificaria as espécies suscetíveis de apresentar interesse, nem se as populaões autóctones serão indenizadas pelas informaões que elas poderão dar. Parece, no entanto que a Inbio prevê a capacitaão das populaões rurais para a coleta de plantas e de insetos, com a esperança de incita-los à preservaão. Não se sabe ainda qual será a amplitude exata da participaão local. A sociedade farmacêutica Shaman, igualmente sediada nos EUA, adotou um método muito semelhante, chamada de “processo de descoberta baseada na etnobotânica”, e que consiste principalmente em esforçar-se para compreender a medicina tradicional do que tentar selecionar inúmeros espécimes que ainda não foram estudadas. Cerca da metade das 400 espécies coletadas dessa maneira demonstraram possuir alguma virtude medicinal, e notadamente chegaram à descoberta de duas substâncias antivirais, que são atualmente objeto de ensaios clínicos. O que a Shaman gastou para a descoberta e elaboraão destes novos medicamentos representa apenas um décimo do custo dos trabalhos de síntese em laboratório e da seleão das espécies. A Shaman concluiu acordos de cooperaão com as organizaões autóctones com o objetivo de coletar espécies vegetais em dezembro de 1992 com o Consejo Aguaruna y Huambisa no Peru. Ela basicamente criou uma fundaão, a Healing Forest Conservancy, com o intuito de sustentar projetos comunitários propostos para as populaões autóctones. “Nós nos esforçamos”, afirmou o doutor Stephen R. King, vice-presidente da sociedade Shaman, “para fazer retornar uma parte do produto da venda para todas as populaões com as quais nós trabalhamos”, tendo elas fornecido ou não as informaões que conduziram na elaboraão de preciosos medicamentos. “A visita a 55 vilarejos no espaço de dois ou três anos permitiu, na melhor das hipóteses, na elaboraão de um ou dois produtos”.

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Algumas organizaões de pesquisa nos países em desenvolvimento tentam obter principalmente benefícios para as populaões autóctones. A Fundaão Brasileira de Plantas Medicinais (FBPM) convenceu algumas sociedades farmacêuticas a comprar de comunidades autóctones produtos vegetais, assim como extratos, o que assegura , segundo a FBPM, possibilidades de emprego para as populaões locais e divide eqüitativamente os benefícios com as comunidades que forneceram as informaões úteis. Por intermédio dos acordos que ela concluiu com sociedades estrangeiras, a FBPM tenta obter a exclusividade da comercializaão de todos os medicamentos produzidos a partir de espécies brasileiras, com o intuito de permitir às populaões autóctones e às outras populaões do Brasil a obtenão de benefícios por intermédio destas pesquisas tanto no plano médico quanto no plano econômico. Ignora-se atualmente se as grandes companhias de biotecnologia tais como Eli Lilly & Co., que em 1997 investiu 4 milhões de dólares na sociedade Shaman, aceitarão estas condiões a curto prazo. Convém no entanto salientar que as sociedades ocidentais de produtos farmacêuticos procuram principalmente remédios para problemas de saúde que preocupam particularmente as populaões ocidentais, tais como doenças cardiovasculares e o câncer, enquanto que as populaões dos países em desenvolvimento, em geral, não têm as mesmas prioridades. Em principio, a legislaão aplicável à propriedade industrial e intelectual, na maioria dos países não protege os “novos” conhecimentos. Os conhecimentos “antigos”, como as plantas medicinais utilizadas pelos curandeiros tradicionais há séculos, são habitualmente considerados como patenteáveis. Algumas sociedades de biotecnologia todavia puderam obter patentes para réplicas sintetizadas em laboratório das moléculas identificadas nas espécies de selvagens, comumente utilizadas. Por exemplo, duas sociedades obtiveram patentes nos EUA para derivados sintéticos da azadirechtime, uma substância ativa que se encontra em grãos de margousier e que os camponeses da Índia utilizam há séculos como pesticida. importante reconhecer que uma planta tem menos valor em longo prazo do que os conhecimentos existentes sobre tal planta. Quando os estudos realizados sobre uma planta permitem identificar a molécula ativa e analisar sua composião química, a elaboraão de um processo permitindo a síntese desta molécula em laboratório torna-se apenas uma questão de tempo. Por exemplo, as “ignames” selvagens do México (Discorea spp) eram a principal fonte de produão de esteróides até que o aumento brutal do produto mexicano nos anos 70 favoreceu a elaboraão de diversos métodos permitindo a síntese da molécula ativa em laboratório. Com isto, o México perdeu seu mercado. Em matéria de indenizaão pelos benefícios obtidos, dois sistemas existem atualmente na pratica industrial. O primeiro consiste em remuneraras pessoas por seus conhecimentos fornecidos e o segundo, que foi adotada pela sociedade de produtos farmacêuticos Shaman, consiste em atribuir a organizaões intermediárias a obrigaão de repartir largamente as vantagens econômicas entre todos das comunidades participantes. Até hoje esta repartião foi geralmente feita sem passar pelas lideranças políticas das populaões autóctones. Revelaram-se ainda preocupaões no que concerne às repercussões sociais que poderiam desencadear a entrega de importantes somas de dinheiro nas mãos das lideranças das comunidades autóctones. O pagamento dos lucros poderia aumentar o poder dos chefes tradicionais e enfraquecer seu senso de responsabilidade em face de seu próprio povo. Isto poderia também provocar conflitos entre diferentes grupos e comunidades a respeito da questão da propriedade dos conhecimentos tradicionais. Por exemplo, no caso de uma planta medicinal ser utilizada a séculos por diversos grupos indígenas e que um dentre eles revele a uma sociedade farmacêutica o segredo das propriedades particulares desta planta. Não seria distribuindo dinheiro por intermédio de ONGs que conseguiríamos resolver tais questões. Os intermediários não poderiam se abster de escolher dentre as sociedades e diferentes chefes os que eles queiram auxiliar. De qualquer maneira, os povos autóctones deverão se ver dotados de novas instituiões para tratar com os organismos de financiamento exteriores. Seria

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mais conveniente encorajá-los prioritariamente nesta via, do que favorecer o desenvolvimento de instituiões intermediarias.[8] 2.2) Comercio internacional e medidas de apoio No quadro das Negociaões do Uruguai do GATT (Acordo geral sobre as tarifas aduaneiras e o comercio), houve preocupaão com a questão dos aspectos dos direitos de propriedade intelectual que atingem o comércio (Trade Related on Intellectual Property Rights) TRIP. Os países industrializados fizeram campanha a favor do estrito respeito, na escala mundial, às patentes entregues às pessoas que elaboram as biotécnicas. Os países em desenvolvimento, as organizaões de exploradores agrícolas e as organizaões não governamentais locais combateram este ponto de vista, afirmando que uma tal política aumentaria a capacidade das sociedades transnacionais de controlar os medicamentos e os vegetais transgênicos, que eles elaboram graças aos recursos genéticos captados no hemisfério sul. Os países industrializados opõem-se a toda preferência em favor dos países em desenvolvimento no campo da exploraão comercial da diversidade biológica. A Convenão Sobre a Diversidade Biológica (CDB), de 1992, convidou a todos os Estados a contribuírem na medida de suas possibilidades com as despesas que envolvam a conservaão, no sul, dos ecossistemas de uma grande diversidade biológica. Mas, vários Estados fizeram declaraões nas quais eles dão uma interpretaão muito restritiva a essa disposião. Os interesses da maioria dos povos autóctones são análogos aos dos paises em desenvolvimento e poderiam ser gravemente comprometidos por uma regra do GATT que privilegiasse os direitos das sociedades, ocupando-se da diversidade as expensas dos Estados e dos povos que gerenciam os ecossistemas que possuem esta diversidade biológica. Desde 1990, diversas tentativas infrutíferas foram feitas nos EUA para promulgar leis que tornariam obrigatório o respeito da propriedade intelectual dos povos autóctones. Se tivesse sido adotado o projeto de lei 748 colocado diante do Senado, na área da ajuda exterior, teria sido acordada a prioridade à proteão dos povos

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autóctones, assim como a proteão de seu “direito de propriedade sobre os conhecimentos tradicionais na área dos vegetais e dos recursos vegetais”. A resoluão 354, submetida ao mesmo tempo, à Câmara dos representantes, teria tornado obrigatório aos diplomatas dos EUA levar em conta os conhecimentos tradicionais quando das negociaões em curso do quadro no GATT. O projeto de lei 1596 dispunha que a política internacional e a ajuda exterior dos EUA deveriam ser compatíveis com os direitos dos povos autóctones. Numa resoluão de 1989, o Parlamento europeu pediu à Comissão Européia e ao Conselho da Europa para fazer constar tais condiões nos acordos de ajuda estabelecidos com os paises estrangeiros. 3 - A CONVENÇAO DA BIO DIVERSIDADE. A Convenão sobre a Diversidade Biológica, adotada a partir de 1992, na Conferência Mundial das Naões Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, e ratificada quase universalmente pelos Estados membros da ONU, inclusive pelo Brasil, deu condiões de que o artigo 8(j), que trata das comunidades indígenas e locais, que utilizam estilos tradicionais de vida relevantes para a conservaão da diversidade biológica, adquirisse força. Nosso interesse é rever a legislaão nacional à luz do artigo 8(j) e de outros instrumentos que já vigoram[9] (CDB, OMC, OIT, esta considerada umas das mais leais defensoras dos povos autóctones, OEA, encarregada de estabelecer um projeto de declaraão americano sobre os direitos dos povos autóctones) porém, sem total aplicabilidade por estarem em contradião ou mesmo oposião com a legislaão que se aplica hoje, no Brasil. O artigo 11o. IV, da Medida Provisória, sobre a autorizaão de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético não está adequado ao que o país se comprometeu pelo artigo 8 (j) da CDB, nem às perspectivas dos povos indígenas, reiteradamente expressadas em reuniões específicas sobre o assunto no nível internacional. A Convenão da Biodiversidade e em geral todas as demais expressões normativas feitas pela sociedade ocidental, objetivadoras e regulamentadoras das situaões naturais, têm afirmado que deverá sempre haver participaão das populaões tradicionais tanto no processo de autorizaão de exploraão de espécies naturais que estejam localizadas em seus territórios quanto na transmissão dos seus conhecimentos, e ainda que deva haver participaão nos benefícios econômicos decorrentes da exploraão desses recursos. Ora, sendo esse um princípio firmado pelo direito ocidental e teoricamente aceito pela comunidade científica e legal, coloca-se a questão de se saber, como compatível essa participaão no processo de transferência de conhecimentos, que pertencem a um determinado universo político, a um específico conjunto filosófico de

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valores e com inserão em um sentido de vida e de mundo particular, para um outro, totalmente diferente, ou aparentemente totalmente diferente, que é o ocidental, fortemente marcado pela coisificaão dos recursos, como objetos em si, passíveis de uma verificaão e de revelaão de um conteúdo objetivo, químico, bioquímico. A diversidade cultural dos povos e a diversidade biológica da natureza mantêm elos inextrincáveis[10]. Segundo Erica-Irene A. Daes, relatora especial e Presidente-Relatora do Grupo de Trabalho sobre Populaões Autóctones da ONU, a diversidade cultural indispensável à faculdade de adaptaão e à criatividade da espécie humana no seu conjunto. Com sua riqueza e sua diversidade e com sua influência mutua, todas as culturas fazem parte do patrimônio comum de toda a humanidade. A propriedade intelectual sobre os conhecimentos de um povo autóctone, de uma comunidade tradicional, de um grupo étnico sobre os recursos naturais, gera direitos a essas mesmas entidades, de forma que elas devem participar da formulaão das regras para a sua utilizaão ou exploraão. Entretanto, a possibilidade que os povos detentores desses conhecimentos imemoriais têm de preservá-los ou transmiti-los dentro de suas próprias convicões, passa por outras questões na ordem mundial. Do lado dos povos indígenas existe a determinaão, repetidamente expressada, de preservaão da diversidade biológica, tal como se apresenta em seus territórios. Trata-se de um valor político, diferente do valor econômico, dado pela sociedade de consumo ou ocidental, a esses conhecimentos. O acordo multilateral de propriedade intelectual, mais conhecido como Trips (Trade Related Intelectual Property Rights), que na verdade é um acordo sobre patentes, tem se tornando um instrumento na batalha entre empresas, governos, especialistas, organizaões não governamentais e intergovernamentais, incluindo a ONU. Além dessa, há outras questões, como a que foi divulgada pela imprensa, relativa polêmica instalada entre os Estados Unidos e o Brasil sobre a lei brasileira de patentes de medicamentos, que poderia afetar a distribuião de remédios para o tratamento da Aids. Outras polêmicas existem também e vêm sendo travadas pelas comunidades tradicionais e autóctones, que dão feiões e dinâmicas surpreendentes e reveladoras de situaões não trazidas ainda ao público, como por exemplo, o não interesse desses povos em revelar seus conhecimentos tradicionais, em razão de sua diferente visão de mundo, de suas perspectivas e solidariedades, como parece demonstrar a posião dos pajés em

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documento elaborado em reunião no nordeste, no segundo semestre de 2001 e as afirmaões extraídas desse encontro, conforme registro o doCip.[11] A partir da vigência da Convenão da Biodiversidade, em dezembro de 1993, e do nascimento da Organizaão Mundial do Comércio, em 1995, várias publicaões têm tratado dos direitos da propriedade intelectual sobre a diversidade biológica, do conhecimento indígena e dos povos indígenas. Os principais temas giram em torno do seguinte: 1) relaão entre conservaão da biodiversidade e proteão e direitos da propriedade intelectual; 2) relaão entre proteão e direitos da propriedade intelectual e a justa e eqüitativa divisão dos benefícios da biodiversidade e do conhecimento indígena; 3) sinergias e conflitos entre a Convenão da Biodiversidade e o comercio, relacionados com aspectos do direito de propriedade intelectual; 4) proteão e uso de conhecimento indígena para a conservaão e sustentabilidade do uso da biodiversidade. A principal crítica contida nesses temas é que, no acordo da TRIPS, a biodiversidade e o conhecimento indígena estão sendo submetidos a uma rota comercial, usando-se os direitos de propriedade intelectual ocidentais como as principais ferramentas. Os valores e conceitos ocidentais de proteão da propriedade intelectual são basicamente considerados antiéticos na relaão com os valores, crenças e práticas de muitos povos indígenas. Assim, a imposião de que esses povos usem o regime de normas ocidental para proteger seus conhecimentos, cultura, e diversidade biológica tradicionais, é problemática. O principal impacto da TRIPS para os Povos Indígenas, segundo Victoria Tauli-Corpuz, diretora da Fundaão Tebtebba (Indigenous People´s Internacional Centre for Policy Research and Education) é que o Acordo TRIPS na OMC legitima os direitos de propriedade privada através de IPR (intelectual property right) sobre a vida e processos visando à modificaão de formas de vida. Mas, esses direitos existem e foram criados para atender aos interesses de indivíduos e corporaões, não para os povos indígenas.

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Dessa forma, a presente discussão abrange ao menos duas questões: 1) as normas formuladas estão elaboradas de forma a impor aos povos indígenas uma situaão, para eles inaceitável, colocando-lhes a exigência de adequarem-se ao que não lhes é possível; 2) e, por outro lado, a imposião a esse regramento ocidental prejudica o próprio conhecimento que se quer preservar, conhecer e utilizar, pondo-o inclusive em risco. Por meio da análise de depoimentos de inúmeros cientistas em artigos, trabalhos e outras formas de comunicaão, verificamos que muitos são os países que autorizam a patente de princípios ativos em seus órgãos de proteão do conhecimento, sem dar o crédito aos verdadeiros fornecedores da informaão, quando se tratam de comunidades indígenas ou locais[12], gerando conseqências as mais diversas, tanto culturais, quanto econômicas, a essas mesmas comunidades. Diante dessa fricão de interesses procuramos compreender os caminhos jurídicos e políticos que estão sendo construídos e as suas conseqências para os bens naturais, os conhecimentos tradicionais sobre eles que os povos indígenas têm, e que se visa proteger. 3.1. A Convenão da Biodiversidade e os Povos Indígenas. Birraux-Ziegler, geógrafa genebrina, afeita à temática indígena em discussão na ONU, em entrevista que concedeu a Marco Antonio Barbosa[13], afirma que a temática do Meio Ambiente está mais na moda que a temática indígena, por isso, possivelmente, caminha, no plano jurídico internacional, mais rapidamente. Além disso, aponta o fato de, nesse caso, existirem interesses econômicos envolvidos. Segundo a mesma analista, a temática indígena era mais importante quando a esquerda tinha uma presença mais marcante no mundo, quando então, a OIT tinha também papel mais destacado.

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Deve-se notar que com a Conferência do Rio de 1992 o Meio Ambiente ganhou maior destaque, e que ele envolve muitos interesses econômicos, que visam mercantilizar a natureza.[14] Porém, surpreendentemente ou não, os povos indígenas foram colocados, pela Convenão de Biodiversidade, como os guardiões da natureza, o que pode significar um maior espaço de poder e de direitos para eles. Esse tratamento dispensado pela CDB aos povos tradicionais tem conseqências também para os Estados participantes da Convenão e para as indústrias, que visam explorar economicamente os recursos da biodiversidade. As indústrias querem conhecer as condiões básicas para poderem tirar os seus benefícios e por isso estão acelerando muito o processo de implementaão da Convenão da Biodiversidade. Querem saber, exatamente, com quem devem tratar, em que condiões, quanto pagar e a quem pagar. Enfim, seus interesses não permitem que esperem muito mais. Com isso, afirma Marco Antonio Barbosa[15], “desse modo e indiretamente, através do canal da Convenão da Biodiversidade, no qual acabaram tendo um papel decisivo, poderão os povos indígenas, certamente, reivindicar seus direitos que até hoje não foram estabelecidos e reconhecidos em instrumentos jurídicos internacionais concernindo-lhes diretamente”. Informa ainda que durante sua pesquisa em 1997, na Suça, teve a oportunidade de acompanhar os estagiários indígenas, em reunião na sede da ong ambientalista internacional WWF e que ficou surpreso com a posião assumida por essa Ong. Nessa reunião a WWF fez questão de analisar seus novos princípios que, diferentemente da postura que sempre adotara até então, enfatizam a necessidade de participaão dos povos tradicionais nas suas atividades, relativas ao meio ambiente. Antes, seus princípios, eram excessivamente informados por um naturalismo-acadêmico-científico-ocidental[16]. “Vinculando sempre a discussão à Convenão da Biodiversidade e ao papel de poder que ela atribuiu aos povos indígenas a WWF internacional fez o tempo todo sua mea culpa,desculpando-se pelo fato de no passado haver pouco considerado os conhecimentos e a participaão dos povos tradicionais em sua política e atividades e afirmando que doravante tudo será diferente. Além disso, tentou pedagogicamente, demonstrar aos índios o papel importante e crucial que lhes cabe dentro da esfera da Convenão da biodiversidade e em razão de seus direitos autorais, intelectuais e das marcas e patentes, a ponto de sugerir que a luta pela Declaraão universal dos direitos dos povos indígenas seria de menor importância face ao poder que indireta e desavisadamente talvez, lhes tenha sido reservado na Convenão da biodiversidade.”[17]

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Darrel Posey & Graham Dutfield, na obra intitulada “Le marché mondial de la proprieté intellectuelle: droits des communautés traditionnelles et indigènes”[18], reconhecidos especialistas na matéria e a própria WWF internacional, afirmam que o que está disposto na Convenão da Biodiversidade, sobre os direitos dos povos autóctones, é de tamanha importância, que a Declaraão sobre os Direitos dos Povos Indígenas, seria um documento secundário porque, por se tratar de mera Declaraão, não tem força de impor obrigaões. A Convenão da biodiversidade impõe o respeito aos direitos intelectuais e aos conhecimentos sobre a diversidade biológica dos povos indígenas, que devem dar o seu consentimento e participar integralmente, inclusive dos resultados financeiros, relativamente à utilizaão das espécies da flora, da fauna, pertencentes aos seus habitats e dos seus conhecimentos tradicionais sobre tal biodiversidade. Os estudiosos do assunto afirmam que isso se constitui em uma revoluão nas relaões entre os povos indígenas e a sociedade moderna, colocando os primeiros numa posião chave antes inexistente. O desafio, e talvez o impasse, encontra-se exatamente nas legislaões dos diferentes paises modernos, relativas à proteão dos direitos intelectuais e das marcas e patentes que não estão formuladas de modo adequado a contemplar a situaão peculiar do domínio coletivo indígena sobre os seus conhecimentos e a diversidade biológica. Está colocada também a questão se não terão os povos indígenas que se sustentarem em outras estratégias, para defenderem seus interesses, em domínios que ultrapassam o campo dos direitos intelectuais. Darrel A Posey & Graham Dutfiel, afirmam: “Em geral, as leis sobre os direitos da propriedade intelectual (DPI) não se constituem em um meio apropriado e adequado para defender os direitos e os recursos das comunidades locais. A proteão a título de direitos de propriedade intelectual é puramente econômica e estão ligados autodeterminaão. Além disso, é necessário tomar-se em conta as incompatibilidades culturais, no sentido de que os conhecimentos tradicionais são geralmente compartilhados; quando não forem, os depositários dos conhecimentos parciais, não terão provavelmente o direito de os comercializar para realizar ganhos pessoais. Diversos grupos étnicos e comunidades autóctones que habitaram em meio-ambientes similares podem ter conhecimentos técnicos idênticos ou similares sobre um dado recurso e sua utilizaão. Conseqüentemente, se uma comunidade for paga, isso pode suscitar conflitos entre grupos autóctones e dar lugar a batalhas jurídicas sem fim. Esta possibilidade de conflito entre grupos mostra que não seria indicado talvez utilizar mecanismos de direitos da propriedade intelectual para procurar acordar retroativamente montantes relativos aos conhecimentos autóctones. Além disso, em razão da falta de autonomia econômica dos povos autóctones e da relaão de força desigual entre eles e o conjunto das sociedades comerciais, as comunidades teriam muita dificuldade para defender seus direitos de propriedade intelectual.”[19]

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De acordo com Teodora Zamudio um acordo celebrado entre a InBio (da Costa Rica) e o laboratório Merck teve como resultado da bioprospecão a transferência de uma substância chamada taxus brevifolia, mas não se advertiu que tal espécie e os conhecimentos que incidem sobre ela são compartilhados por paises de uma extensa zona geográfica que vai desde Chiapas (México) até Beni (Bolivia), o que violaria a Convenão com base na qual se firmou o mencionado contrato, tido por muitos como exemplar no setor. O artigo 8 (j) da Convenão sobre a Diversidade Biológica dispõe: “Cada parte contratante, na medida do possível e procedendo de acordo com a sua legislaão nacional; respeitará, preservará e manterá os conhecimentos, as inovaões e as práticas das comunidades indígenas e locais que tenham estilos tradicionais de vida pertinentes para a conservaão e a utilizaão sustentável da diversidade biológica e promoverá sua aplicaão mais ampla, com a aprovaão e a participaão de quem possui esses conhecimentos, inovaões e práticas, e fomentará para que os benefícios derivados da utilizaão desses conhecimentos, inovaões e práticas se compartilhem eqüitativamente”. A partir daí, segundo Zamudio (1999): “Em muitas comunicaões recebidas para a Conferência das Partes (Quarta Reunião – Bratislava 1998) de comunidades locais e indígenas, mesmo que expresse apoio ao Convênio sobre a Diversidade Biológica em seu conjunto, se observa que ao estar o artigo 8 (j) sujeito à legislaão nacional, a eficácia real do Convênio depende em definitivo desta última. Essas comunidades desejam, portanto, que se formule uma série de diretrizes sobre a legislaão nacional relacionada com a aplicaão do artigo 8 (j). Mediante leis que habilitem as comunidades indígenas e locais a estar representadas nos órgãos legislativos haverá mais probabilidade de lograr que as preocupaões e interesses dessas comunidades sejam consideradas na adoão de decisões em nível governamental. De maneira análoga, as leis que garantam a permanência na terra das comunidades indígenas e locais e permitam o auto-governo comunitário dão sustentaão a situaões nas quais prevalecem o respeito e a igualdade.”[20] A Medida Provisória n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulamenta o inciso II do § 1o. e o § 4o. do artigo 225 da Constituião, os artigos. 1o., 8o. alínea “j”, 10, alínea “c”, 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenão sobre a Diversidade Biológica, que dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteão e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartião de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de tecnologia para sua conservaão e utilizaão, determina que cabe ao Conselho de Gestão, de caráter deliberativo e normativo, criado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, deliberar sobre autorizaão de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético, mediante anuência prévia de seu titular. Desse enunciado já se vislumbram duas questões a serem analisadas de acordo com o artigo 8(j) referido. Primeiro, que a competência para deliberar sobre o acesso é de órgão diverso daquele l estabelecido. Segundo, que se refere à anuência prévia do titular. Como temos visto, o titular, no caso de comunidades tradicionais, nunca é um indivíduo, mas sim, uma coletividade.

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Assim, do modo como está formulado (o dispositivo da legislaão interna) não se leva em conta o caráter coletivo das populaões autóctones, como vem sendo decidido em nível internacional, como se verifica do texto abaixo: “Sur les 32 décisions issues de la COP 6, 17 se réfèrent aux peuples autochtones[21]. Les décisions sur l'article 8 (j) et ses dispositions, l’accès et le partage de bénéfices liés aux ressources génétiques, la diversité biologique de la forêt, l’Initiative taxinomique globale, la Stratégie globale pour la conservation des plantes, des espèces étrangères, le centre d'échange, les évaluations d’impact sur l’environnement ainsi que léducation et l’information du public et la diversité biologique de l’agriculture sont quelques-unes des décisions clés. L’accent est mis sur la participation et le développement des compétences des peuples autochtones et leur participation et implication ont été demandées pour : les groupes d’experts; les activités de recherche, la communication ainsi que les processus de mise en oeuvre et les activités aux niveaux local, national et international. Cet article se concentre sur la décision sur l'article 8(j) et ses dispositions” Assim, o art. 11o. IV, da norma brasileira, sobre a autorizaão de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético não está adequado ao que o país se comprometeu pelo artigo 8 (j), nem às perspectivas desses povos, reiteradamente expressadas em reuniões específicas sobre o assunto no nível internacional. A Convenão da Biodiversidade e em geral todas as demais expressões normativas feitas pela sociedade ocidental, objetivadoras e regulamentadoras das situaões naturais, têm afirmado que deverá sempre haver participaão das populaões tradicionais tanto no processo de autorizaão de exploraão de espécies naturais que estejam localizadas em seus territórios quanto na transmissão dos seus conhecimentos, e ainda que deva haver participaão nos benefícios econômicos decorrentes da exploraão desses recursos. 4 – A VISAO DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE SEUS INSTITUTOS POLITICOS, ESPIRITUAIS E A NATUREZA. Da mesma forma que se entende que as manifestaões dos povos indígenas ou autóctones são no sentido de que a preservaão do modo de vida de antes e de hoje é vital para o futuro, querem eles que se entenda que a sua preservaão enquanto povo, enquanto diferente que detém conhecimentos preciosos para a vida, com qualidade de vida para todos, é também fundamental. Além de bens materiais que demonstram a diversidade biológica, a sua especificidade política é a referência que possibilita a manutenão dos recursos naturais em harmonia com a sociedade.

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Segundo Hélène Clastres a filosofia do homem e da sociedade permite compreender como essa ética individual pode articular-se com o respeito a uma ética coletiva. Para alcançar o aguyje[22], dizem os mbyas que é preciso evitar obedecer a regras múltiplas, evitar conduzir-se conforme modos de vida dessemelhantes entre si. Induz à dessemelhança, a coexistência no homem de uma natureza animal e de uma alma-palavra divina, fontes de paixões contrárias, já que uma orienta para a natureza e a outra, para o sobrenatural. Da primeira, ligada à carne e ao sangue, derivam todas as inclinaões más (tudo que é, justamente, teko achy, mau, doentio): dá preferência aos alimentos à base de carne ao gosto pela violência, ao egoísmo, ao desejo de possuir os bens alheios, etc... Comportamentos que procedem da má negaão da sociedade. Na segunda, em compensaão, enraízam-se todas as tendências inversas: moderaão, atenão aos outros, senso de justiça.. Em suma, todas as qualidades que se deixam subsumir sob a noão de mborayu, a reciprocidade, é a expressão mais profunda da solidariedade tribal, o que leva cada um a (se reconhecer?) reconhecer.[23] A compreensão dessa filosofia indígena ou, se se quiser, dessa política, é fundamental ao estudo que estamos desenvolvendo, bem como para os sistemas legais de proteão dos conhecimentos tradicionais sobre a diversidade biológica. A cosmo-visão dos povos tradicionais dificilmente se adapta aos sistemas jurídicos ocidentais que tratam a natureza como objeto. Além disso, o poder político e as relaões jurídicas entre os integrantes de um mesmo grupo social se baseiam em lógicas distintas, se não opostas, em se tratando de sociedades de filiaão não ocidental e destas. Os povos tradicionais se relacionam com o poder e com a natureza de um modo tal que torna difícil, se não impossível, verem agasalhados seus direitos e seus interesses tal como eles próprios concebem- , nos instrumentos e pela lógica dos sistemas de proteão criados no ocidente, baseados na coisificaão da natureza e informados pela perspectiva do capital.

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4.1 Especificidades dos direitos indígenas em razão das suas relaões especiais com a terra e com a natureza. Marco Antonio Barbosa, na sua pesquisa para o doutoramento, que trata dos direitos indígenas no plano internacional e frente aos Estados (realizada em grande parte junto ao movimento indígena que atua na Onu, em Genebra, onde se discute, h mais de vinte anos, a adoão de uma Declaraão internacional sobre os direitos dos povos indígenas), quis saber o que é universal entre os diferentes povos autóctones.[24] Para tanto, ouviu lideranças indígenas presentes em Genebra e entrevistou especialistas, como Pierrette Birraux-Ziegler, Diretora Científica do doCip, organizaão não governamental suça encarregada, também, há mais de vinte anos, da documentaão e informaão indígena, atinente ao movimento internacional de conquista de direitos, no plano internacional, por esses povos. Dentre alguns temas que identificou como sendo comuns, interessa-nos aqui o apontado por Birraux-Ziegler, relativo ao princípio da igualdade entre os seres vivos da natureza, “sejam animais, sejam plantas, sejam rochas, que são também vivas e que não se pode destruir de qualquer maneira, que não se pode dominar. Essa relaão com a terra, com uma natureza viva, que não é morta, que não é objeto de posse, de propriedade ou de uso, esse espírito comunitário, muito forte entre todos, é um tipo de democracia que parte das bases. São as bases que têm que nomear os chefes, e por isso esses são constantemente controlados pela comunidade.[25]” O Relatório da ONU, mais conhecido pelo nome de seu autor: Martinez Cobo, datado de 1983, portanto um dos mais antigos documentos de levantamento da situaão dos povos autóctones no mundo, como subsídio para os trabalhos seguintes do Grupo de Trabalho que foi constituído, dentro do âmbito da Subcomissão contra a discriminaão racial, integrante da Comissão dos Direitos Humanos do ECOSOC - Conselho Econômico e Social, j advertia que para as populaões indígenas a terra não é meramente um objeto de posse e produão: “Não é mercadoria que pode apropriar-se senão elemento material do qual deve gozar-se livremente”.[26] Esse Relator Especial, já advertia àquela época para a necessidade de se compreender que os povos indígenas têm uma relaão especial com a Mãe Terra, que é profundamente espiritual, e que essa relaão é básica para existirem tal como são. Básica, também, para as suas crenças, costumes, tradiões e cultura. No Brasil, também, já há muito tempo essa relaão especial indígena com a terra reconhecida.

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Jos Afonso da Silva diz “que a relaão entre os indígenas e suas terras não se rege pelas normas do direito civil. Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é nem nunca foi uma simples ocupaão da terra para explorá-la, mas base de seu “habitat”, no sentido ecológico de interaão do conjunto de elementos naturais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana. Esse tipo de relaão não pode encontrar agasalho nas limitaões individualistas do direito privado, daí a importância do texto constitucional em exame, porque nele se consagra a idéia de permanência essencial à relaão do indígena com as terras que habita”.[27] Trata-se, no caso brasileiro, do reconhecimento de direito, constitucionalmente estabelecido e com longa história que remonta ao Alvará Régio de 1º de Abril de 1680, que instituiu, entre nós, o indigenato, muito bem estudado no início do século XX, por João Mendes Junior. A posse indígena, difere, no Brasil, da civil e da agrária, pelo fato de ser originária, congênita, que Mendes Junior designa por indigenato.[28] O indigenato “não um facto dependente de legitimaão, ao passo que a occupaão, como facto posterior, depende de requisitos que a legitimem”.[29] Em respeito a essa teoria, já decidiu o Poder Judiciário brasileiro, ainda sob a égide da Constituião Federal anterior, como demonstra a sentença proferida pelo então juiz, hoje desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o eminente Professor Doutor Antonio Rulli Junior. Em sua histórica decisão, relativa às terras dos índios Guarani do Crucutu de São Paulo, e que serviu de orientaão para outras decisões sobre terras indígenas, e mesmo para a redaão da atual Constituião Federal, afirmou: “O indigenato foi sempre considerado direito congênito e, portanto, legítimo por si, não se confundindo com a ocupaão, com a mera posse. O indigenato é fonte primária e congênita da posse territorial, enquanto que a ocupaão é título adquirido. “Existe, portanto, em nosso sistema o direito congênito e o direito adquirido. .... “A posse e a propriedade exigem requisitos não previstos no indigenato, .... “A posse e a propriedade geram direitos para particulares. O indigenato é insuscetível de gerar direitos para os particulares”.[30]

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A Constituião brasileira em vigor, trata dos direitos indígenas em seus artigos 231 e 232 e adotou com toda a clareza o instituto do indigenato e deu proteão especial ao direitos indígenas sobre as terras que ocupem. O artigo 231 está assim redigido: “São reconhecidos aos índios sua organizaão social, costumes, línguas, crenças e tradiões, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Dizer que reconhece os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, equivale a dizer que o Estado brasileiro reconhece aos povos indígenas direitos territoriais pré-existentes ao próprio Estado brasileiro. Por isso o emprego das expressões: reconhecidos e direitos originários.[31] Optou, assim, o legislador constituinte pela tradião do direito indigenista luso-brasileiro, “que desde as leis portuguesas consagrou o indigenato, instituto jurídico através do qual se reconhece, no Brasil, direito congênito aos índios sobre as terras que ocupam, independente de título aquisitivo, não sujeito legitimaão e fora do sistema romanístico da posse e da propriedade, contemplado pela legislaão civil”.[32] Segundo o mesmo autor, mesmo tendo atribuído o legislador constituinte a propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios à União (artigo 22) equivale apenas a medida de cautela para o Estado proteger as terras que são indígenas, posto que, pelo conjunto de medidas que instituiu, o Estado não tem qualquer disponibilidade sobre essas terras, não pode modificar sua destinaão, em nenhuma hipótese, existindo os direitos dos índios sobre as mesmas, indefinidamente no tempo. Erica-Irene Daes, Presidente desde 1984, até esta data, do Grupo de Trabalho sobre Povos Autóctones, da ONU, em: Study Series 10, UM, NY e Genebra, 1997, p.3; “Protection of the Heritge of Indigenous People”, afirma “De fato, os povos indígenas não vêem sua herança em termos de propriedade, como algo que tem um dono e é usada para o propósito de se extrair benefícios econômicos, mas, sim em termos de responsabilidade individual e comunitária. Uma musica, uma história, um conhecimento médico traz consigo responsabilidades no sentido de se demonstrar respeito e de forma a que se mantenha uma relaão de reciprocidade com os seres humanos, animais, plantas e lugares com os quais a música, história ou o remédio estão ligados. Para os povos indígenas, herança é feixe de relaões, mais do que um grupo de direitos econômicos. O objeto não tem sentido fora da relaão, seja um objeto físico como um lugar sagrado ou cerimonial, ou um intangível como uma música ou história. Para a venda é preciso desprezar a relaão, por fim à ela”.

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J em 1974, no III Congresso Nacional da Associaão Nacional dos Usuários Campesinos, realizado na Colômbia, os próprios povos indígenas afirmaram que a terra não é tão somente um objeto de seu trabalho, nem a fonte de seus alimentos, mas, o centro e a base de toda a sua vida, de sua organizaão social e a origem de suas tradiões e costumes.[33] A Convenão 169 da Organizaão Internacional do Trabalho que revisou a Convenão 107, ambas adotadas pelo Brasil, concernente à proteão das populaões indígenas, em seu artigo 13, faz um importante esclarecimento advertindo que os governos deverão respeitar a importância especial para as culturas e valores espirituais dos povos autóctones a relaão que têm com suas terras ou territórios, ou com ambos, que utilizam de alguma outra forma, e em particular os aspectos coletivos dessa relaão. O Projeto de Declaraão dos Direitos dos Povos Indígenas, na redaão a mais atual e já acolhida pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, em seu artigo 25 dispõe: “Os povos autóctones têm o direito de conservar e de reforçar as ligaões particulares, espirituais e materiais, que os unem às suas terras, a seus territórios, às suas águas fluviais e costeiras, e aos outros recursos que constituem seu patrimônio, ou que eles ocupam ou exploram, tradicionalmente, e de assumir as suas responsabilidades na matéria para as futuras geraões.” E o artigo 26 completa: “Os povos autóctones têm o direito de possuir, de explorar, de gerir e de utilizar suas terras e territórios, quer dizer, o conjunto do seu meio ambiente compreendendo as terras, o ar, as águas, fluviais e costeiras, geleiras costeiras, a flora, a fauna e outros recursos que possuem, ou que ocupem, ou explorem tradicionalmente. Isso inclui o direito ao pleno reconhecimento de suas leis, tradiões e costumes, de seu regime de propriedade e das instituiões de exploraão e de gestão de seus recursos, bem como o direito a medidas de proteão eficazes por parte dos Estados contra qualquer ingerência ou qualquer alienaão ou limitaão desses direitos.” Como se pode perceber, os direitos indígenas, relativos às terras e aos recursos naturais nelas existentes, revestem-se de características que os distinguem dos outros segmentos que compõem o conjunto das populaões dos Estados onde vivem povos indígenas. Tanto as reivindicaões indígenas, quanto os instrumentos internacionais de garantias dos direitos dos povos autóctones, como certas legislaões nacionais, como é o caso da brasileira, convergem para o entendimento de que a relaão indígena com a natureza não pode ser apreendida como relaão de apropriaão tão somente, do homem sobre a natureza, essa entendida como objeto. Tanto o direito que têm sobre as terras não é o mesmo que o dos não índios, como a tradião jurídica luso-brasileira consagrou, quanto os direitos sobre os demais elementos que se encontram sobre tais terras. Ambos, terra e demais elementos da natureza, não são apenas objetos. Eles têm valores para os povos autóctones, que

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ultrapassam a concepão ocidental de direito que a tudo atribuiu a condião de objetos e que são, em princípio, passíveis de apropriaão e exploraão. Essas especificidades da relaão indígena com a terra e com a natureza, bem como o reconhecimento constitucional brasileiro e dos instrumentos internacionais dessas especificidades, sinalizam para a necessidade de esforços no sentido de se encontrar meios jurídicos diferentes dos até hoje empregados pelo direito de filiaão ocidental. Sendo a terra a base da existência dos povos indígenas, sendo ela um direito humano básico desses povos, sem o qual não podem existir e sendo que os conhecimentos tradicionais sobre a diversidade biológica estão por sua vez necessariamente vinculados às terras, pode-se de imediato perceber a importância que elas têm. por isso que a garantia das terras para os povos indígenas é de importância vital e é anterior à própria discussão sobre sua aceitaão em concordar ou não com a viabilizaão de uma exploraão de seus conhecimentos tradicionais sobre a diversidade biológica. As posiões desses povos no sentido de que se deva estabelecer uma moratória antes que consintam em participar de negociaões sobre seus conhecimentos tradicionais sobre a diversidade biológica, de algum modo deve ser vinculada à questão da terra e à emergência de sua garantia ampla e definitiva. Como entender que consintam em negociar seus conhecimentos sobre a diversidade biológica se até hoje o Ocidente não foi capaz de garantir suas terras ? 5 - DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E O PATRIMÔNIO INTELECTUAL INDÍGENA SOBRE A DIVERSIDADE BIOLÓGICA.

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Os tribunais internos restituem geralmente um objeto furtado ou roubado a seu proprietário mesmo se este reside no estrangeiro, aplicando as leis do Estado onde se produziu o presumido furto ou roubo. Acontece no entanto que a interpretaão das leis locais suscite controvérsias. Em se tratando por exemplo, da parte do friso do Panteão conservado pelo British Museum, este afirmou que sua retirada tinha sido regularmente autorizada pela Turquia, que ocupava a Grécia na época. Os mesmos argumentos foram invocados na ocasião de um litígio recente tratando da retirada de mosaicos Bizantinos de uma igreja situada na parte de Chipre ocupada pela Turquia. Um tribunal dos EUA concluiu que a lei Chipriota, sob os termos da qual os mosaicos são propriedade da Igreja ortodoxa Grega, ficaria em vigor malgrado a ocupaão.[34] Em tais assuntos, estabelecer o direito de propriedade fundamentando-se sobre as leis tradicionais e regras costumeiras pode ser um fator decisivo. Um tribunal britânico rejeitou um pedido da Nova Zelândia de restituião de importantes painéis de porta maoris levados a Londres, porque a demanda era fundada na legislaão néo-zelandeza em matéria de controle das exportaões ao invés de versar sobre o direito de propriedade que tinha uma tribo maori sobre os objetos em questão. Por outro lado, a Índia intentou, com sucesso, uma aão na justiça do Reino Unido a fim de recuperar estátuas sagradas de Chiva que haviam sido subtraídas ilegalmente das ruínas de templos hindus. Os templos e o deus Chiva foram tratados como litisconsórcio, conforme as leis hindus, o que significou reconhecer que as estatuas pertenciam aos Hindus como povo (Greenfield,1989).[35] Publicando-se mais largamente as leis tradicionais dos povos autóctones, privaríamos os adquirentes do argumento segundo o qual eles ignoravam que os objetos em questão tinham sido adquiridos abusivamente. No caso de objetos que são muito conhecidos ou que foram fonte de diversos estudos, os tribunais aplicarão o principio caveat emptor (que o comprador tome a guarda).Quando o estado dos objetos é incerto aos olhos das leis locais, ou das regras costumeiras, os tribunais hesitam em considerar o adquirente como ladrão. O instituto internacional para a unificaão do direito privado elaborou um ante-projeto de convenão sobre os bens culturais subtraídos ou ilicitamente exportados (Estudo LXX, documento19, 1990). Este projeto de Convenão dispõe que cada Estado - parte pode introduzir um pedido de restituião perante os tribunais de outros Estados - parte e que uma “indenizaão” deve ser paga pelo Estado requerente ao possuidor inocente de um bem cultural subtraído. Ele autoriza (mas não exige) a aplicaão retroativa de suas disposiões. Ele dispõe igualmente que os tribunais devem levar em conta um certo número de fatores para decidir se um bem cultural particular deve ou não ser restituído. Eles devem também determinar se esse bem é de uma importância cultural particular...para o Estado requerente e se é utilizado por uma cultura viva no seio deste Estado. Esta ultima disposião reveste-se de uma importância particular para os povos autóctones.[36] Em alguns paises, no entanto, os povos autóctones não são reconhecidos como entidades jurídicas capazes de possuir bens coletivamente ou de interpor aões na justiça diante dos tribunais nacionais. Ocorre também que faltam meios financeiros para pleitear perante a justiça de outros Estados, o que os obriga a contar com a ajuda de seu governo.

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5.1) Análise de algumas propostas de soluão Os povos autóctones são particularmente expostos à perda de um patrimônio que lhes dá a sua especificidade. Geralmente considerados pelos governos como “atrasados”, eles se deparam com políticas agressivas de assimilaão cultural. Suas artes e seus conhecimentos não foram geralmente considerados como tesouro da humanidade e foram simplesmente destruídos ao longo da colonizaão. O turismo, uma demanda cada vez maior de arte “primitiva”, e o desenvolvimento de biotecnologias, ameaçam atualmente a capacidade desses povos de protegerem o que lhes resta de seu patrimônio. A conferencia técnica das Naões Unidas sobre a experiência prática adquirida na realizaão pelos povos autóctones de um desenvolvimento autônomo duravel e respeitoso com o meio ambiente, sediado em Santiago (Chile) do 18 ao 22 de maio de 1992, recomendou: Que o sistema das Naões Unidas, com o acordo dos povos autóctones, tome medidas para que sejam eficazmente protegidos os direitos de propriedade (inclusive o direito de propriedade intelectual) dos povos autóctones. Visa-se também, a propriedade cultural, os recursos genéticos, a biotecnologia e a biodiversidade[37]. Os especialistas que participavam da conferência sublinharam igualmente que seria importante reforçar as instituiões dos povos autóctones assim como o intercâmbio de informaões, na escala mundial, entre estas instituiões. Essas recomendaões foram reforçadas pelos instrumentos adotados pela conferencia das Naões Unidas sobre o meio ambiente e o desenvolvimento em 1992. Na sua resoluão 1991/32 de 29 de agosto de 1991, a Sub-Comissão de luta contra as medidas discriminatórias e de proteão às minorias sublinhou que o trafico internacional de bens culturais autóctones “destrói a capacidade das populaões autóctones de perseguir seu desenvolvimento político, econômico, social, religioso e cultural na liberdade e dignidade”. Essa observaão aplica-se com igual urgência a todos os aspectos do patrimônio dos povos autóctones. Se a erosão do patrimônio dos povos autóctones persistir, isto será fatal autodeterminaão e ao desenvolvimento destes povos e comprometerá também o desenvolvimento futuro dos países aonde vivem estes povos. Em numerosos países em desenvolvimento, os povos autóctones detêm talvez graças a seus conhecimentos, a chave que permitirá a esses países alcançar um desenvolvimento duradouro, sem aumentar sua dependência frente a outros capitais, materiais e tecnologias importadas. Se quisermos proteger o patrimônio dos povos autóctones, devemos com toda urgência tomar medidas eficazes em escala mundial. De fato, este patrimônio está ameaçado pelo crescimento das indústrias de

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biotecnologia, pela destruião incessante, nas diversas regiões do globo, das terras dos povos autóctones e pelo sucesso que encontram a arte e a cultura destes povos para os turistas e exportadores. 5.2) Especificidades dos problemas em razão do detentor do direito. O “patrimônio” compreende todas as expressões da relaão entre os índios, sua terra e os seres vivos e espíritos que dividem esta terra com eles. Ele permite aos povos autóctones a manutenão das relaões sociais, econômicas e diplomáticas – pela divisão – com outros povos. Todos os aspectos do patrimônio são ligados uns aos outros e não podem ser separados do território tradicional do povo em questão. São os povos autóctones eles mesmos que devem decidir quais são os elementos materiais ou não materiais que fazem parte de seu patrimônio. difícil recuperar objetos, modelos ou conhecimentos, uma vez que tenham sido adquiridos por não autóctones. É então pelo controle ao acesso a seu território que as comunidades autóctones poderão mais eficazmente proteger seu patrimônio. Para faze-lo, será necessário demarcar suas áreas e reforçar a capacidade das comunidades. Para colocar em prática todos os projetos de desenvolvimento deve ser feita uma avaliaão previa, elaborada em conjunto com as populaões em questão, dos efeitos potenciais destes projetos sobre seu patrimônio. É muito difícil tentar encontrar (e muitas vezes inoportuno) “sítios sagrados” preciosos ou que se revistam de uma importância cultural especial para tais povos. Todas as terras e todas as fontes são, em graus diferentes, sagrados e fazem parte integrante das culturas e da vida espiritual dos povos autóctones. Muitas vezes ainda, os lugares mais importantes não podem ser revelados para estrangeiros. Devemos partir do principio de que cada coisa encontrando-se no território tradicional de um povo é importante, pois ela tem aos olhos deste povo, um valor cultural e espiritual imemoriais. Seria, mais uma vez difícil e inoportuno tentar estabelecer um catálogo de todas as categorias de bens culturais e intelectuais reconhecidos pelos povos autóctones, assim como suas leis que tratam da transmissão do direito de uso. Considerando-se a extrema complexidade do trabalho e o caráter confidencial de inúmeras informaões, tal catálogo correria o risco de levar os estrangeiros a pensar que o patrimônio dos autóctones pode ser comercializado. É importante que o público fique mais informado sobre as grandes linhas das leis dos povos autóctones, para o qual seria necessário tomar o cuidado de defini-las com precisão e aplicá-las. Sobretudo, deve-se admitir que os povos autóctones desejam conservar intacto o conjunto de seu patrimônio.

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5.3) Princípios éticos a serem observados para o respeito aos direitos dos povos tradicionais Os povos autóctones são os verdadeiros proprietários de suas obras, de suas artes e de suas idéias, e os direitos nacional ou internacional não poderiam admitir que esses elementos do patrimônio possam ser alienados, a não ser conforme as leis e aos costumes tradicionais destes povos e com a aprovaão de seus institutos locais. Esse princípio deve ser tornado definitivo pela Assembléia geral da ONU, pelas suas instituiões especializadas tais como a Organizaão Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), e pelas organizaões intergovernamentais regionais. O público deve ser educado, assim como as associaões civis e universitárias, a fim de que eles respeitem os direitos dos povos autóctones, a sua vida privada, a integridade cultural e ao controle de seu próprio patrimônio por suas próprias leis e instituiões. Órgãos e instituiões especializadas tais como PNUD, UNESCO, OMPI deveriam comandar seminários nos quais participassem representantes dos povos em questão, assim como organizaões representando dentre outros antropólogos, museólogos pesquisadores da área medica, etc. 6 – O CASO BRASILEIRO.

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De acordo com estudos de Manuel Ruiz M.[38] , no Brasil as discussões sobre a proteão dos conhecimentos, inovaões e práticas das comunidades indígenas iniciam-se entre os anos de 1994 e 1995, quando no Congresso, começou-se a discutir uma proposta normativa sobre o acesso a recursos genéticos. De fato, o projeto Nº 306/95 da Senadora Marina Silva, “Acesso a Biodiversidade Brasileira e Disposiões sobre os instrumentos de Controle e acesso aos recursos genéticos”, foi apresentado ao congresso nacional em outubro de 1995. Em sua primeira edião, essa proposta continha o título (IV) inteiramente dedicado à proteão do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos. Nela se propunha o registro dos conhecimentos, a obrigatoriedade de dividir benefícios derivados de sua utilizaão, a possibilidade de utilizaão de convênios como instrumento jurídico para regular sua utilizaão, dentre outros. Esta proposta serviu de base para o debate e desenvolvimento de novas idéias e documentos sobre a matéria no Brasil. Esse projeto foi debatido e submetido a consultas nacionais através de conferencias e reuniões. Desse processo, o Senador Osmar Dias apresentou uma proposta substitutiva incorporando uma série de comentários e sugestões recolhidas durante o processo de consulta. Paralelamente ao processo na instancia do Congresso, o Governo Federal convocou em 1996 um Grupo Interministerial de Acesso aos Recursos Genéticos para desenvolver uma alternativa normativa para a matéria. A proposta do Governo Federal (Estatuto que regula o inciso II do parágrafo 4 do artigo 225 da Constituião e os artigos 8(c) e (j) da Convenão sobre a Diversidade Biológica e disposiões sobre o acesso ao patrimônio Genético e Conhecimento Associado, sobre a Distribuião de Benefícios Derivados de seu Uso e outras Providencias) eliminou o capítulo ou titulo exclusivo para tratar do tema dos conhecimentos indígenas, mas incorporou-o ao fazer menão na proposta a “conhecimentos associados” nos recursos genéticos. Conforme se desenvolvia tal processo, os Estados brasileiros iniciaram seus próprios processos políticos e normativos para regulamentar o acesso aos recursos genéticos. Neste contexto, o tema dos conhecimentos, inovaões e práticas indígenas, constituiu-se em um dos pilares centrais da discussão. Desta forma os Estados do Amapá e do Acre promulgaram as leis Nº 0388/1997 e 1235/1997 respectivamente, para regular o acesso aos recursos genéticos. Finalmente, em 26 de janeiro de 2001, e num contexto muito particular e controverso em torno das atividades de bioprospecão da Bioamazonia e da Novartis, se promulgou a Medida Provisória 2.126-8 que rege (temporariamente) o acesso aos recursos genéticos, a proteão do conhecimento associado, entre outros elementos. Esta MP não se trata de um sistema de proteão em si para a proteão dos conhecimentos

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tradicionais, mas inclui normas que tratam por exemplo, da compensaão pelo uso de conhecimentos. Neste sentido, o artigo 22 dessa norma estabelece que as comunidades indígenas e locais poderão beneficiar-se de “...um percentual dos benefícios derivados da utilizaão de informaões sobre conhecimentos associados obtidos das mesmas comunidades”. 7- OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: ABRANGÊNCIA, UTILIZAÃO E POSSIBILIDADE DE SISTEMETIZAÃO DOS INTERESSES INDÍGENAS E DA SOCIEDADE OCIDENTAL CONFRONTADOS. Segundo definião da Wipo,[39]conhecimentos tradicionais são, em uma noão multifacetada, aqueles que envolvem alguns componentes, referidos por termos como “conhecimento indígena”, “folclore”, “conhecimento de medicina tradicional”, entre outros, que necessariamente não são conhecimentos antigos, por estarem sendo criados a cada dia e desenvolvidos como resposta de pessoas e comunidades aos desafios postos por seu meio social e físico.[40] Os conhecimentos tradicionais surgem como uma questão associada com os recursos genéticos, tendo no artigo 8 (j) da Convenão sobre Diversidade Biológica, a aplicaão do conceito de conservaão in situ da diversidade biológica, onde os paises contratantes, sujeitos à legislaão nacional, devem respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovaões e práticas de comunidades indígenas[41] e locais, sugerindo que para sua exploraão e ampla aplicaão faz-se necessário que os países legislem para regulamentar esta matéria. Para regulamentar o supra aludido artigo, seria necessário que fossem definidos os padrões concernentes à disponibilidade, competência e uso sobre os conhecimentos, inovaões e práticas das comunidades indígenas e locais, bem como a tomada de medidas concernentes a concessão de proteão dos direitos a estes relativos, que poderiam incluir os direitos de propriedade intelectual.[42]

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A outra questão a ensejar uma aão legislativa é quanto à promoão de aplicaão de tal conhecimento, inovaão ou pratica em larga escala industrial, condicionada aprovaão, envolvimento e participaão efetiva de seus legítimos detentores, com retribuião dos benefícios econômicos oriundos desta utilizaão. Um importante questionamento deve ser feito no que tange ao uso industrial do conhecimento tradicional, que necessariamente implica a transferência deste aos potenciais interessados. A transferência de tecnologia é um processo que, independentemente da modalidade escolhida para tal, compreende três passos, quais sejam, a compreensão, a comunicaão e a absorão, que exige uma documentaão sistematizada que, por outro lado, origina um conjunto peculiar que diz respeito à propriedade intelectual relativamente à comunicaão pública da informaão, a qual, se feita sem controle apropriado, pode prejudicar a proteão do conhecimento tradicional, através de patentes ou do sistema de segredo industrial. Para que se possa efetivamente recorrer aos sistemas de proteão dos conhecimentos tradicionais, deve-se efetuar um intensivo e amplo programa de reconhecimento, identificaão e catalogaão de bens imateriais, criando condiões de uso dos meios legais para impedir e punir a biopirataria, o uso indevido e o saque indiscriminado dos recursos e conhecimentos indígenas e de comunidades locais, atacando com eficiência as coletas e extraões de materiais genéticos, cujas práticas desrespeitam o direito de propriedade intelectual destes povos.[43] Algumas comunidades indígenas já vêm se organizando neste sentido, podendo ser citadas a Pemasky[44] (Proyecto de Estúdio para el Manejo de Áreas Silvestres de Kuna Yala) do Panamá, o Instituto Amazanga[45] do Equador e a Confederación Indigena de Bolivia[46](CIDOB). Este último grupo, através de um Convênio para a Proteão e Reconhecimento dos Conhecimentos Coletivos dos Povos Indígenas, sinaliza claramente para a necessidade de se formalizar uma solicitaão e sua respectiva outorga de permissão para efetuar as pesquisas nos territórios indígenas, o estabelecimento permanente da figura de co-investigador indígena ou campesino, o registro e a regulaão das coletas de materiais e a extraão de material genético, as publicaões em co-autoria comunitária, de tal forma que sejam compartilhados os direitos intelectuais e os possíveis benefícios destes resultantes, o pagamento para obtenão de informaão de qualquer membro da comunidade não deve ser considerado, de forma alguma, como uma aquisião dos conhecimentos coletivos das comunidades, e , em caso de planejar solicitar uma patente, deve negociar as condiões para tal com a organizaão indígena.[47] Quando sistemas autóctones de conhecimento e produão interagem com sistemas econômicos dominantes, torna-se importante definir como a bioprospecão irá se efetivar, pois a exploraão dos recursos econômicos genéticos e bioquímicos de valor comercial não pode ser feita de forma indiscriminada, posto que há muito são conhecidos e utilizados pelas comunidades. Assim, é importante que sejam efetuados contratos de bioprospecão que possam assegurar que uma parte do valor gerado pelo desenvolvimento de produtos biologicamente derivados ou geneticamente modificados seja remetida ao país e ao povo que têm sido os guardiões da biodiversidade.[48] A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha explica que no Brasil foi concluída uma pesquisa, intitulada Enciclopédia da Floresta, que revela o que as populaões locais, seringueiros e três grupos indígenas,

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conhecem sobre as florestas do Alto Rio Juruá, na Amazônia. A autora salienta que muito do que foi revelado não pode ser publicado, porque não existe regulamentaão adequada no Brasil para proteger os direitos dessa populaão, e , se tais informaões caíssem em domínio público, não haveria como impedir que qualquer indústria se apropriasse desses conhecimentos sem nenhum ônus.[49] Foi salientado pelo jurista Gurdial Nijar que os problemas e as preocupaões dos países do hemisfério sul, que, conforme já mencionado, detêm a maior parte da diversidade biológica do planeta, concentram-se em estabelecer parâmetros para algumas questões, tais como a distinão entre a criatividade dos povos indígenas e as comunidades locais e aquelas de interesse de empresas e corporaões,[50] a distância dos processos desde a matéria prima até os produtos finais e desde os produtores até os usuários.[51] As disposiões da Convenão da Biodiversidade visam assegurar que os países que concedem acesso aos seus recursos genéticos devem garantir suas remuneraões provenientes dos benefícios oriundos de quaisquer inovaões comercialmente valoráveis que sejam derivadas dessas fontes. Os contratos de bioprospecão e acordos de parceria em pesquisa entre os fornecedores e os usuários desses recursos podem ser mecanismos de extrema importância na busca do equacionamento do problema, indo ao encontro de uma soluão adequada para as necessidades de ambas as partes.[52] A posião da Comunidade Européia, levada ao conhecimento da Wipo com relaão à proteão dos conhecimentos tradicionais, é a de apoiar o desenvolvimento de um modelo internacional para a proteão legal dos conhecimentos tradicionais, acreditando que um escopo mais amplo de proteão, incluindo elementos de interesse particular dos países em desenvolvimento, em especial o conhecimento tradicional, poderia aumentar a confiança no sistema internacional de propriedade intelectual. Acrescenta que, no contexto dos conhecimentos tradicionais, as indicaões geográficas[53] poderiam ter um papel complementar para a proteão dos produtos tradicionais, sob certas circunstâncias. Aponta que poderia também ser útil examinar a possível funão desta para ir ao encontro de outros objetivos da Convenão sobre a Diversidade Biológica, que reconhece a existência de áreas geograficamente definidas, demarcadas para atender aos objetivos de conservaão[54]. Logo, os produtores originários destas áreas poderiam, talvez, ser identificados como “indicaões geográficas”, se os produtores decidissem unificar seus padrões de produão coletiva e conhecimentos tradicionais. No que tange a tal sistematizaão, salienta-se que ao fazê-lo corre-se o risco de os conhecimentos tradicionais virem a ser configurados, sob pena de ocasionar uma completa descaracterizaão destes, devendo-se ter a preocupaão de que um minucioso cuidado metodológico seja levado em consideraão, a fim de assegurar que os resultados não conduzam a um artifício ideológico-cultural[55]. Os sistemas de conhecimentos tradicionais são saberes coletivos próprios de grupos especializados e de indivíduos; porém, igualmente existem saberes diferenciados por sexo e atividade, razão pela qual devem ser levados em conta os aspectos históricos e sociais dos povos, para que uma eventual sistematizaão formal não aniquile as culturas autóctones.[56] O Brasil possui uma imensa diversidade étnica e lingística, estando entre as maiores do mundo. São 215 sociedades indígenas mais de cerca de 55 grupos de índios isolados, sobre os quais ainda não há informaões objetivas. Têm-se, pelo menos, 180 línguas que são faladas pelos membros destas sociedades, às quais pertencem a mais de 30 famílias lingísticas diferentes.[57]

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importante ressaltar que pela legislaão brasileira os índios são considerados relativamente capazes. No que tange às terras indígenas, o usufruto assegurado aos índios compreende o direito a posse, uso e percepão das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploraão econômica de tais riquezas naturais e utilidades,[58] cabendo ao órgão de assistência a gestão do patrimônio indígena, propiciando-se, porem, a participaão dos índios e dos grupos tribais na administraão dos próprios bens, sendo-lhes totalmente confiado o encargo, quando demonstrarem capacidade efetiva para seu exercício.[59] Vê-se que a Constituião, no Título VIII[60] - Dos índios -, restringe a competência da União sobre as terras que estes tradicionalmente ocupam somente para demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Na condião de usufrutuários exclusivos, os povos indígenas têm o direito de posse, uso, percepão e administraão necessário averiguar-se a constitucionalidade do projeto de lei do governo e da medida provisória, cujo teor, no que tange à repartião de benefícios, estabelece que as comunidades indígenas farão jus a percentual do valor decorrente da exploraão econômica de produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de componentes do patrimônio genético acessado em terras indígenas. Parece-nos ferir-se-ia o preceito constitucional (art. 231 caput e §2º) de usufruto exclusivo[61] permanente dos índios. Indo mais ao encontro dos interesses das comunidades indígenas está o projeto de lei da Senadora Marina Silva que visa assegurar o direito de “não permitir a coleta de recursos biológicos e genéticos e o acesso ao conhecimento tradicional em seus territórios, (...) quando se demonstre que essas atividades ameacem a integridade de seu patrimônio natural e cultural”.[62] Juliana Santilli[63] menciona a posião de Gurdial Singh Nijar[64] sobre a vantagem de serem firmados contratos de acesso, a fim de proteger os interesses indígenas contra eventuais tentativas de manipulaão, pois esses instrumentos jurídicos são mais fáceis de serem executados fora dos países de origem, na medida em que muitos países têm acordos de reciprocidade para cumprimento das decisões judiciais, em contrapartida ao caráter eminentemente territorial da legislaão nacional. Entretanto, é essencial que as comunidades indígenas possam estar aptas e efetivamente bem assistidas[65] para que possam fazer valer seus interesses em uma complexa negociaão internacional, na medida em que se constata a flagrante inferioridade econômica, social destes povos indígenas perante grandes grupos internacionais, cujos interesses são meramente economicistas.

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CONCLUSÃO Os povos indígenas têm a maior diversidade cultural do mundo, eles vivem nas zonas de maior diversidade biológica. Estiveram alimentando a variedade de espécies durante milhares de anos e dividem os interesses do Convênio: a conservaão, o uso sustentável e a divisão dos benefícios da biodiversidade. O conhecimento indígena sobre a biodiversidade, e a sua proteão se baseiam no fato de que seu território é inalienável, de propriedade coletiva (ou ao menos de uso coletivo), e estão correlacionados de modo inseparável com todos os aspectos de sua vida material e espiritual. De acordo com declaraão da Aliança Mundial dos Povos Indígenas: “o respeito à biodiversidade somente se levará a cabo mediante o respeito dos direitos fundamentais dos povos indígenas, à autodeterminaão, aos direitos coletivos, o controle de nossos territórios, o acesso de nossos recursos, o reconhecimento de nossas instituiões políticas e jurídicas, e o controle de nosso conhecimento tradicional”. O temor desses povos é que, a menos que se interprete de forma positiva, o Convênio pode ser ameaçador para os indígenas e a biodiversidade: “tememos que o convênio limite o termo indígena, incrementando o poder dos Estados para controlar nossas terras e nossos recursos, promovendo aões e acordos nas áreas protegidas sem a aprovaão dos povos afetados, facilitando acordos entre Estados e empresas de bio-prospecão para conseguir acesso aos recursos genéticos de nossos territórios e finalmente oferecer a possibilidade de que instituiões financeiras levem a cabo um numero de projetos dirigistas para apoiar a biodiversidade em condiões inaceitáveis”. Para que o Convênio seja útil, a soberania estatal não deve predominar sobre os direitos indígenas; as comunidades indígenas devem ser reconhecidas como povos cujas tradiões podem mudar e desenvolver-se. Tais consideraões explicitam que é fundamental, antes de tudo, que se respeite os limites das áreas indígenas e que sejam levados a cabo todos os projetos e políticas de demarcaão e ampliaão de terras, dentro das quais possam eles ser os reais “soberanos”. Se esse ponto fundamental não for tratado com prioridade, torna-se praticamente estéril qualquer debate a respeito de outros direitos indígenas, ainda mais se forem direitos que se desmembram da terra, tais como os referentes ao patrimônio biológico das áreas onde esses povos vivem. obvio que a luta por direitos caminha simultaneamente em vários campos, e não pretendemos que deva ser diferente, e é por isso que acreditamos que deve ser reconhecido o direito que os povos indígenas têm de opor-se ao uso e aproveitamento não autorizados de seus conhecimentos sobre a biodiversidade.

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Segundo Manuel Ruiz M., esse é um direito mínimo das comunidades, e deve ser respeitado por seu teor religioso, cultural e econômico. Acrescentamos ainda, que deva ser respeitado tal direito à negaão por seu teor político, como forma de resistência e reivindicaão de direitos prevalentes. Ou seja, deve ser garantido o direito de recusa efetiva para que terceiros disponham de seus conhecimentos. O direito de recusa faz lembrar das posiões reiteradamente tomadas pelos representantes dos povos indígenas, nos diferentes fóruns sobre o assunto, de que deve haver uma moratória em relaão à implementaão da exploraão dos conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade. Afirmam que não há, ainda, total conhecimento de causa, nem tampouco segurança sobre os mecanismos jurídicos que possam lhes dar garantia para ingressarem nessa arena (a das negociaões sobre os seus conhecimentos tradicionais sobre a diversidade biológica), que é sem dúvida ardilosa, de domínio cultural do ocidente e com vantagens apenas para os interesses econômicos deste. Seria necessário, maior capacitaão dos afetados, sobre todos os aspectos envolvidos. Consideramos que essas devem ser garantias indiscutíveis dos povos tradicionais, não só pelo que já sofreram por causa da ocupaão ocidental de muitos de seus territórios, mas também porque é em tais povos que subsiste de forma mais evidente uma perspectiva de ocupaão e preservaão simultâneas do meio ambiente e de seu respectivo patrimônio biológico. Temos ainda o fato de que tal perspectiva, já é sabidamente uma das derradeiras esperanças de preservaão de um patrimônio que sofreu décadas de exploraão sem a menor preocupaão com o seu sustento; e não é por menos que os povos indígenas são hoje tidos como os guardiões da biodiversidade, por setores mais conscientes do próprio ocidente. No entanto, um longo caminho resta a ser trilhado, posto que na esfera econômica, o ocidente demonstra interesses vorazes e dissonantes com as capacidades de auto-sustentabilidade dos recursos naturais do globo. Temos então atualmente uma divergência evidente entre as perspectivas tradicionais e de parcelas engajadas no manejo sustentável dos recursos naturais, com as perspectivas dos poderosos interesses econômicos de uma outra importante parcela do mundo ocidental. Divergência essa, que é em grande parte determinada por concepões de mundo opostas. A atual realidade político-econômica brasileira nos oferece uma perspectiva aparentemente otimista sobre a questão.

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Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, no dia 1º de fevereiro de 2003, o atual Secretário de Biodiversidadde e Floresta do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, afirmou dentre outras coisas que “ninguém está satisfeito com o sistema atual. A MP (Medida Provisória 2186) traz vários problemas conceituais, além de um gravíssimo: todo sistema é baseado num conselho que não tem participaão dos atores sociais com interesse direto nesse tema. Já pedimos a renovaão dos membros do conselho e vamos propor, já na primeira reunião, a alteraão do regimento interno para incluir o setor empresarial e acadêmico, as ONGs e comunidades tradicionais. Queremos que eles tenham direito a voto, mas para isso teremos que mudar a legislaão. Estamos concluindo uma analise para ver se é melhor dar continuidade ao projeto de lei da Marina Silva (encerrado quando o governo editou a MP) ou fazer a conversão da MP em lei e daí corrigir essas distorões”. Parece-nos que essa ainda é uma posião conciliatória, na medida em que sugere a participaão das comunidades tradicionais no conselho gestor. No entanto, a interpretaão mais literal do que dispõe o artigo 8 (j) da CDB, ou ao menos a interpretaão dada pelos mais destacados líderes indígenas mundiais, afeitos ao tema, indica que a decisão sobre a utilizaão dos conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade, deve partir, exclusivamente, de seus detentores: os próprios povos tradicionais, e não é isso o que revela a evoluão do tratamento dado desde a MP 2186 até a posião expressada pelo atual Secretario. Desta forma resta-nos militar e acompanhar, primeiramente para o andamento conveniente da política nacional a respeito do tema, para, em seguida, fazer face aos interesses econômicos ocidentais, impondo-lhes as nossas estratégias ou até as estratégias dos que são diretamente atingidos. Os índios Mexicanos da Região de Chiapas pregam: “Nunca mais uma Terra sem nós”; e é este o lema que deve ser compreendido por todos.

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Doc. ONU E/CN.4/Sub.2/1992/1, cap.V. recomendaão nº10 Projeto de Lei 3016/95, sobre o Estatuto das Sociedades Indígenas Documento WIPO RT/LDC/1/4 World Intellectual Property -------------------------------------------------------------------------------- [1] Daremos maior enfoque aos povos indígenas pois é o campo onde temos maior conhecimento e contato. [2] Consema: Conselho Estadual de Meio Ambiente. [3] DAES, Erica-Irene. “Protection of the Heritage of Indigenous People”- Study Series 10, UM, NY e Genebra, 1997, p.3. [4] DAES, Erica-Irene. “Protection of the Heritage of Indigenous People”- Study Series 10, UM, NY e Genebra, 1997, p.12. [5] íbis idem,p.13. [6] DAES, Erica-Irene. “Protection of the Heritage of Indigenous People”- Study Series 10, UM, NY e Genebra, 1997, p.9. [7] Íbis idem. [8] DAES, Erica-Irene. “Protection of the Heritage of Indigenous People”- Study Series 10, UM, NY e Genebra, 1997, p.17. [9] CDB, OMC,OIT, esta última considerada uma das agências intergovernamentais mais leais defensoras dos povos autóctones, a OEA encarregada de estabelecer um projeto de Declaraão Americana sobre os direitos dos povos autócotnes. [10] Vide Carla Gonçalves Antunha: Terra, Território e Recursos Naturais. Cultura, Sociedade e Política Para Povos Autóctones. Tese de Doutorado FFLCH-USP – São Paulo – 2000. [11] doCip, Centro de Documentaão, de Pesquisa e de Informaão dos Povos Indígenas, fundado em 1978, com sede em Genebra, onde ocorrem na ONU as reuniões relativas aos direitos dos povos autóctones.

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[12] ZAMUDIO, Teodora; “ El Convenio de diversidad biológica en Latinoamérica”; in Rev. Faculdade de Direito, Caxias do Sul, n.10, p.69-81, dez.1999, RS. [13] Marco Antonio Barbosa, Autodeterminaão. Direito à Diferença, ob. cit.p. 296. [14] ibidem [15] Marco Antonio Barbosa, Autodeterminaão..., ob. cit. p. 296 [16] ibidem, p.297 [17] Marco Antonio Barbosa, Autodeterminaão. Direito à diferena, ob. cit. p.297, nota 114. [18] ob. cit. [19] ob. cit. p.102-3 [20] ZAMUDIO, Teodoro. El Convenio de diversidad Biológica en Latino America In: Rev Faculdade de Direito, Caxias do Sul, n.10, p.69-81, dez.1999. [21] O termo oficial utilizado na Convenão “comunidades autóctones e locais”. [22] Estado de completude acabada, ideal guarani.Vide Helène Clastres, ob. Cit. [23] Hélène Clastres, Terra sem mal. O profetismo Tupi-guarani, ob cit. [24] Marco Antonio Barbosa, Autodeterminaão. Direito à diferença. Fapesp/Plêiade, 2001, p. 285, e seguintes. [25] ibidem, p.286 [26] Relatório Especial Martinez Cobo, ONU 1983 in Marco Antonio Barbosa, Direito Antropológico e Terras Indígenas no Brasil, 2001, Fapesp/Plêiade, p. 73 [27] José Afonso da Silva, Autoaplicabilidade do artigo 198 da Constituião Federal, in Boletim da Comissão Pró-Índio de São Paulo, ano I, nº3:3-9,1984,p.3 [28] João Mendes Junior, Os indígenas do Brazil – seus direitos individuais e políticos, São Paulo, Typ. Hennies Irmãos, 1912. [29] ibidem, p.58 [30] Sentença judicial no Processo 907/84-R, IIIªVara Cível do Fórum Regional de Santo Amaro, São Paulo. [31] Marco Antonio Barbosa, Direito Antropológico e Terras Indígenas no Brasil, ob. cit. p. 87 [32] ibidem [33] in Marco Antonio Barbosa, Direito Antropológico e Terras Indígenas no Brasil, ob. Cit. P. 73. [34] DAES, Erica-Irene. Protection du Patrimoine dês Populations Autóctones. In: Ver. Office du Haut Commissaire aux Droits de L”Homme – Genève, série détude 10, 1998, p. 22. [35] GREENFIELD, Jeannette.The Return of Cultural Treasures,1989.

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[36] DAES, Erica-Irene. Protection du Patrimoine dês Populations Autóctones. In: Ver. Office du Haut Commissaire aux Droits de L”Homme – Genève, série détude 10, 1998, p. 23. [37] E/CN.4/Sub.2/1992/1, cap.V, recomendaão nº10. [38] RUIZ, Manuel M.; “Potección Sui Generis de conocimientos indígenas em la Amazonia”, p.63-65, jan. 2002, Lima, Peru. [39] World Intellectual Property. Documento WIPO/RT/LDC/1/4, preparado pelo Internacional Bureau of Wipo, distribuídoaos participantes do High Level Interregional Roundtable of Intellectual Property for the Least Developed Countries, ocorrido em Genebra, em setembro de 1999. [40] “Los sistemas de saberes indígenas casi siempre son de carater local o regional, de transmisión oral, aprendidos por observación direta y experiencia personal, se elaboram de manera intuitiva e incluyen componentes de creencia y emocion subjetiva, generalmente son holisticos y globalizadores y aspiran a la profundidad” (VILLAMAR, Arturo Argueta. “Biodiversidade, justiça e ética” Revista Centro de Estudos Judiciários, Brasília,n. 8 , mai/ago.1999) [41] “Não nos opomos em colocar nossos conhecimentos a favor dos não-índios. Uma vez que somos muitos povos com culturas diferenciadas e conhecemos muito bem os nossos territórios, poderemos contribuir muito com nossa sabedoria para o melhoramento das condiões de vida da humanidade. Mas não aceitamos que nossos conhecimentos sejam utilizados sem a nossa devida autorizaão. Os pesquisadores e as industrias não podem se enriquecer às nossas custas, sem sermos devidamente recompensados” (WAPIXANA, Clovis Ambrosio. “Biodiversidade, justiça e ética”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, Nº 8 , mai/ago. 1999. O autor é líder indígena da tribo Wapixana, em Roraima) [42] De acordo com um documento da WIPO, existem diferentes pontos de vista sobre como conduzir esta questão. Alguns podem preferir explorar a possibilidade de utilizaão dos mecanismos existentes de propriedade intelectual para proteger o conhecimento tradicional. Outros, poderiam preferir o desenvolvimento de um sistema sui generis de proteão à propriedade intelectual, onde as características dos mecanismos existentes poderiam ser adaptados às peculiaridades do conhecimento tradicional. [43] “Por meio de patentes e da engenharia genética, novas colônias estão sendo estabelecidas. (...) Resistir à biopirataria é resistir à colonizaão final da própria vida – o futuro da evoluão como também do futuro das tradiões não-ocidentais de relacionamento com o conhecimento da natureza. (...) È a luta pela conservaão da diversidade, tanto cultural quanto biológica” (SHIVA. Op. Cit., p.28) [44] Este grupo vem estabelecendo acordos de trabalho e contratos diretos com as entidades de pesquisa que têm interesse em efetuar inventários de flora e fauna, ou estudos ecológicos em Kuna, devendo os interessados sujeitarem-se às regras estabelecidas pelos organizadores (cf. Villamar. Op. Cit.) [45] Técnicos indígenas deste instituto estão efetuando um inventário dos recursos naturais localizados nos territórios indígenas na selva amazônica equatoriana, para que a biodiversidade seja apropriada para o desenvolvimento sustentável dos povos indígenas da região (idem). [46] Esta confederaão trabalha em estreita coordenaão com o Centro de Investigación y Documentación para el Dsarollo del Beni (Ciddebeni), organismo técnico de apoio, que a partir de diversos processos de intercâmbio de informaão decidiram estabelecer uma “Propuesta de regamento de investigación cientifica para los territórios indígenas y áreas campesinas”, bem como “um Convenio para la protección y reconocimiento de los Conocimientos Colectivos de los Pueblos Indigenas” (Idem).

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[47] (idem) [48] À medida que aumenta o interesse da industria pelos recursos genéticos e bioquímicos, e mais instituiões de pesquisa e conservaçao percebem que precisam ou usar ou enfrentar a perda da diversidade em seus países, ganharão importância os acordos contratuais entre os coletores e supridores de amostras biológicas e as companhias farmacêuticas e biotecnologicas” (LAIRD, Susan. “Contracts for biodiversity prospecting”. Biodiversity Prospecting. World Resourse Institute, 1994,p.99). [49] Manuela Carneiro da Cunha. “ Biodiversidade, justiça e ética” Revista do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, n. 8, mai/ago. 1999. [50] O autor ilustra tal afirmativa expressando que a jurisprudência contemporânea desenha uma distinão entre a criatividade dos povos indígenas e a criatividade de interesses de corporaões, afirmando que somente a esta última são outorgados valores e remuneraões (cf. NIJAR, Gurdial Singh. “Proteão da diversidade cultural e biológica”. Revista do Centro de Estudos Judiciários, Brasília, n.8, mai/ago 1999). [51] Uma critica que é feita pelo autor é a de que as corporaões invadem as comunidades do hemisfério sul, tomam livremente sua diversidade biológica para matéria prima, classificam qualquer “melhoria” ou modificaão como sendo suas “invenões” e então buscam direitos de propriedade intelectual sobre o produto final (Idem). [52] Durante o primeiro encontro do grupo de trabalho da Convenão sobre a Diversidade Biológica, uma disputa conceitual originou-se com relaão à natureza dos direitos indígenas sobre seus conhecimentos, inovaões e práticas. Um representante de povos indígenas argumentou que esses direitos devem ser reconhecidos como cultural em vez de econômico, explicando que os direitos das comunidades locais podem ser o de, inclusive, recusar o acesso aos seus conhecimentos e recursos genéticos que os têm beneficiado, em vez de repartir os benefícios econômicos derivados destes (UNEP/CDB 2000). [53] O conceito de indicaão geográfica, como é trazido pelo Trips, art. 22, é a que indica um produto como originário do território de um país-membro, ou região, ou localidade desse território, quando determinada qualidade, reputaão ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica. [54] Art.2 – Utilizaão de termos – Para o propósito desta Convenão: área protegida” significa uma área definida geograficamente que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservaão. [55] ARGUETA,ª Historia y epistemologia de lãs etnociencias. México: Unam, 1997. [56] “La búsqueda de autodeterminaciones locales (comunales) que se gesta y negocia em el contexto institucional del Estado-nación como confrontación de hecho entre soberania local e soberania de Estado (...) y que se há extendido, en las últimas décadas, a la esfera de las relaciones transnacionales en las que las organizaciones indígenas lucham por las soberanias étnicas (y el patrimonio étnico-nacional: territorio, recursos y medio ambiente) de sus representantados, frente a las pretensiones e intervenciones de las entidades transnacionales” (VARESE, S. (coord..).”Parroquialismo y globalización. Las etnicidas indígenas ante el tercer milenio”. Pueblos indios, soberania y globalismo. SL : Abya Yala, 1996. p.15-30). [57] www.funai.gov.br [58] Estatuto do índio : “ Art. 39. Constituem bens do Patrimônio Indígena: I – as terras pertencentes ao domínio dos grupos tribais ou comunidades indígenas; II – O usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas por grupos tribais ou comunidades indígenas e nas áreas a eles reservadas; III – os bens moveis ou imóveis, adquiridos a qualquer titulo”. [59] Estatuto do Índio, art. 42.

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[60] Constituião Federal de 1988: “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organizaão social, costumes, línguas, crenças e tradiões, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) §2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e dos lagos nelas existentes”. [61] “Salienta-se, entretanto, que o direito de usufruto exclusivo não significa que as comunidades indígenas não possam autorizar o acesso de terceiros aos recursos genéticos de que são usufrutuárias. Não significa que só as comunidades indígenas possam empregá-las com suas próprias mãos. Elas podem autorizar o seu acesso a terceiros, desde que isso atenda aos interesses e se faça de forma que não viole a sua integridade cultural” (SANTILLI. Op. Cit.). [62] Projeto de Lei 306/95, art. 20. [63] Assessora jurídica do Instituto Sócio Ambiental [64] Membro da Organizaão Third World Network, da Malásia (Towards a legal framework for protecting biological divresity and community intelectual rights – A third world prespective). [65] O novo Código Civil brasileiro assim estabelece ao tratar da personalidade e da capacidade civil, em seu art.4º: “ São incapazes, relativamente a certos atos ou a maneira de os exercer : (...) Parágrafo único: A capacidade dos silvícolas será regulada por legislaão especial”.