depois da lama

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FRATERNIDADE EM REVISTA FRATERNIDADE EM REVISTA Exemplar 597 Ano LVIII Nº 1 Janeiro de 2016 www.cidadenova.org.br Exemplar 597 Ano LVIII Nº 1 Janeiro de 2016 www.cidadenova.org.br

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Mineração - A tragédia ambiental de Mariana, em Minas Gerais, mostrou a urgência de medidas para tornar a mineração realmente sustentável. Mas não só: alertou para o risco de dependência de uma atividade exaurível e degradante num país que esbanja oportunidades

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Page 1: Depois da Lama

f r a t e r n i d a d e e m r e v i s t af r a t e r n i d a d e e m r e v i s t a

Exemplar 597Ano LVIIINº 1Janeiro de 2016www.cidadenova.org.br

Exemplar 597Ano LVIIINº 1Janeiro de 2016www.cidadenova.org.br

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fraternidade em revista

Edição 597 • Ano LVIII • nº 1 • Janeiro de 2016

capaa tragédia ambiental de Mariana mostrou a urgência de segurança

e sustentabilidade. E alertou para o risco de dependência da mineração num país que

esbanja oportunidades

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brasil Os jovens assumem cada vez mais protagonismo na sociedade. Exemplo recente é a ocupação de escolas públicas em são paulo

cn EM sériE – Desafios do milênio na primeira série de 2016, os desafios que os países têm pela frente para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento sustentável

6 entrevista – Berenice Menegale Com uma vida dedicada à música, a pianista

mineira transborda realização humana e se dedica à difusão do acesso a essa arte

28 internacional As eleições presidenciais nos EUA têm reflexos

sobre o mundo todo. O próximo pleito promete ser carregado de surpresas e sérias implicações

34 família em foco As respostas nem sempre óbvias de famílias que

buscam conciliar carreira e educação dos filhos

38 chave de leitura Paralelamente à COP-21, aconteceu em Paris

a reunião do Comitê Internacional Juvenil de “Religiões pela Paz”. O evento visto por um participante brasileiro

seções

4 Cartas 5 Ponto de vista10 Economia de Comunhão11 Sustentabilidade15 Periferias existenciais16 Outro olhar21 Tecnologia27 Radar América Latina31 Bem-estar32 Imagem36 Palavra de vida

37 Espiritualidade em ato40 Abre aspas41 Esporte42 Psicologia43 Na ponta do lápis44 Crônica45 Artefatos46 Teen48 Na estante49 Som na caixa50 Claquete

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EdITORA-ChEfE fernanda Pompermayer

CONSELhO EdITORIAL Adriana Rocha, darlene P. Bomfim, Emanuel Bomfim, Gilvan david de Sousa, Mariele Prévidi, Munir Cury, Sérgio Prévidi

repórteres Ana Carolina Wolfe, daniel fassa, Thiago Borges

dIAGRAMAçãO Giceli Valadares da Silva

REVISãO Rafael Varela

capa Giceli Valadares da Silva

fOTO dA CAPA fotoarena | folhapress

IMPRESSãO divisão Gráfica da Editora Abril S.A.

Este número foi impresso em 26/01/2016Número avulso: R$ 12,50Revista mensal • Ano LVIII • Tiragem: 16.000ISSN 0103-2518 • São Paulo • Brasil

fale com cidade [email protected] (horário comercial) fax: (11) 4158.8890 r 242

LICENCIAMENTO dE CONTEúdOOs artigos desta revista podem ser reproduzidos parcial ou totalmente desde que sejam citados a fonte e o autor. fotos e ilustrações: só com autorização escrita da Editora Cidade Nova.

ANúNCIOS [email protected]

EdITORA CIdAdE NOVARua José Ernesto Tozzi, 198 • Mariápolis Ginetta 06730-000 • Vargem Grande Paulista • SP • Brasil Tel: (11) 4158.8890 • www.cidadenova.org.br CNPJ 05059650/0001-26 • Publicação registrada no 4º Re gistro de Títulos e documentos de São Paulo sob o nº 5.334/76

A revista Cidade Nova pertence a uma rede mundial de 36 edições publicadas em 22 idiomas

vendasBrasília: (61) 9982.2253; (61) 8231.1589São Paulo: (11) 97589.8550; (11) 4158.8898 (11) 99822.1930; (11) 98342.8299 (11) 99875.2267

Seriedade e equilíbrio

Pertenço a uma igreja batista e talvez seja o assinante mais antigo da revista Cidade Nova no Estado do Amazonas. Essa longa fidelidade tem por razão a seriedade e o equilíbrio com que os mais complexos temas são tratados; também, pelo fato de cada leitura ser uma chamada a lembrar-me de que não sou a única pessoa no mundo, e que preciso viver o amor cristão em que creio.

Leland Barroso de Souza | por e-mail

Grata surpresa ao receber a Cidade Nova. Eu não conhecia essa revista de tão alto teor de ideias, com um olhar diferente, de formação. Muito obrigada.

Célia | por e-mail

descasoGostei muito do artigo “Uma Lava Jato pra chamar de sua” (revista Cidade Nova, edição de outubro 2015), Neste contexto, por que o grande destaque mundial para países europeus, de primeiro mundo (a dor, a revolta pelos ataques pela intolerância)? Porém não maior que a dor e a revolta, por vezes silenciosa, das vítimas e pela agressão ao meio ambiente provocados pelo “caso Samarco”. O rompimento da represa foi um ataque violento a várias cidades, que devastou um povoado inteiro. Além de ceifar várias vidas humanas condena centenas de famílias que, para sua sobrevivência, dependem da bacia do rio Doce, agora contaminado. Por pura ganância, crime praticado por “Grandes Empresas Internacionais”, empresas de respeito de ‘Nome’! Não merece tanto destaque e é logo esquecido pela mídia. Afinal grandes criminosos de “colarinho branco” são somente

um detalhe num país de terceiro mundo chamado Brasil.

Maria Marlene | por e-mail

formar opiniãoOs artigos da Cidade Nova são muito bons, atuais. O Ponto de vista, por exemplo, me dá o todo da revista. Gosto muito de política, dos problemas brasileiros e dos questionamentos que são levantados. As dicas de Bem-estar e de Psicologia também são ótimas. A revista nos coloca no âmago do que está acontecendo no mundo e no nosso país. Sobre política ouvimos falar por toda parte, mas é a leitura da Cidade Nova que me ajuda a formar a minha opinião a respeito do que está acontecendo.

Dirce Santana Rita | pelo WhatsApp

crônicaMuito bom o texto de Flávia Savary, “Fim sem fim” (edição de novembro 2015)! A autora não escreve com linha reta, mas circular, bom de ler…Ficou aquela expectativa pela revista do mês que vem para ver com o que ela nos surpreenderá, pois de fato se vê que é uma autora que escreve sem algemas.

Fábio Bento | por e-mail

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capa MARTINA [email protected]

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depois da lamamineRaÇÃo A tragédia ambiental de Mariana, em Minas Gerais, mostrou a urgência de medidas para tornar a mineração realmente sustentável. Mas não só: alertou para o risco de dependência de uma atividade exaurível e degradante num país que esbanja oportunidades

rincipal atividade econômica de Minas Gerais, a mineração está incrustada na paisagem, no nome e na história do Estado. Desde o século 18, quando o modelo se consolidou na região, as tecnologias de extração e de seguran-ça evoluíram, mas não o bastante para evitar grandes e periódicos impactos socioambientais.

A tragédia mais grave ocorreu em 5 de novembro, quando uma barragem de rejeitos da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billi-ton, se rompeu no município de Mariana. A catástrofe provocou ao menos 15 mortes e cinco desaparecimen-tos, cobriu o rio Doce de lama, além de matar animais, destruir o distrito de Bento Rodrigues e comprometer o futuro de seus habitantes.

“Eu vou para Bento às vezes, agora que a lama tá seca e já dá para andar por cima. Vou em busca das minhas lembranças”, conta Expedito Lucas da Silva, 45 anos, motorista, apiculturista e pedreiro, morador do vilarejo antes do desastre tê-lo removido com mais de 600 famí-lias. “Consegui encontrar um retrato que tenho com a minha mãe, já falecida. Ela gostava tanto desse retrato que mandou fazer um quadro. Encontrei ele quebrado, mas vou mandar restaurar. E ainda vou conseguir de volta meu álbum de casamento”, diz, esperançoso.

Para Expedito, ter se salvado do desastre junto com a família foi um verdadeiro milagre, já que nem o po-der público nem as empresas responsáveis pela barra-gem emitiram alerta sonoro para avisar sobre o rom-pimento. “Tinha uma montanha pequena de pedra no meio do caminho que ajudou muito Bento não ser levado de uma vez. Deveriam construir alguma coisa c

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maior para barrar o alagamento e dar tempo pro pessoal se refugiar”, sugere.

O pior desastre ambiental do Brasil tornou consensual a necessidade de rever as normas de segurança e a regula-mentação da atividade para evitar novas catástrofes. Além do risco de rompimento de barragens, a mineração traz uma série de consequências como a destruição da paisa-gem onde as minas são exploradas, o intenso consumo de água, o risco de contaminação dos rios e o rebaixamento do lençol freático, que pode refletir em mudanças de nas-centes. E Minas está coalhada de cenários como esse.

“É preciso desmistificar [a ideia de] que o impacto da mineração é pontual. A mina é pontual, mas como afeta a bacia hidrográfica, seus impactos se alastram”, afirma Bruno Milanez, professor de Engenharia da Uni-versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde coordena o Grupo Política, Mineração, Ambiente e Sociedade.

Bola de lamaOs resíduos da mineração geralmente ficam depo-

sitados em grandes barragens, como a que se rompeu em Mariana. Atualmente, Minas Gerais possui 754 bar-ragens, sendo 450 voltadas à atividade mineradora. De acordo com levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), 29 estruturas não possuem se-gurança adequada.

O desastre mais recente foi o quinto do tipo registra-do no estado em 15 anos. “O rompimento de barragem é inerente à atividade mineral. Temos que parar de tra-tar como acidente”, afirma Milanez. “A pergunta que deve ser feita não é ‘será que vai acontecer outro?’, mas sim ‘quando acontecerá o próximo?’”.

Segundo o engenheiro, é necessário proibir a cons-trução de barragens próximas a locais habitados. Além disso, o volume dos rejeitos deveria sofrer restrições para evitar a poluição de uma bacia hidrográfica inteira , como ocorreu com a do rio Doce.

Milanez defende ainda o veto à construção de barra-gens dispostas em degraus, no sistema conhecido como alteamento a montante, condição que potencializou o incidente de Mariana. “Para baratear o sistema de rejeito, a empresa optou por barragens coladas umas nas outras. Em outros terrenos ou microbacias, os rejeitos não con-vergiriam sobre outras barragens nem sobre Bento Ro-drigues”, aponta Milanez. “Foi uma decisão de alguém da empresa permitida por alguém do Estado”, alerta.

A catástrofe ocorreu em um terreno que reunia três barragens. Na do Fundão, eram armazenados 55 bi-lhões de litros de rejeitos. Após se romper, um volume de 40 bilhões de litros se deslocou e levou parte da de

Santarém, localizada logo abaixo da primeira. No total, uma torrente de lama de 62 bilhões de litros se espa-lhou pelo rio Doce, em Minas Gerais, passando pelo Espírito Santo até desaguar no Atlântico.

As barragens de Santarém e de Germano, no mesmo terreno, correm o risco de se romper. A Germano está com fator de segurança de 1,22, enquanto a Santarém tem 1,37. Para ser considerada segura, a barragem deve ter uma nota mínima de 1,5. Segundo a Samarco, obras emergenciais estão sendo feitas nas duas barragens.

Outra importante lição trazida pelo desastre é a transformação do rejeito do estado líquido para o sóli-do. Armazená-lo na forma líquida, como acontece hoje, implica em maior volume e dispersão mais veloz em caso de rompimento.

“É necessário assentar o rejeito, tirar água dele e dis-pô-lo em forma de pasta, constituída de 70% de sólido. Hoje, apenas 30% é seco”, afirma o professor do De-partamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Hernani Mota de Lima. O engenheiro acrescenta que a construção desse tipo de barragem gera acúmulo de rejeitos com muita água entre eles, o que aumenta o risco de desastres.

“São tantos processos conhecidos, divulgados e tec-nicamente factíveis para ressecar o rejeito… A dificul-dade é o alto custo”, diz. Ainda assim, Lima acredita que a tragédia condenou de vez a disposição de rejeito na forma líquida e deve haver em breve uma mudança na legislação que a proíba definitivamente.

MARTINA [email protected]

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O subsecretário de Gestão e Regularização Ambien-tal Integrada, da pasta de Meio Ambiente de Minas Ge-rais, Geraldo Vitor de Abreu, declarou que o governo está analisando alternativas de ressecamento do rejeito e formas de tratá-lo sem o uso de água. O estudo é con-duzido por especialistas, numa força-tarefa criada pelo governo de Minas Gerais após a catástrofe. A conclusão deve sair neste mês.

diversificarO minério de ferro é um dos pilares da economia

da mineração, além de item crucial na pauta de expor-tações do país. Em 2015, até outubro, foram contabili-zados quase US$ 12 bilhões em embarques de minério de ferro, 7,4% do total de vendas brasileiras ao exterior. A produção brasileira é a segunda maior do mundo e o quadrilátero ferrífero, que inclui Belo Horizonte e ou-tros municípios mineiros, como Mariana, Itabira e Ouro Preto, produz mais da metade do ferro de todo o Brasil.

A economia de Minas Gerais é profundamente de-pendente da atividade, que responde por 17% do Pro-duto Interno Bruto do Estado. Somente em Mariana, 80% da arrecadação vem da mineração. Com a parali-sação da Samarco, impedida de atuar após o desastre, a previsão é que a arrecadação caia 30% já neste mês.

Assim como o petróleo, a extração de qualquer tipo de minério tem data para acabar. Com o esgotamen-to das jazidas, tem fim também os milhares de postos

de trabalho gerados pela mineração, assim como toda a movimentação econômica em torno dela. “O Estado não pode se beneficiar dessa atividade sem criar outros vetores de crescimento econômico e social”, afirma o chefe do Departamento de Ciências Econômicas e Ge-renciais da Ufop, Fábio Viana de Moura.

Segundo Moura, os recursos gerados pela minera-ção deveriam ser aplicados em atividades sustentáveis como agricultura e turismo. “Investir na produção de leite, carnes, queijos e frutas de alta qualidade e em agroindústrias que agreguem valor a esses produtos po-deria ser uma das saídas”, recomenda. “Relacionar uma atividade à outra: produtos gourmet, turismo gastronô-mico e todo o ambiente bucólico da região de Mariana, por exemplo, representa um potencial a ser explorado.”

Infelizmente, são escassos os exemplos de aplicação dos recursos da mineração na diversificação da pauta econômica em Minas. O professor Lima cita a mina de Brucutu, em São Gonçalo do Rio Abaixo, como um caso bem-sucedido. Lá, o fundo gerado pela mineração fi-nanciou oportunidades para empreendedores de ativi-dades independentes.

Já em Itabira, a história é bem diferente. No início dos anos 2000, a Vale avisou sobre o fechamento, em 2025, da mina explorada no município. “A cidade en-trou em polvorosa, todo mundo achando que Itabira ia acabar”, conta o engenheiro Milanez. Às pressas, a pre-feitura fez um plano de incentivo a pequenos empresá-rios, mas acabou emprestando dinheiro sem qualquer orientação sobre como empreender. O projeto resultou na criação de empresas fornecedoras da Vale, reforçan-do a dependência da mineração na cidade.

Diante dos grandes riscos gerados pela atividade mi-neradora, outra aplicação importante são os programas sociais. “Os recursos gerados pelas empresas devem ser integrados ao orçamento público para o bem-estar so-cial, em especial à comunidade a margem de minas e barragens”, afirma o economista Moura.

Abreu, subsecretário do Meio Ambiente de Minas, afirma que um programa de estímulo do governo para alimentar atividades econômicas perenes e benefícios sociais será lançado neste ano. Segundo ele, o progra-ma Cidades Sustentáveis, fruto de Conferência da Or-ganização das Nações Unidas realizada em setembro, se desdobrará em programas estaduais. “São considerados

moradores de distritos atingidos temem que o desastre caia no esquecimento

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investimentos em saneamento, saúde, educação, habita-ção, economia solidária e vocação econômica da região”, diz, sem detalhar como o projeto será implementado.

CommoditiesA oscilação do preço do minério de ferro no mercado

internacional é outro fator para desincentivar a dependên-cia da mineração em MG. A tonelada da commodity, que chegou a US$ 187 em fevereiro de 2011, despencou para os atuais US$ 46. “O Estado se prepara para ter arrecada-ção X, mas vem Y. Isso faz com que programas ambien-tais e sociais fiquem comprometidos. Não é uma forma saudável de garantir desenvolvimento”, opina Milanez. “O Brasil tem muita potencialidade na área de serviços, tecnologia e cultura. Desenvolvemos [desde] monitora-mento de desmatamento a um sistema eleitoral reconhe-cidos internacionalmente. A gente tem coisa muito mais interessante para fazer do que exportar minério”, opina.

Além de afetar a balança comercial e a arrecadação de royalties pelo Estado, a baixa das commodities tam-bém pode comprometer o investimento das empresas em segurança. Milanez cita um estudo dos canadenses Michael Davies e Todd Martin, segundo o qual o núme-ro dos acidentes acompanha o pico do preço do minério extraído. Com a queda nas cotações, para manter uma taxa de retorno razoável, as mineradoras seguem ex-pandindo, mas têm de apertar o cinto porque tiveram muitos gastos e contraíram dívidas no período anterior. É aí que mora o perigo. Ao intensificar a produção para ganhar no volume e cortar os custos para garantir o lucro, aumentam os acidentes de trabalho e os rompi-mentos de barragem.

De 2000 a 2007, quando foram registrados dois aci-dentes em Minas, a cotação do minério de ferro estava em seu patamar mais baixo. Uma alta mais intensa se deu a partir de 2008, sem incidentes. Houve nova retra-ção em 2014, quando mais um rompimento foi registra-do. O declínio prosseguiu até que, em 2015, registrou-se a maior tragédia ambiental do país.

“Ainda não podemos afirmar se houve redução de custos na prevenção e no cuidado das barragens. Mas é notória a redução de investimentos das minerado-ras desde o final de 2014, quando o preço do minério caiu no mercado internacional”, afirma o economista Moura. “Antes da tragédia, já sabíamos de funcionários sendo demitidos pela Samarco.”

De acordo com o Ministério do Trabalho, de maio de 2014 a abril de 2015, o Brasil demitiu cerca de 10 mil pessoas a mais do que contratou na mineração, o maior número desde 2004.

mudançasPara evitar incidentes futuros e garantir uma ativi-

dade mineradora mais segura e sustentável, os especia-listas defendem maior responsabilização das empresas e melhores condições de fiscalização por parte do go-verno. Essas mudanças deveriam ocorrer na legislação e pela aplicação adequada das normas já existentes.

“É inadmissível um Estado que vive da mineração investir pouco em fiscalização. Falta carro, há pouca gente e o fiscal não recebe diária ou veículo para ir a campo ver as barragens de perto”, diz Lima.

Abreu concorda que é preciso ampliar o quadro de técnicos e melhorar a tecnologia de monitoramento. “Se Chernobill foi um marco para que a energia nuclear entrasse em outro patamar de segurança e de normas, o desastre em Mariana cria um novo paradigma para a mineração e a disposição de rejeitos”, compara.

Seu Expedito também espera que seja assim. “Tenho saudades de Bento, era um bairro onde todo mundo se ajudava. A gente formava uma grande família. É um sofrimento muito doído não só de um, mas de muita gente em torno desse rio”, diz. “É uma lembrança que vai, mas a gente fica.”

Solidariedade a toda provaA tragédia de Mariana suscitou uma onda de como-

ção, conscientização e solidariedade nacional. do Bra-sil inteiro foram enviados mantimentos, água, roupas, eletrodomésticos. Pessoas se deslocaram até a cidade mineira para prestar ajuda in loco na acolhida de desa-brigados e em trabalhos de remoção.

A prefeitura de Mariana até precisou suspender o envio de doações! “Recebemos um volume muito grande de doações de todo o país. Estamos enviando as ajudas também para outras cidades que tiveram problemas [com a contaminação do rio doce pelos rejeitos], principalmente Barra Longa e Governador Valadares”, declarou o coordenador do centro de con-venções Alphonsus de Guimaraens, Vanberto de Paula.

As dependências do centro ficaram abarrotadas de alimentos. Tudo foi organizado por data de validade e por itens. duas salas do centro foram climatizadas; alimentos que necessitam de refrigeração foram arma-zenados em freezers.

MARTINA [email protected]