david martyn lloyd-jones - porque prosperam os Ímpios

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"Estudos No Salmo 15"

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Page 1: David Martyn Lloyd-Jones - Porque Prosperam Os Ímpios

"Estudos No Salmo 15"

Page 2: David Martyn Lloyd-Jones - Porque Prosperam Os Ímpios

D. M ARTYN LLO YD -JO N ES

POR QUE PROSPERAM OS ÍMPIOS?

(ESTUDOS NO SALMO 7 3 )

PUB LIC A Ç Õ ES EVANG ÉLICAS SELEC IO N A D A SCaixa Postal 1287

01059-970 São Paulo-SP

Page 3: David Martyn Lloyd-Jones - Porque Prosperam Os Ímpios

T í tu lo O r ig in a l :

Faith on Trial

P r im e ira Ed ição:

S e te m b ro 1965

© The In te r -V a rs i ty F e l lo w s h ip

Tradução do orig inal por:

O d a y r O l iv e t t i

Capa:

L a w re n c e Evans

Prim eira Edição em Português:

1983

Com posição:

A R T E S T IL O — C o m p o sito ra G ráfica L td a

Segunda Im pressão:

1992

Im pressão:Im prensa da Fé, São Paulo, SP

M A Z I N H D R O D R I G U E S

Page 4: David Martyn Lloyd-Jones - Porque Prosperam Os Ímpios

ÍNDICE

1 , O P R O B L E M A E X P O S T O ................................ 82 . T O M A N D O PÉ ................................... ..................... 223 . A IM P O R T Â N C IA DO P E N S A M E N T O E S P I­

R IT U A L ........................................................................ 334 . E N C A R A N D O T O D O S OS F A T O S ............... 475 . C O M E Ç A N D O A C O M P R E E N D E R ............... 606 . E X A M IN A N D O -S E A SI M E S M O ................. 737 . A L E R G IA E S P IR IT U A L . . ................................... 858 . “ T O D A V IA ” .............................................................. 989 . A P E R S E V E R A N Ç A F IN A L D O S S A N T O S . 109

10, A R O C H A D O S S É C U LO S .............................. 12111 . A N O V A R E S O L U Ç Ã O ........................................ 133

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PREFÁCIO

O Salm o 73 tra ta de um prob lem a que m uitas vezes tem deixado o povo de Deus perp lexo e d esan im ado. É um pro­b lem a duplo — Por que os ju stos têm que s o fre r fre q ü e n te ­m ente , a inda m ais em v is ta do fa to de que os ím pios fre q ü e n ­te m e n te parecem ser m ais prósperos?

O salm o é um a expo sição c láss ica da m an e ira com o a Bíblia tra ta desse p rob lem a. O sa lm is ta re la ta a sua e x p e riê n ­cia pessoal, expõe a sua a lm a à nossa co ntem plação da m a­neira m ais d ram ática , e nos leva passo a passo do quase-de- sespero ao triu n fo e à segurança fin a is . É ao m esm o tem po uma grandiosa te o d ic é ia . Por estas razões, sem p re apelou para os pregadores e para os guias e conselhe iro s esp iritu a is .

O prep aro e a pregação dos segu in tes serm õ es , expon­do e s te rico ensino em sucessivas m anhãs dom in ica is , fo i-m e um traba lho de am or e um a verd a d e ira a le g ria . O serm ão in titu lado , “ T o d av ia” , na s é rie , fo i em pregado por Deus para levar a lív io im ed ia to e grande a leg ria a um hom em que e s ta ­va em grande agonia de a lm a e quase a ponto de rom per-se. V ia ja ra uns dez m il q u ilô m etro s e tin h a chegado a Londres exa tam en te no dia an terio r. Ele estava convencido , e ainda está , de que D eus, em Sua in fin ita graça, o tro u xera toda aquela d is tân c ia para ouvir aqirele serm ão.

Q u e ira Deus que aquele serm ão e os outros se ev id en ­ciem com o um a ‘‘porta de e sp e ran ça ” para m uitos cujos pés "q u a s e . . . d e s v ia ra m ” e cujos passos “ pouco fa lto u para que esco rreg assem ".

D. M . Lloyd-JonesW estm inster Chapei M aio de 1965.

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SALM O 73

1. V erd a d e iram e n te bom é D eus para com Israel, para com os lim pos de coração.

2 . Q uanto a mim, os m eu s pés quase que se desviaram ; pouco fa ltou para que esco rreg assem os m eus passos.

3 . Pois eu tinha in ve ja dos soberbos, ao ver a p rospe ­r idade dos ímpios.

4 . Porque não há apertos na sua m orte , m as f irm e está a sua força.

5 . N ão se acham em trabalhos como outra gente , nem são aflig idos como outros hom ens.

6 . Pelo que a soberba os cerca como um colar; ves ­tem -se de v io lênc ia como de um adorno.

7 . Os olhos d e les estão inchados de gordura; supera-bundam as im ag inações do seu coração.

8 . São corrom pidos e t ra tam m a lic io s am en te de opres­são; fa lam a rrogantem ente .

9 . Erguem a sua boca contra os céus, e a sua língua p erco rre a terra.

10. Pelo que o seu povo volta aqui, e águas de copo cheio se lhes esprem em .

11. E d izem : C om o o sabe D eus? ou há conhec im ento no A lt íss im o?

12. Eis que estes são ím pios; e, todavia, estão sem pre em segurança, e se lhes au m en tam as riquezas.

13. Na verdade que em vão tenho purif icado o m eu co­ração e lavado as minhas m ãos na inocência.

14. Pois todo o dia tenho sido afligido, e castigado cada manhã.

15. Se eu d issesse: Tam bém fa lare i assim ; eis que o fen ­deria a geração de teus filhos.

16. Quando pensava em com p reen d er isto, f iq u e i sobre­m odo perturbado;

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17. A t é que en tre i no santuário de Deus; então entendi eu o f im deles.

18. C e r ta m e n te tu os p useste em lugares escorregadios, tu os lanças em destruição.

19. C om o caem na desolação, quase num m o m en to ! f i ­cam to ta lm e n te consumidos de terrores.

2 0 . C om o faz com um sonho, o que acorda, assim, ó Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência deles.

2 1 . A s s im o m eu coração se azedou, e s into p icadas nos m eus rins.

2 2 . A s s im m e em bruteci, e nada sabia; era como anim al perante ti.

2 3 . Todavia estou de contínuo contigo; tu m e seguraste pela m inha mão direita .

2 4 . Guiar-me-ás com o teu conselho, e depois m e re c e ­berás em glória.

2 5 . A quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu dese je a lém de ti.

2 6 . A m inha carne e o m eu coração desfa lecem ; mas D eus é a forta leza do m eu coração, e a m inha porção para sem pre.

2 7 . Pois eis que os que se a longam de ti, perecerão; tu tens destru ído todos aque les que, apostatando, se desviam de ti.

2 8 . M a s para m im, bom é aproxim ar-m e de Deus; pus a m inha confiança no Senhor Deus, para anunciar todas as suas obras.

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1O PRO BLEM A EXPO STO

V erd a d e iram e n te bom é D eu s para com Israel, para com os lim pos de coração.Q uanto a m im , os m eu s pésquase que se desviaram ;pouco fa ltou para que esco rreg assem osm eu s passos, (vs. 1-2)

O grande v a lo r do livro dos Salm os está em que nele tem o s hom ens ju stos expondo a sua e xp eriên c ia e nos dando um re la to de co isas que lhes sucederam em sua v ida e luta e s p iritu a l. A tra v é s de toda a h is tó ria , pois, o Livro dos S a l­m os tem sido de grande v a lo r para o povo de D eus. V ez após vez lhe dá a esp éc ie de consolo e ensino de que necessita e que não pode achar em nenhum outro lugar. E bem pode ser, se se p e rm ite esp ecu la r sobre ta l co isa, que o Espírito Santo haja levado a Ig re ja P rim itiva a ado tar os escrito s do V e lh o T e sta m en to em p arte por e s ta razão. O que vem os do princ íp io ao fim na B íblia é a n arra tiva dos p ro ced im en to s de D eus para com o Seu povo. Ele é o m esm o D eus no V e lh o T estam en to com o no Novo; e es tes santos do V e lh o T esta ­m ento e ram cidadãos do re ino de Deus com o nós. Fom os in troduzidos num re ino que já contém pessoas ta is com o A b raão , Isaque e Jacó. O m is té rio que foi reve lad o aos após­to los era que os gentios seriam co -herde iros e c idadãos do re ino com os judeus.

Portanto , é certo co n s id erar as exp e riê n c ia s dessas pes­soas com o sendo para le las exa tas das nossas. O fa to d e que v iv iam na ve lh a d ispensação não faz d ife ren ç a . Há algo errado

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com um cris tian ism o que re je ita o V e lho T estam ento , ou ainda com um cris tian ism o que im agina que som os e ssen c ia l­m ente d ife ren te s dos santos do V elho Testam en to . Se algum de vocês e s tiv e r ten tad o a pensar assim , g ostaria de convi­dá-lo a ler o Livro dos S alm os e, depois, a perg untar a si próprio se pode d izer s in ceram en te , da sua experiên c ia , algum as das coisas que o sa lm is ta d isse. V ocê pode d izer, “ Se m eu pai e m inha m ãe m e desam p ararem , o Senhor me aco lh e rá ” ? V ocê pode d izer, “ Com o suspira a corça pelas co rren tes das águas, ass im , por ti, ó D eus, suspira a m inha a lm a ” ? Leia os Salm os e as a firm açõ es neles fe itas , e cre io que concordará que esses hom ens eram filhos de Deus com grande e rica exp eriên c ia esp iritu a l. Por esta razão, tem sido costum e na ig re ja c ris tã , desd e o in íc io , hom ens e m ulh eres v irem ao Livro dos Salm os em busca de luz, conhecim ento e instrução.

Seu valor espec ia l e b e n e fic en te ja z no fa to de que co lo ­ca o seu ensino p rin c ip a lm en te na fo rm a de narração de exp eriên c ias . Tem os exa tam e n te o m esm o ensino no Novo T estam ento , só que ali e le é dado de modo m ais d idático . Aqui e le parece d escer ao nosso n ível com um e p rático . O ra, todos nós estam os fam ilia rizad o s com o v a lo r d isto . Há oca­siões em que a a lm a está fa tig ad a, quando nos sentim os inca­pazes de receber aquela instrução m ais d ire ta ; estam os tão aborrecidos, e as nossas m entes tão cansadas, e os nossos corações podem e sta r tão m agoados que, de certo m odo, não podem os fa ze r o esforço de concentrar-nos em princ íp ios e olhar para as coisas o b je tiva m e n te . É num a ocasião dessas, e p articu la rm en te num a ocasião assim , e para que as pessoas recebam a verdade desta m aneira m ais pessoal, que os que acham que a vida os tem tra tad o c ru e lm en te — esm urrados e espancados pelas ondas e vagalh ões da vida — buscam os Salm os. Leram as exp eriên c ias de alguns desses hom ens, e viram que e les tam b ém passaram por algo s em elh an te . E de algum modo esse fa to , em si e por si, ajuda-os e os fo rta le c e . S entem que não estão sós, e que o que lhes está sucedendo não é incom um . C om eçam a p erceb er a verdade das consola- doras palavras de Paulo aos corín tios , “ Não vos sobreve io te n ­tação que não fosse hum ana” , e só essa percepção já os capacita a enco ra jar-se e a renovar-se na fé . O Livro dos Sal-'

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mos é de in es tim áve l valor neste aspecto , e vem os as pessoas voltando-se co n s tan tem en te para e le .

Há m uitas c a ra c te rís tic a s , acerca dos S a lm os, que pode­riam deter-nos. O que dese jo m encio nar de m odo espec ia l é a notável hon estidade com que esses hom ens não hesitam em fa la r a verdade a respe ito de si m esm o s. Tem os d isso um grande e c lássico exem plo aqui no S alm o s e te n ta e trê s . Este hom em ad m ite com m uita franqu eza que, quanto a e le , os seus pés quase resva laram , e por pouco não se d esv iaram os seus passos. E continuando, diz e le que era com o um an im al d ian te de Deus, tão to lo e tão ignorante . Q uanta hon estidade! Esse é o grande valor dos S a lm os. Não conheço nada m ais desen- cora jador na vida esp iritu a l do que enco n trar o tip o de pessoa que parece dar a im pressão de que e le ou e la está sem pre andando no topo da m ontanha. C e rtam en te a verd ad e não é essa na B íblia. Diz-nos a B íb lia que estes hom ens sabiam o que é ser derrubado ao chão e e s ta r em a flição e em do loro ­sas d ificu ld ad es. M u ito s santos, enquanto p ereg rino s, tê m dado graças a Deus pela in teg rid ad e dos e s c rito re s dos S a l­m os. Eles não ap resen tavam apenas um ensino ideal que não fosse verd ad e iro em suas v idas . O s ensinos p erfecc io n is tas nunca são verd ad e iro s . Não são verd ad e iro s quanto à exp e­riên c ia das pessoas que os propagam , pois sabem os que elas são c ria tu ras fa lív e is com o o res tan te de nós. Propõem o seu ensino te o ric a m e n te , m as e s te não é próprio da exp eriên c ia delas. G raças a Deus, os sa lm is tas não fazem isso. Eles nos dizem a pura verdade a seu próprio resp e ito ; d izem -nos a pura verdade acerca do que acon teceu com e les.

O ra, o m otivo por que agem assim não é ex ib ir-se . A con­fissão de pecado pode ser um a fo rm a de ex ib ic io n ism o . Há algum as pessoas m uito d ispostas a confessar os seus p eca ­dos, contanto que possam fa la r de si m esm as. É um perigo bem s u til. O sa lm is ta não age assim ; e le nos fa la a verdade a seu respe ito porque dese ja g lo rifica r a Deus. Sua s incerid ade é d itada por isso, pois é quando m ostra o co n tras te e n tre si e Deus que e le presta serv iço à g ló ria de Deus.

É isso que es te hom em faz aqui. O bserve-se que e le com eça com um a grandiosa nota tr iu n fa n te , “ V erd a d e iram e n te bom é Deus para com Is rae l, para com os lim pos de coração", com o que d izendo, “ A g ora vou contar-lhes um a estó ria ; vou contar-lhes o que m e aconteceu; m as o que quero d e ixar com

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vocês é p rec isam en te isto — a bondade de D e u s ” . Isto fica p a rticu la rm en te c laro se se to m ar o utra tradução pro vave l­m ente m elhor, "D eu s é sem pre bom para com Is rae l, para com os de? coração lim p o ” . D eus nunca m uda. Não há abso lu ta ­m ente nenhum a lim itação , nenhum a res trição . “ Esta é a m inha p ro p o s ição ” , diz este hom em , “ Deus é sem pre bom para com Is ra e l.” A m aio ria dos S alm os com eça com algum a grande exclam ação de louvor e gratidão com o essa.

D em ais , com o se dem onstrou m uitas vezes , os Salm os g e ra lm en te com eçam com um a conclusão. Isto soa paradoxal, m as não estou ten tand o ser paradoxal; é a verdad e . Este ho­m em tiv e ra uma e xp eriên c ia . Passou por e la e chegou a este ponto. A g ora , o im po rtan te para e le é que havia chegado ali. A ss im , e le com eça com o fim ; e depois se põe a contar-nos com o chegou ali. Esta é um a boa m aneira de ensinar; e é sem pre o m étodo dos S a lm o s. O va lo r da exp eriên c ia é que é um a ilustração desta verd ad e p a rticu lar. Não é de in te resse em si e por si, e o sa lm is ta não está in te ressado ne la com o e xp eriên c ia qua (com o) exp eriên c ia . M as é uma ilustração desta grande verdade acerca de D eus, e nisso está o seu valor.

O im po rtan te é que todos nós d everíam os captar este grande item que e le está e laborando, a saber, que Deus é sem pre bom para com o Seu povo, para com os de coração lim po. Essa é a proposição; m as o que nos prenderá, enquanto estudam os este Salm o em p articu lar, é o m étodo , o m odo pelo qual este hom em chega a essa conclusão. O que e le tem para nos d izer pode se resu m ir m ais ou m enos assim ; Ele partiu desta proposição em sua e xp eriên c ia re lig io sa; depois se des­viou; em seguida retornou. É porque analisam ta is exp e riê n ­cias que a trib u ím os aos Salm os tão grande va lo r. Todos sabem os algo acerca do m esm o tipo de experiên c ia em nossas próprias vidas. C o m eçam os no lugar certo ; depois algum a coisa sai errado, e p arece que de a lgum a fo rm a estam o s p er­dendo tudo. O prob lem a é com o v o lta r. O que e s te hom em faz é m ostrar-nos como chegar de vo lta ao lugar onde a alm a encontra o seu v erd ad e iro equ ilíb rio .

Este Salm o é som en te um a ilustração . V ocê pode encon­tra r m uitos outros que fazem exa tam en te a m esm a coisa. Tom e, por exem p lo , o Salm o 43, onde se vê o sa lm is ta num a condição s im ila r. Ele se d irig e a si próprio, e diz, “ Por que estás abatida , ó m inha alm a? por que te perturbas dentro em

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m im ? ” Ele fa la consigo m esm o , d irig e-se à sua a lm a. Pois bem , é ju s ta m e n te isso que e le está fazendo no S alm o 73, só que aqui é desenvolv id o e nos é apresen tad o de m odo im ­press ionante .

Este hom em nos fa la de um a e xp eriên c ia p a rticu la r pela qual passara. Fala-nos que e le estava por dem ais abaldo, e que es te ve bem perto de cair. Qual a causa do seu problem a? S im p le s m e n te que e le não com p reen d ia o p ro ced im en to de Deus concernente a e le . Ele to m ara c iênc ia de um fa to do loro­so. Eis aí e le v ivendo um a v ida p iedosa; estava lim pando o seu coração, diz-nos e le , e lavava as suas m ãos na inocência . N ou­tras palavras, e le estava praticando a vida p iedosa. Evitava o pecado; m ed itava nas coisas de Deus; passava tem p o em ora­ção a Deus; tinh a o hábito de exam in ar a sua v ida , e sem pre que se v ia em pecado, confessava-o com tris te za a Deus, e procurava perdão e restauração . D evotava-se a um a vida que fo sse agradável à v is ta de D eus. Tom ava cuidado com o m un­do e seus e fe ito s corruptores; apartava-se dos m aus cam inhos e se en tregava a v iv e r a v ida p iedosa. C ontudo, apesar de esta r fazendo isso tudo, estava tendo um a eno rm id ad e de problem a; “ de contínuo sou a flig id o , e cada m anhã cas tig a d o 1'. Ele estava a travessando um tem p o duro e d ifíc il. Ele não nos diz e xa tam e n te o que estava acontecendo; pode te r sido m al­dade, doença, prob lem a na fa m ília . O que quer que fo sse , era doloroso e nocivo; e le estava sendo provado, e provado mui dolo ro sam en te . De fato , tudo p arec ia esta r indo m al, e nada p arec ia e s ta r indo bem .

O ra, isso era em si m esm o bastan te ru im . M as não era o que rea lm en te o p ertu rbava e o a flig ia . O prob lem a real era que quando e le olhava para os ím pios via um chocante con­tra s te . “ Estes h o m en s” , d izia , “ todos sabem os que são ím pios— é m ais que claro para toda gente que e les são ím pio s. M as prosperam no m undo, suas riquezas au m entam , não há choro nem luto por sua m o rte , m as a sua fo rça é f irm e , não têm problem as com o os outros h o m en s.” Ele dá esta descrição deles — sua arrogância , dolo e b las fêm ia . Dá-nos o m ais per­fe ito quadro em toda a lite ra tu ra , do assim cham ado hom em de sucesso do m undo. Ele descreve a sua postura, a sua apa­rência arro g an te , com os seus olhos inchados de gordura, e o seu orgulho envolvendo-o com o um a co rren te , um co lar. “ A vio lênc ia . . . os envo lve com o m an to ” , diz e le , “ e les têm

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m ais do que o coração poderia d e se ja r" (apud V e rs ão A u to ­rizada do Rei T iago), " fa la m com a lt iv e z ” — que descrição p erfe ita !

A d em ais , isso não é verdad e apenas com relação ao povo que v iv ia no tem po do sa lm is ta , m as se vê a m esm a espéc ie de g ente hoje. Fazem a firm ações b las fem as acerca de Deus. D izem : “ Com o sabe Deus? A caso há conhec im en to no A lt ís ­s im o ? ” V ocê fa la do seu D eus, d izem e les; não crem os no seu Deus e, contudo, o lhe para nós. Nada vai m al conosco. M as você, que é tão re lig io so , ve ja as coisas que lhe acon tecem ! Pois bem , fo i isso que causou dor e a flição ao sa lm is ta . Ele cria que Deus é santo , ju sto e verd ad e iro . A q u ele que in te r­vém a favo r do Seu povo e o cerca de am oroso cuidado e de prom essas m arav ilhosas . Seu prob lem a era com o con c ilia r isso tudo com o que lhe estava acontecendo, e ainda m ais, com o que estava acon tecen do com os in justos.

Este Salm o é um a c láss ica exposição deste problem a p articu la r — os proced im entos de Deus com re lação ao ho­m em , e e sp ec ia lm en te os pro ced im ento s de Deus com relação a Seu povo. Era isso que de ixava perp lexo o sa lm is ta , quando co ntrastava a sua so rte com a dos ím pio s. E e le nos conta a sua reação a isso tudo.

■ A g ora , contentem o-nos por enquanto em e x tra ir de tudo isto lições gera is , m as m uito im po rtan tes . O p rim e iro com en­tá rio que devem os fa ze r é que, à luz desta esp éc ie de s itu a ­ção, aquela perp lexid ad e não é surp reen d en te . Isto, eu diria , é um princ íp io fu n d am en ta l, pois estam os lidando com os ca­m inhos do O n ip o ten te D eus, e com bastan te freqü ênc ia Ele nos fa lou em Seu Livro: ‘O s m eus pensam entos não são os vossos pensam en tos, nem os vossos cam inhos os m eus ca­m inh o s” . M e ta d e do p rob lem a surge do fa to de que não per­cebem os que esta é a posição básica da qual sem pre devem os p artir. C re io que m uitos de nós en tram o s em d ificu ld ad e por­que esqu ecem os que o de que estam os tra tando é a m ente de Deus, e que a m ente de D eus não é com o a nossa. D esejam os que tudo es te ja pronto, enxuto e fác il, e acham os que nunca d everiam e x is tir quaisquer p rob lem as ou d ificu ldades. M as , se há um a coisa ensinada com m ais c la reza do que qualquer outra na B íblia, é que nunca ocorre desse modo em nossas re lações com Deus. O s cam inhos de Deus são in escru táve is ; Sua m ente é in fin ita e e te rn a , e Seus propósitos são tão gran­

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des que as nossas m entes pecam inosas não os podem en ­ten d er. Portanto, quando um S er assim está tra tan d o conosco, não nos deve causar surp resa se, às vezes , acon tecem coisas que nos de ixam perp lexos.

Inclinam o-nos a pensar, por certo, que Deus deveria e s ta r sem pre abençoando os Seus filh o s , e que estes nunca d eve­riam ser castigados. Q uantas vezes pensam os isso! Nós não pensavam os isso durante a guerra? Por que será que Deus p e rm ite que p ers is tam certas fo rm as de tiran ia , e s p e c ia lm en ­te as ab so lu tam en te ím pias? Por que Deus não as apaga todas, e não derram a Suas bênçãos sobre o Seu povo? Esse é o nosso modo de pensar. M as está baseado num a fa lác ia . A m ente de Deus é e te rn a , e os cam inhos de Deus estão in fin ita m e n te acim a de nós, e tan to , que nós devem os co m eçar p rep aran ­do-nos para não co m p reen der im ed ia tam en te nada do que Ele faz. Se partirm o s da outra suposição , que tudo deve ser s im ­ples e c laro , logo nos verem o s no lugar em que este hom em se viu . Não é de espantar que quando consideram os a m ente do Eterno haverá ocasiões em que tem os a im pressão de que as coisas saem de m aneira e xa tam en te oposta à que pensá­vam os que deveria ser.

Perm ita-se-m e ap resen ta r agora um a segunda proposição . A p erp lex id ad e nesta questão não é apenas coisa não sur­preen den te ; quero acentuar que tam b ém não é coisa p ecam i­nosa o éstar-se perp lexo . A í está , de novo, um a coisa m uito consoladora, Existem os que dão a im pressão de que acham que os cam inhos de Deus são sem pre planos e claros; pare ­cem sem p re capazes de rac io c in ar desse m odo, e o céu para eles é sem pre lím pido e b rilh an te , e e les estão sem pre per­fe ita m e n te fe lize s . Bem , tu do -q u e posso d izer é que e les são ab so lu tam en te su perio res ao apósto lo Paulo, pois e le nos diz em 2 C o rín tio s 4 que e le e outros cristãos estavam “ p e rp le ­xos, porém não d esan im ad o s” . A h , s im , é errad o e s ta r num estado de desespero; m as não é errado fic a r perp lexo . Tra­cem os esta c lara d istinção; o s im p les fa to de você ta lve z ficar perp lexo acerca de algo que está acontecendo no p resen te não s ig n ifica que você é culpado de pecado. V ocê está nas m ãos de Deus e, todavia , a lgum a coisa desagradável lhe está sucedendo, e você diz: não com preendo. Não há nada de errado com esse — “ perp lexos, porém não em d e se s p e ro ” . A porp lex idade, em si e por si, não é pecam inosa, pois as nos­

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sas m entes não são apenas fin itas , são tam b ém fracas — enfraquec idas pelo pecado. Não vem os as coisas c la ram en te ; não sabem os o que é m elh o r para nós; não podem os abranger larga v is ta ; assim , é natural que fiqu em o s perp lexos.

A g ora , conquanto não se ja pecam inoso dentro dos seus lim ite s , apressem o-nos a d izer que fic a r p erp lexo sem pre abre a porta para a ten tação . Essa é a real m ensagem deste Salm o. Tudo está bem até certo ponto, m as tão logo você fica neste estado de p erp lex id ad e e pára e perm an ece ne le por um m o­m ento , nesse instan te a ten tação está à porta. Está pronta para en tra r e, antes que você saiba o que acon teceu , e la te rá entrado . E foi isso que acon teceu com este hom em .

Isto nos leva ao que o sa lm is ta diz sobre o c ará te r da ten tação e com o é im p o rtan te reconhecê-lo . A ten tação pode ser tão poderosa que, não só abala o m aio r e m ais fo rte santo; na verd ad e , derruba-o. "Q u an to a m im ", diz este hom em de D eus, ‘‘quanto a m im , os m eus pés quase que se desv iaram ; pouco fa ltou para que esco rreg assem os m eus passos.”

‘‘M as isso foi no V e lh o T e s ta m e n to ” , diz você, ‘ ‘e o Espí­rito Santo não tinha v indo então com o ve io agora. Nós estam os na posição c ris tã , ao passo que este santo não e s ta v a .” M u ito bem , se p re fe re , pode tê -lo nas pa lavras do apóstolo Paulo. ‘‘A q u e le , pois, que pensa e s ta r em pé, ve ja que não c a ia ” . Paulo, ao exp licar a posição c ris tã aos corín tios (1 C o rín tios 10), vai em busca de um a ilustração no V e lho Testam en to ; e, para que alguns dos indivíduos su perio res de C o rin to não d is­sessem : nós recebem os o Espírito Santo, não som os desse tipo , diz o apóstolo , ‘‘A q u e le que pensa e s ta r em pé, v e ja que não c a ia ” . O hom em que ainda não descobriu o poder da te n ­tação é o m ais típ ico novato em questões e s p iritu a is . A te n ­tação pode v ir com vários graus de en erg ia e poder. A B íblia ensina que às vezes vem ao m ais esp iritua l com o um v erd a ­deiro fu racão , varrendo tudo que encontra na fre n te , com poder tão te rr ív e l que m esm o um hom em de D eus é quase subjugado. Tal o poder da ten tação ! M as , d e ixem -m e usar de novo as palavras do apósto lo : “ R evesti-vos de toda a a rm a­dura de D eu s” . Pois n ecess ita is dela toda. S im , irm ão, se você há de perm an ecer de pé no dia m au, tem que e s ta r c o m p le ta ­m ente ves tid o com toda a arm adura de D eus. O poder do in i­m igo contra nós som ente é in fe rio r ao poder de D eus. Ele é m ais poderoso que qualquer hom em que jam a is v iveu; e os

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santos do V e lho Testam ento caíram d ian te d e le . Ele ten tou e provou o Senhor Jesus C ris to a té o ú ltim o lim ite . O nosso Senhor o derrotou , m as, de todos os nascidos de m ulher, so­m en te Ele te v e sucesso. V o lte e to rn e a le r e s te S a lm o, e verá que a ten tação veio quando e s te hom em m enos esperava. Entrou com o resu ltado do que e le lhe estava acontecendo, veio pela porta que fo ra ab erta pelo d issabor que e le estava experim en tan do , e pelo co n tras te en tre isso e a v ida v ito rio sa e a p aren tem en te fe liz dos ím pios.

O ponto segu in te que p rec isam os notar acerca da te n ta ­ção re fe re -se à ceg u eira que e la produz. Não há nada m ais estranho acerca da ten tação do que a m ane ira pela qual, sob a sua in fluência e poder, som os levados a fa ze r coisas que em nossas condições norm ais ser-nos-iam in im ag in áve is . O sa l­m ista faz um a colocação s em elh an te a esta — e note que a sua linguagem é quase um sarcasm o às expensas d e le m es­mo. O lh e o vers ícu lo três : “ Pois eu inve java os a rro g a n te s ” . Ele tinh a in ve ja dos a rro g an tes . “ S a ib a ” , parece d izer, “ pouco m e agrada colocá-lo no papel, pois estou s in c era m e n te en ve r­gonhado disso, m as tenho que confessar que houve um m o­m ento em que eu, que tenho sido tão abençoado por Deus, estava com inveja daquela g ente ím p ia .” S o m en te pode e x p li­car isso o poder de cegar que a ten tação tem . Ela vem com tan ta fo rça que nos tira o eq u ilíb rio , e não som os m ais capa­zes de pensar com c lareza.

O ra, não há nada tão im p o rtan te nesta lu ta esp iritu a l do que perceberm os que estam o s sendo confrontados com um poder com o esse, e que, portan to , não podem os perm itir-nos re laxar por um m om ento sequ er. A coisa é tão poderosa que nos faz v e r só o que e la quer que ve jam o s, e esqu ecem os tudo m ais. Este é o poder de cegar que a ten tação tem !

A ind a , não devem os o lv id ar a su tileza de Satanás. Ele vem com o quem quer ser am igo. O b v iam en te v ie ra ao sa lm is ­ta desse m odo. D isse: “ V ocê não acha que é em vão que está lim pando o coração e lavando as m ãos na in ocên c ia? ” Com o o bem conhecido hino o co loca tão p e rfe ita m e n te :

S em pre je ju m e v igíl ia S em pre ze lo e oração?[ou: Bem de manhã, e sem cessar,

vigiar e orar!)

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“ É isso que parece que você está faze n d o ” , diz o diabo. “ Parece esta r gastando o seu tem po em abnegação e orações. Há algum a coisa errad a com esta sua p erspectiva . V ocê crê no evangelho; m as v e ja o que lhe está acontecendo! Por que você está passando por e s te período d ifíc il? Por que um Deus de am or o está tra tando desta m aneira? É essa a vida cristã que você está advogando?” E aduz: “ M eu am igo, você está com etendo um erro; você está causando a si próprio doloroso dano e preju ízo; não está sendo bom para si m esm o .” Oh, a te rr ív e l su tileza d isso tudo!

D epois há a lógica aparente do argu m ento que a ten tação ap resen ta . Quando e la vem assim com o seu poder de cegar, rea lm en te parece m uito in ocente e razoável. “ D epois de tu d o ” , ela faz o sa lm is ta d izer, “ levo uma v ida p iedosa, e é isto que m e acon tece. A q u eles outros hom ens estão b lasfem ando con­tra D eus, e com d izeres “ a lt iv o s ” fa lam coisas que nunca d e ­veriam ser pensadas, quanto m ais d itas . C ontudo, e les são m uito prósperos; todos os seus filhos vão bem ; e les têm m ais do que o coração poderia dese jar. Enquanto isso, estou so­frendo exa tam en te o oposto. Só se pode tira r disso um a única conc lu são .” O lhando para isso do ponto de v is ta natura l e hum ano, o argum ento parece irresp o n d íve l. Isso é sem pre uma c a ra c te rís tic a da ten tação . N inguém jam a is cairia em ten tação se não fosse assim . Sua p lau s ib ilid ad e, seu poder, sua força, seu argum ento lógico é ap aren tem en te in co n tes táve l. V ocê sabe que não estou fa lando te o rica m e n te . Todos nós sabem os algo disso; se não, não som os cristãos . Esta é a esp éc ie de coisas a que os servos de Deus estão su je ito s . Porque são servos de D eus, o diabo faz de les um alvo e ap ro ve ita toda oportun idade para derrubá-los.

N esta a ltu ra eu gostaria de sa lie n ta r que ser ten tado desse modo não é pecado. Tem os que ser c laros a resp e ito disto . Q ue esses pensam entos são-nos insinuados e co loca­dos em nossas m en tes , não s ig n ifica que pecam os. Eis aqui outra vez algo que é de fun d am en ta l im portância em toda a questão dos conflito s e sp iritu a is . D evem os ap ren d er a faze r d istin ção en tre ser ten tado e pecar. V ocê não pode contro lar os pensam entos postos em sua m ente pelo diabo. Ele os põe ali. Paulo fa la dos ‘dardos in flam ados do m alig n o ” . Pois bem , é isso que e s tive ra acontecendo com o sa lm is ta . O diabo os e s tiv e ra a tirando ne le , m as o s im p les fa to de que tinham

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entrado em sua m ente não s ig n ifica que e le c o m e te ra pecado. O próprio Senhor Jesus C ris to foi ten tad o . O d iabo colocou pensam en tos em Sua m en te . M as Ele não pecou, porque os re je ito u . Os pensam en tos lhe v irão e o d iabo pode te n ta r forçá-lo a pensar que pecou, já que os pensam en tos en traram em sua m en te . M a s os p ensam entos não são seus, são do diabo — e le os colocou a li. Foi o esqu is ito B illy Bray, da Cor- nualha, que colocou isto em sua m aneira o rig in a l, quando disse: "V o cê não pode im p ed ir que o corvo voe sobre a sua cabeça, m as pode im pedi-lo de fa ze r ninho em seus c a b e lo s !” A ss im , eu digo que não podem os im p ed ir que sejam in sin ua­dos pensam entos em nossa m ente; m as a q uestão é, que fa ze r com e les? Falam os de pensam en tos que “ passam p e la ” m ente e, enquanto se lim itam a isso, não co n s titu em pecado. M as se os aco lhem os e concordam os com e les , então se to r ­nam pecado. Dou ên fase a isto porque m uitas vezes tenho tido que lidar com pessoas que se acham em grande a flição porque lhes advieram pensam en tos indignos. M as o que lhes digo é isto , “ O uça o que você m e e s tá d izendo. V ocê diz que o pen­sam en to lhe v e io ” . Bem , se isso é verdade , você não tem culpa, não pecou. V ocê não diz: "eu p e n s e i” ; diz: "o pensa­m ento v e io ” . Isso está certo . O pensam en to lhe ve io , e lhe veio do diabo, e o fa to de que o pensam ento v e io do diabo s ig n ifica que você não é n ece s sa ria m e n te culpado de p ecado” . A ten tação , em si e por si, não é pecado.

Isso nos traz ao ú ltim o ponto, deveras v ita l. É que d eve­mos sab er com o lidar com a ten tação quando e la vem , que devem os sab er e n fren tá -la . D e fa to , num sentido , todo o pro­pósito do sa lm is ta é ju s ta m e n te dizer-nos isto . Há som ente um modo pelo qual podem os e s ta r bem seguros de que tra ta ­mos a ten tação do je ito certo , e com isso chegam os à ú ltim a conclusão c erta . C o m ecei com isso, e com isso te rm in o . A grande m ensagem deste S a lm o é que, se eu e você sabem os o que fa ze r com a ten tação , podem os tran s fo rm á-la numa grande fon te de v itó ria . Podem os te rm in a r, quando passam os por um processo com o este , num a posição m ais fo rte que a que ocupávam os no in íc io . Podem os te r estado num a situação em que “ pouco fa lto u para que e sc o rre g a ss e m ” os nossos passos. Não im porta quanto dem o re , desde que, a fin a l, che­guem os àque le e levado p lana lto onde ficarem o s face a face com D eus, com um a segurança que não tính am os an tes . Po­

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dem os utilizar-nos do diabo e todos os seus ataques, m as tem o s que ap render a vencê-lo . Podem os tran s fo rm ar tudo isso num a grande v itó ria esp iritu a l, de m odo que possam os dizer: “ Bem , tendo passado por isso tudo, agora m e foi dado v er que Deus é sem pre bom . Fui ten tado a pensar que havia oca­siões em que não era; vejo agora que isso estava errado. D eus é sem pre bom , em todas as c ircun stâncias, em todos os cam inhos, em todas as ocasiões — não im porta o que acon­teça com igo ou com qualquer outra p esso a” . “ Cheguei à con­c lu são ” , diz o sa lm is ta , “ de que “ Deus é sem p re bom para com Is ra e l” .

' Estam os todos preparados para d izer isso? A lgum de vocês pode e s ta r passando por esta espéc ie de exp eriênc ia neste m om ento . A s coisas podem esta r indo m al com você, e ta lve z es te ja tendo um período d ifíc il. G olpe após golpe podem e sta r descendo sobre você. V ocê vem v ivend o a vida cristã , lendo a B íblia, traba lhando para Deus e, contudo, os golpes vêm , um após outro . Tudo parece e s ta r indo m al; você é a f li­gido ‘‘de co n tínu o” e "cada m anhã cas tig a d o ” . Um a d ific u l­dade vem logo depois da outra. A g ora , a única e s im ples per­gunta que lhe quero fa ze r é esta . Em face de tudo isso você pode dizer, "D eu s é sem pre b om ” ? S im , m esm o em face do que lhe está sucedendo, e m esm o quando você vê flo re sc e re m os ím pios? A desp eito da crue ld ade de um in im igo ou da tra ição de um am igo, a d esp e ito de tudo que lhe está aco n te ­cendo, pode você d izer, "D e u s é sem pre bom; não há exceção; não há re s triç ã o ” ? V ocê pode d izer isso?!Porque, se não pode, então você peca, você tem culpa. Talvez você tenha sido te n ­tado a duvidar. £ de esperar; não é pecado. A questão é, você foi capaz de lidar com a ten tação? Pôde a rrem essá-la de vo lta e expu lsá-la da sua m ente? V ocê pôde d ize r, “ Deus é sem pre b o m ” , sem ab so lu tam en te nenhum a reserva? V ocê pode d izer, "todas as cousas cooperam para o b em ” , sem nenhum a he­s itação? É esse o te s te . D e ixe -m e lem b rar-lh e , porém , que, em bora o sa lm is ta diga, "D e u s é sem pre bom para com Is­ra e l” , tem o cuidado de acrescen tar, “ para com os de coração lim p o ” . A gora p rec isam os ser cuidadosos. D evem o s ser justos para conosco; devem os s e r justos para com D eus. A s pro­m essas de Deus são grandes, e to ta lm e n te in clusivas. M as sem pre têm esta condição, “ para aqueles que são de coração lim p o ” . Em outras pa lavras, se eu e você estam o s pecando

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contra D eus, Eie te rá que corrig ir-nos, e isso vai ser penoso. M as , m esm o quando Deus nos castiga , a inda é bom para co­nosco. Ju stam en te por que é bom para conosco é que nos castiga . Se não e xp erim en tam o s castigo , en tão som os “ bas­ta rd o s ” , com o no-lo recorda o au tor da Epísto la aos H ebreus. Todavia, lem b rem o s que, se qu iserm os v e r isto com c lareza, te re m o s que te r coração lim po. Tem os que te r a ‘“ verd ade no (nosso) ín tim o ” , e não pode haver nenhum pecado escondido, porque, “ Se eu observar in iqü idade no m eu coração , o Senhor não m e o u v irá ” . Se eu não sou s incero e reto para com Deus, não tenho d ire ito de ap ro priar-m e de nenhum a das prom essas. Se, por outro lado, o m eu único dese jo é e s ta r de bem com Ele, então posso d izer que o fa to é ab so lu tam en te que "D eu s é sem pre bom para com Is ra e l” .

' Às vezes penso que a própria essência de toda a posição cris tã , e o segredo de um a v ida esp iritu a l v ito rio s a , consis­tem p rec isam en te em p erceb er duas coisas. Elas estão nestes dois p rim eiro s vers ícu lo s , “ V e rd a d e iram e n te bom é Deus para com Is rae l, para com os lim pos de coração. Q uanto a m im , os m eus pés quase que se desv iaram ; pouco fa lto u para que escorreg assem os m eus p asso s” . Noutras pa lavras, devo te r com p le ta , abso lu ta confiança em D eus, e nenhum a confiança em m im m esm o. Enquanto eu e você es tive rm o s na posição em que "s erv im o s a Deus em esp írito , e nos g loriam os em Jesus C ris to , e não tem os confiança na c a rn e ” , tudo es tará bem conosco. Isso é ser v e rd a d e ira m en te c ris tão — por um lado, co m p le ta e abso luta confiança em Deus e, por outro , nenhum a confiança em m im e no que eu faça . Se tenho esta visão de m im , s ig n ifica que es ta re i sem p re olhando para Deus. E nessa posição, jam a is fracassare i.

Conceda-nos Deus graça para ap licarm os alguns destes princ íp ios s im p les a nós m esm os e, ao fazerm o s isto , lem - brem o-nos de que tem os a m aio r e a m ais grandiosa ilu s tra ­ção disso tudo em nosso b end ito Senhor. Eu O v e jo no Jardim do G e tsêm an i, o próprio Filho de Deus, e O ouço p ro fe rir estas palavras, “ M eu Pai: se p o s s ív e l” . H avia p erp lex id ad e. Ele in­dagou: Não há outro cam inho, é es te o único m eio pelo qual a hum anidade pode ser salva? O pensar no pecado do mundo se in terca lando en tre Ele e Seu Pai, deixou-o perp lexo . M as Ele Se hum ilhou. A p erp lex idad e não O levou a cair; s im p le s ­m en te Se entregou a Deus d izendo, noutras pa lavras: “ Os

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Teus cam inhos são sem pre justos , Tu és sem p re bom , e quan­to ao que vais fa ze r-M e , sei que é porque Tu és bom . Não se faça a M in h a vontade, e, s im , a Tua” .

2TO M A N D O PÉ

"S e eu pensara em fa lar tais palavras, já aí te ria traído a geração dç teus fi lhos ." (v. 15)

V im os que a conclusão a que chegou o sa im is ta foi que Deus é sem pre bom para Is rae l, para os lim pos de coração, para os que rea lm en te estão in teressado s em agradá-IO . V o l­tam os a isto agora para ju n tos poderm os d esco b rir o modo pelo qual o sa lm is ta agiu para firm ar-se e para recuperar f i ­n a lm en te essa tão grandiosa e sólida posição de fé . Não há nada m ais p roveito so , quando lem os um Salm o, do que ana- lisá-lo da m aneira com o propusem os fa ze r aqui. A ten d ên cia com um é apenas le r o Salm o todo e conten tar-se com m eros e fe ito s gera is . Há m uita gente que usa os Salm os com o tra n ­q u ilizan tes . Essa gente lhe d irá que sem pre que se vê com prob lem a ou em p erp lex id ad e, é boa coisa le r um d e les . “ Há algo tão pacífico n e le s ” , d izem , “ e a linguagem é tão tra n ­quilizadora! Quando você lê, ‘‘O Senhor é o m eu p a s to r” , produz-se uma espéc ie de e fe ito psico lóg ico geral sobre você; coloca o le ito r num m aravilhoso estado m ental e de paz de coração, e você vê que pegou no sono sem p e rc e b e r.” É um bom tra tam en to psico lóg ico . Há quem use os Salm os desse je ito . O utros há que os usam com o poesia . Seu prin ­cipal in te resse está na be leza da linguagem . O ra, os Salm os têm isso tudo, m as estou in teressado em m o strar que e les são p rim aria m e n te o re la to de exp eriên c ias e sp iritu a is que visam ao nosso p ro ve ito . Todavia, jam a is obterem o s esse

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proveito dos Salm os se não nos derm os ao trab a lh o de ana­lisá-los, se não nos derm os ao trab a lh o de o bservar o que o s a lm is ta quer d izer. D evem os esq u ecer por um m om ento a b eleza das palavras com o ta is , e concen trar-nos no s ig n ifi­cado. Fazendo isso, verem o s que o au tor tem um m étodo bem defin ido .

Este hom em , neste S alm o em p a rticu lar, não chegou re ­p en tin am en te à sua posição; alcançou-a com o resu ltado de bom núm ero de coisas sucedidas an tes . No processo houve passos de real in te resse , e o que nos é p roveito so é desco ­b rir esses passos que levaram -no de vo lta da s ituação em que os seus pés “ q u ase. . . se d e s v ia ra m ” àquela f irm e con­dição de fé em que e le era in abalável e in am o víve l. É-nos de sum a im portância co m p reen d er que e x is te o que se cham a, “ a d isc ip lin a da v ida c r is tã ” . Não basta d izer, com o tantos fazem , que, seja o que fo r que nos aconteça, só tem o s que “ o lhar para o S en h o r” e tudo irá bem . A firm o que isso não é verd ad e , e que isso não é verd ade na e xp e riê n c ia das pes­soas que o ensinam . É um ensinam en to an tib íb lic o . Se isso fosse a única coisa que tem o s que fazer, m u itos destes es ­critos b íb licos seriam c o m p le tam en te desn ecessário s; não te ría m o s ab so lu tam en te nenhum a necessidade d e les . Se tudo que tem o s que fa ze r fosse “ apenas o lhar para o S enhor", as ep ís to las nunca te ria m sido escritas ; m as fo ram escritas , e por hom ens inspirados pelo Espírito Santo. Por quê? A res ­posta é que foram e scritas para nossa in strução, a fim de ensinar-nos a v iv er, e o que e las nos d izem é, num sentido , que na vida c ris tã e x is te um a discip l ina essencia l.

Um dos m ais tr is te s traço s da vida de certo s tipos de cristãos dos dias atuais é que parecem te r perd ido de vista e ste aspecto da fé . In fe lizm e n te isto é verdade e sp ec ia lm en te quanto aos que são evan g é lico s , e cre io que entendo por que é assim . P rim eiro e ac im a de tudo, houve um a reação contra o ensino cató lico rom ano. No s is tem a cató lico rom ano há m u itís s im a d isc ip lin a de certo tipo . Este s is te m a tem m ui­tos guias e m anuais sobre o assunto. De fa to , alguns dos m aio res m estres desta esp éc ie de ensino têm sido cató licos rom anos com o, por exem p lo , Bernardo de C la ra va l, ou o bem conhecido Fénelon, cujas fam osas Cartas para Ho m en s e Cartas para M u lh e re s fo ram m uito populares no passado.

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Pois bem , os p ro tes tan tes reag iram contra tudo isso e, até certo ponto, com m uita razão. Pois não há com o co n testar que no s is tem a cató lico romano o m étodo é m ais im portan te do que a vida esp iritu a l propriam ente d ita , e o seu p ratican te fic a escravo do m étodo . Com o p ro tes tan tes , é certo que de­vem os p ro tes ta r contra isso v ig o ro sam en te . M as, deduzir do seu m au uso que não há necessidade de d isc ip lina algum a na vida c ris tã , é co m p le tam en te errado.

De fa to , os períodos rea lm en te grandiosos do p ro tes tan ­tis m o sem pre se carac te rizaram pelo reconhec im ento da ne­cess idade dessa d isc ip lin a . Se houve algo que, m ais que qual­q uer outra coisa, caracterizou o grande período puritano fo ­ram a a titu d e e a m aneira de ver que levaram Richard B axter a e sc rev er o seu Spir itua l D irec to ry (D evo c ío n ário ). O s puri­tanos preocupavam -se em ensinar o povo a ap licar as Escri­tu ras à vida d iária . E no século segu in te vem os que os líderes do D esp ertam en to Evangélico deram ênfase à m esm a coisa. Por que hom ens com o os dois irm ãos W e s le y e W h ite fie ld foram cham ados de m etod istas? Foram cham ados assim por­que eram m etódicos em seu v iv e r. Eram m eto d is tas porque tin h am m étodo em suas reun iões. Eles e laboraram certas re ­gras, fo rm aram suas sociedades e in s is tiam em que todos os que dese jassem p e rte n c er à sua sociedade deviam pra­tic a r certas coisas e não p ra tica r outras. O próprio vocábulo m eto d is ta é sum am ente express ivo . S a lien ta o fa to de que eles acred itavam na d isc ip lina e na im portância de d isc ip linar suas vidas e de saber lidar consigo m esm os e saber condu­z ir-se nas várias c ircun stâncias e s ituaçõ es que en fren tam o s no m undo em que v ivem os.

N es te Salm o tem o s um grande m estre nessa questão. O hom em que o escreveu tem um m étodo bem defin ido , e não podem os faze r m elh or coisa do que olhá-lo . Ele nos ensina a lidar conosco m esm os — a d irig ir-nos a nós m esm o s. Não é esse um dos m ais im p o rtan tes problem as da vida, para cada um de nós neste mundo? Não é a ta re fa m ais d ifíc il para qual­quer um de nós d irig ir-se a si próprio? É-nos m uito m ais fác il d irig ir os outros! A grande a rte da vida c ristã é a pessoa sa­ber d irig ir-se a si m esm a, e sp ec ia lm en te em certas s ituaçõ es c rítica s . A q u i, este hom em nos deixa p en e tra r no segredo.

• C om ecem os, então , com o p rim eiro passo, o que é o m ais baixo de todos. V e jo que há um a coisa deveras m arav ilhosa

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naquilo que e le nos diz. Eis aí um grande hom em , um hom em que e xp erim en to u bênçãos incom uns e, contudo, a p rim e ira coisa que o segurou e o livrou do d esas tre é na verd ade m uito su rp reen d en te . A nossa reação à d esco b erta do que era esse p rim e iro passo em seu processo de recu p eração será um bom te s te para o nosso en ten d im en to e sp iritu a l. Pergun­to -m e, não haverá a lguém que achará que es te é um nível baixo dem ais , no qual nenhum cristão d e ve ria colocar-se? Exam inem o-nos a nós m esm os enquanto segu im os o que este hom em tem para dizer.

A o princ ip iarm os neste n ível m u itíss im o baixo, de ixe-m e d izer que não m e preocupo m uito com o ponto em que to ­m am os a nossa posição, contanto que a to m em os; não m e preocupa quão baixa é a nossa posição, contanto que e s te ­jam os firm e s ali, e não escorregando . É m elh o r f ic a r no de­grau m ais baixo da escada do que cair nas profundezas. Pois bem , este hom em partiu lá do fundo, e dali com eçou a subir. Com o fez isso? P rim eiro vam os con s id erar o m étodo — exa­ta m e n te o que e le fez — e depois, vam os d eduzir d isso cer­tos princíp ios que podem os firm a r com o sem p re ap licáve is a qualquer s ituação em que venham os a encontrar-nos.

A í está um hom em ten tad o rep en tin am en te , ten tado a d izer a lgo, ou, se se p re fe r ir , ten tad o a fa ze r a lgo. A fo rça da ten tação é tão grande que e le quase perde o eq u ilíb rio . Está a ponto de cair na ten tação , e e le nos conta o que fo i que o salvou. Ei-lo: “ Se eu d is s e s s e ” — e le estava a ponto de d izer algo — "S e eu pensara em fa la r ta is pa lavras, já aí te ria tra íd o a geração de teus filh o s " . Q ue faz e le? Qual é seu m é­todo?

A p rim eira coisa que faz é re frea r-se . Não cre io que ele sabia bem por que estava fazendo isso, m as o fez. S im p les ­m ente se conteve de d izer o que estava na ponta da sua língua. Estava a li, m as e le não o d isse. O ra, isso é tre m en d a ­m ente im p ortan te . O s a lm is ta com p reen d ia a im p ortân c ia de nunca fa la r p rec ip itad am en te , de nunca fa la r por im pulso . Foi essa a p rim e ira coisa, e é um ponto m uito g era l. É um a so­lução ó tim a para o não cris tão , e é p rec isam en te isso que eu estou sugerindo — a saber, que ex is tem coisas que fazem os em conexão com esta d isc ip lin a esp iritu a l que à p rim eira v is ta não p arecem ser p a rticu la rm en te c ris tãs . M as se e las te segu ram , use-as.

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Há m uitas pessoas tão ansiosas por e s ta r sem pre no topo da m ontanha, num sentido esp iritu a l, que por essa m esm a razão m uitas vezes se vêem cainda no va le em baixo. Não ligam para estes m étodos com uns. Não ev itam faze r o que o hom em que escreveu o Salm o 116 tinha fe ito . Vocês reco r­dam o que e le nos diz? Faz uma confissão bem s incera . Diz ele: “ Eu dizia na m inha prec ip itação: todos os hom ens são m e n tiro s o s ” , (v. II) D isse isso apressadam ente , e fo i esse o erro . Este hom em , no Salm o 73, tinha descob erto , justo quando estava a ponto de cair, a im portância de não fa la r apressada­m ente . É um erro o c ris tão d izer ou fa ze r a lgum a coisa p re ­c ip itad am en te . Se vocês querem v er isso nos tra je s do Novo Testam en to , aqui está , na Epístola de Tiago: “ todo hom em seja pronto para ouvir, ta rd io para fa la r, ta rd io para se ira r” (Tiago 1 .1 9 ). Não devo d esenvo lver isto aqui, m as não é óbvio que se tão so m en te nós todos praticássem o s este prin ­cípio p a rticu lar, a v ida seria m uito m ais harm oniosa? Q uantas d ificu ld ad es seriam poupadas! Q uantas a lfin e tad as e irr ita ­ções, quantas brigas, calún ias e in fe lic id ad es seriam evitadas em todas as esferas da v ida , se tão so m en te déssem os ouvi­dos a este in junção! "P ro nto para ouvir, ta rd io para fa la r” ! Parem e pensem . Se vocês não podem fazer m ais nada, parem ! Não ajam im petu osam en te . Este hom em não o fez. Foi a p ri­m eira coisa que o im pediu de cair.

O passo segu in te , obv iam ente , fo i que e le considerou e encarou de novo aquilo que estiv e ra p res tes a fa lar, O p ro b le ­ma estava ali, em sua m ente; parecia que n inguém poderia negá-lo, tão óbvios eram os fa to s. A í estão os ím pios; vejo a prosperid ade deles; e cá estou eu, sem pre em d ificu ld ad e . Parece tão claro — di-lo-ei “ N ão ” , diz o sa lm is ta , “ dê outra olhada nisso, exam ine-o de novo. Q uando se dá uma coisa com o esta , você não a pode exam inar dem asiadas v e z e s .” Ele se pôs a fa la r consigo m esm o sobre isso. Colocou-o d iante de si. Tornou a olhá-lo. A h , que coisa v ita l é isso! Q uantas trag éd ias seriam ev itadas na vida, se as pessoas tão som ente dessem m ais uma olhada. Na questão da ten tação , quando ela vem com seu poder o fuscante , e quando todos os argum entos p arecem e sta r num lado, e nem um só de les no outro, toda a e s tra té g ia de com bate ao diabo está em in s is tir em fa ze r m ais e s te exam e. E esse exam e p ro vave lm en te salvará a vo­

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cês. Ele olhou-o de novo, revo lveu-o , exam inou-o de d ife ren te s ângulos.

A a tiv id ad e do sa lm is ta m ostra que e le es ta va conside­rando as conseq üên cias do que estava p res tes a d izer. Eis aqui outra vez um grande princ íp io . Não há nada que um ho­m em faça nesta v ida que não tenh a as suas conseq üên cias . Todo e fe ito tem um a causa, e toda causa produz um e fe ito . M u ito s dos nossos prob lem as surgem do fa to de que esqu e­cem os que as causas levam a e fe ito s e que, por sua vez, os e fe ito s levam a certas conseq üên cias in ev itá ve is . O diabo nos pega em sua su tileza por fixar-se naquilo que p arece ser um a co n tec im en to isolado. Ele coloca essa única coisa d ian te de nós de m odo ta l que não podem os v er nem pensar nada m ais, Essa coisa m onopoliza a nossa a tenção, e as conseqüências não são levadas em consideração . M as e s te hom em viu as conseqüên cias . D isse: “ Se eu pensara em fa la r ta is palavras, já aí te r ia tra íd o a geração de teu s f ilh o s ” . Teve o cuidado de considerar as co ilseqüências e de se de fro n tar com elas.

A B íblia dá-nos m uitos casos desses. Um dos exem p los m ais g loriosos disso, penso eu, é o da s ituação d aquele ho­m em , N eem ias . N eem ias estava num a condição em que a sua vida co rria perigo, e um fa lso “ a m ig o ” veio a e le e d isse, "V o cê é um hom em m uito bom e, portan to , não d eve a rriscar a vida com o está fazendo — “ de no ite v irão m a ta r-te ” . "E le fez uma proposta segundo a qual N eem ias d e ve ria fug ir, e a fez em ta is te rm o s que soou in sinuante e rep le ta de in te resse, Se N eem ias lhe tiv es s e dado ouvidos, todo o curso da his­tó ria de Israe l te r ia m udado. A proposta deve te r exercido atração sobre e le , m as N eem ias sustou-se a si próprio , d i­zendo, "U m hom em com o eu fu g iria ? ” Ele considerou as con­seqüên cias e, no m om ento em que viu as conseq üências , não fez o que lhe fora sugerido . Foi isso tam b ém que salvou este hom em re fe rid o no Salm o 73. V iu as conseq üên cias e im ed ia ­ta m e n te se refreo u .

A van cem o s um passo m ais , O ponto seg u in te fo i que este hom em se apegou àquilo de que estava certo , e se apegou a q ualq uer preço; A cerca do seu prob lem a principal e le estava m uito incerto ; não podia com preen dê-lo , de m odo nenhum . M esm o depois de te r-se re freado , o p rob lem a continuava a confundi-lo; não podia en ten dê-lo nem captar-lhe o sentido , M as, tendo observado aquilo de novo, percebeu que se ele

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fa lasse com o estava ten tad o a fa la r, a conseqüência im ed ia ta seria que e le caasaria o fensa o povo de Deus, e e le se firm ou nesse fa to . A qui, pois, está o p rincíp io . O sa lm is ta não está seguro quanto a toda essa questão de com o Deus tra ta os Seus filhos . Essa é ainda um a questão de grande perp lex id ad e. M as e le está m uito certo de que é errado ser pedra de tro ­peço ou causa de o fensa à geração dos filhos de D eus. Ele está abso lu tam ente seguro disso, e age baseado nisso. V e jam a es ta tég ia . Q uando alguém se sente inseguro e perp lexo , o que tem a faze r é te n ta r achar algo do qual tem certeza , e então , firm ar-se nisso. Pode não ser a coisa cen tra l; não im ­porta. Este hom em viu as conseqüências do que e le estava a ponto de faze r, e soube com certeza que estava errado. Daí disse: “ Não o d ire i" . Ele ainda não vê com c la reza o que se re fe re à sua principal d ificu ldade , m as isto e le vê com c lareza.

A ú ltim a decisão a que este hom em chegou foi que, pro­v is o riam e n te , e le tinha que conten tar-se em não reso lver o seu problem a principal. Ele nos conta que não via com c lareza e ainda não podia en ten d er a d ificu ldade que o sacudira e o te n ta ra tão d o lorosam ente . E de fa to não a enten deu enquanto não entrou no santuário de D eus. A ss im , parou de te n ta r reso lvê-la , dizendo para si m esm o, “ Bem, devo d e ixar de lado p ro v iso riam en te e s te problem a princ ipa l. Nada d ire i sobre e le porque posso ver que, se eu exp ressar os m eus pensam en tos, isto m e fa rá o fender a geração dos filhos de D eus. E não posso faze r isso. M u ito bem ; vou m e firm a r naquilo em que estou seguro, e m e co n ten tare i em não co m p reen d er a outra questão no m o m en to ” . Este é seu m étodo. Foi isso que o sa l­vou, que o ajudou.

Com o é s im p les o m étodo dele , e, contudo, quão v ita l em cada um dos seus passos. D e ixem -m e colocá-lo na fo rm a de alguns princíp ios. O jp r im e iro p rincíp io que eu fo rm u laria para nossa especia l orien tação é que o nosso fa la r sem pre deve ser essen cia lm ente positivo . Q uero d izer que nunca de­vem os e s ta r dem asiado prontos para exp ressar as nossas dú­vidas e p roc lam ar as nossas in certezas . Tenho encontrado hom ens que passaram m uitos anos das suas vidas em agonia de alm a por causa das coisas que d isseram anos antes , quando não eram cris tão s , co isas que fo ram m eios para abalar a fé de outros. Isso é uma coisa te rr ív e l. Lem bro-m e de um jovem que m e veio v e r há anos. Era um estud ante que fora para a

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facu ld ad e firm ado na fé c ris tã e nela co n fian te . Um pro fesso r daquela facu ldade que se orgulhava de ser um d escren te e que não tinh a nada de positivo para dar àquele jo ve m , costu ­m ava rid icu larizá -lo , e à sua posição, não so m ente nas aulas m as tam b ém p a rticu la rm en te , rindo das suas crenças e d es­pejando escárn io sobre a sua fé . Isso levara e s te jo vem a uma condição d everas penosa e in fe liz . Não e x is te m m uitas coisas piores do que a a titu d e de um pro fessor ass im que, não tendo e le próprio nada por que v iv e r, procura tira r e d e s tru ir a fé esposada por um jo vem , fa lando contra e la e ten tand o m iná-la . Este fo i, por certo , um ataque m alic io so e in tenc ional m o­vido contra a fé que um jo vem possuía. M as nós tam b ém podem os ser culpados da m esm a coisa, conquanto possam os não esta r c ien tes disso. Em bora possam os ser assaltad os por dúvidas ou in certezas , não devem os pro c lam ar nossas dúvidas, nem d ivu lgar as nossas in certezas (exceto , é c laro , para bus­car a juda), para que as nossas pa lavras, tam b ém , não tenham o m esm o e fe ito d esastroso , sem que o saibam os. S e não puderm os d izer nada de ú til, não devem os d ize r coisa nenhu­m a. Foi o que este hom em fez. Ele não podia en ten d er, e estava a ponto de d izer algo, m as m onologou: ‘“ Não o fa re i. Se eu d isser um a coisa dessa, causarei dano a es tes filhos de D e u s ” . D iga você o que q u iser deste hom em , e le era , não o bstante , um cava lhe iro . Se acha a tua fé c ris tã vacilando, s eja , pe lo m enos, um cava lh e iro . Não fira a nenhum a outra pessoa. Precisam os ap ren d er a d isc ip linar-no s a nós m esm os, e a não passar ad iante as nossas d ificu ldades, fa lan do m uito acerca das nossas in certezas . Este hom em não fa lou nada enquanto não foi capaz de d izer, “ Deus é sem p re bom para com Is ra e l” . A gora está hab ilitado para fa la r. Tendo com eçado com isso, pode agora p rosseg u ir a salvo e n arrar a h istória dos seus prob lem as.

O segundo p rincíp io é que a verdade é co m p reen siva e suas várias partes in te r-re lac ion ad as. Q uero d ize r que não e x is te isso de verdade isolada. Este hom em com eçou pen­sando que havia so m en te um prob lem a — o da prosperidade dos ím pio s. M as in te r-re lac io nada com esse p rob lem a ha­v ia esta outra verdade acerca do povo de Deus e o que lhe aco n tece. D e ixem -m e dar-lhes ou tra ilustração para m ostrar a im p o rtân c ia de perceb er-se e s te princíp io , de que todos os aspectos da verdade são in ter-re lacionados . Com m uita fre-

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qüência pessoas inclinadas à c iência en tram em d ificu ldades co ncernentes a sua fé porque esqu ecem este p rincíp io . D e­fro ntam -se com o que se apresen ta com o prova c ie n tífic a . Os c ien tis tas lhe o fe recem algum a coisa com o fa to , e o perigo está em eles a ce ita rem essa a firm ação p a rticu la r iso ladam en­te , sem perceberem as conseqüências dessa ace itação para outra área da verdade. Por exem p lo , sem pre digo que um a ra­zão m uito boa para re je ita r a teo ria da evolução é que no m o­m ento em que a ace ito , fico em confusão e d ificu ld ade com a doutrina do pecado, com a doutrina da fé e com a doutrina da expiação. A verdade é in ter-re lacionada; um a coisa a fe ta a outra. Não es te ja m d em asiad am en te prontos para fo rm ar opiniões sobre um fa to ou conjunto de fa to s . Lem brem -se de que isso a fe ta rá outros fa to s e outras posições. Exam inem o assunto em todos os aspectos conceb íve is , tendo em m ente não apenas a coisa prop riam en te d ita , m as tam bém as suas conseqüências e im p licaçõ es . Procurem enten dê-las todas antes de expressarem um a opinião,

O te rceiro p rincíp io é que jam a is devem os esqu ecer as nossas relações uns com os outros. O que segurou de in ício e ste hom em não foi nada que e le tiv es s e d escob erto sobre os p roced im entos de Deus para com e le , m as foi a lem brança do seu re lac io n am en to com outras pessoas. Isso é m arav i­lhoso, eu acho. Foi isso que o re teve . Era um a coisa da qual e le estava seguro, e e le se apegou a ela . O apóstolo coloca isto num vers ícu lo notável de Rom anos 14. D iz e le : “ Nenhum de nós v ive para si, e nenhum m orre para s i ’’. Ele prossegue, desenvolvendo-o e, ao fazê-lo , analisa a questão do irm ão m ais fraco . Faz a m esm a coisa em 1 C orín tios 8 e 10. Coloca-o de modo s em elh an te num a fra s e deveras e xtrao rd in ária , "D ig o , porém , a consciência , não a tua, m as a do o u tro ” (10 :29 ). N outras palavras, você, com o cristãão fo rte , não deve dec id ir isto em te rm o s da sua própria pessoa. O ue d izer do seu irm ão m ais fraco , por quem C ris to m orreu? V ocê não deve o fender a consciência de le . N inguém "v ive para s i” ; estam os todos ligados uns aos outros e, se você não pode conter-se por am or de si m esm o, deve conter-se por causa do seu irm ão m ais fraco . Quando você fo r ten tado , quando o diabo te fize r esqu ecer que você não é um caso isolado, quando e le sugerir que isto ou aquilo é algo que só in teressa a você, pense nas conseqüências, lem b re -se das outras pessoas, lem b re-se de

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C ris to , lem b re -se de D eus. Se eu e você cairm o s , não será um a queda iso lada, a ig re ja in te ira ca irá conosco. Este hom em co m p reen deu que estava am arrado num fe ix e com essas o utras pessoas. D iga, pois, a si próprio , “ V e jo que todos esses outros vão fic a r en vo lv idos. Som os filho s de um reino c e le s ­tia l, som os m em bro s in d iv id u a is , em p articu la r, do corpo uno de C ris to . Não podem os ag ir is o la d a m e n te " . A s s im , se nada mais o d e tiv er q uan d o estiver prestes a fa ze r a lgum a coisa errad a , lem b re -se desse fa to , lem b re -se de sua fa m ília , le m ­bre-se do povo ao qual você p e rte n c e , lem b re -se do N om e que está em sua fro n te e, se nada m ais te seg u rar, d e ixe que esse N o m e te segure . Ele segurou e s te hom em .

O quarto p rinc íp io é a im p ortân c ia de te rm o s certos abso lutos em nossa v ida . N o utras pa lavras, devem os ap ren d er a reco n h ecer que há certas co isas in co n ceb íve is que não d evem ser fe ita s , nunca. N em seq u er deveríam o s tom á-las em consid eração . Não hesito em a ss e ve ra r que o espantoso au­m ento dos casos de d ivórc io na a tu a lid ad e deve-se s im p le s ­m en te ao d e fe ito de não se c o m p reen d er e s te princ íp io . Q uero d ize r que quando duas pessoas se casam , assum indo os seus so len es votos e com prom isso s d ian te de D eus e dos hom ens, devem e sta r fechando um a c erta porta de trás para a qual ja m a is devem nem m esm o o lh ar de novo. Não é esse , porém , o m odo de ag ir hoje. Parece que as pessoas se casam e d e i­xam ab erta a porta doç fundos, que leva a v idas separad as . O lham por sobre o om bro para aquela porta, e m u itas vezes se p e rm ite m pensar na p o ss ib ilidad e de rom per o casam ento an tes m esm o de te re m fe ito os seus votos. A í está por que a vid a é com o é nos dias p res e n tes . A s pessoas já não têm os seus abso lu tos.

Houve tem p o em que ta l co isa era in im ag in áve l. Há certas coisas que os cris tão s , hom ens e m ulh eres , devem pôr abaixo com o abso lutos in co n ceb íve is , que jam a is devem receb er co n sideração . Este hom em tin h a um princ íp io nesta conjun­tu ra , m esm o que não tiv e s s e m ais nada, e n e le se firm ava . D isse e le : “ Nunca d ire i nada que vá to rn ar in fe lizes os m eus irm ãos. Não m e preocupa o quanto não posso e n ten d er; um dos m eus abso lutos é es te — ja m a is fe r ire i os m eus irm ãos"- Ele se firm o u nisso com o hom em e f in a lm e n te com eçou a en­te n d e r as suas próprias p erp lex id ad es . T ra tem o s de fix a r os nossos abso lu tos , tra te m o s de e s ta b e le c e r irre v o g a ve lm e n te

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certas coisas. E specia lm ente os jo vens — em bora isto não se aplique a você, jo vem , m ais que a qualquer outro , todavia , enquanto você é jo vem e não tem culpa dessas coisas — fix e os seus absolutos. Se não pode ser ú til, não diga nada. Nunca faça nenhum dano à causa de Deus ou à fa m ília es­p iritu a l.

O quinto e ú ltim o princíp io é a im portância de lem b rar quem e o que você é. Num sentido eu já tra te i d isto . Eu e você som os pessoas cham adas por Deus para fo ra d este p re ­sen te mundo mau. Fom os com prados pelo preço do sangue derram ado pelo un igénito Filho de Deus na cruz do C a lvário , não som ente para que sejam os perdoados e possam os ir para o céu, m as para que sejam os lib ertos de todo pecado e in i­qüidade, e para Ele possa “ p u rifica r para si um povo seu esp ec ia l, zeloso de boas o bras” (T ito 2 :1 4 ). Ele fez isso, e isso constitu i a nossa re iv ind icação . D igo, pois, lem bre-se disso, e sem pre que surja algum a perp lex id ad e ou algo que tenda a abalá-lo , tom e-o e coloque-o à luz disso. A p es a r de você não en ten d er a coisa p ro p riam en te d ita , nesse ponto deve d izer, “ Não faz m al que eu não com preenda isso, e fico co n ten te . Tudo que sei é que, com o filh o de D eus, adquirido graças ao sangue de C ris to , há certas coisas que eu não devo faze r, e esta é uma delas; portan to , não a fa re i, e sejam quais fo rem as conseqüências, ficare i f irm e ” .

São essas, então , as m inhas conclusões! Não im porta em que n ível estam os contra este in im igo das nossas a lm as, não im porta quão baixo se ja o n ível, contanto que nos firm em o s ali. Com o disse no in ício , este hom em estava num nível m uito baixo. S im p lesm en te se firm ou no princíp io , “ Se eu ag ir assim , fa re i dano a estas pessoas” . Ele não poderia fic a r num nível m uito m ais baixo do que esse. Não m e preocupa quão baixo é o n íve l. A ss im que você possa achar algum a coisa que o segure , use-a. Não d esp reze “ o dia das coisas peque­n a s ” . Não pense que você é esp iritua l dem ais para f ic a r num nível tão baixo. Se o fize r, ca irá . F ique em qualq uer ponto em que puder. Fique a té m esm o num ponto negativo — quero d izer com isso que você seja capaz de d izer apenas, “ Não posso faze r isso ” . F irm e-se aí. Pois resum e-se nisto: quando os seus pés estão escorregando , a coisa im p o rtan te que você p rec isa é poder fic a r f irm e . Pare de esco rregar e deslizar. F irm e os pés por um m om ento e a ferre -se a qualquer coisa

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que s irva para esse propósito; firm e -se nisso e perm aneça nisso: Estam os em penhados num alp in ism o e s p iritu a l. A s es­carpas são com o v idro , e você pode esco rreg ar para aquela te rr ív e l rav ina e perd er-se . D igo, pois, que, se você v ir a lgum a coisa, a inda que um pequeno ram o, agarre-se a isso, segure-o , ponha os pés no m ais desp rezíve l buraco, ou na m ais e s tre ita saliên c ia , qualquer coisa para firm a r-s e e que o cap ac ite a parar por um m om ento . Um a vez que você tenha detido o escorregão e o d es lizam en to para baixo, poderá co m eçar a subir de novo.

Foi porque o sa lm is ta achou esse pequeno ponto de apoio e ne le firm o u os seus pés, que parou de esco rreg ar. E desse m om ento em d iante , com eçou o m arav ilhoso processo de esca la r de novo, a té que fin a lm e n te se achou capaz de rego­zijar-se m ais um a vez' no conh ec im en to de D eus, e de com ­preen d er a té m esm o o prob lem a que o tinha deixado perp lexo , e d izer, “ Deus é sem p re bom para com Is rae l, Q ue to lo eu fu i!”

3A IM P O R TÂ N C IA DO PEN SA M EN TO ESPIR ITU AL

Quando pensava em com p reen d er isto, f iqu e i sobremodo perturbado; A té que en tre i no santuário de Deus: então entendi eu o f im deles. (vs. 16-17)

A té aqui chegam os à conclusão de que num co n flito esp i­ritual não tem a m enor im p o rtân c ia em que baixo n ível você in te rro m p e a sua queda, contanto que a in te rro m pa. Não des­denhe o n ível baixo. É m elh o r te r os pés no degrau m ais baixo da escada do que e s ta r no chão; é m elh or achar o m enor ponto de apoio do que fic a r deslizando num a enco sta escor­regad ia . S im , pois é escalando a p artir dali que você se en­co n trará fin a lm e n te no topo.

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M as agora devem os prosseguir, porque ob v iam en te o sa lm is ta não parou a li. Se e le tiv es s e parado a li, nunca te ria escrito este Salm o, e nunca poderia te r d ito , “ Deus é sem pre bom para com Is ra e l” . O ponto de apoio foi só o com eço. A inda há vários passos m ais neste m aravilhoso processo porque, m esm o depois de te r-se firm ad o nesse ponto de apoio, conti­nuou m uito in fe liz . C om preendeu o b astan te para d izer, “ Se eu d issesse: tam bém fa la re i assim ; eis que o fen d eria a geração de teus filh o s ” . M as diz a inda, "Q uando pensava em com p reen­der isto, fiqu ei sobrem odo p ertu rb ad o ” . Conquanto não este ja m ais escorregando, não com p reende ainda o seu principal problem a. A gora não está m ais caindo, não está m ais em perigo de exp rim ir aqueles te rr ív e is pensam entos b lasfem os.

Todavia, continuava em grande angústia de coração e m ente; continuava perp lexo acerca dos m odos de Deus para com e le . Q uero de fa to s a lie n ta r isso, porque é um ponto de cap ita l im portância . Em bora a grande, a p rim e ira coisa que fa ze r seja parar de cair, não s ig n ifica que agora tudo está bem com você, ou que a p a rtir daquele m om ento você vê com to ta l c la reza o p rob lem a. Este hom em não v ia com clareza; continuava em real d ificu ld ad e . G raças a Deus e le sabe o s u fic ie n te para im p ed ir um a queda com p le ta , m as o seu pro­b lem a é tão agudo com o antes . Você tem conh ec im en to dessa posição esp iritual? Já e s teve ali? Eu já e s tiv e ali m uitas vezes . É um lugar estranho para a lguém esta r, m as de m uitas m aneiras é um lugar m arav ilhoso . V ocê tem a suster-se algo v ita l, apesar de que o seu prob lem a orig inal perm aneça tão agudo com o o era no in ício .

O que e le nos diz é isto . Ele estava firm e ali; não estava m ais escorregando; os pensam entos rebe ld es estavam sob co n tro le . M as os seus pensam entos davam vo ltas e m ais v o l­tas em círcu los, e e le estava em grande angústia de coração e m en te . Isto continuou, diz e le , até e le en tra r "no santuário de D e u s ” . "Então en ten d i eu o fim d e le s ” . A g ora há um ponto que eu devo de ixar c laro antes de dar m ais um passo ad iante . Se você exam inar as várias traduções deste Salm o, verá que algum as delas sugerem que isto d everia ser traduzido , ‘fiq u ei sobrem odo perturbado, a té que en tre i no segredo de D e u s ” , em vez de, "a té que en tre i no santuário de D e u s ” . M as as razões para m anter "s a n tu á r io ” aqui m e parecem in co n tes tá ­v e is . Um a boa razão é que todos os Salm os desta seção do

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S a lté rio tra ta m do local lite ra l, do santu ário . Leia o Salm o seg u in te e o 76, e verá que cada um de les faz re fe rê n c ia ao santuário lite ra l, fís ic o , m a te ria l. A m ím m e p arece que isto já por si é conclusivo, in te ira m e n te à p arte doutra prova que se pode ap resen tar. Todavia, es te e bem pouco im portan te porque, quando um hom em entrava no tab ernácu lo ou no te m ­plo, en trava para e s ta r na p resença de D eus. Sob a velha dis- pensação, quando o povo ia ao tem p lo , ia para enco ntrar-se com D eus. Era o lugar em que a honra de Deus perm anecia ; era o lugar em que a g lória do Shekinah de Deus estava pre ­sen te . Este hom em c e rta m e n te estava en trando na presença de D eus, m as cre io que é im p o rtan te lem b rar que aqui san­tu ário s ig n ifica lite ra lm e n te o e d ifíc io . “ A té que en tre i no santuário de Deus; então en ten d i eu ." Ele se s en tia in fe liz; estava perp lexo; estava com um prob lem a te rr ív e l. M as, uma vez no santu ário de Deus, tudo ficou c laro para e le . Ele foi en d ire itad o e com eçou a sub ir a escada outra vez, até que fin a lm e n te chegou ao topo e pôde d izer, “ Deus é sem p re bom para com Is ra e l” — sem exceção .

Há certas lições de v ita l im po rtân c ia para nós nesta por­ção p articu la r. Aqui está um hom em que conseguiu um ponto de apoio para os pés e agora e s tá com eçando a subir. Q uais são as lições? A p rim e ira delas que sugiro é a abso luta ne­cess idade que há na v ida c ris tã de poderm os p ensar e sp iri­tu a lm e n te . D e ixem -m e e xp licar o que quero d izer. Todo o prob lem a com o sa lm is ta a té agora era que e le estava abor­dando o seu prob lem a apenas em te rm o s dos seus próprios pensam en tos e do seu próprio en ten d im en to . Isto , conta-nos e le , fo i um fracasso co m p le to . Ele tinha d ian te de si dois fa to re s — a p rosperid ade dos ím pios, e as d ificu ldades, pro­b lem as e m isérias dos ju stos , esp e c ia lm en te e le próprio . Seus pensam en tos segu iram m ais ou m enos e s te rum o: “ Esta s i­tuação é bem c lara e sem com p licações . Não tem nada de in trincada. Os fa to s, a fin a l, são fa to s, e não podem os igno­rá-los. A q u ilo que o hom em do m undo, p rático e de bom senso, faz é o lhar os fa to s. Sendo ass im , há ob v iam en te algo errado. Sei tudo acerca das prom essas de Deus; m as o que aconteceu com e las nesta s ituação? C om o é possível que eu es te ja desta m an eira , e os ím pios daquela m aneira , se a m ensagem da Palavra de Deus é re ta e v erd a d e ira ? ”

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Ele havia raciocinado desse m odo, e tinha vo ltado uma e outra vez à m esm a posição. Todos vocês conhecem o pro­cesso, não conhecem ? C o m eçam a pensar no problem a, e ficam a g ira r em c írcu los . Tentam esquecê-lo , m ergulhando no traba lho ou nos p razeres ou em algum a outra coisa. D epois vão para a cam a de no ite, e tudo recom eça. “A s coisas vão mal com igo e bem com os ím pios; diz o irm ão para si. E fica de novo rodando e rodando no m esm o c írcu lo . V ocê diz: “ Será que estou com etendo um erro aqui? Não, não estou; os fatos são ó b v io s ’’. Essa e ra a posição do sa lm is ta . Qual era o pro­blem a? Digo que toda a essên cia da d ificu ld ad e d este hom em era que e le estava pensando rac ion alm en te , apenas, em vez de pensar e sp iritu a lm e n te .

Este é um princ íp io tre m en d am en te im po rtan te . É m ulto difíc il v erb a liza r a d ife ren ça en tre pensam ento m eram en te ra­cional e pensam ento esp iritu a l, porque a lguém pode ser te n ­tado a d izer, “ Ah , s im , aí está de novo. Eu sem pre d isse que o pensam ento cristão é irra c io n a l” . M as essa dedução é fa lsa . Conquanto eu trace um a d istin ção e n tre pensam en to racional e pensam ento esp iritu a l, nem por um m om ento estou suge­rindo que o pensam ento esp iritua l é irrac io n a l. A d ife ren ça en tre e les é que o pensam en to racional só fic a no n ível do chão; o pensam ento esp iritu a l é ig u alm en te rac ion al, m as abrange um nível m ais e levado , com o tam bém o n ível m ais baixo. A brange todos os fa to s, e não s im p lesm en te alguns deles. D esen vo lvere i isto m ais ta rd e , m as o coloco deste modo agora para poder d e ixar c laro o que quero d ize r contrastando o pensam ento m eram en te racional com o pensam ento es­p iritu a l.

Com isto em m ente , quero enunciar certos princ íp ios . P rim eiro , há constante perigo de cairm os de novo no pensa­m ento m eram en te rac ion al, m esm o em nossa vida c ris tã . Isso é um a coisa m uito s u til. Sem dar-nos conta disso, em bora sejam os cristãos , em bora tenham os renascido , em bora ten h a ­mos em nós o Espírito Santo, há o constante perigo de re tro ­cederm os a um tip o de pensam ento que não tem nada que ver com o c ris tian ism o , ab so lu tam en te . O s a lm is ta era um hom em devoto e p iedoso, hom em que tiv e ra grande exp e riê n ­cia nas m ãos de Deus; m as, in co n sc ien tem ente retornara àque le tipo de pensam en to m eram en te racional. Talvez eu possa fo rm u lar este ponto com m aior c la reza dizendo que pre-

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cisam os ap ren d er que a v ida c ris tã toda é esp iritu a l, e não apenas p artes dela .

Por c erto , todo cris tão concordará com isto , e reconhecerá de im ed ia to que desde o com eço a p e rsp ec tiva cristã da v ida é um a coisa co m p le ta m en te d ife re n te do modo racional de co m p reen d er a v ida. Tom e o que Paulo nos diz em 1 Corín tio s 2. É com o se e le perg un tasse , por que é que a lgum as pessoas não são c ris tãs , por que seria que os príncipes deste m undo não reconheceram o Senhor Jesus C ris to quando Ele e s te ve aqui, A resposta, diz o apósto lo , é que eles não tinham receb ido o Espírito Santo. V iam -n O so m en te rio n ível racional. Nada v iam senão um aldeão; nada viam senão um carp in te iro ; viam nEle alguém que não fora tre in ad o na escola dos fariseus, e d iziam que este hom em não podia ser o Filho de Deus Por quê? Porque se en treg avam ao pensamento puramente racionai. Estavam fazendo o que sugeri a vocês que este sa lm is ta fazia a esta altura,

O argumento dos príncipes deste m undo e de todos os que não c rêem em C ris to continua sendo es te . Para eles, Jesus de N azaré era apenas um hom em que nasceu e fo i posto num a m anjedoura , v iveu , com eu e bebeu com o os outros ho­m ens e traba lho u com o carp in te iro . D epois fo i c ru c ificad o em to ta l fraqu eza num a cruz. ‘A í estão os fa to s ” , d izem e le s , “ e m e pedem que c re ia que esse é o Filho de Deus? É im possí­v e l .” Qu-e há de errado com eles? Estão pensando som ente no nível rac ional. A c red itam na te o ria da evo lução e, depa­rando com o re lato de even to s so b ren atu ra is , d izem , “ Coisas com o essas não acon tecem no processo evo lu tivo ; coisas com o essas são im p o ss íve is" . Isso é pensam ento racional. V ocê lhes fa la da dou trina do novo n ascim ento , e e les d izem , "C la ro que coisas com o essa não aco n tecem , não existem m ilag res . V em o s le is na natureza; m as uma vez que você fa le de m ilag res , estará v io lando as le is da n a tu re za ” . Com o dizia M a tth e w A rn o ld , “ M ila g re s não podem aco n tecer, portan to não acon teceram m ila g re s ” . Isso é pensam ento racional.

O ra, todos concordam os que antes de um hom em podet to rn ar-se c ris tão , tem que parar de pensar daquele je ito . Pre ̂cisa te r um novo tip o de pensam en to , tem que co m eçar e p ensar e s p iritu a lm e n te . A p rim e ira coisa que nos acontece quando nos to rnam os cris tão s é que descobrim os que estamos pensando de m an e ira d ife re n te . Estam os num n íve l d ife ren te

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N o utfas palavras, tão logo com eçam os a pensar e sp iritu a lm e n ­te , os m ilagres já não são m ais um p rob lem a, o novo nasci­m ento já não é p rob lem a, a dou trin a da expiação já não é problem a. Tem os um novo e n ten d im en to , pensam os e s p iri­tu a lm en te . Nosso Senhor foi v is itad o por N icodem os, que veio de no ite e Lhe disse: “ M e s tre , eu tenho observado os Teus m ilagres; deves ser um M e s tre enviado por Deus, pois ne­nhum hom em pode faze r as coisas que fazes , a não ser que Deus este ja com e le ” . E e v id en tem en te e le estava a ponto de acrescen tar, “ D ize-m e com o fazes isso; qual é a exp licação?" M as o nosso Senhor olhou-o e d isse, “ Na verdade, na v e r­dade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode v er o reino de D e u s ” , e “ N ecessário vos é nascer de novo” . O que Ele estava d izendo a N icodem os era rea lm en te isto, “ N icodem os, se você pensa que pode en ten d er esta coisa antes de que isso te acon teça, está de fa to com etendo um erro . Você nunca será c ris tão desse m odo. V ocê está p en ­sando rac io n alm en te , está ten tand o com p reen d er coisas es ­p iritu a is com o seu en ten d im en to natura l. M as não pode. Em bora você seja um m estre em Is rae l, te rá que nascer de novo. Terá que fazer-se com o uma crianc in ha, se qu iser en tra r neste reino. Terá que parar de confiar-se a este poder de pensam ento que com o hom em natura l você te m , e te rá que com p reen der a natureza deste novo tip o de pensam ento, que é esp iritu a l. Terá que nascer de novo” .

Todos os que são cris tão s concordarão com isso e o com p reen derão . D izem os que a d ificu ldade com as pessoas não cris tãs é s im p lesm en te que e las não renunciam àquele modo natural de pensar em que sem pre fo ram instru ídas, no qual foram tre in ad as e ao qual se en treg aram . S im ; m as a posição que defendo é que você tem que fa ze r essa renúncia, não so m ente no in íc io de sua vida c ris tã , nem m eram en te na questão do perdão de pecados e do novo n ascim ento . A vida cris tã toda é esp iritu a l, não apenas partes dela , não som ente o com eço.'

A g ora , o p roblem a com tantos de nós, com o foi com este s a lm is ta de antanho, é que, em bora tenham os entrado na vida cris tã e partido de um nível esp iritu a l, tem o s voltado ao racional quanto a p rob lem as p articu la res . Em vez de pensar neles e sp iritu a lm e n te , retrogradam os e pensam os neles cnm o

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se não passássem os de hom ens e m ulh eres natu ra is . Isso é uma coisa que ten d e a aco n tecer conosco durante a nossa vida c ris tã in te ira . Tenho ouvido m uitas vezes c ris tão s que se encontravam em perp lex id ad e e, a té quando estavam expondo o seu problem a, eu p erceb ia que o m esm o devia-se to ta lm e n te ao fa to de que tinh am recaído no n ível racional de pensar. Por exem p lo , quando lhe acon tece a lgum a coisa que você não com p reen de, no in stan te em que co m eçar a sen tir-se m agoado contra D eus, pode fic a r certo de que já recaiu naquele nível racional. Q uando você se queixa de que o que lhe está acon­tecendo não lhe parece ju sto , está im ed ia tam en te rebaixando Deus para o seu próprio n ível de en ten d im en to . Foi exa ta ­m ente o que este hom em fez. M as tudo na v ida c ris tã deve ser observado do ângulo e s p iritu a l. Esta v ida é, toda e la , esp i­ritu a l. Portanto, tudo que nos diz resp e ito deve ser conside­rado e sp iritu a lm e n te — cada fase , cada estág io , cada in te ­resse, cada d esen vo lv im en to .

Ou de ixem -m e fazer esta colocação: em ú ltim a instância os prob lem as e d ificu ld ad es da vida c ris tã são todos e sp iri­tua is , de sorte que, no m om ento em que en tram o s nesse do­m ínio , tem os que pensar de m an e ira esp iritu a l e d e ixar para trás a outra m an e ira de pensar. Isso é p a rticu la rm en te verd a­d e iro com re lação a todo o p rob lem a da com p reen são dos p roced im entos de Deus a nosso resp e ito , Foi esse o proble­ma d este hom em (S alm o 73). Por que Deus p e rm ite estas coisas? — indaga e le . Por que se p e rm ite que os ím pios prosperem ? Se Deus é D eus, por que Ele não os e lim in a da face da te rra? E, por outro lado, se Deus é D eus, por que Ele p e rm ite que eu sofra com o estou sofrendo no presente? Foi esse o p rob lem a, te n ta r en ten d er os cam inhos de Deus. O ra, em ú ltim a análise há só um a resposta. A cha-se em Isaías 55:8 , “ Porque os m eus pensam en tos não são os vossos pen­sam en tos, nem os vossos cam inhos os m eus cam inhos, diz o S e n h o r” . Essa é a resposta fin a l. A p rim eira coisa que você tem que en ten d er, Deus nos diz, é que quando vêm conside­rar-m e a M im e aos M eu s cam inhos, não devem fazê -lo nesse níve! in fe rio r em que estão habituados, porque os M eu s pen­sam en tos são m ais a ltos do que os seus pensam en tos e os M eu s cam inhos são m ais a ltos do que os seus cam inhos, M as, m esm o com o cris tão s , não nos pesa culpa constan te ­m ente aqui? P ers is tim os em pensar com o hom ens e m ulheres

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natura is nestas questões. V em o s que a questão da salvação requ er pensam ento esp iritu a l, m as nas coisas que nos suce­dem o nosso pensam ento é propenso a tornar-se racional outra vez e, portanto , não devem os fic a r surpresos se não e n te n ­dem os os cam inhos de Deus, pois e les são to ta lm e n te d ife ­ren tes dos nossos. A d ife rença en tre os dois pontos de v is ta é s em elhan te a d ife rença e x is te n te en tre o céu e a te rra . E assim , quando sucede algum a coisa que não en ten d em o s, a p rim eira coisa que tem os que indagar de nós m esm os é, "Estou encarando isto esp iritu a lm en te? Estou lem brando que esta é um a questão do meu re lac io n am en to com Deus? Estou seguro de que o m eu pensam ento é esp iritu a l neste ponto? Ou retorne i in con sc ien tem en te ao m eu modo natural de pen­sar acerca destas coisas?

D eixem -m e dar-lhes uma ilustração d everas óbvia. Com m uita freq üênc ia fico conhecendo cristãos que vo ltam in te i­ram en te do pensam ento esp iritu a l para o racional quando fa ­lam de p o lítica . Sobre este assunto não parecem m ais estar fa lando com o pessoas esp iritu a is , io d o s os preco n ce itos do hom em natural en tram em cena, todas as d istin ções de c lasse e todos os argum entos m undanos. Pela conversação de les você não im ag inaria que são cristãos , de je ito nenhum . Fale com e les sobre a salvação, e não deixam dúvida; fa le , porém , acerca destas coisas te rren as , m undanas, e lhes pesará culpa de todos os preconceitos do hom em natura l, da soberba da vida e da m aneira m undana de ver todas as coisas. Com o cris tão s , precisam os ser exortados a não am arm os o m undo com a sua "concup iscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da v id a". As nossas vidas devem ser coe­ren tes . D evem ser esp iritu a is em todos os pontos; não deve haver d iverg ên c ia em parte a lgum a. O cris tão deve v e r tudo de um ponto de v is ta esp iritu a l.

C erta vez Spurgeon d isse aos seus alunos que e les iriam d escob rir que pessoas que nas reuniões de oração oraram com o autên ticos santos, e que g e ra lm en te se com p orta ­vam com o piedosas, num a assem b lé ia da ig re ja poderiam de repen te v ira r dem ônios. A h! a h is tó ria da ig re ja prova que o que e le disse não é senão m uito verd ad e iro . V ocê vê, orando a Deus e las pensam e sp iritu a lm e n te . D epois vêm a um a reu ­nião de negócios da ig re ja e se tornam dem ô nios . Por quê? Porque já partem de m an e ira não esp iritu a l, com base na

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suposição de que há um a d ife ren ç a essen cia l e n tre um a as­s em b lé ia e c le s iá s tic a e um a reun ião de oração. Têm dentro de si um esp írito partid ário , e e le vem para fo ra . S im p les ­m ente porque esquetíem que prec isam pensar esp iritu a lm e n te em tudo. D aí, o p rim eiro princ íp io que firm am o s é que deve­mos ap render a pensar sem p re e s p iritu a lm e n te . Se não o fize rm o s , logo nos verem o s na m esm a posição perigosa que o s a lm is ta descreve tão g ra fica m e n te .

isso me leva ao segundo prin c íp io , que é p u ram ente prá­tico . Com o haverem os de pro m o ver e e s tim u la r o pensam en to e sp iritu a l? |C o m o poderem os levar-nos a nós m esm os a pensar e sp iritu a lm en te? O b v iam en te é essa a n o s s a grande n ecessi­dade. Bem , e s te hom em nos diz com o. “ Q uando pensava em co m p reen d er isto, fiqu ei sobrem odo perturbado; a té que entrei no santuário de Deus: então en ten d i eu o fim d e le s .” O que s ig n ifica isto? D e ixem -m e coíocá-lo deste m odo. Tem os que ap render a d irig ir-n os, bem com o todo o nosso pensam ento , no dom ínio esp iritu a l, e está bem claro com o is to aconteceu no caso do sa lm is ta . A n a lis em o s o processo p s ico lóg ico que e le seguiu . (É fato que e x is te um a psico log ia esp iritu a l e bí­blica, em bora não se lhe cham e assim m uito fre q ü e n te m e n te .) Com o foi que acon teceu no caso dele?

C re io que foi ass im . V im o s que quando e le estava a ponto de d izer o que nunca d everia ser d ito , pensou nos seus irm ãos na fé . Isto o re teve , o firm ou e o segurou. M a s , a fo rtu n ad a­m ente , e le não ficou nisso. “ Tenho que co n s id era r os m eus irm ãos na f é ” , d isse e le . “ M as , quem são e les? O nde posso encontrá-los? S em p re os enco ntro no s an tu ário .” A s s im , foi d epressa para lá. T inha ficad o ausente do san tu ário , como todos nos inclinam os a fa ze r quando en tram o s nessa espéc ie de d ificu ld ad e . O prob lem a com este hom em era que os seus pensam entos g iravam em torno de le próprio , caindo assim num c írcu lo v ic ioso . C o m eçam os a pensar nas co isas desse m odo, ficam os acabrunhados e in fe lizes , e não querem os v er m ais n inguém . Não querem os m isturar-nos com o povo de D eus. F icam os p reo cup ado s com os nossos p ro b lem as — os tem pos d ifíce is que estam o s ten d o , a im pressão de que Deus não e s tá sendo bom para nós e de que estam os sendo tra ta ­dos com m uita dureza. F icam os abatidos e com dó de nós m esm os, e a í ficam o s, g irando e girando nos c írcu lo s da auto- co m iseração . O ego e s tá s em p re no centro d e ste p ro b lem a.

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A prim eira coisa que fazer, pois, é parar com essa p reocupa­ção com o próprio ego e p arar de g ira r e g ira r em círculos ao nível natural!

Como, p o ré m , sair do c írcu lo v icioso? Sugiro que há três coisas im portan tes aqui. Ponho em p rim eiro lugar o que este hom em coloca em p rim eiro lugar — litera lm en té ,i ir à casa de Deus. Q ue esp lên dido lugar é a casa de Deus! M u itas vezes acham os liv ram en to só em en tra r nela. M u itas vezes eu tenho dado graças a Deus por Sua casa . Dou graças a Deus porque Ele ordenou que o Seu povo se reuna em grupos, e O cu ltue ju n tam en te . A casa de Deus m e livrou das “ caxum bas e saram pos da a lm a" m ilh ares de vezes — s im p lesm en te por en tra r por suas portas. Com o funciona? Acho que funciona d este modo: o s im p les fa to de que há um a casa de Deus aonde ír, diz-nos algo. Com o é que isto veio à ex is tên c ia? Foi D eus quem a planejou e ordenou-a. E ntender isso já por si nos coloca im ed ia tam en te num a condição m ais saudável. En­tão com eçam os a re tro c ed e r na h istória , e a nos lem b rar de certas verdades. Cá estou eu, nesta hora p resen te , com este problem a te rr ív e l, m as a ig re ja c ris tã tem e x is tid o todos estes longos anos. (Já estou com eçando a pensar de m aneira in te i­ram en te d iversa .) A casa de Deus cruza os séculos a té o tem p o do nosso Senhor. Por que existe? Qual é a sua s ig n ifi­cação? E a cura se in iciou .

O utrossim , vam os à casa de Deus e para nossa surpresa vem os outras pessoas que para lá fo ram antes de nós. Isso d everas nos surp reen de , porque, em nosso p articu la r aca- brunham ento e p erp lex id ad e, tínham os chegado à conclusão de que ta lve z não houvesse abso lu tam en te nada na re lig ião , e não valesse a pena continuar com ela. M as aqui estão pes­soas que acham que v a ie a pena continuar; e nos sentim os m elh o r. C o m eçam os a d izer: ta lvez eu e s te ja errado; todas estas pessoas acham que há algo nela; e las podem esta r certas . O processo m ed ic in a l prossegue, a cura vai c o n ti­nuando.

D aí dam os m ais um passo. C o rrem o s o o lhar pela con­gregação e de rep en te nos vem os fitando a lguém que sabem os te r passado por um período m uito pior rio que aquele pelo qual estam o s passado. Pensávam os que o nosso prob lem a era o m ais te rr ív e l do m undo, e que ninguém jam a is so fre ra com o nós. Então vem os um a pobre m ulher, v iúva ta lve z , cujo único

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filh o m orreu ou foi m orto . M as ela ainda está a li. Isto coloca o nosso prob lem a im ed ia tam en te num a nova p ersp ec tiva . O grande apósto lo Paulo tem um a palavra para is to , com o para todas as co isas. “ Não veio sobre vós te n ta ç ã o ” , lem bra-nos e le , ‘“ senão hu m an a” (1 C or. 10:13). É ju s ta m e n te aqui que o diabo nos pega. Ele nos persuade de que n inguém jam ais so frera esta provação antes: n inguém jam a is te v e um pro­b lem a com o o m eu, n inguém m ais foi tra tad o desta m aneira . M as Paulo d iz, “ Não veio sobre vós ten tação senão hum ana”— com um aos hom ens — e no m om ento em que você recorda ao m enos isso, sente-se m elhor. Todos os que p erten cem ao povo de D eus têm algum co n h ec im en to d isto; som os c ria tu ­ras estran has, e o pecado te v e um estran ho e fe ito sobre nós. S em pre nos au xilia em nosso s o frim e n to saber que outra pessoa e s tá so frendo tam b ém ! Isto é verdade quanto a nós fis ic a m e n te , e tam b ém é verd ad e ao n ível esp iritu a l. A per­cepção de que não estam o s sós ajuda a pôr a coisa na p ers ­p ectiva c erta . Sou p arte de um a m ultidão; p arece que isso é um a coisa que acon tece ao povo de Deus — a casa de Deus nos faz lem b rar isso tudo.

D epois e la nos recorda de coisas que ficaram m uito lá para trás . C o m eçam os a e stu d ar a h is tó ria da ig re ja a través dos séculos, e re lem b ram o s o que lem os anos an tes , ta lvez algo das vidas de alguns dos santos. E com eçam os a en ten der que alguns dos m aiores santos que adornaram a v id a da igreja exp e rim en ta ra m provações, a fliçõ es e trib u laçõ es que fazem o nosso pequeno prob lem a p erd er im po rtânc ia . A casa de Deus, o santu ário de Deus, faz-nos recordar isso tudo. E im e ­d ia ta m e n te com eçam os a subir, a ir para o a lto , tendo agora o nosso p rob lem a em seu corre to cenário . A casa de Deus, o santu ário do Senhor, ensina-nos todas estas lições . A s pes­soas que neg lig en ciam a freq ü ên c ia à casa de Deus não estão sendo apenas an tib íb licos — d e ixem -m e fa la r com franqueza— são to las . M in h a e xp eriên c ia no m in is té rio ensinou-m e que os que são m enos assíduos em sua freq ü ên c ia são os mais a flig ido s por p roblem as e p erp lex id ad es . Há algo na a tm os­fe ra da casa de Deus. É-nos ordenado que venh am os à casa de Deus para enco n trar o Seu povo. É ordenança de Deus, não nossa. O rdenou isso não so m en te para que possam os encontrar-nos uns com os outros, m as tam b ém para que v e ­nham os a conhecê-IO m elhor. A lém disso, os que não fre-

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qüentam a casa de Deus ficarão decepcionados um dia, por­que nalgum a ocasião favo rec id a o Senhor d escerá em aviva- m ento e e les não estarão a li. É bem to lo o c ris tão que não com p arece ao santu ário de Deus tan tas vezes quantas puder, e que não lam enta quando não pode.

'A segunda coisa que nos ajuda a pensar esp iritu a lm e n te é a Bíblia.' M as nos dias 4.° sa lm is ta as pessoas não d ispu­nham da Palavra de Deus com o eu e você a tem os hoje. Ela não está só no santuário ; é acessíve l em toda parte . V o ltem -se para a Palavra de Deus em casa ou na ig re ja , não im porta onde, e im ed ia tam en te e la os fará pensar e sp iritu a lm e n te . Ela o faz de in con táveis m aneiras. Um a das razões por que Deus nos deu esta Palavra é para ajudar-nos a tra ta r deste problem a que estam os considerando . A p arte h istórica na B íblia, por si só, é in es tim ável, m esm o que não houvesse nada m ais. Tom e um Salm o com o este (73) e sua h istória . Ler s im p le s ­m ente aquilo pelo que este hom em passou m e rea justa , e todas as h istórias b íb licas fazem a m esm a coisa. M as esse não é o único modo pelo qual Deus nos dá e s te grande en s i­nam ento . C o m ecem a le r a B íblia e os seus grandes ensina­m entos e doutrinas, e estarão de novo lem brados dos propó­s itos de Deus e Sua graça para o hom em . E logo com eçarão a s en tir vergonha dos seus to los pensam en tos. A ss im , de v a ­riados modos o m esm o resu ltado é produzido pelas E scrituras.

D epois, e la contém ensin am en to e xp líc ito sobre a questão do so frim en to dos ju stos . Paulo escreve a T im óteo , que estava pronto para lam en tar e queixar-se quando as coisas iam mal, e lhe diz, “ E tam b ém todos os que p iam en te querem v iv e r em C ris to Jesus padecerão p e rs eg u içõ es” (2 T im óteo 3 :12 ). T im ó­teo não podia en ten d er isso. Estava tem ero so porque v ia que os servos de Deus estavam sendo perseguidos, e m uitos s e r­vos de Deus têm sentido a m esm a coisa daí por d ian te . Em outra ocasião Paulo, fa lando às p rim eiras ig re jas c ristãs, d i­zia -lhes que, ‘‘a través de m uitas trib u laçõ es , nos im porta en­tra r no reino de D e u s ” . Se captarm os o ensino de Paulo às ig re jas cristãs p rim itiv as , não ficarem os surpresos com as coisas que nos aco n tecem . Na verdade, ao invés de ficarm os surpresos com elas, quase chegam os ao ponto de esp erar por e las , condição em que sen tim o s com o se d isséssem os: se não estou tendo d ificu ld ad es, o que está errado com igo? Por que as coisas vão indo tão bem com igo? N o utras palavras,

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toda a a tm o sfera da B íblia é esp iritu a l e quanto m ais a lem os, m ais livres ficarem o s do n ível rac ion al, e m ais e levados àque­le n ível su p erio r onde vem os as co isas no p lano e sp iritu a l.

A p enas uma pa lavra sobre o outro au x ílio essen c ia l — oração e m ed itação . É isso que ocorre no santu ário de D eus. O sa lm is ta não foi m eram en te ao ed ifíc io , fo i enco ntrar-se com Deus. O santuário é o lugar em que a honra de Deus habita , o lugar de encontro de Deus e Seu povo. Quando ficam os face a face com Deus e m ed itam o s nEle, é que f in a l­m en te nos libertam o s daquele baixo n ível do p ensam en to ra­cional e recom eçam os a pensar e sp iritu a lm e n te . P ergunto-m e se há a lguém que tenha ficad o surpreso porque não coloquei a oração em p rim eiro lugar, ou pelo m enos antes d este ponto. Estou certo de que há algum as pessoas ass im , porque sei de bom núm ero de cristãos que têm um a resposta u n iversa l para todas as questões . Não im porta qual seja a questão , sem pre dizem , “ O re sobre isso ” , Se um hom em nas condições do sa lm is ta v ie ss e a âlgum de les , e s te lhe d iria : “ V á orar acerca disso ". Q ue fá c il, su perfic ia l e fa lso conselho essas palavras podem ser m uitas vezes — e estou d izendo isso de um púl­pito c ris tão ! Pode ser que perg untem : “ A lgu m a vez será e r­rado d izer aos hom ens que façam dos seus prob lem as um assunto de oração ? ” Nunca é errado, m as às vezes é co m p le ­ta m e n te fú til. O que quero d ize r é isto: todo o prob lem a com e s te pobre hom em (S alm o 73) era, num sentido , que e le estava tão a tordoado em seu p ensam en to acerca de Deus, que não podia o rar a Ele. Se tem o s na m ente e no coração pensam en­tos confusos sobre o m odo de Deus nos tra ta r, com o podem os orar? Não podem os. A n tes de poderm os orar v e rd ad e iram en te , prec isam os pensar e s p iritu a lm e n te . Nada há m ais fá tuo do que ta g a re la r sobre a oração, com o se a oração fosse um a coisa para a qual sem pre pudéssem os co rre r im ed ia tam en te .

Caso duvidem da m inha pa lavra , de ixem -m e c ita r um dos m aio res hom ens de oração que o mundo já conheceu. R e fi­ro-m e ao grande G eorge M ü lle r , de B risto l. G eorge M ü lle r , fazendo pre leção a m in is tro s em particu lar, sobre esta ques­tão da oração, d isse-lhes que durante m uitos anos a p rim eira coisa que fazia todas as m anhãs de sua v ida era orar. Toda­via, veio a d esco b rir que esse não era o m elh o r m étodo. A p ren d era que, a fim de orar v erd ad e ira e e sp iritu a lm e n te , e le tinh a que e s ta r no Espírito , e que p rec isava p rep arar-se p ri­

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m eiro . D esco brira que era bom e sum am ente útil, e agora lhes recom endava en fa tica m e n te , que sem p re lessem uma porção da B íblia e ta lvez algum livro de devoção antes de com eçarem a orar. N outras palavras, e le havia aprendido ser necessário pôr em ordem a si próprio e a seu esp írito , antes de poder orar v erd ad e iram en te a Deus.

O ra, fo i exa tam en te isso que acon teceu a este sa lm is ta . Estava num círculo v ic ioso e, pensando como pensava, não podia orar porque todo o seu pensam ento estava errado. V e ­jam , nos passos que en u m ere i, o seu pensam ento foi co rri­gido, e então passou a e s ta r na condição certa para orar. M u ito fre q ü e n te m e n te desp erd içam os nosso tem po pensando que estam os orando quando não estam os orando, de modo nenhum . M u itas vezes não passa de um clam or em desespero , Toda a nossa m ente está errada, com o tam bém a nossa a ti­tude, e desse je ito não podem os orar,,P recisam os to m ar tem po para orar. Não tem os com eçado a orar a Deus enquanto não p erceberm os a Sua presença, e não percebem os a Sua pre ­sença enquanto o nosso pensam en to acerca dEle não es tiv e r certo . Paulo disse outra vez aos filip e n s es , "Porque a c ir­cuncisão som os nós, que serv im o s a Deus em e sp írito , e nos g loriam os em Jesus C ris to , e não confiam os na c a rn e '1 (F ilp . 3 :3 ). D evem os orar "no E s p írito ” . D evem os estar preparados e sp iritu a lm e n te , e is to s ig n ifica que o nosso pensam ento é reto e verd ad e iro . A s s im , os passos estão p e rfe ita m e n te c e r­tos — a casa de D eus, a Palavra de D eus, a oração a Deus e com unhão com D eus. D e s te m odo, tendo com preendido que todos aqueles outros pensam entos eram b lasfem os e e rrô ­neos, quando o nosso esp írito está lim po e banhado, vo ltam os para Deus e O encaram os, e o nosso e sp írito acha repouso. É esse o processo, ou, m elh or, esse é o com eço. Não te rm i­nam os ainda, m as já conseguim os um ponto de apoio, e é assim que o processo continua. Em a flição , “ até que en tre i no santu ário de D e u s ” — e m e vi face a face com Ele.

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4ENCARANDO TO D O S OS FATOS

‘ ‘Q uando pensava em com p reen d er isto, fiqueisobrem odo perturbado; a té que e n tre i nosantuário de Deus: então en ten d i eu o f im d e le s . ’’ (vs . 16-17)

A g o ra tem o s que ir ad ian te , porque o processo de rec u p e ­ração do sa lm is ta não parou com a sua ida ao santu ário . Esse passo é v ita l, e devo to rnar a sa lien tá -lo . M as não basta . Este hom em foi ao santu ário de D eus, e só isto colocou o seu p ensam en to na a tm o sfera c erta . M as e le fo i a lém . Q ue lhe aconteceu no santuário? Ele nos conta. “ Quando pensava em co m p reen d er isto, fiqu ei sobrem odo perturbado; a té que en tre i no santu ário de Deus: então entendi eu o fim d e le s .”

A p rim e ira pa lavra de que tem o s que tra ta r é esta , “ en­te n d i” . Este é, vo lto a d izer, um daqueles grandes e funda­m en ta is princ íp ios da nossa fé que com ta n ta fac ilid a d e pode­m os esq u ecer. O que enco ntram o s no santuário de D eus não é apenas um a in fluên cia gera l, não é apenas um a questão de a tm o s fera . Quando e s te hom em foi ao santuário de Deus, fo i-lh e dado e ntendim ento . Não se sentiu m elhor, apenas; foi co rrig id o em seu pensam en to . Não apenas esqueceu o seu p rob lem a por algum tem po; achou um a solução.

Pergunto-m e com o se pode colocar is to com s im p lic id ad e e c la reza . Esse ponto é su m am en te im po rtan te . A re lig ião não deve ag ir com o um a droga n arco tizan te em nós. No caso de c ertas pessoas e!a de fa to age com o ta l. Ta lvez seja uma coisa h o rríve l de se d izer, m as, para ser s incero tenho que dizê-la . Há fre q ü e n te m e n te , dem asiado fre q ü e n te m e n te , ju s tific a tiv a para a acusação de que a re lig iã o não passa de “ ópio do po­v o ” . Para m uitos ela é um a fo rm a de narcótico, e nada m ais, e sua id éia da casa de Deus e do culto é só de um lugar onde

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eles podem esqu ecer os seus problem as p ro v isoriam en te . Essa é a razão por que podem in teressar-se pelo aspecto es­té tic o — um belo culto num belo cenário . Não estão in te res ­sados na exposição da V erdade — daí sua p re fe rên c ia por serm õ es curtos. Só estão in teressado s num e fe ito ca lm an te geral e, enquanto estão no culto , esqu ecem os seus p ro b le ­m as. “ Com o é agradável! Q ue b e le za ” — d izem . M as essa não é a re lig ião da Bíblia. “ Então entendi eu o fim d e le s .” O que aconteceu com este hom em não é que e le fo i ao te m ­plo — à ig re ja , com o se diz — e que, ouvindo o som de uma bela m úsica do órgão, e olhando os v itra is e a bela ilu m in a­ção, g rad ativam en te com eçou a sentir-se um pouco m elh or e esqueceu te m p o ra riam en te os seus prob lem as. Não! H avia algum a coisa racional — “ então entendi eu o fim d e le s ” — havia algo que envo lv ia o en ten d im en to .

N unca foi propósito da v erd ad e ira re lig ião produzir um e fe ito gera l. A Bíblia é uma reve lação dos p roced im entos de Deus com resp e ito ao hom em . Seu o b je tivo é dar “ e n ten d i­m e n to ” . Se a nossa p rática da re lig ião não nos dá en ten d i­m ento, então ela é um a coisa que bem pode ser que nos cause dano, e ser-nos-ia m elh or ficar sem e la . Estou certo de que não preciso acentuar m uito a v ita l im portância d isto . Há m uitas coisas que poderíam os fazer, as quais nos fa riam s en tir m elh or te m p o ra riam en te . Há m uitas m aneiras de es­quecer por um pouco de tem po os nossos problem as. Uns vão ao c inem a, outros correm aos bares ou à garra fa de bebida alcoó lica guardada em casa. Sob seus e fe ito s e in fluências sentem -se m uito m elh o res e m ais fe lize s ; seus prob lem as já não parecem tão graves. O utros correm às seitas , com o a C iên c ia C ris tã , por exem plo , que filo so fica m en te é um lixo, mas que m uitas vezes faz a pessoa “ sentir-se m e lh o r” . Há m uitos m odos de dar a lív io tem p o rário , m as a questão é; e les dão en ten d im ento? A judam -nos rea lm en te a en ten der o nosso problem a?

Pois bem , essa esp éc ie de fa lso conforto pode ser dado na casa de D eus. Há alguns que parecem pensar que a coisa certa que fa ze r na casa de Deus é s im p lesm en te pôr-se a can tar corinhos e c erto tip o de hinos a té fic a r quase num estado de. in toxicação. Na verdade, o culto todo tem em v is ta certo “ c o n d ic io n am ento ” . A s pessoas ficam sob algum a in ­f lu ê n c ia em ocio nal, e se sentem m elhor. O mundo faz isso.

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Faz as pessoas cantarem canções côm icas ao som de m úsica apropriada, e e las , sob a sua in flu ência , são levadas a um estado em que decid id am en te se sen tem m elhor, m o m en ta ­n eam en te . Tudo isso pode ser do próprio diabo, pois a prova do va lo r dessas coisas não é se isso m e faz s e n tir m e lh o r ou não, m as sim , se me dá en ten d im en to . “ Então en ten d i e u .”

Jam ais nos esqueçam os de que a m ensagem da B íb lia é dirig ida p rim aria m e n te à m en te — sim , ao en ten d im en to . Q uanto ao evangelho , não há nada que cause m aio r s a tis fa ­ção do que isto . Ele não me dá um a e xp eriên c ia , pura e s im ­p lesm en te ; e le m e capacita a en ten d er a vida. Eu obtenho conhecim ento ; eu obtenho en ten d im en to ; eu sei. Posso dar “ a razão ” da esperan ça que há em m im . Não digo apenas que, “ havendo eu sido cego, agora v e jo ” , sem saber por que ou com o. Eu sei; posso dar razões da esperança que há em m ím . G raças a Deus que este hom em , (S alm o 73) quando entrou no santu ário de Deus, achou um a exp licação . Não foi m era ­m en te um a lív io tem p o rário que e le recebeu ; não foi uma espéc ie d e in jeção que lhe ap licaram para m itig a r a dor m o­m en tan eam en te , nem um tra ta m e n to que d e ixaria o problem a ainda p resen te , de modo que quando e le chegasse em casa e passasse o e fe ito , estaria de novo onde e s tive ra an tes . A b so­lu tam en te não. Tendo com eçado a pensar co rre tam en te no tem p lo de D eus, e le foi para casa e continuou a pensar d i­re ito . E isso acabou levando-o a produzir e s te Salmo!

Entendim ento! Vocês sabem em que têm crido? Sabem em que crêem ? Têm in te resse na dou trina cristã? Q ual é o principal dese jo de vocês? É s im p le sm en te serem fe lize s ou co nhecerem a verdade? Esta é um a das m ais pen etran tes per­guntas que se pode faze r ao povo cris tão . Não perm ita Deus que sejam os pessoas buscando apenas en tre ten im e n to , e cujos serv iço s re lig io sos d e le se ab astecem . Falo para adver­t ir , porque há um risco m uito real d isto . Um a vez tiv e que fa la r num congresso b íb lico fam oso. E stive lá quatro d ias e cada culto tinha com o in trodução quarenta m inutos de m úsica de vários tip o s . Não ouvi a le itu ra das Escrituras nem um a só vez durante o tem po todo daquele congresso b íblico. Um a m i­go m eu te v e um a exp e riê n c ia parec ida num a fam osa ig re ja de certo c o n tin en te , M u ita s pessoas estavam sendo consagra­das para o traba lho nos cam pos m iss io nário s naquela m anhã, e houve tam b ém a m in is tração da C e ia . Houve dois hinos en-

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toados pelo coro, três solos e um a oração bem curta . M as as Escrituras não foram lidas, de m aneira nenhum a. E aquela ig re ja goza grande reputação com o um a ig re ja evangélica , b íb lica . Não obtem os en ten d im en to daquele je ito — com en­tre te n im e n to m usical e m inim izando a le itu ra e exposição das E scrituras. Isso é um a carica tu ra do quadro b íb lico de uma ig re ja . “ Então entendi e u .” É porque tantos são os que não com preendem isso, que estão sem pre resm ungando e se qu e i­xando; e tam bém é essa a razão por que tan ta gente não tem nenhum real d iscern im ento dos tem pos pelos quais estam os passando.

M u ito bem, essa foi a p rim eira coisa que en tra r no san­tu ário fez pelo sa lm is ta . D eu-lhe e n ten d im en to , colocou-o sobre os seus pés. M as devem os levar isso m ais longe. Com o lhe fo i dado en tendim ento? A resposta é que o que lhe acon­teceu no santuário ensinou-o a pensar d ire ito . Noutras pa la ­vras, não som ente o nosso pensam en to deve s e r recolocado em sua própria a tm o sfera , não som ente deve to rnar-se esp i­ritua l,. em vez de ser m eram en te racional; deve haver um a correção nas m inúcias tam b ém . Foi isso que acon teceu com este hom em .

Dividam os isto assim . Diz-nos e le que em p rim e iro lugar certos d efe itos gera is do seu pensam ento fo ram corrig idos, e em segu ida conta-nos que tam bém certos aspectos p articu la ­res do seu pensam ento fo ram corrig idos. No m om ento tra ta ­rem os prin c ip a lm en te dos gera is . A q u i, a p rim e ira coisa ne­cessária é que "o nosso pensam ento se ja in teg ra l, e não par­c ia l. A queda deste hom em fora sustada, m as e le continuava in fe liz . Estava em agonia m en ta l, a té q u e entrou no santúário de D eus. “ Então entendi eu o fim d e le s .” Eis aqui o que e le tinh a esquecido! Seu pensam ento , perceb eu , tin h a sido in­com pleto .

Suponho, em ú ltim a análise , que um dos nossos p rob le ­m as básicos é que o nosso pensam ento ten d e a ser parc ia l e in com pleto . Vocês se lem b ram daquela linha dos escrito s de M a tth e w Arnold , “ Q uem viu a v ida reso lu tam en te , a viu com ­p le ta ” . Não se pode dar a um hom em m aior cu m p rim en to do que d izer-lhe que ele. viu a vida reso lu tam en te e que a v iu com p le ta . C re io que foi o finado conde de O xford e A squith que um a vez d isse que o m aior dom que um hom em poderia te r e ra a capacidade para o que e le denom inou pensam ento

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“ cúb ico", a h ab ilidade de ver todos os lados de um assunto, A verdade é com o um cubo, e devem os v e r todas as suas fa c e ­tas . Falhar em fa ze r isso (d esco b rirem o s ao analisarm o s a nós m esm o s) é o problem a da m aio ria de nós. Tom e o sa l­m ista , por exem p lo . Foi essa o b v iam en te a raiz de todo o seu p rob lem a. Ele estava olhando só um lado, e não v ia nada m ais, e isso o pegou e o segurou . Q ue acon teceu quando e le entrou no santu ário de Deus? C om eçou a v e r os outros lados do cubo. Com eçou a v e r as coisas com o um todo em vez de m eram en te em parte .

Não é esse exa tam en te o problem a com o preconceito? Todos nascem os neste m undo com o c ria tu ras preconceitua- das; e na m aio r p a rte os erros hão de ser, em ú ltim a in stân ­cia, exp licados em te rm o s de p reconceito . O preco n ce ito é um poder que preju lga as q uestões e o faz por b loquear todos os aspectos da verd ad e , exceto um . Esse não p e rm itirá que vejam os os outros. A s pessoas culpadas de preco n ce ito inva­ria ve lm en te ev id en ciam a o rig em do seu p rob lem a. Elas d i­zem : “ Eu sem p re d isse is to " . E xatam ente . Não querem v er nenhum outro lado. O preco nce ito nos prende a um a só face ta e jam a is nos p e rm itirá m udar. O resu ltado é que ficam o s cegos para todos os d em ais lados. Isto exp lica grande p arte da trag éd ia do m undo, e c e rtam e n te exp lica m uitos de nossos erros.

O ra, m inha opin ião é que todos os que não são cristãos estão rea lm en te nessa condição, porque não vêem a s ituação toda. É isso que exp lica a descren ça, é isso que exp lica a m aio ria dos erros que as pessoas co m etem na v ida . Tom e, por exem p lo , o m ate ria lis m o . A filo so fia do m ate ria lis m o já não é tão popular com o fo i. Para o fim do sécu lo passado ela era a filo so fia dom inante: tudo era exp licado à luz dela. Já não é popular, porque a novel fís ic a n uclear está rea lm en te esm a­gando toda a f ilo so fia m a te ria lis ta , pois aquela nos diz que m esm o os ob jetos m ate ria is estão cheios de m ovim ento e fo rça . Nada é es tá tico ou in erte . Há forças, poderosas forças, em toda p arte , e o que cham am os de m até ria não é nada senão poderosa energ ia a tô m ica que m antém ju n tas certas coisas. Se se d issesse isto há c inqüenta anos, te r ia sido considerado um a b las fêm ia c ie n tífic a . A p ersp ec tiva m ate ria lis ta estava no com ando. Por quê? Estavam olhando so m en te um lado; não

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conheciam todos os fa to s . A g o ra a v isão m ate ria lis ta da m a­té ria te ve que de ixar a cena.

Posso ilu s tra r a m esm o coisa nos dom ínios da m ed ic ina. O que se faz na m edicina hoje — e de ixem -m e lem b rar-lhes de que há m odas até na m edicina — é fa la r sobre m edicina psico-som ática. A fin a l, a p rofissão m édica descobriu que o pacien te p ropriam ente dito é im p o rtan te . A té rec e n tem en te o seu in te resse p arec ia e s ta r na doença ou em partes p articu la ­res do corpo hum ano, enquanto que o pacien te m esm o era ignorado. Um hom em ia a um m édico e o m édico só se in te ­ressava pelas dores que e le sen tia no estôm ago. E os m édicos explicavam as dores de estôm ago com o devidas, assim pen­savam e les , a condições localizadas no estôm ago — acidez, etc. Nos m eus dias de estud ante , se m e perguntassem qual a causa m ais com um da dor de estôm ago, e eu d issesse, "preo cup ação e ang ústia", achariam que havia algo errado com igo e re je ita r ia m a m inha resposta como a n tic ie n tífic a . M as agora d esco b riram que esse é rea lm en te a resposta. O corpo hum ano e o seu funcion am en to não é só m atéria fís ica; sua m ente é ig ualm ente im p ortan te no contexto da sua saúde. A angústia , a preocupação, todas essas coisas fazem a m ente enviam m ensagens a partes locais do corpo. O corpo não é só m atéria , nem só m ate ria l. H o je se com preende a im portância da m ente , apesar de que até agora o e lem en to ou fa to r esp i­ritual ainda não é reconhecido . O u e ira Deus que logo e les venham a v er que o esp írito é tão im po rtan te com o a psiquê.

Do m esm o modo eu poderia m o strar-lhes que toda a idéia sobre o hom em com o um a unidade econôm ica se baseia na m esm a fa lác ia . O p rob lem a é que e les vêem so m ente um aspecto . Quando d izem que isso é tudo, s im p lesm en te rev e ­lam preconceito e esqu ecem outros fa to s , ig ualm ente im por­ta n tes . Para os que acred itam na econom ia, todo o p roblem a do hom em é econôm ico . Não, diz outro hom em , não a eco­nom ia, m as a b io log ia, e este por sua vez está pronto para su g erir que a pessoa toda e todo o seu co m portam ento podem ser exp licados em te rm o s do eq u ilíb rio das suas glândulas endócrinas.

O utros dizem que tudo isso está co m p le tam en te errado, e que o hom em é ess e n c ia lm e n te in te le c tu a l. Parecem pensar nele com o puro in te le c to assentado num vácuo, in te ira m e n te racional, sem nenhum outro fa to r em sua constitu ição! Não

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vam os desen vo lver m ais isto, m as não é óbvio que o p rob lem a com todas estas te o rias é que o lham só um lado, um aspecto , e assim as suas soluções são p arc ia is e in com pletas? O que elas estão esquecendo, e o que tan tas outras estão esq u e­cendo, é a própria v ida . Estão esquecendo os s en tim e n to s , e fa to res com o as em oções. Estas co isas são deixad as fo ra e, contudo, e las são p arte in teg ran te da v ida; na verd ad e , são cen tra is . Cobiças, dese jo s, pecado, m al, todas estas coisas entram no quadro, todos estes fa to s fazem -nos o que som os e fazem a v ida o que ela é. “ E x is tem m ais coisas no céu e na te rra , H orácio , do que as sonhadas por sua f ilo s o fia .” É isso que devem os d izer ao hom em m oderno. Essa foi a colocação fe ita por S hakesp eare . E é bem provável que Brow ning o d isse m elhor. Lem bram -se daquele grandioso poem a, Bishop Blou- g ra m ’s A p o log y (A D e fesa do Bispo B lougram )? Lem bram -se da e n tre v is ta en tre o ve lh o bispo e o jo vem jo rn a lis ta que f ic a ra in sa tis fe ito com a re lig ião cristã? O jo vem ia repensar a v ida c o m p le tam en te , la rom per com tudo que lhe tinh am ensinado no passado, ia e stu d ar bem as coisas todas e e la ­borar um a nova filo so fia . O velho bispo d isse, noutras p a la ­vras: V ocê sabe, eu já fui m oço e fiz e xa tam en te a m esm a coisa. Eu achava que tinh a p e rfe ito en ten d im en to , ju n tava todas as p artes com p onentes , tin h a um esqu em a com p le to e um a filo so fia de vida; eu achava que nada poderia derrubar isso, m as — “ E xatam ente quando estam os m ais seguros, há um toque do o caso ” . P rec isam ente quando pensam os que tem os a v ida toda “ bem arru m ad a ” , p rec is a m e n te quando pensam os que a nossa filo s o fia está p e rfe ita ,

E xatam ente quando estam os m ais seguros, há um toque do ocaso,

um a fan tas ia de cam pânula , a m o rte de a lguém , o fina l de um coro de Eurípedes, e isso é s u fic ie n te para c inqüenta

esperan ças e te m o res , —o grande Talvez.

V e jam o que Brow ning quer d izer. Com a nossa m ente racional traçam o s o nosso plano de vida e acham os que po­dem os e xp licar tudo, e que estam os preparados para tudo.

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M as ju s ta m e n te depois de te r fe ito isso, fazem os, ta lvez , um passeio pelo cam po — contem plam os o pôr do sol, um esp lên ­dido e dourado pôr do sol que nos com ove a té às profundezas do nosso ser de um modo in exp licáve l. Ou pode ser “ uma fan tas ia de cam p ân u la” ou “ a m orte de a lg u é m ” . A nossa filo so fia não inclui isto, nem o exp lica . Há um m is té rio nisto que não podem os p en etrar. “ O grande T a lvez"! No fim das contas há algo m ais que está a lém , acim a e por trás de tudo que podem os com p reender.

“ E isso é su fic ien te para cinqüenta esperanças e tem o res , —

o grande T a lv ez .”Ou, com o o coloca Tennyson:

Nossos s is tem inhas têm seu dia e logo deixam de ex is tir;

são só frag m en to s da Tua luz,e Tu, Senhor, és m ais do que e les.

É isso que o hom em vê quando entra no santuário de Deus. C om eça a v e r as coisas com o um todo, lem bra-se de coisas que esqu ecera ou ignorara. O apóstolo Paulo coloca isto num a frase m arav ilhosa. Houve um tem p o em que e le odiava o nom e de Jesus de N azaré e p ersegu ia o Seu povo. Ele achava que estava prestando serv iço a Deus quando m atava cristãos . M as quando O viu e veio a conhecê-IO , tudo se tornou novo e, re fle tin d o sobre a sua v ida antiga , disse: “ Bem tinha eu im aginado que contra o nom e de Jesus, o nazareno, devia eu p raticar m uitos a to s ” (A tos 2 6:9 ). P rec isam en te . Ele pensava “ consigo p ró p rio ” , em vez de pensar com C ris to . Era precon ce ito . “ Eu pensava com igo m esm o ” (com o diz a versão usada pelo au to r). Enquanto eu e você pensarm os conosco m esm os, nunca verem o s a vida verd ad e ira .

Não é e s te o prob lem a todo da vida de hoje? Li um livro destinado a dizer-nos com o a v ida deve ser regu lada e d irig ida neste país. É um livro e fic ie n te ; a argu m entação , achei, é m uito co nvincen te. O esquem a para a d ireção econôm ica e social deste país p arec ia p e rfe ito . M as havia um d e fe ito : o hom em que o escreveu nada sabia acerca da doutrina do pe­cado. Se todos neste país fossem p erfe ito s , aquele esquem a seria p e rfe ito . M as o au tor esqueceu que os hom ens e mu-

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Iheres não v ivem por ideais , e s im por dese jo s, que som os governados pelo que querem os e por aquilo de que gostam os. Tem os paixões e cobiças. Som os c ria tu ras m arcadas pe la ava­reza e pe la inveja , por anseio s e pe la sen su a lid ad e. Essas coisas estão em nossa própria co n stitu ição . O próprio homerri fo ra esquecido naquele livro; e essa é a fa lác ia m áxim a e a causa do fracasso de todos os s is tem as id ea lis tas já propos­tos pelo hom em . Podem os p lan e ja r abo lir a guerra e es tab e ­lecer um p erm an en te estado de paz neste m undo. Tais planos são todos p erfe ito s na te o ria , m as esquecem a avareza , esque­cem o dese jo , esqu ecem estas fraq u ezas que estão na natu­reza hum ana, e ainda na própria m en te do hom em . Podem os produzir um esquem a p e rfe ito , e depois a lguém — ta lvez um m em bro do próprio grupo ou congresso que p lanejo u o es­quem a — de rep en te dese ja algo m ais , e o nosso esquem a p e rfe ito dá em nada.

Tem os que encarar todos os fa to s . "E ntão en ten d i eu o fim d e les ." H avia fatos que e le não tinh a considerado, havia e lem en to s não abrangidos por e le . Inclua todos os fa to s; pense com o um todo; pense em você m esm o com o um todo. Dê-se conta da condição co rru p ta da sua própria n atureza hum ana. D ê-se conta ig u a lm en te de que você não é apenas corpo . Exis­tem outros fa to res na v ida e, a m enos que você os tenh a con­s iderado , não conhece v e rd a d e ira m en te a v ida . Estas outras coisas im portam . Erga os olhos para o “ m is te rio so u n ive rso ” e te n te exp licá-lo . V e ja com o você se encaixa ne le . V e ja o seu m is té rio e a sua m arav ilh a . V ocê pode red u zir isso tudo ao n íve l m ate ria l som ente? C laro que não; nem m esm o o c ie n tis ta pode. Ou, to m em o s um livro de H is tó ria . V e jam os com o funciona a H is tó ria , observem os os seus processos. P oderem os, rea lm en te , exp lic ar a H is tó ria toda em te rm o s da evolução? E nfrentem o s os fa to s. Ah! a in sen satez do hom em que diz que os hom ens estão fican do cada vez m elh o res auto­m aticam en te ! Poderia a lguém d izer, à luz das coisas que e s ta ­mos lendo c on s tan tem en te nos jo rna is , que o hom em está no rum o da p erfe ição , que é m elh o r do que era? Leiam os a H is ­tó ria , o lhem o-la com o um todo, e verem o s que o hom em ainda se com porta com o o hom em em pecado sem pre se com portou .

A g ora o lhem para C ris to . O lhem Sua v ida , o lham o re ­g is tro do que Ele fez . D etenham -se d ian te da cruz, encarem -na e te n tem exp licá-la . D epois o lhem para a h is tó ria da Ig re ja , dos m ártires e dos santos. A b ran jam tudo. Não se contentem

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com nada m enos que tudo. D epois subam à a ltu ra m áxim a e se ponham d iante de D eus. A fa lta de pensam ento v erd a ­deiro é o nosso prob lem a princ ipa l, pois se não pensarm os em todos os aspectos e fases , se não encararm os todos os fa to s, in ev ita ve lm en te nos e x trav ia rem o s . Portanto, se alguém acha que tem algum res s en tim e n to contra a v ida e contra Deus, e se tem pena de si m esm o, tenho apenas um a palavra para d izer-lhe: vá depressa ao santuário; considere todos os fa tos; recorde as coisas que esqueceu.

Há, todavia , m ais um princíp io . Este hom em viu que o seu pensam ento não apenas de ixara de levar em consideração todos os fa to s, viu tam bém que não pensara nas coisas de fo rm a exau stiva . M u ito s dos problem as da v ida hoje se devem ao fa to de que as pessoas ainda continuam a não pensar bem nas coisas. Este hom em só olhava a prosperidade dos ím pios. M as quando entrou no santuário de D eus, logo pôde d izer: “ Então entendi eu o fim d e le s" .

Esse é um grande te m a da B íblia. Tiago tem uma im por­tan te pa lavra para d izer sobre o caso de Jó. Diz e le: “ O uvistes qual foi a paciên cia de Jó, e v is te s o fim que o Senhor lhe d e u ” (Tiago 5 :11 ). Jó passara por um duro período, e não podia enten der aquilo . Ele não tinh a pensado no “ f im ” visado pelo Senhor. O epílogo da h is tó ria , conform e o ú ltim o cap ítu lo do livro, é que Jó, que fo ra despojado de tudo, acabou tendo m uito m ais do que tiv e ra . Esse é “ o f im ” que o Senhor te v e em m ente . Prossiga até o fim . Não pare a m eio cam inho. Não é esse o argum ento do Salm o 37? O que o sa lm is ta diz lá é que tinha v is to o ím p io com grande poder e espalhar-se com o uma árvore v e rd e ja n te , m as quando chegou o fim , e le tinh a desaparec ido da face da te rra e n inguém podia achá-lo. D aí ele diz, “ Nota o hom em s incero , e considera o que é reto , porque o fu tu ro ” (ou “ o f im ” ) “ desse hom em será de p az” (vers ícu lo 37). A im p ortân c ia do “ f im ” é algo co n stan tem en te salien tad o na Bíblia.

O nosso Senhor expressou isto um a vez para sem pre no serm ão do m onte: “ Entrai pe la porta e s tre ita ; porque larga é a porta, e espaçoso o cam inho que conduz à perd ição , e m uitos são os que en tram por ela; e porque e s tre ita é a porta, e apertado o cam inho que leva à vida, e poucos há que a en­c o n tre m ” . V e jam o s o que Ele está d izendo. O lhem a porta larga, quão m arav ilhosa parece! Podem en tra r com a m ultidão ,

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pod em fa ze r o que to d o s os dem ais estão fa ze n d o , e eles estão sorrindo e brincando. Largos e espaçosos são a porta e o cam inho. Tudo p arece tão m arav ilhoso! E a o u tra porta p arece tão m ise ráv e l — “ e s tre ita é a p o rta 1'. Um por vez, uma decisão pessoal, co m b ate r o ego, to m ar a cruz. “ E s tre ita é a porta, e apertado o cam in h o .” E é porque só o lham para o com eço que tan tas pessoas estão no cam inh o largo. Q ue é que há com elas? Não o lham para o fim . “ Larga é a porta, e espaçoso o cam inho que conduz à p erd ição ." E s tre ita é a porta, e apertad o o cam inh o", m as — e esse é o fim — esse “ leva à v id a ” .

O fim de um é perd ição , do outro , v ida. O p rob lem a da vida hoje é que as pessoas só o lham para o com eço . Sua visão da vida é o que podem os den o m in ar v isão c in e m a to g rá ­fic a da vida, ou de e s tre la de c inem a. S em pre a tra i, e todos os que levam essa vida, a p are n tem e n te estão ten d o um te m ­po m arav ilhoso . Pena é que m uitos jovens são levados a pensar que isso é vida, e que v iv e r sem p re desse m odo deve s er a suprem a fe lic id a d e . M as o lhem o fim dessas pessoas. V ejam -n as en trando e saindo dos trib u n a is de d ivórc io , tra n s ­form ando o casam ento em p ro s titu ição lega lizada , indignas de te re m filh o s por causa do seu ego ísm o e porque não saberiam criá-los. M as as pessoas se sen tem atra íd as pe la aparência . O lham so m en te para a s u p e rfíc ie ; o lham apenas para o co­m eço. Não olham o fim desse tip o de vida; não ded icam pen­sam en to nenhum ao resu ltado fin a l. Todavia, é verdad e hoje, com o sem p re fo i, e a B íblia sem pre o d isse, que o fim dessas coisas é “ p e rd iç ão ” .

Não há nada tão d esesperad o r no m undo, em ú ltim a aná­lise , com o a bancarro ta da v isão não c ris tã da v ida . V ocês sabem que C h arles D arw in , au tor de A O r ig em das Espécies, confessou no fim da vida que, com o resu ltado de concen trar- se num só aspecto da v ida , p e rd era a capacidade de d e s fru ta r poesia e m úsica e, em grande parte , a té m esm o a capacidade de ap re c ia r a própria natureza? Pobre C h arles D arw in ! A q u e le que costu m ava d e s fru ta r poesia quando jo vem , agora, in fe liz ­m en te , em sua v e lh ic e não achava p razer ne la , e a m úsica v e io a não s ig n ific a r nada para e le . C o n cen trara -se ta n to nos p o rm en o res de um a área da v ida , que d e lib e ra d am e n te res ­tr in g ira o seu cam po de v isão , em vez de d e ixar que o g lo ­rioso panoram a do todo lhe fa las s e . O fim de H. G. W e lls foi

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bem s em elh an te . A q u e le que re iv in d icara tan to em favor da m en te e do en ten d im en to hum ano, e que rid icu lariza ra o c ris ­tian ism o com as suas doutrinas do pecado e da salvação, no fim da vida confessou-se co m p le tam ente fru strad o e desn or­teado . O próprio títu lo do seu ú ltim o livro — M in d at the End of its Tether (A M en te sem m ais Recursos) — dá e loqü ente testem u n h o do ensino bíb lico sobre a tragéd ia do fim dos ím píos. Ou considerem a frase da au tob io gra fia de um racio- nalis ta como o dr. M a rre tt, que foi d ire to r de uma facu ldade em O xford . Ele escreve algo assim : "M a s para m im a guerra tro u xe repentino fim ao longo verão da m inha vida. D o ravante não tenho nada para p re libar, senão um frio outono e ainda m ais gé lido inverno e, contudo, devo de algum modo te n ta r não cair no d esân im o ” . A m orte dos ím pios é coisa te rr ív e l. Leiam as b iografias de les . Seus dias b rilh an tes fin d aram . Q ue têm eles agora? Não têm nada para antegozar e, com o o f in a ­do Lord S im on, procuram consolar-se rev ivendo seus sucessos e triun fo s do passado. É esse o fim dos ím pios.

C o ntras tem isso com a vida p iedosa, que na s u p erfíc ie parece, a princíp io , e s tre ita e m ísera. M esm o um p ro feta v e ­nal com o Balaão, mau como foi, en ten d ia um pouco disso. "Q u e eu m orra a m orte dos justos, e o m eu fim seja com o o d e le ” , d isse e le . Noutras palavras, "Tenho que d izer isto, estes justos sabem m orrer; eu gostaria de poder m o rrer com o e le s ” . No Livro de Provérbios lem os que “ o cam inho dos ím pios é com o a escu rid ão ” . “ M as a vereda dos justos é com o a luz da aurora que vai brilhando m ais e m ais até ser dia p e rfe ito ” (P rovérb ios 4 :19 ,18 ). Q ue g lória! V o ltem o s ao Salm o 37: "N o ta o hom em s incero , e considera o que é reto , porque o fu turo desse hom em será de paz” . E depois ouça o apóstolo Paulo. A desp eito de todas as suas tribu lações e p erseg u ições , suas provações e decepções, ouça-o como e le en fre n ta o fim : "P or­que eu já estou sendo oferec ido por aspersão de s ac rifíc io , e o tem po da m inha partida está próxim o. C om bati o bom com bate , acabei a carre ira , guardei a fé . D esde agora, a coroa da ju s tiça me está guardada, a qual o Senhor, justo ju iz , me dará naquele dia; e (graças a Deus por isto) não so m en te a m im , mas tam b ém a todos os que am arem a sua v in d a ” (2 T im óteo 4 :6-8 ). Essa é a m aneira de m orrer; essa é a m a­neira de te rm in a r. U m a das m ais orgulhosas a leg açõ es de

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John W e s le y em favo r dos seus p rim eiros m eto d is tas era, ‘‘Nossa g ente m orre b e m ” .

A Bíblia em toda p arte nos concita a cons iderarm os o nosso ‘‘ in ev itáve l f im ” . Não freq ü en tem o s a ig re ja s im p le s ­m ente para con s id erar as nossas persp ec tivas p resen tes ; con­s iderem os o nosso in escapável fim . ‘‘O f im .” Com o seria g lo ­rioso para nós todos, poder encará-lo com o o fez o apóstolo Paulo, e poder d izer, “ D esde agora, a coroa da ju s tiça m e está guardada, a qual o Senhor, ju s to ju iz , m e dará naquele d ia ” . O modo de a lguém poder d ize r isso, e de e s ta r certo de que receb erá aquela coroa, é p rim e iro o lhar as duas p o ss ib ilid a ­des, vendo-as com o um todo, e, tendo fe ito isso, ir im ed ia ta ­m ente a Deus e confessar a sua ceg u eira , o seu preco n ce ito , a sua insensatez em confiar em seu próprio en ten d im en to , e então pedir-Lhe que o receba. D iga-Lhe que você ace ita a Sua m ensagem concern en te a Jesus C ris to Seu Filho un igénito , que ve io ao m undo para m o rre r por teus pecados e para lib e r­ta r-te . Renda-se a Ele e confie nEle e em Seu poder. E n tre ­gue-se in con d ic ion a lm en te a Ele em C ris to , e verá a v ida com in te ireza e bem -aventurança que você jam a is conheceu antes . E o fim será g lorioso . Sua vered a será com o a luz da aurora que vai brilhando m ais e m ais, por m ais escuro que o mundo possa fic a r e, m esm o na som bra da m orte , irá brilhando m ais e m ais a té o dia p e rfe ito . “ Então entendi eu o fim d e le s .”

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5CO M EÇAND O A CO M PREENDER

C e rtam en te tu os puseste em lugares escorregadios: tu os lanças em destruição.Como caem na desolação, quase num m om en to ! f icam to ta lm ente consumidos de terrores.Como faz com um sonho, o que acorda, assim, ó Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência deles. (vs. 18-20)

Tem os chegado ao ponto em que v im o s o pensam ento do salm is ta corrig ido de modo geral. Prosseguim os agora, para co nsiderar como e le foi corrig ido tam b ém em certos aspectos p articu la res .

Com o vim os no cap ítu lo an terio r, e le descobriu que o seu p ensam ento sobre os ím pios fora su m am en te de fe itu o so . A li estava e le no tem p lo . M as qual era a origem do tem plo? Essa pergunta o fez considerar toda a h is tó ria do povo de Deus e de todos os seus in im igos, e a oposição que te ve de en fre n ta r e subjugar. E sem pre a narra tiva era que Deus lib erta ra Seu povo e d erro tara os seus in im igos. A h istória da ig re ja c ris tã d everia faze r a m esm a coisa por nós. Lord M acau lay d isse um a vez: “ N inguém que este ja co rre tam en te in form ado quanto ao passado estará inclinado a te r uma m elancó lica e desalen- tadora visão do p re s e n te ” . Se isso é verdade em gera l, é p a rticu la rm en te verd ad e iro nos dom ínios da fé cris tã . É a nossa ignorância da h istória da ig re ja , e p a rticu la rm en te da h istó ria reg istrad a na B íblia, que tão fre q ü e n te m e n te nos faz tro p eçar e desesperar.

Então, qual é o ensino da Bíblia com respe ito a isto? A p rim eira coisa que vem os é que ela nos dá h is tó ria rea l. É im possível lem brarm os dem ais de narra tivas com o as do dilú-

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vio, de Sodom a e G om orra, dos filis te u s , ass írio s , bab ilôn ios e de Belsazar. Todas e las ensinam a m esm a lição, a v itó r ia de Deus sobre os Seus in im igos. S obressaindo a todas e las, po­rém , vem o grandioso fa to da ressu rre ição , que m ostra Deus triu n fan do fin a lm e n te sobre o diabo e todas as suas forças. V ê-se a v itó ria , em sua continuação, em A to s dos A p ósto los , e um a grande visão do fim nos é dada no Livro de A p o ca lip se .

A h is tó ria da ig re ja c ris tã , desde os dias dos apóstolos, dá continu idade à m esm a narração. Sabem os o que aconteceu com todos os poderes, quais sejam o dos ju deu s, o dos rom a­nos, e tc ., que ten taram e x te rm in a r a ig re ja c ris tã . Tam bém conhecem os as h istórias ép icas dos m ártires e dos prim itivo s cris tão s fié is d ian te dos perseg u id o res , da Ig re ja W a ld en se , dos p rim eiro s p ro tes tan tes , dos puritanos e dos pactuários (C o ve n a n te rs ). Na verdade, e s te m esm o sécu lo em que v iv e ­mos nos tem fo rn ec id o ainda outras provas.

A Bíblia, todavia , não faz m ero reg is tro da h is tó ria . Aju- da-nos a en ten d er o sentido da h is tó ria . Ensina certos prin ­c íp ios com m uita clareza? O p rim e iro é que todas as coisas, m esm o os poderes do m al, estão sob a m ão de D eus. Com o o s a lm is ta o expressa aqui, no vers ícu lo 18, “ C e rta m e n te os puseste em lugares esco rre g a d io s ’’ . Eles não são agentes liv res . Nada acon tece à p arte de D eus. “ O Senhor re in a .” “ Por m im reinam os re is .” É de v ita l im p ortân c ia que entendam os a doutrina da prov idência . Esta pode ser d e fin id a com o, “ A q u e le continuado exerc íc io da en erg ia d ivina pelo qual o C riad o r m antém todas as Suas cria tu ras , age em tudo que há pelo m undo, e d irig e todas as coisas para o seu fim d e te rm i­nado” . Deus é sobre todos e, com o lem os no Salm o 76:10, “ Porque a có lera do hom em redundará em teu louvor, o res ­tan te da có lera tu o re s tr in g irá s ” . Em conexão com isto , de­vem os lem brar-nos da vontade perm iss iva de D eus. Está além do nosso en ten d im en to , m as nos é c la ram en te ensinado que Ele p e rm ite que certas coisas aconteçam para os Seus pró­prios propósitos.

'• O u tra coisa que vem os c la ram en te aqui é que toda a s i­tuação dos ím pios é precária e perigosa. Eles estão em “ lu­gares esco rre g a d io s ” . Tudo que e les tem é apenas tem po rário . O sa lm is ta viu su b itam en te com c la reza o que M o isés viu quando escolheu “ antes ser m altra tado com o povo de Deus do que por um pouco de tem p o te r o gozo do p ecad o ” . A

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ve lh ice e a decadência , a m orte e o ju ízo, são in ev itáve is . A coisa m ais te rr ív e l acerca do pecado é que e le cega os ho­m ens, im pedindo-lhes a percepção d isto . Parece que e les não vêem que sua pom pa e g lória são por pouco tem po. "O Senhor reina; trem am as n açõ es .”

O sa lm is ta viu isso tão c la ram en te no santuário de Deus que, não som ente deixou de invejar os ím pios, m as dá-nos a im pressão de que a té com eçou a s e n tir tris te za por e les quando com preendeu a verdade sobre a s ituação de les. A ss im , o seu pensam ento a resp e ito dos ím pios foi corrig ido , e ta lvez não exista m elhor te s te da nossa própria profissão de fé c ristã do qué este . S entim o s tris te za pelos ím pios em sua cegu eira? Tem os s en tim ento de com paixão por e les quando os vem os com o ovelhas sem pastor?

A gora nos pom os a considerar o próxim o passo e a de­m onstrar com o o pensam ento deste hom em foi corrig ido tam ­bém quanto a D eus. Já vim os com o o seu pensam ento acerca de Deus andara c o m p le tam en te errado porque e le com eçara de modo errado acerca dos ím pios, e, ass im , chegara ao ponto de questionar e in qu irir o próprio Deus. D iz e le: “ Na verdade que em vão tenho purificado o m eu coração e lavado as m inhas m ãos na in o cên c ia” . Noutras palavras, “ Tenho procurado obe­d ecer a D eus, m as rea lm en te parece que não va le a pena. É Deus o que Ele diz s e r? ” O ra, é te rr ív e l pensar isso; e é par­tic u la rm e n te nisso que precisam os concentrar-nos agora. Este hom em nos m ostra com o o seu pensam en to acerca de Deus fo i corrig ido . Num sentido e le já d isse isso: “ C e rtam en te tu os puseste em lugares esco rreg ad io s” . No m om ento em que e le p ro fere essa pa lavra “ tu" nós sen tim o s que a s ituação toda está com eçando a m udar.

Q ue será que foi a justado quando e le com eçou a pensar certo so b re Deus? A cho que a p rim e ira coisa foi a sua a titu d e para com o c ará te r de Deus; porquanto, aquilo de que e s te hom em com eçara a duvidar era o próprio c a rá te r de D eus. M uitos dos sa lm is tas , com estranha e notável honestidade, confessam que fo ram ten tado s dessa m esm a fo rm a. Por exem plo , no Salm o 77 essa m esm a coisa é expressa c la ra ­m ente . Indaga o sa lm is ta : “ R e je ita rá o Senhor para sem p re e não to rnará a ser favoráve l? Cessou para sem pre a sua be­nignidade? A cabou-se já a prom essa que ve io de geração em geração? Esqueceu-se Deus de te r m is e r ic ó rd ia ? .. . É esse o

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tip o de pergunta que faziam , e, com o s a lie n te i logo de in ício, alguns dos m aiores santos fo ram ten tad o s, às vezes , a faze r essas perguntas quando as co isas eram contra e le s . Bem , este hom em , de igual m odo, e s tiv e ra fazendo as m esm as pergun­tas: Deus se im porta, e se se im porta, por que não detém estas coisas? S erá que Ele não pode? A ss im , dúvidas acerca do c ará te r de Deus levam a dúvidas acerca do Seu poder.

Q uantas vezes as pessoas têm fe ito essas perguntas! Q uantas vezes as pessoas d iz iam , na ú ltim a guerra m undial: por que Deus p e rm ite que v iva um hom em da la ia de H itle r? Se Ele é D eus, e on ip o ten te , por que não o abate? D aí a p er­gunta se insinua por si m esm a: será que Deus é incapaz de fazê-lo? Ou: tem os estado enganados em nossas id é ias acerca de Deus? Tem os estado errados em nossas idéias acerca da Sua m isericó rd ia , da Sua com paixão e da Sua bondade? Por que Ele não arrasa estas pessoas que se opõem a Ele e a Seu povo? São essas as questões que ten dem a ag ita r as nossas m en tes nos tem pos de provação.

Pois bem , e s te hom em fora assaltado p rec isam en te por essas questões; e aqui, agora, enco ntra a sua resposta. Im e­d ia tam en te é corrig ido ao reco rd ar a grandeza e o poder de Deus — “ tu os p useste em lugares e sco rreg ad io s". Não há nada que es te ja fo ra do contro le de D eus. M u ito s Salm os expressam isto, com o por exem plo o Salm o 50. Este é, de fa to , um dos grandes tem as da B íblia, Não há lim ite para o poder de D eus. Ele é e terno em todos os Seus poderes e em todos os Seus a trib u to s . ‘ ‘Ele fa lo u , e tudo se fe z .” Ele criou tudo do nada; Ele suspende o un iverso no espaço. Leia certos cap ítu los grandiosos do Livro de Jó (o cap ítu lo 28, por e xe m ­plo) e o acharão expresso de m an e ira a m ais estupenda.

“ No princ íp io D e u s .” Este é um postulado fundam en ta i; a B íb lia o a firm a em toda p arte . Q ua lq u er que seja a e xp lica ­ção de tudo que está acontecendo no m undo, não é que Deus seja incapaz de im pedi-lo . Não é que Ele não possa d e ter essas coisas, porque o poder de D eus, por defin ição , é ilim i- tá ve l. Ele é abso luto; Ele é o e terno , o sem p ite rn o Deus para quem tudo na te rra é apenas com o nada. A Ele tudo pertence; Ele governa, Eie contro la tudo; todas as coisas estão em Suas m ãos. “ O Senhor re in a .” O ra, essa é a p rim e ira coisa acerca da qual es te hom em foi en d ire itad o , e isso com m uito c lareza.

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M as, em segundo lugar, e le foi corrig ido tam b ém na ques­tão da re tid ão e ju s tiça de D eus. Essa é a ordem em que essas coisas surg em . Se Deus tem o poder, por que não o exerce? Se Deus tem a capacidade de d e s tru ir todos os Seus in im igos, por que p e rm ite que façam as coisas que fazem ? Por que se p e rm ite que os ím pios prosperem ? Q ue d izer da ju s tiça e da re tid ão de Deus? A resposta é dada nas palavras de Abraão: “ Não fa rá ju s tiça o Juiz de toda a te rra? " (G ênesis 18:25). Este é um postu lado tão fundam enta l com o o que se re fe re à grandeza, poder e m ajes tad e de D eus. Deus é e te rn a ­m en te ju sto e reto . Deus não pode m udar. Dus não pode (d i­go-o com re fe rê n c ia , é parte da verd ad e concernente à san ti­dade de D eus) — Deus não pode ser in justo . Ê im possíve l.

Tiago faz esta colocação: “ N inguém , sendo ten tad o , diga: De Deus sou ten tado ; porque D eus não pode ser ten tad o pelo m al, e a n inguém te n ta ” . Ele é o “ Pai das luzes, em quem não ha m udança nem som bra de v a ria ç ão ” (Tiago 1 :13 ,17). Se fosse possível haver qualquer m udança ou m odificação em Deus, Ele não seria m ais D eus. D eus, segundo Ele próprio Se nos reve lou , é, de e te rn id ad e a e tern id ad e , sem pre e para sem pre o m esm o; jam a is qualquer d ife ren ça , jam a is qualquer m odificação. A ss im A b raão está o b v iam ente c erto quando diz: “ Não fa rá ju s tiç a o Juiz de toda a te rra? " Ele não pode ag ir doutro m odo. Tem os que co m p reen d er isto, de m odo que, quando form os ten tados pelo diabo, ou por nossa própria con­dição, ou por qualquer s ituação que o diabo possa usar, a arg iiir a ju s tiça de D eus, en tendam os que o que estam os re a l­m ente fazendo é dar a idéia de que é possível Deus so fre r variação e m udança. M as isso é im p o ss íve l. Não pode, porque Deus e, pelo que Ele é, jam a is pode haver qualquer variação em Sua ju s tiça ou re tid ão , jam a is pode haver qualquer questão de in ju s tiça ou de fa lta de retidão .

M as devem os ir a lém disso. O sa lm is ta foi a lém disso e chegou ao ponto em que descobriu que a a liança de D eus, e as prom essas de D eus, são sem pre fié is e sem pre seguras. Noutras palavras, Deus não é som ente ju sto e reto , m as ta m ­bém tem Se com p rom etido com o hom em . Ele fez c e rtas pro­m essas. Portanto, a seg u in te grande dou trin a da B íblia é que as prom essas de Deus são sem pre certas e seguras; o que Ele p rom eteu , com a m áxim a segurança e certeza executará . Os irm ãos hão de (em brar-se da palavra de Paulo a Tito; e le

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se re fe re a ‘ ‘Deus, que náo pode m e n tir” (T ito 1 :2). E não pode m en tir, novam ente pe la m esm a razão que D eus é D eus. Q uando D eus faz um a prom essa, é c erto que essa prom essa será cum prida. Todas as suas prom essas são abso lu tas, e seja o que fo r que Ele tenha d ito , c e rta m e n te irá fazer:

Pois Suas m ercês sem p re duram ,sem pre fié is , sem pre seguras.

O ra, isso era ab so lu tam ente im p o rtan te para e s te sa l­m ista , porque, com o m em bro do povo de D eus, e le tinh a co­n h ec im en to da a liança. Ela conhecia as p rom essas fe ita s por Deus ao Seu povo e com o Ele m esm o Se dera com o penhor delas. D eus havia d ito ao Seu povo que e le era esp ec ia l, " p e ­c u lia r” , e que Ele te ria um in te res s e p a rticu la r ne le , que o am ava e estava in te ressado em sua p rosperidade e fe lic id a d e , que cu idaria d e le e o aben ço aria , a té que fin a lm e n te o rec e ­beria para Si m esm o.

O sa lm is ta , com o v im o s, fo ra ten tad o a p erg untar: ‘‘Se isto é ass im , por que estou d este je ito ? ” M as agora, no san­tu ário de D eus, e le descobre que a sua a titu d e era e rrad a, e vê que D eus age in d ire ta m e n te , bem com o d ire tam en te . Foi no santu ário de Deus que e le viu isso. Se os irm ãos lerem os vers ícu lo s que se segu em , verão com o e le desen vo lve a questão toda. Diz e le: “ Todavia estou de contínuo contigo; tu m e seg u raste pela m inha m ão d ire ita . G uiar-m e-ás com o teu conselho, e depois m e receb erás em g ló ria .” Ele vê isso tudo, e com ta n ta c la reza , que quando escreveu e s te S alm o, com e­çou d izendo: "V e rd a d e ira m e n te bom é Deus para com Is ra e l”— m esm o quando p arece que tudo é adverso , Deus é sem pre bom para com Is rae l, nunca quebra um a prom essa. Estes são o que sem p re devem os con s id erar com o postulados funda­m enta is em todas as nossas re laçõ es com D eus, e jam a is de­vem os c ed er à ten tação de q u estio n ar ou argü ir coisa nenhu­m a re fe re n te a e les .

A ss im vem os que o s a lm is ta foi corrig ido em seu pensa­m ento sobre D eus, p rim e ira m e n te em re lação ao c ará te r de Deus. C ontudo, a inda nos d e fro n tam o s c.om nossa principal questão . Se agora sei que D eus tem todo o poder e que nada o pode lim ita r, que Ele é sem p re ju sto e reto , que sem pre é fie l à Sua a liança e às Suas prom essas, pergunto pois: então, por que se p e rm ite que os ím pios flo resçam e prosperem

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deste je ito , e por que os justos tantas vezes hão de ver-se num estado de so frim ento? N isto está o âm ago da questão que sem pre tem perturbado a hum anidade e que provavel­m ente está sendo levantada por m ilhões de pessoas em d ife ­rentes p artes do mundo neste m om ento: por que Deus per­m ite esta espéc ie de coisa?

O sa lm is ta descobriu a resposta na casa de Deus. Ele a expressa de m aneira m uito in te ressan te . Encontrarão a m esm a resposta em vários Salm os e, na verdade, em m uitos outros lugares nas E scrituras. Aqui é dada em palavras que podem ser d escritas como um ousadíssim o antrop om o rfism o . D iz o sa lm is ta que a exp licação é que Deus, por enquanto, parece e sta r dorm indo. “ Q uando acordares, desp rezarás a aparência d e le s ” , diz e le no vers ícu lo 20. O ra, isso é um a n tro p o m o rfis ­mo. N outras palavras, o sa lm is ta , para tra n s m itir o que tinha descob erto no santuário de D eus, tem que colocá-lo em te r ­m os hum anos. Por causa das lim itaçõ es do nosso pensam ento e da nossa linguagem , e le em prega um a rep resen tação fig u ­rada em term os do que é certo quanto a nós hom ens. Deus não pode dorm ir; m as parece esta r com o alguém que dorm e. Não é que Ele não tenha poder, mas no m om ento está dor­m indo. Não é que tenha esquecido de ser m isericord ioso; Ele está dorm indo. Esse é o argum ento.

Um a declaração s em elh an te se acha no Salm o 74, v e r ­sícu lo 22, onde, após d escrever a deso lação da ig re ja e o modo pelo qual o in im igo entrou e a reduziu a ruínas, o sa l­m ista te rm in a com um a oração. D iz e le : “ Levanta-te, ó D eus, p le ite ia a tua própria causa. . . . ” . Parece que é com o se e le se vo ltasse para Deus e d issesse: "Ó D eus, por que não acor­das ?Levanta-te, ó D eus. . . . ” . É a m esm a idéia . No Salm o 44:23 é ainda m ais e xp líc ita : “ D esp erta ! por que dorm es, Senhor? acorda! não nos re je ite s para sem p re". Eis aqui um hom em em desespero . Vê a deso lação produzida pelo in im igo; vê o sucesso dos ím pios e o so frim en to dos ju stos . Ele sabe que Deus é justo e on ipoten te; assim , voltando-se para Deus, diz: “ D esp erta ! por que dorm es, S enhor?" Por que não Te m anifes tas? Todas estas re fe rên c ias expressam a m esm a idéia , e essa é a id éia que devem os exam inar m inuc iosam ente agora.

Por que Deus parece e s ta r dorm indo assim ? A n te s de chegar à resposta esp iritua l a esta pergunta, devo faze r uma

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digressão por um m om ento — para ind icar a g ro sse ira in coe­rência que se deve v e r no argum ento das pessoas que fr iv o ­lam en te questionam o c a rá te r e o poder de D eus. Há tan ta g ente que diz: Se Deus é D eus, e se Deus tem o poder, e se Deus é m iserico rd ioso e am oroso, porque não d e stru iu um hom em com o H it le r no in ício do seu reg im e? Por que não o elim in o u , e a todas as suas tro pas, deste m odo poupando sofrim en to ? Por que não in te rfe riu m ais cedo? Por que não Se m an ifestou? Esse é o a rgum ento que e las ap resen tam e, contudo, g e ra lm en te essas pessoas são as m esm as que fa lam m ais a lto daquilo que alegam sobre o liv re -a rb ítr io do hom em . Se a lguém com eçar a preg ar-lhes sobre as dou trin as da graça, se m encionar term o s com o "p re d e s tin a ç ã o ” e “ os e le ito s ” , elas serão as p rim eiras a d izer: “ S ustento que tenho livre-ar- b ítrio ; tenho d ire ito de fa ze r o que eu qu iser com a m inha v id a ” . E n tretanto , são essas pessoas que d izem que Deus devia e xe rce r o Seu poder e as Suas forças sobre outros. Não podem os te r os dois m odos de ag ir. Se querem os que Deus se m an ifes te em certas coisas, Ele te rá de fazê-lo em todas as coisas, não apenas naquilo que nós esco lhem os. Há to ta l incongruência no argum ento . Q uando essas pessoas estão pensando noutras, esperam que Deus as contro le ; m as quan­do pensam em si m esm as, d izem : “ É m uito errado, D eus con­tro la r-m e. Sou livre ; devo te r p erm issão para fa ze r o que eu quero; sou um a pessoa liv re , devo te r a m inha lib e rd a d e ” . S im , e las devem te r liberdade , m as as outras pessoâs não!

C o isa m ais grave: por que Deus parece e s ta r rea lm en te dorm indo? Q ue acham vocês? Por que p erm ite que os ím pios flo resçam deste modo? Há certas respostas bem defin idas para essa questão nas E scritu ras . P rim eiro , não há dúvida nenhum a de que uma das razões é que D eus p e rm ite estas coisas a fim de que o pecado se ja reve lado pelo que e le rea l­m ente é, para que Ele lhe p e rm ita m an ifes tar-se e m ostrar-se em toda a sua fea ld ad e . Se querem um a exposição c lássica disso, encontrá-la -ão na segunda m etade do p rim e iro cap ítu lo de Rom anos, onde Paulo traça o d ec lín io e a queda na h istória da hum anidade. O apósto lo estava escreven do sobre a c iv ili­zação, ou socied ade, dos seus d ias. Ele descreve a te rr ív e l v ileza e sord idez da v ida , dá-nos aquela horrível lista de pe­cados, as p erversões sexuais e todas as outras coisas que c aracte rizavam a v ida naquele tem p o . E diz e le que a real

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explicação disso tudo é que a hum anidade, tendo substitu ído o C riado r pela cria tu ra , e havendo-se rebelado contra a santa lei de D eus, fo i en tregue por Deus a um a m enta lidad e repro ­vada. Deus retirou o Seu poder res trin g e n te . P erm itiu que o peado se desenvo lvesse e se reve lasse por aquilo que e le é rea lm en te .

S eg u ram en te isso é um a coisa que prec isam os recordar hoje. N e s te m om ento se dá m uita a tenção à condição m oral deste país, e isso com m uito acerto . Por que é necessário isso? Opino que a resposta ainda é p rec isam ente a m esm a. Os nossos pais e antepassados fo ram cada vez m ais voltando as costas para Deus. Puseram em dúvida a autoridade das Escri­turas — isso foi fe ito até nos púlp itos — e o hom em se tornou a au toridade. O que o hom em pensa sobre a B íblia, o que o hom em pensa sobre D eus, o que o hom em pensa sobre m ora­lidade, tornou-se a norm a. O hom em se colocou na posição de autoridade e recusou a autoridade de Deus; e hoje estam os colhendo as conseqüências disso. Deus, por assim d izer, v o l­ta-se para a hum anidade e diz; “ M u ito bem ; vou s im p lesm en te deixar que vocês v e jam para onde as suas idéias e as suas filo so fias le v am .” H o je estam os com eçando a ver o que o pecado é rea lm en te . Ele está se revelando em sua to rpeza . Nós o estam os vendo em todo o seu com p le to horror, so rd i­dez e m align idade. É fora de dúvida que Deus, para ensinar aos hom ens a excess iva m align idade do pecado, às vezes re tira o Seu poder res trin g e n te e p e rm ite que os ím pios dêem o seu salto . Dá-lhes corda, e todo o estado das coisas aparece em suas verd ad e iras cores. O pecado é ignorado pelos f iló ­sofos; os psicólogos ten tam negá-lo de vez. M as estam o s v en ­do-o pelo que e le é — esta horrível e sórd ida perversão e luxúria . A í está e le , no coração dos doutos com o tam b ém no dos ile trad o s, em todas as c lasses e cam adas da sociedade.

Essa é um a razão. Não é a única, porém ; pois não há dúvida de que Deus p e rm ite esta esp éc ie de coisa tam bém em p arte com o castigo do pecado . Se lerem Romanos cap í­tulo 1, verão que este ponto aparece ali tam b ém . N outras palavras, Deus re tira o Seu poder res trin g en te , às vezes , a fim de que as pessoas colham algum as das conseqüências dos seus pecados, e por in te rm éd io d isto Ele as pune. Por na­tu reza som os todos um, no sentido de que dese jam os os pra- zeres do pecado sem as conseqüências; dese jam os poder

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pecar e não so frer por isso. Não podem os, p orém , pois "os ím pios não têm paz, d isse o S en h o r” . Deus fez o hom em assim e, por essa razão, so fre rem o s e às vezes Deus p e rm ite que o m undo en tre num estado de in iqü idade com o p arte da sua punição. Não hesito em a firm a r que essa é a única exp licação real das duas guerras m undia is . É, em p arte , D eus d is trib u in do castigo à hum anidade por todas as suas a titud es de d esa fio a Ele durante os ú ltim os cem anos. Deus de ixa as coisas se de­senvo lverem para que a hum anidade colha as conseqüên cias daquilo que e la sem eou. S e "sem eam o s v e n to ” , bem podem os “ co lher te m p e s ta d e " . E tem o s exp erim en tad o isso no curso de nossa própria v ida.

Q ue é que vem em seguida? C re io que Deus p e rm ite que o m al e os m a lfe ito re s dêem o seu próprio salto ; dá-lhes corda, licença, por assim d izer, para to rnar a sua ru ína m ais co m p le ta e certa . A h is tó ria b íb lica é rea lm en te um a expo­sição d este p rincíp io . Deus p arece dorm ir, e o in im igo se levanta . B lasfem a do nom e de D eus. Pensem no caso da A s s ír ia . Os ass írios se levan taram contra o D eus de Is rae l, e Deus p erm itiu que tudo aco n tecesse. Eles se in flaram quase até aos céus e d isseram : “ Nada pode d e ter-n o s .” Então D eus, de súbito , furou a bolha e o im p ério todo entrou em colapso, e a d erro ta fin a l fo i d everas grande. É quando o grande fa n ­fa rrão acaba de fa ze r a sua o sten tação d ecis iva , que e le é posto abaixo . Se Deus o tiv es s e derrubado logo no com eço, não pareceria tão m arav ilhoso . A ss im é que Deus p e rm ite que o m al e as forças do m al façam coisas espantosas para o m undo, tan tas e ta is que a té os justos com eçam a perg untar: será que Deus consegue fa ze r parar isto? Então, quando o fim está para chegar, Deus Se levanta e e les vão para baixo. A í a d e rro ta do in im igo é m aior e m ais com p leta .

Então, outra vez, Deus o p e rm ite para d em o n strar a Sua grandeza e g ló ria na d erro ta im posta a tão grande e poderoso in im igo. Deus Se levanta e o abate , e todos quantos o vêem te m e m e ste o n ipo ten te e g lorioso Deus. Tudo isso está bem ilustrado no fim de A tos cap ítu lo 12. Um rei cham ado H erodes, assentado num trono, fez um grande d iscurso a certas pessoas e, depois de p ro ferid a a sua oração, o povo ficou bradando, dizendo: “ Voz de D eus, e não de h om em ” . Então se nos diz que Deus enviou um anjo e fe riu aquele hom em ‘porque não deu g lória a D e u s ” . “ E, com ido de bichos, exp irou . E a palavra

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de Deus cresc ia e se m u ltip lic av a ." O b servem o con tras te . A pom pa e a grandeza fo ram esface ladas; m as a Palavra de Deus, que o insensato rei estava ten tand o d estru ir, cresceu e se m ultip licou , e assim se m an ifes tou a g lória de Deus.

A ú ltim a explicação que eu gostaria de tra n s m itir é esta: não há dúvida nenhum a de que Deus p e rm ite que os ím pios prosperem para d isc ip linar o Seu povo. Lam ento te r que dizê-lo, m as devo. Precisam os de ser d isc ip linados. Q uantas vezes Deus levantou in im igos contra os filhos de Israel para discip liná-los! Eles, os Seus esco lh idos, tinh am -se tornado neg lig en tes e estavam se esquecendo de D eus. Ele contendia com e les, enviava-lhes pro fetas , m as e les não davam atenção. D aí Ele levantou a A s s íria , levantou os caldeus, para aço itar, para co rrig ir o Seu povo. E não hesito em a firm a r que m uitas destas coisas que tivem o s que suportar neste século acon­te ce ra m , pelo m enos em p arte , porque nós, povo de Deus, tivem os necessidade de receb er d isc ip lina . A h! a própria ig re ja foi a principal responsável pe la ação de so lapar a fé que as pessoas tinham na Palavra de D eus, e não adm ira qiie as coisas este jam agora com o estão . Pode ser que tenham os que suportar m uito m ais, para que sejam os hum ilhados e derribados, e levados a co m p reen d er que som os povo de Deus e que tem o s que Lhe obedecer e co n fia r nEle, e nEle so m ente .

A í estão, parece-m e, a lgum as das respostas dadas nas E scrituras quanto o porquê às vezes parece que Deus está dorm indo.

M as isso não esgota o que o sa lm is ta aprendeu no san­tuário a respe ito dos p roced im entos de D eus. Ele foi co rri­gido acerca do cará te r de D eus, e agora percebe que a e xp lica ­ção é que Deus só parece es ta r dorm indo. D epois e le te rm in a com o que sucede quando Deus acorda. “ Com o caem na deso­lação, quase num m om ento! ficam to ta lm e n te consum idos de te rro re s . Com o faz com um sonho, o que acorda, ass im , ó Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência d e le s .” Q ue está dizendo ele? A p rim e ira coisa é que Deus acorda: “ Quando acordares ." Isto vai aco n tecer. Deus não está dor­m indo p erm an en tem en te . Q uando Ele v i e r . . . Há um lim ite para aquilo que Deus p e rm ite aos ím pio s. C e rtam en te lhes p e rm ite que façam m uita coisa, m as há um fim para a la r­gueza e para a aparente licença que Deus dá aos Seus in im i­gos. “ Não contenderá o m eu Espírito para sem pre com o

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h o m e m .” Q uanto tem p o vai durar isto? U m a chave para a res ­posta , dada por Deus na h is tó ria antiga , é que os ju s to s devem esp erar, “ porque a m edida da in ju s tiça dos am orreus não está ainda c h e ia ” . Há um lim ite . D eus acorda, Deus acordará.

Q ue aco n tece quando D eus acorda? Este hom em nos conta com m uita c la reza o que vai a co n tecer então com esses prósperos ím pios. Diz e le: “ C om o faz com um sonho, o que acorda, ass im , ó Senhor, quando acordares, d esprezarás a aparên c ia d e le s ” . Q ue quadro! A q u e le ím pio , que p arec ia tão grande e m arav ilhoso , se desvan ece com o um sonho quando D eus Se levanta . É com o se e le não passasse de um fan tasm a, um a im ag em , uma aparência , e nunca tiv es s e sido um a re a li­dade. O s ím pios que p arec iam tão poderosos, tão au to -su fi­c ien tes e quase in d es tru tíve is , desaparecem com o um re lâm ­pago quando Deus Se levanta . A B íblia está rep le ta d isto. Leiam Isaías cap ítu lo 40 e verão a li que Deus diz que, para Ele, as nações são apenas “ com o a gota de um balde, e com o o pó m iúdo das b a lan ças” . Estas grandes nações com as suas bom ­bas a tôm icas e suas bom bas de h idrogênio , estas poderosas nações! Não passam de um a gota num balde, ou do pó m iúdo das balanças. E não só isso. O uça o sarcasm o e a zom baria . Todas as nações da te rra são “ com o g a fan h o tos” , m esm o a G rã-B retanha, os Estados Unidos e a União S o v ié tica ! Já ex is ­tiram outros im périos, nações e com unidades de nações antes; m as todos se fo ram porque não se subm eteram a D eus. Todas as nações da te rra são apenas com o gafanhotos — quando Deus acorda.

P erm itam -m e dar só m ais um exem plo; é um dos exe m ­plos m ais notáveis da h is tó ria . Vocês já leram sobre A lex a n ­dre o G rande, assim cham ado, um dos m ais habilidosos ge­nera is de todos os tem pos, grande m onarca e poderoso guer­re iro . Ele conquistou quase todo o mundo então conhecido. Sabem com o as Escrituras o cham am ? Leiam a B íb lia do co­m eço ao fim , e nunca acharão o nom e de A lexan d re o G rande. Não é m encionado. M as A lex a n d re o G rande aden tra as E scri­tu ras , e você verá o modo com o Deus se re fe re a e le em D aniel cap ítu lo 8. Com o W a lte r Luthi ass ina la , aquele que para o m undo é^Alexandre o G ran de, para Deus é “ um bo d e” ! Q uando Deus se levanta — A lex a n d re o G rande se torna um bode! Q uando Deus se levanta , é isso que acon tece a nações, im périos , indiv íduos, a todos. “ Quando a co rd ares” ; e Ele tem

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acordado. Leiam a h is tó ria reg istrad a na B íblia e verão que Deus Se levanta, e quando isso acon tece, os Seus in im igos são dispersos e reduzidos a nada.

Contudo, a m ensagem fina l que nos vem disso tudo é que estes grandes eventos da h is tó ria que já acon teceram são apenas uma pálida som bra e, ao m esm o tem po, um vigoroso aviso daquilo que está para acon tecer. O mundo é ím pio; é anticristão ; rid icu lariza a graça de Deus e o S alvador do m un­do, espec ia lm ente o santo sangue da Sua cruz. O m undo é arrogante e se gaba do seu pecado, M as o apóstolo Paulo, que havia sofrido fo rte p ersegu ição , escreven do sua segunda carta aos tessa lo n icen ses , diz-nos o que vai acon tecer, “ D e m aneira que nós m esm os nos g loriam os de vós nas ig re jas de Deus por causa da vossa paciência e fé , e em todas as vossas perseguições e a fliçõ es que suportais; prova c lara do ju s to ju ízo de Deus, para que seja is havidos por dignos do reino de Deus, pelo qual tam b ém padeceis; se de fa to é justo d ian te de Deus que dê em paga trib u lação aos que vos a tr i­bulam , e a vós, que sois a trib u lados, descanso conosco, quan­do se m an ifes tar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, com o labareda de fogo, tom ando v ingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evan ­gelho de nosso Senhor Jesus C ris to ; os quais por castigo padecerão eterna perd ição , an te a face do Senhor e a g ló ria do seu poder, quando v ie r para ser g lo rificado nos seus santos, e para se fazer adm irável naquele dia em todos os que c rê e m . . . ” . (2 Tess. 2 :4-10)

Isso é tão certo com o o fa to de que estam os vivos neste m om ento. O Senhor v irá cavalgando as nuvens do céu e todos os Seus inim igos serão desbaratados e derro tados. S atanás e o in ferno e todos os que se opõem a Deus serão lançados no lago de fogo e “ padecerão e terna perd ição, ante a face do S enh o r” . Esse é o fim dos ím pios. Esse é o poder e g ló ria do Deus a quem am am os, adoram os e serv im o s. Se a lguém não enten de o que está acon tecendo, coloque-o nesse contexto . Deus é Deus. Deus é santo e ju sto . O que Ele p rom eteu , c e r­ta m e n te executará . Ele p e rm ite estas coisas para os Seus propósitos. Vem o dia em que Ele Se levantará e d ispersará os Seus in im igos, e o reino de Jesus C ris to se esten derá “ de m ar a m ar” e “ ao nom e de Jesu s” se dobrará “ todo o jo e lh o dos que estão nos céus, e na te rra , e debaixo da te rra , e toda

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a líng u a” confessará "q u e Jesus C ris to é o Senhor, para g lória de D eus P a i” ,

G raças a Deus que Suas prom essas são sem p re firm e s . P erm ita Deus que todos nós possam os ver, co n h ecer e en­te n d e r os Seus cam inhos e d esem baraçar-n os, um a vez para sem p re , de toda dúvida pecam inosa e de todo in te rro g ató rio indigno.

6E X A M IN A N D O -SE A SI M ESM O

A s s im o m eu coração se azedou, e s into p icadas nos m eus rins. A s s im m e em brutec i , e nada sabia; era como an im al p e ran te ti. (vs, 21-22)

C hegam os aqui a m ais um estág io ainda no re la to que e ste hom em faz da c rise pe la qual passara em sua a lm a e em seu santo proceder. V im o -lo corrig ido em seu pensam ento acerca dos ím pios e em seu pensam en to acerca de D eus.

A g o ra passam os à consideração de com o e le fo i co rri­gido num te rc e iro aspecto , o do seu pen sam en to acerca de si m esm o. Isto e le d escreve de m an e ira notável e severa nos dois vers ícu los que estam o s considerando . O b servem p ri­m eiro o notável co n tras te que ap resen tam com o que e le tinha d ito antes sobre si m esm o nos vers ícu lo s 13 e 14. D isse e le a li: "N a verd ad e que em vão tenho purificado o m eu coração e levado as m inhas m ãos na inocência . Pois todo o dia tenho sido a flig id o , e castigado cada m anh ã” . Está com pena de si m esm o. Não há nada errad o com a sua vida. Ele é um bom hom em . M as está sofrendo pesada pressão , está sendo tra tad o in ju s tam en te , e a té Deus p arece e s ta r sendo in justo com ele. Dessa fo rm a pensava acerca de si próprio enquanto e le estava fora do santu ário . D en tro do santu ário , porém , tudo isso m u­dou “ A ss im o m eu coração se azedou, e sinto p icadas nos

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m eus rins. A ss im m e em b ru tec i, e nada sabia; era como anim al peran te t i ” . Q ue transfiguração! Q ue conceito com ­p le ta m e n te d ife re n te de si m esm o! E tudo é resu ltado de te r sido corrig ido o seu pensam ento , tornando-se o m esrno v e r­d ad e iram en te esp iritu a l.

O ra, esta é uma questão da m aior im portância , e um ponto su m am en te im p ortan te em toda a evolução do ensino deste Salm o. S e jam os francos e sinceros e adm itam os que som os m uito propensos a deter-nos antes deste ponto. Ficam os bem conten tes quando lem os sobre os ím pios — e não sei de ninguém que se tenha sentido mal com um serm ão que m ostra com o os ím pios fo ram colocados em lugares escorregad ios . D epois há aquela grande e sublim e doutrina sobre Deus — "re in a o S en h o r” . Todos gostam os de ouvir sobre isso. A c e i­tam os o ensino sobre a condenação dos ím pios, e tem os pra­zer em le r sobre a g lória e a m ajes tad e de Deus, porque isso nos faz sen tir que tudo vai fic a r bem para nós. O perigo que correm os é o de parar nesse ponto e não prosseguir. Todavia, este hom em vai ad iante e, ao fazê-lo , não so m en te reve la a sua hon estidade e s incerid ade , e a verac id ad e que constitu ía uma tão essencial p arte da sua e s tru tu ra , m as tam bém — e é isto que eu quero s a lie n ta r — dem o nstra com preensão da natureza da vida esp iritu a l.

N estes dois vers ícu lo s (vs. 21-22) tem os a narra tiva que este hom em faz do seu a rrep en d im en to . C onstatam os no seu m onólogo o que e le d isse acerca de si m esm o e, em p a rti­cular, acerca da sua conduta recen te . É, de fa to , um clássico exem p lo de auto-exam e honesto. Convido vocês a conside­rá-lo com igo por causa da sua im p o rtan te relação com a d is­c ip lin a c ris tã . Este a rrep en d im en to , este estado em que a l­guém faz uma pausa, olha para si m esm o e fa la consigo acerca de si próprio, é um dos m ais essencia is e v ita is aspectos daquilo que com u m ente se cham a d isc ip lina da vida c ris tã . Não peço desculpa por frizá-lo de novo, porque é um a questão que está sendo s eria m e n te neg ligenciad a nos dias p resen tes . Q uantas vezes ouvim os fa la r da d isc ip lina c ris tã hoje em dia? Q uantas vezes nós fa lam o s sobre isso? Q uantas vezes se vê rea lm en te no cerne do nosso v iv e r evangélico? Houve tem po na ig re ja c ris tã quando isso estava no centro m esm o, e é, creio p ro fundam ente , devido à nossa n eg ligência desta d is­c ip lina que a ig re ja se acha em sua presente condição. Na

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verdad e , não ve jo esperança nenhum a de um v erd a d e iro avi- vam en to ou d esp ertam en to enquanto não re to rn arm o s a ela .

A o abordarm os e s te grande assunto , d e ixem -m e com eçar dizendo que m e parece haver dois princ ipa is perig o s em co­nexão com e le e, com o n o rm a lm en te sói ser o caso, e les estão em ex trem o s opostos. Som os c ria tu ras dadas a e x tre ­m os, tom ando posição num e x trem o ou noutro . A d ificu ld ad e é andar na posição certa , ev itan d o as reações v io le n ta s ; pois a verd a d e ira posição na v ida c ris tã está g e ra lm e n te no m eio , en tre os dois ex trem o s . U m p erigo que costu m ava ser bas­tan te com um era o da m orb idez e da in tro sp ecção . Eu d iria que não é a d ificu ld ade m ais com um e n tre as pessoas c ris tãs na época p res e n te , em bora a lgum as c e rtam e n te a inda e s te ­jam su je itas a e la . C re io que é c erto d ize r que em algum as p artes da G rã-B retanha com o, por exe ip p lo , nas reg iões m on­tanhosas da Escócia, os irm ãos a inda enco n trarão aquilo a que m e re firo . Tem po houve em que isto era m u ito com um lá e noutros lugares en tre as pessoas de o rig em c é ltic a . Eu m esm o fui criado num a a tm o s fera re lig io sa dada a esta te n ­dência , onde as pessoas passavam m uito tem p o das suas vidas, senão o tem p o todo, an alisando-se e condenando-se, conscien tes un icam en te da sua ind ign idade e da sua fa lta de id oneidade. Com o resu ltad o desta a titu d e , as pessoas se to rnam in tro sp ectivas e se vo lta m para dentro de si m esm as. Estão sem p re tom ando o seu pulso esp iritu a l e a sua te m ­p eratura e s p iritu a l, e quase se subm ergem n este processo de autocondenação.

D e ixem -m e contar-lhe a h is tó ria de uma das m ais p a té ti­cas cenas que já te s te m u n h e i. Eu estava ao lado do le ito de m o rte de um dos m ais santos e p iedosos hom ens que já tiv e o p riv ilég io de conhecer. No quarto estavam suas duas f i ­lhas — am bas já bem en trad as na m eia idade. O ancião , o pai, sabia que estava m orrendo, e a única coisa pel qual se sentia in fe liz e ra o fa to de que nenhum a das suas filh as era m em bro da ig re ja , ou jam a is tinh a partic ipad o da ce ia do Senhor. Era um fa to v e rd a d e ira m e n te espantoso, porque duas m ulh eres m ais p iedosas ou m ais a tivas quanto à v ida da ig re ja que e las freq ü en tavam seria d ifíc il achar. M as e las não eram m em bro s da ig re ja . Por que nunca p artic ip aram da ceia do Senhor? A resposta e ra que e las se sen tiam indignas disso; achavam que não eram aptas para v ir à M e s a , tão

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cônscias eram das suas fa lhas e dos seus pecados e d e fe ito s . A li estavam duas m ulheres cris tãs das m ais exc e le n tes m as, devido à sua in trospecção, porque e las se vo ltavam para si m esm as, achavam que não tinham d ire ito de p a rtic ipar da vida m ais ín tim a da ig re ja .

Pois bem , esse tipo de coisa era então m uito com um . As pessoas se punham de pé nas reun iões da ig re ja só para d izer que eram te rr ív e is pecadoras e para acentuar com o tinham fa lhado. Esperavam que cheg ariam ao céu, m as não podiam v er com o criatu ras tão indignas poderiam chegar lá. Talvez os irm ãos tenham conhecim ento dessa a titu d e por suas le itu ras . Esta era c e rtam e n te a ten d ên c ia nas vidas dos piedosos John F le tch er e H enry M arty n . Não eram casos extrem os; m as, obv iam ente , e les tinham essa ten d ên cia , e isto era um a ca­ra c te rís tic a da re lig io s id ad e daquela época.

M as esse não é o perigo hoje, de m aneira nenhum a, es­p e c ia lm en te não é, se posso dizê-lo , aqui em Londres e nos círcu los em que se m ove a m aio ria de nós. De fa to , o perigo en tre nós é c o m p le tam en te d iverso; é o perigo contra o qual o p ro feta Jerem ias nos a d verte quando fa la dos que “ curam a fe rid a da filh a do m eu povo lev ian am en te , d izendo: Paz, paz; quando não há p az” . É o ex trem o oposto da outra te n ­dência. É a ausência de um a verd ad e ira e p iedosa tris te za pelo pecado, junto com a ten d ên c ia de poupar-nos e de conside­rar-nos m uito s u p e rfic ia lm e n te , assim com o os nossos peca­dos, d e fe ito s e fracassos.

D eixem -m e expressá-lo m ais d ras ticam en te ãinda. C re io que há um perigo m uito real e n tre alguns, em p articu la r en tre os evangélicos , de em p reg ar mal a doutrina da salvação, de em p regar mal as grandes doutrinas da ju s tificação som ente pela fé e da segurança da salvação, com o conseqüente d e ­fe ito de não en ten d erem o que o pecado rea lm en te é à v is ta de Deus e o que rea lm en te s ig n ifica num filh o de D eus. A idéia de que o a rrep en d im en to não deve te r parte nenhum a na vida do cristão parece te r ganho c ircu lação , não sei por quê. Há m uitos que parece pensarem que é errad o fa la r de arrep en d im en to . Esses d izem que no m om ento em que alguém vê que pecou e então pôs o seu pecado "sob o san g u e” , tudo está certo com e le . Parar e pensar nisso e condenar-se s ig n i­fica que lhe fa lta fé . No m om ento em que e le “ olha para Jesu s” , tudo está bem . Curam o-nos tão fa c ilm e n te ! Na ver-

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dade, não hesito em d ize r que o p rob lem a com a m aio ria de nós é que, num certo sentido , estam o s dem asiado “ saudá­v e is " e s p iritu a lm e n te . Q uero d izer com isso que som os m uito frívo lo s e m uito s u p erfic ia is . Nós não nos preocupam os com estas questões; d ife re n te m e n te do s a lm is ta n estes dois v e r­sícu los, estam os em re lações boas dem ais conosco m esm os. Som os m uito d ife ren te s dos hom ens re tra tad o s nas E scri­turas.

É m inha opin ião que isto se deve ao fa to de não darm os o m esm o passo que o hom em d este Salm o deu. No santuário e le não só foi corrig ido acerca dos ím pios e acerca de Deus, m as tam b ém acerca de si m esm o , e vocês podem notar a m aneira com o e le se tra ta a si próprio . A o que p arece, não agim os assim nos dias atuais , e os resu ltado é que há esta fa lsa aparência de saúde, com o se tudo e s tiv e ss e bem co­nosco. Há m uito pouco pano de saco e m uito pouca cinza; há m uito pouca tris te za pelo pecado, tr is te za essa de natureza piedosa; há m u ito pouca ev id ên c ia de verd ad e iro a rrep en d i­m ento.

D e ixem que lhes m ostre que a necessid ad e de a rrep en ­d im en to e sua im portância é um a coisa ensinada em toda p arte das E scritu ras . O exem p lo c láss ico deste ensino encon­tra -se , é c laro , na parábola do filh o pródigo. Tem os a li a h is­tó ria de um hom em que pecou, que em sua loucura abandonou o lar e depois viu que as coisas lhe fo ram m al. Q ue aconteceu? Q uando e le caiu em si, que é que fez? Condenou-se a si m es­m o, fa lou consigo acerca de si próprio . Tratou-se a si próprio m uito sev e ra m e n te . E foi so m en te depois de fa ze r isso que e le se levantou e regressou ao pai. Ou to m em a m arav ilhosa declaração em 2 C o rín tios 7:9-11. Estes c ristãos de C orin to haviam com etid o um pecado e Paulo lhes e screvera sobre isso e en viara Tito para pregar-lhes sobre isso. A subseqüente atitu d e de les dá-nos um a d e fin ição do que s ig n ifica rea lm en te um verd ad e iro esp írito de a rrep en d im en to . O que agradou o grande apóstolo acerca de les foi a m ane ira pela qual e les se tra ta ra m a si m esm os. N o tem que e le en tra em m inúcias. Diz ele: “ Porque, quanto cuidado não produziu isto m esm o em vós, que segundo Deus fo s tes contris tados! que apologia, que indignação, que tem o r, que saudades, que ze lo , que vingança! em tudo m o stras tes e s ta r puros n este negócio". Estes corín ­tios tinh am -se tra tad o sev e ra m e n te e se haviam condenado a

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si m esm os; tinham sido contristados segundo Deus e, por isso, Paulo lhes diz que e les estavam outra vez no lugar da bênção.

O utro m aravilhoso exem p lo da m esm a coisa vem no Li­vro de Jó. Os irm ãos lem bram com o Jó na m aior parte desse livro está se ju s tifican d o , defendendo-se e às vezes lam en ­tando-se. M as quando se defron tou v e rd ad e iram en te com a presença de Deus, quando e s teve no lugar em que se encon­trou com Deus, d isse isto: "Por isso me abom ino e me a rre ­pendo no pó e na c in za” (4 2 :6 ). Não havia hom em m ais justo do que Jó, o hom em m ais reto e m ais re lig io so do m undo. M as agora, por causa da sua adversidade, e le não se lem bra m ais das boas coisas que lhe tinh am acon tec ido nem das bênçãos que tinha desfru tado . Jó fo ra ten tado a pensar em Deus do m esm o modo com o este hom em no Salm o 73, e tinha d ito coisas que não devia. M as quando vê a Deus, põe a mão na boca e diz: " . . .m e abom ino e m e arrependo no pó e na c in za ” . Pergunto-m e se conhecem os essa exp eriên c ia . S abe­mos o que é abom inar-nos? Sabem os o que é arrepender-nos no pó e na cinza? A doutrina popular dos nossos dias parece não gostar disso, porque ensina que já u ltrapassam os Rom a­nos cap ítu lo 7. Não prec isam o s fa la r sobre tr is te za pelo peca­do porque isto s ig n ific aria que ainda estam os nos p rim eiros estág io s da vida c ris tã . A s s ijn , passam os por c im a de Ro­m anos 7 e aplicam os Rom anos 8. M as estivem o s a lgum a vez em Rom anos 7? A lg u m a vez d issem os de coração: "M is e rá v e l hom em que eu sou! quem m e livrará do corpo desta m o rte ? ” A lgum a vez nos abom inam os e nos arrep end em os no pó e na cinza? Esta é uma parte deveras v ita l da d isc ip lin a da vida cristã . Leiam as vidas dos fié is a través dos séculos e verão que e les o fize ra m m uitas vezes . Retornem a H enry M arty n , por exem plo; vo ltem a qualquer daqueles poderosos hom ens de Deus, e verão que m uitas vezes se abom inaram a si pró­prios. O diaram suas v idas neste m undo; od iaram -se a si m es­mos neste sentido . E foi por isso que foram tão poderosa­m ente abençoados por Deus.

Nada nos é m ais im portan te , pois, do que segu irm os o sa lm is ta e verm os exa tam e n te o que e le fez . P rec isam ente aprender a voltar-nos para nós m esm os e a d iscip linar-nos a nós m esm os co n s tan tem en te . É um a questão v ita l na vida

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cris tã . Q uais são os passos? Tente i d ivid i-los da seg u in te m aneira .

P rim eiro e antes de tudo p rec isam os rea lm en te confessar o que fizem o s . O ra, não gostam os de fa ze r isso. C o n sc ien tes do que fizem o s , nossa ten d ên c ia é d izer: "V o lto -m e para C ris ­to, im ed ia tam en te sou perdoado, e tudo fica b em ". Isso é um erro . Tem os que confessar o que fizem o s. Este hom em passou uma porção de tem po com pena de si, o lhando para outras pessoas e invejando-as. Tinha passado uma porção de tem po com pensam en tos indignos acerca de Deus e dos Seus cam i­nhos. M as após a sua recuperação no santu ário , diz a si m es­mo: "D e v o passar igual som a de tem p o olhando para m im m esm o e para o que tenho fe ito ” . Não elevemos poupar-nos a nós m esm os. D evem os rea lm en te confessar o que tem o s fe ito , o que s ig n ifica que devem os m an te r d e lib era d am e n te estas coisas d ian te de nós. Não devem os proteger-nos de modo nenhum ; não devem os te n ta r d es liza r por c im a do nosso pe­cado; não devem os lim itar-n os m eram en te a um casual o lhar de re lance a e le . Tem os que m an te r d e lib era d am e n te os fatos d iante de nós e d izer: "Foi isto que eu fiz; fo i isto qu pensei e que d is s e ” .

Não só isso, porém . Preciso an a lisar esta coisa e preciso desdobrá-la em todos os seus porm enores e co n s id erar tudo o que e la envo lve e im p lica . É algo que, por m eio de autodis- cíp lína , devem os faze r sem descanso e reso lu tam en te . Este hom em in d u b itave lm en te agiu ass im . É por isso que e le te r ­m ina dizendo: Eu "e ra com o a n im a l” . Ele confessou: "Eu de fa to pensei isso a Teu resp e ito , ó Deus, e estive a ponto de dizê-lo — fo i isso que eu re a lm e n te f iz ” . Ele colocou esses fa tos d ian te de si e os m an teve ã li, a té que foi derrubado ao chão e se sentiu “ com o a n im a l” . Nunca nos abom inarem os a nós m esm os verd a d e ira m en te se não fize rm o s o m esm o. T e ­m os que m an te r o nosso pecado d ian te de nós a té que o vejam os rea lm en te pelo que e le é.

D e ixem -m e s a lie n ta r que é necessário p a rticu la riza r e d escer a m inúcias. Sei que isto é m uito penoso. Tem os que p articu la riza r, e is to s ig n ifica que não basta cheg ar a Deus e d izer: “ Õ D eus, sou p ecad o r". Tem os que descer a d eta lhes, tem os que co n fessar p o rm en o rizad am ente a nós e a Deus o que fizem o s . O ra, é m ais fá c il d izer, “ Sou pecado r” , do que dizer, "Eu d isse uma coisa que não devia te r dito , ou pensei

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uma coisa que não devia te r pensad o” , ou, "A b rig u e i um pensam en to im p u ro” . M as a essência desta questão consiste em ir d ire to aos porm enores, p a rticu lariza r, pôr tudo no papel, colocar cada m inúcia d iante de si próprio , analisar-se e en­carar o horrível c ará te r do pecado em seus d e ta lh es . É isso que os m estres da v ida esp iritu a l sem pre fize ra m . Leiam os seus m anuais, le iam os d iários dos cris tão s m ais consagrados que têm adornado a v ida da ig re ja , e verão que e les sem pre fize ra m isso. Lem brei-lhes de John F le tch er. Ele não som ente fazia doze perguntas a si m esm o, todas as no ites antes de dorm ir, m as conseguiu que o povo da sua ig re ja fizesse a m esm a coisa. Ele não se contentava com um apressado exam e geral; exam inava-se porm en o rizad am en te , com perguntas com o estas: costum o perd er a calm a? Perdi a calm a? Tornei a vida m ais d ifíc il para a lgum a outra pessoa? D ei ouvidos àquela insinuação que o diabo introduziu na m inha m ente , àquela id éia im pura? A p eg u ei-m e a ela ou im ed ia tam en te a re je ite i? O que se faz é repassar o dia e co locar tudo d iante de si, e após, en fren tá -lo . Isso é v erd ad e iram en te auto-exam e.

D epois tem os que exam in ar tudo à v is ta de Deus — "p e ra n te t i" . Precisam os levar todas estas coisas, e a nós m esm o s, à p resença de D eus e, antes de fa la r com D eus, prec isam os condenar-nos. V ocês notaram a expressão de Paulo em 2 C o rín tio s 7:11: "q u e in d ignação” . Eles ficaram indigna­dos consigo próprios. Nosso problem a é que não ficam os in­dignados conosco m esm os, e devíam os, porque pesa sobre todos nós a culpa dos pecados que es tive enum erando. São coisas h o rrip ilan tes à v is ta de Deus, e não ficam o s indigna­dos. Estam os em relações dem asiado boas conosco m esm os; essa é a razão por que o nosso testem un ho é tão in e fic ie n te . Tem os que ap render a hum ilhar-nos, tem os que ap render a rebaixar-nos, tem os que ap render a golpear-nos. Diz-nos Paulo em 1 C o rín tio s 9:27: “ subjugo o meu corp o” . M e ta fo r ic a m e n ­te e le surra o corpo, bate ne le a té deixá-lo preto e azul — essa é a derivação desta pa lavra que e le em prega, a palavra traduzida por “ subjugo” . E nós devem os fa ze r o m esm o . É p arte essencia l da d isc ip lin a . In du b itave lm en te este hom em o fez, pois acaba dizendo: “ A ss im m e e m b ru tec i, e nada sabia; era com o anim al peran te t i ” . Só o hom em que passou p e lo pro­cesso do exam e de si m esm o co m p le tam ente é que chega a esse conceito . Portanto, se havem os de chegar a isso, deve-

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mos p e rs is tir no m étodo que indiquei e sondar-nos v e rd a d e i­ram en te a nós m esm os para que possam os ver-nos por aquilo que rea lm en te som os.

O próxim o ponto para nossa consideração é es te . Q ue é que decobrim os ao fa ze r isso tudo? Não pode h aver dúvi­da nenhum a quanto à resposta dada neste S a lm o. O que este hom em descobriu quando se exam inou e rea lm en te com eçou a pensar de modo co rre to acerca de si, fo i que a grande causa, senão, na verdade, a única causa de todos os seus problem as era o ‘‘ego". É sem p re esse o p ro b lem a. O ego é o nosso ú ltim o e m ais constante in im igo; o é a causa m ais p ro lífica de toda a nossa in fe lic id ad e . Com o resu ltado da queda de A dão, som os ego cên tricos . Som os s en s íve is quanto a nós m esm o s. S em p re som os ego ís tas, sem p re a p ro teger- nos, sem pre prontos para .im ag in ar o fensas, sem pre prontos para d izer que fom os prejud icados e m altra tado s . Não estou fa lando com base na exp eriên c ia? Deus ten h a m isericó rd ia de nós. Essa é a verdade acerca de todos nós. O ego, este in im igo que a té m esm o te n ta fa ze r que um hom em tenha orgulho da sua hum ildade! O s a lm is ta viu que era rea lm en te essa a causa de todos os seus problem as. Ele tinh a errado em seu pensam en to acerca dos ím pios, tinh a errado em seu pensam ento acerca de D eus. M as a causa principal de todos os seus problem as era que tin h a errado em seu pensam ento acerca de si próprio . Foi porque e le ficou g irando sem pre em torno de si que tudo m ais pareceu -lhe tão te rr iv e lm e n te errado e tão g ro sse iram en te in justo .

Q uero apresen tar-lhes a ps ico lo g ia ensinada neste v e r­s ículo (v. 22) — verdade ira p s ico lo g ia b íb lica . Perguntou-m e se você reparou nela. Q uando o ego assum e co n tro le sobre nós, in ev ita ve lm en te aco n tece um a coisa. O nosso coração com eça a con tro la r a nossa cabeça. O uça este hom em . Ele se recuperou na casa de Deus; fo i corrig ido acerca dos ím ­pios e acerca de Deus. A g ora e le cai em si m esm o e diz: “ O meu coração se azedou, e s in to picadas nos m eus r in s ” — ainda um a p arte da sen s ib ilid ad e — "A s s im m e em bruteci e nada sabia; era com o an im al peran te t i ” . Os irm ãos obser­varam a ordem . Ele põe o coração antes da cabeça. A ss in a la que foi o seu corção que se a flig iu antes de seu cérebro com eçar a funcion ar m al — coração p rim e iro , cabeça depois.

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O ra, esta é um a das m ais profundas peças de psicolo­gia que é possível com p reen derm o s. O real problem a é que o ego, quando se a firm a , causa esta inversão da ordem certa e do co rre to senso de proporção. Todos os nossos problem as se devem , em ú ltim a instância, ao fa to de que somos gover­nados por nossos sen tim en to s , corações e em oções em vez de pelo c la ro pensam ento e pela honesta confrontação das coisas d iante de D eus. O coração é uma facu ldade m uito poderosa dentro de nós. Q uando o coração tom a o contro le, to n te ia o hom em . Faz-nos broncos; su je ita-nos de modo que nos tornam os desarrazoados e incapazes de pensar com c la ­reza. Foi o que acon teceu com e ste hom em . Ele tinh a pen­sado que era pura questão de fatos — aí estão os ím pios, olhe para e les e olhe para m im ! Ele se achava m uito racio­nal. Porém descobriu no santuário que abso lu tam ente não era racional, mas que o seu pensam ento fo ra governado pelos seus sen tim en to s .

Não é este o p rob lem a com todos nós? O apóstolo Paulo coloca a coisa toda num a grandiosa expressão em Filipen- ses 4:6-7 . O bservem a ordem das palavras. "N ão este ja is inquietos por coisa algum a; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas d ian te de Deus pela oração e súplicas, com ação de g raças .” Q ue acontecerá? O vers ícu lo seguinte no-lo diz. “ E a paz de D eus, que excede todo o en tend im ento guardará as vossas m entes e os vossos co raçõ es” ? Nada disso! “ A paz de D eus, que excede todo o en ten d im ento , guardará os vossos corações e m entes m ed ian te C ris to Je­su s” . C orações p rim e iro , m entes depois, nesta questão , por­que aqui o p rob lem a está p rin c ip a lm en te na es fera dos sen­tim en to s .

Isso é psicologia profunda. O apóstolo Paulo foi um m agistra l m édico no tra ta m e n to das doenças da a lm a. Sabia que era co m p le tam en te inútil tra ta r da m ente enquanto não fosse acertado o coração; assim e le põe o coração em p ri­m eiro lugar. O prob lem a com todo aquele que, nesta condi­ção, acha que está passando por tem pos d ifíce is e que as coisas não estão indo bem , é que e le com eça a questionar a Deus; ao passo que a raiz da questão é que o seu coração está perturbado e o hom em está sendo governado e contro­lado por e le . Os seus sen tim en to s se apossaram d e le e o cegaram para tudo m ais.

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Todos os prob lem as, brigas e d esen ten d im en to s da vida se devem a isto, em ú ltim a an álise . Todos os co n flito s de fa m ília , todas as d iscussões e n tre m aridos e esposas, todas as brigas en tre p arentes, todas as lutas en tre c lasses e gru­pos, todos os conflito s en tre nação e nação podem ser redu­zidos ao fa to de que o ego está sendo contro lado pelos s e n ti­m entos. Se pararm os para pensar, verem o s quão errad o é isso, porque o que estam os d izendo é que nós som os ab so lu ta ­m ente p erfe ito s e todos os dem ais estão errados. M as é e v i­dente que não pode ser verdad e , porque todos estão dizendo a m esm a coisa. Todos som os governados por e s te s e n tim e n ­to acerca de nós m esm os, e todos nos in clinam os a d izer: "A s pessoas não estão sendo justas com igo, eu estou sem ­pre sendo incom preendido , as pessoas estão sem p re a me p reg ar peças". E os outros estão dizendo e xa tam e n te a m es­ma coisa. O prob lem a é que estam o s sendo contro lados pelo ego, estam o s vivendo por nossos sen tim en to s e, da m aneira m ais ex trao rd in ária , estam os sendo governados por e les .

Todos nós sabem os disso por e xp eriên c ia , Tom am os nossa posição e d izem os: "N ã o ve jo por que deva c ed er" . A garram o-nos a isso. A té lhe dam os ên fase , in co n sc ien te ­m ente: "Eu? Q ue foi que eu fiz? Por que devo ser tra tad o deste je ito ? " "O meu coração se azedou, e s in to p icadas nos m eus r in s ” ; é sem pre o coração. O princíp io que quero sa­lien ta r é que quando o ego tem a ascendência, e le sem pre joga com os nossos sen tim en to s . O ego não pode re s is tir a um verd ad e iro exam e in te le c tu a l. Se, com o digo, som ente nos sen tássem o s e pensássem os nisso, p e rceb eríam o s quão insensatos som os. N esse caso nós d iríam os: "Eu penso des­te je ito , m as o outro indivíduo pensa assim tam b ém . Eu digo isto, m as e le tam bém diz isto. O b v iam en te am bos pensam os que tem o s razão. Só podem os ser culpados, os dois, e eu sou tão ruim com o e le " . "A q u e le que está em b a ixo", diz John Bunyan, "não prec isa te m e r nenhum tom bo; quem está por baixo, nada de orgu lho!"

D evem o s ap render a m an te r os nossos corações sob cu i­dadosa v ig ilân c ia . Não adm ira que a Escritura diga: "D á-m e, filho m eu, o teu co ração ” . Não adm ira que Jerem ias diga: "Enganoso é o coração, m ais do que todas as co isas , e per­verso ". Com o som os estu lto s em nossa psicologia! Tem os a ten d ên cia de d izer dos outros: "B em , você sabe, e le não é

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m uito in te lectual; e le não en ten de m uito , m as tem bom co­ração ” . Isso é c o m p le tam en te errôneo. Por m enos in te lig e n tes que sejam os, as nossas m entes são m uito m elh ores do que os nossos corações. Falando em term o s gera is , os hom ens não estão errados porque pensam , m as porque não pensam .

Este pobre hom em do Salm o 73 estava sendo contro lado por seu coração, m as não sabia disso. Ele pensava que estava argum entando com fa to s . O coração é “ enganoso” ; é tão ágil e s u til! Por isso devem os v ig iá-lo . “ E a condenação é e s ta ” , lem os em João 3:19, “ Q ue a luz veio ao m undo, e os hom ens am aram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram m ás .” O errado é o coração; assim conclu ím os com o conselho do sábio em Provérbios 4 :23 : “ S obretudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque d e le procedem as saídas da v id a ” . C u idem dos seus corações, v ig iem -se a vocês m esm os, ze lem dos seus sen tim en tos . Q uando um co­ração está azedo, tudo es tará azedo e nada irá bem . É o co­ração que governa tudo, e só e x is te um tra ta m e n to adequado para este coração azedo e am argo. É v ir a Deus com o o sa l­m ista veio , e com p reen der que Deus em Seu in fin ito am or e graça, em Sua m isericó rd ia e com paixão, enviou Seu Filho ao m undo para m orrer na cruz para que v iéssem o s a abom i­nar-nos a nós m esm os, para que pudéssem os ser perdoados e vo ltássem os a te r coração puro, para que a oração de Davi pudesse ser respondida: “ C ria em m im , ó Deus, um coração puro” . Essa oração é respond ida em C ris to . Ele pode p u rifica r o coração e s an tific a r a alm a:

A Ti cabe lim par o coração, s an tific a r a a lm a,

in s tila r a vida nova em cada parte , e c riar novo o todo.

Um a vez que o hom em se conhece, a si e ao negror e fa ls idade do seu próprio coração, sabe que deve fu g ir para C ris to . E ali e le acha perdão e p u rificação , v ida nova, nova natureza, novo coração, novo nom e. G raças a Deus por um evangelho que pode dar ao hom em um novo coração e pode renovar um e sp írito reto dentro de le .

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7ALERG IA ESPIR ITU AL

A s s im o m eu coração se azedou, e s into p icadas nos m eus rins. A s s im m e em bruteci, e nada sabia; era com o an im al perante ti. (vs. 21-22)

N es tes dois vers ícu los , com o vim os, o s a lm is ta nos conta com o chegou a ver que e s tiv e ra co m p le ta m en te errado, não só em seu pensam ento acerca dos ím pios e acerca de Deus, mas tam b ém em seu pensam ento acerca de si próprio . A pri­m eira coisa im p ortan te que e le descobriu foi que o ego é, em ú ltim a análise, o real p rob lem a, e é devido o ego te n d e r a assum ir o contro le que surgem tan tos de nossos p rob lem as, dificu ldades e p erp lexidad es nesta vida. Essa é a chave de tudo. Tem os salien tad o que e s te hom em foi m uito honesto consigo m esm o; na verdade, e le fo i quase b ru ta l. E, à m edida que prosseguirm os, isso ficará m ais ev id en te ainda. Ele não dirig iu apenas um apressado o lhar de re lance a si próprio, esquecendo-se logo de tudo a seu resp e ito e partindo para algum a outra coisa. E xatam ente o que fez foi parar e olhar-se a si m esm o; fitou p e rs is te n tem en te esse espelho e se enca­rou observando até o m ínim o d e ta lh e . Não vacilou d ian te de nada.

Isso é abso lu tam en te essen c ia l. Não é possível nenhum cresc im en to na vida cristã , a não ser que sejam os im placa­v e lm e n te honestos conosco m esm o s. De todos os aspectos da v ida c ris tã , o auto-exam e é, ta lvez , o m ais neg ligenciad o hoje. Isto em parte devido ao ensino errôneo, m as tam b ém porque não gostam os de fa ze r nada que nos seja penoso. Não há dúvida quanto ao ensino. Nada é tão c a ra c te rís tic o do cristão v erd ad e iro e consagrado com o o modo pelo qual e le se exam ina, se encara e se tra ta im p lacave lm en te , O sa lm is ta

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fez isso, e teve que ad m itir que o eu foi rea lm en te a fonte de seus problem as.

Depois vem os que e le descobriu esta outra coisa m uito in te ressan te , que, quando o ego tem o contro le , g e ra lm en te o coração assum e o dom ínio do pensam ento . É um estado de coisas m uito tr is te quando as nossas m entes são governa­das por nossos corações. Isso jam ais d everia ser o caso. A m ente , o en ten d im ento , é o dom suprem o do hom em ; é sem dúvida uma parte da im agem de Deus no hom em . A ca­pacidade de raciocinar, de com p reen der, de pensar e de saber por que fazem os as coisas, e se devem os fazê-las ou não, é uma das coisas que d ife ren c ia m o hom em dos an im ais . A s ­sim , quando nos vem os pensando em o cio n alm ente , se é que podem os em pregar esse te rm o , estam os em péssim a condi­ção. O sa lm is ta chegara àquela condição em que o coração vinha antes da cabeça. A B íblia se preocupa m uito com isto, e seu ensino em toda parte é que sem pre devem os guardar o coração, porque "d e le p rocedem as saídas da v id a " . Isto s ig n ifica que e le prec isa fic a r sob o contro le da verdade. Daí, som os concitados a "b u scar s ab e d o ria ” e a ‘‘o b ter conheci­m en to ” . Jam ais devem os dar a im pressão de que as pessoas se tornam cristãs por d e ixarem de pensar e responderem apenas aos seus corações. O cristão é a lguém que crê e ace ita a verdade e a esta se rende. Ele a vê , é m ovido por e la e age baseado nela. O te rm o "c o ra ç ão " na Escritura não s ig ­n ifica só em oções, m as incluí a m ente; e a rrep end im en to s ig ­n ifica m udança da m ente .

j V am os considerar agora m in uc iosam ente o que este ho­m em descobriu acerca de si m esm o. Ele no-lo diz nestes dois vers ícu los , (vs. 21-22) A p rim e ira coisa que descobriu quando de fa to viu a situação real fo i que e le m esm o e s tiv e ra , em grande p arte , produzindo os seus problem as e a sua própria in fe lic id ad e . Ele viu no santu ário de Deus que o seu problem a não eram ab so lu tam en te os ím pios; era e le m esm o. D esco­briu que e le m esm o se e xc ita ra para essa condição. A g ora d eixem -m e dar a prova disso. A V ersão A u to rizad a inglesa diz: “ A ss im o m eu coração foi m agoado, e levei p icadas nos m eus r in s ” . Esta tradução p arece su g erir que acon tecera a l­gum a coisa com o seu coração; a lgum a coisa tinh a acontecido com os seus “ r in s ” , outra sede dos sen tim en to s e em oções, de acordo com a ps ico lo g ia antiga . M as o que es te hom em

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disse de fa to é uma coisa um tan to d ife re n te . Estas palavras em pregad as no vers ícu lo 21 são re fle x iv as . O que e le está dizendo é que fize ra a lgum a coisa a si p róprio . Ele está dizendo: “ Eu azedei o m eu co ra ç ão '1. E quanto aos rins os irm ãos podem trad u zir m ais ou m enos assim : “ E stive prepa­rando para m im m esm o um a dor la n c in a n te ” . Ele m esm o e s tiv e ra fazendo isso. Tinha provocado o seu coração , tinha exacerbado a sua a flição , tinh a azedado os seus sen tim en to s . R ea lm en te e s tive ra produzindo os seus próprios prob lem as e dando origem à aguda dor que estive ra suportando enquanto não entrou no santuário de D eus.

É ev id en te que este é a um princíp io d everas im portan te e v ita l. O fa to é — e não devem os todos nós confessá-lo na presença de Deus neste m om ento? — que ten dem o s a pro­duzir e a exacerbar as nossas a fliçõ es . Nós, por certo , nos inclinam os a dizer, com o e s te hom em tinha estado dizendo antes de ir ao santuário de D eus, que foi esta ou aquela coisa extern a , fo ra de , nós, que produziu o problem a todo. Nada disso, porém ; fom os nós m esm os. Lem bro-m e de te r lido uma vez um a frase que exp ressa m uito bem e ste ponto, acho eu: “ Não é a vida que im p o rta , m as a coragem que você lhe t ra z ” . O ra, eu não ace ito e s ta filo so fia da coragem , m as estou citando a frase porque, conquanto a firm ad a errad am en te , contém um essencial e le m e n to de verdade. “ Não é a vida que im p o rta .” Bem, o que é que im porta? Sou eu, e você, e a m aneira com o a en fren tam o s , o modo como reag im os, o nosso com p ortam ento concern en te a ela. Posso provar isto de m a­neira bem s im p les. Podem os v er duas pessoas levando exa­ta m e n te o m esm o tipo de v id a , enfrentando p rec isam en te as m esm as condições. E, contudo, elas são m uito d ife ren te s . Um a é am arga, azeda, m urm urado ra e queixosa; a ou tra é calm a, serena, fe liz e tra n q ü ila . Onde está a d ife rença? Não nas condições; não no que lhes está sucedendo. É algo nelas-, a d ife ren ça está nas duas pessoas m esm as.

O ra, isto se pode d e m o n strar abundantem ente . Há uma copla que expressa bem isso:

Dois presos o lhavam de suas celas.Um v ia só lam a; o outro as estre las .Um deles, notam os, o lhava para baixo; o outro olhava

para c im a. Não é a v ida, não são as c ircun stâncias, não são os

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ím pios, não são estas coisas — som os nós. Este hom em des­cobriu isso tudo, descobriu que e le m esm o e s tiv e ra criando, exagerando e exacerbando os seus próprios problem as. Ele e s tiv e ra azedando o seu próprio coração.

Deus sabe que todos nós ten d em o s a te r culpa da m esm a coisa. Não é a causa extern a prop riam en te d ita que im porta. A coisa particu lar está a li, é c laro , m as é m uito im portan te com p reen der que a m aneira pe la qual reag im os a essa coisa é que d e term in a o que nos vai acon tecer, não m eram en te a coisa em si e por si. Tem os um a frase a qual eu acho que expressa m uito bem isto. De certo tip o de pessoa d izem os: ele sem pre faz de um cup inze iro um a m ontanha (de tudo faz um bicho-de-sete-cabeças). H avia algum a coisa a li, é certo ; m esm o um cupinzeiro é a lgum a co isa. T inha que haver algo sobre o que agir. M as a coisa m esm a era m uito pequena; rea lm en te não passava de um m ontícu lo levantado pelo cupim . C ontudo, este hom em estava fazendo disso um a m ontanha; e le o d esenvo lvera , transform ando-o em algo trem en d o . D a í pensou que se confrontava com um a m ontanha de problem a, m as rea lm en te não era isso. Ele é que tran s fo rm ara em m on­tanha um cupinzeiro . A ss im é que nós, tam b ém , nos ab o rre ­cem os, nos agitam os e ficam o s nesta m esm a condição.

Tem os outra frase que descreve isto. D izem os que algo nos faz pegar fogo. Não é bem assim . Não é tan to que algo nos faz pegar fogo, m as que nós m esm os nos in flam am os. N ou­tras palavras, a reação é grande dem ais para o es tím u lo . O caso é o bviam ente esse porque não som os apro priad am en te equ ilib rad os, não estam os num a condição certa , som os hiper- sen s íve is . Todo mundo fa la hoje em ser "a lé rg ic o " a d e te rm i­nadas coisas; é um a das expressões em voga. O ra, que s ig ­n ifica isso? S ign ifica que nós som os h ipersen s íve is . Há a l­gum as pessoas, por exem p lo , que não podem fic a r no m esm o quarto com um gato sem so fre rem um ataque de asm a. O utras não podem fic a r perto de um cam po de feno sem so frerem um ataque de feb re de feno . V ocês sabem m uito bem disso tudo. Qual é a questão? As autoridades m édicas d izem que é pelo pó ou pelo pólen no ar. M as não é s im p le sm en te o pólen, por certo , porque outras pessoas podem andar pelo m esm o cam po e nada lhes acon tece. O pólen está ali. M as o ponto é que aquelas pessoas padecem de feb re de feno, não por causa do pólen, mas porque são h ip ersen s íve is , são a lér-

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gicas. Pois bem , isto ilu stra o que o sa lm is ta descobriu . M as e le vai a lém disso, e o faz a ce rtad am en te . C o n fessa que e le próprio provocou a sua sen s ib ilid ad e , na verdade a sua hiper- sens ib ilid ad e. Isso se pode fa ze r m uito fa c ilm e n te . U m a pes­soa pode to rn ar o seu próprio coração h ip ers en s ív e l. Ela pode cuidar de le , m im á-lo , e quanto m ais o fize r, m ais o seu cora­ção gostará disso, m ais sens íve l será e m ais dó te rá de si m esm o. Ela poderá levá-lo de ta l sorte a esta condição que a m ín im a coisa causará prob lem a im ed ia to . Se acender um p alito de fós fo ro — um só — num barril de pó lvora, h averá te rr ív e l explosão. Não é o fós fo ro que conta p rim aria m e n te ; é o barril de pólvora.

Esse é o tip o de coisa que es te hom em descob riu . Ele e s tiv e ra to ta lm e n te errado em seu pensam ento acerca dos ím p io s. A chava que e les eram a causa única do seu problem a. M as descobriu que não era nada disso. Ele tinha levado o seu coração a essa es tu lta condição; era h ip ers en s ív e l. D essa fo rm a achou-se em ta l estado que a m ais leve coisa que lhe fosse co n trá ria causaria um a explosão. Tenho certeza que todos nós captam os a verac id ad e do que estou d izendo, m as a questão pessoal é, você se vê fazendo a m esm a coisa? Toda vez que você fa la consigo sobre si próprio , sente pena de si? Se é assim , você está fazendo a m esm a coisa que e s te hom em e s tiv e ra fazendo; está aum entando esta m orb idez e h ipersen- sib ilid ad e , e está se preparando para uma e xp eriên c ia do lo­rosa. Cham a-se a isto m asoquism o. Você conhece esse tip o de perversão , da qual todos som os m ais ou m enos culpados. É um a coisa estran ha re fe re n te à natureza hum ana, e um a das apavorantes conseqüências da “ Q u e d a ” , que tenham os es te p erverso d e le ite , por assim dizer, em ferir-nos a nós m esm os. É um a coisa d everas p ecu liar, mas nós sen tim os prazer com a nossa própria m isé ria porque, enquanto a estam os d e s fru ­tando, tam bém estam o s tendo dó de nós, ao m esm o tem po . É aí que en tra a su tileza d isso tudo. Enquanto estam o s com ­p le ta m e n te abatidos e in fe lizes , há um sentido em que nos apegam os a isso porque nos dá um a espéc ie de gozo p e rv e r­tid o . C o ntinuam os assim protegendo e engrand ecendo o ego.

Este hom em descobriu tudo isso no santu ário de Deus, Ele se a flig ira ; produzira o seu próprio in fo rtún io e o tinh a conservado. E xagerara a coisa toda em vez de en fren tá -la ho­n e stam en te . Ele não estava nesse grande prob lem a; não es­

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tava tendo rea lm en te um período d ifíc il. E!e estava som ente vendo as coisas de modo que lhe dessem um período penoso— que insensato foi este hom em ! Não som os nós todos com o ele , às vezes — insensatas criaturas?

O ra, oposta a isso tudo é a bendita condição descrita em F ilip en ses 4:11-13. Paulo o expressa nestes te rm o s: “ Porque já aprendi a conten tar-m e com o que tenho. Sei estar abatido, e sei tam b ém te r abundância^ em toda m aneira , e em todas as coisas estou instru ído, tanto a te r fa rtu ra , com o a te r fom e; tan to a te r abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fo r ta le c e ” . Noutras palavras, e le havia chegado a uma condição em que não m ais era h ip ersen s íve l. Estava numa condição em que não lhe im ­portava m uito o que lhe acon tecesse; nada iria perturbá-lo “ A p rend i a co n ten tar-m e com o que ten h o ." Essa é a condição em que todos nós, com o cristãos, devem os es ta r. O não cristão não está nem pode estar nela , de m odo nenhum . É com o um barril de pólvora; nunca se sabe quando vai haver uma explosão. A m ais leve a lfine tad a ocasiona grande d issa­bor; e le é h ipersens íve l por causa do ego. M as o apóstolo Paulo se lem b rara daquilo que o Senhor coloca p rim e iro para os Seus d iscípu los, a saber, “ Se alguém q u iser v ir após m im , renuncie-se a si m es m o ” . P rim eiro o ego tem que ser posto fora. D epois d isto , “ tom e sobre si a sua cruz, e s iga-m e". Porquanto o ego foi destronado e lançado para trás , o d isc í­pulo não é h ip ersen s íve l, e estas coisas não causam p rob le ­m as, a la rm es e exp losões. Ele é equ ilib rad o porque o ego foi posto fo ra e e le v ive para C ris to .

Exam inem o-nos à luz d isto . Pensem os em todas as nossas aflições; pensem os em todas as nosssa d ificu ld ad es, m enos- prezos e insultos, e em todas as res tan tes coisas que acha­mos que se am ontoaram sobre nós, e todas as incom preen- sões. Encarem os todas estas coisas à luz deste ensino, e acho que verem o s num re lance que tudo não passa de um a questão m esquinha e v il. É tudo fabricado. Não há nada ali rea lm en te ; s im p lesm en te estivem o s fazendo de um m ontícu lo de cupim um a m ontanha. Se tão som ente fizéssem os um a lis ta das coisas que nos têm abatido, com o ficaríam os envergonhados! Quão débeis e d esp rezíve is podem os ser!

A seg u in te coisa que este hom em descobriu é que e le se to rnara asnático . A V ersão A u to rizada ing lesa traduz o v e r ­

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sículo 22 nestes te rm os: "A s s im eu fui e s tu lto ” . M as a pa la ­vra ali s ig n ifica na verdade " a s n á tic o ” , e e s ta é uma palavra m uito m elhor. Ele ficou com o um an im al, c o m p le ta m en te irra ­cional, agindo de m aneira im b ec il, absurda. M as isto sem pre m ostra com exatidão a condição que es tam o s descrevendo e analisando. Q ue é que isto s ig n ifica e x a tam e n te? "Tão asná­tico eu fu i, e ig n o ra n te .” "Eu fu i" — rep e te e le , segundo a citada versão ing lesa — "co m o um an im al perante t i ” . De novo notem os a sua h on estidade, a sua m an e ira de tra ta r-se a si p ró p rio . E le não se p o u p a, a b so lu tam en te ; viu a verdade acerca de si e a d eclara — "Fu i com o um an im al peran te t i ” .

Q ue s ig n ifica isto? P rim eiro e acim a de tudo s ig n ifica que e le estava agindo in s tin tiv a m e n te . Q ual é a d ife ren ça en ­tre um an im al e um hom em ? Já sugeri, em p arte , a resposta. S eg u ram en te , co n stitu em as dádivas suprem as de D eus ao hom em o en ten d im en to , a razão e a capac id ad e para pensar. O anim al pode te r e levad o grau de in te lig ên c ia ; fa lta -lh e , porém , aquela verd a d e ira qua lidade e fa cu ld ad e da razão, por m ais que às vezes pareça o c o n trá rio . F a lta -lhe capacidade para colocar-se num a p e rsp ec tiva e x te rn a a si próprio , para cons iderar-se a si m esm o e as suas ações. S o m ente o hom em pode fa ze r isso, e isso é um a p arte da im ag em de D eus no hom em . M as o an im al não pode fazê-lo , o an im al age in siin - tiv a m e n te . Não prec iso gastar m uito tem p o ilustrando o que quero d izer. Tom e-se, porém , a qu estão da m igração das aves. Um estudo desse assunto to rna óbvio que o in stin to , e não a in te lig ê n c ia , governa esse fen ô m en o m arav ilho so . N o utras palavras, o co m p o rtam en to an im al é q uestão de reação ins­tin tiva a um dado es tím u lo . Bem , este ho m em nos conta que e s tiv e ra se com p ortando ass im . D izendo dou tra m an e ira , e le não parou para pensar; não parou para p o n d erar e a rrazo ar acerca do seu p rob lem a. S er bronco s ig n ific a não pensar lo g i­cam en te, não p ensar c la ra m e n te . Eu e vo cê fom os destinados a pensar lo g icam en te , a pensar rac io n a lm e n te , a pensar con­s ec u tiv a m e n te . M as e s te hom em não e s tiv e ra pensando d es­se je ito , e s tiv e ra agindo com o an im al. O an im al reag e ao estím u lo im ed ia ta e m ec an ic am en te , sem nenhum in te rva lo para p en sam en to . O s a lm is ta e s tiv e ra fazen d o isso. E todos tem o s que v e r, quando com eçam os a p en sar nisso, com o so­mos todos propensos a fa ze r a m esm a co isa . E n tre tan to , isso é m uito a n tic ris tã o .

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D eve ser uma das grandes d ife renças en tre o c ris tão e o não cris tão o fa to que o c ristão sem pre coloca um in te rva lo en tre o es tím u lo e a reação. O c ris tão sem pre deve co locar tudo noutro contexto . D eve pensar nas coisas; não deve fa ze r conclusões prec ip itad as; deve rac ioc in ar as coisas. N o utras palavras, e c e rtam en te isto é de v ita l im portância , uma das cara c te rís tic a s m arcantes do cristão deve ser a capacidade de pensar, de pensar lo g icam ente, com c la reza e e s p ir itu a l­m en te . O ra, não é este todo o propósito das ep ís to las do Novo Testam ento? Q ue d izem elas? A rrazoam conosco. Estas ep ís to las foram dadas a pessoas c ris tãs com o nós, que tinham seus prob lem as e perp lex id ad es , e o que todas e las d izem é ju s ta m e n te isto: "N ão reajam prontam ente a estas co isas. Pensem nelas; coloquem -nas no contexto dos propósitos de Deus; re lac ionem -nas com a perspectiva global da salvação e da v ida c ris tã . E tendo fe ito isso, ver-se-ão pensando nelas de m aneira d ife re n te " . O cris tão é um hom em que pensa de m aneira d ife ren te do não cristão . O seu pensam en to é lógico, claro , calm o, contro lado e equilibrado; e, acim a de tudo m ais , é esp iritu a l. Pensa em tudo em term os desta grande verdade que e le tem aqui no Novo Testam ento . M as o an im al não é capaz de ag ir assim . Eu “ era como anim al p e ran te t i" ; "Fui n é s c io ” . Esse tip o de com p ortam ento não é só com o o do anim al; é m ais ou m enos com o o da criança tam b ém . A crian ­ça age desse modo porque sua facu ldade de rac ioc ín io ainda não progred iu nem se desenvolveu s u fic ie n te m e n te . Ela salta logo para as conclusões; reage aos estím u lo s com o o an im al. É prec iso adestrá-la para pensar e raciocinar, e não para ser néscia.

O utro modo pelo qual o salm ista viu que fo ra néscio foi este . É eviden te que a idéia que ele tinh a da vida do ju s to era co m p le tam en te fa lsa . D esejava a legrar-se o tem po todo e achava que a sua vida devia ser um a longa sucessão de luz e fe lic id a d e . Foi isso que o fez queixar-se e d izer: “ Em vão tenho purificado o m eu coração e lavado as m inhas m ãos na inocência . Pois todo o dia tenho sido a flig id o , e castigado cada rtianhã” . Perm ita-se-m e expressá-lo de m an e ira deveras brutal e s im p les . Essa não é a verdade quanto a nós todos? Tendem os a aca tar todas as dádivas, todos os prazeres , toda a fe lic id a d e e toda a a leg ria sem fa la r m uito com Deus sobre isso. M as no m om ento em que algum a co isa sai errado, co-

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m eçam os a resm ungar. A c e ita m o s a nossa saúde e en erg ia , o nosso a lim en to e ves tu ário , e os nossos en tes queridos, tudo com o coisa liqüida e ce rta . M as no m om ento em que algum a coisa sai errada, com eçam os a m u rm u rar e a queixar- nos, e d izem os: "Por que Deus fez isso com igo? Por que havia de acon tecer-m e is to?” Q uão lentos para agrad ecer, quão rápidos para resm ungar! M as isto se assem elh a ao an i­m al, não é? O anim al gosta de caríc ias e afagos. C o m e e sa­boreia o seu a lim en to . M as no m om ento em que você o cor­rige, e le não gosta. Isso é típ ico do an im al, e é típ ico do m odo de v e r da criança. A criança receb e tudo o que vo cê lhe dá. M as se você lhe recusa algo que e la quer, fica ressen tid a . Isso é ser néscio . Isso é incapacidade para pensar. Essa é a atitu d e in fa n til, im becil, sem elh an te à do an im al. Q uanta v e r­dade há nisso, porém ! Foi verd ade quanto a e s te hom em , e é verdade quanto a nós.

G o s ta ria de expressá-lo d este m odo: este hom em (do S al. 73) e s tiv e ra considerando com o favas contadas as bên­çãos e a leg rias . Parece que todos supom os que tem o s d ire ito a essas co isas, e que as devem os te r sem p re . D aí, no ins­tan te em que nos são negadas com eçam os a levan ta r q uestões e a d em o n strar dúvidas. O ra, o s a lm is ta devia te r d ito a si próprio: “ Sou hom em de vida p iedosa, c re io em D eus. Levo um a v ida re lig io sa , e conheço certas co isas sobre o c a rá te r de D eus. Estas coisas estão fo ra de questão . A gora m e estão sobrevindo algum as coisas dolorosas, e ve jo que a s ituação dos ím pios é m uito d ife re n te . M as , d ecerto há a lgum bom m otivo para isso ” . D epois e le devia co m eçar a buscar razões e a p rocurar uma exp licação . T ivesse fe ito isso, sem dúvida te r ia conclu ído que Deus tinh a algum propósito naquilo tudo. Já consideram os algum as dessas razões. T e ria chegado à conclusão de que, a inda que não o pudesse co m p reen d er, D eus tinh a que te r uma razão, porque D eus nunca faz cojsa algum a que seja irrac iona l. Teria d ito: “ Estou c erto d isto e, portan to , qualquer que seja a exp licação , não é o que pensei de in íc io ” . Ele te ria re fle tid o bem nisso.

M as com o dem oram os para cheg ar a esta a titu d e ! A o que p arece, acham os que, com o cris tão s , não devem os te r nunca qua lq uer p rob lem a. Nada deveria sair-nos errad o , e o sol d e ve ria estar sem pre brilhando ao nosso redo r, enquanto que todos os que não são cristãos , por outro lado, d everiam

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e xp e rim en ta r constantes a fliçõ es e d ificu ld ad es. M as a Bíblia nunca nos prom eteu isso. Pelo contrário , prom eteu-nos “ que, através de m uitas trib u laçõ es , nos im porta en tra r no reino de D e u s ’’. Tam bém diz: “ Porque a vós vos foi concedido, em relação a C ris to , não som ente c rer ne le , com o tam bém pade­cer por e le ” . D esta fo rm a, na hora em que com eçam os a pensar, vem os que a id éia que nos v ie ra in s tin tiva m en te é in te ira m e n te fa lsa , face ao ensino da Bíblia.

R esum ire i o acim a exposto desta m aneira: “ Fui um nés­c io ” ; era como anim al peran te t i ” s ign ifica que, como acon­tece com as feras e an im ais , a d isc ip lin a sem pre nos desgos­ta. Nunca vem os seu v a lo r ou sua necessidade. E sem pre que som os d isc ip linados por Deus tendem os a opor-nos, e a té a question ar e argü ir o am or de Deus e a Sua bondade. Pois bem , isso é uma coisa que este hom em d escreve p e rfe ita ­m ente quando diz que ag ir assim é com portar-se com o an im al. Por natureza , n inguém gosta de s e r d isc ip linado. Todos que­rem obedecer aos seus in stin to s; não gostam de ser contro ­lados. Os an im ais sem p re se opõem à d isc ip lin a , e quando os tre in am o s , tem os que ser pacien tes com e les e, às vezes , tem os que ser severos , por esta m esm a razão.

O ra, isto é c a ra c te rís tic o do cris tão im aturo , do bebê em C ris to . Tal pessoa fic a ressen tid a com a d isc ip lina e, contudo, a resposta a isso é s im p les e inequívoca. O au tor da ep ís to la aos H ebreus não hesita em em p reg ar uma frase notável e quase su rp reen d en te . D iz e le: “ Se vocês não estão e x p e ri­m entando d isc ip lina , há so m en te um a exp licação para isso, e é que vocês não são filh os de Deus; são b asta rd o s” (vide Heb. 12:8). Se a lguém é filh o de Deus, c e rtam e n te vai ser d isc ip linado, porque Deus o está preparando para a santidade. Ele não é um pai in du lgente que esbanja doces in d iscrim in a ­dam en te , que não se preocupa com o que nos acon teça. Deus é santo, e nos está preparando para Si e para a g lória; e porque som os o que som os, e porque o pecado está em nós, e porque o mundo é o que é, necessariam en te nós tem o s que ser d isc ip linados. A ss im , Ele nos envia provações e tr ib u la ­ções para em bargar nossos passos e fazer-nos “ conform es à im agem de seu F ilh o ” . M as não ace itam os isto e, com o o an i­m al, gritam os porque não gostam os de so frim en to . M as se p ensássem os, se não fôssem o s néscios, a té daríam os graças a Deus pelo so frim ento . D iríam os com o e s c rito r do Salm o

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119, “ Foi-m e bom te r sido a flig id o " . Às vezes penso que não há m elhor coisa para p rovar a posição c ris tã do que ju sta ­m ente esta , que som os capazes a té de dar graças a D eus por provações, a fliç õ e s e d isc ip lin a , porque vem os que estas coi­sas têm sido usadas por D eus para aproxim ar-nos e achegar- nos m ais a Ele.

A coisa seg u in te que e s te hom em descobriu acerca de si próprio é que era ig norante . Ser ignorante não é a m esm a coisa que ser néscio ou bronco, mas g e ra lm e n te a necedade leva à ignorância . Este hom em era ignorante acerca da ver d adeira condição dos ím pios; era ignorante acerca de Deus; era ig norante acerca de si próprio e acerca da própria natu­reza da vida que e le estava levando. Esquecera-se do que diz resp e ito a todo o propósito do santo v iver. E se eu e vocês reag irm o s com o este hom em reagiu às provações e d ific u l­dades, em ú ltim a an álise só há uma coisa que d ize r de nós, e é que som os ignorantes.

Do que som os ig n o ra n te s 9 Som os ignorantes de tudo que a Bíblia diz a resp e ito da vida do ju sto , e som os ignorantes e s p e c ia lm en te acerca das ep ís to las do Novo T estam en to , todas as quais fo ram e sc ritas para e sc la rec er esta ignorância p a rticu lar. A ss im , se m u rm uram os sem pre sobre os p ro c ed i­m entos de Deus para conosco e nos q ueixam os dos Seus c a s ­tigos d isc ip lin a re s , estam o s s im p lesm en te fazendo a c o n fis ­são, ou de que não conhecem os nada das E scritu ras e nunca e n ten dem o s o Novo T estam en to , ou então , que som os ig no ­rantes in te n c io n a lm e n te , que recusam os a pensar e a a p lic a r o que sabem os. V em o s es te s livros, m as recusam os a dar ouvidos aos arg u m en tos e não p erm itim o s que e les se a p li­quem a nós. “ Ig n o ra n te ” ! D iz e s te hom em : "Eu e s tiv e ag indo com o um ig norante; e s tiv e agindo como se não soubesse nada dos Teus propósitos; e s tiv e agindo com o se eu não p assasse de um p rin c ip ian te nestas questões, com o se nunca tiv e s s e lido ou ouvido a h is tó ria do passado” , E isto é tam b ém p e r­fe ita m e n te v erd ade iro a nosso respeito. N o m o m e n to em que deixam os que o nosso coração e os nossos sen tim en to s a s s u ­m am o co n tro le , to rnam o-nos h ip ersen s íve is ou a lé rg ic o s neste sen tido ; e agim os ju s ta m e n te com o se não s o u b é s se ­mos nada, e com o se fô ssem o s ignorantes e com o um a n im a l na presença de D eus.

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Isso nos leva à questão fina l, que é a pior de todas. O uçam : "A s s im eu exacerbe i o m eu coração , esp icacei os m eus rins e m e causei dor a m im m esm o . Tão néscio fu i, e tão ig norante , com o um tolo; de fa to , fu i com o um anim al perante t i ” . C re io que foi isso que quebrantou o coração deste hom em , e é isso que tam bém devia quebran tar os nos­sos corações. V em os que no santu ário de D eus este hom em com p reen deu que e s tiv e ra pensando todas estas coisas hor­ríveis, indignas, estu ltas, insensatas, rea lm en te na presença de Deus. "P eran te t i . ” Por isso e le se considerou um an im al. Im ag ine pensando estas co isas, e estando a ponto de d i­zê-las, na presença de Deus! O que e le esq u ecera é que Deus pode "d is c e rn ir os pensam en tos e in tenções do co ração ” , e, "não há c ria tu ra a lgum a en co b erta d ian te dele; antes todas as coisas estão nuas e p a ten tes aos olhos daquele com quem tem os de t ra ta r” (H eb . 4 :12 -13 ). Se tão som ente p e rc eb êsse ­mos isto , nunca m ais nos corp ortaríam os com o o fez este hom em e com o nós, para vergonha nossa, m uitas vezes o tem os fe ito .

Eu e você estam os sem p re na presença de D eus. Por­tan to , quando você e s tiv e r sentado no seu canto condoendo-se de si m esm o por te r sido fe rid o , e devido te r-lh e acon tec ido isto ou aquilo , lem b re-se de que isso tudo está acon tecen do na p resença de D eus. E quando você p erg untar, "S e rá que Deus está sendo ju sto com igo? É ju sto eu so fre r enquanto outras pessoas prosperam ta n to ? ” , lem b re -se de que você está perguntando isso e tendo esse p ensam en to acerca de Deus, na p resença dEle. "P era n te t i .” Este hom em o lv id ara a grandeza de D eus. Se tão som en te eu e você nos lem b rás ­sem os da grandeza de D eus, jam ais fa ríam os novam ente c e r­tas co isas que costu m am os faze r. Q uando nos derm os conta de que som os apenas um a m osca, ou um gafanhoto , ou a té m enos que isso na presença do Todo-poderoso, e que Ele p oderia e lim in ar-n o s da e x is tê n c ia com o se não tiv e s s e acon­tec id o nada, jam a is nos levan tarem o s para pavonear-nos em Sua presença e pôr-nos a questioná-IO . Precisam os c o m p reen ­der que, nas palavras de um sábio do V e lho Testam en to , "D eu s está nos céus, e tu estás sobre a te -ra " .

M as , esp e c ia lm en te , devem os lem brar-nos do am or de D eus. Deus é am or. Este hom em co m preen deu que fo ra es ­tu lto e to lo ao questio n ar o am or de D eus. Ele devia tudo ao

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am or, à bondade, à graça de D eus. A ss im , quando tiverm os estes ásperos e indignos pensam en tos sobre D eus, devem os lem b rar que os estam os tendo acerca d A q u e le que tan to nos amou que enviou Seu F ilho ao m undo e, a inda m ais , à vergo­nha e agonia do C a lvário por nós. A d em ais , pensam os essas coisas de um Deus ta l, m esm o em Sua s an tíss im a presença. Im ag ine-se você com am uo na presença de D eus, m al-hum o­rado com o um a criança am im a lh ad a . O lhe para a c riança am ua­da; olhe para o an im al. Q uão rid ícu los parecem ! M u ito bem, m u ltip liq u e isso ao m áxim o e então im ag ine-se na presença d este o n ip o ten te , santo e am oroso Deus. Não, não há nada que d izer em favor dessa condição. O sa lm is ta está certo; não é que e le es te ja sendo in delicado consigo, e le es tá fa lan ­do a pura verdade — “ Agi com o an im al, ignorante , co m p le ­ta m e n te e s tu lto ” .

Qual é o oposto d isto? Não posso pensar em nada m elhor do que a condição do filh o pródigo, depois que caiu em si. Não tenho dúvidà de que, a té certa a ltu ra , aquele pobre su­je ito achava que tinha sido m uito m altra tad o . S aíra de casa e fo ra para uma te rra d is tan te . P retend ia p ro je tar-se , m as as coisas não deram certo e por isso e le achou que estava sendo tra tad o du ram en te . Então, caiu em si, vo ltou para casa e disse: “ Pai, pequei contra o céu e d ian te de ti; já não sou digno de ser cham ado teu f ilh o ” . Essa é outra m aneira de d izer a m esm a coisa. Nada de recom endar-nos a nós m esm os, nada de desculpas; agim os de modo in d es c ritive lm e n te estúp ido , com o an im ais . D e ixam os de pensar e rac ioc in ar; deixam os de ap lica r estas E scrituras. É e s te ego h orrível que tem e xe r­cido o co n tro le , e som os tão h ip ersens íve is que nada nem ninguém está certo , exceto nós m esm os. Encarem os isso; tirem o s -lh e a m áscara; analisem o-nos e encarem o-nos ju n ta ­m en te com isso. V e jam o s isso com honestidade a té que nos envergonhem os c o m p le tam en te de nós m esm os. D epois, acheguem o-nos àquele Deus cheio de am or e de graça e reco ­nheçam os que som os com o v erm e s e a té m enos que isso d iante dEle, que não tem os re iv ind icação nenhum a para fazer-Lhe, e nenhum d ire ito ao Seu perdão. D igam os a Ele que não d ese jam o s ser curados rap id am en te , que sabem os que nem seq u er m erecem o s receb er a cura.

C om o v im os an te rio rm en te , o p roblem a de m uitos de nós é que nos curam os a nós m esm os depressa dem ais .

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A cham os que tem os d ire ito ao perdão. M as o ensino da Bíblia e o exem p lo da vida dos heróis da fé é que, com o o filho pródigo, e les nada m erec iam , senão a condenação, pois tinham sido com o an im ais em sua estup idez, e não tinham nenhum a re iv ind icação para ap re s en ta r a D eus. Na verdade, 3ncheram -se de adm iração ante a p ersp ectiva de que Deus poderia perdoá-los. Exam inem o-nos à luz disso. C orrem os para Deus achando que tem os o d ire ito de receb er Seu per­dão? Ou percebem os que não tem os nenhum d ire ito de pedir perdão? Este hom em sentia-se assim , e opino que é sem pre assim que o verd ad e iro cristão se sen te de in íc io . Paulo, após anos de pregação, o lhava para trás , para o passado, e dizia que e le era “ o p r in c ip a l” dos pecado res. A inda estava m ara­vilhado com o fato de que Deus pudesse tê -lo perdoado. A p e ­sar de ser um apóstolo , ainda achava, por assim d izer, que poderia receb er a lgum a coisa num culto de evangelização! A inda reag ir como pecador; m arav ilhava-se ainda peran te a assom brosa cruz e o am or de Deus em Jesus C ris to , nosso Senhor. “ Tão estúp ido eu fu i, tão to lo ; era com o um anim al p eran te t i .”

8“TODAVIA”

Todavia estou de contínuo contigo; tu m e seguraste pe la m inha m ão dire ita . Guiar-me-ás com o teu conselho, e depois m e receberás em glória, (vs. 23-24)

O curso da h is tó ria do sa lm is ta durante a in vestida a que fo ra subm etido pelo diabo, é um a narra tiva su m am en te em o­c ionante . Vem os e s te hom em avançar passo a passo, estág io a estág io , e todo aquele que já passou por essa esp éc ie de e xp eriên c ia sabe que estes passos são in ev itá ve is . É im por-

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ta n te , pois, que exam in em os cada m ovim en to neste re la to . E xistem poucas coisas m ais pro ve ito sas do que o b servar a recuperação de um a a lm a. V em os agora o hom em retom ando a sua esca lada, saindo das profundezas, a cam inh o da sua recuperação ; e no m om ento o estam os observando ainda, enquanto e le cuida de si.

Ele se hum ilhou até ao pó, ves tiu pano de saco e se pôs sobre cinzas. A d m ite que não há nada que d ize r em favo r de um hom em que se aborrece e se com porta com o e le o fez na presença de Deus — “ p eran te t i" . M as graças a Deus e le não fica nisso. Vai ad ian te com e sta grande e b en d ita palavra, “ to d a v ia ". O ra, esta é um a daquelas palavras que em certo sentido resu m em toda a m ensagem b íb lica . É s em e lh a n te à palavra “ m a s ” ; in troduz num erosas vezes o evang e lh o . A s s i­nala a d ife ren ça en tre con h ecer e não co n h ecer o evangelho . O hom em que desconhece o evangelho não pod eria , num sen­tido , te r ido tão longe com o e s te hom em foi, m as te ria parado a li. O cris tão jam a is pára a li. Tendo descido lad e ira abaixo, o cris tão com eça a vo lta r. “ M a s ” , “ to d a v ia ” — e a í vem o evan ­gelho . V em a í no caso deste hom em . Esta pa lavra “ to d a v ia ” é, portan to , da m aior im portânc ia ; de fa to , e s te s dois v e rs í­culos que estam o s considerando são v ita is .

Um m odo m uito bom de provar se som os c ris tã o s de v e r­dade ou não, é s im p lesm en te perguntar-nos a nós m esm os se som os capazes de d izer este “ to d a v ia ". C o n h ecem o s este b e n d ito "m as"? V am o s ad ia n te , ou param os o n d e estávam os no fim do vers íc u lo 22? O ra, o hom em natura l pára a li; o m eih or hom em natural nunca vai a lém disso, e há m uita gente desse tip o no mundo hoje. Há bons hpm ens que não são c ris tãos — hom ens de boa m oral, co n scienciosos — e de vez em quando vocês lêem que um de les com eteu su ic íd io . C o m e­tem su ic íd io porque são incapazes de d izer e s te “ to d a v ia ” . Param na hora do exam e de si m esm os, e en tão dizem : sou um fracasso , tenho andado errado , não cum pri o m eu dever. V o ltam -se sobre si m esm os. Isso é p e rfe ita m e n te certo , até esse ponto. D evem os fa ze r isso. M as o ponto essencia l sa­lien tado n estes vers ícu los é que não se d eve parar a í. Se vocês pararem aí, bem podem e s ta r na senda do su ic íd io . E há m uitos que param aí, m o rm en te hom ens no b res , no sen­tid o na tu ra l. Eles se condenam a si próprios e d izem : “ Não há u tilid ad e num a pessoa com o e u .” Ju lgam -se inúteis e in-

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dignos, e se vão. M as o c ristão não age ass im , e é ju s ta ­m ente neste ponto que en tra toda a d ife rença en tre o cristão e o não cristão. O cristão tem que segu ir o curso todo, até aquele ponto. M as é ju s ta m e n te quando está no fim -que a porta da esperança se abre, e e le pro fere este bem -aventu­rado “ to d av ia” .

Esta é uma palavra surp reen dente e g loriosa. Inciden- ta lm e n te , é a palavra que, neste texto , liga o que vem a se­guir com o que veio antes. É o elo v ita l de conexão. Não so m en te isso, porém ; é ao m esm o tem po o ponto de retorno. Tem os visto o sa lm is ta d escer e descer m ais e m ais, e achá­vam os que e le não poderia ir nem um pouco m ais longe. Ele se hum ilhou até ao pó; e então com eça a o lhar para cim a— “ to d av ia” . Im ed ia tam en te se põe a cam inho para cim a; com eçou a m over-se e irá avante até que possa d izer triu n ­fa n tem en te :“ Deus é sem p re bom para com Is ra e l” . M as ele não chegou a esse ponto com um s im p les salto das pro­fundezas. Passou pelo processo que estam os considerando agora, e prosseguiu a través de vários estág io s. Há degraus nesta escada que a lcança o topo, e é m aravilhoso observar este hom em subindo passo a passo. M eu irm ão, você já co­nheceu este “ to dav ia" quando estava abatido e não podia ver nenhum a esperan ça, quando o diabo o estava oprim indo e lhe dizia que fechasse as jane las e colocasse antolhos, e você ficou envolv ido nas trevas e no desespero? Você já experim entou aquele bendito m om ento em que um a seta de luz aparece através de um a fenda nalgum lugar, in troduzindo nova esperança e m udando toda a sua a titu d e e condição? Esta é a libertadora pa lavra “ to d a v ia ” .

A í está ela, neste Salm o. É m uito in te ressan te observar com o isto acon teceu . A lógica destas coisas é deveras fa sc i­nante. Foi assim que funcionou. Ele chegou ao ponto em que disse: “ Assim m e em b ru tec i, e nada sabia; e ra com o anim al peran te t i ” . S ub itam en te isso o fez enxergar. No in stan te em que d isse, "p e ra n te t i ” , d isse tam b ém , “ Todavia estou de contínuo co n tig o ” . N o utras palavras, “ A inda estou na tua p resen ça” . E tudo m udou. Foi a palavra libertad o ra . Tendo-se condenado porque se ab o rrecera daquele je ito e fo ra tão estu lto na presença de D eus, agora diz: “ M as eu estou ainda na presença de Deus — todavia estou de contínuo co n tig o ” .

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O ra, isso foi um a coisa su rp reen d en te , e o sa lm is ta não pôde esqu ecê-la . O que o deixou m aravilhado a e s te ponto foi que e le ainda estava na presença de Deus. V ocês vêem ? Deus não o riscou, conquanto tiv e s s e sido tão néscio em Sua pre­sença. Por que Deus não o m andou em bora? Por que Deus não lhe m ostrou a p orta e lhe disse: “ Isso é o seu fim ; você é in d igno” ? Não o fe z , porém . Ele ainda estava na presença de Deus. Foi isso que ve io a es te hom em fazendo-o v ib rar de surpresa e adm iração . Ele não recebeu o destino que tão fa r­tam en te m erec ia . A que se deve isso tudo?

- Isto nos leva àquilo que eu considero com o a doutrina destes dois vers ícu lo s , toda a doutrina da graça de Deus. É uma nova com p reen são da graça m arav ilhosa. Se há uma coisa que e s te S a lm o ensina m ais que qua lq uer outra é que tudo que é superio r e su m am en te esp lêndido na v ida é in te ira e un icam en te resu ltado da graça de Deus. Se não captam os isto, não estam o s tiran d o p ro ve ito algum da nossa longa con­s ideração do Saim o. A grande m ensagem do S alm o é que “ Som os devedo res u n icam en te à m ise ric ó rd ia ” , o cam inho todo, do com eço ao fim . A nossa vida co m p leta se deve in te i­ram en te à graça e à m ise ric ó rd ia de D eus. Este hom em des­cobriu isto e o expressou desta m aneira: “ Todavia estou de contínuo c o n tig o ” . “ A coisa espan to sa” , diz e le noutras pa­lavras, “ é que ainda estou contigo , que ainda m e perm ites v ir à tua p res e n ç a .” A m arav ilh o sa graça de Deus. Q ue seria , se Ele nos de ixasse fic a r naquela outra condição de auto-con- denação e desespero , de nada v e r senão a verdade a respeito de nós m esm os, sem a lív io de nenhum a espécie? M as Deus não faz isso.

A g ora vejam os com o a h istória deste hom em ilu stra os vários aspectos da doutrina da graça de D eus. C e rtas d iv i­sões desta dou trin a costum avam ser reconhecidas quando as pessoas estavam in teressadas na doutrina, e não s im p les ­m ente em estudo b íb lico. O estudo bíb lico é de bem pouco valor se te rm in a em si p róprio e se é p rin c ip a lm en te uma questão de sen tid o das p a lavras. O propósito do estudo das Escrituras é cheg ar à dou trin a. Aqui tem os um a m arav ilhosa exposição da doutrina da graça de Deus. S igam os as subd iv i­sões que outrora eram tão conhecidas.

A p rim e ira tem que ser, necessariam en te , a graça sa l­vadora de D eus. A p rim eira coisa que o sa lm is ta percebeu

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foi que, a despeito de tudo que era verdadeiro sobre e le , Deus, tinha-o perdoado. Porque, se D eus não o tiv es s e per­doado, não es ta ria ainda na presença de D eus. Se Deus tiv es s e tra tad o este hom em com o e le m erec ia , te r ia sido ex ­pulso. Jam ais te ria perm issão de v o lta r à presença de Deus. M as não é este o caso; e le continua na presença de Deus. E para e le esta é a prova absoíuta de que Deus o perdoara.

Os Salm os estão rep le to s d isto . Os irm ãos recordam a d eclaração que está no Salm o 103:10, "N ão nos tra tou segun­do os nossos pecados, nem nos re trib u iu segundo as nossas in iqü idad es". Q ue seria de nós, se o fizesse?! Há outro Salm o que coloca o assunto assim : "S e tu, Senhor, observares as in iqüidades, Senhor, quem s u b s is tirá? " (130 :3 ). Estam os na presença de D eus, e ali estam o s por uma razão som ente , a saber, que com Deus há m isericó rd ia para que seja tem id o . Estam os na presença de Deus porque o nom e de Deus é A m or; estam os ali "porque Deus am ou o m undo” (em seu pecado, arrogância , reb e lião e vergonha) "de tal m aneira que deu o seu Filho un igén ito , para que todo aquele que nele crê não pereça, m as tenha a v ida e te rn a " . Não haveria com eço da v ida c ris tã , não fo ra esta graça salvadora, É apesar de nós que Deus nos perdoa. Som os cristãos não porque som os boas pessoas; som os cris tão s porque, apesar de serm os m ás pes­soas, Deus teve m isericó rd ia de nós e enviou Seu Filho para m o rrer por nós. Som os salvos in te ira m e n te pela graça de Deus; não há contribu ição hum ana de espéc ie nenhum a, e se vocês pensam que há, então estão negando a dou trin a b íb lica cen tra l. Se neste m om ento vocês acham que há em suas pes­soas a lgum a coisa que os recom end e a Deus, não crêem no evangelho deste s a lm is ta ou no evangelho do Novo Testa- m neto . Som os "d eved o res u n icam ente à m is e ric ó rd ia ” . V e jam este hom em ; considerem o que e le estiv e ra fazendo; consi­derem o que e le e s tiv e ra a ponto de dizer; considerem toda a sua a titu d e na presença de Deus. Com o Deus pôde perdoar isso? Por que perdoou? Houve algum a coisa para m erecê-lo? Não houve ab so lu tam en te nada.

Existe som ente um m odo de aproxim ar-se de Deus: é vir a Ele e d izer com o filh o pródigo: "P eq uei contra o céu e d ian te de ti; já não sou digno de ser cham ado teu f ilh o ” . Q uero d izer isto com m uita s im p lic idade e c la reza . Se você acha que tem algum d ire ito ao perdão, você não é cristão , no

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m eu modo de en ten d er. G raça s ig n ifica bondade e b en ig n id a ­de para com pecadores im ere ce d o re s . Deus não foi m ovido por nada, senão pe lo Seu am or, Sua com paixão, Sua m is e r i­córd ia e Sua graça. Se você não vê isso, só hã um a e x p lic a ­ção. É que você nunca viu o seu pecado, nunca passou por aquilo que e s te hom em d escreve na frase an terio r. Se você se tiv es s e v is to com o um an im al, com o um néscio estúp ido , com o um ignorante, se você se tiv e s s e v is to d este m odo re a l­m ente , à v is ta deste Deus santo, não haveria n ecessid ad e de arg u m en tar.

D e ixem -m e dar-lhes ou tra d e fin ição do que é um cristão , É o hom em que com p reen de que, em bora se ja incapaz de perdoar-se a si m esm o, Deus o perdoou; é o hom em que se m ostra m aravilhado ante o fa to de que foi perdoado. Ele não o to m a com o coisa natural e m erec id a . Não o ex ig e com o um d ire ito seu. Nunca faz isso. Em vez disso, e le diz:

A ss im como estou , sem nada a legar, senão que Teu sangue v e rte s te por m im e que me convidas para v ir a Ti;C o rde iro de D eus, eu venho.

Ou:M inhas m ãos vazias trago, à Tua cruz eu só m e apego: nu, suplico que m e v is tas; fraco , busco a Tua graça; v il, im undo, à fo n te corro.Lava-me, Senhor, ou m orro!

É isso que este hom em está dizendo: "Todavia , ainda estou c o n tig o ’’. A desp eito do que fui e do que fiz , a inda estou contigo , por causa do Teu am or, Tua com paixão, Tua graça salvadora . Deus enviou Seu Filho ao m undo apesar de o m undo ser o que é. Q uantas vezes Deus diz isso no V elho T estam en to ! Quantas vezes Ele lem bra aos filh o s de Israel que os salvou do Egito, não porque e les eram o que eram . Foi por am or do Seu santo nom e que o fez; foi por causa do Seu am or e com paixão por Seu povo. E o Novo T estam en to sem p re dá sua grande ên fase a esta m esm a graça salvadora de D eus. "S endo nós a inda pecad o res” , ‘‘estando nós ainda fracos , m orreu a seu te m p o ” . Deus fez tudo e a Ele cabem todo o c réd ito e toda a g ló ria . "T o d av ia” — a d esp eito de

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m im m esm o, não obstante a verdade a m eu resp e ito — "ainda estou contigo".

S igam os o sa lm is ta , porém . Tendo princ ip iado com esta p rim eira com preensão de que, a fina l de contas, Deus está lidando com e le , põe-se então a o lhar um pouco para trás. "Todavia estou de contínuo contigo; tu m e seg u raste pela minha m ão d ire ita ." O que é que e le quer d izer? Podem os encará-lo de dois m odos.

P rim e iram en te , fo ca lizem o s a graça res trin g e n te de Deus. “ Tu m e segu raste pe la m inha m ão d ire ita .” É com o se e le e stivesse dizendo: “ Q uando eu ia indo para baixo, Tu estavas ali. Tu m e puxaste de vo lta ; Tu m e s a lv a s te ” . Os cham ados pais da ig re ja costum avam dar m uita im portância a esta graça res trin g en te de Deus. Parece que nos o lvidam os de la . Q uan­tas vezes vocês a ouviram m encionada, e por que não em p re ­gam os estas grandiosas expressões? Nós nos tornam os anti- bíb licos, esquecem os as nossas doutrinas. M as que g loriosa d o u trin a é esta! Q ue s ign ifica? O sa lm is ta quis d izer que foi Deus que o segurou e lhe im pediu aquela te rr ív e l queda. A s ituação de le era esta: “ Q uanto a m im , os m eus pés quase que se desviaram ; pouco fa lto u para que esco rreg assem os m eus passos". Por que não escorregaram ? A g ora e le com eça a en ten der. A té esta a ltu ra e le não tinh a enxergado isso. O que o salvou foi que Deus o re teve pela sua m ão. Foi Deus que o firm ou um m om ento antes da sua queda fin a l. Deus o envo lvera p ro te to ram en te ; e ju s tam en te quando estava a ponto de cair, Ele o segurou.

O salm ista não via a coisa assim no começo. S im p les ­m ente v ia que estava a ponto de d izer coisas que nunca d e ­veriam ser d itas porque isto seria uma ofensa ao povo de Deus. M as por que viu isso de repente? Q ue o fez pensar dessa m aneira? Donde lhe v ie ra esse pensam ento , “ Se eu dissesse: Tam bém fa la re i assim ; eis que o fen d eria a geração de teu s filhos"? A resposta é que ve io de D eus. Deus o se ­gurou pela m ão d ire ita e o im pediu . Deus colocou o pensa­m ento em sua m en te e o pensam en to o conteve . Ele agora vê isto e, assim , em certo sentido , isto se to rna o grande tem a deste Salm o.

O Salm o 37:24 expressa o m esm o pensam en to . A li o sa l­m ista está descrevendo o ju sto e diz: "A in d a que caia, não f ic a rá prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua m ão ” . É

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o m esm o p ensam ento . É im p o rtan te expo r c la ra m e n te esta verdade . A doutrina, vocês vêe m , não diz que o c ris tão jam ais cai. A h , se cai! M as nunca fica “ p ro s tra d o ” . Esta doutrina diz resp e ito ao apóstata . Estam os sendo c laros? O apóstata é o b v iam en te a lguém que cai; m as é ig u alm en te certo d izer que é a lguém que nunca fic a rá prostrado. A lg u m as pessoas não enten dem esta dou trin a da apostas ia . D izem e les que, se um hom em que p arece cris tão cai em pecado, esse hom em nunca fo i cristão. Estão c o m p le ta m en te errados. Coisas surpreen­d entes podem aco n tecer com o cris tão , e o c ris tã o pode fazer coisas su rp reen d en tes . M as a doutrina co n cern en te ao após­ta ta ensina que, em bora caia, nunca ficará p rostrado . N outras palavras, e le sem p re vo lta ; não p erm an ece no pecado. Tem o qué se cham a, “ queda te m p o rá r ia ” . Há pessoas que parecem cris tãs , m as que nunca fize ra m m ais que dar apenas um asse n tim e n to in te le c tu a l à verd ad e . Nunca nasceram de novo e fin a lm e n te renu nciam à verd ade . Estas pessoas não são apó statas . Só se pode e m p reg ar o te rm o “ a p ó s ta ta " com re fe ­rênc ia ao cris tão verd ad e iro .

P erm itam -m e exp ressar isto c la ra m e n te dando-lhes uma ilu stração . Lem bro-m e de um hom em que eu e outros es tá va ­mos in te ira m e n te certo s de que era c ris tão . M as chegou a ocasião em que tivem o s que v er aque le hom em fa ze r coisas te rr ív e is . Ele fora lib erto de um a vida de e m b riag u ez e im ora­lidade. Foi co nvertid o e se tornou e x c e le n te c ris tã o . C resceu e s p iritu a lm e n te de m an e ira espantosa. M a s , su b seq ü en te ­m en te , aque le hom em fez a lgum as coisas te rr ív e is . De novo se tornou culpado de adultério . Pior do que isso, assaltou a própria esposa e, em sum a, passou a co m p ortar-se de m aneira a m ais d e sp re z ív e l. M u ita g en te com eçou a d ize r que aquele hom em nunca tinh a sido cris tão . M as , a d e sp e ito d isso tudo, eu d isse; “ Este hom em ainda é cris tão ; is to é apostas ia . Ele não vai acabar sua v ida desse je ito ” . Ele fo i de m al a pior, e o povo d isse; "A g o ra o senhor vai a d m itir que e s te hom em não é c ris tã o ? ” Eu disse: “ Este hom em é c ris tão ; e le está v ivend o no in ferno no m om ento , m as v o lta rá " , E, graças a D eus, vo ltou; e um a vez m ais está firm e e se reg o zija na fé . C aiu , m as não ficou prostrado.

Esta dou trin a quase chega a ser te rr ív e l, m as é verd a ­d e ira . A B íb lia não diz que quando um hom em nasce de novo nunca m ais estará su je ito a pecar. S ab em o s que isto não é

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verdade. A B íblia não ensina p erfecc io n ism o . O cristão peca; o cristão está su je ito a pecar te rr iv e lm e n te , h o rrive lm en te . Leiam 1 C orín tios cap. 5. Pesava sobre o hom em a culpa de um pecado ab je to , m as e le voltou. Ele fora tão m au que o apóstolo não pôde fa ze r nada senão en tregá-lo a Satanás. M as esse hom em foi restau rado e retornou. G raças a Deus por isso. Esta é a graça res trin g en te de Deus. Às vezes parece que Ele nos deixa ir longe, bem longe, mas se você é filh o de Deus, nunca irá em bora de um a vez. É im possível.

M as, que d irem os de H ebreus cap. 6? A resposta é que as pessoas descritas ali nunca nasceram de novo. Tinham es­tado sob a in fluência tem p o rária do Espírito Santo. Nunca se insinua que e las tinh am recebido a nova vida algum a vez. Estou fa lando da pessoa regenerada quando digo que, con­quanto possa ir m uito longe, nunca irá em bora para sem pre. Quando olha para trás , para a sua v ida passada, diz: “ A m o r, que não me aban d o n ará !” Jam ais Deus d e ixará que caiam os d e fin itiva m en te . Este hom em quase tinha escorregado , m as diz; “ Tu me segu raste pe la m inha mão d ire ita " . Não lhe foi perm itid o cair c o m p le tam en te .

M as vam os dar outro passo. Há outra p arte desta d o u tri­na concernente à graça ensinada neste vers ícu lo , e é a dou­trin a da “ graça res tau rad o ra". Está no m esm o vers ícu lo . “ Tu m e seguraste pela m inha m ão d ire ita " . Esta é, de novo, uma p arte deveras m arav ilhosa da doutrina. A o olhar para trás , o hom em com eça a co m p reen d er tudo. Ele chegara a v e r que D eus estava segurando a sua mão d ire ita , e que no ponto vita l Ele o puxara de vo lta . M as Deus não parou aí. Q ue foi que o tro u xera de volta? Ele era tão m iseráve l, tão invejoso dos néscios! Que foi que o tro uxe de vo lta e o capacitou a enten der? Talvez alguns achem que esta é um a pergunta des­necessária , porque v im os que isso resultou in te ira m e n te da sua ida ao santuário de D eus. Ele m esm o nos diz isso. “ Q uan­do pensava em co m p reen d er isto, fiquei sobrem odo p e rtu r­bado; a té que en tre i no santuário de Deus: então entendi eu o fim d e le s " . O que restau rou o hom em foi a sua decisão de ir ao santuário de Deus.

M as isso é som ente um a resposta su p erfic ia l. A pergunta que d evem os faze r é esta: que foi que o fez ir ao santuário de Deus? A li estava e le , a lim en tand o o seu agravo e dizendo: “ Isto não é d ire ito ; D eus não é justo . Tenho lavado as m inhas

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m ãos e purificado o m eu coração, e apesar d isso estou s em ­pre em d ificu ld ades, enquanto os ím pios são in te ira m e n te fe liz e s ” . O evangelho não lhe p arec ia verd ad e iro . Então, sub i­tam en te , e le sentiu que prec isava ir ao santuário de Deus. M as o que o levou lá? Há so m en te um a resposta para isso: a graça res tau rad o ra de D eus, M eu a lv itre é que e le fo i iá porque Deus colocou isso na m en te de le . Com o d izem os com tan ta frivo lid a d e , foi algo que lhe "o c o rre u ” . M as por que lhe ocorreu aquilo? A resposta é: D eus o colocou em sua m ente.

D e ixem -m e re to rn ar ao cris tão que caiu e se tornou cu l­pado de ad u lté rio e enganou e roubou sua própria esposa. Eis o res tan te da sua h is tó ria . Ele abandonou o lar, veio para Londres, e ficou vivendo no ad u lté rio . Seu d in h e iro chegou ao fim . Ficou em ta! estado de e n v ile c im e n to e m isé ria que re ­solveu co m e te r su ic íd io . R ebaixou-se a ponto de n ive lar-se a uma escória hum ana. F in a lm en te , um dom ingo à no ite , quando cam inhava para o d ique, de term in ad o a a tira r-se no Tâm isa e acabar com tudo, de rep en te lhe "o c o rre u " v ir a e s te e d ifíc io , veio e sentou-se na g a le ria enquanto eu conduzia o povo em oração. Eu não sabia que e le estava lá, m as d isse algo sobre o am or de D eus, a té pelo ap óstata . Eu d isse aquilo de súbito , sem p rem ed itação , sem sab er de nada. E o que eu d isse, apesar de ser apenas um a fra s e estranha, fo i com o um a flech a de luz vinda de Deus àquela pobre a lm a. Ele vo ltou para Deus e tudo está bem com e le . Eis a graça res tau radora de Deus! Lá estava e le andando pelas ruas quando, de repen te , sentiu d ese jo de en tra r no santu ário . Por quê? Porque Deus o m an­dou en tra r, D eus pôs o p ensam en to na m en te de le , e ele entrou . Deus tam b ém pôs na m inha m en te a coisa que eu disse, e eu a p ro feri em m inha oração. Não fui responsável; eu estava co m p le ta m en te in co n sc ien te daquilo . Essa é a m aneira com o Deus age.

A h is tó ria da ig re ja é rica de casos com o esse. Leiam a obra de Hugh Redw ood, D eu s nas Favelas (G od in th e S lum s) e D eu s nas Som bras (G od in th e S hadow s), ou le iam Um Tição Tirado do Fogo (A Brand fro m th e B urning), de Percy Rush. São ilu strações da m esm a coisa, hom ens e m ulheres convertidos m as extrav iad os , a p aren tem en te afastados de um a vez, durante m uitos anos. Com o foi que o próprio Hugh R edw ood vo ltou? Ele era jo rn a lis ta e, enquanto co le tava in fo r­m ações sobre a ench en te do Tâm isa em 1927, de novo se

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encontrou com o E xército de Salvação. A lguns anos antes e le fo ra convertido a través do E xército de Salvação, m as depois se tornou um apóstata . A ss im , a té uma ench en te pode ser necessária para tra ze r de vo lta um filho a D eus. Todos esses fa tos dão testem u n h o da graça restau radora de Deus.

Deus tro uxe de vo lta estes hom ens. E xatam ente quando chegam os ao nosso lim ite , quando estam os no m aior desam ­paro e quando estam o s p res tes a ab rir cam inho para o d eses ­pero fin a l, quando a té som os levados, ta lvez, à idéia de su i­cídio , su b itam en te , Deus in te rvém , ta lvez m esm o no ú ltim o instante, e nos traz de vo lta . Ele nos res tau ra à com unhão— com unhão com Ele m ais p a rticu la rm en te , mas tam b ém à com unhão de Seu povo, e nos devo lve a a leg ria que havíam os perd ido. Ele nos e leva , tirando-nos “ da cova h o rríve l, do lam a­ça l'', firm a na rocha os nossos pés e norm aliza o nosso andar.

Davi, rei de Is rae l, sabia algo a resp e ito d isto . Ele pecara tão g ravem ente que o único modo pelo qual Deus pôde tra- tá-lo foi enviar-lhe o p ro fe ta N atã . E N atã deu-lhe c iência do seu pecado na fo rm a de um a parábola, d izendo-lhe por fim , com toda a franqueza: “ Tu és o h o m em '1 (2 Sam uel cap. 12). Então Davi viu a sua cu lpa e isso o levou à produção do Salm o 51 e à confissão do seu pecado. M as e le não pára nesse ponto. O c ris tão nunca pára nesse ponto. O rem orso pode faze r isso. Pode faze r você condenar-se e depois, ta lvez , c o m eter su ic íd io . M as o c ris tão vai ad iante e diz com Davi: “ Lava-m e’’; “ R estitu i-m e a a leg ria da tua salvação".

A ssim é a graça restauradora de D eus. Ele dá recupe­ração à a lm a, conform e o Seu m aravilhoso am or e a Sua adm irável bondade. Podem os resu m ir assim a doutrina. Na vida c ris tã nada é fo rtu ito ; nada acon tece ou se passa por acaso. H averá algum a coisa m ais consoladora, m ais m arav i­lhosa do que saber que estam os nas m ãos de Deus? Ele con­tro la todas as coisas. Ele é o Senhor Deus Todo-poderoso, o Senhor do universo, que faz todas as coisas de acordo com o conselho da Sua vontade e terna . Ele derram ou Seu am or sobre você; portan to , nada pode fe ri-lo . “ A té os cabelos da vossa cabeça estão todos contados." Ele não p e rm itirá que você se perca. Pode aco n tecer que você caia p rofundam ente em pecado e que se e x tra v ie para longe, m as não ficará prostrado d e fin itiva m en te ; Ele o segurará, im pedindo-lhe a queda fin a l. Ele sem pre o traz de vo lta . “ Ele res tau ra a m inha

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a lm a", diz o sa lm is ta . E depois de res tau rar-lh e a a lm a, Ele o conduzirá a “ pastos v e rd e ja n te s " e “ para ju n to das águas de descan so ” . E Ele o tra ta rá de m an e ira tão m arav ilho sa que você achará d ifíc il c rer que fo sse possível chegar a fa ze r o que fez. Õ a graça restauradora de Deus!

Não é a nossa ignorância o nosso m aior problem a? Fa­lam os tan to das nossas d ecisõ es e do que fazem os! P rec isa­m os ap rend er a pensar desta outra m an e ira e a e n xerg ar que é D eus quem faz isso tudo. V o cê nunca se decid iu por C ris to ; foi Ele que lançou m ão de você e, para e m p reg ar a expressão de Paulo, prendeu-o (ver F ilip en ses 3 :12 ). Por isso você deci- diu-se. V á a lém da sua decisão . Q ue é que o levou a decid ir-se? V o lte ao princ íp io , à graça de D eus. Tudo é Sua graça e, se não fo sse , a inda quando você se dec id isse por C ris to , bem depressa se d ec id iria por outra coisa, ca iria , e se iria de uma vez. M as você não pode cair da graça de D eus. Em seu turvo in te le c to e em seu confuso p ensam en to pode, não porém de fa to . Ó a g raça salvadora de Deus! M as depois p rec isam os ser res tring id o s e, quando cairm os, p rec isarem o s ser res tau ­rados. E Ele faz isso tudo! É p rec iso en ten d er que “ Deus é o que opera em v ó s ”, do princ íp io ao fim . G raças a D eus por Sua graça adm iráve l — graça salvadora , re s trin g e n te , m ara­v ilhosa graça salvadora! “ Todavia ainda estou co n tig o .” É quase in críve l, m as é verdade . “ A in d a estou co n tig o .”

9A PERSEVERANÇA FINAL DOS SA N TO S

Guiar-me-ás com o teu conselho , e depois m e receb erás em glória, (v. 24)

Em nosso ú ltim o estudo com eçam os a con s id erar o ensi­no b íb lico sobre a graça de D eus com o vem ilustrado na

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história do autor deste S alm o, A proposição gera l é que a salvação é in te ira m e n te “ pela g raça . . . por m eio da fé; e isto não vem de vós: é dom de D e u s ” (E fés ios 2 :8 ). É toda pela graça. Deve-se in te ira m e n te a Deus a g lória pela sa lva ­ção de cada alm a. Tem os aqui a grande fó rm u la da R eform a P ro testan te que jam ais devem os esqu ecer. D epois vim os que se pode pensar no ensino b íb lico com resp e ito a isto em certas categorias. P rim eiro , a “ graça s a lvad o ra” . Esta é a m aneira orig inal pe la qual a graça vem a nós, trazendo o p er­dão de pecados. D epois, a “ graça re s tr in g e n te ” . O bservam os que foi Deus quem segurou es te hom em . Seus pés quase se fo ram . Por que e le não escorregou? Ele achava que era a recordação da in jú ria que e le es ta ria fazendo ao irm ão m ais fraco. M as a questão é, quem pôs isso na m ente dele? Foi Deus. Deus nos res trin g e . Deus p erm ite que os Seus filhos vagu eiem para m uito longe, às vezes tão longe que algum as pessoas dizem : "A q u e le hom em nunca foi filho de D e u s ” . M as, com o vim os, isso é não en ten d er a doutrina acerca da apostasia . Deus p arece deixar-nos p e rco rre r longo cam inho, m as nunca perm ite que percorram os o cam inho todo. Ele nos segura pela nossa m ão d ire ita , Ele nos res trin ge .

Depois vim os a operação da “ graça res tau rad o ra” . Deus tro u xe este hom em de vo lta e o levou ao santu ário . Não foi apenas um pensam ento ocioso que entrou em sua m ente , fazendo-o dizer: "B em , por que não ir à casa de D eu s? ” Q u a l­quer hom em ou m ulher que se tenha a fastad o de Deus, lendo estas palavras verá , ao exam inar a sua própria experiên c ia , que o que ju lgava te r-lh e vindo com o um im pulso repentin o não era um im pulso repen tin o , ab so lu tam en te , m as, s im , Deus colocando isso em sua m en te . Ele dom ina a nossa m ente e o nosso pensam ento. Ele tinha levado este hom em ao santuá­rio e, com o resultado, tinha-o restaurado.

Esse é o ponto a que chegam os. Tudo isso p erten ce ao seu passado. O sa lm is ta ainda está , por ass im d izer, olhando para trás . Ele não pode esquecer-se d isto , deste " to d a v ia ” , desta coisa estupenda, “ a inda estou na presença de D eu s", diz ele; "D eus ainda olha para m im e se preocupa com igo, Deus ainda está in te ressad o em m im , a desp eito do que es tiv e fazendo e a despeito do que eu quase f iz ” . "Todavia estou de contínuo contigo ,” Ele não pode desprender-se disso, e diz: "Estou aqui por causa de Deus e por causa da Sua g raç a ” .

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E então , c ien te disso, vo lta-se para o futuro . C om o será? Sua resposta é: "O fu tu ro vai ser a m esm a coisa. Estou de con­tínu o nas m ãos de D eus. Um a vez que ‘‘tu m e seg u ras te pela m inha m ão d ire ita ” , “ guiar-m e-ás com o teu conselho , e d e ­pois m e receb erás em g ló ria ” .

O p rim e iro ponto que devem os ass in a la r aqui é que m ais este passo que o sa lm is ta dá é de fato in te ira m e n te in e v itá ­vel, em v is ta daquilo que e le já d isse. Para m im a q uestão toda depende dessa proposição . M eu arg u m en to é que o hom em que já com p reen deu o que o s a lm is ta com p reen deu a resp e ito do passado, n e cessariam en te , e pe la lógica in ev i­táve l, te rá que Ir ad ian te e d ize r isto a res p e ito do fu tu ro . Portanto, se não som os capazes de d izer o que e s te hom em diz acerca do fu turo , s ig n ifica que há d ificu ld a d e em nosso en ten d im en to do passado. N o utras palavras, a v ida c ris tã é um todo. A dou trina da graça é una e in d iv is íve l; não se pode to m ar p artes dela e d e ixar outras. É tudo ou nada. A ss im eu digo que e s te hom em vai fa ze r esta declaração porque num c erto sen tid o é obrigado a fazê -la . Ele a rg u m en ta m ais ou m enos assim : “ Eu fui res trin g id o ; fu i seguro p e la poderosa m ão de D eus, quando quase m e perdera. C om o resultado da Sua graça, estou na presença de Deus e agora tenho p razer na p resença de Deus. Por quê? Bem , por causa da graça res ­tau rad o ra de D eus. M as agora surge a questão: por que Deus m e tra tou desse modo? Por que m e restrin g iu ? Por que m e restaurou? Há só um a resposta a essa indagação. Deus fez isso porque eu Lhe p erten ço , porque Ele é m eu Pai, porque eu sou Seu filh o . Noutras p a lavras, não é algo aciden ta l ou fo rtu ito . D eus m e fez isso por causa da re lação que e x is te en tre nós e, portan to , se isso é verdade, Ele continu ará fa ze n ­do o m esm o no fu tu ro ” .

Noutros te rm o s , quer o percebam os ou não, estam os considerando o que se d escreve com o a dou trin a da “ p ers e ­verança fin a l dos santo s". Estam os fa m ilia riza d o s com isto? Não há outra dou trin a tra z id a à luz pela R efo rm a P ro testan te que tenha dado m ais a leg ria , fo rta le za e consolo ao povo de D eus. É a dou trina que sustentou os santos da era do Novo T estam en to , com o v erem o s , e desde aque le tem p o não tem exis tid o nada que tan to ten h a firm ado e es tim u lad o o povo de D eus. Ela exp lica algum as das m aio res proezas reg istradas nos anais da ig re ja cris tã . O s irm ãos não com eçarão a e n ten ­

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der pessoas como os pactuários da Escócia e os puritanos— hom ens que deram as suas vidas, e o fize ram com bastante a leg ria e g lória — exceto à luz desta doutrina. É a exp licação de a lgum as das coisas m ais espantosas que acon teceram na ú ltim a guerra; é a única m aneira de en ten d er alguns cristãos a lem ães que puderam en fre n ta r um H itle r e desafiá-lo .

A g o ra o salm ista nos dá notável a firm ação dessa dou­trin a . Ele se volta para D eus, e o que diz é isto: “ G uiar-m e-ás com o teu conselho, e depois m e receberás em g ló ria" . M u ito s com entadores d iverg em sobre o exato sentido disso. A lguns não gostam da palavra “ depo is". D izem e les que de­v eríam o s ler, "G uiar-m e-ás após a g ló ria ” . Todavia o sentido de am bos é o m esm o. “ D e p o is .” Q u er coloquem os estas pa­lavras no presente quer no fu tu ro , há um e lem en to contínuo aí. O que e le está d izendo é, “ Tu estás fazendo isto agora, e continuarás fazendo-o; e “ d e p o is ” — g ló ria ” . O sa lm is ta não está expressando um a piedosa esperança; está abso lu ta ­m ente certo , como o res tan te do Salm o o exp lica extensa e m inuciosam ente .

Esta é uma doutrina que se acha na B íblia in te ira , tanto no V elho Testam ento com o no Novo. Os santos do V e lho T estam en to v iveram todos à luz de la . Ela constitu i toda a exp licação dos heróis da fé m encionados em H ebreus cap. 11, de A b el em d iante . V ê -se com p articu lar c la reza no caso de Noé. Noé era um estranho e to lo excên trico para a sociedade em que v iv ia . Parecia tão rid ícu lo , constru indo um a arca! Ele não era com o as outras pessoas, que v iv iam para este m undo. Não, e le estava se p reparando para um a c a tá s tro fe . Por quê? Porque conhecia a D eus, confiava nEle e só dese java agra- dá-IO . Há uma m ag n ífica a firm ação da dou trina em H ebreus 11:13-16: “ Todos es tes m orreram na fé , sem te re m recebido as prom essas, m as vendo-as de longe e crendo-as e abraçan­do-as, confessaram que eram estran g eiro s e p eregrinos na te rra . Porque, os que isto d izem , c la ram en te m ostram que buscam um a pátria . E se, na verdade, se lem b rassem daquela donde haviam saído, te ria m oportunidade de to rn ar. M as agora dese jam um a m elh or, isto é, a c e le s tia l. Pelo que tam ­bém Deus se não envergonha de les , de se cham ar seu D eus, porque já lhes preparou um a c id ad e” .

Esse é um p e rfe ito sum ário da m an e ira pe la qual v iv iam os fié is do V elho Testam en to ; exp lica a sua fé e a sua f ilo ­

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sofia de vida. É uma declaração da doutrina da p reservação fina l dos santos. No Novo T estam en to a doutrina é m uito m ais clara , com o deveríam os e sperar. E é m ais c la ra por esta boa razão, que agora o Filho de Deus já esteve na te rra e realizou a Sua obra, e, portan to , devíam os te r m uito m ais segurança do que os santos do V e lho Testam ento . Eles tinham segurança, m as nós devem os e s ta r d up lam ente segu ros. O Filho de Deus desceu à te rra e retornou ao céu. Ele foi per­cebido, tocado, e Seu lado fe rid o foi apalpado. Tem os essa prova toda, e não só essa — o Espírito Santo foi dado de um modo não exp erim en tad o an tes da v inda de C ris to . O e fe ito disso tudo d everia ser o de tornar-nos d up lam ente seguros desta g loriosa e assom brosa doutrina da p erseverança fina l dos santos.

Ao considerar esta dou trin a, estam os olhando para a v e r­dade acerca do apóstata de um modo positivo . A n te r io rm e n te a olham os de m aneira negativa , considerando os aspectos res- trin g e n tes e res tau radores da graça de Deus, Se agora a colocam os em sua fo rm a positiva , e no fu turo , tem os a dou­trina da perseveran ça dos santos. Por que Deus não deixa que o apóstata se vá de um a vez? Por que d izem os que o apóstata sem p re vo lta , e n ecessariam en te o faz? Esta dou­trin a fo rn ece a exp licação.

V e jam o s, pois, esta grande doutrina. Q ue provas tem os dela? Esta palavra do Salm o que estam os considerando é uma das m elh o res . M as ouçam algum as das a firm açõ es do Novo Testam ento . O uçam as pa lavras do Senhor Jesus C ris to em João 10:28-29: “ E dou-lhes a v ida e terna , e nunca hão de pe­recer, e n inguém as a rreb ata rá da m inha m ão. M eu Pai, que mas deu, é m aior do que todos; e ninguém pode arreb atá-las da m ão de m eu P ai’ ’.

O ra, essa a firm ação em si e por si é m ais que s u fic ie n te . Essas pa lavras foram p ro ferid as pelo nosso b end ito Senhor e Salvador, m esm o sem nenhum a reserva. São um a asserção dogm ática, um a segurança abso lu ta . Não pod eriam ser m ais fo rtes . M as co nsiderem tam b ém outras passagens da E scri­tura. V e jam a parte fin a l de H ebreus cap ítu lo 6 e H ebreus capítu lo 11. Pode ser que vocês não conheçam bem estas passagens, e ta lvez haja co isas não c laras p ara vocês. M as, deixem -m e lem b rar-lhes um a grande a firm ação do lorde Bacon, que d isse: “ Não de ixe que as coisas in certas lhe roubem

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aquilo de que você tem c e rte z a ” . Q ue a firm ação profunda, em qualquer n íve l! Q uando ap licada às doutrinas esc ritu rís tica s , s ig n ifica o segu inte: e is aqui um a a firm ação categórica fe ita por nosso Senhor, a firm ação c la ra e s im p les . Não pode haver equívoco sobre ela; é abso lu tam en te certa . M u ito bem , quando vocês deparam com outras passagens, que parecem ser in­c ertas , que fazem a resp e ito delas? A b rem mão da coisa de que estão certos? O lorde Bacon a firm a que se vocês forem sábios, nunca p erm itirã o que aquilo de que estão incertos lhes roube aquilo de que estão certo s . O que o nosso Senhor diz é uma certeza absoluta; portan to , estabeleçam -no com o uma proposição abso luta . D epo is , tom em os outros vers ícu los e os exam in em à luz de la .

Se fize re m isso, verão que não há m uita d ificu ldade . Com o ass ina le i antes, de passagem , em tex to s com o os p ri­m eiros vers ícu los de H ebreus cap ítu lo 6, não há nenhum a afirm ação no sentido de que estas pessoas nasceram de novo. Nunca se esqueçam de que ex is tem pessoas que podem parecer-lh es que se to rnaram cris tãs , que subscrevem as a f ir ­m ações corre tas e que podem m o strar-lhes m uitos outros s ina is , m as não se segue que são cris tão s renascidos. Podem te r "provad o " o dom c e le s tia l, podem te r exp erim en tado algo do poder do Espírito Santo, m as isto não s ign ifica necessaria ­m ente que receberam v ida de Deus. A doutrina da p ers e ve ­rança dos santos ap lica-se som ente aos que receb eram a vida.

C o nsiderem agora aquelas repetidas a firm açõ es de Ro­m anos capítu lo 8, e e sp ec ia lm en te o vers ícu lo 30: "E aos que pred estinou a estes tam b ém cham ou; e aos que cham ou a estes tam b ém ju stifico u ; e aos que ju stifico u a estes tam bém g lo rifico u " . O apóstolo Paulo ensina aqui, mui c la ram en te , que, se Deus ju s tifico u um hom em , já g lorifico u esse hom em . Todo o conteúdo dessa porção da E scritura não é senão uma tre m en d a exposição da doutrina da p erseverança fina l dos santos, term inando com o desafio final ‘‘Q uem nos separará do am or de C ris to ? ” e “ estou c erto " (ab so lu tam en te certo , de acordo com a fo rça do orig inal grego) “ de que, nem a m o rte , nem a vida . . . nos poderá separar do am or de D eus, que está em C ris to Jesus nosso S enhor” . D epois to m e outra passagem : “A q u e le ” , diz Paulo aos filip en ses (1 :6 ), “ que em vós com eçou a boa obra a ap erfe içoará até ao dia de Jesus

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C ris to " . D epois vá ad ian te , a 1 Pedro 1:5. Diz o apósto lo que nós estam o s “ guardados pelo poder de D eus, m ed ian te a fé , para salvação preparada para rev e la r-s e no ú ltim o te m p o ” . E assim por d iante! P oderíam os passar horas apenas citando a Escritura no m esm o sentido .

Com base nestas a firm açõ es , em que co n s is te exa ta ­m ente e s te ensino? Q ue verdades podem b asear-se nestes argum entos? Com o podem os provar, com o podem os dem ons­tra r esta doutrina? P arece-m e que o ensino pode ser subdi­vid ido da segu inte m aneira: e s ta verdad e se baseia no im u­táve l c ará te r de D eus. "O s dons e a vocação de D e u s ” , d isse Paulo, “ são sem a rre p e n d im e n to ” . Ele é o “ Pai das luzes, em quem não há m udança nem som bra de v a r ia ç ã o ” . A vontade de Deus é im utáve l, e é im u táve l porque Deus é D eus. O que Deus quer, Deus faz; o que D eus se propõe, D eus execu ta . A im utável vontade de Deus é o sólido fu n dam ento de tudo. Se não cre io nisso, não tenho fé nenhum a. É um a v erd ad e abso­lu ta que Deus exis te . “ Eu sou o que s o u ” , sem p ite rn o , im u­táve l e sem pre o m esm o. N o utras pa lavras, D eus, d ife re n te ­m ente do hom em , nunca dá com eço a um a obra só para aban­doná-la m ais tarde. Isso é bem típ ico de nós, não é? Tem os nossos novos in teresses e v ivem o s por e les; e depois d es is ­tim os de les. Todos propendem o s a ser ass im ; D eus, porém , não é assim . Quando Deus com eça um a obra, Deus a com ­p leta . Deus é incapaz de d e ix a r qualquer co isa fe ita pela m etad e . Esta é a rocha que serv e de fu n d am en to para toda a nossa posição. Deus nunca se nega a Si p róprio , nunca é in coeren te . Não há contrad içõ es em D eus, tudo é reto e claro. Ele vê o fim desde o p rin c íp io — ■ assim é D eus. Se nós não nos apoiarm os na vontade e nos desígn ios im u tá ve is de Deus, não te rem o s coisa nenhum a em que nos apo iarm os.

O segundo argu m ento que eu deduzo re lac io n a-se com os propósitos de Deus. S eg u ram en te não há nada m ais claro nas Escrituras, do com eço ao fim , do que o fa to de que Deus tem um grande propósito , e que o Seu p ro p ó s ito é sa lvar os que c rêem . Não podem os le r a Bíblia h o n es tam e n te e sem p reco n ce ito sem verm o s isso com bastante c la reza . Ela nos dá um re la to da “ Q u e d a ” e da hum anidade em pecado. M as depois apresenta a m ensagem da graça. Q ue é isso? Não é m o strar o propósito de D eu s , de salvar os que crêem ? Agora vou expressá-lo deste modo d e lib e ra d am e n te . A B íb lia a firm a

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c la ram en te que há certas pessoas que vão passar a e te rn i­dade em g lória, e que há certas outras pessoas que não. Se isso não é o evangelho, então o que é? Nós vem os em toda parte da B íblia esta d ivisão , e s te ju lgam ento , esta separação en tre o povo de Deus e os que não são povo de D eus. É pro­pósito de Deus, digo eu, sa lvar os que crêem , e este propó­s ito é im u táve l. É um propósito que tem que ser levado a cabo. Por quê?

Isso me leva ao m eu próxim o argum ento o qual se re la ­ciona com o poder de D eus. A g ora es te mundo é governado por um poder antagônico a D eus. É descrito com o "o deus d este m undo” ou "S a ta n á s ” , e organizou as suas forças com tão incom um habilidade, poder e su tileza que tudo nesta vida e neste m undo é posto contra o povo de D eus. Tentações, sugestões , insinuações, a p e rsp ectiva global, todas as te n ­dências — não necessito d escrever estas coisas todas — são contra nós. E ob v iam en te a questão que se levanta é esta: aqui está um hom em que é filho de Deus; com o se con­duzirá a través disso tudo? Não é in ev itáve l que e le caía? Leiam o V elho Testam ento e verão estes justos caindo em pecado, en tre e les Davi, e m uitos outros. Com o posso esta r certo e seguro de que posso prosseguir? A resposta é que eu sou m antido pelo poder de Deus, susten tado por esta graça de Deus — "Tu m e segu raste pela m inha m ão d ire ita ” . Essa é a única base — o poder de D eus. N a tu ra lm e n te é um poder invencível, ilim itáv e l e in te rm in áve l. A í está por que o apósto lo Paulo, ao o rar pe la ig re ja em Éfeso, roga trê s coisas para aqueles irm ãos (ver E fésios 1:18-19), O ra para que sa i­bam "qual seja a esperan ça da sua vocação ” . O ra para que saibam "quais as riquezas da glória da sua herança nos san­to s", e tam bém "qual a s o b reexce len te grandeza do seu poder sobre nós, os que c re m o s ” , p rec isam en te o poder pelo qual Ele ressuscitou dos m ortos a nosso Senhor Jesus C ris to . " A g o ra ” , é com o se Paulo d issesse a estes e fés io s , "é isso que estou rogando a Deus por vocês. V ocês estão num a so­c iedad e pagã e estão passando por um período te rr ív e l. A coisa m ais grandiosa que vocês podem saber é esta , que o poder que está operando em vocês é o poder que Deus e x e r­ceu quando trouxe o Seu Filho dentre os m ortos e O ressus­c ito u ". É esse o poder que está agindo por nós, em nós. Vocês vêem que ele não se co n ten ta em dizê-lo um a vez; e le o re-

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pete, dá-lhe ên fase . 0 poder de D eus é de ta l e sp é c ie que Ele “ é poderoso para fa ze r tudo m u ito m ais abu n d an tem ente além daquilo que pedim os ou pensam os, segundo o pod er que em nós o p e ra" (E fés ios 3 :20 ).

M a s eu tenho um arg u m en to que é m uito m ais poderoso que tu d o qu e eu disse. T e n h o um a coisa que é até m esm o de m aio r v a lo r p rático para m im e para vocês do que as dou­trinas da vontade de D eus, do pro p ó s ito de D eus e do poder de D eus. Som os tão lerdos para ouvir, e tão lentos nas coisas esp iritu a is que estas proposições podem parecer-nos rem otas e a b s tra ta s . Portanto, dar-lhes-e i a lgum as provas concretas tirad as da h is tó ria , ou se ja , um a d em o n stração p rá tica da­quilo que venho d izendo . V em o s isso na parte res tan te do que e s te hom em diz no vers íc u lo 24 d e s te S a lm o . C o m ece i dizendo que e le encara o fu tu ro e que o faz em te rm o s do que deduz do passado, Ele o faz com m u ita lóg ica. D iz e le que D eus, que o tra to u com tan ta ben ig n id ad e , de m an e ira ne­nhum a poderá abandoná-lo. D e ix e m -m e , p orém , pôr isso em suas v e s tes n e o te s ta m e n tá ria s . Paulo o coloca ass im . "S e (gosto deste "s e " , gosto da ló g ica do Novo T e sta m en to ) nós, sendo in im igos, fom os reco n c iliado s com D eus pela m o rte de seu F ilho, m uito m ais , estando já reco n c iliad o s , serem os sa l­vos pe la sua v id a ” (Rom anos 5 :1 0 ). Os irm ãos podem re fu ta r essa lógica? Estão vendo o que e le diz? Se e s te D eus onipo­te n te enviou Seu u n igén ito e am ado Filho para m o rre r na cruz do C a lv á rio por nós quando é ram o s in im ig o s , quanto m ais serem o s salvos pe la Sua v ida? O D eus que fez isso por nós não pode deixar-nos agora. Ele Se negaria a Si m esm o, se o fize s s e . Tendo fe ito o m aior, não pode recusar-se a fa ze r o m enor. D eve fazê-lo .

M as o apósto lo , conhecendo-nos, rep ete -o em Romanos 8:32: ‘‘A q u e le que nem m esm o a seu próprio F ilho poupou, antes o en tregou por todos nós, com o nos não dará tam b ém com e le todas as co isas? ” Ele não poupou a Sua hum ilhação; não poupou o Seu so frim en to ; não O poupou da a fro n ta dos que cusp iram nEle, nem da c ru e l coroa de esp inhos, nem da agonia dos cravos m arte lado s e m Suas santas m ãos e pés; não Lhe poupou o golpe to ta l da Sua ira co n tra o pecado. ‘ ‘A q u e le que nem m esm o a seu próprio F ilho poupou . . . com o não nos dará tam b ém com e le to d as as c o is as ? ” V ocês que­rem m ais a lgum a coisa? Se isso não é s u fic ie n te , perco a

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esperança a seu resp e ito . O Deus que fez isso por nós está com prom etido a dar-nos tudo que é essencial para a nossa salvação fin a l. É in im aginável que não o faça. O nosso tra ­balho nunca é vão no Senhor, se crem os no que Paulo diz em1 C orín tios 15. E se isso é verdade a respeito do nosso tra ­balho, quanto m ais em relação ao traba lho do Senhor!

P erm itam -m e dar-lhes um ú ltim o argu m ento . A própria m aneira pela qual som os salvos é prova fin a l, parece-m e, da doutrina da perseveran ça fina l dos santos. Q ue é que estou querendo dizer? Q uero d izer que som os salvos por nossa união com Cristo . Esse é o ensino de Rom anos cap ítu los 5 e 6. Se alguém já está em C ris to e unido a Ele, nunca m ais de ixará de estar. Esse tornou-se in d isso lu ve lm en te p arte dEle, está unido a C ris to . A doutrina da ju s tifica çã o prova isto do m esm o m odo. Diz Deus: "D e seus pecados e de suas p revaricações não me lem brarei m a is ” . Nós m orrem os com C ris to ; fom os crucificados com C ris to ; fom os sepu ltados com C ris to ; res ­suscitam os com C ris to ; nós nos assentam os com Ele nos lugares c e les tia is . Tudo que é verdade quanto a Ele é verdade quanto a nós. E isso poderá de ixar de ser? A dou trina do novo nascim ento ensina a m esm a coisa. Som os p artic ip an tes da natureza d ivina. Adão não era. Adão recebeu um a retidão po­s itiva , mas e le não era partic ipan te da natureza divina. Ele foi fe ito à im agem e sem elhança de D eus, e nada m ais; mas o hom em que está em C ris to , o hom em que é C ris tão , o ho­m em que nasceu de novo, é p a rtic ip an te da natureza d iv in a ” . C ris to está nele e e le está em C ris to .

V erifiqu em a lógica destas proposições. Se vocês crêem nessas doutrinas, verão que certas coisas se lhes seguem in ev itave lm en te . Não posso en ten d er as pessoas que dizem que um hom em pode nascer de novo hoje, m as que am anhã ele pode de ixar de ser um renascido. É im p oss íve l, é m ons­truoso, é quase b las fêm ia sugerir isto . Podem os te r e x p e riê n ­cias que vêm e vão; podem os to m ar decisões e depois renun­ciá-las. M as a Bíblia nos ensina a a tiv idade e a ação de Deus. E quando Deus faz um a obra, esta fica d e fin itiva m en te fe ita ; e se alguém está em C ris to , está rea lm en te em C ris to . Se um a pessoa é um p artic ip an te da natureza d ivina e se uniu a C ris to e foi fe ito um a parte dEle, em união esp iritu a l, não pode haver rom pim ento .

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Eis aí, irm ãos, os arg u m ento s para provar e com p ro var esta dou trin a. Resta agora a questão de com o Deus o faz. Corrio nos susten ta Deus? O s a lm is ta o expressa deste m odo: “ G uiar-m e-ás com o teu co n selho ". Ele conduz; Ele guia. Ele faz todas as coisas que e s tiv e m o s considerando em nosso estudo a n terio r. Ele nos res trin g e , Ele age den tro de nós - “ operai a vossa salvação com te m o r e trem o r; porque Deus é o q u e opera em vós ta n to o q u erer co m o o e fe tu a r" (F il i- penses 2 :12-13). É assim que D eus preserva o Seu povo; é assim que Ele nos sustém por Sua graça; é ass im que Ele nos lib e rta do pecado. Ele opera em nós — em nossas m entes , com o tam b ém em nossas d ispo sições e d ese jo s . Pedro, no in íc io da segunda Epísto la , lem bra às pessoas a quem está escreven d o que lhes foi dado “ tudo o que diz res p e ito à vida e p ied ad e". Todas as co isas — tudo que é n ecessário para v iverm o s uma vida consagrada — são-nos dadas nas E scritu ­ras, no Espírito Santo, na Pessoa de C ris to . Por m eio destas coisas Deus nos conduz e nos su stém , Ele nos segura e nos a p erfe iç o a . Ele lida conosco. Som os obra de Suas m ãos, e o Seu c inzel é usado em nós. V ocê es te ve doente? D eus pode tê -lo fe ito . “ Por causa d isto há en tre vós m uitos fracos e d o e n te s ” , diz Paulo em 1 C o rín tio s 11:30. D ev id o alguns m em ­bros da ig re ja em C o rin to não se exam in arem e não se ju lg a ­rem a si m esm os, Deus tiv e ra que tra tá -los por m eio de m o­lés tias e doenças. “ O Senhor co rrig e o que am a, e aço ita a q u a lq u er que recebe por f ilh o ” (H ebreu s 12:6 ). M u ita s vezes isso faz p arte do processo que Ele em prega para m anter-nos e levar-nos àquela g lo rificação que nos aguarda.

P erm itam -m e te rm in a r com isto . A o .q u e nos leva este processo todo? De acordo com e s te hom em , leva-nos à "g ló ­r ia ” . “ G uiar-m e-ás . . . e d epo is", ou, se p re fe rem a outra tra ­dução, “ G uiar-m e-ás . . . e m e conduzirás após a g ló ria " . Isto s ig n ific a que, se estam os d este m odo nas m ãos de D eus, e estam o s sendo sustentados por Ele, chegam os a um a certa som a de g ló ria m esm o cá neste m undo. M es m o n este mundo com eçam os a fru ir algo dos fru to s da salvação, da v id a que é g ló ria . O s dons do Espírito , as graças do E sp írito , o fru to do E spírito — isso tudo é p a rte da g ló ria . O uando D eus com eça a produzir estas coisas em vocês , Ele os e s tá g lo rifican d o . Ele os faz d ife re n te s do m undo e das pessoas do m undo; Ele

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os faz s em elh an tes a C ris to . A lgo da g lória do bendito Senhor lhes pertence. Com o nos lem bra Isaac W atts:

Os hom ens de Deus encontraram a glória in iciada na te rra ;

fru tos c e les tias neste chão a brotar da fé e esperança.

Prom anam do m onte de S iãom il frag rân cias te rn as e sacras,

antes de nos cam pos ce les tese nas ruas de ouro passearm os.

Graças a Deus, é verd ad e . S im , m as esse é apenas o com eço; é apenas a p re libação . R ealm ente é só depois da m orte que chegarem os p e rfe ita m e n te à glória que nos aguar­da, e d esfru tarem o s tudo que se quer d izer com céu. “ Um dia de coroam ento logo v e m . . . " “ . . . a coroa da ju stiça m e está guardada. . ." , diz o grande apóstolo Paulo. Por isso e le ora uma e outra vez pelas ig re jas, para que saibam qual “ a esp e­rança da sua vo cação ” e “ quais as riquezas da glória da sua herança nos san to s” . N o utras palavras, Deus nos está p rep a­rando para Si, e o fim v erdad e iro da salvação é que e s te ja ­mos com Deus e fru am os com Ele a vida de Deus. Quão pobres criaturas som os, quão insensatas, m urm uradoras, queixosas, apegadas às coisas deste m undo! Vocês sabem que nós, se estam os em C ris to , estam os destinados a gozar a vida e a glória do próprio Deus? É essa a g lória que nos espera. Não é apenas o perdão de pecados; estam os sendo preparados para aquela glória positiva e e tern a . Esse é o ensino que este sa l­m ista vai expondo. Esse é o fim e o ob jetivo para os quais a graça sustentadora de Deus nos vai guiando, e para os quais Ele nos está preparando.

M as eu im agino a lguém perguntando: “ Esta doutrina não é um tanto perigosa? Não há perigo de que a lguém diga: “ Bem, estou salvo, não im porta o que eu fa ça ? ” M in h a resposta é esta . Se você pode ouvir a doutrina que enuncie i e t ira r essa conclusão, então você não tem vida esp iritu a l em seu ser — você está m orto. “ Q u a lq u er que ne le tem esta esperan ça", diz João em 1 João 3 :3 , “ p urifica -se a si m esm o, com o ta m ­bém e le é puro." Se lhe p ro m etessem audiência com uma grande personalidade, você se prep araria para e la . E o que

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lhe venho dizendo é que, se você é filho de Deus será con­duzido à presença e tern a e se verá peran te a g ló ria de Deus "B em -aventurados os lim pos de coração, porque e les verão a D e u s .” Q uanto m ais certo eu e s tiv e r d isto , m ais in te ressad o e s ta re i em minha san tificação e pureza, e m ais m e p u rific a re i. O tem p o é curto. Sei que vem o fim ; não tenho um m om ento para perd er. Devo p rep arar-m e cada vez m ais d ilig e n te m e n te para o ‘‘dia de coroam en to” que ‘‘ logo v e m ” .

C oncluo, pois, com um a peça de lógica de John N ew to n , Ele a elaborou assim :

Seu amor no passado im pede-m e pensar que enfim m e d e ixará em angústia afundar:Cada suave E benézer que reve jo em m im confirm a que Ele quer a judar-m e até o fim

P erm ita Deus que todos nós, quando o lham os para os nossos passados “ E b en ézers '1 (ve ja 1 Sam uel 7 :12 ), possam os gozar esta g loriosa e bendita ce rteza de que Ele não pode abandonar-nos, e não nos abandonará,

E stam os seguros — bendito se ja Deus — de que,

A alm a que se apoiou em Jesus, por repouso, não pode Ele d e ixar en treg u e aos in im igos; em bora o in ferno in te iro se afane em abatê-la ,D eus, nunca a d e ixará , nunca a abandonará.

10A RO CHA DO S SÉCULO S

A quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu d e se je a lém de ti.A m inha carn e e o m eu coração desfa lecem ; m a s D eu s é g forta leza do m eu coração, e a m inha p o rç ão para sem pre, (vs. 25-26)

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Com estas palavras o s a lm is ta descreve m ais um passo ainda no processo de sua recuperação da e n fe rm id a d e e s p iri­tual de que e s tiv e ra padecendo. Nós o tem os segu ido passo a passo, e agora e le chega a este passo segu in te , a m ais esta a firm ação que, a lém de toda questão , é a posição fin a l, o nível m ais a lto de todos. A q u i, em v is ta de toda a sua expe­riência , e le nada pode fa ze r senão en treg ar-se ao cu lto e ado­ração de Deus. É isso que e le expressa nestes dois vers ícu los . “ A quem tenho eu no céu senão a ti? e na te rra não há quem eu d ese je além de ti. A m inha carne e o m eu coração desfa ­lecem ; m as Deus é a fo rta le za do meu coração, e a m inha porção para sem p re ."

Este próxim o passo é c o m p le tam en te in ev itá ve l, e estou m uito in teressado em dar ên fase a esse ponto. U m a das coisas m ais in te ressan tes quanto a segu ir este hom em em sua pe­regrinação esp iritu a l tem sido notar o modo com o cada passo está ligado ao an terio r e ao subseqüente . Eu gostaria de su­g erir que tem os nisto o que bem se pode d e sc rev e r com o a exp eriên c ia esp iritua l norm al. Temos observado, à m edida que o tem os acom panhado, que, se param os nalgum a destas posi­ções, há algo errado conosco, num sentido e s p iritu a l. Ele in­te rro m p era a sua descida quando tom ou aquela p rim e ira posi­ção, e desde aquele exato m om ento e le com eçou a sub ir passo a passo e de degrau em degrau. Cada m ovim ento era in ev itá ­vel porque o e n ten d im en to de qualquer destas s ituaçõ es leva n ecessariam en te à seg u in te . A ss im , tendo com preen d ido todas estas verdades acerca de Deus e de Sua am orosa m an e ira de tra tá -lo , tendo obtido e s te d iscern im ento da m arav ilhosa dou­trin a da graça em suas várias m an ifes tações, o s a lm is ta quase in vo lun tariam en te e deveras in ev ita ve lm en te viu-se prestando culto a Deus e adorando-o no m agnífico trono da sua graça. Este, g ostaria de rep e tir , é o fim do processo, e o m ais e le ­vado nível que podem os atin g ir. Na verdade, nestes dois v e r­s ículos vem os a m eta da salvação. É em torno d isso que tudo gira, e tudo vai em prol disso; e o sa lm is ta tinh a chegado ali.

A esta a ltu ra d e ixem -m e fazer b reve d igressão . M u itas vezes se vê en tre os cristãos a tendência de d e p rec ia r o V elho Testam ento . Não é que não cre iam ne le com o a Palavra de Deus. C rêem . M as ten d em a contrastar-se com os santos do V elho Testam ento . "N ó s estam os em C ris to " , d izem eles, "receb em o s o Espírito Santo. Os santos do V e lh o T estam ento

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não tinh am co nhecim ento d isto e, portan to , são in fe rio res a nós." Se o irm ão está ten tad o a p ensar assim , tenho uma pergunta s im p les para fazer-lhe : pode você e m p reg ar hones­ta m e n te a linguagem que este hom em em prega nestes dois vers ícu los? Chegou você a um conh ec im ento de Deus e a uma e xp eriên c ia de Deus tal com o o conhecim ento e a exp eriên c ia que este hom em teve? Pode você d izer com toda hon estidade: "A quem tenho eu no céu senão a ti? e na te rra não há quem eu d ese je a lém de t i ” ? C om o som os preconceituosos! Estes santos do V e lh o T estam ento eram filh o s de Deus com o eu e vocês; de fa to , se lerm os com toda honestidade es te S alm o, por vezes te re m o s vergonh a de nós m esm o s, e e ve n tu a lm en te co m eçarem os a perguntar-nos se e les não fo ram m ais longe do que nós. Tenham os cuidado para não exag erar a d ife rença en tre as duas d ispensações e para não faze r d is tin çõ es que acabem sendo co m p le ta m en te an tib íb licas .

É deste modo que o s a lm is ta pode fa la r da sua re lação com D eus, e não hesito em a firm a r que todo o a fã do evan­gelho do Novo T estam en to e a salvação de que tra ta é s im ­p lesm en te levar-nos a isto . Este é o te s te da p ro fissão de fé cris tã ; es te é o propósito real da encarnação e da obra in te ira do nosso bendito Senhor e S a lvado r — hab ilitar-nos a fa la r desse m odo. V o lto a perg untar, pois: podem os nós fa la r as­sim ? É esta a nossa exp eriên c ia? Conhecem os a D eus como este hom em conhecia? Q u a lq u er o u tra coisa que possam os dizer, jam a is devem os fic a r s a tis fe ito s , enquanto não puder­m os chegar a isto. Esta é a m eta , e s te é o o b je tivo . S a tis fa ­zer-nos com qualq uer coisa abaixo disso, por boa que seja, é, em certo sentido , negar o próprio evangelho , pois o gran­dioso fim e o b je to do evangelho todo é levar-nos a esta posição, com o v erem o s .

Encarem os, pois, esta trem en d a a firm ação: ‘‘A quem te ­nho eu no céu senão a ti? e na te rra não há quem eu dese je além de t i. A m inha carne e o meu coração d e sfa lecem ; mas Deus é a fo rta le za do m eu coração, e a m inha porção para s e m p re ” . Q ue é que e le quer dizer? O que está d izendo? Estou certo de que, em sua m en te , a p rim e ira coisa e ra negativa, e que e le estava fazendo um a a firm ação em te rm o s negativos. Pela própria perg unta que faz e le está dizendo qué, com o re ­su ltado da sua exp e riê n c ia , e le viu que não e X is te n inguém m ais que possa ajudá-lo , que em lugar nenhum e x is te outro

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Sajvador. "Q u em há que possa ajudar-m e no céu ou na te rra senão Tu?” , pergunta e le . Não há ninguém m ais . Q uando as coisas saírem erradas, quando e le está rea lm en te no fim da corda, quando não sabe para onde ir ou a quem reco rrer, quando e le prec isa de conforto e consolação, de fo rta le za e segurança, e de algo a que a ter-se — ele já viu que, fora D eus, não há n inguém .

O ra, sua negativa é im p o rtan te para todos nós. Na v e r­dade, dou graças a Deus por essa negativa porque a acho m uito confortado ra . Pois im agino que o que e s te hom em está dizendo é que, a desp eito das suas im p erfe içõ es , a desp eito do seu fracasso, quando e le estava longe de Deus e quase virando as costas para D eus, não podia achar satis fação . Em sua exp eriênc ia , quando estava de mal com Deus estava maí em toda parte . H avia um vazio em sua vida — nenhum a sa­tis fação , nenhum a bênção, nenhum a força — e m esm o não sendo capaz de fa ze r a lgum a afirm ação p os itiva acerca de D eus, pôde ao m enos d izer que não havia nada nem ninguém m ais! O ra, esse é um pensam ento m uito co nfortado r. Será que som os capazes de u tiliza r essa negativa? — pergunto. Se tem em o s o te s te positivo , em que pé então estam os com esse te s te negativo? S erá que podem os d izer que já p erce ­bem os a fu tilid ad e que há nesta vida e neste m undo? C h eg a­mos a reconhecer que tudo que o mundo o fe re c e é “ uma cis tern a ro ta ” ? Estam os nós, de fa to , capacitados para ver sem m áscara o m undo e os seus cam inhos, bem com o toda a sua pretensa glória? Terem os chegado ao ponto em que podem os d izer: bem , pelo m enos isto cheguei a saber — não e x is te nada m ais que m e possa sa tis fazer. Provei o que o m undo tem para o fe re c er, exp erim en te i todas as coisas, brin ­quei com elas e cheguei a esta conclusão: quando estou longe de Deus, para c ita r O te lo , "vo lta o caos".

Este é um im po rtan te aspecto da experiên c ia , o qual é v ita l. Q uem já foi um desviado sabe exa tam en te o que estou dizendo. Este é um dos modos de provar m inhas observações an terio res sobre o ap óstata . Devido à sua relação com Deus, o cristão desviado nunca pode te r verdade iro p razer em coisa algum a. Pode faze r a te n ta tiv a , m as se sente in fe liz enquanto isso dura. Ele já percebeu tudo isso. Esta, portan to , é uma e xperiên c ia com a qual podem os sem pre testar-nos a nós m esm os. De m aneira notável tem os nesta confissão um ex-

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traord in ãrio te s te da nossa fé e c ren ça c ris tã . F req ü en te m en ­te , esse é o p rim e iro passo em nossa recuperação — a p e r­cepção de que tudo se nos to rnou , de fa to , d ife re n te ; “ as coisas velhas já passaram ; eis que tudo se fez n ovo ’1. As coisas do m undo já não têm aq u e le encanto e v a lo r que p a re ­c iam ter. D esco brim os que quando não m an tem o s co rre to re lac io n am en to com Deus, as próprias bases p arecem in e ­x is te n te s . Podem os v ia ja r a té aos confins da te rra , ten tan d o achar satis fação sem D eus. M as vem os que não há nenhum a.

E v iden tem en te , porém , não nos detem os ali com a nega­tiv a . Esta a firm ação é tam bém m uito positiva . P erm itam -m e sa lie n ta r isto ao an alisar a asserção positiva d e s te hom em . Ele está d izendo , em p rim e iro lugar, que agora anse ia por Deus m esm o, e não só por aquilo que Deus dá ou faz. Pois bem , essa a firm ação é de sum a im portância , por esta razão: em certo sen tid o , toda a essência do problem a do sa lm is ta era que e le tin h a colocado o que D eus dá no lugar do próprio D eus. Era isso que se achava su b jacen te ao seu prob lem a concernente aos ím pios. Eles estavam prosperando; por que então e le es ta va passando por um período tão adverso? Por que havia sido m olestado o dia todo? Por que p arec ia te r purificado o seu coração e lavado as suas m ãos na inocência em vão? Por que pensava e le assim ? Seu prob lem a e ra .q u e estava m ais in te ressad o nas co isas que Deus dá do que em Deus m esm o, e desde que e le não estava obtendo as coisas que queria , com eçou a duvidar do am or de D eus. M as agora e le chegou ao ponto onde pode d izer com toda s in cerid ad e que seu d e se jo é Deus m esm o com o Deus, e não som ente o que Deus d á e o que Deus faz.

P erm itam -m e exp ressar isso tão fo rte m e n te quanto pos­s íve l. O te s te final do c ris tão é se e le pode d ize r de verdade que deseja a D eus m ais a té do que o perdão. Todos nós d ese ­jam o s o p erd ão , e fazem os bem ; m as esse é um estado m uito baixo da e x p e riê n c ia c ris tã . O áp ice da exp e riê n c ia c ris tã é quando o ho m em pode d izer: "S im , m as acim a do perdão o que eu d e s e jo é Deus, Deus m esm o ". M u ita s vezes d ese ­jam os poder, h ab ilidade e vários outros dons. Há um sentido em que é c e rto dese já -los . M as se co locarm os estas coisas em p rim eiro lu gar em vez de D eus, a inda estam os proclam ando que som os c ris tã o s m uito pobres. Com o cris tão s , dese jam os vários tipos de bênçãos e oram os a Deus pedindo-as, m as,

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ao ag ir ass im , às vezes podem os e s ta r insu ltando a D eus, em certo sentido , porque dam os a en ten d er que não estam os in te ressad o s nEle, e sim no fa to de que Ele pode dar-rjos estas bênçãos. D esejam os as bênçãos e não nos detem os para fru ir a b end ita Pessoa p ro p riam en te d ita . Este hom em passara por tudo isso, e agora chegou a v e r que a m aior bênção de todas é conhecer a D eus e e s ta r em Sua presença.

Há m uitos exem plos d isto na B íb lia. O Salm o 42:1-2 o expressa p e rfe ita m e n te desta fo rm a : " C o m o o cervo bram a pelas co rren tes das águas, assim suspira a m inha alm a por ti, ó D e u s !!” A q u e le hom em está c lam ando por es te conhe­c im en to d ire to de D eus, esta e xp eriên c ia im ed ia ta com D eus. Sua a lm a “ b ram a ” , “ tem sede de D eus, do Deus v iv o ” . Não Deus com o uma id éia , não Deus com o orig em e fo n te de bênçãos, m as a Pessoa viva. C onhecem o s isto? Tem os fo m e e sede dEle? Bram am por Ele as nossas alm as? Esta é uma questão m uito profunda, e o te rr ív e l é que é possível passar a vida toda orando dia após dia e, contudo, jam a is com p reen der que o ponto suprem o da e xp eriên c ia c ris tã é achar-se face a face com Deus, p res tar-lh e cu lto no Espírito e de m aneira esp iritu a l. Tem os certeza que estam os lidando e tra tando d ire tam en te com o Deus vivo? C onhecem o s a Sua presença? É Ele real para nós? Ou de ixem -m e co locar isto num nível m ais baixo. A n siam os por isso e o buscam os? F icam os in sa tis fe ito s enquanto não o tem os? É o m aio r dese jo dos nossos corações e a nossa m ais e levad a am bição, acim a de todas as outras bênçãos e e xp eriên c ias , tão -som ente saber que estam os d ian ­te dEle e que O conhecem os e dEle nos agradam os? É isso que o s a lm is ta dese ja no S alm o 42; é isso que e s te sa lm is ta do Salm o 73 estava rea lm en te desfru tando.

O apósto lo Paulo diz exa tam e n te a m esm a coisa em Fili- penses 3 :10 . “ Se vocês m e p erg untarem qual é o m eu d e s e jo ” , diz Paulo, “ é este : “ co n h ecê-lo” . “ Vocês notam a suprem a am bição d e le . Q ue não m e com preendam m al quando o ex ­p resso com franqu eza . A suprem a am bição de Paulo não era ser um grande conqu istador de a lm as. Essa era um a am bição d e le , e vá lid a . Nem m esm o era ser um grande pregador. Não, acim a de tudo isso, inclu indo isso tudo, “ conhecê-lo” . Porque, com o nos lem bra o apósto lo noutra parte , se você puser as outras coisas em p rim eiro lugar, poderá ver-se , m esm o com o preg ado r, tornarrdo-se, em c erto sentido , um perd ido . M as

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quando co locam os no centro o dese jo de Paulo, não há perigo . Paulo tinha v is to a face do C ris to vivo, o S enhor ressurrecto . Todavia, aquilo de que tem fo m e e pelo que bram a é e s te c on h ec im en to m ais am plo, m ais profundo e m ais ín tim o d e le , um co nh ec im en to pessoal, uma reve lação pessoal do Senhor vivo, num sen tido esp iritu a l.

Não há nada m ais e levado que isto. O lhem o idoso João escreven do a sua carta de desp ed id a aos cristãos. O seu grande dese jo , d iz-lhes e le em 1 João 1:4, é “ que o vosso gozo se cu m p ra". C om o há de cum prir-se? “ Para que tam bém te ­nhais com unhão conosoo” , para que com p artilh e is conosco, com o com panheiros , a bend ita e xp e riê n c ia que desfru tam os. E em que consiste? " A nossa com unhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus C ris to " . Não s ig n ifica apenas que vocês estão em penhados na obra de D eus. S ig n ifica isso, é c laro: m as esse é o n ível m ais baixo. O n íve l m ais a lto é rea lm en te co­n h ecer D eus m esm o. “ A vida e te rn a é es ta : que te conheçam , a ti só, por único ü e u s v erd ad e iro , e a Jesus C ris to , a quem e n v ia s te ” (João 17:3). Na verdad e , tem o s a autoridade do p ró ­prio Senhor, não som en te na a firm ação que acabei de c ita r m as tam b ém noutra a firm ação . Q uando um hom em perguntou ao Senhor Jesus qual e ra o m aio r d e todos os m andam entos, Ele disse: “ A m arás o Senhor teu D eus de todo o teu coração, e de toda a tua a lm a, e de todo o teu pensam en to , . . . E o segundo, s em elhan te a es te , é: A m arás o teu próxim o com o a ti m es m o ” (M a te u s 22 :3 7 , 39). A p rim e ira co isa, a coisa m ais im p ortan te da v ida , é que de ta l m an e ira conheçam os a Deus que O am em os com todo o nosso ser. S a tis fazer-se com qual­q uer coisa aquém disso, ou com q u a lq u er coisa m enos que isso é co m p reen der m al todo o fim , o b je tivo e propósito da salvação c ris tã . Não se d e ten h am no perdão. Não se detenham nas e xp eriên c ias . O fim é co n h ecer a D eus, e nada m enos. Este sa lm is ta pode d ize r que agora dese ja Deus por am or a D eus, e não m eram e n te pelo que Deus dá e faz.

PeriTiitam -m e agora expressá-lo doutro m odo. Este hom em não só dese ja a Deus; e le não dese ja nada senão a Deus. É exc lus ivo em seu d ese jo . Ele d esen vo lve isso. P rim e iram en ­te e le diz que não d e se ja nada no céu senão a D eus. Q ue a firm ação ! “A quem ten h o eu no céu senão a t i? ” D eixem -m e fa ze r outra pergunta — e cre io que são estas perg untas s im ­p les que rea lm en te nos dizem toda a verd ad e a nosso respei-

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to — o qus vocês buscam e esp eram no céu? Isto não é ser m órbido. Gosto do m odo com o M a tth e w H enry o expressa: “ Nunca se nos d iz nas E scritu ras que devem os a lm e ja r a m orte; m as m uitas vezes se nos diz que devem os a lm e ja r o c é u ” . O hom em que a lm e ja a m o rte s im p le sm en te quer fu g ir da vida por causa dos seus prob lem as . Isso não é cris tão ; é pagão. O cristão tem um desejo positivo d o céu e, p o rta n to , perg unto : a lm ejam os estar no céu? Mais que isso, po rém , o que anelam os ao en trarm o s no céu? Q ue desejamos? O repouso celeste? Livrar-nos de problem as e tribulações? A paz do céu? A alegria do céu? Tod as estas coisas acham-se lá, graças a Deus; mas não é isso que devem os aspirar no céu. É a face de Deus. "B em -aven tu rad o s os lim pos de coração, porque eles verão a D eu s ." A V isão Esplêndida, o S u m m u m B o n u m , estar na presença pessoal de Deus — "C o n te m p la r-te , c o n te m p la r-te !'' A n elam o s isso? Para nós o céu é isso? É isso que nós querem os acim a de tu d o mais? É isso que devem os am b ic io n ar e anelar.

Diz-nos o apóstolo Paulo que m o rrer é "e s ta r com C ris ­to ” . Não é prec iso acre sc en ta r nada a isso. A í está porque, cre io eu, são-nos dados tão poucos p orm enores a resp e ito da vida no céu e na g ló ria . Pessoas há que com freq ü ên c ia p er­guntam por que não se nos fa la m ais sobre isso. Penso que há duas respostas a ta l pergunta . Um a é que, devido à nossa condição pecam inosa, qua lq u er descrição que nos fosse dada seria m al com preen d ida por nós. É tão g lo riosa que não pode­mos sequ er co m p reen dê-la ou captá-la . A segunda razão é m ais im p o rtan te . O co rre que m uitas vezes é a cu rios idade ociosa que dese ja saber m ais co isas. Eu lhe d ire i o que é o céu: é “ e s ta r com C r is to ” , e se isto não lhe satis faz é porque você não conhece a C ris to de m odo nenhum . “ A quem tenho eu no céu senão a t i? ” , diz o s a lm is ta . Nada m ais quero. O nd e Tu estás é céu. O só co ntem plar-Te é s u fic ie n te . “ Estar com C ris to ” é m ais que s u fic ie n te , é tudo. “A quem tenho eu no céu senão a t i? ”

Q uanto sabem os desta exp eriên c ia? Já tivem o s certas exp eriên c ias e bênçãos; há certas coisas que já sabem os; mas e s te é o te s te : conhecem os o Senhor, ansiam os por Ele? S im p le s m e n te e s ta r com Ele, conversar com Ele. B ram am os por Ele? Tem os sede do Deus v ivo e desta in tim id ad e com o

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ISenhor Jesus Cristo? Essa é a real e xp eriên c ia c ris tã . Q uanto tem p o passam os com Ele, orando a Ele? “ A quem tenho eu no céu senão a ti? "

Do m esm o modo e le continua dizendo: "e na te rra não há quem eu d ese je a lém de t i ” . D e novo notem os por que o sa lm is ta diz is to . D i-lo porque era a própria essência do seu problem a an terio r. É porque e le estava desejando certas co i­sas que outros tinh am , que e s tiv e ra em d ificu ld ad e . "Pois eu tin h a in ve ja dos soberbos, ao v e r a p rosperid ade dos ím pios. Porque não há apertos (agonia ) na sua m o rte , m as firm e está a sua fo rç a .” E e le queria ser com o e les e possuir as coisas que e les tinh am ; m as agora não as quer m ais . Ele descobriu isso tudo. A g o ra , "na te rra não há quem eu d ese je além de t i ” — só Deus no céu, só D eus na te rra .

A s E scrituras, outra vez, estão rep le tas de ensinam entos sem elh an tes . Eis com o se exp ressa o nosso Senhor em Lucas 14:26: “ Se a lguém v ie r a m im , e não ab o rrecer a seu pai, e m ãe, e m ulher, e filh o s , e irm ãos, e irm ãs, e a inda tam bém a sua própria v ida, não pode s e r m eu d isc íp u lo ” . Não se p reo ­cupe com a palavra "a b o rre c e r” (ou “ o d ia r” ); é s im p lesm en te um te rm o fo rte que esc la rec e que toda pessoa que coloca alguém ou a lgum a coisa em sua v id a antes de C ris to não é um verd ad e iro d isc ípu lo dEle. S er v erd ad e iro d iscípu lo de C ris to s ig n ifica que C ris to es tá no centro , C ris to é o Senhor da m inha vida, C ris to ocupa o tro no do m eu ser; s ig n ifica que eu O am o p rim e ira m e n te , an tes e acim a de todos e de tudo. "N a te rra não há quem eu d e se je a lém de t i . ” V em Ele em p rim eiro lugar em nossas vidas? M esm o antes dos nossos entes queridos, e dos m ais chegados e m ais am ados? M esm o antes do nosso traba lh o , an tes do nosso sucesso, antes do nosso negócio, an tes de tudo m ais enquanto estam os cá na te rra? Ele deve co n s titu ir o nosso dese jo suprem o. “ Para m im o v i v e r . . . ” é o quê? “ é C r is to " , diz Paulo. É andar por e s te m undo junto com C ris to , m a n te r com unhão com Ele nesta v id a . E porque is to era verd ade sobre o apósto lo , e le tam b ém podia d izer que tinh a apren d id o a contentar-se com o que tin h a. Por quê? A s outras co isas não m ais e xerc iam contro le sobre e le . É C ris to que e le quer, C ris to so m en te . Se tenho C ris to , diz e le, tenho tudo, "p osso todas as coisas naquele que m e fo rta le c e ” (F ilip e n s es 4 :11 , 13). Som os indep end entes das c ircunstâncias e dos a m b ien te s quando v ivem os nEle, por

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Ele e para Ele, e todas as dem ais coisas se apagam na insig ­n ificân c ia . E nós, desejam o-IO acim a de tudo m ais enquanto vam os nesta peregrinação te rren a? O sa lm is ta chegara ao ponto em que podia d izer que sim .

Não só isso; e le prossegue dizendo-nos que acha com ­p le ta satis fação em Deus. A a firm ação toda s ig n ifica isso; m as outra vez e le no-lo expõe porm en orizad am en te . “ A quem tenho eu no céu senão a ti? e na te rra não há quem eu d ese je além de ti. A m inha carne e o meu coração desfa lecem ; mas Deus é a fo rta leza do meu coração, e a m inha porção para s e m p re .” Sua porção, é isso; seu suprim ento , sua satis fação , seu tudo. Não há nada que e le possa d ese ja r senão D eus. E o que é Deus? É Sol e Escudo; Eíe dá graça e g lória . E isto sem fim . Ele vê que Deus lhe satis faz co m p le tam en te — sua m en te , seu coração, o seu todo. A cham vocês co m p leta sa tis fação in te lec tu a l em Deus e em Sua santa obra? O btêm aqui toda a sua filo so fia e estão certos de que não precisam de coisa algum a além disso? Deus satis faz o hom em c o m p le tam en te , o coração e as a fe ições tam b ém . Ele enche tudo:

Redim ido , curado, restaurado, perdoado,quem deve como tu Seu louvor entoar?

Deus é tudo em todos. Ele é tudo para m im , é m inha porção, m inha co m p le ta satis fação . Não dese jo nada m ais, não quero nada em acrésc im o. Leiam os Salm os e verão esse tem a em toda parte . No Salm o 103, por exem plo , verão que é exa tam en te isso que o sa lm is ta está dizendo: Deus curando as suas doenças e e n ferm id ades , lançando os seus pecados para tão longe com o o O rie n te d ista do O c id en te , dando-lhe força e poder — tudo. Este bendito e g lorioso Deus o sa tis faz p lenam ente .

Isso nos leva ao ú ltim o ponto, o qual é que o sa lm is ta descansa c o n fijn te m e n te em Deus. Ele dese ja a Deus por Ele próprio , por am or a Ele m esm o, antes que por aquilo que Ele dá. Ele não d ese ja nada senão a D eus. Ele encontra com ­p le ta satis fação em Deus e nEle se apóia e repousa c o n fian te ­m ente . Ouçam -no: “ A m inha carne e o m eu coração d e s fa le ­cem ; m as Deus é a fo rta le za do m eu coração, e a m inha porção para s em p re ” . Há os que dizem que aqui e le se re fe re não som ente ao tem p o em que a sua carne iria d eca ir pela idade, mas tam bém a a lgum a coisa que e le estava e x p e ri­

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m entando na ocasião. P ro vavelm en te estão certo s , porque não se pode passar por um a e xp eriên c ia esp iritu a l ta l com o aquela pela qual e s te hom em passou, sem so frim en to fís ic o , sem so frim en to no corpo. C re io que os nervos d este hom em e sta ­vam em m au estado. Talvez até o seu coração fís ic o estivesse funcionando m al. " A m inha carne e o m eu coração d e s fa le ­c e m .” Pode ser que e le e s tiv e ss e fis ic a m e n te em m ás condi­ções. C ontudo, em qualquer caso, o lhando para o fu tu ro sabe que vem o dia quando a sua carne e o seu coração d e s fa le ­cerão . Ele ficará velho; suas facu ld ad es fa lharão; suas forças vacilarão ; não conseguirá a lim en tar-se ; ja ze rá desam parado em seu le ito ; as coisas do tem p o e da te rra esvair-se-ão. ‘‘Tudo estará bem a in d a ” , diz e s te hom em , “ pois, acon teça o que aco n tecer, D eus, o m esm o ontem , hoje e para sem pre, continu ará sendo a fo rta le za do m eu co ração .”

G e ra lm e n te se concorda que a pa lavra aqui traduzida por “ fo r ta le z a ” é a palavra * “ ro ch a” . “ M as Deus é a Rocha do m eu coração, e a m inha porção para s e m p re .” P refiro esta porque dá fo rm a á um a im agem em nossas m en tes . “ A h , s im ” , diz este hom em , “ eu sei que estou num a s ituação tal que posso repousar serena e co n fia n te m e n te nEle. Sei que posso d ize r que, a inda que chegue o dia em que eu s in ta tre m e r sob m im os fundam entos da v ida , Deus será um a rocha que m e firm a rá . Ele não pode s er m udado; Ele não pode ser ab a­lado. Ele é a Rocha dos sécu lo s, e onde quer que eu este ja , e acon teça o que acon tecer, e por m ais que e s tre m e ç a a m inha estru tu ra fís ic a , e m esm o quando as coisas da te rra este jam deixando de e x is tir , D eus, a Rocha, m e su sten ta rá e jam ais sere i abalado. “ Deus é a Rocha, a fo rça , a fo rta le za do m eu coração, e a m inha porção para s e m p re .”

A B íb lia nunca se cansa de d izê-lo . Leiam o que outros d izem . Por te rr ív e is que sejam as condições que sobrevenham , e ste é o conforto e consolação que todos e les dão. Não só D eus é Rocha, m as es ten d e “ por baixo . . . os braços e te rn o s ” . Os a lic e rc es dos irm ãos nesta vida podem d esap arecer, tudo aquilo sobre o que ed ifica ram pode ru ir e vocês m esm os podem esta r indo abaixo, para o ab ism o. Não, porém , “ por b a ix o ” — e ali estão e les sem pre — “ por b a ix o ” estão “ os

* O bserve-se que a palavra “ fo rta leza” em pregada na versão de Alm eida^ Revista e Corrig ida, e Revista e A tu alizada no Brasil tanto signi­fica força com o fortificação , praça fortificada. N ota do tradutor.

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braços e te rn o s " . Eles os estão sustentando sem pre; vocês nunca so frerão ruína d e fin itiva ; vocês serão sustentados quan­do tudo m ais tiv e r desap arec id o . O uçam Isaías a firm a r a m esm a coisa. Ele fa la daquela “ pedra ang u lar", daquela “ pe­dra já provada . . . que está bem f irm e e fu n d ad a” , e diz: “ aquele que c re r não se a p re s s e ” . U m a tradução m elh or é a que nos dá o Novo Testam en to : “ E todo aquele que c rer nela não será confundido". Ou, de acordo com outra tradução pos­s íve l, “ A q u e le que crê nunca será envergonhado". Por que não? Ele está sobre a Rocha, tem es te ponto de apoio, tem e s te fundam ento , e este não pode ser abalado pois é o próprio D eus. E sobre esta Rocha, a inda que a m inha carne e o meu coração fraq u e jem , eu nunca sere i abalado, nunca sere i apa­nhado de surpresa, nunca serei envergonhado. Deus m e dará co bertura com pleta .

D e ixem -m e ten tar resum ir tudo com um hino que é a confissão fina l do cristão:

M in h a esperança se fundam enta no Redentor, no sangue e a ju stiça de Cristo, o Senhor; não ouso confiar no m eu m ais nobre alento; no nom e de Jesus m e apóio tota lm ente ,

Em Jesus Cristo, a Rocha eterna, só m e firmo, pois qualquer outra base é a re ia movediça,

Quando as trevas parecem Seu rosto velar, em Sua graça im u táve l sereno eu repouso; em toda tem pestuosa e v io lenta rajada m inha âncora se f i rm a bem, em p leno véu.

Seu juramento, Sua aliança e Seu sangue, sustentam -m e na grande e dom inante enchente; quando tudo ao redor de m inha a lm a desaba,Ele é m inha esperança e m eu único esteio.

0 irm ão tem conhecim ento disso? Está firm ad o nA quele que é a Rocha? Você O conhece? Não te n te v iv e r baseado em sua fa m ília ; não leve a vida fundam entado em seus negó­c ios, nem em sua a tiv idade pessoal; não v iva baseado em suas exp eriên c ias , nem em nenhum a outra co isa. Todas estas coisas findarão um dia, e o diabo es ta rá sem p re sugerindo que m esm o as mais elevadas experiências podem ser explicadas

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psicologicamente. Que não dependamos de nada, não confiemos em nada senão nEle. Ele é a Rocha dos séculos, o Deus eterno;

Em Jesus Cristo, a Rocha eterna , só m e firmo, pois qualquer outra base é a re ia movediça.

11A NO VA R ESO LUÇÃO

Pois eis que os que se a long am de ti, p e re c e rã o ; tu tens destru ído todos aque les que, apostatando, se d esv iam de ti.M a s para m im, bom é apro x im ar-m e de D eu s ; pus a m inha confiança no Senhor Deus, para anunciar todas as tuas obras. (vs. 27-28)

Estes vers ícu lo s fin a is resu m em a conclusão a que o s a l­m ista chegou com o resu ltado da e xp e riê n c ia que e le d escreve com m inúcias no res tan te do S a lm o . R ep re se n ta m a sua m e ­d itação fin a l, e tom am a fo rm a de um a reso lu ção . Ele te rm i­nou a sua rev isão do passado, e e s tá en caran do-se a si p ró ­prio e o fu tu ro . Ele reso lve que, no que lhe diz res p e ito , há um a co isa que e le vai fazer, não im po rta as qu e não faça. "E s ­ta r p erto de D eus é bom para m im " , diz e le . " é n isto que m e vou c o n c e n tra r.”

E xpressando-se desse m odo, o s a lm is ta nos ajuda a p e ­n e tra r naquilo que se to rn ara toda a sua filo s o fia de v ida , o seu m odo de e n fre n ta r as in certezas que jaz iam d ia n te d e le . A q u i desco b rim o s o grande v a lo r dos S a lm o s. E s tes hom ens não só re la ta ra m as suas e xp e riê n c ia s neste m undo; re g is tra ­ram tam bém as suas reações a e la s , e em res u lta d o de tudo que lhes a co n tecera , p ropuseram certo s g ran des p rin c íp io s . Tem o s a q u i, pois, a qu intessência da sua sabedo ria . Sabe-

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cforia d iv in a , c e le s tia l, há de achar-se na B íb lia, e em c erto sentido a conclusão final deste hom em é s im p le sm en te a grande m en sag em centra l da B íblia. Ela nos diz que, em ú ltim a análise , há so m ente duas visões possíveis da v ida e som ente dois m odos de v iv e r possíveis.

Então, nada m elh o r podem os fa ze r, ao conc lu ir os nossos estudos d e s te g randioso Salm o, do que co n s id erar a sabedo­ria d e ste hom em . Cada um d e nós chegou a c erto estág io na vida; todos já tiv em o s várias exp eriên c ias . P ergunto se ch e­gam os à m esm a conclusão do sa lm is ta . P ergunto se vem os que esta é re a lm e n te a essência da sabedoria . Pergunto, ao encararm os o nosso fu turo desconhecido, se o estam o s enca­rando d e s te m esm o m odo.

• P rinc ip iem os observando a resolução concre ta que o sa l­m ista to m ara . Ei-la aqui de novo na V ersão A u to rizad a: "M a s para m im , bom é aproxim ar-m e de D eus". O utra tradução po­deria ser: " M a s , quanto a m im , a p roxim idade de Deus é boa para m im " . Ele está fazen d o um contraste en tre si e os ou tros . Seja qual fo r a verd ade quanto a e les , é a prox im idade de Deus que é boa para e le . Sua principal am bição vai s e r ju s ta m e n te esta: fic a r perto de D eus. Ele nos ajuda a v er a im po rtânc ia desta reso lução expressando-a na fo rm a de um co n tras te . “ Pois eis que os que se alongam de t i ” , diz e le , “ perecerão ;. . . m as para m im , bom é apro xim ar-m e de D e u s .” Há som en­te estas duas posições nesta e x is tên c ia . Todos nós estam o s ou longe de Deus ou perto dEie. E não há poss ib ilid ad e de nenhum a outra posição, de modo que é de v ita l im p o rtân c ia que cheguem os à decisão deste hom em , estar p erto de D eus.

Não tenho dúvida nenhum a de que o que era suprem o em sua m en te e ra algo sem elh an te a is to . Revendo a sua tr is te exp eriên c ia , chegou à conclusão de que o que rea lm en te e s ti­vera errado com e le , e o que era responsável por todo o seu problem a, era ju s ta m e n te o fa to de que ele não se m antinha perto de D eus. Ele tin h a pensado que era o fa to de que os ím pios p arec iam pro sp erar enquanto e le não exp e rim en ta v a nada senão prob lem as . M as agora, tendo recebido a ilu m in a ­ção que lhe fo i dada no santuário de Deus, vê com m uita clareza que não era essa a raiz do seu problem a. Há so m en te uma coisa que im porta , e essa é a relação do hom em com D eus. Se estou perto de D eus, diz e s te hom em , não im porta rea lm en te o que m e acon teça; m as se estou longe de D eus,

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nada pode dar c erto a fin a l. E é e s ta a profunda conclusão a que chegou.

Todos nós nos in clinam os a p ensar que prec isam os de certas co isas. Julgam os que a nossa fe lic id a d e d epende das condições e dos a co n tec im en to s . O ra , fo i porque estava pen­sando desse je ito que o s a lm is ta tin h a en trad o num a condição tão ind itosa. A s im p les v isão dos ím p io s e sua ap are n te pros­p eridade o ab ate ra e o to rn ara in ve joso , e e le se p usera a resm u ngar e a qu eixar-se. Tinha passado dias e sem an as na­que le lam en táve l estado de au to co m iseração , e agora vê que isso se deveu in te ira m e n te ao fa to de que e le não se m an ti­vera perto de D eus. Este é o p rin c íp io e o fim da sabedoria na v ida c ris tã . No m om ento em que nos m ovem os para longe de D eus, tudo vai m al. O seg red o é f ic a r p erto de D eus. Q uan­do fa lh am o s, som os com o um navio que, em a lto m ar, perd e de v is ta a E stre la do N o rte , ou cuja bússola fa lh a . Se p e rd e ­m os o rum o, não devem os fic a r surp reso s com as conseqüên­c ias. É isso que es te hom em d esco b riu . "É d isto que eu pre ­c is o ” , diz e le , “ não de bênçãos, não da p ro sp erid ad e que outros tê m , não destas outras co isas a que o m undo dá tan ta im p o rtân c ia . A única coisa que im p o rta é e s ta r p erto de D eus, porque enquanto e s tiv e longe dEle, tudo foi m al e eu m e senti in fe liz , m as agora que re to rn e i, em bo ra as condições p e rm a ­neçam as m esm as, tudo está bem com igo, estou cheio de a le g ria e paz, e posso d escansar co n fian te , fe liz e seguro nos braços do Seu am or. Portanto , e s ta é a m inha reso lução: quanto a m im , vou v iv e r perto de D eus. Essa vai s er sem p re a grande ocupação da m inha v ida . Vou co m eçar com isso cada dia que passar. Vou d ize r a m im m esm o, acon teça o que aco n tecer, que o essen cia l é isto: e s ta r p erto de D e u s .”

A g o ra , essa foi a reso lu ção do s a lm is ta e, a fo rtu n ad a ­m en te para nós, e le tam b ém nos de ixa p e n e tra r no segredo da razão p o rq u e chegou a esta resolução. D everíam o s dar m ais e m ais graças a Deus p e la B íb lia e suas m inuciosas in stru çõ es . A B íblia ja m a is nos dá um a in junção gera l apenas: sem p re nos dá razões de la . E p rec isam o s d e las , pois fa c il­m ente esqu ecem os a in junção g era l. Eis aqui a lgum as, s u g eri­das n estes dois vers ícu lo s .

U m a boa razão para fic a r p erto de Deus é a contem plação do d e s tin o daqueles que estão longe dE le . Ele exp ressa isto p rim e iro , vocês notam , e acho que e le o faz porque a inda es tá ,

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por assim dizer, pensando e xp e rim en ta lm en te . Foram estes ím pios que rea lm en te o fize ra m extrav ia r-se . Ele está ansioso, pois, para salvaguardar-se a si próprio contra o perigo de cair de novo. Ele sabe, quando vem a encarar o fu tu ro , que o m un­do não vai m udar. Os ím pios continuarão a e x is tir com o s em ­pre ex is tira m , seus oíhos estando “ inchados de go rd u ra” . Tudo pode ser m aravilhoso e esp lêndidò para e les . M as e le jam a is cairá de novo na arm ad ilha . A ss im e le o expressa p ri­m eiro . “ Eis que os que se alongam de ti, p e re c e rã o ” , diz e le; “ tu tens destru íd o todos aqueles que, apostatando, se desviam de t i . ” Deus fez isso no passado; Ele o fará no fu turo .

O ra, v im os tudo isso m in u c io sam en te . O sa lm is ta tra tou disso ex ten sam en te . “ C e rtam en te tu os puseste em lugares escorregad ios: tu os lanças em destru ição . Com o caem na deso lação, quase num m om ento! ficam to ta lm e n te consum i­dos de te rro re s .” “ Então entendi eu o fim d e le s .” Isso é ape­nas um sum ário da h istória . Essa é toda a descrição do mundo an terio r e p o sterio r ao D ilúv io , toda a descrição de Sodom a e G om orra e de eventos s im ila re s da h is tó ria . Q ue to lo A b raão parec ia , vagando entre os m ontes com as suas ovelhas, em co n tras te com a próspera situação de Ló nas cidades da p la­n íc ie , com os seus víc ios e im ora lid ad es. Bem que e le podia te r perguntado: va le a pena ser justo? “ M a s ” , tam b ém podia te r dito , “ eis que os que se a longam de t i , p erecerão; tu tens destru íd o todos aqueles que, apostatando, se desviam de t i . ” Essa é a longa narra tiva da h is tó ria do V elho Testam en to co­locada aqui m uito c la ram en te : “ O s que se a longam de ti, p e re c e rã o ” .

Se vocês to m arem dos jo rna is a sua v isão da vida, bem poderão pensar que o mundo não-cristão está indo m arav ilh o ­sam en te com as suas luzentes recom pensas, sua pom pa, g ló­ria e riqueza. M as não im porta o que se ja a prosperid ade te m ­porária dos ím pios, conquanto neste m om ento todas as apa­rências sejam ao contrário , é tão c erto com o o fa to de que estam os vivos que os que estão longe de Deus perecerão . “ Os m oinhos de Deus m oem d evag ar” , m uito devagar, e às vezes pensam os que nem sequ er estão m oendo; “ contudo, m oem e x trao rd in ariam en te f in o ” . Essa é a m ensagem da Bí­b lia, do princ íp io ao f im . É isso que a v ida de fé s ig n ifica . Som os cham ados para v e r a vida da m an e ira com o a v iram os grandes heróis da fé m encionados em H ebreus cap. 11. Tem os

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que faze r o que fez M o is é s . Tem os que co n s iderar o opróbrio de C ris to com o riqueza m aio r do que os teso u ro s do Egito; tem os que d isc ern ir o m undo e sua vida; tem o s que vê-lo sob condenação, sob a ira de D eus; tem o s que v er o cas tig o que com certeza lhe sobrev irá . Tudo isso p erecerá , tudo isso pas­sará. Portanto, devem os d isc ern ir a sua vaidad e, a sua fu t il i­dade, a sua nu lidade. Então reso lverem o s, com o e s te hom em reso lveu , m anter-nos perto de D eus. O m undo e suas obras estão fenecendo — “ M udança ve jo em tudo, e co rru p ção ” ; a traça e o bo lor estão na própria urd idura e tra m a dos m ais b rilhantes e dourados prêm ios que o m undo pode o fe re c er. Devem os co m p reen d er que nos m ovem os in ex o rav e lm e n te na direção do gran de trib u na l, do fim do m undo, do ju ízo fin a l. "O s que se a longam de t i, p e re c e rã o .”

Estam os esc larec id o s quanto a isso? — pergunto. Pres­tam os nosso culto a Deus m urm urando? Há a lgum a hesitação em nossa m en te quando encaram os o fu tu ro , quanto a se devem os prosseg u ir com a v id a cristã? S entim o-nos de algum m odo abalados quando o lham os ao redor e vem os outros que parecem possu ir o m elhor de tudo que há — g ente que nunca vai a um lugar de culto m as com quem nada p arece ir mal jam ais? A B íb lia é verdadeira?

Precisam os apren d er a lição que um velho m in is tro da A m é rica ensinou a um ag ricu lto r. Este lavrador decid iu , num verão p a rticu la rm en te úm ido, que fa ria sua c o lh e ita num do­m ingo. O ve lh o m in is tro advertiu -o , bem com o a outros, do perigo d isso. M as e s te hom em decid iu que o fa ria , e e le teve m aravilhosas co lh e ita s e os seus c e le iro s ficaram estufados. Ele disse ao velho m in is tro , quando o encontrou c erta ocasião, que a sua préd ica só podia e s ta r errad a. “ C a lam id ad e repen­tin a não desceu sobre m im ” , d isse e le ; “ os m eus c e le iro s não pegaram fogo; Deus não m atou nenhum dos m eus filh o s , nem m e tirou m inha esposa. C ontudo, eu fiz a coisa que o senhor sem pre m e adm o estava que não fize ss e por causa das conse­qüências que se seg u iriam . Nada acon teceu , porém . Que d ize r da sua pregação agora?”

O ve lh o m in is tro fito u o lavrador e respondeu: “ N em sem ­pre Deus a ce rta as Suas contas no outon o". N em sem p re o faz im ed ia tam en te . M as tão certo com o estam o s aqui neste m undo agora, esta é a m ensagem da B íblia: “ O s que se alon­gam de t i, p e re c e rã o ” . Não há nenhum a outra coisa para e les .

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IPode levar m uito tem po, as aparências podem ser todas ao contrário , m as ela é certa , é segura. Não há evangelho fora disto. Qual é a m ensagem do evangelho? “ Fugir da ira fu tura" e, se não há " ira , não há necessidade de salvação. Essa é a p rim eira razão dessa reso lução. Não tenho nenhum in teresse por um evangelho social, assim cham ado, que acaba com o te m o r do in ferno. Existem pessoas m aravilhosas que dizem que não estão in teressadas no céu ou no in ferno, mas crêem em fa ze r o bem por am or à p rática do bem. M as a Bíblia nos ad verte sobre o in ferno e nos m ostra a glória do céu,

M as a segunda razão é m ais positiva . Aqui, este hom em a exp ressa em te rm o s do c ará te r de D eus. "Para m im , bom é apro xim ar-m e de Deus; pus a m inha confiança no Senhor D eu s ." Ele resolveu fic a r perto de Deus e v iv e r sua vida tão perto de Deus quanto possível. Por quê? Porque Deus é bom, por causa do c ará te r de Deus.

Aqui tam b ém , estou certo , todos nós nos sentim os con­denados porque este e le m e n to en tra tão pouco em nossa vida re lig io sa e em nosso culto . Se tão som ente com p reen dêsse­mos o verd ad e iro c ará te r de Deus, não haveria nada que m ais dese jássem os neste m undo do que e s ta r na presença de Deus. D esejam os estar na presença das pessoas de quem gostam os, a quem am am os. G ostam os de ser apresentados a pessoas consideradas im portan tes , por vários modos e razões, e gos­tam os de estar na presença delas. E, todavia , com que re lu ­tância passam os nosso tem po na presença de Deus. Q uão prontos estam os para pensar em Deus com o o m ero d is tr i­buidor de bênçãos, e quão lentos para p erceber a glória de e sta r em Sua presença! O Senhor Deus, o Senhor, Jeová! É com o este hom em O nom eia . Ele está salientand o a sobera­nia de Deus, a ind izíve l grandeza e m ajes tad e de Deus. O S e ­nhor Deus Todo-poderoso, o C riador dos céus e da te rra , o Deus a u to -ex is ten te , o Deus Eterno, o A b so lu to , o Deus S em ­p iterno — - Ele é A q u ele de quem podem os aproxim ar-nos.

O utra verdade que e le acentua ao em p reg ar o nom e de Jeová, é Deus com o o Deus da a liança, Deus, se p re fe rire m , em Sua re lação pactuai com os hom ens. Os irm ãos recordam que foi esp e c ia lm en te quando Deus cham ou a M o isés para lib e rta r do ca tiv e iro e escrav idão do Egito os filhos de Is rae l, que Ele deu um a reve lação espec ia l de Si com o Jeová. D era antes o Seu nom e, m as neste ponto o defin iu ; e Ele sem pre

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em prega este nom e quando está envo lv ida a a lian ça , Noutras palavras, Deus no Seu propósito cheio de graça para conosco, D eus com o o D eus que p lane jo u a salvação, D eus com o o Deus que está in te ressado em nosso bem -estar, em nossa prosperid ade e fe lic id a d e , faz a liança e Se em penha conosco, com p rom etendo -S e a fa ze r isso tudo para nós. A g o ra , d iz o salm is ta , a única coisa que eu quero na vida, ac im a de tudo m ais, é fic a r perto de um Deus ass im . Q uero fic a r em contato com Ele. É assim que o exp ressaríam o s . F icam os agradecidos a algum grande personagem quando este diz que vai m an ter contato conosco. E nós gostam os de fic a r em contato com ta is pessoas. A cham os que é um p riv ilég io e um a honra, e tem os razão. M as oxalá pudéssem os v e r que a bênção cu lm i­nante da salvação que o Senhor Jesus C ris to ve io nos dar é a vida e terna .

Q ue é -a vida eterna? O nosso Senhor a defin iu : “ E a vida e te rn a é esta: qu,e te conheçam , a ti só, por único Deus v e r­dadeiro , e a Jesus C ris to , a quem e n v ia s te " (João 17:3 ). Ou, com o João o expressa em sua p rim e ira ep ís to la , onde escreve no sentido de que os seus le ito re s tenham “ com unhão conos­co; e a nossa com unhão é com o Pai, e com seu Filho Jesus C ris to ” (1 João 1 :3). A g o ra o sa lm is ta diz: “ Esta é a m inha decisão . Q uero fic a r perto d este Deus; quero m an ter-m e em contato com Ele; quero passar todo o m eu tem po junto com Ele; quero v iv e r com o se es tiv e ss e p erm an en tem en te na pre­sença dEle. G osto de pensar no Seu poder e nas Suas pro­m essas, de re lem b rar a Sua co n s tân c ia ” , E p o rventura este pensam ento não é fo rta le c ed o r e consolador, bem com o pro­p ício ao levantam ento do ânim o? Não sabem os o que nos espera. V ivem o s num m undo rep le to de m udanças, e nós m es­m os som os in con stan tes . O s m elh o res d en tre nós são c ria tu ­ras m utáve is . E não há nada tão ca ra c te rís tic o do nosso m un­do com o a sua in stab ilid ad e e in certeza . H averá a lgum a coisa m ais m arav ilhosa do que saber que em qualq uer m om ento podem os en tra r na p resença dA que le que é e te rn a m e n te o m esm o, “ o Pai das luzes, em quem não há m udança nem som ­bra de variação (Tiago 1:17)? A co n teça o que aco n tecer ao nosso redor, aconteça o que a co n tecer dentro de nós, pode­mos ir À q u e le que é sem p re o m esm o; o m esm o em Seu poder, em Sua m ajes tade , em Sua g lória , em Seu am or, em Sua m isericó rd ia , em Sua com paixão, e o m esm o em todas

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as coisas que Ele p ro m eteu ! V ocês não en ten dem este hom em agora? “ Não m e preocupa o que os outros fa ze m ” , diz e le; “ m as, quanto a m im , a p rox im idade de Deus m e é b e n é fic a .” Vam os pensar m ais acerca de D eus. M ed item o s nEle. V o lte ­mos nossas m entes e nossos corações para Ele. Tratem o s de en ten d er que em C ris to Ele nos o fe rece a Sua am izade, a Sua com panhia, e isto co n s tan tem en te e sem pre.

A inda há m ais um a razão aqui. “ É-me b e n é fic a ” , diz e le; "a prox im idade de Deus é-m e b e n é fic a .” Bem , eu já sa lien te i isto, e quero to rn ar a sa lien tá-lo . O e lem en to prag m ático nun­ca deve ser exc lu ído . Q uero d izer com isso, não que nos to r­nam os cristãos para a u fe rir certas bênçãos, m as que, se som os cristãos , receb erem o s certas bênçãos. E é d ire ito lem ­brar-nos d isto . Foi “ pelo gozo que lhe estava pro p osto ” que o nosso bendito Senhor “ suportou a c ru z” ; e não é isto que o apóstolo quer d izer quando diz, “ tenho por certo que as afliçõ es deste tem p o p resen te não são para com p arar com a g lória que em nós há d e ser re v e la d a ” (Rom anos 8 :18)? Ponha estas coisas na ordem c erta . C o m ece com Deus com o Deus, e porque Ele é Deus, e depois lem b re-se de que Ele é Deus para você. N outras palavras, s ig n ifica que e s ta r perto de Deus é o local da salvação. E por isso o sa lm is ta quer fic a r a li. Não é surp reen d en te que e le diga que lhe é benéfico apro xim ar-se de D eus, em v is ta da e xp eriên c ia pe la qual pas­sara. Vocês recordam o seu in fo rtún io e a sua desgraça, e com o isto lhe foi penoso enquanto não entrou no santu ário de D eus. M as a li, tendo com p reen d ido a s ituação, a sua fe l i ­c idade voltou cop io sam ente para e le . Ele se regozijou em Deus, e percebeu que nunca fo ra tão fe liz em toda a sua vida, em bora as c ircun stâncias dos ím pios continuassem as m es­m as. É bom fic a r perto de Deus; é o lugar de salvação e de libertação .

Tiago, ã sua m aneira prática , expressa isto com m uita sim p lic idade em sua ep ís to la . “ Chegai-vos a D e u s ” , diz e le , “ e e le se chegará a vó s ” (Tiago 4 :8 ). Este, tam b ém , é um g lo ­rioso pensam ento , e podem os e s ta r certos de que toda vez que derm os um passo em d ireção a Deus — se assim pode­mos d izer — Deus dará um passo em d ireção a nós. Não su­ponham que quando pensarem em apro xim ar-se de Deus acha­rão isso d ifíc il. Se nos aproxim arm os dEle de verdade e com sincerid ade , podem os esta r sem pre certos de que Deus v irá

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ao nosso encontro . Ele é o Deus da salvação. Essa é um a exc e le n te razão para chegarm os p erto dEle. Ele tem todas as bênçãos de que necessitam os. Não há coisa a lgum a da qual possam os v ir a n ecess ita r que D eus não tenha . Todas as bênçãos provêm de Deus; Ele é o D oador de “ toda boa dádiva e de todo dom p e rfe ito ” . Ele os colocou todos em C ris to , e nos deu C ris to . “ Todas as coisas são v o ssas” , diz Paulo aos cren tes em C o rin to . Por quê? Porque “ vós sois de C r is to ” . É uma ló g icâ in ev itá ve l. Para m im , bom é ap ro xim ar-m e de Deus porque, quando estou perto de Deus, sei que os m eus peca­dos são perdoados, m as quando estou longe de D eus, com eço a duvidar. Não posso e n fre n ta r um a consciência culpada. M en os ainda as acusações doutras pessoas, ou do d iabo. So­m en te quando estou perto de Deus em C ris to é que sei que os m eus pecados estão perdoados. S in to o Seu am or, sei que sou Seu filho e gozo as in ap rec iáve is bênçãos de paz com D eus, paz in te rio r e paz com os outros. Estou c ien te do Seu am or e recebo um a a leg ria que o m undo não pode dar nem tira r .

Q uem quer que tenha e xp erim en tad o estas co isas, só tem que d izer que não há nada com p aráve l a e s ta r perto de Deus. R elem b re o curso de sua v ida . S e lec io n e os m elh o res m om en­tos de sua exp eriên c ia , os m om entos de suprem a paz e a le ­g ria . Não te ria m sido as ocasiões em que você es te ve m ais perto de Deus? Não há nada que se iguale à fe lic id a d e , à a le ­gria e à paz que resu ltam de e s ta r próxim o a D eus. A li você se e leva acim a das c ircu n stân c ias . V ocê com eça a saber algo do que Paulo quis d izer quando d isse; “ Já aprendi a conten­ta r-m e com o que tenho. Sei e s ta r abatido , e sei tam b ém te r abundânc ia” . V ocê se torna in dep en d ente das c ircun stâncias, das condições aciden ta is e do acaso, in dep endente de todas as co isas. É bom fic a r perto de D eus, porque é lugar de sal­vação, porque é o lugar onde você e xp erim en ta todas as bên­çãos. S ig n ifica que você e s tá im erso no oceano do am o r de Deus e ali p erm an ece . A d o tem o s a reso lução d este hom em , de fic a r p erto de Deus.

M as em acrésc im o a tudo isso, é tam bém lugar de segu­rança. “ Para m im , bom é apro x im ar-m e de Deus; pus a m inha confiança no Senhor D eu s .” Precisam os disso, tam b ém . Q uan­do olham os para o fu turo descon hecid o , ignoram os o que nos espera. Tudo pode acon tecer. E se há um a coisa pela qual nós,

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e o mundo in te iro , ansiam os neste m om ento é segurança e proteção. Tem os sido decepcionados tantas vezes! Nós m es­mos tem os sido um a decepção para nós! O hom em que pen­sa, indaga: “ O nde posso pôr a m inha confiança? Em que posso confiar com absoluto senso de segu rança? ’’ E a resposta é, ainda, uma só: Deus. É-me ben éfico fic a r perto dEle. Ponho a m inha confiança neste Senhor D eus, neste Jeová, neste Deus que guarda a Sua aliança.

N a tu ra lm en te os Salm os dão constante ênfase a isto. O m esm o se vê no livro de Provérbios. “ Torre fo rte é o nom e do Senhor, à qual o justo se acolhe e está seg u ro ” (P ro vér­bios 18:10). Um hom em está fora, no mundo, e o in im igo co­m eça a atacá-lo . É incapaz de lidar com ele; não sabe o que fazer; fica assustado e a terro rizado . Então corre parg a “ to rre fo rte " , o nom e do Senhor, e s te Senhor Jeová. O in im igo não pode en tra r a li. Nos braços de D eus, nestes on ipoten tes bra­ços, o hom em está seguro. S im , diz o apóstolo João: “ Sabem os que som os de Deus e que todo o m undo está no m alig n o ” , “ e o m aligno não lhe to c a ” — não nos toca (1 João 5.19, 18). Por que não? Um a vez que estam os em C ris to , estam os em D eus. Estam os p e rfe ita m e n te seguros ali. D e ixem -m e c ita r uma das coisas m ais grandiosas d itas pelo apóstolo Paulo: “ Porque estou certo de que, nem a m orte , nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as p o testades, nem o pre ­sente , nem o porvir, nem a a ltu ra , nem a profundidade, nem algum a outra c ria tu ra nos poderá sep arar do am or de Deus, que está em C ris to Jesus nosso S e n h o r!” (Rom anos 8:38-39). Seguros nos braços de Jesus. Se vocês e s tiv e re m ali, ainda que o in ferno se ja deixado so lto , não poderá tocá-los. Nada pode pre ju d icar aqueles que estão sob a segura guarda do seu Deus que cum pre a a liança que fez.

A ú ltim a coisa que o sa lm is ta m enciona é deveras m ara­vilhosa tam bém . P erm itam -m e apenas reg is trá -la . “ Para m im , bom é aproxim ar-m e de Deus; pus a m inha confiança no S e­nhor D eus, para anunciar todas as tuas o b ras .” Pois bem , este é um acrésc im o v ita l. Este é o ponto ao qual todos, devem os chegar. A razão fina l que e le dá para a sua resolução de p erm an ecer p erto de Deus é para que possa g lo rificá -IO , para que possa d ec lara r todas as Suas obras. Im agino que o seu argum ento foi m ais ou m enos ass im : se eu fic a r perto de D eus, sere i abençoado, provarei a Sua salvação, te re i esta

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fgrande e m arav ilhosa sensação de segurança. E n a tu ra lm en te isso m e levará de im ed ia to a louvar a Deus, a en g ran d ecer e g lo rifica r a Deus d ian te dos outros . Vou m anter-m e bem junto a Deus a fim de louvá-IO sem p re e, quando eu O e s tiv e r lou­vando, es ta re i dando testem u n h o dEle a ou tros . Esse ponto deve s e r a ting ido por todos nós.

Os irm ãos decerto lem b ram que a p rim e ira p erg unta do Breve C a te c ism o da C o nfissão de Fé de W e s tm in s te r é: “ Qual é o fim principal do ho m em ? ” A resposta é: “ O fim principal do hom em é g lo rifica r a Deus e gozá-lo para s e m p re ” . O ra o salm is ta d ec lara esta verdade em form a in vertid a . Põe em p rim eiro lugar o gozo, so m ente porque está tra tan d o do as­sunto de m ane ira e x p e rim en ta l. E le se sen tira p ro fu n dam ente in fe liz , de m odo que desce ao nosso próprio n ível e diz: "F iq u e p erto de Deus e você será fe liz , gozará a D eus e O g lo rific a ­rá .” Estas coisas têm que andar ju n tas . “ O fim principal do hom em é g lo rifica r a Deus e gozá-IO para s e m p re .” S im , diz este hom em ; vou fic a r junto a D eus para que possa g lo rifi- cá-IO e tam b ém gozá-IO . Ele é o grande S enhor Deus Todo-po- deroso, e a trag éd ia do hom em , com o ig ualm en te a trag éd ia do m undo e da h is tó ria é que o m undo não sabe d isso . M as a m inha ta re fa é fa la r a resp e ito dEle às pessoas. M in h a vida in te ira será para a g lória de D eus; e não posso g lo rificá -IO se não e s tiv e r perto dEle e se não O e s tiv e r exp erim en tan d o . M as, na m edida em que o faça, re fle tire i Sua vida.

Tem os assim v is to a reso lução deste hom em , e tem os vis to suas razões para tom á-la . Posso recordar-lhes , rap ida­m ente , com o tudo isso deve s e r fe ito ? Não basta d ize r: fiqu ei p erto de Deus e, se fic a r, es tas coisas aco n tecerão . Com o posso m an ter-m e junto a Deus? D evem os descer ao n íve l p rá ­tico . Eu e vocês, com o cris tão s , sabem os que sem p re pode-

' mos aproxim ar-nos de Deus em Jesus C ris to . Não tem o s ne­cess idade de esca la r as a ltu ras nem de d escer às profundezas. “ A pa lavra está junto de ti, na tu a boca e no teu coração:Se com a tua boca con fessares ao Senhor Jesus, e em teu coração c re re s que Deus o ressusc itou dos m ortos , serás s a lv o ” (Rom anos 10:8-9). Não prec isam o s inquietar-nos acerca disso porque, se som os rea lm en te c ris tão s , sabem os que, por m uito que tenham os pecado, por m uitos que sejam os m ales fe ito s por nós a outros e a nós m esm os, se neste m om ento vim os a Deus e Lhe confessam os os nossos pecados, adm i-

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tindo que não podem os anulá-los nem salvar-nos, e confiando in te ira m e n te no Filho de D eus e no que Ele fez a nosso favor, m ed ian te Sua vida de o bed iênc ia e Sua m orte s a c rific ia l, re­den to ra, som os ace ito s por D eus, som os reco n c iliad o s com Deus, estam os em com unhão com D eus. Esse é o cam inho. S im , m as lem b rem -se de fic a r p erto de D eus. Essa é a reso lu ­ção d este hom em . Com o fazê-lo? P rim e iram en te , pela v ida de oração. D evo in s is tir n isto . Se eu cre io em tudo que es tiv e dizendo, en tão cre io que posso fa la r com D eus. Se eu com ­p reen d er v e rd a d e ira m en te quem Ele é, d ese ja re i fa la r com Ele. É p rec iso que reso lvam os fazê -lo . P recisam os d ec id ir que não p e rm itire m o s que o m undo continu e a d irig ir-nos e, s im , que nós vam os d irig i-lo , bem com o o nosso tem po, e a nossa en erg ia , e tudo m ais.

Em segu ida vem , em acrésc im o à oração, a le itu ra da Bíblia. N es te Livro Deus nos fa la . Portanto, le iam os e e s tu ­dem os as E scrituras.

D epo is vem o cu lto púb lico . Foi quando este hom em en ­trou no santu ário de Deus que e le encontrou paz e repouso para a sua a lm a. E com freq ü ê n c ia nós tem os tid o a m esm a e xp eriên c ia . Se querem os v iv e r junto a D eus, devem os não só orar em p articu la r, m as tam b ém com outros, devem os não só ler e estu d ar a Palavra em p articu la r, m as tam bém jun to com outras pessoas. A judam o-nos uns aos outros, levam os as cargas uns dos outros.

Há ainda a m ed itação e o tem p o dedicado a pensar. D e i­xem de lado o jo rnal e pensem em D eus, em sua alm a p em todas estas co isas. Nosso prob lem a é que não conversam os o bastan te conosco m esm o s. Precisam os nos fa ze r lem b rar que estam o s na presença de D eus, que som os Seus filho s , que C ris to m orreu por nós e nos reconciliou com D eus. D e ­vem os pôr. em prática a p resença de D eus, dar-nos conta d ela , devem os con versar com Ele, passar nossos dias com Ele. O m étodo é esse. A p rox im ar-nos de Deus s ig n ifica bus- cá-IO , e jam a is p erm itir-no s paz ou descanso enquanto não souberm os que os nossos pecados estão perdoados, enquanto não conhecerm os a D eus, enquanto não conhecerm os o am or de D eus, enquanto não e s tiv e rm o s conscien tes de que, quan­do oram os, Ele está pronto para ouvir.

O ú ltim o ponto é, por certo , a obed iência , porque se Lhe d eso b ed ecerm os, ro m perem o s o contato . O pecado s em p re

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sign ifica rom pim ento da ligação, s ig n ific a a fastar-nos de D eus. D esta fo rm a, as duas regras são: buscar a D eus e, então , obedecer-Lhe. E se co m ete rm o s pecado, rom pendo assim o contato e a com unhão, pod erem os res tab e lec ê -la im ed ia ta ­m ente confessando os nossos pecados, certo s de que o “ san­gue de Jesus C ris to seu F ilh o ” nos p urifica de toda a in justiça .

Q ueira Deus que, ao encararm o s o fu tu ro , se ja esta a nossa s incera reso lução — “ Q uanto a m im , bom é e s ta r junto a D eu s” . O xalá O conheçam os e es te jam o s com Ele e passe­m os os nossos dias res tan tes aquecendo-nos à fu lg u ra n te luz do Seu rosto e fru indo abençoada com unhão com Ele.

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PO R Q U E P R O S P E R A M OS ÍM P IO S ?

Por que a s o c ie d a d e o p u le n ta ao n o s s o re d o r p a re c e p a s s a r tã o b em s e m D eus? N um m u n d o que p a re c e tã o r ico , tã o b em s u c e d id o , c o m o é que D e u s p e r m i te o c r is tã o c o n h e c e r p ro v a s , te n ta ç õ e s e a n g ú s t ia s ? C o m o pode o c r is tã o acha r lug a r s e g u ro no c a m in h o e s c o r r e ­gad io , c h e io de d ú v id a e d e s e s p e ro ?

E stes não são p ro b le m a s novo s . E les fo ra m e x p e r im e n ta d o s in te n s a m e n te p e lo a u to r do S a lm o 73, N e s te l iv ro te m o s o te s te m u n h o de um h o m e m que h o n e s ta e re a l i s t i c a m e n te e n c a ­rou os se u s te m o r e s e d ú v id a s , que ch a m o u a D e u s e achou a re s p o s ta que o co n d u z iu do d e ­s e s p e ro a u m a fé re no vad a .

Dr. M a r t y n U o y d -Jo n e s , m in i s t r o de W e s t - m in s te r C h a pe i , L on d re s , g u ia o le i t o r a t ra v é s da m e s m a e x p e r iê n c ia . Ele e s c re v e c o m p ro ­fu n d a p re o c u p a ç ã o pe lo s p ro b le m a s do v iv e r c r is tã o nos d ia s de ho je . Ele não o fe re c e apenas u m a s é r ie de c h a v õ e s b a lo fo s . N e m a p re s e n ta e s te S a lm o m e ra m e n te c o m o um a fo rm a de e s c a p e e m o c io n a l . A n a l is a n d o -o c u id a d o s a m e n ­te , e le m o s t ra em te r m o s d e f in i t i v o s e p rá t ic o s c o m o um h o m e m ch e g o u a um a nova c o m p r e ­ensão dos c a m in h o s de D eus , e a um a fé r e v i ­g o rada nEle.

PU B LIC A Ç Õ ES E V A N G É LIC A S S E LE C IO N A D A S

Rua 24 de M a io , 116, 3.“ andar, sa la 16 C a ixa Posta l 1287 — 01051 — São Paulo — SP