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Revista do Núcleo Ciências e Artes do Movimento Humano

DO CORPO: Ciências e Artes

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2 DO CORPO: Ciências e Artes, Caxias do Sul, v. 1, n. 1, jul./dez. 2011

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Presidente:

Roque Maria Bocchese Grazziotin

Vice-Presidente: Orlando Antonio Marin

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

Reitor:

Prof. Isidoro Zorzi

Vice-Reitor: José Carlos Köche

Pró-Reitor Acadêmico: Evaldo Antonio Kuiava

Coordenador da Educs:

Renato Henrichs

CONSELHO EDITORIAL DA EDUCS Adir Ubaldo Rech (UCS)

Gilberto Henrique Chissini (UCS) Israel Jacob Rabin Baumvol (UCS)

Jayme Paviani (UCS) José Carlos Köche — Presidente (UCS)

José Mauro Madi (UCS) Luiz Carlos Bombassaro (UFRGS)

Paulo Fernando Pinto Barcellos (UCS)

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Universidade de Caxias do Sul 3

Revista do Núcleo Ciências e Artes do Movimento Humano Editores: Profa. Dra. Sigrid Augusta Busellato Nora UCS/RS Prof. Dr. Gerard Maurício Martins Fonseca UCS/RS Conselho Editorial: Profa. Dra. Ana Beatriz Fernandes Cerbino UFF/RJ Prof. Dr. Amândio Braga dos Santos Graça Universidade do Porto/Portugal Profa. Dra. Christine Greiner PUC/SP Prof. Dr. Eduardo Álvarez Del Palacio Unileon/León-España Profa. Dra. Helena Katz PUC/SP Prof. Dr. Juan Luis Hernández Álvarez UAM/Madrid-España Prof. Dr. Juarez Vieira do Nascimento UFSC/SC Profa. Dra. Maíra Spanghero UFBA/BA Profa. Dra. Maria Bernardete Ramos Flores UFSC/SC Profa. Dra. María Eugenia Martínes Gorroño UAM/Madrid-España Prof. Dr. Ricardo Halpern UFCSPA Prof. Dr. Ronei Silveira Pinto UFRGS/RS Prof. Dr. Sidarta Ribeiro UFRGN/RN Profa. Dra. Teresa Lleixá Arribas UB/Barcelona-España Comissão Editorial: Profa. Dra. Olga Tairova UCS Profa. Ms. Maria Helena Calcagnotto UCS Profa. Ms. Maria Teresinha M. Graselli UCS Profa. Ms. Eliete Maria Scopel UCS Profa. Ms. Renata Ramos Goulart UCS Prof. Ms. Carlos Gabriel G. Bonone UCS Prof. Ms. Mauro Amâncio da Silva UCS Prof. Ms. Cesare Augusto Marramarco UCS Prof. Ms. Fernando Kuse UCS Profa. Ms. Mônica de Oliveira Mello UCS Pareceristas: Profa. Dra. Ana Mery Sehbe de Carli UCS Prof. Dr. Daniel Marcon UCS Prof. Dr. Gabriel Gustavo Bergmann Unipampa /RS Prof. Dr. Márcio Geller Marques Feevale — Faculdade da Sogipa Profa. Dra. Rossane Frizzo Godoy UCS Profa. Ms. Jussara Maria Marchioro Stumpf UCS Profa. Ms. Lidiane Requia Alli Ulbra /TO Prof. Alvaro Acco Koslowski UCS Profa. Dra. Janice Zarpellon Mazo UFRGS Secretária: Janquiele Duarte

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4 DO CORPO: Ciências e Artes, Caxias do Sul, v. 1, n. 1, jul./dez. 2011

Ilustração da capa: Jorge Etcher

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Universidade de Caxias do Sul

UCS - BICE - Processamento Técnico

Índice para o catálogo sistemático:

1. Exercícios físicos 796 2. Corpo — Movimento 796.012 3. Aptidão física 613.72 4. Educação física 613.71

Catalogação na fonte elaborada pela Bibliotecária Márcia Servi Gonçalves - CRB 10/1500

D631 Do corpo [recurso eletrônico] : ciências e artes / UCS, Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano. v.1, n.1 (jan./jun. 2011). - Dados Eletrônicos-. - Caxias do Sul, RS : UCS, 2011.

Modo de acesso: http://ucs.br/site/nucleos-pesquisa-e-inovacao -e-desenvolvimento/nucleos-de-inovacao-e-desenvolvimento/ Semestral ISSN

1. Exercícios físicos. 2. Corpo — Movimento. 3. Aptidão física.

4. Educação física. 1. Universidade de Caxias do Sul. Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano

CDU 2.ed.: 796

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SUMÁRIO Apresentação / 8

Artigos Efeito do AINE Ibuprofeno sobre variáveis cardiopulmonares determinadas em laboratório / 13 Effect of NSAID Ibuprofen on Laboratory-Determined Cardiopulmonary Variables Efecto del AINE Ibuprofeno en variables cardiopulmonares Laboratorio-Determinadas Eduardo Ramos da Silva, Eduardo Celia de Palma, Claudia Adriana Bruscatto, Luiz Fernando Martins Kruel e Jorge Pinto Ribeiro Equilíbrio postural de mulheres fisicamente ativas e sedentárias / 28 The postural balance of active and sedentary physical women El equilibrio postural de mujeres física activa y sedentaria Eliane Carla Kraemer e Olga Sergueevna Tairova

Recreação terapêutica: visão da equipe multidisciplinar da unidade de pediatria de um hospital da Serra gaúcha / 39 Therapeutic recreation: vision of the multidisciplinary team of the pediatric unit from a hospital in Serra gaúcha (the gaucho highlands) Recreación terapéutica: visión del equipo multidisciplinario de la unidad de pediatría de un hospital de la sierra gaucha Sheila Aline Pichetti, Heloisa Santini e Daiane Toigo Trentin Aptidão física relacionada à saúde no grupo articulações / 54 Physical fitness related to healf in the group articulações Aptitud fisica reladionada a la salud en el grupo articulações Nicole Giovanella, Ricardo Rodrigo Rech e Daiane Toigo Trentin Las escuelas primarias caxienses y los contenidos de la educación física: los primeros documentos escritos / 72 The public schools from Caxias do Sul and the physical education’s subjects: the first discoveries written As escolas municipais caxienses e os conteúdos da educação física: os primeiros documentos escritos Gerard Maurício Martins Fonseca e María Eugenia Martínez Gorroño “Os modernos methodos de ensino”: a criação dos cursos intensivos de Educação Physica na capital sul-rio-grandense / 94 “The modern method of education”: the creation of intensive Education in Physic capital south river-grandense “El método moderno de la educación”: la creación de la educación física intensiva en capital del sur rio-grandense Vanessa Bellani Lyra e Janice Zarpellon Mazo

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O corpo dançante entre a teoria e a experiência: estudo dos processos de realização coreográfica em duas companhias de dança contemporânea / 111 The dancing body between theory and experience: a study on the choreographic creative processes in two contemporary dance companies El cuerpo danzante entre la teoría y la experiencia: estudio de los procesos de realización coreográfica en dos compañías de danza contemporánea Mônica Fagundes Dantas Corpo, linguagem e educação / 128 Body, language and education Cuerpo, lenguaje y educación Neires Maria Soldatelli Paviani A função educativa da dança em Platão: as leis, livro II, 652 a — 674 c / 137 Educational function of the dance in Plato: laws, Book II, 652 a - 674 c La educación de funciones de la danza en el pensamiento de Platón: leyes, Libro II, 652 a — 674 c Jayme Paviani O corpo: um movimento da différance / 145 The body: a movement of différance El cuerpo: un movimiento de la différance Evaldo Antonio Kuiava e Verónica Gomezjurado Zevallos Ensaios Os novos estudos do corpo para repensar metodologias de pesquisa / 161 New studies of the body to re-think research methodologies Nuevos estudios de el cuerpo repensar las metodologías de investigación Christine Greiner Abjetos flutuantes / 171 Floating abjects Abyectas flotantes Magda Bellini Corpomídia e mídia: duo necessário / 189 Corpomídia and media: duo necessary Corpomídia y medios de comunicación: duo es necesario Carlos Alberto Pereira dos Santos Um lugar para o corpo [POÉTICO] sensível na Educação Física da UCS (RS) / 204 A place for the sensitive [POETIC] body in UCS (RS) physical education Un lugar para el cuerpo [POÉTICO] sensible en la educación física de la UCS (RS) Sigrid Nora

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Resenha Contextualizando a dor / 216 Contextualizing Pain Contextualizano el dolor Maria Helena Calcagnotto Normas para publicação / 229

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Apresentação

Neste ano de 2011, em que o Curso de Educação Física da Universidade de Caxias do Sul (UCS) comemora trinta e quatro anos de sua fundação, é com alegria e com grande expectativa que a Revista Do Corpo: Ciências e Artes pretende chegar aos leitores. A criação deste periódico, gerado do Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano (CAMHU), do Centro de Ciências da Saúde (CECS) desta instituição, se faz no desejo de servir como um veículo de comunicação/informação, pautado pela ideia de que as ciências e as artes se constituem em processos sociais que se dão na relação pesquisador/comunidade. A escrita como um espaço de poder, o lugar do registro, da análise, da crítica e da difusão do pensar e do fazer.

Aos tantos desafios enfrentados durante a trajetória de existência dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física na UCS, soma-se, neste momento, a tarefa de cumprir mais uma vez a sua missão de “produzir, sistematizar e socializar o conhecimento com qualidade e relevância para o desenvolvimento sustentável”. Assim esta revista surge com o intuito de difundir para a sociedade a produção de conhecimento prático-teórico gerado em trabalhos e pesquisas desenvolvidas no âmbito do próprio meio, bem como abrigar iniciativas de outros contextos, oportunizando intervenções que diluam zonas fronteiriças e estabeleçam fluxos de conectividade e intercâmbio de discursos plurais com as demais áreas dos estudos corporais. O fio condutor que a orienta, debruça-se indistintamente sobre o registro de pensamentos oriundos do campo das atividades esportivas, das ações em saúde e do desempenho humano; das questões filosóficas, culturais e históricas; das práticas artísticas; da formação e da educação; das políticas e metodologias; das experiências tecnológicas e de outros tantos domínios do saber que igualmente investiguem e fomentem os princípios de defesa e de afirmação da vida.

Do Corpo: Ciências e Artes almeja duas publicações anuais com escritos que se apresentem sob a forma de artigos, ensaios e resenhas. Para esta primeira edição, sem um eixo temático determinado, reunimos um conjunto de dez artigos originais, quatro ensaios além de uma resenha que, sob vieses múltiplos, articulam-se em torno do movimento humano nas seguintes perspectivas:

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No campo das ações em saúde e desempenho humano, a equipe de pesquisadores composta por Eduardo Ramos da Silva, Jorge Pinto Ribeiro, Eduardo Celia de Palma, Claudia Adriana Bruscatto e Luiz Fernando Martins Kruel abre esta edição trazendo o resultado de um experimento clínico sobre o Efeito do AINE Ibuprofeno sobre variáveis cardiopulmonares determinadas em laboratório.

Também integra esse mesmo campo de pesquisa o artigo intitulado Equilíbrio postural de mulheres fisicamente ativas e sedentárias, das pesquisadoras Olga Sergueevna Tairova e Eliane Carla Kraemer que se valem do programa estatístico GraphPad Instat para promover a análise dos dados e determinar resultados do comparativo entre mulheres fisicamente ativas e sedentárias acima de 50 anos.

Já, Sheila Aline Pichetti, Heloisa Santini e Daiane Toigo Trentin voltam seus estudos para Recreação terapêutica: visão da equipe multidisciplinar da Unidade de Pediatria de um hospital da Serra gaúcha, tendo por objetivo investigar a contribuição dessa intervenção para o tratamento de pacientes, bem como detectar sua influência no relacionamento paciente/equipe.

Aptidão física relacionada à saúde no Grupo ArticulAções trata igualmente de uma pesquisa direcionada às ações do desempenho humano, e busca verificar o efeito do treinamento de 20 semanas de práticas corporais artísticas sobre os níveis de aptidão física relacionada à saúde (AFS) em acadêmicos de Educação Física, integrantes do Grupo Articulações (GA) da Universidade de Caxias do Sul. Essa pesquisa, realizada por Nicole Giovanella, Ricardo Rodrigo Rech e Daiane Toigo Trentin finaliza apontando os componentes da AFS que são beneficiados mediante práticas corporais artísticas do GA e aqueles que precisam de um melhor rendimento durante os treinos do GA.

No viés dos estudos voltados para a história, apresentamos duas contribuições. Na primeira delas, As escolas municipais caxienses e os conteúdos da Educação Física: os primeiros documentos escritos, Gerard Maurício Fonseca e María Eugenia Martínez Gorroño resgatam e analisam documentos relativos a esse período histórico, os quais identificam seu começo e os objetivos das aulas de Educação Física nas

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escolas municipais de Caxias do Sul. Os documentos analisados traduzem a correspondência com a ideologia política do primeiro governo de Getúlio Vargas, que buscava a construção de um novo país, apoiado nos princípios nacionalistas e higienistas.

Na sequência, contamos com escritos sobre “Os Modernos Methodos de Ensino”: a criação dos cursos intensivos de Educação Physica na capital sul-riograndense, cujo objetivo central é compreender como ocorreu a formação de professores de Educação Física via programas emergenciais para a formação de mão de obra especializada. Vanessa Bellani Lyra e Janice Zarpellon Mazo estudam o objeto aproximando-o da História cultural.

No universo artístico de possibilidades corporais, O corpo dançante entre a teoria e a experiência: estudo dos processos de realização coreográfica em duas companhias de dança contemporânea, de Mônica Dantas, detém-se nos diferentes procedimentos de criação e recriação de suas obras para produzir reflexões sobre as concepções de corpo que emergem de cada experiência e as correspondências que se mostram nas relações entre projeto e obra.

No âmbito da educação, Neires Soldatelli Paviani volta seu pensamento para o enigma do corpo, para o corpo como expressão, para o corpo como elemento que inaugura o conhecimento humano e é o meio de explosão da consciência de si no mundo. A autora pensa a constituição do sujeito, a partir da educação do corpo e, simultaneamente, da educação linguística no artigo denominado Corpo, linguagem e educação.

E, finalizando a esteira dos artigos originais integram também esta coletânea dois outros estudos provenientes do campo filosófico, o primeiro de Jayme Paviani direcionado para A função educativa da dança em Platão: as Leis, livro II, 652 a — 674 c e o segundo voltado para O corpo como um movimento da DIFFÉRANCE, de Evaldo Antonio Kuiava e Verónica Gomezjurado Zevallos.

Para a sessão dedicada a ensaios, a publicação apresenta Os novos estudos do corpo para repensar metodologias de pesquisa Christine Greiner faz uma reflexão sobre a relação teoria e prática e a natureza do que se configura como uma pesquisa, que deveria ser indissociável de um teor analítico e crítico nascido de uma inquietação e não de pressupostos já estabilizados.

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No texto Abjetos flutuantes, Magda Bellini alinha seus escritos às reflexões sobre um modelo biológico de deficiência no indivíduo, o corpo cego, e orienta as discussões para seu significado e sentido cultural.

Corpomídia e mídia: duo necessário é o que segue neste conjunto. Nele, Carlos Alberto P. dos Santos propõe pensar o corpo contemporâneo que dança como ambiente de criação de informações e de elaboração de pensamentos. Entendendo que criticar é selecionar e replicar informações, forjando novos ambientes de reflexão e criação, na elaboração da crítica jornalística, o autor transita entre as variantes criador/intérprete e leitor/público.

O segmento dedicado a ensaios se completa Com um lugar para o CORPO [POÉTICO] SENSÍVEL na Educação Física da UCS, de Sigrid Nora, que se concentra na discussão acerca da articulação entre as práticas corporais artísticas e os cursos de Educação Física, entre arte e ciência, entre teoria e prática trazendo à baila a implantação do Grupo ArticulAções, um plano piloto desenvolvido na UCS(RS).

E, fechando este fascículo incorpora-se a resenha intitulada Contextualizando a dor de autoria de Maria Helena Calcagnotto, sobre uma proposta interdisciplinar coordenada por Manoel Jacobsen Teixeira, Professor Doutor no Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP e da Unifesp, que registra os estudos de 126 discentes e docentes da área da saúde de diversas universidades brasileiras.

Enfim expostos os conteúdos produzidos, estamos certos de que os trabalhos reunidos nesta Revista se constituem numa pequena amostragem qualitativa da produção desses estudiosos que, hoje, inauguram um novo espaço para a divulgação da produção científica no plano nacional.

Encerrando esta apresentação resta ainda salientar a excelência de nosso Conselho Editorial e agradecer aos seus membros o reconhecimento do trabalho realizado nesta Instituição. E, ao público leitor, é com grande orgulho que entregamos a nossa mais nova ação de investimento na democratização da informação especializada.

Os Editores

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Artigos

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Efeito do AINE Ibuprofeno sobre variáveis cardiopulmonares determinadas em laboratório

Eduardo Ramos da Silva* — Eduardo Celia de Palma* — Claudia Adriana Bruscatto* — Luiz Fernando Martins Kruel** — Jorge Pinto Ribeiro***

Resumo: Objetivo: Ensaio clínico randomizado com o objetivo de investigar o efeito da administração profilática do AINE Ibuprofeno sobre variáveis cardiorrespiratórias de corredores experientes em provas de 10 km. Metodologia: quatorze corredores competitivos de nível local e nacional (29.4±9.3 anos; 1997±65.3 segundos como melhor tempo declarado), realizaram dois testes ergoespirométricos de corrida progressiva em esteira rolante (velocidade inicial de 9 km.h-1 com incremento de 1 km.h-1 a cada minuto e inclinação fixa em 1%), sendo cada teste realizado em uma condição diferente: com administração prévia e via oral de dose única de 1.2g de Ibuprofeno ou placebo (duplo-cego). Os testes foram separados por 120h de intervalo para evitar efeito de carreamento do fármaco. Resultado: o consumo máximo de oxigênio foi afetado negativamente pelo fármaco (p=0.04) enquanto duração do teste, velocidade máxima, FCmáx, Rmáx, VEmáx e percepção de esforço máxima não diferiram significativamente. A velocidade relativa ao segundo limiar ventilatório (p=0.01), FC (p=0.05), à percepção de esforço (p=0.01) e VE (p=0.02) foram inferiores na situação Ibuprofeno, sendo que o VO2 no Limiar foi semelhante. Conclusão: o uso de AINE por corredores de alto desempenho pode interferir negativamente nos padrões hemodinâmicos, quando em exercícios realizados em domínio severo. Palavras-chaves: VO2máx. Corrida. Endurance. Anti-inflamatório. Ibuprofeno.

Effect of NSAID Ibuprofen on Laboratory-Determined Cardiopulmonary

Variables Abstract: Aim: A randomized clinical trial designed to investigate the effect of prophylactic administration of NSAID Ibuprofen on cardiorespiratory variables of experienced runners in 10-km runs. Methods: Fourteen competitive runners at local and national level (29.4±9.3 years; 1997±65.3 seconds as the best time reported), performed two ergospirometric tests of progressive run on treadmill (initial speed of 9 km*h-1 with increases of 1 km*h-1 every minute and fixed slant of 1%), with each test being performed with previous oral administration of a single dose of either 1.2 g Ibuprofen or placebo (double-blind). The tests were performed with an interval of 120 hours to avoid the carryover effect of the drug. Results: The peak oxygen consumption was negatively affected by the drug (p = 0.04), whereas maximum speed, HRmax, Rmax,

* Laboratório do Movimento Humano, University of Caxias do Sul, Caxias do Sul — Brazil. ** Federal University of Rio Grande do Sul, Porto Alegre — Brazil. *** Laboratório de Fisiopatologia do Exercício, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre — Brazil.

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VEmax and rate of perceived exertion (RPE) did not differ significantly. The speed associated with the second ventilatory threshold (p=0.01), HR (p=0.05), RPE (p=0.01) and VE (p=0.02) were lower in the Ibuprofen situation, with the VO2 at the Threshold being similar. Conclusion: The use of NSAIDs by high performance runners can interfere negatively with the hemodynamic parameters while exercising in the severe domain. Keywords: VO2max. Running. Endurance. Anti-inflammatory. Ibuprofen. Efecto del AINE Ibuprofeno en variables cardiopulmonares Laboratorio-

Determinadas Resumen: El estudio presenta como objetivo investigar el efecto de ingestión controlada del AINE Ibuprofeno bajo las variables cardiorespitatorias de atletas experimentados en carreras de 10 Km. Metodología: Cuatorze atletas experimentados en el ámbito local y nacional (29.4+9.3 años; 1997+65.3 segundos como mejor tiempo declarado), realizarón duas pruebas ergoespirométricas de carrera progresiva en cinta rolante (velocidad inicial de 9 Km.h..) añadiéndose 1 km.. A cada minuto e inclinación fija de 1%), siendo cada prueba realizada en una condición distinta: con ingestión previa y via oral de una dosis única de 1,2g de Ibuprofeno o placebo (doble ciego). Las pruebas fueran separadas por 120h de intervalo para evitar los efectos negativos de la absorción del fármaco. Resultado: El consumo máximo de oxigeno fue afectado negativamente por el fármaco (p=0.04) mientras la duración de la prueba, velocidad máxima FC max, Rmax, VE max y percepción del esfuerzo máximo no presentaron diferencias significativas. La velocidad relativa al segundo limiar ventilatório (p=0.01), FC (p=0.05), percepción del esfuerzo (p=0.01) y VE (p=0.01) fueron inferiores en la situación Ibuprofeno, siendo que el VO2 en el Limite ha sido semejante. Conclusiones: La utilización del AINES. Por atletas de alto nivel deportivo puede interferir de manera negativa en los patrones hemodinámicos cuando en ejercicios realizados en situaciones duras de esfuerzo físico. Palabras clave: VO2max. Raza. Resistencia. Antiinflamatorio. Ibuprofeno. Introdução

O desempenho em exercício prolongado depende do consumo máximo de oxigênio, [1] cuja magnitude depende de processos cardiovasculares e pulmonares e ainda da eficácia metabólica da musculatura ativa. [2-3-4] Todavia, o VO2máx não apresenta isoladamente valor prognóstico definitivo para o desempenho nesse tipo de atividade. [5-6-7-8]

Fisiologicamente, os domínios de esforço apresentam características particulares, identificáveis fisiologicamente em

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laboratório. No esforço progressivo, o primeiro domínio (moderado e pouco usual nessas circunstâncias) é caracterizado pela ausência de elevação significativa da concentração sérica de lactato, tendo limite superior na quebra de estabilidade da concentração de lactato (ou limiar aeróbio). No domínio intenso, observa-se um desproporcional aumento do volume de dióxido de carbono produzido (VCO2) e Ventilação (VE) em relação ao aumento do VO2 ou da carga, cujo limite superior é demarcado pelo aumento exponencial da concentração sérica de lactato assim como a desvinculação da velocidade de aumento da VE com a do VCO2, sendo denominado domínio severo e tendo seu limite na exaustão. [9]

Em recente revisão acerca dos fatores determinantes de fadiga em diferentes formas e intensidades de exercício (progressivo ou contínuo em diversas intensidades), Noakes e Gibson [1] apresentam evidências de que a capacidade tanto de atingir quanto de sustentar elevadas intensidades de exercício esteja relacionada a aspectos pré-cognitivos e cognitivos influenciadores do drive sensório-motor sobre unidades motoras, a partir da aferência de estímulos periféricos, incluindo os álgicos nociceptivos. [10]

Infere-se assim que, quanto maior a intensidade atingida durante o esforço em teste progressivo, mais frequentes e intensos serão os estímulos ao SNC de origem cardiorrespiratórios ou periféricos (tensão mecânica, térmicos, mecânicos, isquêmico, etc.), capazes de estimular a decisão de interrupção da atividade. [11-12]

Tais estímulos desencadeiam a ação de fosfolipases, principalmente (A2), sobre a estrutura lipoproteica da membrana celular, promovendo a desagregação do araquidonato constituinte e, por meio da catalisação desse substrato, pela enzima prostaglandina G/H sintase ou Cicloxigenase (COX) e da ação de isomerases tissulares, em prostaglandinas e tromboxanos (PGI2, TXA2, PGD2, PGE2, PGF2). [13] Tais prostanoides potencializam a ação da bradicinina e histamina sobre transdutores nervosos livres distribuídos por todo o corpo, denominados nociceptores, sensibilizando a resposta álgica ao estímulo (hiperalgia ou alodinia), sensação denominada nocicepção. [14] Dentre as alternativas para minimização de sensações dolorosas de média e baixa intensidade, tem-se verificado que tanto cidadãos comuns, [15] quanto atletas, fazem uso de analgésicos de curta

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duração como anti-inflamatórios não esteroidais. [14-16-17-18-19-20-21-22] Em 1971, John Vane postulou que o mecanismo de ação dessa classe farmacológica baseia-se na inibição reversível da ciclooxigenase, impedindo a biossíntese de prostaglandinas e minimizando a ação da bradicinina e histamina. [13]

Mesmo não sendo recente o conhecimento sobre a dinâmica do fármaco, não foi encontrado nenhum estudo suficientemente controlado que tenha investigado seu efeito sobre respostas fisiológicas de corredores em ambiente laboratorial. Partindo-se da premissa de que exercícios, quando realizados nos domínios intenso e severo, apresentam importante retardo na estabilização do VO2 (componente lento), e que isso pode depender da duração do teste, [9] o objetivo do presente estudo foi analisar o impacto do uso profilático de AINE sobre valores máximos de tempo e velocidade de teste, consumo de oxigênio, concentração de lactato sanguíneo e percepção de esforço de corredores especialistas em provas de longa distância (fundistas) submetidos à avaliação ergoespirométrica laboratorial. Metodologia

O presente ensaio clínico, randomizado, duplo-cego e cruzado foi aprovado pelo CEP-UFRGS. Em uma primeira visita ao laboratório, quatorze corredores locais especialistas em endurance (melhor tempo em provas de 10km ≤ 35min), após receberem esclarecimentos sobre a pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, respondendo posteriormente a um questionário sobre antecedentes clínicos. Nenhum dos participantes declarou uso de anti-inflamatório ou de qualquer outro tipo de analgésico nas 48 horas prévias aos testes, assim como haver problemas gastrintestinais crônicos, hipersensibilidade à AINE previamente diagnosticada ou qualquer tipo de lesão músculo-esquelética importante. Em seguida, foram realizadas mensurações cineantropométricas e familiarização com ambiente, equipamentos e protocolo ergoespirométrico.

A massa corporal e estatura foram mensuradas em uma balança com estadiômetro marca Filizola (Brasil), com sensibilidade de 0.1kg e 0.01mm respectivamente. Foi utilizado umplicômetro Lange para mensuração da dupla-dobra de gordura para cálculo da quantidade de

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gordura corporal através das equações propostas por Jackson e Pollock [23] e Siri, 1969 [24]. A frequência cardíaca foi registrada por um monitor portátil marca POLAR® modelo 610i. As variáveis ventilatórias consumo de oxigênio (VO2), ventilação (VE) e razão de troca respiratória (R) foram mensuradas utilizado um analisador metabólico MedGraphicsCardiorespiratpryDiagnostic Systems CPX-D (St Paul, USA), calibrado com concentrações conhecidas de oxigênio e dióxido de carbono duas vezes a cada turno de avaliação (modo breath-by-breath). A mensuração sérica de lactato foi realizada utilizando-se um lactímetroAccutrend® lactato (mensuração por reação enzimática com leitura por fotometria de reflectância em intervalos de 0.8 a 22mM/L) e tiras reagente Accutrend BM (coleta sanguínea de 10μL por punção na polpa digital do indicador direito). Rotina de coleta

Os atletas foram orientados a não realizar atividades extenuantes nas 48 horas que antecedessem as etapas do protocolo, assim como alimentar-se (preferencialmente alimentos não cafeinados) duas horas antes do início do teste. Decorridos 48 e 120 horas da familiarização, os sujeitos retornaram ao laboratório para a realização do protocolo experimental. Em ambiente climatizado (21±0.80C de temperatura e 52.2±5.9% de umidade) e utilizando uma esteira rolante Inbramed Super ATL (Inbrasport, Brasil), os sujeitos realizaram dois testes progressivos de corrida realizados em situações distintas: com administração prévia do AINE (SIbu) ou Placebo (SPla).

Os atletas compareceram 60 minutos antes do horário marcado para o teste para receber o tratamento farmacológico e imediatamente repousar por 30 minutos (para mensuração basal de FC e Lactato). O tratamento farmacológico administrado por via oral (cápsulas com envoltório de gelatina) foi o AINE Ibuprofeno ou substância farmacologicamente inerte (lactose), apresentado as cápsulas mesma aparência (verde e branca), massa média (0.706g), odor e sabor (morango) e tamanho.

Para atenuar o efeito da fadiga e/ou de aprendizagem ao longo das coletas, foi assegurado que o número de tratamentos com AINE e placebo no primeiro e segundo teste fosse exatamente o mesmo,

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alocando-se randomicamente os sujeitos em uma das 14 posições descritas no quadro 1. Quadro 1 — Distribuição dos tratamentos por ordem de realização dos testes

SUJEITOS

Ordem

do

teste

Tratam

I = tratamento com 1.2g de Ibuprofeno por via oral; P = administração de placebo (lactose) por via oral. Ensaio clínico duplo-cego, randomizado e cruzado.

O protocolo de teste iniciou com aquecimento de 5min (6 km.h-1 e

0% de inclinação). Em seguida, a velocidade era elevada para 9 km*h-1 e 1% de inclinação, sendo a cada minuto acrescido 1 km.h-1. Os sujeitos foram estimulados verbalmente a vencer o maior número de estágios possíveis até a declaração voluntária de fadiga. A cada minuto (a cada estágio), a frequência cardíaca e a percepção subjetiva de esforço (RPE), segundo a metodologia descrita por Borg [25], eram registradas. Para determinação da maior concentração sanguínea de lactato (Lacmáx), foram realizadas cinco dosagens de lactato (um, três, cinco, sete e nove minutos) no final do teste. A figura 1 apresenta a sequência temporal do presente estudo.

A média dos dois maiores valores consecutivos de consumo de oxigênio [26] e a maior frequência cardíaca foram registradas durante o teste (VO2máx e FCmáx), assim como a velocidade do último estágio completamente cumprido pelo atleta (velocidade máxima ou vmáx). O maior valor de razão de troca respiratória e de ventilação, durante o teste, foi igualmente registrado. Foi ainda registrado o tempo total de teste (tmáx) iniciando este no primeiro estágio progressivo (9 km

.h-1) e finalizando na interrupção voluntária do sujeito (declaração de fadiga).

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Figura 1 — Sequência geral de eventos do experimento

O limiar ventilatório (Lvent) foi determinado por dois pesquisadores independentes (duplo-cego) por análise simultânea dos gráficos gerados pela plotagem: i) equivalente ventilatório de O2 e CO2; ii) produção excessiva de dióxido de carbono ([VCO2

2/VO2]-VCO2); iii) produção de dióxido de carbono plotados com o VO2. [27] Em caso de concordância entre os dois avaliadores, o valor de Lvent era aceito, caso contrário um terceiro pesquisador era consultado para dirimir a dúvida analisando o dado e declarando, como o ponto definitivo, aquele concordante com o avaliador primário (aceito o valor concordante com até 3% de variabilidade; caso divergisse também, o dado referente ao sujeito era descartado). Os valores de consumo de oxigênio (em ml*kg-1*min-1 e sua correspondência percentual em relação ao máximo), a velocidade, a percepção subjetiva de esforço e a frequência cardíaca foram registradas nesse ponto, a fim de representá-lo (VO2Lvent, %VO2Lvent, vLvent, PSELvent e FCLvent respectivamente). Tratamento estatístico

Os valores foram expressos sob forma de média e desvio padrão mediante estatística descritiva. Para testar a normalidade de distribuição dos dados, foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk e, para comparação das médias máximas e submáximas entre as situações Ibuprofeno e Placebo, utilizou-se o Teste “t” de Student. Os testes

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foram processados no pacote estatístico SPSS versão 15.0, adotando-se um nível de significância de α≤0.05. Resultados

As características cineantropomérticas e descritivas de volume semanal e melhor desempenho, referido nos últimos seis meses, estão apresentadas na tabela 1. Tabela 1 — Características morfológicas e perfil de treinamento dos sujeitos (n=14)

Idade(anos) Altura (cm)

Massa Corporal (kg)

Gordura corporal (%)

Massa corporal magra (kg)

Melhor tempo 10km

(seg)

Volume de treinamento (km.semana-1)

X±DP 29.4±9.3 173.0±5.8 63.5±6.0 5.9±2.8 59.6±4.5 1997±65.3 83.8±30.2

Os corredores participantes do presente estudo declararam melhor tempo recente em provas de 10 km equivalente a 114.7% do recorde estadual, 117.4% do recorde nacional e 123.1% do atual recorde olímpico. Os valores fisiológicos e funcionais máximos e submáximos, nas situações experimentais Ibuprofeno e Placebos estão apresentados na tabela 2.

Na condição máxima, observa-se que somente o VO2máx apresentou diferença significativa entre as situações de teste. Com relação à determinação do segundo limiar ventilatório, nenhuma das amostras precisou ser descartada por divergência de opiniões. Com relação ao Lvent, observa-se que a Sibu apresentou menor RPE, FC, velocidade e ventilação. Tanto o valor de consumo de oxigênio quanto seu correspondente percentual ao VO2máx, registrados em Lvent, não apresentaram diferença significativa entre as situações.

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Tabela 2 — Médias e desvios padrão de variáveis fisiológicas e funcionais máximas e sub-máximas (segundo limiar ventilatório) em ambas as situações experimentais (Ibuprofeno e Placebo. n=14).tmáxrepresenta duração em segundos do teste; vmáx — velocidade do ultimo estágio integralmente cumprido no teste; VO2máx — consumo máximo de oxigênio; FCmáx — frequência cardíaca máxima; VEmáx — ventilação máxima registrada; Rmáx — razão de troca respiratória máxima; PSEmáx — percepção de esforço subjetivo máximo ao final do teste; vLvent — velocidade relativa ao Limiar Ventilatório; VO2Lvent— consumo de oxigênio em Lvent. %VO2Lvent — fração percentual do VO2máx em Lvent; FCLvent — frequência cardíaca registrada em Lvent; PSELvent — percepção subjetiva de esforço em Lvent; VELvent — ventilação em Lvent.

SI SP P tmáx (seg) 718.7±79.4 730±57.6 0.45

vmáx(km.h-1) 19.5±1.2 19.7±0.9 0.42

VO2máx(ml.kg-1.min-1) 66.4±5.5 67.9±4.4 0.04

FCmáx(bpm) 185.6±11.7 187.2±11.6 0.15

VEMax(L.min-1) 143±4 142±3 0.51

Rmáx 1.19±0.5 1.19±0.4 0.92

PSEMax 19.2±1.1 19.5±1.1 0.19

vLvent(km.h-1) 17.5±1.2 18.2±1.3 0.01

VO2Lvent(ml.kg-1.min-1) 56.7±5.7 58.6±4.4 0.09

%VO2Lvent (%) 85.4±5.2 86.2±4 0.41

FCLvent(bpm) 175.5±10.6 178.2±11.8 0.05

PSELvent 16.6±1.6 18.1±1.3 <0.01

VELvent(L.min-1) 105±5.3 111.8±8.4 0,02

Lactato mínimo 2.0±0.3 2.0±0.3 0.91

Lactato máximo 12.7±3.3 11.4±2.6 0.27

Discussão

Nossas suposições iniciais levavam a crer que o efeito analgésico de Ibuprofeno tornaria os sujeitos aptos a suportar maiores velocidades durante o teste, atingindo valores significativamente superiores de VO2máx. [1] Partia-se do pressuposto de que, além do tempo de permanência no domínio intenso de esforço, a cinética do consumo de oxigênio sofreria efeito da acidose lática, dos níveis de epinefrina, da temperatura corporal e do aumento do recrutamento das fibras I e II, [2] elevando os valores finais de VO2.

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Porém, os resultados do presente estudo não ratificam a hipótese inicial, visto que tanto tmáx quanto vmáx em cada situação não diferiram significativamente. Esses achados vão de encontro aos achados de Sgherza et al. [10], que demonstraram, indiretamente, os efeitos deletérios da dor sobre a capacidade máxima de trabalho de ciclistas submetidos a teste progressivo em cicloergômetro. Na situação em que os pesquisadores administraram previamente 30mg de Naloxona (antagonista dos receptores de β-endorfina), verificando redução do tempo de teste, VO2 de pico, trabalho total e frequência cardíaca máxima. Outro estudo que buscou analisar essa relação foi desenvolvido por Amann et al. [28] no qual oito ciclistas foram submetidos a três testes máximos de 5km tipo time-trial em cicloergometria estacionária reduzindo a atividade ascendente de nociceptores e metaboceptoresAδ e C (fibras do tipo III e IV respectivamente), com administração de bolussubaraquinoide do agonista de receptor μ-opioide Fentanil. Foi verificado, a partir da comparação com a situação placebo (solução salina) e controle, que o analgésico possibilitou aumento do desempenho nos primeiros 2.5 km (p<0.001), sendo prejudicado o final da prova por importante redução da saturação sanguínea de oxigênio e aumento significativo das concentrações sanguíneas de hidrogênio e fosfato inorgânico decorrentes das altas taxas de trabalho atingidas no início do teste.

Não é de nosso conhecimento qualquer investigação acerca dos efeitos de AINE sobre variáveis fisiológicas prognósticas de desempenho em corrida utilizando modelo laboratorial com exercício progressivo em indivíduos saudáveis. Surpreendeu-nos o resultado adverso de redução dos níveis máximos de consumo de oxigênio na situação em que se utilizou Ibuprofeno previamente (p=0.04). A inibição não seletiva da cicloxigenase é potencialmente capaz de induzir efeitos secundários sobre o sistema cardiovascular capaz de impactar negativamente o desempenho em exercício máximo, como o protocolo aqui empregado. Utilizando modelo animal de inibição dos receptores transmembranares “P” e “D” de prostanoides (FP e TP de PGF2α e TXA-2 respectivamente), Takayama et al. [29] verificaram ausência de taquicardia após injeção de lipopolissacarídeo (LPS), inferindo que esses eicosanoides estão associados à taquicardia decorrente de processo inflamatório, devido a sua ação sobre a

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atividade simpática e sobre o nó sino-atrial. O efeito cronotrópico negativo possivelmente gerado pela inibição desses eicosanóides, via bloqueio da cascata do ácido araquidônico, pode ter interferido no débito cardíaco e, consequentemente, na distribuição volêmica, sendo consequência lógica a diminuição da hiperemia muscular, observável como efeito natural do exercício em condições normais. Evidências apresentadas por Bradford et al. [30], ao investigar o efeito do exercício de endurance (~75%VO2máx) sobre a temperatura corporal e resposta de liberação de citosinas, indicam que a inibição da PGI2 e PGE2 nas células endoteliais pelo AINE rofecoxib, possua estreita relação com uma diminuída resposta de vasodilatação local durante o exercício, o que reduziria ainda mais a irrigação e oxigenação tecidual periférica. Em humanos, Scharage et al.,[31] utilizando ultrassonografia Doppler, verificaram redução de hiperemia em membro superior durante a execução de exercício de baixa intensidade (flexão de cotovelo a ~10% CVM) com administração intravenosa de Cetorolaco. Ambos os efeitos (possivelmente presentes em nosso estudo) podem ser os responsáveis pela diminuída resposta do VO2máx e, consequentemente, pela neutralização do efeito positivo analgésico que se esperava. O que não fica claro, a partir de nossos resultados, é a ausência de diferença significativa entre as médias de concentração máxima e diferença de lactato nas situações (p=0.17 e 0.23 respectivamente), uma vez que a condição de hipóxia tecidual aumentada pudesse potencializar a formação desse metabólito.

Sugere-se que o desempenho em exercícios de média e longa duração possua, em parte, dependência dessa variável e, sendo o V02máx em SIbumenor, o suporte metabólico para ressíntese de ATP pode ter sido desviado para a glicólise. [3] A figura 2 apresenta o comportamento do acúmulo de lactato sanguíneo nas duas situações experimentais (SI e SP). Na comparação dos valores de lactato sanguíneo, em relação ao tempo, observa-se em ambas as situações aumento significativo do valor pré para pós-exercício (p≤0.01). Todavia, comparando-se os valores máximos mensurados nas situações de teste, não se observa diferença estatística (p=0.27). Foi observada uma diferença de 1.2 mM.L-1 entre os valores máximos em SI e SP no presente modelo, indicando ter sido sensível mas não significativamente mais requerida a glicólise anaeróbia para aporte

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energético ao protocolo de exercício realizado, conforme sugerido por Robergs et al. [32].

Figura 2 — Concentração sanguínea de lactato basal (1) e máxima após exercício (2) nas situações experimentais Ibuprofeno e Placebo.

* representa diferença significativa entre máximo e basalpara α≤0.05.

Com relação às variáveis analisadas em nível de segundo limiar ventilatório, a percepção de esforço apresentou-se significativamente inferior na situação de uso do AINE, concordando com os achados de Garcin et al.,[33] que demonstraram redução da percepção de esforço em exercício de endurance em sujeitos altamente treinados com o uso profilático de Acetaminofen. O fármaco Ibuprofeno é reconhecidamente eficaz em situações de dor de média-baixa intensidade, [34] o que parece ser o caso do presente estudo.

A semelhança do consumo de oxigênio entre as situações, tanto expresso em valores relativos à massa corporal, quanto em percentuais do VO2máx (p=0.09 e 0.41 respectivamente), aparentou-nos inicialmente ausência de efeito do AINE sobre o sistema cardiovascular. Contudo, a diferença de vLvent entre as situações pode ter explicação pelo viés cardiorrespiratório. A FC e a VE em nível de Lvent foram significativamente menores em SI, o que possivelmente reduziu a magnitude de captação e distribuição de oxigênio aos tecidos ativos. Considerando que atletas de endurance exercitam-se a velocidades

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próximas a vLvent, [27] o uso de AINE nessas condições possivelmente reduz a restauração de ATP pela via oxidativa, derivando aporte energético para o metabolismo glicolítico. [32] Conclusão

Os dados do presente estudo indicam que variáveis importantes no prognóstico de desempenho de atletas de endurance, como o consumo máximo de oxigênio, assim como a velocidade, frequência cardíaca, percepção subjetiva de esforço e ventilação em nível de segundo limiar ventilatório, possam ser afetadas pela administração de dose única (1.2g), por via oral e profilática do AINE Ibuprofeno previamente à realização de exercício progressivo de corrida em esteira rolante. Sugere-se a realização de mais estudos mecanísticos sobre dinâmica vascular e resposta cardiorrespiratória envolvendo exercício progressivo e/ou contínuo com atletas sob efeito profilático de AINE. Referências 1. Noakes TD, Gibson SC. Logical limitations to the “catastrophe” models of fatigue

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34. Katzung BG, Masters SB, Trevor AJ. Basics and clinical pharmacology.11th ed. New York (NY): McGraw Hill, 2009.

Recebido em 1º de junho de 2011. Aprovado em 4 de julho de 2011.

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Equilíbrio postural de mulheres fisicamente ativas e sedentárias

Eliane Carla Kraemer* — Olga Sergueevna Tairova**

Resumo: Geralmente relaciona-se equilíbrio com ocasiões especiais: caminhar sobre piso molhado, manter-se num pé só; porém, ele está diretamente relacionado com as atividades simples: caminhar e sentar. Neste estudo objetiva-se comparar o equilíbrio postural de mulheres fisicamente ativas (ATI) e sedentárias (SED) acima de 50 anos. As participantes foram 27ATI e 90SED. Realizaram testes de equilíbrio com olhos abertos e fechados de curta e longa duração sobre uma plataforma de força Accusway Plus. Utilizou-se o programa estatístico GraphPad Instat para a análise dos dados obtidos. Evidenciou-se maior deslocamento no eixo ântero-posterior em maior ocorrência no teste com os olhos fechados. Os testes estabilométricos de longa duração são sensíveis ao nível de atividade física, permitindo distinguir indivíduos com maior grau de condicionamento físico. Palavras-chave: Equilíbrio postural. Mulheres. Terceira Idade.

The postural balance of active and sedentary physical women Abstract: Generally balance with occasions becomes related special: to walk on wet floor, to remain itself in a foot alone, however, directly is related with the simple activities: to walk and to seat. In this objective study to compare postural balance of active women (ATI) and physically sedentary (SED) above of 50 years. They had carried through tests of balance with open and closed eyes of shortness and long duration on a platform of force Accusway Plus. The statistical program GraphPad Instat was used. Bigger displacement in the ântero-posterior axle in bigger occurrence in the test with the closed eyes was proven. The estabilometric tests of long duration are sensible to the level of physical activity. Keywords: Postural balance. Women. Third Age.

* Graduação em Licenciatura Plena em Educação Física pela Universidade de Caxias do Sul, Especialista em Fisiologia do Exercício e Prescrição do Exercício pela Universidade Gama Filho. Especializanda do curso de Medicina do Esporte e do Exercício e Ciências do Esporte e da Saúde da Universidade de Caxias do Sul e Mestranda em Ciências do Esporte pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro em Vila Real — Portugal. Atualmente atua no Instituto de Medicina do Esporte e Ciências Aplicadas ao Movimento Humano da Universidade de Caxias do Sul e na academia Pranadar Aqua & Fitness. ** Graduação em Medicina pelo Instituto Médico de Riga. Mestrado em Cardiologia pelo Centro de Investigação Científica Cardiológica. Doutorado em Cardiologia pelo Centro de Investigação Científica Cardiológica, com o título avaliado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora-titular na Universidade de Caxias do Sul e coordenadora do Instituto de Medicina do Esporte e Ciências Aplicadas ao Movimento Humano da Universidade de Caxias do Sul.

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El equilibrio postural de mujeres física activa y sedentaria Resumen: Por lo general se refiere al equilibrio con ocasiones especiales: caminar sobre superficies mojadas, mantenga un pie, sin embargo, está directamente relacionada con las actividades simples: caminar y sentarse. Este estudio pretende comparar el equilibrio de la postura de las mujeres físicamente activas (ATI) y los años sedentarios (SED) de 50 años. Los participantes fueron 27ATI y 90SED. Las pruebas de equilibrio con los ojos de largo y corto tiempo de apertura y cerrado de una fuerza de la plataforma Además Accusway. Se utilizó el programa estadístico GraphPad Instat para el análisis de datos. Evidentemente tiated un cambio mayor en el eje antero-posterior en mayor abundancia en la prueba con los ojos cerrados. Estabilométricos pruebas de mayor duración son sensibles al nivel de actividad física, lo que permite distinguir a los individuos con mayor aptitud. Palabras clave: El equilibrio postural. Mujeres. Ancianos. Introdução

Conforme estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população idosa no Brasil chegará a 13% no ano de 2020, ou seja, haverá 13 milhões de idosos. Em termos proporcionais, significa afirmar que, no ano de 2020, 1 em cada 8 brasileiros pertencerá à população idosa.

Segundo Okuma (1998), os adjetivos atribuídos ao idoso advêm de uma série de estudos que relatam a incidência de doenças nessa fase da vida, sendo as doenças cérebros vasculares, perda de força nos membros inferiores, diminuição da visão, artrite e doenças cardiovasculares as principais causas das limitações e incapacidades nessa fase. No entanto, o envelhecimento deve ser visto de uma forma mais otimista, não somente como um período de degradações, mas de ganhos potenciais, dependendo do estilo de vida adotado no decorrer da existência.

O envelhecimento é caracterizado como um período de perdas funcionais que influenciam negativamente a qualidade de vida das pessoas com idade mais avançada. Desde que assumimos a posição bípede, uma maior demanda do controle e equilíbrio postural foi exigida, fazendo-se necessário tanto em posições estáticas como dinâmicas. (RAMOS, 2003).

Segundo Banckoff et al. (2004), os reflexos de endireitamento, utilizados para a manutenção da postura, constituem importantes para

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que possamos entender a complexidade da postura corporal. Para se compreender a importância do controle postural basta pensar qual o nível de participação desse sistema no cotidiano. Na maioria das vezes, relaciona-se equilíbrio somente em ocasiões especiais, como caminhar sobre um piso molhado, manter-se num pé só (RAMOS, 2003). Banckoff et al. (2004) corrobora com Ramos (2003) quando afirma que o equilíbrio, por ser um trabalho integrado e simultâneo na postura corporal, se em algumas situações essa integração for interrompida, consequentemente algo acontecerá, como, por exemplo, quando há erro nos passos de dança de salão ou quando tropeçamos. Tudo isso se constitui pela interrupção momentânea no circuito integrado desses reflexos posturais. Embora essas tarefas exijam equilíbrio, os mecanismos exigidos no controle postural são requeridos em atividades simples como caminhar, levantar-se, mudar de direção, subir e descer escadas.

O sistema músculo-esquelético, responsável pela motricidade do corpo, é extremamente complexo do ponto de vista biomecânico, haja vista o grande número de músculo e articulações a serem controlados para manter a estabilidade postural. Latash (1998) afirma que o corpo na posição ereta, pode ser caracterizado como um pêndulo invertido multissegmentar, cujo desafio é manter a estabilidade que constantemente é desafiada por forças estabilizadoras e desestabilizadoras. Conforme Winter (1995), o resultado de todas as ações do sistema de controle postural e da força da gravidade, na manutenção do equilíbrio postural, é representado pelo Centro de Pressão (CP). A medida do CP durante a postura ereta tem sido por décadas a principal ferramenta biomecânica para o entendimento do equilíbrio postural (DUARTE; MOCHIZUKI, 2001).

Segundo Shumway-Cook e Woollacott (2003), muitos estudos têm mostrado que a eficácia do sistema de controle postural estaria diretamente relacionada à amplitude de deslocamento do CP, afirmando que um bom controle seria representado por pequenas amplitudes do deslocamento do CP.

Conforme Laughton et al. (2003), muitos estudos têm constatado o aumento da instabilidade postural em idosos, sendo que aqueles classificados como caidores (uma ou mais quedas relatadas durante o ano), apresentam uma maior velocidade de deslocamento do CP em

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relação aos idosos não caidores. Peterka (2000) também verificou aumento de oscilações na postura ereta estática em idosos, ocorridas pela diminuição dos torques corretivos gerados para controlar as oscilações e velocidades do corpo e pelo aumento do tempo para sentir, transmitir, processar e ativar a musculatura. Essas alterações estariam relacionadas à diminuição da força muscular e de velocidade de condução nervosa, e ao declínio fisiológicos do envelhecimento. (PETERKA, 2000; LAUGHTON et al. 2003).

Diante desse cenário, o presente estudo teve como objetivo comparar os parâmetros estabilométricos em teste de curta e longa duração de mulheres fisicamente ativas e sedentárias acima de 50 anos de idade.

Materiais e métodos

Esta pesquisa é experimental com delineamento transversal, de acordo com Thomas e Nelson (2002). As participantes foram 27 mulheres fisicamente ativas (ATI) e 90 sedentárias (SED) com idade acima de 50 anos. Tabela 1 — Média de idade dos grupos Idade (anos) SED 60,9 ± 7,8 ATI 62,7 ± 7,8 p<0,05 Tabela 2 — Características antropométricas de ambos os grupos

Peso (kg) Estatura(m) IMC SED 71,8 ± 11,1 1,60 ± 0,1 28,08 ± 4,4 ATIV 68,4 ± 10,4 1,60 ± 0,1 27,6 ± 3,8

p<0,05

O sistema de aquisição dos dados foi por meio de uma plataforma

de força AccuSway Plus, com o software Balance Clinic, utilizando uma frequência de amostragem de 50Hz. (AMTI, 2001). Também foi utilizado um computador da marca Dell e a uma impressora HP Deskjet 648C.

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As participantes, após consentimento por escrito, em que concordavam participar da pesquisa, realizaram três testes distintos: 1º) teste realizado por ambos os grupos: permaneceram sobre a plataforma por 10 segundos em posição ortostática, com os pés descalços e unidos, braços ao longo do corpo e com os olhos abertos; 2º) teste realizado por ambos os grupos: permaneceram sobre a plataforma por 10 segundos em posição ortostática, com os pés descalços e unidos, braços ao longo do corpo e com os olhos fechados; 3º) teste realizado somente pelo grupo das SED: 30 (trinta) participantes dispuseram-se a permanecer sobre a plataforma por 12 minutos em posição ortostática, com os pés descalços e unidos, braços ao longo do corpo e com os olhos abertos, sendo que este inicia-se através do registro do sinal no primeiro minuto do teste e, a partir deste, a cada seis minutos, totalizando três registros de um minuto cada.

Os parâmetros estabilométricos (PE) analisados foram: deslocamento médio e desvio padrão (DP) do centro de pressão nas direções ântero-posterior (YAvg) e látero-lateral (XAvg), a velocidade média de deslocamento (VAvg) e a área elíptica (Área) que corresponde à área da elipse que melhor se ajusta à trajetória do centro de pressão.

Para a análise estatística, utilizou-se o pacote estatístico GraphPad Instat. Para comparar os resultados entre os três períodos de registro do teste de longa duração, aplicou-se o teste Anova com medidas repetidas e com nível de significância de p < 0.05. Foi realizado um estudo-piloto para eventuais adequações. Resultados

Resultados do teste: olhos abertos durante 10 segundos: a tabela 3 apresenta os valores do deslocamento médio do CP nos eixos látero-lateral (XAvg) e ântero-posterior (YAvg). Esses parâmetros apresentaram diferenças significativas entre os grupos somente no deslocamento do eixo látero-lateral (XAvg).

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Tabela 3 — Deslocamento médio do eixos látero-lateral (XAvg e YAvg) Teste: olhos abertos 10s

XAvg (cm) YAvg (cm) SED -0,52 ± 1,05 -1,82 ± 1,49 ATI -0,25 ± 1,13 -1,16 ± 1,25 p=0,2763 p=0,0244

A tabela 4 apresenta os valores médios da velocidade de

deslocamento do CP e área elíptica de ambos os grupos. Não houver diferenças significativas entre os grupos.

Tabela 4 — Velocidade média de deslocamento e área elíptica

Teste: olhos abertos 10s VAvg (cm/seg) Área (cm2)

SED 1,56 ± 0,53 3,74 ± 2,73 ATI 1,7 ± 0,46 4,4 ± 2,91 p= 0,7266 p = 0,2941

Resultados do teste: olhos fechados durante 10 segundos: a tabela

5 apresenta os valores do deslocamento médio do CP nos eixos látero-lateral (XAvg) e ântero-posterior (YAvg). Esses parâmetros apresentaram diferenças muito significativas entre os grupos no deslocamento do eixo ântero-posterior (YAvg). Tabela 5 — Deslocamento médio dos eixos látero-lateral e ântero-posterior (XAvg e

YAvg)

Teste: olhos fechados 10s XAvg (cm) YAvg (cm)

SED -0,40 ± 1,50 -1,62 ± 1,49 ATI -0,24 ± 1,05 -0,55 ± 1,47 p = 0,5968 p = 0,0014

A tabela 6 apresenta os valores médios da velocidade de

deslocamento do CP e área elíptica de ambos os grupos. Não houveram diferenças significativas entre os grupos.

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Tabela 6 — Velocidade médica de deslocamento e área elíptica

Teste: olhos fechados 10s VAvg (cm/seg) Área (cm2)

SED 2,50 ± 0,98 6,14 ± 4,61 ATI 2,67 ± 0,99 6,93 ± 5,41 p = 0,4327 p = 0,4562

Resultados do teste: Teste longo de 12 minutos:

A tabela 7 apresenta os valores médios dos deslocamentos dos eixos látero-lateral e ântero-posterior dos três registros. Não houver diferenças significativas entre o primeiro, o sexto e o último minuto de teste. Tabela 7 — Deslocamento médio dos eixos látero-lateral e ântero-posterior (XAvg e

YAvg)

Teste longo de 12 minutos Deslocamentos nos eixos X e Y

XAvg (cm) YAvg (cm) 1º registro -0,18 ± 0,83 -2,10 ± 1,20 2º registro -0,21 ± 0,71 -2,19 ± 1,38 3º registro -0,15 ± 0,69 -2,17 ± 1,42

p=0,5749 p=0,6233

A tabela 8 apresenta os valores médios da velocidade de deslocamento do CP (VAvg) e área elíptica. Não houver diferenças significativas entre o primeiro, o sexto e o último minuto de teste. Tabela 8 — Velocidade média de deslocamento e área elíptica

Teste longo de 12 minutos Velocidade de deslocamento e Área elíptica

VAvg (cm/seg) Área (cm2) 1º registro 1,60 ± 0,53 4,55 ± 2,77 2º registro 1,62 ± 0,55 4,90 ± 3,15 3º registro 1,63 ± 0,61 4,91 ± 2,63

p=0,7701 p=0,6108

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A tabela 9 apresenta a comparação entre os índices estabilométricos (IE) obtidos no teste de curta duração e a média dos três registros dos IE obtidos no teste de longa duração. Houve diferença significativa no deslocamento do eixo ântero-posterior, sendo que, no teste de longa duração, o deslocamento foi maior. Tabela 9 — Comparação entre os IE do teste de curta duração e a média dos IE do teste

de longa duração

Comparação: teste curto X média teste longo Teste 10s Teste 12m XAvg (cm) -0,52 ± 1,05 -0,18 ± 0,70 p=0,1077 YAvg (cm) -1,82 ± 1,49 -2,15 ± 1,30 p=0,0435 VAvg (cm/s) 1,56 ± 0,53 1,62 ± 0,55 p=0,2317 Área (cm2) 3,74 ± 2,73 4,79 ± 2,60 p=0,3957

A tabela 10 apresenta a comparação entre os índices estabilométricos (IE) obtidos no teste de curta duração e a medida dos IE obtidos no primeiro registro (1º minuto) do teste de longa duração. Houve diferença significativa no deslocamento do eixo ântero-posterior, sendo que no teste de longa duração o deslocamento foi maior.

Tabela 10 — Comparação entre os IE do teste de curta duração e IE do primeiro registro

do teste de longa duração

Comparação: teste curto X 1ºmin do teste de 12min Teste 10s Teste 12min XAvg (cm) -0,52 ± 1,05 -0,18 ± 0,83 p=0,1236 YAvg (cm) -1,82 ± 1,49 -2,10 ± 1,20 p=0,0492 VAvg (cm/s) 1,56 ± 0,53 1,60 ± 0,53 p=0,3015 Área (cm2) 3,74 ± 2,73 4,55 ± 2,77 p=0,6213

Discussão

Evidenciaram-se diferenças estatisticamente significativas nos deslocamentos do eixo ântero-posterior em ambos os testes de curta

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duração e no primeiro minuto do teste de longa duração. Esse achado pode ser explicado pela posição dos pés durante o teste. Esse resultado vai ao encontro do estudo de Fialho (apud BANCKOFF et al. 2004), que avaliou quatro indivíduos do sexo feminino em diferentes posições e sugere que a base de apoio com os pés paralelos seja a mais estável na direção ântero-posterior, e menos estável na direção látero-lateral.

Os resultados encontrados para área e velocidade média de deslocamento vão ao encontro de outros estudos que aplicaram testes de curta duração (RIBEIRO et al., 2003; BARCELLOS et al., 2002; JUNIOR et al., 2004; PUNAKALLIO, 2004).

Freitas Júnior (2003), em sua tese de mestrado, quantificou e analisou as oscilações posturais de jovens, adultos e idosos (n=40). A tarefa realizada foi permanecer o mais parado possível com os olhos abertos, durante 1 minuto e com os olhos fechados. Não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) entre as oscilações dos diferentes grupos.No entanto, verificou-se diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre as oscilações visuais, isto é, a área de deslocamento do CP foi maior quando a tarefa foi realizada com os olhos fechados. Os resultados do estudo de Freitas Júnior (2003) pode explicar o motivo deste estudo não ter apresentado diferenças significativamente estatísticas entre os grupos nos testes com olhos abertos e fechados, pois ambos foram de curta duração. As participantes do grupo, que realizaram o teste de longa duração, permaneceram com os olhos abertos durante todo o tempo. Estudos citados por Laughton (2003) revelam que, em intervalos curtos de tempo na postura ereta estática, o sistema de controle postural opera sem feedback sensorial e o CP tende a afastar-se de seu ponto de equilíbrio. Esse tipo de controle recebe o nome de sistema de controle aberto. Já em intervalos longos de tempo, as informações visuais, somatossensoriais e vestibulares são utilizadas, e o CP tende a retornar ao seu ponto de equilíbrio. A esse tipo de controle dá-se o nome de sistema de controle fechado.

Outro estudo que analisou o controle do equilíbrio de adultos e idosos fisicamente ativos (n=20) também não constatou diferenças significativas (p>0,05) entre os dados da área de oscilação do CP obtidos. (WIECOZOREK, 2003).

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Conclusão

Conclui-se que tanto as mulheres fisicamente ativas quanto as fisicamente sedentárias apresentaram maior deslocamento no eixo ântero-posterior ficando mais propensas a quedas.

São muitas as alterações decorrentes do processo de envelhecimento e comprovou-se que a dificuldade de locomoção aumenta no decorrer dos anos. Segundo Okuma (1998), com o decorrer da idade, a elasticidade e estabilidade dos músculos, tendões e ligamentos se deterioram, a área transversal se torna menor pela atrofia muscular, e a massa muscular diminui em proporção ao corpo, o que leva à redução da forma muscular.

Os testes estabilométricos de longa duração são sensíveis ao nível de atividade física, permitindo distinguir indivíduos com maior grau de condicionamento físico. Sugere-se teste de longa duração com os olhos fechados. Referências BANCKOFF, A.D.L. et al. Estudo do Equilíbrio corporal postural através do sistema de baropodometria eletrônica. Revista Conexões, Campinas, v. 2, n. 2, 2004. BARCELLOS, C.; IMBIRIBA, L. A. Alterações posturais e do equilíbrio corporal na primeira posição em ponta do balé clássico. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v. 16, n. 1, 2002, BARROS, A.L.P. et al. Índice estabilométrico em suporte uni/bipodal. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOMECÂNICA, 7., 1999, Florianópolis. Anais... Florianópolis, 1999, p. 23-28. DUARTE, M.; MOCHIZUKI, L. Análise estabiliográfica da postura ereta humana. In: TEIXEIRA, L. A. (Ed.). Avanços em comportamento motor. Rio Claro: Movimento, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 10 abr. 2011. FREITAS, JÚNIOR, P. B. Características comportamentais do controle postural de jovens, adultos e idosos. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Física) — Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista — (Unesp), Rio Claro, 2003. JUNIOR, J. N., PASTRE, C. M., MONTEIRO, H. L. Alterações posturais em atletas brasileiros do sexo masculino que participaram de provas de potência muscular em competições internacionais. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 10, n. 3, 2004. LATASH, M. L. Postural control. In: LATASH, M. L. Neurophysiological basis of moviment. Champaign: Human Kinetics, 1998, cap. 19, p. 163-171. LAUGHTON, C. A. et al. Aging, muscle activity, and balance control: physiologic changes associated with balance impairment. Gait and Posture, v. 0, n. 8, p. 11, 2003.

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OKUMA, S.S. O idoso e a atividade física: fundamentos e pesquisa. Campinas-SP: Papirus, 1998. OLIVEIRA, L.F. et al. Índice da estabilidade do equilíbrio postural. Revista Brasileira de Biomecânica, v.1, n. 1, 2000. PETERKA, R. Postural control model of interpretation os stabilogram diffusion analysis. Biol Cybern, v. 82, n. 3, p. 335-343, 2000. PUNAKALLIO, A.; LUSA, S.; LUUKKONEN, R. Functional, postural and perceived balance for predicting the work ability of firefighters. Int Arch Occup Environ Health, 2004. RAMOS, B. M. B. Influência de um programa de atividade física no controle do equilíbrio de idosos. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Física) — Departamento de Biodinâmica da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP), 2003. RIBEIRO, C. Z. et al. Relação entre alterações posturais e lesões do aparelho locomotor em atletas de futebol de salão. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 9, n. 2, 2003. SCHMIDT, A. et al. Estabilometria: estudo do equilíbrio postural através da baropodometria eletrônica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 13., 2003, Caxambu. Anais... Caxambu, 2003. SHUMWAY-COOK, A.; WOOLLACOTT, M. Controle motor: teoria e aplicações práticas. São Paulo: Manole, 2003. THOMAS, JERRY R.; NELSON, JACK K. Métodos de pesquisa em atividade física. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. WIECZOREK, S. A. Equilíbrio em adultos e idosos: relação entre tempo de movimento e acurácia durante movimentos voluntários na postura em pé. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Física) — Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2003. WINTER D. A.B.C. (Anatomy, Biomechanics, Control) of balance during standing and walking. Waterloo biomechanics, 1995. Recebido em 5 de maio de 2011. Aprovado em 30 de junho de 2011.

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Recreação terapêutica: visão da equipe multidisciplinar da unidade de pediatria

de um hospital da Serra gaúcha

Sheila Aline Pichetti* — Heloisa Santini** — Daiane Toigo Trentin*** Resumo: A pesquisa teve como objetivo conhecer a opinião da equipe multidisciplinar da Unidade de Pediatria de um hospital da Serra gaúcha sobre o trabalho de recreação nessa unidade hospitalar. Participaram 30 pessoas entre profissionais e acadêmicos. Instrumento: questionário com sete perguntas, tratado por meio da análise de conteúdo: opinião da equipe multidisciplinar; contribuição da recreação terapêutica com o tratamento, influência da recreação terapêutica no relacionamento paciente e equipe. Concluiu-se que a recreação ameniza possíveis traumas decorrentes da hospitalização, sintomas como medo, dor e ansiedade são diminuídos, contribui no tratamento de paciente, melhorando o relacionamento entre a equipe e o mesmo. Palavras-chave: Recreação terapêutica hospitalar. Equipe multidisciplinar. Unidade de pediatria.

Therapeutic recreation: vision of the multidisciplinary team of the pediatric unit from a hospital in Serra gaúcha (the gaucho highlands)

Abstract: The research aimed at knowing the opinion of the multidisciplinary team of the pediatric unit from a hospital in Serra Gaucho concerning the Recreation task performed in that hospital. Thirty (30) participants, among professionals and academic students, have taken part in assignment. Instrument: questionnaire with seven questions, addressed by means of content analysis: opinion of the multidisciplinary team; contribution of recreation therapeutic treatment, the influence of the therapeutic recreation on the team-patient relationship. It was concluded that the Recreation soothes possible traumas arising from hospitalization; symptoms such as fear, pain and anxiety are reduced contributing to patient treatment by improving the relationship between the team and the patients. Keywords: Therapeutic recreation. Multidisciplinary team. Pediatric unit.

* Graduanda no curso de Bacharelado em Educação Física da Universidade de Caxias do Sul (UCS). ** Mestre em Turismo, Graduada em Educação. Professora-titular no curso de Educação Física da UCS. E-mail: [email protected] *** Mestre em Educação. Graduada em Educação Física. Professora-titular no Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia do Rio Grande do Sul — Campus Ibirubá-RS.

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Recreación terapéutica: visión del equipo multidisciplinario de la unidad de pediatría de un hospital de la sierra gaucha

Resumen: La investigación tuvo como objetivo conocer la opinión del equipo multidisciplinario del la Unidad de pediatría de un hospital de la Sierra gaucha sobre el trabajo de Recreación de esta unidad hospitalaria. Participaron treinta personas. Instrumento: cuestionario con siete preguntas, tratados por medio del análisis de contenido: opinión del equipo multidisciplinario, contribución de la recreación terapéutica al tratamiento, influencia de la recreación terapéutica en la relación del paciente y el equipo. Se concluyó que la Recreación ameniza posibles traumas consecuentes de la hospitalización, sintomas como miedo, dolor y ansiedad son disminuidos, contribuye en el tratamento del paciente, mejorando la relación entre este y el equipo. Palabras clave: Recreación terapêutica. Equipo multidisciplinario. Unidad de pediatria. Introdução

Ao se pensar em recreação, podem ser imaginadas várias atividades, que são realizadas em tempo livre, proporcionando bem-estar, prazer e satisfação. Quando a saúde se torna debilitada, esses prazeres — que são proporcionados por atividades recreativas — são substituídos, muitas vezes, por sentimentos de dor, medo, angústia e tristeza.

A hospitalização, para muitos indivíduos, pode ser encarada como uma situação amedrontadora e traumatizante. Quando as pessoas ficam doentes e precisam ser submetidas a tratamento hospitalar ficam expostas a um ambiente diferente e desconhecido daquele em que vivem no dia a dia.

O hospital, principalmente para as crianças, pode ser um ambiente traumatizante tendo em vista, que enquanto estão hospitalizadas, ficam longe de seus familiares, dos objetos pessoais, dos amigos de rua e da escola. Quando a criança é internada, o ambiente torna-se desconhecido, representa para a criança dor, medo e pode ser visto por ela como uma experiência dolorosa. (AZEVEDO et al., 2007).

É importante que, em caso de hospitalização infantil, seja proporcionado à criança situações que visem ao resgate da vida sadia, estimulando a criatividade, alegria, energia e vitalidade, sentimentos

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que, muitas vezes, são percebidos pelos pacientes como momentos de lazer. (CASARA; GENEROSI; SGARBI, 2007).

Nessa perspectiva, alguns hospitais têm utilizado a recreação como auxílio no tratamento de crianças hospitalizadas, sendo chamada de recreação terapêutica, ou recreação terapêutica hospitalar, entendida por Casara, Generosi e Sgarbi (2007) como restabelecimento, recuperação, restauração. Para as autoras, a recreação hospitalar concilia diversão com terapia, utilizando-se de dinâmicas, que estão de acordo com a necessidade de cada paciente, fazendo com que o processo de internação seja menos traumático.

Carvalho e Begnis (2006) destacam que o brincar tem importância pela sua função terapêutica, pois atua na modificação do ambiente, do comportamento e, principalmente, da estrutura psicológica da criança, auxiliando no tratamento. A recreação pode distrair o paciente enquanto está hospitalizado, pois, enquanto brinca, a criança vive num mundo de fantasia, que lhe permite esquecer o que está acontecendo ao seu redor.

Para que a criança tenha um desenvolvimento sadio e pleno, é necessário que se garantam condições adequadas para o brincar e o aprender. (VITORINO; LINHARES; MINARDI, 2005). Com jogos e brincadeiras que podem ser proporcionados pela recreação, as crianças aprendem valores como conviver em grupo e criar novas situações, com grande importância para o crescimento das crianças.

Pode-se destacar, também, a importância da equipe multidisciplinar na recuperação e no tratamento das crianças hospitalizadas. A equipe multidisciplinar é composta por profissionais de diversas áreas da saúde, os quais trabalham em equipe, auxiliando na recuperação do paciente. Tonetto e Gomes (2007) enfatizam que, quando os profissionais se deparam com seus próprios limites, acabam encontrando, em colegas de outras formações, subsídios para uma melhor compreensão e atendimento dos casos em questão.

Minelli, Soriano e Fávero (2009) destacam o trabalho em equipe como sendo um modelo de intervenção, no qual o intercâmbio entre os saberes profissionais acontece de forma produtiva e definida. Nesse sentido, é importante que esses profissionais, que atendem crianças em hospitais, trabalhem em equipe, justamente pela troca de saberes profissionais, bem como pela melhora desses relacionamentos

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interpessoais, contribuindo de forma mais integral para a recuperação do paciente.

Tendo em vista a importância do trabalho da equipe multidisciplinar, o objetivo desta pesquisa foi conhecer a visão da equipe multidisciplinar da Unidade da Pediatria de um hospital da Serra gaúcha em relação ao trabalho de Recreação Terapêutica Hospitalar lá realizado. Também buscou-se conhecer a opinião da equipe multidisciplinar da Unidade da Pediatria de um hospital da Serra gaúcha, sobre o trabalho de recreação nesse hospital; compreender se, na visão da equipe, a recreação contribui com o tratamento de pacientes; identificar se, na visão desses, a Recreação Terapêutica Hospitalar melhora o relacionamento paciente/equipe; estabelecer possíveis relações entre a opinião acerca desse tipo de recreação pelos diferentes profissionais que existem na equipe multidisciplinar que trabalha naquela Unidade da Pediatria. Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida de forma qualitativo-descritiva. Primeiramente, foi realizado um diálogo com o diretor de Ensino do hospital e explicado sobre a pesquisa a ser realizada, buscando saber quantos profissionais da equipe multidisciplinar trabalhavam na Unidade da Pediatria. A pesquisa foi entregue à direção do hospital e, posteriormente, à Comissão Científica do mesmo.

Após a autorização da Comissão Científica do hospital, a pesquisa foi encaminhada ao Comitê de Ética em pesquisa da FUCS, sendo autorizada por estar de acordo com a Resolução n˚ 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, conforme diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos.

Este estudo foi desenvolvido com profissionais e acadêmicos das diferentes áreas que compõem a equipe multidisciplinar da Unidade da Pediatria desse hospital. Para Tonetto e Gomes (2007), a interação é multidisciplinar quando existem vários profissionais atendendo o mesmo paciente de maneira independente.

A pesquisa foi realizada no período de agosto a setembro de 2010. A Recreação Terapêutica Hospitalar conta com os serviços de 2 (dois) profissionais e 1 (um) acadêmico de Educação Física. São atendidas

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pelo serviço de Recreação crianças da Unidade de Pediatria, da Oncologia, da Psiquiatria. Esse serviço iniciou em 1998.

A equipe multidisciplinar do hospital onde a pesquisa foi realizada compõe-se de 52 profissionais e acadêmicos de diversas áreas da saúde. Participaram da pesquisa cinco acadêmicos de Psicologia e um psicólogo, dois enfermeiros e sete técnicos de enfermagem, dois profissionais e um acadêmico de Educação Física, três acadêmicos de Nutrição, dois médicos e quatro acadêmicos de Medicina e três acadêmicos de Fisioterapia, totalizando rinta participantes.

O instrumento para a coleta de dados foi um questionário aberto, que, no entender de Thomas e Nelson (2002), é um tipo de questionário idêntico à entrevista, somente diferem pelo processo de questionamento. O questionário foi composto por sete perguntas, e as questões da investigação foram abertas. Segundo os mesmos autores, esse tipo de pergunta permite aos entrevistados expressarem suas ideias e sentimentos com liberdade.

Os profissionais e acadêmicos participaram da pesquisa por opção. Foram entregues aos participantes o questionário da pesquisa juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi explicado aos mesmos o objetivo do estudo, bem como esclarecidas as dúvidas que surgiram por parte dos participantes. Para respeitar as identidades, os integrantes foram identificados apenas pela área de atuação. Após terem respondido ao questionário, o entregaram juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, na sala de recreação que fica localizada na unidade em estudo.

Coletados os dados, buscou-se “ultrapassar o senso comum e subjetivismo da interpretação” (MINAYO, 2004, p. 203), procedendo-se à cetegorização das falas dos participantes. As repostas foram listadas e divididas em quadros para aparesentação dos resultados: opinião da equipe multidisciplinar; contribuição da recreação terapêutica com o tratamento, influência da recreação terapêutica no relacionamento paciente e equipe.

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Resultados e discussão

Para apresentar os resultados da análise de conteúdo, organizou-se um quadro para cada objetivo específico do estudo, contendo as respostas mais presentes nos questionários.

Em relação à opinião da equipe multidisciplinar da Unidade de Pediatria de um hospital da Serra gaucha, sobre o trabalho de recreação realizado nesse hospital, os aspectos que mais se destacaram foram: a Recreação Terapêutica Hospitalar é uma atividade lúdica realizada num espaço de interação e tem como objetivos principais descontrair, distrair, divertir e amenizar possíveis traumas da hospitalização. A equipe multidisciplinar também respondeu que a recreação favorece o processo de tratamento e proporciona troca de experiências entre o paciente e a equipe, estimulando a sociabilidade entre as pessoas. Quadro 1 — Opinião da equipe multidisciplinar da unidade da pediatria sobre a

recreação terapêutica hospitalar

Opinião da equipe multidisciplinar sobre a recreação terapêutica hospitalar

Respostas da equipe multidisciplinar

Atividade lúdica num espaço de interação

• Atividade lúdica desenvolvida com os pacientes em área especifica, com a finalidade de amenizar as alterações psicossociais decorrentes da hospitalização.

• É um espaço onde a equipe e o paciente conseguem se envolver de forma a facilitar o relacionamento, melhorando as intervenções, auxiliando no tratamento, tornando a estada no hospital mais tranquila.

• Proporciona um ambiente lúdico, de alegria, a fim de adaptar a realidade hospitalar ao cotidiano infantil.

Atividade que favorece o processo de tratamento

• Descontrair, divertir, atividade prazerosa, torna a hospitalização menos traumática, ameniza o estresse, minimiza a ociosidade dentro do hospital, favorece a melhora das afeições, distrai os pacientes.

• Contribui para o sucesso do tratamento dos pacientes com o objetivo de entreter, distrair e, consequentemente, aliviar a dor

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do paciente e amenizar algum trauma. • Contribui para a recuperação em menos tempo, minimiza o sofrimento causado pela internação.

• É um trabalho que oferece condições para a criança elaborar o próprio processo de adoecer.

• Estimula a capacidade psicológica das crianças. • As crianças que participam das atividades, ou que frequentam a recreação, acabam tendo menos queixas.

Atividade que proporciona troca de experiências entre o paciente e a equipe, estimula a sociabilidade entre as pessoas

• Proporciona troca de experiências para o profissional e para o paciente melhorando a qualidade de vida de ambos.

• É um trabalho dinâmico e integrador, visa não só ao bem-estar do paciente, mas também ao cuidado.

• Aproxima o paciente da sua realidade fora do hospital e fortalece o laço familiar entre o paciente e sua família.

• Estimula a sociabilidade entre as pessoas. • A recreação desse hospital é bem participativa os profissionais estão sempre dispostos a contribuir no tratamento da criança, proporcionando troca de experiências.

Na opinião dos entrevistados, a recreação terapêutica hospitalar é uma atividade lúdica, que se desenvolve num espaço onde o paciente e a equipe conseguem interagir, melhorando assim os relacionamentos e auxiliando no tratamento da criança. Sobre isso, Azevedo et al. (2007) destacam que as atividades lúdicas podem servir como meio de comunicação da criança com os profissionais de saúde. Dessa forma, as atividades lúdicas, no ambiente hospitalar, proporcionam à criança um meio sustentável de aceitação, criação e aprendizagem no meio hospitalar e com suas peculiaridades.

Já Carvalho e Begnis (2006) ensinam que as atividades lúdicas, como o brincar, tem sido reconhecidas pela sua função terapêutica, atuando na modificação do ambiente, do comportamento e, principalmente, na estrutura psicológica da criança, auxiliando no tratamento de modo notável.

Os participantes também responderam que a Recreação Terapêutica Hospitalar descontrai, diverte, distrai e ameniza possíveis traumas de hospitalização. Nesse sentido, Vitorino, Linhares e Minardi (2005) afirmam que, promovendo o desenvolvimento da criança por meio do brincar, criar-se-á uma corrente de mediação social, que pode funcionar como um mecanismo protetor para neutralizar os danos

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causados pela enfermidade e pela hospitalização. Carvalho e Begnis (2006) destacam que sequelas causadas pela hospitalização, em virtude da criança conviver com restrições devido ao seu quadro clínico, podem ser minimizadas quando se oferece à criança um ambiente estruturado, que favoreça seu desenvolvimento.

Os participantes ainda relataram que a Recreação Terapêutica Hospitalar proporciona troca de experiências entre paciente e equipe, estimulando a sociabilidade entre as pessoas. Nessa perspectiva, Martins e Paduan (2010) explicam que a falta de vínculo entre a equipe de saúde e o paciente pode trazer prejuízos ao desenvolvimento da criança. Os autores lembram que a criança não é capaz de aprender coisas por ela mesma, depende, assim, da mediação de outras pessoas e da interação com objetos, o que demonstra que o ser humano só se desenvolve no interior de um grupo social.

Sobre a importância de um bom relacionamento entre a equipe multidisciplinar e o paciente, Bomtempo, Gonçalves e Oliveira (2008) enfatizam que a interação com as famílias faz com que os profissionais (no hospital) se tornem mais sensíveis e humanos ao tratamento infantil. As autoras destacam que a presença de uma equipe multidisciplinar, constituída por vários profissionais de saúde, voltados para o atendimento da criança, considerando-a como um todo e a respeitando, tem fundamental importância na sua recuperação.

Em relação à contribuição da Recreação Terapêutica Hospitalar ao tratamento, as resposta mais frequentes foram que esse tipo recreação ameniza, nas crianças, a dor, a ansiedade e o medo causados pela hospitalização. Também foram apresentadas respostas no sentido de que a recreação auxilia na recuperação do paciente nos aspectos físicos, emocionais e sociais.

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Quadro 2 — Contribuições da Recreação Terapêutica com o tratamento dos pacientes

Contribuições da Recreação Hospitalar com o tratamento

Respostas da equipe multidisciplinar

Ameniza dor, ansiedade e medo

• Faz com que as crianças diminuam o medo do hospital. • Alivia o medo e a ansiedade dos pacientes; as crianças

esquecem momentaneamente a dor e se adaptam melhor ao tratamento médico.

• Aproxima o paciente de sua realidade, costumes e vida diária, amenizando, dessa forma, seus medos e traumas hospitalares.

• Os dias de internação tornam-se menos dolorosos e passam rapidamente.

Auxilia na recuperação do paciente nos aspectos físicos, emocionais e sociais

• Cria um ambiente mais leve, os pacientes tornam-se mais alegres, comunicativos e colaborativos.

• Pacientes diminuíram a febre e ouviram-se relatos de pais dizendo que os filhos se alimentavam melhor após o atendimento.

• Já foram presenciados muitos casos em que a dor foi amenizada com o contato da recreação.

• Os pacientes se recuperam mais rápido e se distraem totalmente no período de internação. Sorriem mais e ficam menos irritados; a distração, a alegria e o passar do tempo encurtam o tempo para o paciente deixando-o mais receptivo ao tratamento.

• Os procedimentos são melhor aceitos pelos pacientes, passando despercebida a terapêutica muitas vezes dolorosa.

• Quando a pessoa está de bom humor e feliz, o tratamento se torna mais eficaz tornando o paciente mais tranquilo e receptível.

• Consegue-se criar um forte vínculo com o paciente. • Auxilia na melhora psicológica das crianças; as

crianças ficam mais alegres, diminui o estresse ajudando na recuperação; facilita o tratamento.

Padovan e Schwartz (2009) dão conta de que a criança, enquanto está hospitalizada, pode sentir insegurança e sofrer uma série de perdas, que podem promover alterações nos níveis físico, psíquico e moral, interferindo na sua recuperação. Os autores enfatizam que as

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atividades lúdicas vêm sendo aplicadas nos hospitais com o objetivo de amenizar esse quadro. Bomtempo et al. (2008) corroboram, enfatizando que as atividades lúdicas reforçam o tratamento da criança, podem aumentar as defesas do sistema imunológico, favorecer o desenvolvimento da criança e tornar a recuperação mais rápida e menos traumatizante.

Machado e Martins (2002) descrevem que situações críticas como a hospitalização fazem com que os níveis de medo e ansiedade sejam elevados nas crianças devido a situações que muitas vezes não são compreendidas. As autoras entendem que o humor permite à criança explorar fatos que, por força de obstáculos pessoais, não pode fazer de forma consciente.

O quadro 3 representa a influência da Recreação Terapêutica Hospitalar no relacionamento paciente e equipe, na visão da equipe multidisciplinar. Os participantes responderam que, enquanto as crianças estão brincando, o atendimento que precisa ser realizado pela equipe multidisciplinar é melhor sucedido; os participantes também responderam que as atividades lúdicas proporcionam uma melhor interação entre paciente e equipe fortalecendo os vínculos. Quadro 3 — Influência da recreação hospitalar no relacionamento paciente e equipe

Influência da Recreação Terapêutica Hospitalar no relacionamento paciente e equipe

Respostas da equipe multidisciplinar

Favorece o atendimento da equipe multidisciplinar

• A interação da equipe fica facilitada. • O estado afetivo assume uma qualidade mais próxima do esperado, do saudável, o que favorece as intervenções da equipe.

• Facilita o trabalho dos técnicos de enfermagem para a administração da medicação.

Melhora a interação, a comunicação e fortalece o vínculo entre equipe, paciente e familiares

• As atividades proporcionam uma maior interação entre paciente e equipe, que ultrapassa as barreiras dos procedimentos médicos, sem individualização. Favorece o vínculo da criança com os profissionais, aumenta a confiança da criança e dos familiares nas intervenções da equipe.

• As crianças ficam colaborativas com a equipe multidisciplinar no momento da administração da

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medicação. • Ficam melhor humorados atendendo melhor ao tratamento e tendo melhor relacionamento com os profissionais.

• O ambiente fica mais leve, a comunicação e a relação da equipe são mais abertas, mais fáceis; a afetividade e a compreensão se tornam mais presentes.

• Fortalecimento do vínculo do paciente com a equipe e vice-versa. Proximidade da família do paciente com a equipe; interagem e aceitam melhor a presença da equipe; aceitam a terapia proposta; melhoram a confiança e a segurança da criança nos profissionais.

Azevedo et al. (2007) destacam que a equipe de enfermagem pode se utilizar das atividades lúdicas como um benefício a seu favor, aproveitando-se dessa prática para realizar as intervenções que precisam ser feitas nas crianças.

Carvalho et al. (2004) enfatizam que a equipe multidisciplinar deve ter consciência de que a criança hospitalizada apresenta necessidades globais, que ultrapassam as barreiras da patologia. Os autores destacam que uma intervenção conjunta da equipe de saúde é capaz de produzir mudanças significativas na percepção do contexto hospitalar por parte das crianças. Para os autores, isso acarreta uma melhora na comunicação paciente/profissional, na diminuição da ansiedade e em uma colaboração com o tratamento médico. Carvalho et al. (2004) ainda lembram que o impacto das interações lúdicas dependerá dos valores que tanto a criança quanto as pessoas que influenciam no contexto conferem à ação lúdica.

Em relação à opinião da equipe multidisciplinar da Unidade de Pediatria, sobre a Recreação Terapêutica Hospitalar, destaca-se: a recreação é uma atividade lúdica desenvolvida com crianças hospitalizadas, a qual tem como objetivo amenizar os possíveis traumas causados pela hospitalização, oferecendo condições para a criança aceitar a falta de saúde, estimulando, também, a socialização entre as pessoas.

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P21 (Psicologia): “É um trabalho que oferece condições para a criança elaborar o processo de adoecer.” P23 (Medicina): “Atividade lúdica desenvolvida com os pacientes em área específica com a finalidade de amenizar as alterações psicossociais decorrentes da hospitalização.” P29 (Fisioterapia): “Estimula a sociabilidade entre as pessoas.”

Padovan e Schwartz (2009) reconhecem que a criança, em ambiente recreativo, mesmo hospitalizada, torna-se capaz de alcançar um melhor desenvolvimento pelo fato de serem respeitadas suas expectativas, seus desejos e suas condições de habilidade quando estão interagindo ludicamente. Nessa perspectiva, os autores acreditam que a recreação pode deixar a estadia da criança no hospital o mais próxima possível do tipo de vida que ela tinha antes de ser internada.

Na visão da equipe multidisciplinar, a recreação contribui com o tratamento dos pacientes, pois, de acordo com relatos de alguns participantes da pesquisa, foi constatado que pacientes diminuíram a febre e que se alimentaram melhor após participar da recreação. Os participantes também destacaram que a recreação contribui com o tratamento terapêutico, pois trabalha o psicológico das crianças.

P7 (Enfermagem) “Sim, existem tratamentos que causam desconforto e tendo o momento de recreação, acaba-se passando despercebida a terapêutica muitas vezes dolorosa.” P16 (Educação Física): “Sim, já observei pacientes que diminuíram a febre, relatos dos pais dizendo ter se alimentado melhor após o atendimento, entre outros.” P20 (Nutrição): “Sim, pois auxilia na melhora psicológica das crianças, o que contribui para o tratamento terapêutico.”

Carvalho e Begnis (2006) sustentam que a recreação no hospital tem se mostrado como um catalisador no processo de recuperar a capacidade de adaptação da criança diante de transformações que ocorrem, a partir de sua entrada no hospital. Serve como fator de proteção, aumentando a resiliência da criança.

No entender da equipe multidisciplinar, a Recreação Terapêutica Hospitalar melhora o relacionamento paciente/equipe, tendo em vista que, enquanto as crianças estão brincando, estão distraídas o que pode auxiliar a equipe na hora da intervenção, já que as crianças se tornam mais colaborativas.

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P6 (Psicologia): “O brincar pode ser um recurso lúdico para a adaptação da criança, ou seja faz com que ela permita as intervenções e os processos hospitalares.” P10 (Enfermagem): “Eles ficam mais colaborativos.” P16 (Educação Física): “Enquanto as crianças estão brincando, facilita o trabalho dos técnicos de enfermagem para a administração da medicação. Se os mesmos estiverem distraídos, o atendimento se torna mais facilitado.” P21 (Nutrição): “A sala de recreação proporciona uma troca de experiências entre as mães e um ambiente descontraído para as crianças.” P23 (Medicina): “Crianças mais calmas, aceitam melhor as condutas, ficam menos estressadas.” P28 (Fisioterapia): “Melhora no bem-estar, no vínculo, confiança e segurança nos profissionais e mostra que a equipe está atenta às necessidades de recreação que toda criança tem.”

Martins e Paduan (2010) afirmam que a falta de comunicação por

parte da equipe de saúde (também no âmbito da linguagem) pode acarretar à criança dificuldades afetivas e cognitivas. Os autores destacam que a equipe de saúde pode evitar tais dificuldades realizando um acompanhamento com qualidade das crianças hospitalizadas, facilitando a interação entre elas, integrando o desenvolvimento das capacidades orgânicas e psicossociais. Considerações finais

A partir da análise das respostas da equipe multidisciplinar da Unidade de Pediatria de um hospital da Serra gaúcha, conclui-se que a Recreação Terapêutica Hospitalar é uma atividade lúdica, realizada num espaço de interação e que tem por objetivos divertir, distrair, descontrair e amenizar possíveis traumas decorrentes das internações hospitalares. Além disso, a Recreação Terapêutica Hospitalar proporciona troca de experiências entre paciente e equipe multidisciplinar, estimulando a sociabilidade entre as pessoas.

A equipe multidisciplinar acredita que a Recreação Terapêutica Hospitalar contribui no tratamento da criança, amenizando alguns sintomas como dor, medo e ansiedade, melhorando, também, o relacionamento da equipe com o paciente. Foi relatado também que às

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vezes é difícil convencê-la a deixar-se examinar, quando está realizando atividade recreativa.

Por meio das respostas dos participantes da pesquisa e também da revisão de literatura, pôde-se concluir que as atividades lúdicas, proporcionadas pela Recreação Terapêutica Hospitalar, são essenciais às crianças hospitalizadas. Com isso, depreende-se que o brincar no hospital pode amenizar possíveis traumas decorrentes da hospitalização, bem como sintomas típicos de quem está fora de seu ambiente habitual. Dessa forma, entende-se que um bom relacionamento da equipe multidisciplinar com a criança pode estimular a socialização entre ambas, contribuindo, assim, para uma maior e melhor recuperação do paciente doente.

Sugere-se a realização de rounds com representantes de toda a equipe multidisciplinar, como forma de qualificar o atendimento à criança hospitalizada. Referências AZEVEDO, Dulcian M. de. et al. O brincar como instrumento terapêutico na visão da equipe de saúde. Ciênc. Cuid. Saúde, ano 6, v.3, p. 335-341, jul./set. 2007. BOMTEMPO, Edda; GONÇALVES, Elza; OLIVEIRA, Vera B de. (Org.). Brincando na escola, no hospital, na rua... 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2008. CASARA, Andressa; GENEROSI, Rafael A.; SGARBI, Sandra. A recreação terapêutica como forma de intervenção no âmbito hospitalar. Revista Digital, Buenos Aires, ano 12, n. 110, jul. 2007. CARVALHO, Carine et al. A importância do brincar: uma perspectiva em torno de pacientes infantis com câncer. CienteFico, Salvador, ano IV, v. I, jan/jun. 2004. Disponível em:< www.frb.br/ciente>. Acesso em: 10 out. 2010. CARVALHO, Alysson M.; BEGNIS, Juliana G. Brincar em unidades de tratamento pediátrico: aplicações e perspectivas. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 109-117, jan./abr. 2006. Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 10 out. 2010. MACHADO, Mariana M. de P.; MARTINS, Dinorah G. A criança hospitalizada: espaço potencial e o palhaço. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia, 2002, p. 34-52. Disponível em: <www.mackenzie.com.br>. Acesso em: 10 out. 2010. MARTINS, Sueli T. F.; PADUAN, Vanessa C. A equipe de saúde como mediadora no desenvolvimento psicossocial da criança hospitalizada. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 15, n. 1, p. 45-54, jan./mar. 2010. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. MINELLI, Daniela; SORIANO, Jeane; FÁVARO, Paula. O profissional de Educação Física e a intervenção em equipes multiprofissionais. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 4, p. 35-62, out./dez. 2009.

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PADOVAN, Diego; SCHWARTZ, Gisele M. Recreação hospitalar: o papel do profissional de Educação Física na equipe multidisciplinar. Motriz, Rio Claro, v. 15, n. 4 p. 1025-1034, out./dez. 2009. THOMAS, Jerry R.; NELSON, Jack K. Método de pesquisa em atividade física. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. TONETTO, Aline M.; GOMES, William B. A prática do psicólogo hospitalar em equipe multidisciplinar. Estudos de Psicologia, Campinas, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v24n1/v24n1a10.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010. VITORINO, Stephânia C.; LINHARES, Maria B. M.; MINARDI, Maria R. F. L. Interações entre crianças hospitalizadas e uma psicóloga, durante atendimento psicopedagógico em enfermaria de Pediatria. Estudos de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 267-277, 2005. Disponível em: <www.scielo.br>. Acesso em: 17 set. 2010. Recebido em 15 de maio de 2011. Aprovado em 4 de julho de 2011.

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Aptidão física relacionada à saúde no grupo articulações

Nicole Giovanella* — Ricardo Rodrigo Rech** — Daiane Toigo Trentin***

Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar o efeito do treinamento de 20 semanas de práticas corporais artísticas sobre os níveis de aptidão física relacionada à saúde (AFS), em acadêmicos de Educação Física, integrantes do Grupo Articulações (GA) da Universidade de Caxias do Sul. A amostra foi composta por oito sujeitos, integrantes do GA, sendo quatro homens e quatro mulheres com idade média de 22,00 ± 2,88 anos. O presente estudo finaliza apontando os componentes da AFS que são beneficiados por práticas corporais artísticas do GA e aqueles que precisam ser melhor desenvolvidos durante os treinos do GA. Palavras-chave: Aptidão física relacionada à Saúde. Práticas corporais. Práticas artísticas.

Physical fitness related to healf in the group articulações

Abstract: The objective of this study was to evaluate the training effect of 20 weeks of bodily artistic practices on levels of physical fitness related to health (PFH), in undergraduate Physical Education, members of the group Articulações (GA), University of Caxias do Sul. The sample consisted of eight persons, members of the GA, four men and four women with a mean age of 22.00 ± 2.88 years. This study concludes by stating the components of the PFH are benefited through the bodily artistic practices of the GA and those that need to be better developed during training the GA. Keywords: Physical fitness related to health. Bodily artistic practices.

Aptitud fisica reladionada a la salud en el grupo articulações

Resumen: El objetivo de este estudio fue verificar el efecto del entrenamiento de 20 semanas de prácticas corporales artísticas en los niveles de la aptitud física relacionada a la salud (AFS), en los académicos de educación física, integrantes del Grupo Articulacões (GA) de la Universidade de Caxias do Sul. La muestra fue compuesta para ocho personas, integrantes del GA, siendo cuatro hombres y cuatro mujeres con la edad media 22.00 del ± 2.88 años. El estudio acaba apuntando los componentes del AFS que se benefician a través de prácticas corporales artísticas del GA y de los que necesitan ser mejor convertidos durante los treinos del GA. Palabras clave: Aptitud física relacionada a la salud. Prácticas corporales Artísticas.

* Bacharel em Educação Física. ** Mestre em Saúde coletiva. *** Mestre em Educação.

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Introdução

Mesmo vivenciando a Era da Tecnologia, as facilidades e comodidades que a mesma nos impõe, o ser humano tem estado cada vez mais consciente sobre os benefícios e a importância da prática regular de atividades físicas e programas de exercícios. Benefícios estes que, segundo Robergs e Roberts (2002) e Giam e Teh (1989) estão diretamente relacionados à melhora significativa da saúde, da aptidão física, longevidade e capacidade do indivíduo em realizar com êxito as atividades diárias. Para Araujo e Araujo (2000, p. 2), aptidão física é a “habilidade do corpo de adaptar-se às demandas do esforço físico que a atividade precisa para níveis moderados ou vigorosos, sem levar a complexa exaustão”. A mesma encontra-se na literatura subdivida em dois aspectos: aptidão física relacionada ao desempenho (AFH) e aptidão física relacionada à saúde (AFS). Neste estudo será abordada somente a AFS.

Para o American College of Sports Medicine (ACSM) (2007), a AFS é compreendida por atributos biológicos que possam fornecer alguma proteção quanto ao aparecimento e a evolução de distúrbios orgânicos, oriundos de um estilo de vida sedentário. Sendo assim, a prática regular de exercícios físicos faz com que o indivíduo atinja e permaneça com seus níveis de AFS adequados, possibilitando bem-estar e melhoria na qualidade de vida. A AFS é composta pelos seguintes componentes: composição corporal, resistência cardiovascular, resistência muscular, força muscular e flexibilidade. (ACSM, 2007).

Com a necessidade de abranger estudos que visem a explorar o movimento humano nas suas mais variadas formas de expressão e linguagem corporal, sob o enfoque artístico, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) sentiu-se interessada em desenvolver o Projeto Grupo Articulações, cuja iniciativa partiu da professora e Doutora Sigrid Nora, docente na Universidade e coordenadora do Programa Ciências e Artes do Corpo. (PROGRAMA CIÊNCIAS E ARTES DO CORPO, 2009).

Esse programa, com cunho teórico-prático, visa a tratar de estudos voltados às ciências e artes “do” e “no” corpo, por meio da indisciplinaridade. Faz-se presente nesse programa o Grupo Articulações (GA) cujo objetivo, tanto na teoria como na prática, é

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investigar, experienciar e produzir novo vocabulário e novas organizações do movimento humano, mediante práticas corporais artísticas. (PROGRAMA CIÊNCIAS E ARTES DO CORPO, 2009). O GA é composto por nove integrantes, todos acadêmicos dos cursos de Bacharelado ou Licenciatura em Educação Física da UCS, sendo que estes não precisam ter qualquer tipo de experiências anteriores ou formação na área do movimento corporal artístico para participarem do grupo. No entanto, cabe explicitar que as práticas corporais artísticas, que foram desenvolvidas no GA, durante os cinco meses que perduraram este estudo, estiveram voltadas, preferencialmente, à dança contemporânea.

Sendo assim, o presente estudo pretende identificar a influência das práticas corporais artísticas sobre os níveis de AFS no GA e, futuramente, servir como subsídio para futuras prescrições de programas de treinamento que abranjam, de forma global, todos os componentes da AFS. Metodologia

Local do estudo As avaliações foram realizadas na Academia-Escola (Sala de

Avaliação e Sala de Musculação) e na pista de Atletismo da Universidade de Caxias do Sul.

Delineamento do estudo Trata-se de um estudo experimental não controlado. (PEREIRA,

1995). Sujeitos da pesquisa Esta pesquisa foi composta por oito sujeitos, sendo quatro homens

e quatro mulheres, com idade média de 22,00 (± 2,88 anos), todos acadêmicos do curso de Educação Física e integrantes do GA, ambos pertencentes à Universidade de Caxias do Sul (UCS). Todos integrantes do GA participaram do estudo e não possuíam experiências anteriores na área do movimento corporal artístico até ingressarem no grupo.

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Instrumentos Foram utilizados treze instrumentos para a realização das

avaliações voltadas à aptidão física relacionada à saúde no GA. Questionário de Prontidão para Atividade Física (PAR-Q) (ACSM,

2007) Anamnese A anamnese foi elaborada pelos pesquisadores e composta por

questões voltadas especificamente ao GA. Pressão Arterial em Repouso Para a aferição da pressão arterial em repouso, foi utilizada uma

cadeira com encosto, uma mesa de madeira, na qual o avaliado devia apoiar o braço; um estetoscópio e um esfigmomanômetro da marca Missouri. Os procedimentos adotados para a avaliação da pressão arterial foram: o avaliado deve ficar por pelo menos cinco minutos em uma cadeira, que possua apoio para as costas, e com um dos braços descoberto e relaxado sobre uma superfície que faça com que o mesmo esteja posicionado em nível do coração, com a palma da mão voltada para cima e o cúbito levemente flexionado. Salientou-se ao avaliado que, por pelo menos trinta minutos, que antecedem o teste, não deveria fumar cigarros ou ingerir cafeína. (ACSM, 2007).

Estatura A estatura foi mensurada com o avaliado de pé, por meio de um

estadiômetro de parede da marca Sanny, com precisão de 0,1cm. A mensuração da estatura ocorreu com o avaliado descalço, com roupas leves, o que possibilitou, uma visão nítida do contorno do corpo, na posição ortostática, com as costas voltadas ao estadiômetro; pés paralelos e peso distribuído em ambos os pés, e com os braços soltos ao longo do corpo com as mãos voltadas para o corpo. A cabeça do avaliado deve manter-se posicionada no plano de Frankfurt. (NEVES; SANTOS, 2003; CARNAVAL, 2000).

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Massa Corporal Total (MCT) A massa corporal total (MCT) foi mensurada em uma balança

digital da marca Urano, com sensibilidade de 0,1 kg, sendo os valores registrados em quilogramas (kg).

Durante a avaliação da massa corporal total, o avaliado deveria estar com roupas leves, descalço e no centro da plataforma, de pé, com o peso igualmente distribuído entre os dois pés e o olhar fixo à frente. (CARNAVAL, 2000).

Índice de Massa Corporal (IMC) O IMC foi obtido pela razão entre a massa corporal total e altura

ao quadrado. (ACSM, 2007).

Os dados do IMC foram registrados em kg/m2 e analisados, indicando a classificação do risco de doença, com base no IMC e na circunferência da cintura, segundo ACSM (2007).

Circunferência A mensuração da circunferência objetiva prever a composição

corporal do indivíduo (ACSM, 2007) e, no caso deste estudo, foram utilizadas oito medidas: tórax, cintura, abdome, quadril, braços, antebraços, coxas e panturrilhas, segundo o protocolo descrito por Carnaval (2000). Todas as medidas foram realizadas com uma fita métrica flexível. Sem comprimir o tecido adiposo, a fita métrica foi posicionada sobre a superfície cutânea. As mensurações foram obtidas de maneira duplicada, respeitando uma ordem rotacional ao invés de consecutiva, proporcionando, assim, tempo suficiente para que a pele retorne a sua textura normal. (ACSM, 2007). Nesta pesquisa, para a mensuração das circunferências, utilizou-se uma trena da marca Sanny, com precisão de 0,1 cm.

Pregas cutâneas Foi utilizado um plicômetro da marca Sanny para a mensuração de

sete pregas ou dobras cutâneas: tricipital, subescapular, axilar média,

IMC = peso/altura 2

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suprailíaca, peitoral, abdominal e coxa, segundo o protocolo de Pollock e Jackson. (ACSM, 2007). O percentual de gordura corporal foi estimado por meio do protocolo de cálculo da densidade corporal de Jackson e Pollock para homens e para mulheres. (ACSM, 2007).

Teste de 12 minutos de Cooper Para a estimativa do consumo máximo de oxigênio (VO2máx),

realizou-se um teste, em pista, de 12 minutos de Cooper, o qual objetiva mensurar a maior distância percorrida pelo indivíduo durante os 12 minutos que perduram o teste, procurando manter a velocidade constante. O teste inicia a partir da voz de comando: “Já!”, dada pelo avaliador, juntamente com o disparo do cronômetro. O avaliador responsabilizou-se por informar aos participantes, a cada cinco minutos, o tempo transcorrido desde o início do teste e no instante em que o cronômetro marcar onze minutos, através de um longo soar do apito, que restam apenas um minuto para a finalização do teste. Quando o cronômetro marcou 12 minutos, o avaliador soa o apito brevemente e, no mesmo momento, os avaliados deixam de correr para dar início à caminhada de forma perpendicular ao sentido do teste, possibilitando com isso, uma melhor precisão quanto à distância que cada avaliado percorreu. Após a finalização do teste, os participantes permanecem caminhando até voltar à calma. (DANTAS, 2003). Estimou-se o consumo máximo de oxigênio (VO2máx) de acordo com a fórmula apresentada a seguir:

Teste de repetições submáximas Com o objetivo de estimar a força muscular dos sujeitos da

amostra, utilizou-se o teste de repetições submáximas. Após o teste, a carga máxima foi ajustada por meio da multiplicação da carga submáxima obtida no teste pelo fator de correção proposto por Lombardi (1989) (Tabela 1). Para a realização dos testes foram utilizados o exercício supino para membros superiores e o leg press 45° para membros inferiores. Quanto ao exercício supino para mulheres, este foi realizado no supino máquina da marca Pacif Fitness, já para os

VO2máx= (distância percorrida [m] — 504.9) / 44,73

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homens, as repetições submáximas foram mensuradas por meio do supino livre, reto, com barra de 10 kg. Já a máquina leg press 45°, da marca Vitally, foi utilizada por ambos os gêneros. Tabela 1 — Fatores de correção para repetições submáximas

Fonte: Lombardi (1989).

Teste de abdominal de um minuto Durante o teste que tem como objetivo avaliar a resistência

muscular da região abdominal, o sujeito deve realizar o máximo número de abdominais em um minuto. Para a execução do teste, o avaliado assume a posição deitado, em decúbito dorsal sobre um colchonete, pernas flexionadas com joelhos formando um ângulo de 90°, região plantar no solo, pés fixados pelo avaliador e mãos na nuca. O sujeito avaliado deve executar uma flexão da coluna até que os cotovelos encostem os joelhos, retornando à posição inicial até o momento em que as omoplatas toquem o solo. Somente foram consideradas pelo avaliador as repetições que foram executadas corretamente pelo avaliado. (ACSM, 2007). Para a análise de dados, utilizaram-se duas tabelas propostas por Pollock, uma para homens e outra para mulheres. (CARNAVAL, 2000).

Repetições Fator de correção

1 1 2 1,07

3 1,1 4 1,13

5 1,16

6 1,2 7 1,23

8 1,27 9 1,32 10 1,36

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Teste de apoio de frente Esse teste visa a avaliar a resistência muscular dos membros

superiores por meio do número de repetições realizadas durante um minuto. Para homens, a posição inicial de quatro apoios deveria permanecer até o final do teste, a qual compreende mãos e os dedos dos pés em contato com o chão. Já as mulheres deveriam iniciar e permanecer até o término do teste na posição de seis apoios, com mãos, joelhos e dedos dos pés encostados no chão (ACSM, 2007). Em seguida, o avaliado deve erguer o corpo retificado, estendendo os cotovelos e retornar em direção ao solo, até o instante em que o queixo do mesmo encoste no colchonete. Tanto para o gênero feminino como para o masculino, o tronco deveria manter-se retificado durante todo o teste. Não havia repouso durante o transcorrer do teste, sendo que o número máximo de apoios de frente foi dado como escore. O término do teste dá-se no momento em que o avaliado realiza um esforço excessivo ou demonstrar-se incapaz de executar a técnica adequada dentro de duas repetições. (ACSM, 2007). A análise dos dados foi executada a partir de duas tabelas sugeridas por Pollock, sendo uma destinada aos homens e outra às mulheres. (ACSM, 2007).

Teste de flexão de tronco (“sentar e alcançar”) Esse teste permite avaliar a flexibilidade da região lombar e da

articulação do quadril, exigindo mais da musculatura dos isquiotibiais do que propriamente da região lombossacra. (ACSM, 2007).

Para a mensuração da flexibilidade, o teste de sentar e alcançar foi executado por meio do Banco de Wells. Para a realização do teste, os calçados dos participantes foram removidos. O avaliado deve permanecer, durante todo o teste, com os joelhos estendidos e a região plantar contra a caixa, enquanto o tronco inclina-se para frente lentamente com mãos e braços estendidos, fazendo com que a ponta dos dedos de ambas as mãos, uma sobreposta a outra, alcance a maior distância na fita métrica. Foram permitidas três tentativas, e o resultado definido pelo maior escore atingido pelo avaliado. (MORROW JÚNIOR, 2003; NEVES; SANTOS, 2003; CARNAVAL, 2000; ACSM, 2007). Os materiais utilizados para o teste foram: Banco de Wells e colchonete.

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Procedimentos O presente estudo partiu da utilização de dados retroativos,

referentes a testes voltados à aptidão física relacionada à saúde, aplicados nos integrantes do GA durante o mês de abril de 2009. Com base nos dados já existentes, este estudo buscou aplicar novamente os testes de aptidão física nos integrantes do GA, no mês de outubro de 2009. Para maior fidedignidade do resultado das avaliações, a ordem dos procedimentos avaliativos foi respeitada, bem como a utilização dos mesmos aparelhos utilizados na coleta de abril, de propriedade da Academia-Escola da Universidade de Caxias do Sul. (AEUCS). Aplicaram-se os testes nos horários das práticas corporais do GA, em três dias, durante uma única semana, com intervalos de 48 horas entre os mesmos. (UCHIDA, 2006). A sequência dos testes avaliativos respeitou a seguinte ordem: no primeiro dia foram realizados o PAR-Q, a anamnese, a pressão arterial em repouso, a composição corporal, o endurance muscular e a flexibilidade; no segundo dia, o teste de 12 minutos de Cooper, e no terceiro, o teste de repetições submáximas.

Análise estatística Para a análise estatística dos resultados obtidos nos dois períodos

de avaliação, utilizou-se o Teste “t” student para amostras pareadas e estatística descritiva (frequências e médias).

Aspectos éticos Este Projeto foi aprovado no dia 22 de outubro de 2009 pelo

Comitê de Ética em Pesquisa da UCS, sob o Protocolo 197/09. O mesmo contou a participação dos oito integrantes do GA e, portanto, obteve assinatura de todos, quanto ao Termo de Compromisso. O período de treinamento foi de 20 semanas. Resultados

A amostra final permaneceu composta por oito indivíduos, quatro homens e quatro mulheres, com média de idade de 22,00 (± 2,88 anos). Na tabela 2 são apresentados a média e o desvio padrão dos resultados das mensurações e dos testes aplicados no mês de maio de 2009 e outubro de 2009.

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Tabela 2 — Caracterização da amostra e avaliações pré e pós

Média pré (maio de 2009)

Média pós (outubro de

2009)

DP pré (maio de 2009)

DP pós (outubro de

2009) MCT 69,038 68,93 12,689 10,49 Altura 1,7025 1,7025 4,979 4,979 IMC 23,803 23,770 4,132 3,3867 PA sistólica 107,50 113,63 10,35 8,91 PA diastólica; 71,25 72,50 9,91 7,07 Tórax 89,75 93,00 8,97 10,69

Cintura 74,81 74,56 7,40 6,74 Adbome 82,500 82,375 7,746 5,902

Quadril 98,44 98,56 8,36 7,93 Ant dir 25,863 26,33 3,291 3,02 Ant esq 25,06 25,69 3,42 2,98 Braço dir 28,41 30,188 4,65 5,042 Braço esq 28,100 29,750 4,557 4,788 Coxa dir 53,438 54,75 5,074 4,00 Coxa esq 52,813 54,00 5,203 4,08 Panturrilha dir 36,95 36,563 2,96 2,757 Panturrilha esq 36,94 36,44 3,14 2,76 Somatório de dobras

106,637 115,75 36,820 34,75

Flexibilidade 37,38 42,19 7,80 7,11 Abdominal 1min 31,88 43,88 5,74 7,47 Flexões de braços 1min

28,38 36,25 11,89 10,54

Cooper 12min (distância)

2141,88 2116,25 251,14 392,28

Cooper 12min VO2máx

36,3950 35,8263 5,5800 8,7185

kg Leg Press 45° 170,00 225,00 55,55 63,92 kg Supino 50,750 51,50 30,488 30,60

Legendas: MCT= Massa corporal total; IMC= Índice de massa corporal; PA= Pressão arterial.

O questionário PAR-Q obteve, durante os dois períodos de aplicação dos testes, todas as respostas negativas, fazendo com que todos os integrantes do GA estivessem aptos à prática de exercícios físicos. A PA sistólica e diastólica obteve um pequeno aumento; porém, não significativo em seus resultados, bem como a medida do quadril, dos antebraços direito e esquerdo, dos braços direito e esquerdo; o

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somatório de dobras e o teste de repetições máximas de membros superiores, no supino.

Já os resultados de MCT, IMC, medidas da cintura, do abdome, das panturrilhas direita e esquerda, distância e VO2máx no teste de Cooper de 12min, obtiveram uma pequena diminuição; porém, não significativa, no segundo período de aplicação dos testes e das avaliações, ocorrido no mês de outubro, se comparados ao primeiro, durante o mês de maio.

A tabela 3 mostra as variáveis que apresentaram diferença estatisticamente significativa no pré e pós teste (p<0,05). Tabela 3 — Variáveis com diferença estatisticamente significantes entre as avaliações

pré e pós (p<0,05)

Variáveis

IC* P

Tórax (-5,19;-1,31) 0,005

Braço dir (-1,21;-4,45) 0,038 Braço esq (-3,143;-0,407) 0,018 Coxa dir (-3,171;-0,129) 0,037 Coxa esq (-2,514;-0,111) 0,036 Panturrilha esq (0,11;0,89) 0,018 Flexibilidade (-8,42;-1,20) 0,016 Abdominal 1min (-15,87;-8,13) 0,000 Felxões de braços 1min (-12,51;-3,24) 0,005 kg no Leg Press 45° (-89,32;-20,68) 0,007 * IC= Intervalo de confiança.

Com relação aos testes neuromotores (teste de sentar e alcançar, resistência abdominal durante 1 minuto e resistência de membros superiores, mediante apoio de frente), todos apresentaram aumentos estatisticamente significantes (Tabela 3). As medidas da coxa direita, coxa esquerda, panturrilha esquerda, do tórax e antebraço esquerdo também apresentaram um aumento estatisticamente significativo se comparado às mensurações coletadas durante a primeira aplicação dos testes, realizada no mês de maio de 2009. A força de membros inferiores, obtida através do teste de repetições máximas, no Leg Press 45°, apresentou diferença significativa, representada por um aumento médio de 55 kg.

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Discussão

Este estudo teve como objetivo determinar o desenvolvimento dos componentes da AFS, a partir de 20 semanas de práticas corporais artísticas no GA. Através de dois períodos de aplicação de testes, tornou-se possível identificar dados significativos quanto aos benefícios relacionados ao treinamento dos componentes da AFS, a partir das práticas corporais artísticas realizadas no GA. Para Fernandes Filho (2003), resultados advindos de baterias de testes são de extrema importância para desenvolver um bom e eficaz programa de trabalho físico. No entanto, mesmo estando ciente quanto à importância do condicionamento físico para o sucesso e a melhora da performance de bailarinos, ainda são escassos os estudos científicos voltados a essa área específica. Sendo assim, Leal (1998) afirma que o treinamento em dança deve ser global, envolvendo as AFS e determinadas qualidades físicas como: força (dinâmica, estática e explosiva), flexibilidade, equilíbrio (dinâmico, estático e recuperado), resistência muscular localizada (membros e tronco), resistência aeróbica e anaeróbica, agilidade, coordenação, velocidade, descontração e ritmo.

Prati e Prati (2006) afirmam que o treinamento para bailarinos não deve estimular exclusivamente o desenvolvimento técnico, mas também o desenvolvimento global da AFS e AFH, as quais contribuem para a melhora da consciência corporal, resultando em movimentos motores conscientes, eficazes, para o processo de ensino e aprendizagem, o aprimoramento do desempenho e da performance, do condicionamento físico, além de atuarem como minimizadores de lesões e/ou desvios posturais.

Devido à escassez de estudos científicos direcionados às aptidões físicas relacionada à saúde de bailarinos, serão retratados, seguidamente, estudos com características aproximadas, porém diferentes dos integrantes do GA e/ou atividades realizadas no GA.

Grego et al. (2006) realizaram um estudo durante 32 semanas, com 83 meninas, com idade variando entre 12 e 17 anos, dispostas em três grupos, sendo estes compostos por bailarinas clássicas, praticantes de dança sem formação clássica e alunas que participavam de aulas de Educação Física, a fim de verificar, em dois períodos de avaliações, inicial e final, a aptidão física relacionada à saúde e ao desempenho

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atlético dessas jovens. Em função de o presente estudo estar direcionado somente à aptidão física relacionada à saúde, não serão abordados aqui os resultados da aptidão física relacionada ao desempenho atlético e os resultados das participantes do grupo de Educação Física. Sendo assim, observou-se que as meninas obtiveram um aumento, não significativo, quanto ao MCT, estatura e IMC. Porém, as bailarinas não clássicas foram o único grupo que apresentou percentual de gordura (27,26 ± 6,04; 24,14 ± 5,09) estatisticamente reduzido, sem que houvesse alteração no IMC, já as bailarinas clássicas apresentaram percentual de gordura de 17,63 ± 4,81 e 17,04 ± 4,72. No GA, o resultado do somatório de dobras apresentou um aumento, porém não significativo, se comparada a pré com a pós-avaliação (106,637 ± 36,820; 115,75 ± 34,75). A diferença entre os resultados dos estudos apresentados pode estar relacionada à média de idade dos participantes, ao sexo, ao período e/ou tipo de treinamento, já que o estudo de Grego et al. (2006) corresponde a avaliações pré e pós-treinamento de 32 semanas, com meninas de 12 a 17 anos de idade, diferentemente do GA, que realizou as avaliações pré e pós-treinamento de 20 semanas com homens e mulheres com idade variando entre 18 a 25 anos. Outra diferença entre os estudos é o fato de os exercícios referentes à prática da dança clássica serem diferentes dos da prática dos exercícios para bailarinos de dança contemporânea, que é desenvolvida no GA.

O presente estudo apresentou um declínio não significativo quanto aos resultados relacionados ao MCT, IMC e VO2máx. Corroborando com os resultados obtidos neste estudo, Prati e Prati (2006), ao analisarem os níveis de aptidão física e tendências posturais de 11 bailarinas clássicas com mais de sete anos de prática, observaram que estas apresentam “média baixa em nível aeróbio”, segundo a Escala de Cooper. Quanto a AFS, Grego et al. (2006), identificaram que o VO2máx apresentou mudanças significativas no grupo das bailarinas clássicas (33,69 VO ± 2,73; 34,66 ± 2,32), diferentemente das bailarinas não clássicas (34,36 ± 2,19; 34, 20 ± 2,43). Fração et al. (1999), ao analisarem o efeito do treinamento de quatorze semanas na aptidão física de 8 bailarinas clássicas, com idade entre 13 e 24 anos, divididas em dois grupos, denominados grupo controle (GC) e grupo experimental (GE), constataram que houve um aumento significativo do

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VO2máx no reteste do GE; no entanto, essas características não foram encontradas no GC. Para que um “bom” nível de performance seja atingido, exigem-se inúmeras repetições de técnicas e coreografias durante os treinamentos para ir em busca da perfeição. Porém, ao mesmo tempo, a fadiga pode ser um fator determinante para o sucesso ou fracasso das bailarinas. Percebendo isso e, observando os resultados obtidos por meio dos estudos, verifica-se a importância e necessidade do treinamento da aptidão cardiorrespiratória, entretanto específico para cada tipo de práticas corporais, para que se atinja um bom desempenho dos bailarinos. (PRATI; PRATI, 2006).

Os resultados estatisticamente significativos das mensurações das circunferências no GA foram: tórax, antebraço esquerdo, braços, coxas e panturrilha esquerda. Com relação aos resultados das circunferências do GA, acredita-se que estas sofreram um aumento devido a consideráveis cargas que os músculos dessas regiões corporais precisaram sustentar durante os treinamentos. O aumento significativo da panturrilha esquerda e do antebraço esquerdo deve ocorrer em função de as práticas corporais artísticas desenvolverem a bilateral durante a execução de suas técnicas e exercícios, fortalecendo, assim, o membro não dominante, já que a maioria dos sujeitos da amostra são destros.

Quanto à força muscular, Parnianpour et al. (1994), ao avaliarem a força isométrica e dinâmica do tronco em bailarinas, constataram que estas são significativamente mais fortes que a população feminina em geral. Fração et al. (1999), afirma que as altas cargas provenientes dos movimentos repetidos do ballet clássico sobre os membros inferiores, resultam em altos ganhos de força muscular quando comparadas à população. Robertson (1988) também pondera que os praticantes de dança contemporânea realizam treinamentos extras, a fim de ganho de massa muscular, pois, para muitos gêneros de dança, a imagem de sílfide não é importante. Sendo assim, Westblad, Tsai-Felländer e Johansson (1995) ressaltam que o fortalecimento da musculatura dos membros inferiores deve ser trabalhado adequadamente durante o processo de desenvolvimento da técnica, já que as bailarinas são expostas a grandes cargas de trabalho nos membros inferiores durante as práticas. Essa intensa solicitação dos membros inferiores (MI) foi observada no GA por meio dos resultados dos testes de repetições

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submáximas no leg press 45º para identificar a força máxima dos MI, os quais apresentaram dados com o maior índice de significância de todo o estudo (170,00 ± 55,55; 225,00 ± 63,92). Os resultados dos testes de repetições submáximas, para identificar a força máxima dos membros superiores (MS), realizados no supino livre para os homens e no supino máquina para as mulheres, também apresentaram um aumento significativo, se comparados os dois períodos de avaliação (50,750 ± 30,488; 51,50 ± 30,60). No entanto, ao verificarem a força muscular de onze bailarinas de ballet clássico com mais de sete anos de prática através da dinamometria, Prati e Prati (2006) identificaram que as estas apresentaram, em média, 50,3 Kgf na somatória das mãos. Com isso, o resultado obtido apresentou-se inferior ao nível sugerido por Morrow et al. (2003), o qual varia de 61 a 64 Kgf.

As possíveis explicações para a variedade de resultados podem estar voltadas ao período prolongado de férias a que o GA foi submetido (devido a questões de saúde pública) e aos ensaios direcionados, em sua maior parte, às coreografias, pelo fato de o grupo possuir espetáculos agendados durante o ano. Em função de o GA ser um projeto da UCS, somente retornou aos treinamentos na data pré-estabelecida pela Instituição para o retorno de todas as suas atividades, ficando o GA em inatividade durante três semanas. Com a necessidade de ensaio das coreografias a serem apresentadas nos espetáculos, o período destinado aos exercícios e às técnicas foi reduzido durante todos os dias de treinamento dentre dois meses e meio, da metade de agosto a outubro de 2009.

Com relação aos testes neuromotores, o GA, por meio da execução das práticas corporais artísticas, apresentou aumentos estatisticamente significativos com relação à resistência muscular e flexibilidade. Para obter resultados quanto à resistência muscular, Grego et al. (2006) aplicaram o teste abdominal de 1 minuto e verificaram que as bailarinas clássicas apresentaram um declínio na qualidade física em questão, durante o período de acompanhamento (6,01 ± 0,70; 5,78 ± 0,59), diferentemente das bailarinas não clássicas, as quais adquiriram resultados significativos (5,44 ± 0,80; 5,89 ± 0,79). Prati e Prati (2006) por meio da flexão de braços de um minuto e do abdominal de um minuto identificaram que a resistência muscular das bailarinas apresentou-se em níveis adequados.

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Segundo Nishioka et al. (2007), a flexibilidade no grupo dos bailarinos bolsistas do Centro de Movimento Debora Colker ultrapassam os parâmetros dados como normalidade e, portanto, foram considerados como hiperflexíveis. Já Silva e Bonorino (2008), ao verificarem a flexibilidade de bailarinos de dança contemporânea e ballet clássico, identificaram que ambos os grupos apresentaram resultados superiores aos padrões de referência. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos, porém, os bailarinos de ballet clássico apresentaram resultados superiores (35,94) aos bailarinos de dança contemporânea (34,12). No GA, observou-se um aumento significativo quanto à flexibilidade, variando de 37,38 durante a primeira avaliação e 42,19 no segundo período de aplicação dos testes. Sendo assim, o GA também apresenta-se com nível de flexibilidade superior aos padrões estabelecidos como normalidade.

Para se atingirem os resultados desejados, os componentes da aptidão física devem ser desenvolvidos de forma global durante os treinamentos relacionados à dança, ou qualquer atividade física voltada à performance, ao desempenho motor ou à saúde. No caso da dança, essa forma de treinamento possibilita a realização dos movimentos e/ou coreografias de maneira repetitiva, com eficiência e sem fadiga excessiva. (BOUCHARD; SHEPARD; STEPHENS, 1994; NANNI, 1998).

Devido à escassez de estudos direcionados à aptidão física de bailarinos, pelas distintas metodologias utilizadas nos estudos apresentados acima, para avaliarem o mesmo componente da aptidão física; pela diferença apresentada entre as amostras quanto à faixa etária, ao sexo, período de treinamento, tipo da atividade prática desenvolvida, e pelas características particulares do GA, não encontradas em demais estudos científicos (práticas corporais artísticas e efeito do treinamento das práticas corporais artísticas em indivíduos que não possuíam qualquer tipo de experiência relacionada à área do movimento corporal artístico antes de ingressarem no grupo), tornou-se difícil realizar uma discussão que abrangesse uma maior gama de autores.

Os resultados do presente estudo precisam ser interpretados com cautela, visto que o mesmo apresentou algumas limitações. Primeiramente, pode-se citar o fato de o GA ter ficado um período sem

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treinamentos. Outra questão a ser levada em conta é o reduzido n amostral (n=8). Conclusão

Considerando as limitações do estudo, pode-se dizer que o GA obteve ganhos positivos nos testes neuromotores, força de MI e, em algumas circunferências, mostrando que o treinamento a que o GA foi submetido atua positivamente sobre essas variáveis. O presente estudo forneceu dados relevantes a partir das alterações dos resultados dos componentes da AFS, entre o primeiro e segundo período de aplicação dos testes, sobre o efeito das práticas corporais artísticas. Esses dados podem servir como fonte de pesquisa para futuros estudos, e de subsídio para a elaboração de futuras prescrições de programas de exercícios para o GA, as quais deverão desenvolver, de maneira global e harmônica, os componentes da AFS, contribuindo, assim, para a melhor qualidade e o desempenho no produto desejado pelo grupo. Sugerem-se novos estudos, a cerca da área do movimento artístico, nesse campo específico, devido à carência de estudos comparativos nessa área e que venham a identificar o efeito do treinamento sobre os componentes da AFS com amostras mais significativas e períodos maiores de acompanhamento. Referências AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE (ACSM). Diretrizes do ACSM para os testes de Esforço e sua prescrição. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. ARAÚJO, Denise Sardinha; ARAÚJO, Cláudio Soares. Aptidão física, saúde e qualidade de vida relacionada à saúde em adultos. Revista Brasileira de Medicina no Esporte, v. 6, n. 5, set./out. 2000. BOUCHARD, Claude; SHEPHARD, Roy; STEPHENS, T. Physical activity, fitness and health: internacional proceedings and consensus statement. Champaign, Illinois: Human Kinetics Publishers, 1994. CARNAVAL, Paulo Eduardo. Medida e avaliação em ciências do esporte. 4. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2000. DANTAS, Estélio M. A prática da preparação física. 5. ed. Rio de Janeiro: Shape, 2003. FERNANDES FILHO, José. A prática da avaliação física: testes medidas e avaliação física em escolares, atletas e academias de ginástica. 2. ed. Rio de Janeiro: Shape, 2003.

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FRAÇÃO, Viviane et al. Efeito do treinamento na aptidão física da bailarina clássica. Revista Movimento, v. 5, n. 11, p. 3-14, 1999. GIAM, C. K.; TEH, K. C. Medicina esportiva: exercícios para aptidão física: um guia para todos. São Paulo: Santos, 1989. GREGO, Lia Geraldo et al. Aptidão física e saúde de praticantes de dança e de escolares. Salusvita, Bauru, v. 25, n. 2, p. 81-96, 2006. LEAL, M. A preparação física na dança. Rio de Janeiro: Sprint, 1998. LOMBARDI, V.P. Beginning weight training: the safe and effective way. Dubuque, IA: Brown, 1989. MORROW JÚNIOR, James et al. Medida e avaliação do desempenho humano. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. NANNI, Dionísia. Dança educação: princípios, métodos e técnicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Sprint, 1998. NEVES, Carlos Eduardo Brasil; SANTOS, Edil. Avaliação funcional. Rio de Janeiro: Sprint, 2003. NISHIOKA, Graziele; DANTAS, Paulo; FERNANDES FILHO, José. Perfil dermatoglífico, somatotípico e das qualidades físicas básicas dos bailarinos bolsistas do Centro de Movimento Deborah Colker. Fitness e Performance, v. 6, n. 5, p. 331-7, set./out. 2007. PARNIANPOUR, Mohamad et al. The normative database for the quantitative trunk performance of female dancers: isometric and dynamic trunk strength and endurance. Medical. Problems of Performing Artists, v. 9, n. 6, 1994. PEREIRA, Maurício Gomes. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. PRATI, Sérgio; PRATI, Alessandra. Níveis de aptidão física e análise de tendências posturais em bailarinas clássicas. Revista Brasileira de Cineantropometria do Desempenho Humano, v. 8, n.1, p. 80-87, 2006. PROGRAMA CIÊNCIAS E ARTES DO CORPO. Universidade de Caxias do Sul, 2009. ROBERGS, Robert; ROBERTS, Scott. O. Princípios fundamentais de fisiologia do exercício: para aptidão, desempenho e saúde. São Paulo: Phorte, 2002. ROBERTSON, Karen. Principles of dance training. In: CLARKSON, Priscilla; SKRINAR, Margaret. Science of dance training. Champaign: Human Kinetics, 1988. SILVA, Aline; BONORINO, Kelly. IMC e flexibilidade de bailarinas de dança contemporânea e ballet clássico. Fitness and Performance Journal, v. 7, p. 48-51, 2008. UCHIDA, M. C. Manual de musculação: uma abordagem teórico-prática do treinamento de força. 4. ed. São Paulo: Phorte, 2006. WESTBLAD Par; TSAI-FELLANDER, Li; JOHANSSON, Christer. Eccentric and concentric knee extensor muscle performance in professional ballet dancers. Clinical Journal of Sport Medicine, Calgary, v. 5, n.1, p.48-52, jan. 1995. Recebido em 10 de fevereiro de 2011. Aprovado em 30 de abril de 2011.

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Las escuelas primarias caxienses y los contenidos de la educación física:

los primeros documentos escritos

Gerard Maurício Martins Fonseca* — María Eugenia Martínez Gorroño** Resumen: La investigación presenta como objetivo rescatar los documentos que identifican el inicio de las prácticas de Educación Física en las escuelas municipales de la ciudad de Caxias do Sul así como sus objetivos. El trabajo parte del análisis de los primeros documentos oficiales escritos a cerca de la Educación Física en los centros educativos municipales. En ellos hemos identificado la influencia de la ideologia del primer gobierno de Getulio Vargas, principalmente del Estado Nuevo sobre la Educación Física en las escuelas primarias municipales. Los documentos analizados reflejan claramente el ideario político hacia la construcción de un nuevo pais, basado en los principios nacionalistas e higienistas. Palabras clave: Historia. Estado Nuevo. Educación. Educación Física Primaria.

The public schools from Caxias do Sul and the physical education’s subjects: the first discoveries written

Abstract: This work looks indentify the Physical Education classes appearance in the Caxias do Sul’s public schools, as well as its objective. The work does an analysis of the first official document written about the Physical Education in public schools. This analysis clearly shows the influence of the Vargas’ government ideology “Estado Novo” (New State) about the Physical Education in the city’s public schools. The document clearly reflects the politic ideas of that time aiming at the construction of a new nation based on the nationalist principles with a higienism. Keywords: History. “Estado Novo”. Education. Primary Physical Education.

* Professor na Universidade de Caxias do Sul e da Prefeitura Municipal de Caxias do Sul. É especialista em Ciências do Esporte (UNTABC), Mestre em Ciências do Movimento Humano (UFRGS) e Doutor em Ciencias de la Actividad Física y Deporte pela Universidad Autónoma de Madrid. Sua linha de pesquisa está relacionada com a história da Educação e do Esporte, num enfoque mais relacionado aos estudos da história local e do tempo presente. ** Doutora em História, é professora no programa de doutorado em Ciencias de la Actividad Fisica y del Deporte do Departamento de Educación Física, Deporte y Motricidad Humana da Facultad de Formación del Profesorado y Educación da Universidad Autónoma de Madrid . É diretora do Centro de Estudios Olímpicos da Universidad Autónoma de Madrid e membro da International Society of the History of Phisical Education and Sport (ISHPES). Sua linha de investigação está relacionada com a história da atividade física e do esporte.

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As escolas municipais caxienses e os conteúdos da educação física: os primeiros documentos escritos

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo resgatar os documentos que identificam o começo e os objetivos das aulas de Educação Física nas escolas municipais de Caxias do Sul. O trabalho analisa os primeiros documentos oficiais escritos sobre a Educação Física nas escolas municipais. Identificamos a influência da ideologia do primeiro governo de Getúlio Vargas, principalmente durante o Estado Novo sobre a Educação Física nas escolas municipais. Os documentos analisados correspondem a ideologia política na busca da construção de um novo pais, apoiado nos princípios nacionalistas e higienistas. Palavras-chave: História. Estado Novo. Educação. Educação Física. Introducción

La red municipal1 de centros docentes es la más antigua de todas las estructuras de enseñanza en la comunidad de Caxias do Sul, con más de un siglo de existencia, y así, desde 1898 se documentan, en el espacio geográfico correspondiente a la ciudad, escuelas dependientes y de responsabilidad del Ayuntamiento impartiendo enseñanzas. Por otra parte, y además, en la actualidad el grupo de escuelas municipales acoge la mayor parte de la población escolar que cursa las enseñanzas primaria y secundaria en la zona.

El objetivo del presente trabajo fue rescatar los primeros documentos escritos a través de la identificación y el análisis de los hechos que han determinado los inicios de las prácticas de Educación Física en las escuelas municipales caxienses. Así, centramos el presente trabajo monográfico en la búsqueda de las primeras informaciones y fuentes escritas acerca de la Educación Física en las escuelas municipales de enseñanza primaria, en la ciudad de Caxias do Sul.

Hemos utilizado el método de investigación histórica que se caracteriza como un abordaje sistémico de identificación, búsqueda y recogida de fuentes, seguido por la organización y evaluación de dichas fuentes y la estructuración de los datos que pueden proporcionar y que son relevantes en relación con el pasado.

1 En la ciudad de Caxias do Sul la enseñanza primaria y secundaria está bajo la responsabilidad de tres redes de enseñanza, la municipal bajo la responsabilidad del Ayuntamiento, la estatal bajo la responsabilidad de la Provincia y la red privada bajo la responsabilidad de la Iglesia y de empresarios.

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Para esto, sabemos que algunas etapas son muy importantes en el proceso que implica una investigación histórica, que de manera general y primera son la búsqueda de las informaciones, para después hacer una evaluación crítica de las mismas y por fin la presentación de los hechos, con su interpretación, los resultados y conclusiones.

Respecto a nuestra investigación que resultó en este monográfico, intentamos establecer un método de trabajo que posibilitó responder de una manera clara y lo más exacta posible, a las indagaciones y los objetivos propuestos. De esta manera, utilizamos la búsqueda de fuentes primarias para lograr nuestros objetivos.

La fuente primaria por definición es la fuente original, que se puede considerar como algo de primera mano. Según destaca Martins Filho (2005, p. 47) la fuente primaria “es un registro directo hecho en el periodo investigado. Son los registros reales que han sobrevivido del pasado”. Añadiendo algo más a estos conceptos, encontramos las ideas de Negrine (1998, p. 8), que señala que “las fuentes primarias son los mejores hallazgos disponibles para el análisis y en este sentido, los criterios para su elección deben ser hechos con cuidado y por orden de importancia”. Estas consideraciones nos han acompañado en el esfuerzo de investigación que ha supuesto este trabajo y han estado presentes al momento de establecer las formas de trabajo con las fuentes primarias, toda vez que hemos buscado una correcta orientación metodológica de nuestro estudio en el ámbito de la historia de la Educación Física en las escuelas municipales de la ciudad de Caxias do Sul.

Igualmente el trabajo está mediatizado metodológicamente por sus circunstancias de tratarse de una Historia del Tiempo Presente y hace referencia a una Historia local. (MARTINS FILHO, 2005). Por su originalidad alcanza una significativa relevancia en la recuperación y construcción de la memoria colectiva local, contribuyendo a la creación y al rescate de una identidad cultural colectiva con respecto a la Educación Física caxiense y su preservación. El citado empeño nos ha llevado a la búsqueda de fuentes primarias y a la estructuración de un proceso investigador sobre el surgimiento de las primeras manifestaciones de la Educación Física en las referidas escuelas, según las premisas y orientaciones metodológicas propuestas por Sánchez (1995).

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Las etapas del proceso metodológico fueron las siguientes: en primer lugar se llevó a cabo un proceso de búsqueda y definición de las fuentes; a continuación se procedió a la recogida de la información y datos contenidos en ellas; y, por último, se trabajó en el análisis, contraste y discusión de los datos obtenidos, para posteriormente elaborar las conclusiones.

En la primera fase de la investigación se procedió a la búsqueda de las fuentes escritas que nos aportaran los primeros datos y nos permitieran la recogida de las informaciones relativas del inicio de las prácticas de la Educación Física en las escuelas municipales de la ciudad. Iniciamos esta parte en los archivos de la Consejería de Educación del Municipio, en la Biblioteca Central de la ciudad y en el Archivo Histórico Municipal. En este último archivo pudimos localizar dos documentos de significativo interés para nuestro objeto de estudio, ya que hacen referencia a los contenidos de la enseñanza primaria que deben ser impartidos en la ciudad. El primero corresponde al año 1936 y el segundo a 1943.

Por otra parte, y simultáneamente también iniciamos un trabajo de búsqueda a partir de las fuentes hemerográficas; intentando localizar en la prensa, las primeras referencias escritas relativas a nuestro objeto de estudio. Cabe destacar que esta búsqueda resultó infructuosa, pues con excepción y, salvo algunas notas hablando de la educación en general en los periódicos locales de la época, no encontramos ninguna información relevante para el trabajo.

Como ya hemos destacado, respecto a la Educación Física en las escuelas municipales no hemos encontrado ningún registro oficial o referencia bibliográfica de su presencia antes de los años 30. En el referido período Caxias do Sul tenía 92 escuelas municipales, todas ubicadas en la zona rural. (DALLA VECCHIA; HERÉDIA, RAMOS, 1998). Cada una de las escuelas tenía solamente un profesor, quien era responsable de las clases y de la organización del referido centro de enseñanza. De manera administrativa, para determinar los rumbos de la educación en las escuelas primarias, el Ayuntamiento tenía el Servicio de Inspección Escolar Primaria cuyo objetivo era hacer la orientación del trabajo de los profesores y sus respectivas escuelas. Nuestras búsquedas e investigaciones no nos han posibilitado determinar con exactitud la fecha del inicio de la enseñanza de la

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Educación Física en las escuelas de enseñanza primaria de la ciudad, pero todo lleva a creer que las prácticas de la Educación Física fueron añadidas a los contenidos de las escuelas municipales de Caxias do Sul, en torno a los inicios de los años 30, coincidiendo con la llegada de Getúlio Vargas a la presidencia del país y como consecuencia de la implantación de su ideario en la educación brasileña.

Ya en el año 1928, cuando Getulio Vargas todavía era el presidente de la provincia del Rio Grande do Sul se incluyó un programa de actividades de gimnástica en las escuelas complementares y los centros de enseñanza bajo la responsabilidad de la provincia, según aporta Piccoli (1994). Pero, no había una determinación concreta para las escuelas municipales, quedando los Alcaldes en la libertad de determinar los contenidos y asignaturas para los centros educativos bajo su responsabilidad.

Aunque no había una legislación específica para los municipios, en aquel periodo la Educación Física en las escuelas primarias de Caxias do Sul estaba mezclada con los hábitos de la higiene y del civismo aspectos que se identifican claramente con la ideología del gobierno de Getúlio Vargas centrada en las ideas nacionalisitas e higienistas. Estos preceptos están marcadamente presentes en el contenido de la primera Ley del municipio que hace referencia a la Educación Física. Así, los primeros registros dan cuenta de la documentación del gobierno municipal del Alcalde Dante Marcucci ocurrido entre los años 1935 y 1947.

La determinación de una directriz municipal para las escuelas, en aquella época, puede ser considerado como un avance, pues de acuerdo con Zotti (2004) aunque el gobierno Vargas utilizó la educación para lograr sus propósitos, hasta el final de aquella etapa la enseñanza primaria en el Brasil carecía de unas directrices nacionales, lo que reflejaba la falta de interés del gobierno por la educación primaria bajo la responsabilidad de los Ayuntamientos. La preocupación del gobierno nacional se centró principalmente en la enseñanza secundaria, etapa educativa que se pretendía que permitiera transformar el país de agrícola a industrial. De esta manera la educación primaria quedó en manos de las provincias y de las ciudades.

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Así, en la referida administración fueron determinadas oficialmente las directrices de la Instrucción Pública municipal, a través del Decreto-ley nº 8 de 24 de abril del año 1936 y de los respectivos planes de estudio para las escuelas municipales. El primero fue llamado de “Planes oficiales de estudio para las escuelas rurales del municipio”, y fue seguido años más tarde por una actualización de los referidos planes, que a su vez fue llamado de “Plan de enseñanza para las escuelas municipales, que se desarrolló a través del Decreto-ley nº 43 de 22 de noviembre de 1943. El Decreto-Ley nº 8 de 24 de abril de 1936 y el respectivo proyecto educativo

El Decreto-ley nº 8 datado de 24 de abril de 1936 hacía referencia a la nueva estructura que debería ser implantada en el municipio y determinó la creación de un Proyecto Educativo para las escuelas municipales, que en aquel periodo estaban todas ubicadas en la zona rural. Precisamente, este Decreto-ley solamente determinaba una directriz hacia la formación de los estudiantes de las escuelas primarias de la ciudad. La descripción de las asignaturas y la explicación de los contenidos y otros temas importantes en la formación estaban bajo las orientaciones del Proyecto Educativo para las escuelas rurales del municipio. El referido Proyecto Educativo fue presentado en forma de un pequeño libro impreso por una empresa editora local y que fue distribuido para todas las profesoras de las escuelas municipales y para otras autoridades del municipio.

Más que determinar la postura de profesores y alumnos, a través del cumplimiento de las directrices determinadas en el referido documento, en él se manifestaban los primeros indicios de la organización en las escuelas municipales. El documento, aunque estuviera firmado por el Alcalde Dante Marcucci, seguramente fue elaborado por otras personas, quedando de esta manera anónima la identificación de la autoría de su redacción.2 Hay que señalar la

2 En el año de 1936, la profesora Ester Troian Benvenutti substituyó el señor Santo Ceroni en la función del Inspector de Enseñanza. Creemos que esta profesora tuvo una participación muy importante en la organización y redacción de los referidos planes, aunque no hemos encontrado ningún documento escrito que lo corrobore.

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particularidad del referido documento, que comprendía la base educativa y cultural futura de la ciudad, ya que establecía un conjunto de asignaturas y contenidos, además de normas para las prácticas educativas cotidianas de los profesores en las escuelas municipales.

Los objetivos para el Proyecto Educativo eran muy amplios, pues preveían la preparación del los niños, no solamente para una vida fuera de la escuela, sino también para organizar su vida de acuerdo con las reglas y la ideología del gobierno. Las asignaturas y sus contenidos transcendían mucho más que solamente prever el aprendizaje intelectual de los alumnos. A ellos se añadieron otros argumentos como normas de disciplina, comportamientos, establecimiento de obligaciones para los alumnos y para los profesores, además de señalar muy expresamente los aspectos relativos a la moral y al civismo dentro del aprendizaje de los alumnos.

Podemos decir que el Proyecto Educativo “iba más allá de los muros de las escuelas”, intentando crear un tipo de cultura para la vida en sociedad. De esta manera, podemos afirmar que el gobierno intentaba además de desarrollar los contenidos tradicionales y necesarios para la vida cotidiana, igualmente buscaba escolarizar su ideología, transformando sus objetivos en asignaturas escolares. En este sentido, cuando señalan la importancia de las asignaturas escolares en la formación de los individuos Souza Junior y Galvão (2005, p.405) señalan que “comprender mejor como un saber se escolariza en determinados momentos de la historia ciertamente ayuda a la comprensión del papel desempeñado por la escuela a lo largo de la historia”.

Con el Proyecto Educativo de 1936 se puede comprender una parte de la vida escolar de aquel momento histórico vivido por la ciudad. Por medio del documento conocemos las características metodológicas, de la organización las clases y de la distribución de las asignaturas y contenidos.

El nuevo modelo de educación que se presentaba en el Proyecto Educativo de las escuelas primarias municipales de la ciudad, pautado en las ideas del gobierno Vargas, no solamente amplió la participación de otras disciplinas, sino de otras áreas de conocimiento y también de otras actividades, como las relacionadas con la moral y el civismo, además del canto. La influencia del pensamiento médico y de los

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métodos gimnásticos europeos, muy presentes en la Educación Física brasileña, especialmente en el centro del país, propiciaron principalmente la valoración de la actividades relacionadas con la educación del cuerpo, o sea, la higiene. La salud fue un tema destacado en las discusiones educativas del periodo, acercando médicos y educadores en las proposiciones pedagógicas para la Educación Física. (SOARES, 2006). Se pensaba en la formación integral del individuo, educando su cuerpo para que pudiera cumplir con el deber con la patria y con el desarrollo del país.

Según el citado documento, la formación de los alumnos, por medio de los respectivos contenidos y asignaturas que iban a ser desarrollados en todas las escuelas municipales, fue organizada para los 4 primeros años escolares. A su vez, las asignaturas en los cuatro años fueron las mismas, y las modificaciones estaban esencialmente en la profundidad de algunos contenidos.

En relación con la Educación Física, ya podemos afirmar que en aquel momento histórico el niño era entendido, como un ser biológico y político. De esta manera es posible comprender de forma más amplia, la proximidad de las ideas del pensamiento higienista y disciplinante del gobierno y el pensamiento educativo. La escuela siempre ha sido el local apropiado para la educación de los gestos, de los costumbres, además de cambiar hábitos y diseminar nuevos pensamientos y comportamientos (VAGO, 2002). De esta manera, los planes de estudio atendían a los objetivos políticos y educativos del periodo. En el contexto de la Educación Física municipal, podemos afirmar que los Proyectos Educativos fueron las referencias históricas más importantes para la comprensión y la reconstrucción del proceso histórico de la citada asignatura en las escuelas municipales.

Respecto a los contenidos de la educación primaria en el año 1936, debemos incidir en que ese nivel estaba estructurado en 4 años, como ya hemos señalado anteriormente. Se establecía que deberían ser desarrolladas asignaturas referentes al Lenguaje, la Aritmética, la Geometría, las lecciones de las Ciencias Naturales, la Higiene, la Geografía, la Historia, la Instrucción Cívica, la Instrucción Moral, el Canto y la Religión. Es necesario también apuntar que a excepción de la asignatura de Redacción, que además del lenguaje fue añadida a los planes de estudio en el 4º año, las demás asignaturas se mantuvieron

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constantes. Lo que cambió, como ya hemos apuntado anteriormente, fueron los contenidos que a lo largo de los años presentaron algunas modificaciones, y a los que se agregaron algunos puntos o temas más específicos.

Respecto a la Educación Física o gimnástica, esta materia no estaba contemplada como una asignatura formal, diferentemente de lo que ocurrió en muchas escuelas primarias en el centro del país. (VAGO, 2002; ABREU JUNIOR, 2004). Pero su inserción estaba garantizada por las descripciones de algunos de los contenidos contemplados en el Proyecto Educativo.

Con respecto a este aspecto, nos parece interesante hacer un análisis de ciertos puntos más específicos del Proyecto Educativo del año 1936, que por su contenido refleja muy claramente las directrices de la educación nacional, y a través de los cuales queda patente su influencia en la educación municipal, principalmente en lo que se refiere a la enseñanza primaria y a la Educación Física.

A parte de la ideología, se puede decir que los objetivos de la educación primaria en las escuelas municipales de la ciudad, iban un poco allá de lo que era solamente la enseñanza y aprendizaje de la lectura, escrita y de los cálculos. Hubo una preocupación por el aprendizaje de conocimientos útiles para la vida en sociedad y por la preocupación hacia el conocimiento del mundo del trabajo más urbano y como consecuencia alejado del medio rural, con la perspectiva de que aquel iba a ser el destino laboral de muchos de los jóvenes estudiantes. Así la preparación de su cuerpo parecía algo muy importante, pues el trabajo demanda esfuerzo físico, resistencia, o sea, buena salud.

Con respecto a esta relación entre la educación y la salud en el gobierno Vargas, la autora Carvalho (1997) señala que la escuela pasó a tener la función de organizar la base para el trabajo en el ámbito nacional, “civilizando” a la población brasileña, compuesta esencialmente por indios, negros, mestizos e incluso inmigrantes. Ellos deberían ser el componente humano, la fuerza de trabajo, en el camino para el progreso. En la ciudad de Caxias do Sul la realidad no fue muy distinta, pues la ciudad, aunque colonizada por inmigrantes italianos, tenía entre sus vecinos muchos mestizos, negros y sus descendientes. Con la urbanización, la cantidad de personas que no eran de origen

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italiano creció mucho y especialmente con el desarrollo de la ciudad a partir de la llegada del tren en el año 1910.

Así, se pensaba que a partir de la educación de lo físico, se iban se insertar hábitos sanos de vida y de trabajo. Es decir, las diferentes áreas ligadas a la formación del nuevo hombre brasileño se relacionaban. Salud, educación y moral, influenciaban una en otra, es decir, había una red de dependencias e influencias. Con los hábitos sanos se iba a desarrollar la moral, pues una vida virtuosa era saludable y la moral y la salud eran condiciones de hábitos del trabajo. De esta manera, una vida con labor era una vida esencialmente con moral y con salud. Carvalho (1997) hace una afirmación interesante que posibilita la interpretación muy clara de los planes de estudio y las relaciones entre las diferentes asignaturas y sus contenidos, sobre los objetivos “invisibles” de los contenidos de los planes de estudio de las escuelas primarias municipales, que en la actualidad han venido denominándose “currículum oculto”. Según la autora brasileña antes citada

En el proyecto nacional, la educación era especialmente valorada como dispositivo capaz de garantizar el orden sin la necesidad del uso de la fuerza y de medidas restrictivas, además de crear la disciplina consciente y voluntaria, y no solamente automática y pavorosa. (CARVALHO, 1997, p. 284).

El comportamiento de los alumnos iba a ser forjado en las clases,

poquito a poco. Los estudiantes de esta manera se iban ajustando a las condiciones impuestas por la escuela y extensivamente por la sociedad. Aquí ciertamente la gimnastica fue utilizada como un instrumento de apoyo para lograr estos objetivos. Pues, los ejercicios físicos, principalmente las estructuras calisténicas de las clases basadas en el Método Francés desarrollaban la idea general de organización de orden en columnas y filas, la sincronía, el vigor, y principalmente de disciplina y la obediencia.

Seguramente los objetivos municipales tenían la misma base, ya que con relación a la asignatura de Instrucción Cívica, marcados para el segundo año de primaria, en la página 4 del libro del Ayuntamiento que contiene el Proyecto Educativo de 1936, estaba determinado que los contenidos deberían presentar:

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Nociones concretas del gobierno, teniendo como ejemplo la familia y la escuela. Principios de la autoridad del municipio…la profesora inducirá a los alumnos a recordar y señalar las cosas normales y corrientes de la vida en el hogar; la obediencia que los hijos deben a los padres para que el orden sea frecuente en la familia; las costes de la alimentación, vestuario y otras cosas, que son costes que los padres pagan con el dinero que cobran por su trabajo. La actividad de cultivo en la tierra, que el jefe de la familia dirige y los demás componentes ejecutan. La organización de una fabrica. El patrón y los empleados. La necesidad de la instrucción (educación). (PREFEITURA MUNICIPAL, 1936, p. 4).

Aquí tenemos otra vez un ejemplo muy claro de que los

contenidos que se incluían como preceptos de la educación primaria de la ciudad mostraban un total paralelismo con la orientación ideológica y los centros de interés establecidos como prioritarios en la ideología del gobierno nacional, y atendían a todos los preceptos ideológicos que marcaba la orientación que Getúlio Vargas pretendía dar como directrices al país. Es decir, la autoridad, la obediencia a los padres, a los maestros y a las autoridades. El cumplimiento de las obligaciones, como estudiante y como componente de la sociedad estaba muy claro en los objetivos de estos contenidos. La disciplina, a través de la obediencia era la característica principal. “Generosidad, auxilio a los necesitados. Paciencia para soportar con buena voluntad las reprimendas en el hogar y en la escuela”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1936, p. 5). Al mismo tiempo señalaba que la profesora debería vigilar la conducta de los alumnos exigiéndoles maneras de buena educación.

Los conocimientos de la asignatura de Instrucción Cívica también iban orientados hacia el aprendizaje de los rituales de las celebraciones. En ellos están presentes los himnos cuyo contenido se utilizaba para comprender el significado de las fechas conmemorativas, procurando incitar y potenciar en los niños, el sentimiento nacional y el amor a la patria, la marca principal del gobierno de Getulio Vargas. En este sentido, la preparación para los desfiles cívicos fue una de las atribuciones de la Educación Física, con la enseñanza de la marcha, de las columnas, filas, etc.

Otro aspecto de esa parte del Proyecto Educativo, que desde nuestro punto de vista también demuestra la dirección ideológica, está en el hecho de que la enseñanza de los contenidos de Canto se

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muestre solamente dirigido al aprendizaje del Himno Nacional; es decir a la memorización de la letra y melodía de éste, y no a la enseñanza del canto como arte, música o como manifestación cultural. Queda muy claro el objetivo del aprendizaje del Himno para las solemnidades cívicas, muy frecuentes en aquel periodo, en las que se buscaba desarrollar el sentimiento cívico y el amor el país.

En el Proyecto Educativo del año 1936, precisamente acerca de los contenidos de la asignatura de Higiene, hemos encontrado en la página 10 del Decreto-ley, orientaciones hacia la higiene corporal, recomendando que los alumnos deberían tener “aseo en el cuerpo, en la ropa y en el hogar. Necesidad de ducharse. Cuidado relativo a la boca y a los dientes”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1936, p.4). En otra parte, señalaba que los niños deberían tener aseo en el hogar y en el trabajo. Queda muy clara la idea de que los niños que frecuentaban las escuelas primarias municipales, no debían contar con buenos hábitos al respecto y por supuesto no recibían de sus padres una educación para ello.

La constatación estaba basada en la realidad, pues la vida en la zona rural de la ciudad era muy dura, con pocas condiciones de confortabilidad en la que era frecuente la falta de electricidad y de un sistema de canales con zanjas y cañerías para el agua llegase hasta las viviendas. El agua era sacada de los riachuelos y de los pozos, de esta manera las condiciones de higiene eran pocas. Esta es una consideración de central importancia, ya que casi la totalidad de los niños en aquel periodo y en aquella zona, no tenían en sus hogares los medios necesarios para mantener una buena higiene y por en consecuencia una buena salud. Así, más una vez, la escuela se consolidaba como el local ideal para el desarrollo de los aspectos higiénicos y físicos de los alumnos.

Creemos que estos aspectos aclaran una de las razones del uso que se hizo de la escuela como uno de los soportes del desarrollo de los programas de educación e higienización de los cuerpos de los niños. Hay que añadir que como la totalidad de las escuelas primarias municipales estaban ubicadas fuera del centro de la ciudad, la manera de mejorar la salud del pueblo iba a depender principalmente de la escuela y de las informaciones transmitidas por ella a través de los estudiantes.

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Como ya vimos, la extrapolación de los conocimientos construidos en la escuela hacia la sociedad era el objetivo principal de los planes de estudio del Ayuntamiento en el año 1936, lo que reflejada el mismo pensamiento nacional. En aquel momento, según Marcassa (1999, p.84) “existía la creencia de que a través de la multiplicación de los centros educativos y por la diseminación de la enseñanza primaria, iba a ser posible incorporar grandes cantidades de la población a los objetivos del desarrollo nacional”. En las discusiones pedagógicas existía la idea de que las alteraciones logradas en el comportamiento de los alumnos dentro de las escuelas, basadas en la doctrinas del gobierno, iban a proporcionar la verdadera formación del nuevo hombre brasileño, tan necesaria para la transformación del país.

El texto del Proyecto Educativo refleja muy bien esta idea que ahora apuntamos cuando señala que las funciones del profesorado

[…] deberían elevar el sentimiento cívico, haciendo que el alumno comprenda que la nación más fuerte será aquella que posea hijos fuertes, demostrando el valor de la higiene en la salud y en la vida del hombre. Mostrar el horror de la inferioridad del hombre viciado en la sociedad. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1936, p. 11).

Aunque esta parte del contenido esté en la asignatura de Higiene,

hay una relación directa con la construcción y desarrollo de los contenidos de Educación Física. Aunque el vocablo gimnasia o Educación Física no esté explícitamente colocado en el texto del Proyecto Educativo, no quedan dudas de que para lograr un cuerpo fuerte y con salud, los ejercicios físicos son fundamentales.

Sin embargo, la constatación documental de que la Educación Física a través de la gimnasia formaba parte de los contenidos de las clases en las escuelas primarias municipales a inicios de los años 30 está en una carta enviada por una profesora de primaria al Ayuntamiento de la ciudad, dirigida al alcalde Dante Marcucci, en el año 1936. La carta escrita por la profesora Maria José Martins, el día 10 de abril del citado año, expone sus preocupaciones en la función de responsable de la educación de los niños. El citado documento señala los problemas físicos y materiales presentados por la escuela, pero en una parte hace referencia a problemas de orden pedagógico. Así la citada carta hacia una solicitud para: “que las alumnas vengan a las

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clases de uniforme y los alumnos siempre bien limpios. El uniforme es muy importante, pues no se hace distinción si estos niños van a trabajar o si van a la escuela. Además para el desfile cívico, para la gimnasia, etc.”. (MARTINS, 1936, p.1).

El análisis de este documento, nos permite tener una prueba indiscutible de la inserción y presencia de la gimnasia en las clases y principalmente de la utilización del uniforme para las referidas prácticas, reflejando ya una idea de organización, disciplina y de la orientación hacia un comportamiento igual entre todos, pues el uso del uniforme tenía ese objetivo.

Entendemos que la Educación Física como parte de los contenidos de la asignatura de Higiene, expresaban concretamente los cuidados que los niños deberían presentar en lo que respecta a sus cuerpos, que además de sanos deberían ser productivos para la sociedad. Los preceptos higienistas de las escuelas primarias brasileñas iban a conseguir además de una limpieza en los cuerpos de los niños, rescatarlos de la fragilidad y al final modificarlos en cuerpos sanos, bellos y fuertes (VAGO, 2002), pues la enseñanza primaria fue basada en ideales de una racionalidad científica que transitaba por el Brasil, a través de los higienistas. De esta manera, la escuela, en aquel momento histórico, fue proyectada como una institución capaz de introducir en los niños maneras y hábitos mejores, asumiendo costumbres distintas de aquellas que los niños estaban acostumbrados hasta entonces.

Así, podemos afirmar que la Educación Física estaba contemplada en los contenidos de las clases de la enseñanza primaria en las escuelas municipales de la ciudad de Caxias do Sul. Seguramente, la higiene corporal además de otros cuidados, determinaba la realización de actividades prácticas de Educación Física, entre ellas, seguramente la gimnasia, basada en el método de Francés de Francisco Amorós que como ya hemos mencionado, se hizo oficial en la educación brasileña en aquel periodo.

Tocaría pues así a la Educación Física (gimnasia), dentro de los contenidos de la higiene, un papel muy importante en la incorporación de nuevos hábitos de vida, como las prácticas de ejercicios físicos y del desarrollo de la moral, de la disciplina y del amor a la patria. Así, fue en esa asignatura de Higiene y sus contenidos que la Educación Física fue insertada en las escuelas primarias municipales. Creemos que fue,

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sin duda, el momento inicial de su enraizamiento en el currículo escolar de los referidos centros de enseñanza. En suma, a los contenidos tradicionales se agregó casi un código disciplinar, que creaba normas principalmente para los comportamientos de los alumnos, pero también regulaba la acción docente, además de imponer la obediencia a los preceptos higiénicos y los valores cívicos y morales. El Decreto-Ley Nº 43 de 22 de noviembre de 1943 y el respectivo proyecto educativo

El Proyecto Educativo del año 1943, igualmente al de 1936 estaba apoyado en las ideas higienistas difundidas por todo el país a finales del siglo XIX y comienzos del siglo XX traídas de Europa con base en los métodos gimnásticos europeos (CASTELLANI FILHO, 1986; SOARES, 1994; GOIS JUNIOR; LOVISOLO, 2003) que pregonaban la disciplina del cuerpo, de la salud y de los hábitos sanos.

Este segundo documento que hemos encontrado, tiene mucha similitud con el Proyecto Educativo de 1936, con la misma estructura de enseñanza y con 4 años de escolaridad. Se puede decir que es una reedición de los planes de 1936. La diferencia básica está en la profundidad de los temas y contenidos, principalmente acerca de la Educación Física, objeto de nuestra investigación.

Seguramente las propuestas derivadas del Decreto-ley nº 43 de 22 de noviembre de 1943 posibilitaron un mejor control sobre las materias desarrolladas en las escuelas municipales, por parte del Ayuntamiento y del Servicio de Instrucción Escolar, entidad que corresponde actualmente a la Concejalía de Educación del Ayuntamiento. Los contenidos comprendían la enseñanza de la Matemática, del Lenguaje, que estaba dividido por la Escritura y la Caligrafía, además de la Composición, Gramática, Ortografía y Literatura. Igualmente formaban parte los contenidos, el Dibujo, las Artes y la enseñanza de la música, pero limitada solamente al aprendizaje de los himnos. Luego estaban también los contenidos de Estudios Sociales, que comprendían la Geografía, Historia e Higiene y por último los contenidos relativos a la Moral y Civismo.

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Las modificaciones y actualizaciones de los planes de estudio contemplaban y desarrollaban las ideas educativas nacionalistas del gobierno de Getúlio Vargas, principalmente en aquel momento en el que ya se vivía una nueva etapa, el Estado Nuevo, periodo en el que se intensificaron las acciones para implantar más sólidamente su ideología. Las asignaturas de Higiene y de Moral y Civismo tenían una participación muy importante en la obtención de los objetivos educativos.

Así podemos ver reflejado en su planteamiento de base la utilización de la Educación Física como un instrumento para establecer la referida ideología, principalmente en las escuelas, una vez que ella tenía participación en las dos áreas. De esta forma podemos leer, en el Proyecto Educativo, entre los conocimientos relativos a la Higiene, que están añadidos los conceptos de Educación Física, y de Moral y Civismo, además de los contenidos tradicionales, se destacan otros temas como que: “Todo el trabajo escolar debe poner atención a la formación de buenos hábitos de higiene y no se permite olvidar el cuidado en la formación de la conciencia moral y cívica”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p. 32). En este punto se percibe un cambio muy significativo con los mismos contenidos propuestos por los planes de 1936, en los que se puede interpretar la relación de la higiene, no sólo como algo relativo al cuerpo físico, sino como algo relacionado con el carácter y el comportamiento de los individuos, creando así una relación de interdependencia, o incluso de superposición, entre las asignaturas de Higiene y de Moral y Civismo.

En el libro del Proyecto Educativo del año de 1943, el texto hacía más de una referencia a la importancia de las actividades para el desarrollo de la Educación Física, relacionándola con la higiene y la salud, señalando que…”El ejercicio metódico hecho sin exageración, porque toda la demasía es perjudicial, fortalece y curte” (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p.40). Aquí se puede observar que además de los beneficios físicos de la práctica de ejercicios corporales, la gimnasia, lo mismo que la Educación Física, se orientaba también hacia el desarrollo moral de los niños.

Sobre el mismo tema, el documento señala todavía que “no se deben perder ocasiones oportunas para la formación de hábitos deseables respecto a la moral, ya sea en lo que se refiere al civismo o a

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la higiene”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p.33). Esta parte en especial del texto estaba orientaba, desde nuestra perspectiva, a la creación de un ambiente de disciplina, orden y obediencia, que contribuyera a la tranquilidad y estabilidad social, que era uno de los objetivos del gobierno central. Así, el orden y la disciplina formando parte de los contenidos del currículum de la escuela se transmitían a la sociedad, que de forma consecuente iban hacia la construcción ideológica a partir de su desarrollo en los centros educativos conforme ya hemos señalado en las ideas de Carvalho (1997). Sin embargo, cabe señalar que los contenidos de disciplina, orden y obediencia en la educación, no eran exclusivos de la enseñanza primaria, sino que se desarrollaban principalmente en la enseñanza secundaria. (BETTI, 1991).

El análisis de este documento oficial del Ayuntamiento sobre la educación en la ciudad, refleja claramente la relación directa que presentaban las ideas del gobierno municipal y del gobierno nacional. En él está claramente reflejada la influencia de la ideología nacionalista e higienista del gobierno Vargas, a partir de las situaciones de enseñanza de la Educación Física en las escuelas municipales de la ciudad de Caxias do Sul, que se planteaban en las orientaciones del citado Proyecto Educativo. La educación presentaba como objetivo conseguir la transformación de los alumnos, imponiéndoles nuevos hábitos de vida, nuevos pensamientos. La ideología educativa que los referidos planes de estudio presentan estaba en total conformidad con la ideología del gobierno Vargas, en la que la educación se planteaba como el motor para la construcción de un nuevo hombre, que debía ser más fuerte y estar más sano, para formar y construir un nuevo país más desarrollado.

Respecto a la Educación Física (gimnasia), sus contenidos estaban relacionados con la asignatura de Higiene además de la Instrucción Moral y Cívica. La Educación Física debería, en su función, rescatar los cuerpos frágiles y flojos, transformándolos en cuerpos sanos, vigorosos, fuertes, determinados y disciplinados.

Era en el ambiente institucional de la escuela en el que las ideas del gobierno iban a fortalecerse a través del contenido del Decreto municipal y del Proyecto Educativo para las escuelas municipales. Respecto a eso, el documento destacaba que “la moral y el civismo deben ser vividas y su aprendizaje se producirá desde el primer

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momento a través de la vida diaria en la escuela”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p. 37).

Por otra parte, en los contenidos de Moral de Civismo, correspondientes al 4º año de primaria, aparece destacada una orientación hacia el profesorado que deja de relieve la relación entre la Educación Física y su posibilitad de control corporal y moral. La citada parte del Proyecto Educativo señala que:

Muchos y variados son los recursos que podemos utilizar para alcanzar los resultados de una buena educación. Sin embargo, las calidades personales de los alumnos y las ocasiones que se presentan deben plantear el trabajo del profesor. Los ejercicios físicos,3 las actitudes reverentes, el vencer ciertas pasiones como el odio, la venganza y la envidia. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p. 38).

Podemos ver en forma explícita como la práctica de las

actividades físicas en las clases de enseñanza primaria en las escuelas municipales aparece ya de manera muy clara en este documento de 1943. Además de la afirmación anterior, el documento señala en otro momento la importancia de la gimnástica, para la formación de los niños. Y así en otro párrafo destaca que “se hace indispensable llevar a los niños a la adquisición de hábitos higiénicos sanos…El cuerpo robusto y sano, además de más bonito, resiste más a los ataques que un organismo flaco”. (PREFEITURA MUNICIPAL, 1943, p. 40).

Así, de acuerdo con Hernández Álvarez (1996), puede comprobarse como en este período de la historia de Brasil, se puede verse patentes las afirmaciones de este autor cuando afirma: “cómo el currículo depende de las características de un sistema educativo determinado que lo define, y constituye en sí mismo, una construcción histórica y social que sitúa sus referentes en los elementos culturales del grupo social que lo elabora”. (HERNÁNDEZ ÁLVAREZ, 1996, p. 52).

Con respecto a los cuidados relativos a la higiene, el desarrollo de la moral y la práctica de la gimnasia, señalados en el documento, hemos tenido oportunidad de comprobar la extensión y la efectiva aplicación de aquellos principios básicos del gobierno Vargas en las actividades cotidianas de la escuela y en las prácticas educativas, a

3 Subrayado nuestro.

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partir de los registros fotográficos existentes de aquel periodo, y más concretamente, a partir de fuentes gráficas que corresponden al final de la década de 30 e inicio de la década de los años 404. Ellas nos confirman cómo en el devenir de las escuelas de Caxias do Sul efectivamente la Educación Física era una parte muy importante del proyecto del gobierno municipal que a su vez, como ya hemos señalado, seguía las orientaciones del gobierno nacional.

Como ya hemos destacado, en el periodo histórico estudiado, las escuelas del Ayuntamiento estaban ubicadas en la zona rural5 de Caxias do Sul, pues la principal preocupación del gobierno municipal se centraba en la enseñanza primaria, principalmente de los hijos de los inmigrantes italianos que trabajaban en la agricultura y que llegaban a la ciudad en busca de mejores condiciones de vida y trabajo. Las circunstancias laborales y de subsistencia en la zona rural eran muy duras y la preocupación del profesorado, respecto a las cuestiones de la salud, como ya hemos dicho, se centraba en la educación de hábitos higiénicos básicos para desarrollar cuerpos sanos.

A manera de conclusión en esta parte, podemos afirmar que en las escuelas municipales de la ciudad el pensamiento higienista que orientaba la formación de los jóvenes se mostraba muy presente en la política de educación del gobierno municipal, que a su vez seguía las directrices del gobierno central del país. Las partes del citado plan de estudios que destacaban la Higiene y la Instrucción de la Moral y el Civismo, aunque no hicieran referencia directa a los contenidos, como gimnasia, juegos u otras prácticas corporales, muestra que la educación física ya tenía en las escuelas de enseñanza primaria bajo la responsabilidad del Ayuntamiento, un espacio para sus prácticas, y principalmente, presentaba una función bien determinada hacia el orden y la disciplina.

4 En el Archivo Histórico Municipal João Spadari Adami hemos encontrado varias fotografías que reflejan las prácticas de gimnasia en las clases de educación física en las escuelas rurales. 5 En el año de 1937 la red municipal de enseñanza poseía 79 escuelas, 90 profesores y 3522 alumnos, de acuerdo con Dalla Vechia, Herédia, Ramos (1998).

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Conclusión

De esta manera tras el análisis de los Proyectos Educativos de los años de 1936 y del año de 1943 tenemos una prueba indiscutible de la inserción de la Educación Física (gimnasia) en las clases de las escuelas primarias de la ciudad y principalmente de su utilización como instrumento para la implantación de la doctrina del Estado Nuevo, reflejando una buena potencialidad de salud y el desarrollo de un rasgo moral hacia la orden y la disciplina.

A través de los contenidos de los documentos que suponen nuestras fuentes, también podemos afirmar que el Método Francés, creado y desarrollado por el coronel español Francisco Amorós y Ondeano, subyace claramente presente en su orientación e ideología de los planteamientos. El método amorosiano, que fue oficializado en el país como método de enseñanza de Educación Física, alcanzó gran divulgación en los colegios en las décadas de los años 30 y 40, aunque no haya sido referenciado de manera explícita en los Proyectos Educativos objeto de nuestro análisis, puede constatarse a partir de la orientación de los mismos.

Los planes de estudio dejan patente que los profesores hacían todas las funciones necesarias para que las clases cumplieran su cometido. Además de enseñar diferentes contenidos a los niños de diversas edades, tenían la responsabilidad de transmitir a los alumnos unas enseñanzas acordes con las doctrinas del gobierno de Vargas. La escuela era juntamente con la capilla, y después con el campo de fútbol, los locales de reunión de los vecinos de cada comunidad.

Principalmente con el surgimiento del Estado Nuevo, en la segunda mitad de la Era Vargas, la Educación Física alcanzó más importancia en las escuelas municipales de Caxias do Sul teniendo un papel importante en la sustentación de las ideas del gobierno, que buscaba la construcción de un nuevo hombre para el desarrollo del país. Las clases de Educación Física, y la gimnasia esencialmente, se mostraban organizadas hacia los intereses ideológicos del gobierno. Sus métodos se orientaban especialmente a la formación de futuros trabajadores, ciudadanos disciplinados y obedientes que conformaran la base del orden del país. Las clases de gimnasia suponían una demostración de organización, vigor físico, belleza disciplinada y

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orden. Por otra parte, estos aspectos formaban el “currículo oculto” de las prácticas físicas, ligados y relacionados con la doctrina del gobierno brasileño, es decir, un gobierno fuerte, organizado, disciplinado, bueno, etc. Así, estos conceptos, que formaban parte de la ideología del Estado Nuevo en el periodo en que Getulio Vargas ostentaba la presidencia del país, se manifestaban presentes como base educativa en las escuelas municipales de Caxias do Sul. Referências ABREU JUNIOR, Laerthe. O caderno de recortes sobre educação do Diário Official do Estado de São Paulo: indícios de cultura material na Escola Primaria Dr. Jorge Tibiriça (1930-1947). Revista Brasileira de Historia, São Paulo, v.24, n.48, p.171-188, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882004000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 19 maio 2009. BETTI, Mauro. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. CARVALHO, Marta Maria. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. História social da infância no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 87-120, 1997. CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 1986. DALLA VECCHIA, Marisa Virgínia Formolo; HERÉDIA, Vania Beatriz Merlotti; RAMOS, Felisbela. Retratos de um saber: 100 anos de história da rede municipal de ensino em Caxias do Sul. Porto Alegre: EST, 1998. GOELLNER, Silvana. O método francês e a militarização da Educação Física na escola brasileira. In FERREIRA NETO, A. Pesquisa histórica na educação física brasileira. Vitória: UFES, 1996. P. 123-143. GÓIS JUNIOR, Edivaldo; LOVISOLO, Hugo. Descontinuidades e continuidades do movimento higienista no Brasil do século XX. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 25, n. 1, set. 2003, p. 41-54. Disponível em: http://www.rbceonline.org.br/revista/index.php/RBCE/article/view/172/181. Acesso em: 12 jun. 2009. HERNÁNDEZ ÁLVAREZ, Juan Luis. La construcción histórico-social de la Educación Física: El currículum de la LOGSE ¿Una nueva definición de la Educación Física escolar? Revista de Educación, Madrid, n. 311, p. 51-76, 1996. MARCASSA, Luciana. A Educação Física em face do projeto de modernização do Brasil. (1900-1930): as histórias que se contam. Pensar a prática, v. 3, p.82-95, 2000. MARTINS FILHO, Amilcar. Como escrever a história de sua cidade. Belo Horizonte: Instituto Amilcar Martins Filho, 2005. PICCOLI, João Carlos. A Educação Física na escola pública do Rio Grande do Sul: antecedentes históricos (1857-1984). Pelotas: UFPel, 1994. SÁNCHEZ, Julio. La investigación histórica: teoria y métodos. Barcelona: Crítica, 1995.

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“Os modernos methodos de ensino”: a criação dos cursos intensivos de Educação Physica na capital

sul-rio-grandense

Vanessa Bellani Lyra∗ — Janice Zarpellon Mazo∗∗ Resumo: A formação de professores de Educação Física no Rio Grande do Sul está inserida em um processo social, no qual a sociedade foi mobilizada para o alcance de finalidades que, antes mesmo de corresponderem as suas particularidades sociais, remetiam-se à consolidação de um novo Brasil, país que então emergia como organização política republicana. De tal modo, o objetivo central do estudo foi o de compreender como ocorreu a formação de professores de Educação Física no Estado do Rio Grande do Sul, via “Cursos Intensivos de Educação Physica”, estes programas emergenciais para a formação de mão de obra especializada. Para tanto, o reconhecimento e a validade de novas versões sobre nosso objeto de estudo, bem como a utilização de fontes que anunciem procedências e naturezas diversas são elementos que compõem uma forma particular de apropriação da História, da qual procuramos aqui nos aproximar: a História Cultural. Palavras-chave: História. Educação Física. Formação de professores.

“The modern method of education”: the creation of intensive Education

in Physic capital south river-grandense Abstract: Training teachers of Physical Education in Rio Grande do Sul are introduced into a social process in which society was mobilized for achieving ends that even before the match about their particular social, they referred to the consolidation of a new Brazil, a country then emerging as a Republican political organization. As such, the central objective of the study was to understand how was the training of teachers of physical education in the state of Rio Grande do Sul, via “Physica Education Courses”, these emergency programs for the formation of labor- specialized workers. For both, the recognition and validity of new versions of our object of study as well as the use of sources that advertise various origins and natures are elements that make up a

∗ Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da ESEF/ UFRGS. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, da UFRGS. Professora-assistente na Universidade de Caxias do Sul, vinculada ao Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano. ∗∗ Professora nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física e Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da ESEF/ UFRGS. Coordenadora do Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS.

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particular form of appropriation of history, which we try to approach here: a Cultural History. Keywords: History. Physical Education. Teacher Training. “El método moderno de la educación”: la creación de la educación

física intensiva en capital del sur rio-grandense Resumen: Formación de profesores de Educación Física en Río Grande do Sul se introducen en un proceso social en que la sociedad se movilizó para lograr los fines que incluso antes del partido acerca de su particular situación social, que se refiere a la consolidación de un nuevo Brasil, un país, entonces surge como una organización política republicana. Como tal, el objetivo central del estudio era comprender cómo fue la formación de profesores de educación física en el estado de Rio Grande do Sul, a través de “Physica Cursos de Educación”, estos programas de emergencia para la formación de mano de obra mano de obra especializada. Por tanto, el reconocimiento y la validez de las nuevas versiones de nuestro objeto de estudio, así como la utilización de fuentes que se anuncian diversos orígenes y naturaleza son los elementos que componen una determinada forma de apropiación de la historia, que tratamos de abordar aquí: una historia cultural. Palabras claves: Historia. Educación Física. Formación del Profesorado. Introdução

Os investimentos que se fazem, para percorrer uma perspectiva histórico-cultural de análise, muito mais que uma escolha meramente acadêmica reflete, pois, num sentido mais amplo, posicionamentos que são assumidos pelo pesquisador diante de sua vida cotidiana. Em outras palavras, talvez pouco científicas, o que aqui queremos afirmar é o fato de que a vida e a arte de estudar a vida por meio da História se configuram em uma visão particular de mundo, em que as estimas pessoais não conseguem permanecer imunes às irradiações de um determinado referencial teórico. A direção geradora desse processo de influências é, porém, difícil de identificar: afinal, uma moeda tem sempre dois lados. Mas isso, certamente, não é o que mais nos importa. Ao debruçarmo-nos sobre a pesquisa em História do Esporte e da Educação Física, o que buscamos, incessantemente, é a entrega do eu pesquisador ao objeto de análise em questão, tanto quanto aos contornos assumidos pelos modos e pelas formas de a ele nos aproximar.

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Nesse sentido, o ato de entregar-se que é exigido do pesquisador, está sujeito ao encontro de conhecimentos não previstos, não determinados e não encerrados pela força do tempo ou pelo poder legitimador que emana de uma determinada fonte. O reconhecimento e a validade de novas versões sobre certo objeto, bem como a utilização de fontes que anunciem procedências e naturezas diversas são elementos que compõem uma forma particular de apropriação da História, da qual procuramos aqui nos aproximar: a nova História cultural. Desse modo, para além do conhecimento das verdades históricas consolidadas, o inesperado torna-se, assim, objeto de desejo das pesquisas inseridas nessa tradição.

Em nosso entendimento, qualquer tentativa de compreensão da trajetória de nossa formação profissional passa, necessariamente, pelo conhecimento dos esforços mais remotos de sistematização dessa prática formativa. Nesse pensamento, encontramos em Calvino (2004) a expressão que nos ajuda a justificar essa ideia de continuidade histórica que aqui defendemos:

[...] isolar uma onda da que se lhe segue de imediato e que parece às vezes suplantá-la ou acrescentar-se a ela e mesmo arrastá-la é algo muito difícil, assim como separá-la da onda que a precede e que parece empurrá-la em direção à praia, quando não dá até mesmo a impressão de voltar-se contra ela como se quisesse fechá-la [...] Em suma, não se pode observar uma onda sem levar em conta os aspectos complexos que concorrem para formá-la e aqueles também complexos a que essa dá ensejo. (CALVINO, 2004, p. 7-8).

Desse modo, tomando por empréstimo as palavras de Calvino,

nosso objeto de análise neste estudo privilegia o entendimento da onda que inicia a construção do campo da formação de professores especializados, no Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, nossa principal preocupação foi compilar indícios históricos sobre a formação de professores para atuar na Educação Física, no período anterior à fundação da primeira escola superior, a Escola Superior de Educação Física do Rio Grande do Sul (ESEF). Consideramos que os momentos iniciais da consolidação do campo criaram condições para que, em 1940, entrasse em funcionamento o primeiro curso superior em Educação Física no Estado do Rio Grande

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do Sul. Nesse sentido, o objetivo do estudo foi o de compreender os Cursos Intensivos como parte de um processo social, em que a sociedade sul-rio-grandense foi mobilizada para o alcance de finalidades que, antes mesmo de corresponderem suas particularidades sociais, remetiam-se à consolidação de um novo Brasil, país que então emergia como organização política republicana.

Para tanto, uma vasta gama de fontes históricas foi consultada: tratou-se da incursão sobre os Relatórios e Mensagens Anuais expedidos aos órgãos públicos brasileiros, jornais de circulação estadual, às leis, aos atos, decretos, periódicos especializados, dentre outras. Tais fontes foram submetidas à análise documental, cujas informações são apresentadas nos tópicos que se seguem. A criação dos cursos intensivos de Educação Física em Porto Alegre

Preparemos a escola primária activa [...] sem esquecer, entretanto, que o melhor methodo de ensino é o professor que se aperfeiçoa todos os dias. Tal professor, tal escola. (ARANHA, 1929, p. 7).

O ano de 1929 rompeu e, com ele, o anúncio de novos rumos ao

campo da formação de professores de Educação Física no Estado do Rio Grande do Sul. Autorizado a funcionar pelo governo do estado, sob a direção vigilante do inspetor estadual de Educação Física, Professor Frederico Guilherme Gaelzer, o Curso Intensivo de Educação Física é criado na capital demarcando os esforços iniciais de se estabelecer uma formação específica para o trabalho docente na área.

Distantes ainda uma década daquele que anos mais tarde se configuraria como o primeiro curso superior de formação no estado, a Escola Superior de Educação Física, nossa leitura acerca dessa sistematização inicial nos leva a compreendê-la a partir de um duplo juízo de seus arranjos: se ainda sensíveis e frágeis para edificar as bases estruturais de um campo específico; já fortes e acreditados para impulsionar tais bases adiante. Em outras palavras, ainda que o Curso Intensivo de Educação Física pareça ter como resultado um alcance relativo diante das demandas educacionais que reclamavam por mão de obra especializada, sua criação, além de outros aspectos, pode ser considerada os primeiros passos rumo à diferenciação e à

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especificação de uma nova identidade profissional: a professora normalista especializada em Educação Física.

Se a Escola Normal era um espaço ocupado quase que exclusivamente pelo público feminino, o mesmo se dava nos Cursos Intensivos de Educação Física. Não raras vezes, a documentação consultada referia-se exclusivamente a professoras, em suas obrigações ou prerrogativas, como também às imagens trazidas pelas páginas dos jornais da época que retratavam, recorrentemente, o inspetor Gaelzer ladeado por um grupo de mulheres recém-formadas pelo referido curso. Assim, a matrícula era somente permitida aos candidatos diplomados em escolas normais e complementares, ou em estabelecimentos congêneres, que se incluíssem na faixa etária entre 19 e 30 anos. (OS MODERNOS METHODOS DE ENSINO, 1929).

Com vistas à ocupação de um espaço que passava a ser importante no ambiente escolar, tais jovens professoras eram então socializadas às “modernas formas” de se conceber e de se ensinar a Educação Física. O adjetivo “moderno” passou a acompanhar a expressão “Educação Physica” de forma recorrente na literatura e na documentação da época, expressando a clara intenção de se obter uma nova identidade tanto às práticas e às formas de se praticar quanto aos meios e fins do que se pretendia ser a nova Educação Física. O estado sul-rio-grandense se coloca, nesse momento, em compasso com as aspirações nacionais de construção de uma individualidade modernizada, a partir da pedagogia moderna que se desenhava na escola. Assim, entre tantos outros elementos educativos que concorriam a esse fim, a criação da cadeira de Educação Física nas escolas primárias, no início de século XX e, posteriormente, sua obrigatoriedade no ensino regular, pode ser entendido como um dos principais direcionamentos desse grande feito1 ocorridos no estado.

É interessante pontuarmos que, nesses momentos iniciais, a Educação Física no Brasil era influenciada pelas correntes ou “métodos” ginásticos europeus — o alemão, o sueco e o francês —

1 No plano nacional, a Constituição Federal de 1937, em seu art. 131, determinou que Educação Física, o Ensino Cívico e o de trabalhos manuais seriam obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias. A obrigatoriedade da Educação Física no Estado do Rio Grande do Sul, do Ensino Primário até o Normal foi determinada pelo Decreto-lei 8.063, de 10/10/1945, no art. 100: “A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios em tôdas (sic) as escolas primárias, normais e secundárias”. (RIO GRANDE DO SUL, 1990, p. 139).

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baseados, por sua vez, em princípios biológicos. Tais moldes, de acordo com Piccoli (2005, p. 503), estavam inseridos num movimento mais amplo, de natureza política, cultural e científica, denominado Movimento Ginástico Europeu. Dentre tais Escolas, a alemã recebe destaque no cenário sul-rio-grandense, no início do século XX, entre outras razões pela influência educativa do imigrante alemão Georg Black e de seus ensinamentos de ginástica alemã, nas sociedades de ginástica e escolas estaduais.2

É justamente nesse quadro de influências culturais heterogêneas, atuando sobre a cultura física que se desenvolvia no Brasil, que foi lançado, em 1921, o Decreto 14.784, que estipulava a substituição do Método Alemão pelo Método Francês e, concomitantemente, a adoção, deste último, como o “método oficial” a ser incorporado no País, enquanto não fosse criado o próprio “Método Nacional”.3 Tal investida contou com a participação fervorosa de intelectuais envolvidos com o ideário da renovação nacional pela renovação educacional, ao defenderem que o antigo método, culpabilizado pelo reducionismo materialista que encampava a atual situação da prática física escolar, fazia-se partícipe do conceito de uma velha Educação Física.4

2 Sobre o tema, ler MAZO, J. Z.; LYRA, V. B. Georg Black: nos rastros da trajetória do “pai da educação física e dos esportes no Rio Grande do Sul”. Rio Claro, v. 16, n. 4, p. 967-976, out./dez. 2010. 3 Victor Andrade de Melo (1996, p. 42) expõe, em seu estudo, que dentre as expectativas que encerravam a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos, no ano de 1939, encontrava-se a criação, consolidação e divulgação, às demais Escolas de Educação Física do País, do referido “método nacional”. Em suas conclusões, desveladas, sobretudo, a partir da utilização de fontes orais, encontra-se a proximidade da estrutura pedagógica então vigente na referida escola, com aquela que sustentava a lógica da Escola de Educação Física do Exército. Assim, a “inovadora” criação de uma escola/padrão, destinada à formação de professores ao meio civil, é apresentada pelo autor na continuidade e na força persistente dos ideais militaristas, interessados tanto na atividade catedrática quanto, num sentido mais amplo, na manutenção de seus interesses no campo. Melo aponta ainda que a Escola de Educação Física do Exército, instituição fundada no ano de 1933, baseava suas ações nos parâmetros educacionais ditados pela Escola Francesa, de Joinville-Le-Pont. 4 Ainda que defensores da adoção do Método Sueco, como método oficial no Brasil, Rui Barbosa (1882) e Fernando de Azevedo (1960) participaram ativamente na construção de um pensamento contrário aos ideais e objetivos trazidos à Educação Física brasileira, pelo então corrente Método Alemão. Para uma Educação Nova, Azevedo advogava uma Nova Educação Física que, a exemplo de Barbosa, condenava ao fatalismo errôneo as finalidades extremas de exercitação do corpo, sustentadas a partir de prejuízos aos atributos intelectuais e morais. Sendo ponto passivo no pensamento de ambos, o exagero da exercitação dos músculos que encontravam em si sua razão

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O consenso que se estabelecia no estado, em torno da necessidade do empreendimento de um trabalho pedagógico unificado, era, portanto, impulsionado pelo ideal de construção de um “espírito nacional” caracterizado, entre outros, por valores como identidade, laboriosidade, religiosidade, racionalidade e sanidade, como nos aponta Vieira (2004). Nesse quadro de mudança civilizadora do comportamento, que atravessava o País entre os anos de 1920 e 1930, a Educação Física escolar surge, no cenário educacional nacional, como um espaço educativo privilegiado para a legitimação desse novo processo. Nesse passo, se o projeto de reconstrução nacional deveria passar pela reformulação dos currículos escolares, adequando-os às novas aspirações e aos fins educacionais, a necessidade de formar professores especializados, socializados às modernas técnicas e formas de ensinar, emergia como elemento fundamental e complementar aos êxitos do processo.

Fazia-se imperativo, portanto, pensar a formação de professores especializados. A Educação Física representava um elemento importante demais para o alcance dos objetivos nacionais, para que um ensino desqualificado e destoante dos modernos métodos fosse admitido como condutor do processo educativo: abria-se, assim, um novo campo dentro da Educação Física brasileira. Na mesma medida, Bombassaro e Vaz (2008) apontam ainda que o referido sentido compartilhado de criação de uma identidade ao povo brasileiro, que outrora animava e aquecia a política educacional do País, era traduzido, entre outros, nos currículos dos cursos de formação docente, que pretendiam engendrar um modelo de referência, sintonizado com os tempos modernos.

À aurora do Novo Brasil era imperioso forjar o “novo” homem, e nenhum elemento parecia concorrer tão fortemente a tal princípio quanto a educação. Sendo, pois, a Educação Física a parte física da educação, ficaria sob sua responsabilidade a incumbência de ser um espaço que oferecesse subsídios para “[...] forjar aquele indivíduo

de ser, nada contribuía com alguma utilidade ao momento de transição em que se encontrava a sociedade brasileira, tampouco com as exigências de construção de um novo indivíduo social. Afinal, no entender de Azevedo, no novo projeto de sociedade, baseado nas trocas, nas relações de competição mercadológica, deve-se buscar uma educação pelo esforço, pela fadiga, como meio educativo e não desvirtualizador da moral ou da valorização de sentimentos egoístas, prejudiciais ao “engrandecimento social”. (LYRA, 2009).

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‘forte’, ‘saudável’, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 39) e aos seus mestres, a “missão” de a um só tempo ser o retrato e o realizador desse grande feito.

Assim, essa grande importância que a disciplina Educação Física passou a assumir no cenário nacional irradiou-se, também, para a figura do professor de Educação Física. Não por acaso, os jornais da época que veiculavam notícias sobre a criação do Curso Intensivo, na capital gaúcha, anunciavam em suas linhas o teor de tal significado. No rol das influências favoráveis ao desenvolvimento da criança, presentes na educação moderna, a mais fortemente valorizada era direcionada àquilo que se compreendia como os valores morais e profissionais do mestre:

A’ professora de educação physica exigir-se-ão, portanto, além de um cabedal technico apreciavel, determinadas qualidades: liderança, elevação moral, enthusiasmo, ideaes superiores, saude physica, etc. Desse modo, não só poderá dirigir a educação physica, baseando-a no conhecimento da natureza infantil e das necessidades individuaes, como será constantemente para a sua classe um elevado padrão moral, um exemplo vivo e suggestivo. (OS MODERNOS METHODOS DE ENSINO, 1929, p. 22).

Complementando a ideia da responsabilidade moral que cabia aos

professores de Educação Física, o curso em questão contaria com a participação das diretoras escolares no que tange à indicação de seus representantes. Cada diretora deveria eleger três de seus auxiliares “dotados das aptidões que se fazem mistér” (OS MODERNOS METHODOS DE ENSINO, 1929, p. 23), para participarem da formação oferecida. Lembrando da conveniência dessa escolha, a notícia veiculava ainda a ideia de que tais qualidades não eram reunidas por todas as pessoas tampouco eram adquiridas “no maneio dos livros ou nos bancos da escola”. (OS MODERNOS METHODOS DE ENSINO, 1929, p. 23).

Ao que se apresenta diante de nós, havia uma preocupação latente em fazer com que a educação do corpo estivesse articulada à educação do espírito e da mentalidade. Reiterando os parâmetros anunciados pela educação moderna, a escola deveria defender a ideia de educação integral, na qual os objetivos e esforços pedagógicos recairiam sobre o equilíbrio da atenção dada ao corpo, à mente e ao

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espírito. Nesse sentido, mais do que um bom executor de meras ações mecânicas restritas somente à dimensão física, o professor de Educação Física deveria apresentar qualidades de cunho moral e ético, a fim de que, a partir de sua prática, fosse capaz de transpor as barreiras de uma educação meramente corporal.

Entre outras fontes, tal prerrogativa pode ser constatada na análise das propagandas que os colégios lançavam a respeito de si, nas páginas de periódicos educacionais da época. Ainda que diferentes em algumas diretrizes estruturais, como o caso das escolas de educação confessional, a ideia de uma educação integral, preocupada com as diversas dimensões a serem aprimoradas na criança e no jovem, emergia a partir de alguns conceitos relacionados com o tema. O extrato a seguir nos dá um exemplo da atenção dada à educação do físico, no arranjo de uma proposta educacional que se pretendia integral e, portanto, moderna:

Ginasio Cruzeiro do Sul: Fundado em 1912, sob inspeção federal desde 1932. Internato para rapazes — seminternato mixto — educação intelectual, fisica, moral e civica — excelente corpo docente. Drama — escotismo — escola de instrução militar — grande laboratório, confortáveis instalações, estádio em construção. (GINÁSIO CRUZEIRO DO SUL, 1939, p. 147, grifos nossos).

Comungando desses preceitos educacionais, o programa do Curso

Intensivo de Educação Física pretendia-se unificador das “práticas de gymnastica dirigidas pelos elementos do magistério sul-rio-grandense”. (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1929, s/p.). Com duração mínima de dois meses, privilegiando as férias escolares de verão, o referido programa era compreendido a partir da articulação de conhecimentos teóricos e práticos, dos quais, dentre os primeiros, figuravam “lições de anatomia e physiologia e, dentre os últimos, a execução de jogos diversos e natação”. (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1929, s/p.).

Realizado na sede da Inspetoria de Educação Física, no pavimento de ginástica que o estado possuía nas dependências do Colégio Estadual Paula Soares, o Curso Intensivo de Educação Física era norteado pelo seguinte programa curricular:

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1.º — Organização e administração da Educação Physica; 2.º — Bases scientificas da organização das séries callisthenicas; 3.º — Theoria e pratica dos jogos gymnasticos e de todos os desportos; 4º. — Pratica da direcção e controle dos jogos; 5º. — Theoria e pratica de marchas (ordinárias, correctivas, de precisão, etc.); 6º. — Theoria e pratica de exercícios rythmicos e danças gymnasticas; 7º. — Didactica theorica e pratica da Educação Physica; 8º. — Antropometria pedagógica e primeiros auxílios; 9º. — Relação da Educação Physica com os demais ramos de ensino, (opportunidades educacionais, quanto á disciplina, á sociabilidade, á cooperação e fraternidade esportiva); 10º. — Estudo das condições materiaes dos locaes destinados ás aulas de Educação Physica. (OS MODERNOS METHODOS DE ENSINO, 1929, grifos nossos).

Consta ainda que, desde a primeira edição do referido curso, no

ano de 1929, este já fora alvo de uma grande procura por parte dos professores do interior do estado. Seduzidos, ao mesmo tempo pelas novas propostas educacionais e pelos novos horizontes que se abriam no mercado de trabalho, os professores que se candidataram à nova especialização deveriam, primeiramente, apresentaram-se na Diretoria Geral da Instrução Publica, para então serem encaminhados ao referido curso (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1929, s/p.).

É interessante pontuarmos que tais candidatos, ao procurarem matrícula no curso intensivo, estiveram sujeitos a uma rigorosa inspeção de saúde realizada pelos inspetores médicos escolares. (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1929, s/p.). Mais interessante ainda é analisarmos o fato de que portar plena saúde, mais do que um pré-requisito meramente burocrático, aparece como condição primordial para a possibilidade de se acessar ao curso de formação em questão. Assim, nossa leitura nos conduz a pensar que a ideia do grandioso exemplo que o professor de Educação Física deveria ser aos seus futuros alunos, parece aqui encontrar seu complemento: mente, espírito e corpo físico, em equilíbrio eficiente de suas funções, deveriam irradiar uma imagem pedagógica de saúde.

De outro modo, podemos pensar no fato de que o corpo físico representou, para a escola moderna brasileira, de modo amplo e sul-rio-grandense, de modo particular, a possibilidade da tão advogada educação integral. Se, como vimos anteriormente, o espaço destinado às práticas escolares de Educação Física, no estado sul-rio-grandense do início do século XX quando não inexistente, configurava-se como

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um elemento curricular de segunda ou terceira ordem; a partir de algumas ações concretas, levadas a cabo, sobretudo após a criação do curso intensivo de 1929, a situação da referida disciplina começa a assumir novos contornos. Assim, preocupar-se com a educação do corpo dos futuros alunos passava prévia e necessariamente pela preocupação com a educação do corpo dos próprios professores. Esta, por sua vez, agiria sobre corpos selecionados, capazes de representar e sustentar a nova identidade que se pretendia dar à Educação Física no estado.

Bourdieu (1998, p. 98-99), por sua vez, ao lançar-se ao estudo dos elementos recorrentes aos rituais sociais entendidos como ritos de instituição, revela que o efeito principal causado pelo rito é justamente o que passa, na maioria das vezes, completamente despercebido: “o rito consagra a diferença, ele a institui [...] e instituir é consagrar, ou seja, sancionar e santificar um estado de coisas, uma ordem estabelecida”. Sendo assim, no rastro do autor citado, entendemos que a investidura da diferença exercida por tal processo “quase mágico”, que se esforça por atribuir propriedades de natureza social, como se fossem propriedades de natureza natural”, mostra sua outra face ao exigir/criar/ratificar uma identidade particular pretendida ao conjunto de alunos selecionados a frequentar o Curso Intensivo de Educação Física.

Sob a mira de olhares atentos e interessados, fomentados pelas mais diversas expectativas que encerravam a criação do curso, a escolha do conjunto de alunos aptos, em oposição ao seu complemento, ou seja, o conjunto de todos os outros, constituía-se, portanto, como peça-chave do projeto de legitimação e de conquista de um espaço no campo, o qual o curso intensivo se propôs a conquistar. Sendo assim, o conjunto de alunos eleitos deveria legitimar e ser a expressão — nas formas, nos valores, nos objetivos e nas finalidades — da identidade que a Educação Física sul-rio-grandense se esforçava por construir e outorgar a si mesma.

Caminhando nesse mesmo sentido, em torno dessa questão identitária, não raras vezes encontramos nos documentos consultados a articulação da expressão “Educação Física” com outras de cunho utilitário, como “fortalecimento da raça”, “aperfeiçoamento da raça”, “hygidez do corpo”. Neste momento de remodelação estrutural pelo

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qual atravessava a Educação Física no estado, tais preceitos eram facilmente identificados não somente no que tange à formação de professores especializados como, também, nos espaços de atuação que a esses profissionais se reservavam.

Para além das escolas primárias, secundárias e normais, a atuação do professor especializado em Educação Física pode ser notada, de forma significativa, nos espaços públicos, criados exclusivamente com vistas à prática de atividades físicas e desportivas da juventude sul-rio-grandense, a que se chamaram Praças de Desportos ou Praças de Educação Física.5 Seguida por uma série de outras construções semelhantes, espalhadas pelas diversas regiões do estado, a primeira dessas praças criadas no Rio Grande do Sul data do ano de 1926 e se localizava na capital, a saber, Praça General Osorio, mais conhecida como “Alto da Bronze”. Ao que consta, a municipalidade de Bagé também despontava, em cenário estadual, nessa nova empreitada da educação. (UMA BRILHANTE DEMONSTRAÇÃO DE EDUCAÇÃO PHYSICA, 1925).

Cabe destacar que, no interior dessas praças, foram também construídos os chamados “Jardins de Recreio”, que se destinavam, em especial, à atenção ao público dos menores, compreendido na faixa etária de três a seis anos. Por serem tais Jardins considerados um complemento à escola, estavam estrategicamente localizados nos colégios ou em suas imediações. Como exemplo, citamos o caso da construção do Jardim de Recreio n. 1 que, situado na Praça General Osório, fazia frente ao Colégio Fernando Gomes, e distava apenas quatro quadras da antiga Escola Normal, do “Gymnasio Anchieta”, do “Colegio do Rosario” e do “Collegio Elementar” (EDUCAÇÃO PHYSICA, 1929, s/p.).

Tais espaços eram dotados de brinquedos, campos e piscinas onde, ao exercitarem-se constantemente e de forma lúdica, os pequenos estariam robustecendo os músculos e preparando uma “juventude forte, hygida, apta a arrostar as vicissitudes da vida actual”. (A EDUCAÇÃO PHYSICA NO RIO GRANDE DO SUL, 1937, p. 59). Importa

5 Alguns documentos consultados ainda trazem a denominação “Praça de Sports”. Sobre o tema, ler: CUNHA, M.L.O. As práticas corporais e esportivas nas praças e parques públicos da cidade de Porto Alegre (1920-1940). 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) — Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS, Porto Alegre, 2009.

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destacarmos que ambas as iniciativas educacionais foram trazidas ao Rio Grande do Sul pelas mãos do Prof. Guilherme Gaelzer que, após visitas e estudos em países estrangeiros, da América e da Europa, irradiou ao estado os modernos conhecimentos que lá adquiriu acerca dos rumos da nova, científica e eficiente Educação Física.

No rol dos espaços de atuação a que se destinou o professorado egresso do curso intensivo, sua presença se consagrou, também, nos eventos cívicos conhecidos por “Semana da Raça”. Guiada pelos mesmos objetivos que motivaram a criação das praças e jardins de recreio, a Semana da Raça constituiu-se numa festividade cívica, também criada pelo governo do estado, no ano de 1933, na qual a grandeza e a força da “raça brasileira” vinham à tona por meio de demonstrações e evoluções físicas realizadas por escolares, e pela prática concentrada de exercícios físicos ao longo dos dias que compunham o período estipulado. O “aprimoramento racial, a formação de um typo ethnico perfeito, bem compleicionado, desenvolto” (A EDUCAÇÃO PHYSICA NO RIO GRANDE DO SUL, 1937, p. 59) encerravam os objetivos principais do evento.6

Ao que se mostra, o governo do Estado do Rio Grande do Sul adiantava-se, em cenário nacional, na incorporação dos ideais iluministas de livre movimentação corporal, tão defendidos pela Nova Pedagogia que se instalava no país. Assim, é possível afirmarmos que a década de 30 foi significativa para a Educação Física brasileira. Com o incontestável valor de sua participação na formação de uma nação forte, os governos, indiferentemente de suas formas, foram obrigados a olhar com carinho e a legislar cuidadosamente para este setor da educação brasileira.

Desse modo, o chefe do governo rio-grandense não poderia ficar indiferente ao movimento nacional que se delineava em prol do desenvolvimento da Educação Física. Nesse caminho, constrói-se a argumentação justificando a criação do Departamento Estadual de Educação Física (DEEF):

6 Não raras vezes foram encontradas nas páginas da Revista do Globo imagens do professor Gaelzer e suas alunas na semana da pátria, reforçando a ideia do citado movimento de aprimoramento racial.

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Considerando físico da mocidade que a constituição federal, no seu art. 131, estabelece que a educação física será obrigatória em todas as escolas primárias, normais e secundárias do país e, no art. 132 determina que o estado auxilie e proteja as associações destinadas ao adestramento e a sua projeção no futuro do indivíduo e da nação, por isso; Considerando que se impõem a creação de um órgão técnico com o fim de dirigir, orientar e fiscalizar a prática da educação fisica não só nos institutos de ginástica e nas agremiações desportivas do estado; por outro lado; Considerando ser de imperiosa necessidade formar pessoal técncico em educação física e desportes, de forma a poder ministrar a indispensável instrução sem os graves inconvenientes oriundos da falta de conhecimentos especializados (FRANCO; SILVA; SCHIDROWITZ, 1940, p. 637).

Embalado pelos ares de transformação que atravessavam o

momento, foi assim criado, então, o DEEF, subordinado à Secretaria de Estado da Educação com a atribuição de dirigir, orientar e fiscalizar a prática da Educação Física nos estabelecimentos de ensino, oficiais e particulares, nos institutos de ginástica e nas agremiações desportivas do estado. Era o último ano da década de 30, e as ondas que precederam esse período agitaram-se anunciando novos tempos para a Educação Física no Rio Grande do Sul.

Desse modo, podemos afirmar que as estratégias alçadas pelo governo do estado, para amenizar o quadro de defasagens inicialmente descrito, iniciaram ainda em 1929, quando, sob o governo do então presidente do Rio Grande do Sul,7 Getúlio Vargas (1928-1930), foi criado o “Curso de Educação Physica”, na capital. Não podemos, no entanto, assegurar com precisão o número concreto de reedições do referido curso, nem mesmo o ano exato da formação de sua última turma. O que nos remete às fontes consultadas é que, até 1937, o referido curso havia formado 288 professores que propagavam “ensinamentos através de todo o Estado, contribuindo para a melhoria das condições de saude (sic) do povo”. (A EDUCAÇÃO PHYSICA NO RIO GRANDE DO SUL, 1937, p. 59).

7 Denominação corresponde aos governadores dos estados brasileiros, no período da República Velha.

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Considerações finais

Os elementos que aqui apresentamos, acerca da constituição inicial do campo de formação de professores de Educação Física, no Estado do Rio Grande do Sul, no período da Primeira República, são parte de uma caracterização mais ampla e detalhada que ainda incluiria outros aspectos que não pudemos aqui abordar, por conta da organização formal deste artigo. No entanto, a partir do exposto, acreditamos que já se possa construir uma noção sobre a trajetória de formação profissional em terras sul-rio-grandense e, no mesmo movimento, esperamos que tais noções, para muitos ainda desconhecidas, alimentem novas pesquisas e questionamentos acadêmicos.

Dessa forma, o estudo desses cursos iniciais de formação, aqui exposto de uma forma muito breve, está sendo realizado com maior demora e cuidado nas pesquisas desenvolvidas pelo Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte e da Educação Física (NEHME), vinculado à Escola de Educação Física desta Universidade. Trazer ao conhecimento do público acadêmico o nosso passado profissional é reconhecer a circularidade do processo que nos forma a cada dia, e que muito determina, seja pela posição ou pela oposição, o futuro que nos convida constantemente a contemplar e a transformar aquilo que poderemos ser. Referências A EDUCAÇÃO PHYSICA NO RIO GRANDE DO SUL. Revista de Educação Physica, n. 11, 1937, p. 59. ARANHA, O. Relatório apresentado ao presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getulio Vargas. Oficinas Gráficas A Federação. 28 ago. 1929. BOMBASSARO, T.; VAZ, A. F. Educação do corpo e formação de professores para a Educação Física em Santa Catarina (1937-1945). In: COLÓQUIO LUSO-BRASILEIRO DE QUESTÕES CURRICULARES, 4., Florianópolis, 2008. Anais... Florianópolis, 2008. BOURDIEU, P. Os ritos de instituição. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1998. p. 97-106. BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1992. BRASIL. Constituição Federal de 1937. Brasília.

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O corpo dançante entre a teoria e a experiência: estudo dos processos de realização coreográfica em

duas companhias de dança contemporânea

Mônica Fagundes Dantas* Resumo: Com o intuito de ancorar reflexões teóricas sobre o corpo dançante na prática coreográfica contemporânea, este artigo busca descrever concepções de corpo elaboradas e veiculadas nas obras Aquilo de que somos feitos (Lia Rodrigues Companhia de Danças) e Marché aux puces, nous sommes usagés e pas chers (dona orpheline danse). Para tanto, realizou-se um estudo dos processos de realização das duas coreografias. A presença do corpo dançante como corpo treinado, heterogêneo, autônomo, íntimo, energético, engajado, vulnerável e amante assinala as correspondências entre as obras coreográficas e os projetos de corpo dançante que essas obras acabam por suscitar. Palavras-chave: Concepção de corpos dançantes. Processos de realização coreográfica. Dança contemporânea. The dancing body between theory and experience: a study on the choreographic creative processes in two contemporary dance

companies Abstract: In order to anchor the theoretical reflections about the dancing body to the contemporary choreographic practice, this paper aims at describing body concepts developed and disseminated in the choreographic works Aquilo de que somos feitos/What we are made of (Lia Rodrigues Companhia de Danças) and Marché aux puces, nous sommes usagés e pas chers/Flea Market (dona orpheline danse). For this, a study on the creative processes of both choreographies was conducted. The presence of the dancing body as a trained, heterogeneous, autonomous, intimate, energetic, committed, vulnerable, and loving body points out the correspondences between the choreographic works and the dancing body projects that these works eventually raise. Keywords: Dancing body concepts. Choreographic creative processes. Contemporary dance.

* Doutora em Estudos e Práticas Artísticas, professora-adjunta, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. Endereço para correspondência: Rua Surupá, 76/404, Porto Alegre, RS, 90690-290.

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El cuerpo danzante entre la teoría y la experiencia: estudio de los procesos de realización coreográfica en dos compañías de danza

contemporánea Resumen: Con el fin de anclar las reflexiones teóricas sobre el cuerpo danzante en la práctica coreográfica contemporánea, este artículo busca describir concepciones de cuerpo elaboradas y vehiculadas en las obras Aquilo de que somos feitos (Lia Rodrigues Companhia de Danças) y Marché aux puces, nous sommes usagés e pas chers (dona orpheline danse). Para tanto, se realizó un estudio de los procesos de realización de las dos coreografías. La presencia del cuerpo danzante como cuerpo entrenado, heterogéneo, autónomo, íntimo, energético, comprometido, vulnerable y amante señala las correspondencias entre las obras coreográficas y los projectos de cuerpo danzante que esas obras terminan por suscitar. Palabras clave: Concepción de cuerpos danzantes. Procesos de realización coreográfica. Danza contemporánea.

Introdução

No campo da produção acadêmica em dança, o corpo é um dos temas mais abordados. O corpo dançante é um corpo treinado, modelado, construído (FOSTER, 1997); um corpo fenomenológico e sensível (FRALEIGH, 1987); um corpo social (THOMAS, 2003); um corpo virtual e paradoxal (GIL, 2004); um sistema aberto de troca de informações (KATZ, 1994); um rizoma plástico, sensorial, motor e simbólico, melhor definido pelo termo corporeidade (BERNARD, 1990); um laboratório da percepção (SOUQUET, 2005). Por outro lado, autores como Csordas (2008), Lecpecki (1998) e Le Breton (2011) evidenciam a desestabilização da noção de corpo nas sociedades contemporâneas, nas quais não é mais possível considerá-lo como uma entidade estável, preservada e imutável. O corpo, da contemporaneidade, segundo Lepecki (1998), é nervoso e teorizado ao extremo — um corpo em crise. O corpo dançante não escapa dessa situação e também se torna objeto de intensos questionamentos e reflexões realizadas tanto no âmbito da produção intelectual quanto no âmbito da produção artística. Lepecki (1998) ressalta que, em certas práticas coreográficas, os corpos dançantes são investidos pelo discurso e produzem, em cena, outros discursos sobre o próprio corpo.

A intensa teorização sobre o corpo dançante ressalta uma das dificuldades de se escrever sobre dança: como teorizar sobre a dança e

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sobre o corpo dançante sem se distanciar abusivamente da sua experiência? Nesse sentido, Lepecki (1998) interroga: Qual a forma que pode assumir nossa reflexão sobre este corpo, que, no entanto, efetivamente dança? Talvez o mais indicado seja buscar respostas a partir da experiência de quem dança: o que pensam e dizem os bailarinos sobre seu corpo?

Com o intuito de ancorar reflexões sobre o corpo dançante na prática coreográfica contemporânea, tenho por objetivo, neste artigo, descrever as concepções de corpo elaboradas e vividas por bailarinos contemporâneos, durante os processos de realização das obras coreográficas Aquilo de que somos feitos (Lia Rodrigues Companhia de Danças/direção Lia Rodrigues) e Marché aux puces, nous sommes usagés e pas chers1 (dona orpheline danse/direção Sheila Ribeiro). Para tanto, realizei um estudo dos processos de realização coreográfica — que incluem procedimentos de criação e recriação, ensaios e apesentações — de cada obra, no contexto de cada companhia. A etnografia foi utilizada como referência metodológica, tendo como instrumentos de coleta de informações a observação participante e a entrevista. Os dois estudos foram realizados separadamente e sem a finalidade de servirem a uma análise comparativa. No entanto, proponho um olhar que coteje as concepções de corpo que emergem de cada experiência. Tais concepções são relacionadas a quatro modelos de corpo — corpo-objeto, corpo dionisíaco, corpo fenomenológico e corpo social — que sustentam uma parte significativa da produção acadêmica sobre o corpo dançante. Corpo-objeto

Nas concepções objetivistas do corpo, este é considerado um objeto entre objetos, situado num tempo e num espaço mensuráveis; é percebido como uma máquina articulada que presta serviço ao espírito. No campo da dança, diversas práticas seguem esses princípios, com destaque para o balé. Essa forma de dança se desenvolveu durante três séculos, em ressonância com esta concepção: separação entre corpo e espírito, fragmentação do corpo em segmentos

1 A partir deste momento, passo a me referir a esse trabalho somente como Marché aux puces.

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independentes, mecanização do movimento, simetria das formas. Autores como Lesage (1998) e Foster (1997) destacam que o balé veicula um modelo de corpo resultante da noção de corpo-objeto, apêndice de um sujeito ideal. O corpo torna-se o instrumento de uma expressão simbólica de conteúdos interiores e deve se conformar às regras morfológicas e formais. Busca-se um corpo controlado, técnico, virtuoso, que saiba reproduzir belas formas. No entanto, esse modelo de corpo disjuntivo, porque supõe uma clivagem entre o sujeito e seu corpo, manifesta-se em outros estilos de dança, como a dança contemporânea. Com efeito, as noções de controle e maestria estão presentes em diferentes práticas coreográficas contemporâneas. (LESAGE, 1998; SILVA, 2010).

A noção do corpo-máquina está sempre se reatualizando, apresentando uma visão do corpo calcada na precariedade da carne, em sua fragilidade e vulnerabilidade. Desse modo, deve-se impedir que o corpo se degenere, investindo na reconstrução, substituição e remodelização de suas partes ou de seu conjunto. No âmbito das artes contemporâneas, tem-se produzido um discurso semelhante. Sterlac (1995) proclama que o corpo humano está ultrapassado e sugere tentar encontrar outros recursos para além deste, para que possamos viver nossa condição de seres humanos: “Devemos nos reproduzir, enquanto que espécie, machos e fêmeas, ou devemos reformatar o corpo humano através da interface humano-máquina? Eu me pergunto se é ainda útil conservar o corpo como ele é”. (p. 387).

Como ressalta Albright (1997), na dança contemporânea o virtuosismo, aliado às tecnologias da imagem, em produções de grandes companhias como La La La Huma Steps (Canadá), Compagnie Marie Chouinard (Canadá) ou Streb/Rinside Company (Estados Unidos), acaba, muitas vezes, por ecoar, ainda que de forma não explícita, alguns desses princípios. Corpo dionisíaco

O corpo dionisíaco, inspirado pelas obras de Nietzsche, publicadas no final do século XIX, desestabiliza a visão dualista e proclama os poderes do corpo. Nietzsche concebe o corpo como mestre e não como escravo, e celebra o corpo em marcha, que se

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deixa levar pelo movimento. O sujeito é seu corpo, e o corpo não é mais o que o impede de aceder ao conhecimento, ele é fonte de prazer, de poder e de saber: “ Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria. E quem sabe para que necessitará o teu corpo precisamente da tua melhor sabedoria?” (NIETZSCHE, s.d., p. 41).

Isadora Duncan (1878-1927) foi muito influenciada por Nietzsche. Considerada como a pioneira da dança moderna, fundou as bases da modernidade em dança, pela invenção de uma linguagem gestual e pela adequação do movimento ao seu projeto artístico. No entanto, é sobretudo pela liberação do corpo dos códigos e das convenções da dança clássica e da própria sociedade, que Isadora Duncan marca presença no início do século XX. Ela supunha que o corpo, por meio da dança, poderia manifestar uma natureza original e originária. O obstáculo a essa livre manifestação do corpo seria constituído pelas pressões e regras da sociedade, que deformavam o corpo e impediam a livre manifestação de sua arte. Isadora Duncan desejava criar uma dança que pudesse ser a expressão divina do espírito humano através do movimento. Como sublinha Norman (1993), a linguagem da dança, em Duncan, passa pela primazia do corpo como meio de energias telúricas e de vibrações musicais. Isadora pretendia encarnar o corpo universal do indivíduo e, ao mesmo tempo, o corpo-massa das bacantes e das fúrias.

Lesage (1998) sublinha que, nos dias de hoje, muitos bailarinos continuam a se identificar com o modelo dionisíaco de corpo. Trata-se, segundo o autor, de um modo de perceber seu corpo como corpo vital, atravessado pela energia, pelo ritmo, pelo espaço. E de perceber a dança como possibilidade de experimentar a unidade corpo/espírito. Corpo fenomenológico

A concepção fenomenológica do corpo, em particular a abordagem de Merleau-Ponty, propõe o corpo vivido, anterior à representação. A experiência do corpo fornece uma maneira de aceder ao mundo, que deve ser reconhecida como originária: “Meu corpo tem seu mundo ou compreende seu mundo sem ter que passar por representações, sem se subordinar a uma função simbólica ou objetivante”. (1945, p. 165).

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A visão de corpo trabalhada por Merleau-Ponty (1945) questiona as cisões entre sujeito e objeto, entre corpo e espírito, indivíduo e sociedade. Para autor, o corpo não se reduz à dualidade sujeito-objeto; é um corpo movente, sexuado, expressivo, falante. O corpo funda as relações e as ações da pessoa com o mundo, pois o corpo, pivô do ser no mundo, adquire maneiras de ser em relação a um meio específico.

No âmbito da dança, autores como Fraleigh (1987), Lesage (1998) e Desprès (2000) utilizam a fenomenologia para pensar a dança.

Fraleigh (1987, p. 11) descreve a dança como uma arte que emana do e se realiza no corpo, ou seja, uma arte radicalmente incorporada. A autora se apoia na fenomenologia para se referir à dança como uma experiência na qual o corpo é vivido na sua plenitude, o que permite uma “expiação dos dualismos”. Assim, a dança recria a vida, pois ela está enraizada em corpos vividos.

Para Lesage (1998), refletir sobre o corpo fenomenológico é interrogar a existência humana. A fenomenologia aporta uma reflexão minuciosa sobre as relações entre o sujeito e seu corpo, permitindo pensar o corpo dançante como intencionalidade e presença. Para o autor, muitos bailarinos se reconhecem na abordagem do corpo fenomenológico: para eles, o corpo é indissociável da sua constituição como sujeito. Na sua prática artística, insistem sobre a conexão entre um estado interior e uma forma exterior e sobre a necessidade de assumir a matéria-corpo, transformando-a na própria obra coreográfica.

Després (2000) analisa três práticas em dança contemporânea — os processos de criação de Odile Duboc2 e de Trisha Brown3 e as aulas de Lulla Chourlin4 — para observar os modelos de corpo produzidos nesses contextos. Utilizando a fenomenologia, a autora ressalta que essas abordagens investem na sensação como fundamento da produção do gesto dançado, engendrando novas corporeidades. As lógicas do corpo

2 Odile Duboc (1941-2010). Coreógrafa francesa, cria, em 1993, o espetáculo Projet de la matiére, um marco da dança contemporânea na França. De 1990 a 2008 dirige o Centro Coreográfico Nacional de Franche-Comté à Belford. 3 Trisha Brown (1936). Bailarina e coreógrafa estado-unidense, é considerada uma das referências da dança contemporânea. Em 1962, junto com artistas como Yvonne Rainer e Steve Paxton, cria o coletivo da Judson Church Theater, marco da dança pós-moderna. Atualmente, com sua companhia, mantém um repertório de mais de 80 obras. 4 Lulla Chourlin (1950). Professora e coreógrafa francesa, com formação em Contact Improvisation e Body Minding-Centering, práticas corporais que buscam a percepção do corpo como motor para a ação.

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propostas por essas práticas perturbam um certo modelo de corpo que se situa numa visão de corpo-instrumento, do sujeito voluntário e de hábitos perceptivos e motores fundados numa separação entre o sensível e o inteligível. A fenomenologia permite compreender essas práticas, pois repensa a sensação como um conceito intersticial, que se situa no intervalo entre os grandes conceitos da filosofia: entre corpo e alma, entre eu e eu-mesmo, entre o interior e o exterior, entre eu e o mundo.

Assim como esses autores, penso que a fenomenologia permite abordar o corpo dançante a partir da experiência dos bailarinos e dos coreógrafos. Refletir sobre o corpo dançante nos faz pensar sobre as relações que os bailarinos estabelecem com seu corpo, mas, também, no modo como eles vivem seu corpo. As tensões entre o corpo concebido como objeto e o corpo concebido como experiência, ou corpo vivido, mantêm-se quando se aborda a construção de corpos dançantes, ou seja, o tornar-se bailarino. Podemos pensar que a construção do corpo dançante é um processo de objetivação do corpo. Do mesmo modo, podemos pensar que o bailarino é o sujeito da construção de seu corpo dançante. Particularmente, tenho tendência a acreditar nessa segunda possibilidade. No entanto, o tornar-se bailarino pressupõe momentos de objetivação do corpo. Corpo social

O corpo, concebido como corpo social, é aquele que interioriza as estruturas da sociedade; é o lugar de inscrição da lei do grupo. Autores como Bourdieu (1979, 1992), ao estudarem as sociedades contemporâneas, mostram que as representações e práticas associadas ao corpo variam em função dos grupos, das classes sociais, do gênero e da idade. O conceito de habitus em Bourdieu supõe a incorporação, pelos indivíduos, das estruturas sociais. Trata-se de um comportamento adquirido pela experiência ligada a um meio e a uma posição de classe. Esses condicionamentos se materializam através de um comportamento social específico, mas também através das maneiras de portar seu corpo, de se apresentar aos outros, de se mover, de se orientar segundo a posição ocupada no espaço social. Trata-se de um

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processo de elaboração do corpo, que integra continuamente as regras e os modelos de como se portar em sociedade.

De maneira semelhante, Grau (1998) ressalta que as diferenças sociais são incorporadas como diferenças naturais e não são reconhecidas como tal: “Este natural é raramente questionado, pois as representações culturais do corpo se confundem com a realidade das percepções e experiências do corpo. Elas estão tão profundamente incrustadas no inconsciente coletivo que parecem fundamentalmente naturais.” (p. 71).

Partindo desses pressupostos, podemos pensar que a dança se constitui como uma segunda cultura de movimento, que se justapõe a esta construção social do corpo. Como destacam diferentes autores (FAURE, 2000; FOSTER, 1997; TURNER; WAINWRIGHT, 2003), a aprendizagem de um estilo de dança supõe a incorporação de parâmetros estéticos, sociais e morais próprios a esse estilo. Desse modo, a prática de um estilo de dança marca o corpo dançante, pois esses valores não são simplesmente grafados num corpo-objeto mais ou menos neutro. Ao contrário, as ideologias se estruturam no plano anatômico, ou seja, no sistema neuromuscular do bailarino e tornam-se parte da sua personalidade. Do mesmo modo, Silva (2010) destaca que cada bailarino desenvolve um certo habitus dentro do microcosmo da dança: existem gestos, pensamentos, maneiras de ser que são incorporados e se tornam esquemas de percepção e de ação que revelam um certo habitus do bailarino. A autora utiliza também o conceito de capital de Bourdieu, para referir-se ao capital corporal em dança. Segundo a autora, o capital corporal se manifesta no domínio de técnicas de dança específicas, nas capacidades cinestésicas de interpretação do movimento e nos aspectos como forma e aparência do corpo. O emprego desses conceitos permite pensar os corpos dançantes em relação incessante com a realidade social da qual fazem parte, possibilitando, ainda, reconhecer em certas práticas de dança elementos para o desenvolvimento de uma abordagem mais crítica do corpo.

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Concepções de corpo em Aquilo de que somos feitos

Aquilo de que somos feitos, criação de Lia Rodrigues Companhia de Danças,5 estreou em 2000, no Rio de Janeiro. Na peça, que se organiza em dois atos, os bailarinos e os espectadores compartilham o mesmo espaço. No primeiro ato, corpos nus criam formas dispersas entre o público, enfatizando a materialidade do corpo, do tempo e do espaço. No segundo ato, os bailarinos retornam vestidos, para executar movimentos ritmados por uma música que lembra uma parada militar, bradando questionamentos e denúncias sobre o mundo contemporâneo.

A análise dos processos de realização de Aquilo de que somos feitos6 permitiu constatar a presença de diferentes concepções de corpos dançantes, que foram elaboradas pelos bailarinos e pela coreógrafa e que são convocados para dar vida à coreografia. Assim, o corpo dançante é treinado, pois, para Lia Rodrigues, a dança é um ofício do corpo e ela necessita de corpos disponíveis para o trabalho coreográfico. Na companhia, o balé foi escolhido como método de treinamento coletivo, pois ele possibilita uma certa uniformidade. O corpo dançante é também autônomo e atento, capaz de cultivar suas características pessoais, de ser responsável pela sua formação e seu treinamento e de estar à escuta de outros corpos que compartilham o mesmo espaço. O corpo dançante é também um corpo aberto, em estado de alerta, pronto para responder aos estímulos do ambiente e a se concentrar nas ações a cumprir.

A participação ativa em processos de realização coreográfica permitiu a emergência de outras concepções de corpos dançantes, favorecendo o trabalho sobre certos estados de corpo específicos à peça. Na primeira parte de Aquilo de que somos feitos, corpos nus e silenciosos se oferecem ao público na sua intimidade. Para desvelar esses corpos íntimos, os bailarinos tiveram de se aceitar nas suas perfeições e imperfeições, tiveram de se fragilizar e se expor, fazendo

5 A Lia Rodrigues Companhia de Danças foi fundada por Lia Rodrigues em 1990, no Rio de Janeiro. A companhia criou inúmeros espetáculos, com destaque para Folia I e II, Encarnado e Pororoca. Ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais e tem-se apresentado no Brasil e no Exterior. Desde 2003 tem sua sede na comunidade da Maré, no Rio de Janeiro. 6 Para uma análise mais detalhada dos processos de realização coreográfica em Aquilo de que somos feitos, ver Dantas (2005).

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aflorar estados de corpo desafetados e transicionais. Estados de corpos desafetados permitem aos bailarinos se distanciar de uma corporeidade extraordinária e virtuosística, favorecendo uma presença corporal mais modesta e ordinária, talvez mesmo mais humana. Estados de corpo transicionais permitem aos bailarinos entrar e sair da ação dançada e fazer a passagem entre o corpo cotidiano e o corpo em diferentes estados de dança, sempre mantendo uma relação com os espectadores.

Na segunda parte de Aquilo de que somos feitos, vemos corpos eloquentes e ativos, elaborados por gestos angulosos e ritmados, cujos deslocamentos instauram um espaço geométrico. Esses corpos enérgicos se exprimem por gestos militantes e por palavras de ordem. Esse ambiente é desfeito de tempos em tempos por encontros festivos, quase orgiásticos, onde o espaço se desorganiza, e as palavras de ordem dão lugar a canções populares. Esses corpos se amalgamam e, de militantes, passam a corpos em estado de fusão. Nesse momento, a voz e a palavra adquirem importância, tornando-se fator de construção dos corpos dançantes. Para os bailarinos, a emissão da voz é também um movimento do corpo; voz e movimento estão conectados para expressar seus desejos: desejo de mudança, de participação, de justiça social. É também um desejo de conectar os aspectos mais íntimos de suas vidas àqueles de sua dança. O corpo é então concebido como um canal do desejo, o corpo dançante torna-se um corpo-desejo: dançar, falar, cantar em cena permitem a expansão das possibilidades expressivas do corpo em relação ao que cada um quer propor. A presença do corpo-desejo permite que cada um se conheça melhor, desenvolva a sensibilidade, suas relações pessoais e seu gosto pela vida. Nesse sentido, Jamil Cardoso explica que trabalhar com Lia exige um profundo engajamento do bailarino, porque é preciso se doar, fragilizar-se, desestruturar-se para se tornar mais forte.

A partir do corpo-desejo, o corpo engajado torna-se também corpo amante: os intérpretes falam do prazer como um componente importante da sua prática artística, presente em diferentes maneiras de viver a dança em seus cotidianos. É então possível dizer que o corpo dançante em Aquilo de que somos feitos é um corpo amante, que reúne em si o corpo militante e engajado, o corpo em fusão, o corpo-desejo, o corpo-prazer. Nesse contexto, o prazer é um dos elementos que liga a dança à vida.

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Concepções de corpo em Marché aux puces

Marché aux puces estreou em 1999, em Montréal, no Canadá, com coreografia e direção da brasileira Sheila Ribeiro.7 A peça se estrutura em três partes: Haleine, Todo mundo pega trem e Princesa e explora o valor comercial dos seres humanos.

Em Marché aux puces, a formação diversificada dos bailarinos permite conceber o corpo dançante como corpo treinado, autônomo e heterogêneo. A prática de uma ou mais as técnicas de movimento é uma condição para fazer parte da companhia. No entanto, a coreógrafa e os bailarinos não adotam um sistema de treinamento coletivo, cada bailarino elege os métodos e técnicas que lhe são mais adequados. A dança contemporânea, as danças africanas, a educação somática, o teatro físico e o mimo são algumas das práticas que fazem parte da formação dos bailarinos e que permanecem como referências de treinamento, evidenciando a heterogeneidade e autonomia dos intérpretes.

Os processos de realização coreográfica em Marché aux puces8 evidenciam a presença de outras concepções de corpo. Destaco a presença do corpo energético, do corpo vulnerável e do corpo amante. Tais concepções se depreendem dos princípios que embasam a criação coreográfica: o drive como princípio organizador do movimento; a vulnerabilidade como fio condutor do trabalho do bailarino, e a encarnação como método de criação.

Para Sheila Ribeiro a dança é, antes de tudo, energia vital, pulsão, drive. O drive é a energia primordial que anima o movimento no corpo dançante; é a energia que conduz à dança. No entanto, é preciso um trabalho constante de refinamento dessa energia, que se faz, principalmente, pelo treinamento: “O treinamento em dança é fundamental, porque é o que vai dar acesso ao mundo da energia vital, ao mundo da energia corporal.” (RIBEIRO, 2001, p. 2). Desse modo, o corpo dançante é, a priori, um corpo energético.

7 Sheila Ribeiro fez sua formação em dança e seus estudos universitários em São Paulo e em Campinas. Em 1996 instala-se em Montréal, onde cria a companhia dona orpheline danse. A partir de 2003, Sheila Ribeiro vive e trabalha no Brasil e em cidades como Montréal, Xangai e Beirute. 8 Para uma análise mais detalhada dos processos de realização coreográfica em Marché aux puces, ver Dantas (2011).

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A encarnação, como procedimento de criação, inspira-se no método de formação do bailarino/pesquisador/intérprete, desenvolvido por Graziela Rodrigues. (RODRIGUES, 1997). Trata-se, sobretudo, de um trabalho sobre estados de corpo e de consciência que encontra um paralelo nos rituais religiosos de origem afrobrasileiros, nos quais o corpo, por meio da dança, pode incorporar ícones religiosos. (RODRIGUES, 1997).

Em Marché aux puces, a encarnação implica uma alteração nos estados de corpo e de consciência cotidianos, mas ela provoca também uma alteração nos estados de corpo geralmente associados a estilos consagrados da dança ocidental. Trata-se, de acordo com Sheila Ribeiro, de conduzir o dançarino a um estado de vulnerabilidade que provoque a emergência das energias ocultas sob seu corpo social. Esses procedimentos permitem o contato com aspectos muito íntimos da vida e da personalidade do dançarino e têm por objetivo levá-lo a transformar essa energia em material para a criação coreográfica. Desse modo, os dançarinos não incorporam entidades religiosas, mas imagens suscitadas por seu próprio cotidiano e pelo universo temático próprio à coreografia. Sendo assim, a encarnação conduz os bailarinos a um estado de vulnerabilidade, fazendo do corpo dançante um corpo vulnerável. Esse é um corpo frágil, certamente, mas também sensível, um corpo que se deixa tocar, manipular e que se oferece à transformação. Do mesmo modo, o corpo vulnerável torna-se capaz de expressar suas experiências mais profundas, revelando-se como corpo íntimo.

As noções de corpo energético e vulnerável conduzem à concepção do corpo dançante como corpo amante. O corpo dançante como corpo amante é aquele aberto às trocas, disponível para as relações carnais, que possui uma certa facilidade de aceder ao seu próprio corpo e ao corpo do outro, bem como à emoção e ao prazer. A coreógrafa explica que sua dança “tem uma relação com a libido muito forte, e a libido, não só necessariamente como prazer sexual, mas também como o prazer de estar vivo e, ao mesmo tempo de poder resistir, um impulso vital de resistência”. (RIBEIRO, 2001, p. 3). Retornando a Merleau-Ponty (1945), podemos dizer que o corpo amante permite compreender a continuidade entre a carne do corpo e a carne do mundo, através das quais as relações primordiais se

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estabelecem. Essa continuidade entre o corpo dançante e o corpo amante possibilita pensar numa promiscuidade entre a dança e a vida. Corpos dançantes, entre a teoria e a experiência

As concepções do corpo dançante como corpo treinado, heterogêneo e autônomo se referem à formação e ao treinamento de cada intérprete em cada companhia. Revelam que os bailarinos constroem seu corpo a partir da incorporação de diferentes experiências, indo do balé à dança moderna, do butô às danças africanas e afro-brasileiras, da educação somática às práticas esportivas, do teatro físico à experiência da performance. Elas refletem assim as diversidades de formações dos bailarinos em cada companhia, bem como as múltiplas referências presentes na formação de cada bailarino. Essas concepções indicam também que os bailarinos se responsabilizam por sua formação e treinamento e que, nesse processo, são capazes de cultivar suas características pessoais e de fazer escolhas, levando em conta seu bem-estar.

As noções do corpo dançante, como corpo íntimo, energético, engajado, vulnerável e amante, concernem à implicação dos bailarinos nos processos de realização coreográfica, revelando que os intérpretes integram a sua prática artística as experiências cotidianas mais ordinárias e mais íntimas, fazendo convergir sua energia e mesmo sua vida ao projeto coreográfico do qual fazem parte. Elas mostram que os bailarinos são capazes de se fragilizar e de se transformar para bem servir à obra. Essas concepções indicam também que os bailarinos são capazes de se posicionar em função de suas convicções e de seus desejos, e que eles estão prontos a se investir numa ação coletiva. Além disso, a concepção do corpo dançante como corpo amante indica que o prazer e o desejo são componentes importantes da construção do corpo dançante nas duas obras.

Retornando aos quatro modelos de corpo que servem de referência a essa análise — corpo objeto, corpo dionisíaco, corpo fenomenológico e corpo social —, penso que os corpos dançantes elaborados pelos dançarinos e pelas coreógrafas estão mais próximos dos modelos de corpo dionisíaco e do corpo fenomenológico. No modelo de corpo dionisíaco, o corpo torna-se fonte de identificação para o bailarino,

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pois esse modelo permite ver a dança como possibilidade de reinvenção da unidade corpo/espírito: por meio da dança, o bailarino vive o sentimento de uma integração pessoal vivida como unificação do ser. No entanto, esses momentos são efêmeros; eles estão talvez mais próximos das experiências de “estado de graça” (LESAGE, 1998; LEDUC, 2006), vividos pelos bailarinos em ocasiões excepcionais. Assim, o corpo energético, o corpo vulnerável e o corpo amante aproximam-se do corpo dionisíaco.

O corpo fenomenológico permite considerar o corpo como lugar privilegiado da existência: o corpo é o fundamento das ações do sujeito no mundo; o corpo fenomenológico permite compreender a experiência corporal vivida por meio da dança, como uma maneira de aceder ao mundo. Essa experiência favorece a elaboração de saberes que são, antes de tudo, saberes corporais. Identifico, nas concepções do corpo treinado, heterogêneo, autônomo, íntimo, energético, engajado, vulnerável e amante, os atributos desse corpo fenomenológico; um corpo que possibilita conceber a dança como uma experiência do corpo vivido a partir da intensificação da presença corporal. Dessa maneira, por meio do ato de dançar, o bailarino se transforma num campo de presença, condensando o passado, o presente e o futuro em seu corpo.

É preciso ressaltar que o corpo treinado e o corpo vulnerável apresentam certas características do corpo-objeto, como a vontade de aperfeiçoamento e de controle e a visão do corpo dançante como instrumento da vontade do coreógrafo. Penso que esses dois aspectos fazem parte da certos momentos da realização coreográfica de Aquilo de que somos feitos e de Marché aux puces. Não imagino que a construção de corpos dançantes nessas obras seja exclusivamente centrada no bailarino, como sujeito da construção de seu corpo, pois penso que existem sempre momentos de objetivação do corpo nos processos de construção de corpos dançantes.

Do mesmo modo, o corpo treinado e o corpo vulnerável se aproximam também do corpo social. O corpo dançante como corpo social é aquele que encarna os valores morais, sociais e estéticos de um grupo ou sociedade. Os corpos dançantes apresentados como corpos treinados e vulneráveis podem reforçar certos estereótipos sociais: o corpo dançante é um corpo belo, forte, alongado, um corpo

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ideal. Como destacam Fortin e Trudelle (2006), os bailarinos interiorizam as normas de produtividade e os sacrifícios necessários para serem capazes de construir e de oferecer aos coreógrafos um corpo dançante ideal.

No entanto, penso que, na realização dessas duas obras, os bailarinos são, na maior parte do tempo, os sujeitos da construção de seu próprio corpo. Em relação aos processos de formação e de treinamento, os bailarinos demonstram autonomia para fazer suas escolhas, abordando o treinamento mediantes os princípios de respeito ao corpo, suas possibilidades e limites. Se o corpo vulnerável pode ser visto como um instrumento da vontade das coreógrafas, por outro lado, os bailarinos se reapropriam dessa vontade e a transformam segundo seus desejos, sempre criando espaços e meios de expressar sua própria vontade. Sendo assim, o corpo vulnerável é um corpo que se fragiliza para poder aceder a outros estados de corpo e de consciência e para poder se recriar e incorporar novas possibilidades a seu repertório, tornando-se um corpo mais potente. Utilizando as concepções de Merleau-Ponty (1945) sobre corpo habitual e corpo atual, para compreender o corpo dançante, pode-se dizer que a participação em processos de realização coreográfica permite ao corpo dançante habitual se recriar como corpo dançante atual. Isso significa que as experiências vividas em processos de realização coreográfica permitem aos bailarinos assimilar novas percepções e saberes. Desse modo, a colaboração na criação e recriação de coreografias exige que os bailarinos se distanciem de seus hábitos técnicos, interpretativos e criativos, permitindo que reinventem seus corpos em função de um projeto coreográfico específico. Considerações finais

Os processos de realização de Aquilo de que somos feitos e de Marché aux puces abarcam diferentes referências técnicas, poéticas e estéticas pertencentes a estilos e tradições variadas. Do mesmo modo, a criação e recriação dessas obras demanda intensa participação dos bailarinos. A presença do corpo dançante como corpo treinado, heterogêneo, autônomo, íntimo, energético, engajado, vulnerável e amante assinala as correspondências entre as obras coreográficas e os

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projetos de corpo dançante que essas obras acabam por suscitar. Ela exprime igualmente as relações de continuidade entre a dança e vida, revelando que os bailarinos integram a sua prática artística as experiências mais ordinárias e mais íntimas, convergindo-as ao projeto coreográfico do qual fazem parte. Referências ALBRIGHT, Ann Cooper. Choreographing difference: the body and identity in contemporary dance. New England: Wesleyan University Press, 1997. BERNARD, M. Les nouveaux codes corporels de la danse contemporaine. In: PIDOUX, Jean Yves (Org.). La danse, art du 20ème siècle? Lausanne : Payot, 1990. p. 68-76. BOURDIEU, Pierre. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979. BOURDIEU, Pierre. Questions de sociologie. Paris : Minuit, 1992. CSORDAS, Thomas. Corpo, significado, cura. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2008. DANTAS, Mônica. De que são feitos os dançarinos de “aquilo...”: criação coreográfica e formação de intérpretes em dança contemporânea. Movimento, Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 31-57, maio/ago. 2005. DANTAS, Mônica. Corpos em trânsito/Corpos antropofágicos: criação coreográfica e construção de corpos dançantes em Marché aux puces. In: NORA, Sigrid (Org.). Húmus 4. Caxias do Sul: Lorigraf, 2011. p. 13-23. DESPRÈS, Aurore. Travail des sensations dans la pratique de la danse contemporaine: logique du geste esthétique. Paris : ANRT, 2000. FAURE, Sylvie. Apprendre par corps: socio-anthropologie des techniques de danse. Paris: La Dispute, 2000. FORTIN, Sylvie, TRUDELLE, Sylvie. Danseur au travail : j’aim, j’ai mal, beaucoup, passionnément. Cahiers du théâtre-jeu, n. 119, p. 25-32, 2006. FOSTER, Susanne. Dancing bodies. In: DESMOND, Jane (Org.). Meaning in motion: new cultural studies of dance. Durham : Duke University Press, 1997. p. 235-257. FRALEIGH, Sondra. Dance and lived body. Pittsburgh : University of Pittsburgh Press, 1987. GIL, José. Movimento total: o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras, 2004. GRAU, Andrée. L’acquisition de connaissances: l’apprentissage, par le corps, des liens de parenté chez les Tiwi d’Australie du Nord. Nouvelles de danse, n. 34/35, p. 68-85, 1998. KATZ, Helena. A dança é o pensamento do corpo. 1994. 191f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) — Pontíficia Universidade Católica de São Paulo, 1994. LE BRETON, David. Antropologia do corpo e da modernidade. Petrópolis, Vozes, 2011. LESAGE, B. À corps se crée/accord secret; de la construction du corps en danse. In: Histoires de corps, à propos de la formation du danseur. Paris: Cité de la Musique, 1998. p. 61-83.

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Corpo, linguagem e educação

Neires Maria Soldatelli Paviani*

Assim cantou Zaratustra. Mas, quando a dança acabou e as jovens foram embora, sentiu-se triste.

(NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra)

O homem é a articulação de duas ordens: a do corpo e a da linguagem. (RENAUD, 1999, p. 1182)

A experiência humana oferece a profunda certeza da unidade vivida com o corpo e no corpo. [...] É mais exato dizer “sou” o meu corpo, sou corpóreo, do que dizer “tenho”

um corpo. Este é vivido humanamente desde dentro como “eu mesmo”. (PINHO, 1999, p. 1184)

Resumo: Este ensaio examina os conceitos e as funções do corpo como linguagem e da linguagem do corpo, ambos articulados com os processos de formação dos indivíduos na educação. Palavras-chave: Corpo. Linguagem. Educação.

Body, language and education

Abastract: This essay examines concepts and functions of the body as language and body language, both articulated with processes of formation of individuals in education. Keywords: Body. Language. Education.

Cuerpo, lenguaje y educación Resumen: Este ensayo examina los conceptos y las funciones del cuerpo como lenguaje y del lenguaje del cuerpo, ambos articulados con los procesos de formación de los individuos en la educación. Palabras clave: Cuerpo. Lenguaje. Educación.

* Professora Doutora, atuando no curso de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação — Mestrado, da Universidade de Caxias do Sul. Coordena dois projetos, com apoio do CNPq e da Fapergs. Tem alguns livros publicados, outros em coautoria, além de artigos em periódicos acadêmicos.

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Introdução

A linguagem, as palavras, os gestos, os signos nascem do corpo de cada ser humano que se expressa e comunica com os outros, com o mundo. Corpo e linguagem, num certo aspecto, são a mesma coisa. Pode-se falar no corpo da linguagem e na linguagem do corpo. E tanto o corpo como a linguagem são elementos de desenvolvimento e de formação. O sujeito é constituído a partir da educação do corpo e, simultaneamente, da educação linguística. Todavia, para poder entender essas afirmações, é necessário, antes de tudo, voltar o pensamento para o enigma do corpo, para o corpo como expressão, para o corpo como elemento que inaugura o conhecimento humano e é o meio de explosão da consciência de si no mundo. São múltiplos os acessos ao corpo, desde a Biologia até a Psicologia; no entanto, é na arte que talvez se manifeste uma das compreensões mais profundas das relações entre o corpo e a linguagem. O corpo e a poesia Drummond, no livro de poemas Corpo, chama a atenção, numa leve linguagem poética erótica, sobre as contradições do corpo. Já no início do poema, ele mostra a dificuldade que cada um de nós tem de entender o próprio corpo, ao afirmar que “meu corpo é ilusão de outro ser”, pois, ele, o corpo, “sabe a arte de esconder-me”. Numa sucessão de imagens, afirma que corpo é “meu envelope selado” ou “meu carcereiro” ou, ainda, “meu revólver de assustar”. A razão disso é que o meu corpo “me sabe mais que me sei”. (1984, p. 7). Também menciona, nas estrofes seguintes, a dor, a doença, o prazer, etc., que são sentidos antes de tudo pelo corpo e não “por mim”. Diz: “Meu prazer mais refinado não sou eu quem vai senti-lo. É ele, por mim...” (1984, p. 9). Enfim, parece que o eu se estabelece em uma luta entre meu corpo e eu. Nem sempre é possível entendê-lo na sua opacidade, no seu enigma.

Além de ser naturalmente ambíguo, de ser finito e contraditório, existe a nudez do corpo. E Drummond, dela, diz o seguinte: “Nudez, último véu da alma que ainda assim prossegue absconsa.” (1984, p. 13). Nem a “linguagem fértil do corpo” detecta e decifra a nudez. Ela

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está além da pele, do sangue, dos nervos e dos demais órgãos. De fato, é difícil ler o código do corpo. Apesar disso, o corpo fala. Em sua linguagem gestual, muda, de pura expressão, revela-se o sujeito, a consciência de si, a descoberta do outro eu, do reconhecimento do outro. Nele se aninha e cresce o desejo. O desejo o transcende. Por isso, a dança, o canto, a pintura, a música e outras formas de linguagem, a cada momento, num processo incessante, procuram ultrapassar seus próprios limites.

Sem corpo não existe o nascimento, a vida, a morte, e todas as consequências infindáveis desses momentos: a maternidade, o cansaço, o trabalho, o medo, a festa, a alegria, o amor, o ódio, a vontade de voar, de correr, de simplesmente andar, abrir caminhos, descobrir novos limites de espaço e tempo. Finalmente, poderíamos dizer como Drummond que, graças ao corpo, nós podemos encontrar “não a explicação (duvidosa) da vida”, mas inventar “a poesia (inexplicável) da vida”. (1984, p. 95). O corpo e os gestos

Nietzsche, em Humano, demasiado humano, reflete sobre as relações entre o gesto e a linguagem. Escreve, no aforismo 216:

Mais antiga que a linguagem é a imitação dos gestos, que acontece involuntariamente e que ainda hoje, com toda a supressão da linguagem gestual e a educação para controlar os músculos, é tão forte que não podemos ver um rosto que se altera sem que haja excitação do nosso próprio rosto (podemos observar que um bocejo simulado provoca, em quem o vê, um bocejo natural). O gesto imitado reconduzia o imitador ao sentimento que expressava no rosto ou no corpo do imitado. (2000, p. 144).

Observa-se nessa citação que a imitação dos gestos é mais antiga

do que a língua falada. Por sua vez, a imitação dos gestos, de origem corporal, apesar de a educação ter insistido na domesticação dos gestos, ela se faz naturalmente. O gesto imitado nos liga diretamente ao corpo do imitado. E esse é um modo de aprender. Além disso, acrescenta Nietzsche, os gestos de prazer eles próprios são prazerosos. Mais ainda, dos gestos nasce um simbolismo dos gestos, dos signos,

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dos sons. Nesse sentido, a linguagem nasce do corpo e ela se padroniza pela educação. O cochicho e o falar alto, por exemplo, tendem a exagerar ou não o que se comunica. Portanto, sempre há uma relação entre a fala, a voz, o gesto, a expressão do rosto na conversação em geral. Daí, a necessidade de a educação interferir nos modos de fala, nos gestos e na escolha das palavras adequadas para cada ocasião. O corpo e a linguagem

Larrosa, em Linguagem e educação depois de Babel, afirma que “se a negação do corpo mutila o humano, essa mutilação é também da linguagem. Porque assim como o homem, quando é inteiro, é corpo, também a linguagem quando é inteira é corpo”. (2004, p. 168). Assim, quem não possui corpo também não possui linguagem, ou quem, de um modo ou outro, tem problemas com seu corpo poderá ter problemas de linguagem. O corpo e a linguagem não duas dimensões originais e radicais do ser humano.

Sob o ponto de vista da educação, as relações íntimas entre corpo e linguagem podem sofrer interferências positivas e negativas. Nesse sentido, Larrosa afirma que “o culto do corpo do mundo contemporâneo é tão doentio como o horror ao corpo de outros tempos”. (2004, p. 169). Podemos desvirtuar, mediante a exibição e outras estratégias, mediante a doença, o marketing, etc., o equilíbrio entre o sujeito e corpo. Do mesmo modo, também podemos proceder em relação à linguagem. O corpo e a linguagem podem ser calados e, igualmente, podem falar sem dizer nada, isto é, tornarem-se lugar do vazio.

Cabe à educação, especialmente hoje, devolver ao corpo e à linguagem a exata medida da expressão, da comunicação. O excesso de informação, de propaganda, de retórica, de dispositivos, que falseiam as funções do corpo e da linguagem, dificulta a vida humana, as relações sociais e perturba, a curto e médio prazo, a economia da aprendizagem humana.

Assim, a linguagem do corpo e o corpo da linguagem são, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos de educação. Embora, em circunstâncias especiais, possam ser considerados meios, o corpo e a

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linguagem, em sua origem e natureza, não o são. São fins da educação. Essa é a tese que os educadores deveriam assumir e desenvolver em suas práticas. O corpo e a educação

A educação não tem assumido o corpo como um modo de dizer, cuja linguagem requer habilidades de leitura. O corpo como um modo de dizer pode expressar-se de forma silenciosa, contida, sentida, sofrida, resignada, como pode manifestar-se de forma efusiva, escancarada, expansiva, alegre ou triste, exaltada. Esta, por ser mais visível, é também mais facilmente percebida, lida e/ou interpretada. Aquela nem sempre é percebida, compreendida, porque requer sensibilidade do Outro, em perceber que esse dizer contido se volta para dentro, para os sentimentos e as emoções sentidas; porém, não manifestadas a quem não tem olhos para ver, ou que enxerga até onde a vista alcança. Esse aspecto, ou essa capacidade de perceber, nem sempre o professor o tem para fazer leituras da linguagem interior que se diz ou que se manifesta, através do corpo, transpirando, lacrimejando, enrubescendo, tremendo, empalidecendo, emudecendo, doendo, adoecendo, entre outras formas.

Há outras formas de educar as manifestações do corpo. A princípio, elas parecem não ter relação com educação formal e informal, porque as instituições (escola, entidades sociais e governamentais, familiar) estão imersas nos processos culturais (princípios, normas, crenças, costumes, rituais, etc.) de interação social que também seguem padrões pré-estabelecidos.

Historicamente, os cuidados com o corpo têm ficado mais a cargo da educação informal. A família, quando assume essa função, é quem dá conta dessa educação. A escola, outrora, dava orientações de como, por exemplo, em lições de civilidade, portar-se à mesa; de como fazer o asseio/higiene do corpo; de como sentar-se, etc. Ou seja, a questão da postura física já foi mais contemplada na educação em geral. Por outro lado, a determinação social de como o corpo deve portar-se diante de determinadas situações parece engessar as manifestações do homem, não lhe permite possibilidades de outras manifestações corpóreas. A tentativa, por exemplo, de Bourdieu (1979) de explicar

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essa questão por meio da lógica econômica do “estruturalismo crítico” é criticada por Le Breton que diz:

[...] a determinação social dos comportamentos não deixa espaço para a inovação ou para a imaginação dos atores. Ela nos aprisiona na reprodução de compleições físicas e parece desconhecer os aspectos contemporâneos de uma sociedade onde o provisório é a única permanência e onde o imprevisível leva feqüentemente vantagem sobre o provável. O problema que permanece é o da mudança do homem não mais “agente”, mas “ator” da existência social. (LE BRETON, 2006, p. 83).

Na ordem dessas ideias, para que não sejam deterministas, coloca-

se a necessidade de se analisam os fenômenos sob vários ângulos e sob diferentes domínios teóricos, como uma prerrogativa a ser considerada sempre, para permitir que as múltiplas variáveis implicadas nesses fenômenos sejam contempladas nos estudos. O corpo e a sociedade

Hoje, diz Le Breton (2006, p. 84): “A retórica da alma foi substituída pela do corpo sob a égide da moral do consumo. [...] O cuidado de si mesmo, inerente a esses usos, revela uma versão paradoxal do narcisismo.” Os usos do corpo, a que Le Breton se refere são os mencionados por Baudrillard (1970), quando trata dos limites e das ambiguidades da “libertação do corpo” em A sociedade de consumo, que diz:

Sua redescoberta, após uma era milenar de puritanismos, sob o signo da libertação física e sexual, sua inteira presença [...] na publicidade, na moda, na cultura de massa, ou o culto da higiene, da dietética, da terapêutica no qual é envolvido, a obsessão de juventude, de elegância, de virilidade/feminilidade, os cuidados, os regimes, as práticas de sacrifício a ele ligadas, o mito do prazer que o envolve — tudo testemunha hoje que o corpo tornou-se objeto de reverência. (BAUDRILLARD, 1970, p. 200).

Como se percebe, a questão é mais complexa do que parece.

Exige maiores cuidados na sua análise, ou seja, que se examinem muitas variáveis. Percebe-se hoje também que “o interesse febril que dedicamos ao corpo não é de modo algum espontâneo e ‘livre’, mas a

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resposta a imperativos sociais tais como a ‘linha’, a ‘forma’, o ‘orgasmo’, etc.”, diz Vigarello (1982, p. 72 apud LE BRETON, 2006, p. 85).

Le Breton comenta que “o dualismo da modernidade não mais opõe a alma ao corpo, mais sutilmente opõe o homem ao corpo como se fosse um desdobramento. Destacado do homem, modulado conforme o gosto do dia, o corpo se equivale ao homem, no sentido em que, se modificando as aparências, o próprio homem é modificado”. (2006, p. 87).

No entanto, apesar de hoje haver todo um culto ao corpo, ele ainda permanece oculto. “A ocultação do corpo continua presente e encontra o melhor ponto de análise no destino dado aos velhos, aos moribundos, aos deficientes ou no medo que todos temos de envelhecer.” (LE BRETON, 2006, p. 87). Entendemos que não nos educamos para aceitar o envelhecimento do corpo. Muitas vezes forjamos esse aceite, quando dizemos que o “espírito é jovem”. Esse autor segue dizendo que “um dualismo personalizado de algum modo se amplia, é necessário não confundi-lo com ‘libertação’”. A esse respeito comenta, citando Yonnet (1985, p. 121), que “o homem só será ‘libertado’ quando qualquer preocupação com o corpo tiver desaparecido”. (LE BRETON, 2006, p. 87). Mas isso nos parece ser impossível, enquanto estivermos vivos. O corpo é, ao mesmo tempo, ponte e limite. Fronteira no sentido de unir e não de separar. A questão, portanto, não consiste na preocupação com o corpo, mas na ocupação, isto é, no cuidado a ele devido.

A tradição clássica de um modo geral (filósofos, teólogos, cientistas), segundo Renaud (1999), tem colocado os conceitos de corpo e alma numa perspectiva dualista, suscitando, algumas vezes, uma relação do corpo com o fenômeno do conhecimento, principalmente nos diálogos de Platão. Aristóteles desfaz o dualismo platônico. Para ele, o corpo não é “um simples mecanismo, mas um ente dotado de sentido, que tem o seu fim e o seu centro na gravidade em si mesmo e que só se compreende a partir de si próprio e da sua função. O corpo, como matéria informada, é visto como uma totalidade”. (1999, p. 1.178). Ainda na Antiguidade, os textos de Santo Agostinho, Tomás de Aquino, entre outros, tratam das questões do corpo numa perspectiva teológica e/ou metafísica.

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Na modernidade, confirmou-se o corpo “não como condição exterior do espírito, mas como lugar próprio da sua formação”. (RENAUD, 1999, p. 1.178). E, na contemporaneidade, numa visão fenomenológica do corpo, esclarecida pela antropologia, que inscreveu o homem numa linha evolutiva dos organismos naturais, e que, segundo Renaud, a questão da especificidade corporal passou a ser fundamental, perguntando-se, por exemplo: “Qual a essência do homem enquanto organismo?” Responder a esta pergunta requer que se façam várias considerações, mas, aqui, destaca-se a ideia de que “o comportamento humano não é, como o dos outros animais, programado por um patrimônio hereditário submetido ao ciclo repetitivo do instinto, mas passa a inscrever-se no jogo dos modelos que lhe é transmitido pela educação”. (RENAUD, 1999, p. 1181). Na sequência, a autora comenta que “a linguagem é a chave a que o lingüista Jacobson chamou de ‘realidade transacional’ simultaneamente natural, corporal e cultural”. (1999, p. 1.181). E, por sua vez, Freud e Lacan, comenta Renaud,

reafirmam que o corpo efetivamente é susceptível de encarnar, no sentido forte do termo, a ordem da linguagem. [...] Isto porque a complexidade do corpo psíquico consiste na imbricação destas duas ordens: a da vida e a da linguagem. Imbricação que, segundo a psicanálise, não é tão fácil como pretendiam alguns filósofos, porque o corpo humano é pulsional e não instintivo, e por isso, é tensional e conflituoso. (1999, p. 1.181).

As ciências como um todo tentam, por meio de suas investigações,

responder às perguntas que se fazem, no caso, acerca do corpo. Elas, porém, historicamente, têm mostrado que os estudos não esgotam a discussão e que, apesar de ser uma questão tão próxima, tão concreta e inerente a cada ser humano, o corpo se nos apresenta como algo complexo, misterioso, justamente porque, ao mesmo tempo que é comum a todos, é singular enquanto existe em cada ser. Considerações finais

Em linhas gerais, o que se pode dizer é que tudo passa pelo corpo. Inclusive a vida. O corpo é o livro que guarda em suas entranhas a

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história de cada autor seu. Sabe-se, porém que, embora haja sempre quem o escreva, nem sempre há leitores para essa forma de dizer, pois a linguagem dessa obra corpo às vezes se mostra, às vezes brinca de se esconder. As relações entre educação, linguagem e corpo ainda não estão consolidadas devidamente. Ainda são postas como algo existente, porém, não como algo claro e óbvio. Referências ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1984. BAUDRILLARD, Jean. La societé de consummation. Paris: Gallimard, 1970. BOURDIEU, Pièrre. La distinction: critique sociale du jujement. Paris: Minuit, 1979. LARROSA, Jorge Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Trad. de Sonia M.S. Fuhrmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia de Letras, 2000. ______. Assim falava Zaratustra. Trad. de Mario da Silva. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. PINHO, Inocêncio. Homem. Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa/ São Paulo: Editorial Verbo, 1999. p. 1182 -1191. v. 2. RENAUD, Isabel Carmelo da Rosa. Corpo. Logos, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, Lisboa/ São Paulo: Editorial Verbo, 1999, p. 1176-1182. v. 1. YONNET, Paul. Joggers et marathonians: jeux, modes et masses. Paris: Gallimard, 1985. Recebido em 15 de março de 2010. Aprovado em 30 de mio de 2011.

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A função educativa da dança em Platão: as leis, livro II, 652 a — 674 c

Jayme Paviani*

Resumo: O artigo pretende mostrar o caráter moral e pedagógico da dança integrada ao canto e aos ritos sociais e religiosos próprios da cultura grega na Antiguidade. Palavras-chave: Platão e a educação. Dança. Canto. Educational function of the dance in Plato: laws, Book II, 652 a — 674 c Abstract: The article aims to show the moral character and teaching of integrated dance and singing to the rites of their own social and religious culture in ancient Greek. Keywords: Plato and education. Dance. Singing. La educación de funciones de la danza en el pensamiento de Platón:

leyes, Libro II, 652 a — 674 c Resumen: El artículo pretende mostrar el carácter moral y la enseñanza de la danza integrada y el canto a los ritos de su propia cultura social y religiosa en Grecia antigua. Palabras clave: Platón y la educación. La danza. El canto.

O retorno a Platão, neste caso específico, tem como motivo a importância histórica e pedagógica da dança na cultura grega antiga e na pedagogia ético-política platônica. O principal argumento desse retorno não está nas reflexões sistemáticas sobre o caráter constitucional e educacional da dança, mas no testemunho histórico de Platão que considera a dança, o canto, a poesia, a música atividades dos rituais religiosos e sociais da vida nas comunidades gregas antigas.

Platão, nas Leis, livro II, apresenta o que podemos considerar o fundamento ético do coro e da dança, com especial destaque para o coro de Dionísio. Não é o único texto em que Platão fala da dança e de suas relações com o culto religioso, com a poesia e a música e com o projeto educativo, com caráter moral, mas, sem dúvida, é dos mais expressivos. É um dos textos em que o assunto é tratado de modo bastante explícito e suficiente; para o leitor do século XXI, poder

* Professor de Filosofia nos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul.

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estabelecer uma linha de tempo, que vai da Antiguidade até os dias de hoje, e, assim, fazer uma comparação entre os dois horizontes de expectativa e fazer uma avaliação da dança e de sua função ética e estética, cultural e pedagógica nas suas relações com a sociedade.

É próprio do ser humano, da cultura e da sociedade que cada geração crie novas formas de expressão e de comunicação, respeitando e recriando as formas tradicionais. Também é próprio da educação buscar o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Tendo em vista esses princípios, a educação estética da sensibilidade e a educação da corporeidade, a dança, desde os primórdios da civilização e das culturas primitivas são momentos significativos da civilização e meios expressivos do ser humano. A dança é muito mais do que a arte do movimento físico. Sendo gesto, linguagem corporal, expressão artística, manifestação social, mais do que pôr o corpo humano em movimento, a dança é o próprio movimento que nasce do corpo. Assim, no sentido originário, o corpo é a origem da dança, do canto, da música. Ele é o prolongamento da consciência no mundo. A impressão comum de que o corpo é motivado por apelos musicais externos é simplesmente ilusória. Na realidade, só pensamos desse modo porque perdemos a compreensão original das relações entre a mente, o corpo e o mundo, e nos deixamos iludir por essa percepção externa ao fenômeno que separa corpo, consciência e dança.

Além disso, a dança nunca é apenas dança no sentido trivial e comum do termo. Desde sua gênese, ela é corporeidade, movimento, expressão, canto, música, poesia e, portanto, também forma de culto, manifestação social e religiosa, forma artística e comunicação universal. Por isso, a dança, quando entendida como expressão radical do ser humano, devolve-nos os sentidos da presença humana no mundo, nas relações com os outros e com as coisas.

Levando em consideração todos esses aspectos, entre os textos antigos sobre a função da dança, As leis oferecem contribuições relevantes para o entendimento de suas relações da dança com a formação humana e social. Seu caráter educativo, moral, religioso e político, assim como é apresentado no livro II de As leis, reflete a visão de Platão, a qual, sem dúvida, complementa, com um significativo toque de realismo, o pensamento político e pedagógico expresso na República. Trata-se de um texto que fornece uma especial concepção

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da paideia, isto é, da formação cultural e pedagógica do homem grego. É óbvio que entre as duas obras, a República e As Leis, outros diálogos, como o Político, defendem opiniões e posições ligeiramente diferentes. Todavia, n’As Leis, cujo título já sugere, o legislador, figura que se situa entre os homens e o divino, aponta para o consentimento dos governados em relação à legislação como algo fundamental na vida da sociedade. Portanto, na perspectiva da organização social e política da educação, estabelece-se o cenário para entender as reflexões de Platão sobre a dança, o canto, a música.

Os interlocutores, no livro II, de As Leis, procuram inicialmente a correta definição de educação. Após afirmar que as primeiras sensações das crianças são as do prazer e da dor e que, a educação tem como uma das finalidades a capacidade de dirigir ou de disciplinar os prazeres e as dores. A questão que decorre em consequência dessa definição é a de saber se o argumento em questão tem fundamento na natureza ou não e, em vista disso, observa-se

que, quase sem exceção, todos os indivíduos jovens são incapazes de conservar seja o corpo seja a língua imóveis, estando tais jovens sempre procurando incessantemente se moverem e gritarem, saltando, pulando e se deliciando com danças e jogos, além de produzirem ruídos de todo tipo. Ora, enquanto todos os outros animais carecem de qualquer senso de ordem ou desordem nos seus movimentos que chamamos de ritmo e harmonia, a nós os próprios deuses, que se prontificaram a ser nossos companheiros na dança, concederam a agradável percepção do ritmo e da harmonia, por meio do que nos fazem nos mover e conduzir nossos coros, de modo que nos ligamos mutuamente mediante canções e danças; e o nome coro provém do júbilo que dele extraímos. (As Leis, II, 653 e — 654 b).

Nesta breve citação, Platão (a) mostra a unidade ou as relações

estreitas que os gregos antigos tinham da dança, do canto, da poesia, da música com a educação; (b) aponta a inseparabilidade entre a prática religiosa e pedagógica, a vida social e pública; (c) afirma o senso de ordem ou desordem próprio da dança humana, graças aos movimentos de ritmos e harmonia que os deuses nos concedem. Na realidade, na perspectiva da cultura grega e de Platão, a educação deve sua origem a Apolo e às Musas. Assim, o homem educado distingue-se do não educado por seu treinamento nos corais e nas práticas que

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incluem dança e canções. Platão afirma claramente que “o homem bem educado tem a capacidade tanto de cantar quanto de dançar bem”. (654 b).

Para entender melhor as observações de Platão, é preciso nos darmos conta de que a educação da juventude na Grécia antiga tem uma íntima relação com o papel do culto religioso, embora, nesse contexto, seja necessário distinguir entre a educação das meninas para o casamento e o parto e dos meninos para serem cidadãos e guerreiros. Platão fala do coro, que era formado por grupos que executavam uma dança acompanhada de canto. O deus da dança é Dioniso. Os hinos em sua homenagem, ao som dos aulos, eram ditirambos, isto é, cantos-corais apaixonados, com partes narrativas recitadas pelo cantor principal e partes executadas ritualisticamente por cantores vestidos de faunos e sátiros, companheiros do deus Dioniso, e que a ele dedicavam suas vozes. (O poeta Píndaro (418 a 438 a C.), originário da Beócia, nos deixou alguns exemplos de ditirambos, saudando os deuses do Olimpo, e convidando-os para dançar em Atenas).

Os jovens buscam naturalmente o movimento e mostram a tendência de falar. Mas, enquanto os animais não possuem o senso de ordem e de desordem, os humanos recebem dos deuses a “agradável percepção do ritmo e da harmonia”. Na realidade, ritmo e harmonia são elementos estéticos fundamentais para a execução da dança e do canto e igualmente para as demais artes. Nesse caso, a educação tem no entendimento, em primeiro lugar, e na execução do ritmo e na harmonia, em segundo lugar, dois momentos fundamentais.

Mas, Platão não tem o costume de definir os termos de seus enunciados. Ele é afirmativo e sempre está pressupondo a valorização filosófica do belo no canto e na dança. Por isso, apenas podemos deduzir que dançar bem e cantar bem significa alcançar a expressão bela. E somente quem exercita ou treina a voz e os gestos, o ritmo, a harmonia, a melodia nos corais e na música alcança a beleza e, desse modo, “se mantém genuíno em seus sentimentos de dor e de prazer, acolhendo tudo o que é belo e repelindo tudo que não é belo”. (654 d).

Só é bem-educado quem sabe distinguir o que é belo ou não relativamente à dança e ao canto. Em síntese, na concepção platônica, “as posturas (danças) e as melodias (cantos), que se vinculam à virtude da alma e do corpo”, são universalmente belas e as que se vinculam ao

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vício não o são. (655 b). Assim, na educação através da dança e do canto, importam simultaneamente tanto a dimensão estética quanto a ética, apesar do gênero musical dever ser avaliado numa perspectiva moral.

Platão não explica o que é uma dança e um canto de bom nível, mas deixa claro que o mau gosto ou o satisfazer-se com posturas e melodias ruins é danoso. Por isso, ele afirma que as normas (leis) relativas à educação musical e à recreação, estabelecidas corretamente, podem ser ensinadas por aqueles que têm o direito de ensinar o ritmo, a melodia, a letra, etc. aos filhos dos cidadãos e aos jovens nos coros. Todavia, Platão, como na República, também aqui não considera lícito confiar aos poetas a educação dos jovens.

Na realidade, para Platão, existe um método correto na música, nas danças e corais que se apresentam nas festas. Ele supõe que existe uma manifestação artística verdadeira e, em consequência, uma falsa. As festas, por sua vez, não são simples datas que podem ou não ser festejadas com danças e cantos. Ao contrário, existe uma relação estreita entre a dança e o canto e a festa. Uma define e caracteriza a outra. Podemos acrescentar que não se dança por ser dia de festa, mas é festa porque se dança.

A dança nos deixa incapazes de permanecer em estado de repouso. Apesar de Platão afirmar que

também não é verdade que enquanto nossos jovens têm efetiva disposição para dançar, nós, os velhos, achamos que nos convém mais empregar nosso tempo a observá-los, felizes com seus jogos e suas festas, agora que nossa ligeireza nos está abandonando. (657 d).

Na realidade, os concursos também servem para despertar em nós,

idosos, recordações e emoções da juventude. E aquele que nos desperta maior prazer e alegria é julgado o mais apto, proclamado vencedor. Platão, ainda, referindo-se aos velhos, afirma que eles experimentam “mais prazer ouvindo um rapsodo recitar a Ilíada ou a Odisseia de Homero, ou um dos poemas de Hesíodo”. (658 d). E quem melhor declama é proclamado vencedor.

Nesse sentido, a educação proposta às crianças e aos jovens tem em vista aprender os métodos corretos e, assim considerados pelos mais velhos, tem em vista ensinar as virtudes e, entre os bens, em

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ordem de dignidade, primeiro a saúde, depois a beleza e, finalmente, a riqueza (661 a, b). Só o homem virtuoso detém o critério necessário para avaliar o bem, e somente a virtude traz felicidade. Nesse sentido, para se ter coerência, a meta consiste em ensinar uma vida justa, todavia, sem dispensar a aprendizagem do prazer adequado.

Platão informa que, em Esparta, nos festivais, apresentavam-se três coros: o dos meninos, o dos moços e o dos mais velhos. É necessário recordar que o coro inclui necessariamente a dança. O coro das crianças era consagrado às Musas, e o dos moços invoca Apolo, o protetor das artes e da música considerada a medicina da alma. O terceiro coro, formando por pessoas de mais de trinta anos e menos de sessenta, celebra Dioniso. A razão disso reside no fato de que todo indivíduo: crianças, escravos e livres, homens e mulheres e toda a cidade têm a obrigação de entoar os cantos. Especialmente, os mais velhos; embora essa tarefa atribuída aos mais velhos pareça estranha, eles têm o dever de cantar o mais belo e produzir o máximo de bem. (664 a — 665 b).

Quanto aos mais idosos, o ateniense comenta:

Todo aquele que envelhece torna-se relutante à idéia de cantar canções e extrai menos prazer do canto, e quando obrigado a cantar, quanto mais velho e mais moderado for mais se sentirá envergonhado. Não é assim? (666 e).

Diante dessa situação, como estimular o canto e a dança? Sem

dúvida, os mais velhos não podem jejuar durante os treinos da voz como os mais jovens. Nem as crianças ou quem tem menos de dezoito anos pode tomar vinho. Aliás, todos devem tomar vinho moderadamente. Nas festas dedicadas a Dionísio, os que atingem quarenta anos poderão participar simultaneamente do rito religioso e/ou iniciático, celebrando os mistérios e da recreação dos mais velhos. Nesse aspecto, Platão preocupa-se com os idosos, com sua participação no canto e na dança, e procura alternativas mais adequadas para eles. É preciso procurar a música mais apropriada a eles e, talvez, esta seja a dos coros. Finalmente, em tudo é necessário moderação para alcançar o verdadeiro prazer.

Todavia, o prazer não é critério da boa música. Platão, na voz do ateniense, afirma:

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Assim aqueles que estão em busca do melhor canto e da melhor música têm que buscar, como parece, não o que é agradável, mas a que tem retidão, e retidão no imitativo consiste, dizemo-lo, na reprodução do original na sua própria quantidade e qualidade. (668 b).

Platão, em As Leis continua fiel às considerações morais feitas na

República a respeito das artes. Não abandona sua crítica à imitação de cópias. O critério da obra é a boa ou a má qualidade ética, educativa. Isso vale para a dança, o canto, a música, a pintura, a escultura. É preciso saber quando a representação corresponde ou não ao belo, à ideia de beleza. Daí, a necessidade de conhecer ritmos e harmonia, isto é, o verdadeiro sentido dos elementos estéticos. Por isso, nessa altura da conversação, o ateniense observa que todos os indivíduos de mais de cinquenta anos, que estão em condições de cantar devem contar com um treinamento superior àqueles dos coros musicais, porque é necessário que possuam conhecimento e uma pronta percepção dos ritmos e das harmonias, pois sem isso não se poderá reconhecer as melodias corretas. (p. 127). Nesse ponto, o preconceito de Platão contra a multidão reaparece novamente. Para ele, o povo, as pessoas em geral não conhecem plenamente o que é harmonioso e tem ritmo, isto é, o povo, a opinião pública ou comum não percebe a perfeita adequação entre o ritmo e a harmonia que deve existir no canto e, desse modo, dar-lhe uma finalidade. O mesmo vale para os que, nesses eventos religiosos, bebem demais. As almas dos bebedores são mais brandas, como o ferro aquecido (as almas), tornam-se mais maleáveis. (p. 128).

Platão recorda, em termos mitológicos, que a música e a ginástica, mais precisamente, o senso do ritmo e da harmonia teve em sua origem nos humanos a co-autoria de Apolo, das Musas e de Dionísio. Nesse mesmo ponto da conversação, o ateniense discorda de que o vinho (bebido nessas festas religiosas) nos foi dado como uma punição para nos enlouquecer; ao contrário, ele (o vinho)

é um medicamento que nos foi dado com o propósito de facilitar à alma a aquisição do pudor e ao corpo a aquisição da saúde e da força. (673 d).

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Finalmente, o diálogo, em As Leis, livro II, chega ao fim afirmando que somente foi tratada a metade do assunto da dança-coral. Pois, a dança-coral, como um todo, é idêntica à educação como um todo, e a parte dela que concerne à voz consiste de ritmos e harmonias, de movimento (também no sentido de estímulo, motivação, emoção e comoção) corporal e postura, em comum com a vocalização musical, sempre na busca do treinamento que visa à excelência da alma.

Em síntese, o ser humano, ao adquirir o senso do ritmo, deu origem e produziu a dança e, considerando que o ritmo é sugerido e despertado pela melodia, a união desses dois produziu a dança coral e o folguedo. Mas, Platão, sempre com seu viés moralista, ao falar dos folguedos, não é favorável que a polis, o estado, permita a bebida de vinho. Ele que acima fala do vinho como remédio, agora recomenda que os vinhedos sejam mantidos em modestas proporções. Isso, para nós, hoje, aponta que o tema da dança, na visão de Platão, é examinado na perspectiva da cultura, isto é, dos costumes gregos e das concepções platônicas. Trata-se de um assunto, ao mesmo tempo, moral, político, educacional. Filtrá-lo, nesse emaranhado de relações, talvez seja difícil. No entanto, é possível concluir que a dança, desde a Antiguidade, exerce uma relevante função social, religiosa e pedagógica. Referências PLATÃO. As leis, ou da legislação e epinomis. Trad. de Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 1999. PLATONE. Tutti gli scritti. Milano: Rusconi, 1997. Recebido em 10 de março de 2010. Aprovado em 30 de maio de 2011.

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O corpo: um movimento da différance

Evaldo Antonio Kuiava* — Verónica Gomezjurado Zevallos** Resumo: Este estudo pretende mostrar o modo como o corpo ocupou, de uma forma estratégica, ou foi propositadamente colocado num lugar que efetivasse o funcionamento do pensamento da lógica binária tradicional. Essa estrutura binária hierarquizada, criada e mantida no pensamento ocidental, confere ao significante corpo — e tantos outros conceitos — o lugar inferior, marginal, mas que garante ao seu contrário o valor de superioridade. Tomando-se como pressuposto o conceito corpo assumido como condição de possibilidade de ser ao mesmo tempo: corpo, mente, carne, sentidos, racionalidade, experiência, corpo-vivido, corpo-próprio, ambiente, o corpo passa a ser entendido como um movimento da différance,1 ou seja, uma reflexão sobre o corpo trilhada dentro (ou fora) do pensamento do filósofo francês Jacques Derrida. Esse pensamento, denominado também desconstrução, coloca em questão tudo aquilo que se apresenta com a pretensão de se confirmar e afirmar como uma única verdade estável e absoluta. Mediante leitura de certos textos acerca do corpo, produzidos e delineados durante séculos de tradição ocidental — embora com suas respectivas modificações, serão visualizadas as estruturas binárias, sempre em oposição, nas quais o corpo foi inserido e as quais deverão ser desconstruídas. Palavras-chave: Desconstrução. Différance. Corpo.

The body: a movement of différance

Abstract: This study aims to show how the body held in a strategic way, or was purposely placed in a place that effect the operation of the traditional binary logic thinking. This hierarchical binary structure, created and maintained in Western thought gives to the significant body — and many other concepts — the worst and marginal, but assure to its opposite value of superiority. Taking for granted the concept 'body' given as a condition of possibility of being at once body, mind, flesh, senses, rationality, experience, body-lived, own-body, environment, the body is understood as a movement of différance, or a reflection on the body, traveled inside (or outside) the thought of French philosopher Jacques Derrida. This thought, also called deconstruction calls into question everything that is presented with the intention of

* Doutor em Filosofia, professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação — Curso de Mestrado em Educação e Pós-Graduação em Filosofia — Curso de Mestrado em Filosofia; Pró-Reitor Acadêmico da Universidade de Caxias do Sul (UCS). ** Professora na Universidade de Caxias do Sul — UCS. Doutoranda em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). 1 Nas traduções ao português dos textos de Derrida podemos observar várias formas de tradução do termo différance: ‘diferência’, ‘diferância’, ‘diferança’ ou ‘diferensa’. Seguindo a proposta realizada por Derrida sobre a indagação a respeito do processo tradutório e especialmente na marca inaudível no termo, optamos por conservar différance na língua original.

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confirming and affirming as a single absolute and stable truth. By reading some texts about the body, produced and designed over centuries of Western Tradition — with its subsequent amendments, it will be possible to see the binary structures, always in opposition, in which the body is inserted and which are necessary to deconstruct. Keywords: Deconstruction. Différance. Body.

El cuerpo: un movimiento de la différance

Resumen: Este estudio pretende mostrar el modo como un cuerpo ocupó, de una forma estratégica, o fue de propósito, colocado en un lugar que efectuare el funcionamiento del pensamiento de la lógica binaria tradicional. Esta estructura binaria jerarquizada, criada y mantenida en el pensamiento occidental confiere al significante cuerpo — y tantos otros conceptos — el lugar inferior, marginal, pero que garante a su contrario el valor de superioridad. Se toma como presupuesto el concepto de ‘cuerpo’ asumiéndolo como condición de posibilidad de ser al mismo tiempo: cuerpo, mente, carne, sentidos, racionalidad, experiencia, cuerpo-vivido, cuerpo-propio, ambiente; el cuerpo pasa a ser entendido como un movimiento de la différance, es decir, una reflexión, sobre el cuerpo, trillada dentro (o fuera) del pensamiento del filósofo francés Jacques Derrida. Este pensamiento, denominado también desconstrucción, coloca en cuestión todo aquello que se presenta con la pretensión de confirmarse e afirmarse como una única verdad estable y absoluta. Por medio de la lectura de ciertos textos acerca del cuerpo, producidos y delineados durante siglos de tradición occidental — aunque con sus respectivas modificaciones, serán visualizadas las estructuras binarias, siempre en oposición, en la cuales el cuerpo fue inserido y las cuales son necesarias desconstruir. Palabras clave: Desconstrucción. Différance. Cuerpo. Introdução

Os atuais discursos acerca do corpo nascem, por um lado, da necessidade histórica de explicar e de explicitar fenômenos psíquicos, sociais e biológicos decorrentes das transformações e das mudanças científicas ocorridas a partir da segunda metade do século XX. Por outro lado, o corpo se tornou um assunto em moda, graças à vinculação dada especificamente pela mídia, transformando-o num produto de consumo, de troca, regulado e controlado por padrões de beleza, por comportamentos e ideologias, frutos de um pensamento proveniente de uma visão idealista de progresso em todas as esferas da vida humana e não humana.

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Leituras do corpo

As leituras aqui realizadas, acerca do corpo, partem de textos de autores dominantes na tradição filosófica, cujos pensamentos e teorias permanecem vigentes até os dias atuais. Teorias que, de alguma forma, realizaram separações arbitrárias entre alma2/corpo, mente/corpo, matéria/forma, dentro/fora, entre outras, na tentativa de explicação dos fenômenos da natureza humana e do mundo, sempre em busca de uma verdade absoluta, de uma essência, de um ponto sólido e estável, que justifique a existência do homem. Durante a tradição filosófica, o corpo é inserido em várias dicotomias, cuja estrutura é sempre hierarquizada. Nessa relação, o lugar outorgado ao corpo não é aquele no qual a correspondência entre os opostos acontece, ou um lugar onde as categorias ontológicas opostas se estabelecem. Ao contrário, a implicação do corpo é meramente secundária, uma garantia do funcionamento lógico-formal na sua relação com a alma, o espírito, o intelecto.

Um dos primeiros e mais tradicional dualismo no qual o corpo se encontra inserido é o da divisão entre alma/corpo constituído por Platão (427 — 348/347 a.C.). O corpo, em Platão, tem uma relação direta com a questão da imortalidade da alma. Sua argumentação é demonstrada no Fédon, cuja alma está sujeita aos renascimentos cíclicos num corpo. Essa teoria se justifica tanto pelas teorias dos contrários, da reminiscência — elaborada também no Mênon e no Fedro — e a da semelhança. No Fédon, na teoria dos contrários, sempre existe uma relação de dependência entre ambos: “É das coisas contrárias que nascem as que lhe são contrárias.” (71a). De algo que é maior surge o menor, assim como de algo que era menor surge o maior, isto é, “os contrários não nascem senão de seus próprios contrários.” (70e). Esse é o princípio da geração, sem o qual, as coisas permaneceriam no

2 Neste estudo a noção de alma é considerada no sentido de psique, fora de qualquer conotação religiosa dada especificamente pelo Cristianismo. Faz-se referência ao termo grego Psique, que se tornou o eixo, através do qual se constituiu todo o discurso da filosofia tradicional e fez, deste, o pilar de sustentação da metafísica ocidental. O conceito psique, deriva do grego psykhé, que aparece como derivação do verbo psýkhein — soprar, emitir um sopro. Sendo uma palavra ambígua, ela significa originalmente alento e também sopro. Uma vez que alento é uma das características da vida, o termo psique era utilizado como sinônimo de vida. Por outro lado, era considerado como sinônimo de alma em referência ao princípio da vida.

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mesmo lugar e não se daria origem ao movimento, ao devir. Outro princípio dentro da teoria dos contrários é o da participação. Enquanto a alma participa da essência da vida, o corpo somente é vivo por conta da alma, pois sem ela o corpo cessa, mas a alma permanece viva, pois ela é, antes de tudo, “uma coisa imortal e indestrutível”. (107a). Com relação à reminiscência, no Fedro, Platão argumenta que “a inteligência do homem deve se exercer de acordo com aquilo que se chama Ideia: isto é, elevar-se da multiplicidade das sensações à unidade racional. Ora, esea faculdade nada mais é que a reminiscência das Verdades Eternas que ela contemplou.” (249d). A alma, nas vezes que se encontra em estado puro — ou seja, separada do corpo, contempla as coisas em si do mundo inteligível; desse modo, não há nada que ela não tenha apreendido. Se não fosse desse modo, “a alma nunca poderia animar um corpo humano”. (250a). Por fim, na teoria da semelhança, “quando estão juntos a alma e o corpo, a este a natureza consigna servidão e obediência, e à primeira comando e senhorio. Sob esse aspecto, qual dos dois se assemelha ao que é divino, e qual ao que é mortal? (80a). Platão afirma, por analogia, que a alma, por ser única e indissolúvel, assemelha-se às coisas eternas, imortais e divinas; enquanto o do corpo, multiforme, composto e corruptível é mortal. A união da alma e corpo, em Platão, é meramente acidental: a alma é um elemento eterno e divino, que teve a possibilidade de contemplar o mundo das ideias, ou seja, está diretamente ligada à perfeição do mundo das ideias, enquanto o corpo, como elemento material, é um obstáculo tanto na ordem do conhecimento quanto na ordem da conduta moral.

Existe uma diferença entre a tradição dualista, que tem suas raízes em Platão, e a tradição aristotélica. Para Aristóteles, há uma unidade de corpo (materialidade) e alma (forma), sem considerar o corpo como uma entidade separável da alma. Para o autor, não há uma alma separada do corpo, nem a alma é uma substância no interior de uma outra substância. Ao contrário, em Aristóteles a alma designa, sob o ponto de vista físico e biológico, as operações que realiza um determinado corpo. Embora seja de modo diferente da distinção realizada por Platão, entre o corpo — parte mortal — e a alma — imortal, Aristóteles realiza uma nova separação

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entre o ser-em-potência da vida no corpo físico animado e seu ser-em-enteléquia, já que a realidade formal do corpo não é outra coisa senão a alma, a alma como enteléquia. Os órgãos corporais (olhos, ouvidos, etc.) constituem partes do corpo físico às quais correspondem sempre, na enteléquia primeira, partes da alma (a visão, a audição etc.), mesmo se há também enteléquias — o intelecto (noûs), passivo (pathelikós) e agente (poietikós) — que não pertencem a corpo algum (CANTO-SPERBER, 2007, p. 358).

Na visão aristotélica, jamais foi considerado o corpo humano

separado ou separável da alma. Entretanto, no momento em que a enteléquia é assinalada por Aristóteles como a ação perfeita que tem em si o seu fim, estabelece-se uma separação não entre a alma e o corpo, mas de uma parte constitutiva da alma que seria o intelecto. O intelecto é uma função cognitiva que opera no interior da faculdade discriminativa geral, cujo funcionamento é dado por duas operações distintas, a saber: a sensação e a razão. Por seu lado, a imaginação teria por função realizar a ligação entre essa duas operações. Segundo Aristóteles, o pensamento é “uma operação natural da faculdade discriminativa humana, que reconhece por conceitos o que é apreendido na sensação e reproduzido na imaginação”. (ZINGANO, s/d, p. 57). Enquanto o corpo é o instrumento que tem a função de viver e de pensar, a alma é o ato dessa função.

Na Idade Média, longo período fundamentado em pilares morais e religiosos, é retomado o dualismo alma/corpo com uma nova perspectiva. A tensão binária se organiza entre a concepção da pureza da alma e a visão pecaminosa e corrupta do corpo. Contudo, cabe destacar que, nessa época, o corpo e a alma estavam unidos — influência do pensamento aristotélico —; por esse motivo, para alcançar a pureza da alma era necessário primeiro purificar o corpo.

A alma, como podemos ver em todos os seres humanos, vivifica com sua presença este corpo terreno e mortal, ela o unifica, e o mantém organizado como corpo vivo, e não permite que se dissolva nos elementos de sua composição orgânica. [...] Estando a alma livre de toda imperfeição, e purificada de seus pecados, alegra-se finalmente nela mesma, nada mais teme, nem se tranqüiliza por coisa alguma, a menos que seja, nos assuntos interiores. (AGOSTINHO, 1997, p. 154-160).

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Nesse sentido, intensificam-se os discursos sobre a renúncia dos prazeres carnais para obter a salvação da alma. Tomás de Aquino, contra a tradição platônica, afirma que a alma não é uma alma num corpo. A essência do homem é um composto de corpo e alma, mas não como se o homem fosse uma alma racional adicionada a um corpo, pois a relação seria meramente acidental. Embora a alma humana, em Tomás de Aquino, seja forma de um corpo e não exista antes deste, sua parte superior e específica — o intelecto (que é um para todos os homens) — independe do corpo e pode subsistir sem ele. Pode-se dizer que, de certa forma, a alma dos antigos — no ponto de vista do intelecto — possivelmente começa a adquirir uma demarcação do eu pensante, na qual, séculos mais tarde, Descartes terá bases para a conformação do novo pensamento da modernidade.

A modernidade, fruto de um conjunto de transformações como as grandes navegações, a concepção heliocêntrica, a secularização do conhecimento, o antropocentrismo, dão início a uma nova visão de homem no mundo e, consequentemente, às concepções acerca do corpo. Contrapondo a negação do corpo do pensamento medieval, percebe-se um hedonismo (culto ao prazer), e uma crescente dessacralização do corpo. É evidente a necessidade de “libertação” do corpo, escondido, punido e reprimido sob o domínio religioso; e. ao mesmo tempo, o corpo irá cair novamente numa encruzilhada, num outro domínio, numa nova relação hierárquica dominante, a saber: na “razão”.

Do ponto de vista filosófico, Descartes será aquele que marcará a diferença entre alma e corpo, como diferença ontológica entre a res cogitans e res extensa — extensão temporal e espacial.

Considero que não notamos que haja algum sujeito que atue mais imediatamente contra nossa alma do que o corpo ao qual está unida, e que, por conseguinte, devemos pensar que aquilo que nele é uma paixão é comumente nele uma ação; de modo que não existe melhor caminho para chegar ao conhecimento de nossas paixões do que examinar a diferença que há entre alma e corpo (DESCARTES, 1973, p. 227).

Essa separação é concebida como privilégio da alma de fundar a

existência humana, ao contrário do corpo, denegrido e reduzido à

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materialidade de sua extensão. O pensamento cartesiano instaura a fragmentação da percepção do corpo humano pensado a partir da imagem da máquina e comparado aos relógios e às fontes artificiais. Descartes realiza uma comparação entre o corpo de um homem vivo e o de um morto, com “um relógio ou outro autômato, isto é, outra máquina que se mova por si mesma”. (DESCARTES, 1973, p. 228). Essa visão parte, de certa forma, da concepção das ciências matemáticas e naturais serem consideradas domínios de precisão; desse modo, o corpo depende dessas ciências para desvendar suas verdades, enquanto a mente se apresenta como autoevidente, amparada no critério das ideias claras e distintas. Posteriormente, essa visão mecanicista, na Anatomia e na Medicina, fará do corpo uma simples soma mecânica de partes e um agregado de órgãos.

A visão do corpo, numa posição distinta a de Aristóteles e também compreendida fora do dualismo proposto por Platão e Descartes — mente/corpo — será apresentada somente séculos mais tarde, especialmente com Hegel, Freud, Marx e Nietzsche. Essas novas concepções produzirão o pensamento fenomenológico proposto por Husserl e Merleau-Ponty, entre outros. Uma transformação radical na concepção filosófica acerca do corpo é realizada pela fenomenologia, especificamente com Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty. Esse novo entendimento do corpo será também desenvolvido entre outros campos do saber, como na Psicanálise, na História social, na teoria da linguagem, etc.

A fenomenologia de Husserl é, de certa forma, uma superação do dualismo corpo/mente, e, ao mesmo tempo, uma proposta para a concepção de uma nova oposição entre o corpo-vivo (Leib) e o corpo estritamente físico (Körper). Segundo Husserl, “cada eu encontra-se a si mesmo como tendo um corpo orgânico (organischen Leib) que não é, por sua parte, nenhum eu, senão uma ‘coisa’ espaço/temporal ao redor da qual se agrupa um entorno que se estende sem limites”. (HUSSERL, 1994, p. 48). Segundo o autor, a relação do eu, das vivências do eu, acontecem pela experiência em dependência, de certo modo, do corpo, dos seus estados e processos corporais. Através da distinção entre carne e corpo, Husserl analisa os problemas da corporeidade na relação com as questões do tempo, do espaço, da intencionalidade e da estrutura da percepção. Embora no pensamento husserliano não se

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tenha uma clara distinção da relação existente entre os dois entendimentos de corpo, não se pode negar a importância dada por Husserl ao corpo, propondo uma ralação entre o corpo, as coisas e os outros, como modo de conhecer o mundo objetivo. “Como se poderia pensar a realidade espiritual, o sujeito eu sem corpo?” (HUSSERL, 1994, p. 197).

Esse será o caminho para as posteriores investigações fenomenológicas realizadas especialmente por Merleau-Ponty. É no pensamento de Merleau-Ponty que o corpo passa a ser compreendido como mediador de toda experiência possível. Na Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty descreve a relação entre o sujeito e o corpo no mundo, procurando mostrar como o corpo não é um mero objeto orgânico (Körper) no mundo e, também, não é ideia, é corpo vivido (Leib). A experiência vivida revela o corpo próprio. Segundo Paviani, com a noção de corpo próprio, Merleau-Ponty na sua fenomenologia descritiva procura

superar os conceitos metafísicos de sujeito, objeto, mundo, consciência, conhecimento, pensamento, evocando a gênese do pensamento no ato de expressão que se dá no mundo da vida, assim como havia sido proposto por Husserl. Porém, essa tentativa nem sempre esclarece a ambigüidade instaurada pelo corpo próprio, e mais, essa ambigüidade é transferida à noção básica de expressão. (PAVIANI, 1998, p. 59).

Com a noção de corpo próprio são reveladas características da

corporeidade como um corpo imbricado na sua relação com o mundo, pela experiência perceptiva primordial na constituição dos sentidos e da subjetividade. O corpo, como corpo próprio ou vivido é solidário à noção de consciência perceptiva e à maneira pela qual nos instalamos no mundo. O sujeito de conhecimento percebe, segundo seu corpo, o intermédio obrigatório entre o mundo real e a percepção. Merleau-Ponty explica que “o corpo próprio torna-se massa material e correlativamente o sujeito se retira dele para contemplar em si mesmo suas representações”. (MERLEAU-PONTY, 1975, p. 224). O corpo, a partir de Merleau-Ponty, deixa de ser entendido como um simples objeto.

Marca-se desse modo um novo paradigma e se estabelece a necessidade de uma revisão de conceitos e posturas, levando em conta a intencionalidade operante do corpo. “O corpo é o veículo do ser no

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mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente nele.” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 122). Por meio do corpo, que “é o pivô do mundo: sei que os objetos têm várias faces porque eu poderia fazer a volta em torno deles, e, neste sentido tenho consciência do mundo por meio do meu corpo”. (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 122). Para o autor, o corpo é o ponto de vista do mundo de cada um, ou seja, a compreensão do mundo é somente possível por meio do corpo, não só como um campo exterior das coisas, mas onde se localizam as sensações.

Nos estudos contemporâneos acerca do corpo, Foucault realiza uma argumentação do poder exercido sobre o corpo, uma relação entre o saber e o poder. Segundo Foucault, o eu, conforme a visão tradicional, não existe. Para ele, o sujeito se constrói por suas ações, estratégias, técnicas e seus processos, que formam o eu. “Não é o consenso que faz surgir o corpo social, mas a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio dos indivíduos”. (FOUCAULT, 1979, p. 146). Segundo o autor, o poder produziu efeitos dominantes sobre o corpo como consequência das conquistas de ideologias que supõem um sujeito humano — fornecido pela tradição ocidental — dotado de “uma consciência do que o poder viria a se apoderar” (FOUCAULT, 1979, p. 148). Com o modelo disciplinar dos séculos XVII e XVIII, segundo Foucault, nasce “uma arte do corpo humano que busca não apenas o acréscimo de habilidades, nem tampouco o fortalecimento da sujeição, mas a formação de um mecanismo pelo qual o corpo se torna mais obediente quanto mais útil, e vice-versa”. (FOUCAULT, 2009, p. 89). O domínio sobre o corpo foi adquirido pelo seu efeito no investimento pelo poder: o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo, o que conduz ao desejo de seu próprio corpo.

Segundo Foucault, os corpos são fabricados pelas disciplinas, as quais controlam o indivíduo, entrando numa “maquinaria que o explora, o desarticula e o corrompe”. (FOUCAULT, 2009, p. 89). A disciplina não visa a obter corpos que consigam realizar o que eles desejam, mas, por meio das ações regulares das técnicas, se pretende a rapidez e eficácia do seu funcionamento. O corpo precisa ser direcionado, e seu tempo deve ser “medido ou plenamente utilizado” (FOUCAULT, 2009, p. 89), já que suas forças devem ser continuamente

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concentradas no e aplicadas ao trabalho. A disciplina permite fabricar corpos submissos e exercitados — corpos “dóceis”, por um lado, ela aumenta as forças do corpo — visto de uma forma utilitária do corpo, e por outro lado, ela diminui essas mesmas forças, já que eles se tornam elementos de obediência. Um corpo dócil é aquele que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado, tornando-se hábil e capaz de desempenhar muitas funções e, ao mesmo tempo, ser submisso. Traçando caminhos

Por meio da desconstrução, é possível visualizar como na estrutura da lógica binária tradicional seus termos não estão em simples oposição. O corpo e as estruturas binárias, nas quais implícita ou explicitamente se encontra inserido, não são relações cujos termos “negociam” sua convivência, assim como também não existe uma alternância na importância ou no valor exercido um sobre outro. A desconstrução é um modo de leitura que permite visualizar a inserção do corpo na negociação das oposições, quer dizer, o corpo ‘é’ o movimento da différance. Mas o que é a différance?

Segundo Derrida, é impossível a conceituação absoluta de qualquer conceito. Os conceitos se encontram sempre inseridos em sistemas que fazem referência a outros conceitos, por meio de um jogo sistemático das diferenças. Nesse princípio, a diferença não é mais um conceito, mas a possibilidade de conceituação do processo e dos sistemas conceituais em geral. Por essa mesma razão, Derrida argumenta que “o motivo da différance, quando marcado por um ‘a’ silencioso não atua na verdade nem como ‘conceito’ nem simplesmente como ‘palavra’”. (DERRIDA, 2001a, p. 46). Essa estranha lógica não impede à différance de produzir efeitos conceituais e associações verbais, sendo seu traçado desenvolvido numa outra forma que não a do discurso filosófico regulado a partir de um único princípio. Esse pensamento é introduzido em um jogo que anuncia a unidade do acaso e da necessidade sem uma reapropriação última do movimento ou de uma intenção final.

Para percorrer pelo movimento da différance, Derrida realiza uma análise semântica do verbo diferir. O neologismo différance é derivado

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do verbo francês différer, em latim differre, o qual possui dois sentidos bem-distintos. Por um lado, o differre latino não é simplesmente a tradução do diaphareîn grego. Esse não comporta um dos sentidos do differre latino, a saber: “A ação de remeter para mais tarde, de ter em conta o tempo e as forças numa operação que implica um cálculo econômico, um desvio, uma demora, um retardamento, uma reserva, uma representação.” (DERRIDA, 1991, p. 38,39). Nesse sentido, a différance pode ser entendida como aquilo que sempre posterga, deixa para depois, desloca para o futuro, um futuro inatingível. Com esse deslocamento, poder-se-ia afirmar que a différance supõe um constante processo de diferenciação. Segundo Derrida, “a différance remete ao movimento que consiste em diferir, por retardo, delegação, adiamento, reenvio, desvio, prorrogação, reserva”. (DERRIDA, 2001a, p. 14). Todos esses conceitos podem ser resumidos em uma palavra: temporização. O sentido temporizador não se encontra no diaphareîn grego, fazendo com que o differre latino signifique bem mais do que a simples tradução de uma língua mais filosófica, o grego, numa língua considerada menos importante, o latim. Temporizar, nesse sentido é diferir, é recorrer, aceitando conscientemente, ou não, a mediação temporal de um desvio econômico, que suspende a realização de um desejo ou uma vontade, de um modo que lhe anule ou modere o efeito.

O outro sentido do différer (diferir) é mais facilmente identificável: não ser idêntico, ser outro, não ser o mesmo, diferenciar-se, distinguir-se. Para o autor, as diferenças são elas próprias os efeitos de transformações, sendo a différance o movimento que as produz, ou seja, que as difere. Isso não significa que a différance, que produz as diferenças, seja anterior a elas. Tudo é diferido, prorrogado, deslocado. Nesse processo permanente de diferenciação, a différance nada é em si mesma, não é nem a origem de todas as diferenças, nem uma diferença primária e primeira. Ela não é um tipo privilegiado de diferença, a partir da qual todas as outras diferenças acontecem, pois não é fixa. Esse sentido da différance, o de ser distinto, ser diferente, aponta para uma não existência de um ser unitário, presente e originário, “a différance é a ‘origem’ não-plena, não-simples, a origem estruturada e diferente das diferenças”. (DERRIDA, 1991, p. 43). A différance não é precedida pela unidade originária e indivisa de uma possibilidade

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presente, ou seja, nada precede a différance, somente existem efeitos inscritos em um sistema de différance, “o que difere a presença é o contrário, aquilo a partir do qual a presença é — em seu representante, em seu signo, em seu rastro — anunciada ou desejada”. (DERRIDA, 1991, p. 15). A différance é o movimento das diferenças no qual os elementos ou signos se relacionam com outra coisa que não eles mesmos. Sendo assim, o nome de origem não é mais pertinente. A partir da Différance não se poderia mais denominar origem ou fundamento, já que esses conceitos pertencem essencialmente à história da ontoteologia, ou seja, segundo Derrida (2004a, p. 29), “a todo um sistema funcionando como apagamento da diferença”.

Para abordar o outro sentido do différer, Derrida novamente utiliza duas palavras francesas: différent (diferente) e différend (diferendo), que são graficamente diferentes, mas, foneticamente iguais. Por meio disso, o autor relaciona o différent e o différend, por um lado, como alteridade de dessemelhança (distinção qualitativa ou quantitativa) e, por outro, como alteridade de polêmica (divergência de opinião, distinção, guerra), uma vez que ambos demarcam um distanciamento, intervalo, espaçamento. O espaçamento não indica apenas um intervalo, o espaço constituído entre dois, mas um movimento produtivo, prático, uma operação, ou seja, um movimento de afastamento. É no espaçamento que se produz a articulação do espaço e do tempo: devir-tempo do espaço e devir-espaço do tempo; “constituição originária” do tempo e do espaço. O movimento, o devir-espaço e o devir-tempo são possibilidades de não fixação que abalam tudo o que é fixo, rígido e imóvel.

O conceito de différence (com e) não pode nunca remeter, nem para o diferir, como temporização, nem para o diferendo, como espaçamento. A différance pretende ser uma síntese (não no sentido dialético) do duplo movimento: diferente/dessemelhante e diferente/prorrogado, remetendo simultaneamente para toda a configuração das suas significações.

É necessário também esclarecer que a terminação ance, da différance, no uso da língua francesa, permanece indecisa entre o passivo e o ativo, o que faz com que a différance não seja nem simplesmente ativo nem simplesmente passivo. O a da différance nos remete a um pensamento tanto de atividade, pois é um movimento

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sempre já dado, quanto de passividade; o jogo é independente de qualquer vontade.

Na visão de Derrida, existe uma necessidade de desconstruir essas oposições. A desconstrução de qualquer um dos pares em oposição, sobre os quais se construiu a filosofia, tão naturais a toda reflexão e a todo discurso, não pretende apagar a oposição, mas anunciar uma necessidade tal, em que um dos termos apareça como a différance do outro termo, como o outro diferido do seu contrário. Essa desconstrução estaria envolvida em um movimento duplo, dois momentos que não se constituem em duas fases cronologicamente estabelecidas. O primeiro momento opera num movimento de inversão: “Desconstruir a oposição significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia. Descuidar-se dessa fase de inversão significa esquecer a estrutura conflitiva subordinante da oposição.” (DERRIDA, 2001a, p. 48). Essa primeira fase tenta evitar a neutralização rápida das forças, procurando pensar o segundo termo como principal e originário, interditando tudo o que estava reprimido na hierarquia anterior. Ressaltando sempre que a inversão não corresponde a uma fase cronológica, adverte Derrida: “A necessidade dessa fase é estrutural, ela é, pois, a necessidade de uma análise interminável: a hierarquia da oposição dual sempre se reconstitui.” (DERRIDA, 2001a, p. 48).

O segundo momento, inseparável do primeiro, corresponde a um afastamento do sistema em questão. Isso equivale a um deslocamento com relação ao sistema a que pertenciam os termos de uma dada oposição conceitual. A prática da desconstrução, portanto, consiste em inverter a hierarquia tradicionalmente estabelecida entre um conceito e seu oposto correspondente, para, em seguida, estabelecer não a redução de um conceito a outro, mas a um jogo. O que se estabelece é a incessante alternância de primazia de um termo sobre o outro, abrindo espaço para novas possibilidades e conceitos que não se deixam apreender pela dicotomia tradicional, produzindo assim uma situação de constante (in)decisão. Essa inversão e o deslocamento conduzem a um âmbito, não de contradição entre os pares opostos da tradição metafísica, nem a uma lógica que sempre nos retêm no “isto ou aquilo”, mas a uma transição constante e simultânea entre os elementos; nem/nem, nem um nem outro, mas, ao mesmo tempo ou ou

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um ou outro. Esse pensamento permite pensar o corpo como movimento da différance, como condição de possibilidade que permite as ‘negociações’ necessárias para a relação entre os termos em oposição acontecerem. O corpo: um movimento da différance

Torna-se evidente como os diferentes enfoques dos estudos e das representações do corpo, ao longo da tradição ocidental, estão vinculados à estabilidade e fixação conceitual, bem como a uma argumentação como necessidade ontológica em torno de uma origem, da existência de uma realidade essencial do ser, fundamentada na ilusão logocêntrica da estabilidade de uma presença plena e uma identidade. O corpo em movimento da différance conduz as representações acerca do corpo a um âmbito, não de contradição entre os pares opostos, no qual foi inserido na tradição ocidental, mas a um pensamento de transição constante e simultânea entre os termos em oposição.

A différance neutraliza as oposições binárias da metafísica e, ao mesmo tempo, as confirma, pois reside no campo fechado dessas oposições. O a silencioso interrompe a concepção tradicional de diferença, na qual os diferentes são necessariamente opositivos e hierarquizados. Desse modo, não cabe mais distinguir o corpo em instâncias separadas e, menos ainda, representá-lo como um produto ou um objeto de mediação, assim como também não se pode pretender fixá-lo num único significado, outorgando-lhe uma centralidade, a partir da qual é estabilizada a sua compreensão. O corpo, na relação com a sua presença (ausência), com a sua identidade (diferença), com seu dentro (fora) está ligado diretamente ao movimento da différance.

O corpo talvez seja esse a silencioso, a marca, a rasura, o espaçamento que produzem as negociações opositivas e as significações dos conceitos; nesse sentido, o corpo talvez seja o modo silencioso das decisões. Afirmando que a desconstrução é movimento, sempre sujeito aos novos contextos, novas leituras e a novas constatações e interrogações, pode-se dizer que se a desconstrução é o que acontece, o corpo é o onde acontece; se a différance é estratégia geral da desconstrução, é no corpo que se produz essa estratégia; se a

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desconstrução é a possibilidade de abertura ao outro, é o corpo que permite tal abertura, cuidando sempre de não se fixar numa identidade determinada. Referências AGOSTINHO. Sobre a pontecialidade da alma. Petrópolis: Vozes, 1997. BENNINGTON, Geoffrey; DERRIDA, Jacques. Jacques Derrida. Madrid: Cátedra, 1994. CANTO-SPEBER, Munique. Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo: Ed. da Unisinos, 2007. DERRIDA, Jacques. Margens da filosofia. Trad. de Joaquim Torres Costa e Antônio M. Magalhães. São Paulo: Papirus, 1991. ______. Posições. Belo Horizonte: Autêntica, 2001a. ______. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004a. ______. Papel máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004b. ______. A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras, 2005. ______. La desconstrucción en las fronteras de la filosofía. Trad. de Patricio Peñalver. Barcelona: Paidós Ibérica, 2001b. DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elisabeth. De que amanhã... diálogo. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004b. DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Abril Cultural, 1973. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. ______. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. ______. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2004. HUSSERL, Edmund. Ideias para a fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica. São Paulo: Ideias & Letras, 2006. ______. Problemas fundamentales de la fenomenología. Madrid: Alianza, 1994. ______. Meditaciones cartesianas. México: Fondo de Cultura Económica, 1986. MAES-CLAUS, Francisco. O pensamento de Sto. Tomás de Aquino. São Paulo: Íris, 1959. MERLEAU-PONTY, Maurice. A estrutura do comportamento. Belo Horizonte: Interlivros, 1975. ______. Fenomenologia da percepção. São Paulo: M. Fontes, 1999. PAVIANI, Jayme. Formas do dizer: questões de método, conhecimento e linguagem. Porto Alegre: Edipucrs, 1998. ______. Filosofia e método em Platão. Porto Alegre: Edipucrs, 2001. PLATÃO. Fedro. Trad. de Alex Marins. São Paulo: M. Claret, 2004. PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1987. ZINGANO, Marco Antônio. A filosofia de Aristóteles: um olhar para as formas no mundo. In: ______. Mente, Cérebro e Filosofia: fundamentos para a compreensão contemporânea da psique. São Paulo, p. 47-70. s/d. v. 1.

Recebido em 5 de abril de 2010. Aprovado em 28 de maio de 2011.

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Ensaios

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Os novos estudos do corpo para repensar metodologias de pesquisa

Christine Greiner*

Resumo: Nunca se falou tanto em pesquisa no Brasil. Para além dos muros das universidades, a pesquisa tem aparecido frequentemente nas falas de artistas, estudiosos da cultura e da comunicação. No entanto, Boaventura de Souza Santos observou um paradoxo. Se nesta primeira década do novo milênio há tanto para pesquisar e criticar, por que se tornou tão difícil produzir uma teoria crítica? De alguma forma, essa indagação reverbera entre nós no Brasil, não apenas entre acadêmicos e críticos de arte, mas entre os próprios artistas, no sentido de compreender melhor a potência transformadora daquilo que é efêmero por natureza. Palavras-chave: Arte. Pensamento crítico. Efemeridade. Política.

New studies of the body to re-think research methodologies

Abstract: Nowadays it has been talked a lot about research in Brazil. Beyond the walls of universities, research has appeared frequently on the artists’ speech, culture and communication scholars. However, Boaventura de Souza Santos has observed a paradox. If this first decade of the new millennium there is so much to research and critique why has it become so difficult to produce a critical theory? Somehow, this question resonates among us in Brazil, not only among scholars and art critics, but among the artists themselves in order to better understand the transforming power of which is ephemeral in nature. Keywords: Art. Critical thinking. Ephemerality. Policy.

Nuevos estudios de el cuerpo repensar las metodologías de investigación

Resumen: Nunca se habló tanto de investigación en Brasil. Más allá de los muros de las universidades, la investigación ha aparecido con frecuencia en los labios de los artistas, los estudiosos de la cultura y la comunicación. Sin embargo, Boaventura de Souza Santos observó una paradoja. Si esta primera década del nuevo milenio, hay tanto para la investigación y la crítica que se ha vuelto tan difícil producir una teoría crítica? De alguna manera, esta pregunta resuena con nosotros en Brasil, no sólo entre los

* Christine Greiner é professora no Departamento de Linguagens do Corpo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ensina no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e na graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Coordena o Centro de Estudos Orientais e dirige a coleção Leituras do Corpo, da editora Annablume. É autora do livro O corpo: pistas para estudos indisciplinares (2005), entre outros de artigos publicados no Brasil e no Exterior.

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estudiosos y críticos de arte, sino también entre los propios artistas con el fin de comprender mejor el poder de transformación de lo que es efímera por naturaleza. Palabras clave: Art. Lo efímero. El pensamiento crítico. La política. Introdução O tempo da arte, o tempo da pesquisa e suas ações políticas

Nunca se falou tanto em pesquisa no Brasil. Para além dos muros das universidades, a pesquisa tem aparecido frequentemente nas falas de artistas, estudiosos da cultura e da comunicação. No entanto, em seu livro A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência (2000), o professor da Universidade de Coimbra, Boaventura de Souza Santos, observou um paradoxo. Se nesta primeira década do novo milênio há tanto para pesquisar e criticar, por que se tornou tão difícil produzir uma teoria crítica? De alguma forma, essa indagação reverbera entre nós no Brasil e, por isso, vale a pena discuti-la.

Teoria crítica para Santos seria toda teoria que não reduz a realidade ao que existe, mas cria um campo de possibilidades e avalia a natureza e o âmbito das alternativas àquilo que está empiricamente dado. Esse pode ser um ponto de partida para refletir sobre a relação teoria e prática e a natureza do que se configura como uma pesquisa que, a meu ver, deveria ser indissociável de um teor analítico e crítico nascido de uma inquietação e não de pressupostos já estabilizados.

Nos anos 80, quando começaram a ser usados os termos pós-modernidade e pós-moderno, tratava-se de um sentido bem-localizado, ou seja, voltado ao reconhecimento da exaustão de paradigmas científicos apoiados em modelos de racionalidade, que distinguiam sujeito e objeto, natureza e cultura. A concepção de realidade dominada pelo mecanicismo determinista e de verdade, como representação objetiva da realidade, já havia sido questionadas anteriormente, mas ainda parecia insistir no âmbito do senso comum e mesmo em outras instâncias da sociedade. Até então, parecia evidente a separação entre conhecimento científico e todas as outras formas de conhecimento.

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A partir de 1990, a crise do capitalismo e do socialismo no Leste europeu tornou o conceito de pós-moderno mais amplo, com repercussões político-sociais para além dos critérios de sequência temporal, que costumavam ter, na Segunda Guerra Mundial, a referência mais importante. De fato, discutir pós-modernidade só tinha sentido nas sociedades em que a modernidade havia se concretizado. Afinal, a pós-modernidade havia sido concebida como uma crítica à razão moderna, mas, para culturas nas quais sequer havia uma formulação clara e bem-demarcada temporalmente, acerca da modernidade, essa nomeação configurava-se como uma armadilha, transformando a ideia de emancipação da sociedade em uma nova opressão social. Os valores modernos de liberdade, igualdade e solidariedade continuam fundamentais até hoje, mas foi preciso inventar uma emancipação social que contemplasse o que Santos identifica como “uma epistemologia do Sul”, entendendo o sul como uma metáfora para o sofrimento humano causado pelo capitalismo, cuja urgência maior seria ir além da teoria crítica produzida pelo Norte e sua respectiva práxis social e política.

A perspectiva pós-colonial, que surge mais recentemente, parte da ideia de que a partir das margens ou das periferias, as estruturas de poder e de saber começam a se tornar mais visíveis. Daí o interesse de autores como Santos (2000) e outros (BHABHA, 2003; MARTIN-BARBERO, 2003; AGAMBEN, 2009), em vislumbrarem uma nova perspectiva de geopolítica do conhecimento, capaz de questionar quem produz o conhecimento, em que contexto e para quem.

Para tanto, a estratégia seria propor uma pluralidade de projetos coletivos articulados de modo não hierárquico e a partir de procedimentos de tradução, que devem necessariamente substituir a noção de qualquer teoria geral de transformação social. O problema é apostar nessa visão sistêmica, estando dentro de modos de organização vinculados a dispositivos de poder já estabilizados, como é o caso, por exemplo, das instituições de ensino.

Ao invés do fim da política, Santos (2000) aposta na criação de subjetividades transgressivas pela promoção da passagem da ação conformista à ação rebelde. A questão que me parece pertinente neste momento é como tornar a pesquisa uma possibilidade de pensamento/ação rebelde, de modo a intervir na experiência de

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desadequação das teorias que herdamos e que insistimos em adaptar à realidade social que está diante de nós.

Estaríamos condenados à contingência de viver a nossa experiência sempre no reverso da experiência dos outros? Ou mimetizando a imagem que os outros fazem de nós, como diagnosticou Bhabha (2003)?

O brilhante ensaio de Giorgio Agamben, “O que é um dispositivo?”, publicado originalmente em 2007 e recém-traduzido para o português, retoma e amplia o conceito estudado por Michel Foucault, que reconhece o dispositivo como fundamental para se compreender toda e qualquer ação política, uma vez que poderia ser relacionado a qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de “capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”. (2009, p. 40).

Assim, os dispositivos não estariam apenas em prisões, manicômios, escolas, fábricas e confessionários, mas poderiam ser identificados na forma de caneta, agricultura, filosofia, cigarro, navegação, telefones celulares, computadores, linguagem, dentre outros. Para Agamben (2007), existiriam apenas duas classes: os seres viventes e os dispositivos. Os sujeitos resultariam da relação corpo a corpo entre um e outro e seriam o lugar dos múltiplos processos de subjetivação. É importante notar que Agamben (2007) não fala em uma subjetividade, mas em processos de subjetivação e, finalmente, em profanações que seriam as operações cognitivas, capazes de deslocar aquilo que está no âmbito do sagrado para o uso comum.

Profanar os dispositivos seria, portanto, a forma de intervir nos processos de subjetivação. Afirma Agamben.

A história dos homens não é nada mais que um incessante corpo-a-corpo com os dispositivos que eles mesmos produziram e antes de qualquer outro, a linguagem […]. Uma subjetividade produz-se onde o ser vivo ao encontrar a linguagem e pondo-se nela em jogo sem reservas, exibe em um gesto a própria irredutibilidade a ela. (2007, p. 63).

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Decisões metodológicas Redefinindo pontos de partida

A partir dessa visão complexa proposta por Agamben e Santos, podemos indagar se a formulação teórica está sempre inevitavelmente atrelada à linguagem. Homi Bhabha dedica todo um capítulo de seu livro O local da cultura (2003) para tratar especificamente do que identifica como o “compromisso com a teoria”. Ele explica que existe uma pressuposição inicial de que a teoria seja uma linguagem da elite, daqueles que são privilegiados. É como se houvesse algo como uma “teoria pura”, e que essa fosse suspensa das exigências de seus contextos específicos. Por isso, Bhabha chama a atenção para a proliferação de binarismos, desdobrados a partir do binômio clássico da teoria-prática como, por exemplo: teoria-política; opressor-oprimido; centro-periferia; imagem negativa-imagem positiva.

Nesse contexto, o eu e o outro podem ser muitos. Os que sabem e os que não sabem, os que sabem na teoria, os que sabem na prática, os que sabem há mais tempo, os que começaram a saber. Assim, seria um sinal de maturidade política aceitar que haja muitas formas de escrita política, cujos diferentes efeitos são obscurecidos quando se distingue entre o teórico e o ativista, ou entre o filósofo, o cientista e o artista. Mas esse reconhecimento nem sempre é evidente. Entre o panfleto utilizado por grevistas e o artigo especulativo sobre a teoria da ideologia, a diferença está nas qualidades operacionais. Ambos são formas de discurso e produzem seus objetos de referência.

No entanto, o panfleto tem um propósito explanatório, preso a um acontecimento, e o artigo volta-se mais aos princípios políticos estabelecidos em que se baseia o direito à greve. As teorias também não parecem se manter dentro de seus passaportes. Bhabha afirma que procura transitar pelas margens deslizantes do deslocamento cultural, que tornam confuso qualquer sentido profundo ou autêntico de cultura nacional ou de intelectual orgânico, uma vez que o hibridismo cultural e histórico do mundo pós-colonial é tomado como ponto de partida. Na relação arte, filosofia e ciência há também uma tendência generalizada para hierarquizar os conhecimentos, como se não

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houvesse um compartilhamento de saberes, mas uma disciplina que validasse e justificasse a outra.

Mais do que nunca, torna-se pertinente indagar que tensões e ambivalências marcam o lugar enigmático de onde fala a teoria. A linguagem da crítica parece tanto mais eficiente quando não mantém separados os termos do senhor e do escravo, do mercantilista e do marxista, do cientista e do artista, mas à medida que ultrapassa as bases da oposição dadas e abre espaços de tradução. O desafio está, portanto, no reconhecimento de que se trata mais de uma negociação com o outro do que de uma negação ou submissão.

Toda história, observa Bhabha, é transferência de sentidos. Todo objetivo é construído sob uma perspectiva que ele mesmo rasura porque o objeto de estudo está sempre em relação ao outro. Ele será sempre deslocado no ato crítico que engendra. “Não há comunidade ou massa de pessoas cuja historicidade emita os sinais corretos”; por isso, todos os gestos de negociação e de tradução precisam ser sempre questionadores. A questão formulada é que vai apontar o lugar das diferenças, como um dispositivo disciplinar ou um processo de mediação. Daí a necessidade de se pensar na presença de um terceiro espaço como condição necessária para a articulação da diferença cultural. O que Bhabha chama de entre-lugar evita a política de polaridade.

É possível encontrar uma familiaridade entre o entre-lugar discutido por Bhabha e o que Martin-Barbero chama de mediação. Se o entre-lugar funciona como uma mediação entre culturas, a mediação também pode ser pensada no próprio âmbito do cotidiano. Segundo Martin-Barbero, “pensar o acontecimento como práxis exige ir além das formas para entrever as mediações que religam a palavra à ação e constituem as chaves para o processo de liberação”. (2003, p. 21). Análise e discussão

Gostaria de propor, para aprofundar um pouco mais essas noções de mediação e processos de tradução entre teoria e prática, palavra e ação, que será preciso enfrentar outro tipo de binarismo formulado antes de todos. Trata-se do binarismo corpo/mente e que está absolutamente relacionado a um problema característico da existência

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humana: as pessoas querem que sua vida seja significativa, e esta é uma vontade e uma necessidade que permeia toda e qualquer ação política.

O filósofo Mark Johnson (2008) explica que esse desejo de significar é tão forte que é possível que se arrisque a própria vida buscando dar um sentido às experiências, testemunhar a nossa existência. A questão que nos interessa neste momento é que o significado é sempre corporal. Ou seja, discutir sua natureza corpórea pode ser uma forma de romper o binômio corpo/mente que, por sua vez, fundamenta as relações hierárquicas entre teoria e prática.

O filósofo pragmatista John Dewey salientava que não haveria como refletir seriamente sobre o significado da vida e o pensamento, sem estudar a estética. Apesar disso, a estética foi tratada por muitos pensadores como algo de menor importância, sem qualquer relação com a cognição e a natureza da mente. Segundo Johnson, as ideias que levavam a esse tipo de conclusão eram:

a) a mente é desincorporada; b) o pensamento transcende o sentimento; c) os sentimentos não são parte do significado e do

conhecimento; d) a estética concerne a assuntos de mero gosto subjetivo; e) a arte é um luxo e não uma condição para o florescimento da

humanidade. Ao contrário disso, Johnson dirá que a arte (e não apenas a

política) é fundamental para acessar, criticar e transformar significados e valores, estabelecendo uma conexão visceral com o mundo. É importante esclarecer que significado, para Johnson, é mais do que palavras e mais profundo do que conceitos, e o que chamamos de mente e de corpo não são duas instâncias separadas, mas aspectos de um único processo orgânico. Por isso, significado, pensamento e linguagem emergem das dimensões estéticas da atividade corporal. Dentre as dimensões estéticas mais importantes, estão as qualidades, as imagens, os padrões de processos sensório-motores e as emoções.

Há uma proliferação de dualidades que permeiam a dicotomia corpo/mente. São elas: cognição/emoção, fato/valor, conhecimento/imaginação, pensamento/sentimento. São também muitas as implicações filosóficas a partir dessas constatações, e a

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primeira parece bastante óbvia: não há uma separação radical entre mente e corpo. As pessoas não são uma mente e um corpo. A pessoa é certo tipo de organismo incorporado.

No entanto, é importante observar que o corpo não é enclausurado em si mesmo, está sempre interagindo com aspectos do ambiente (físico e cultural) em um processo de troca de experiências. O que chamamos, portanto, de corpo e mente, são aspectos abstratos do fluxo organismo/ambiente, uma vez que organismo envolve corpo e mente inseparavelmente. Se há qualquer problema funcional nessa relação, perdemos a capacidade de experimentar.

A noção de que o significado está enraizado na nossa experiência corporal significa reconhecer que tanto a capacidade imaginativa como a conceitual são absolutamente dependentes dos processos sensório-motores. O que chamamos de razão não é nem uma coisa concreta nem abstrata, mas processos encarnados, a partir dos quais nossas experiências são exploradas, criticadas e transformadas em questões.

A razão também não deve ser caracterizada como um fato ou capacidade pré-dada. A imaginação está de tal maneira atada aos processos corporais, que se torna criadora e transformadora o tempo todo de nossas experiências. A emergência dos novos significados não é um milagre, mas, novas possibilidades conectivas de padrões preexistentes, qualidades e sentimentos.

Segundo Johnson, não se trata, portanto, de buscar os significados para o corpo, mas de entender como o corpo significa. Vida e movimento são sempre estritamente conectados. O movimento é uma das condições para sentirmos como o mundo é e quem somos, sendo, portanto, um dos principais modos como aprendemos a significar.

No que se refere aos primórdios da crítica, arrisco sugerir que tudo começa com uma inquietação corporal. Tanto William James como Charles Sanders Peirce pontuaram que a experiência da hesitação de alguém está sempre amparada por uma tensão corporal, algum tipo de restrição. O corpo não acompanha a dúvida ele é a dúvida. O significado da dúvida, é precisamente a experiência corporal que sente o bloqueio do fluxo da experiência em direção a novos pensamentos, sentimentos e experiências. É provavelmente daí que emerge o princípio da pesquisa e da experiência viva.

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As formulações filosóficas que embasaram e deram uma descrição importante da experiência viva foram, como já é bem-sabido, a fenomenologia europeia (francesa e alemã com Merleau-Ponty, principalmente, depois com Heidegger e Husserl) e o pragmatismo americano. Num segundo momento, são as ciências cognitivas que vêm nos ajudar a compreender isso a partir de estudos da percepção, da empatia e da consciência. No entanto, o significado é ainda em grande parte considerado um fenômeno linguístico, uma questão de palavras e sentenças. Poucos pesquisadores iniciam seus projetos com uma discussão sobre como experimentamos e compreendemos a arte a não ser a partir da analogia entre arte e linguagem. Entretanto, a estética poderia ser trazida para o centro do significado do homem, uma vez que não é apenas uma teoria da arte, mas deve ser vista de maneira mais ampla, como uma possibilidade de estudo de como o homem cria e experimenta significados. O processo de incorporar esses significados na arte são os mesmos que tornam o significado linguístico possível, mas não se subjugam a eles.

Tais propostas, que vêm sendo formuladas por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, ajudam a compreender algumas das principais questões envolvidas nos processos de pesquisa, como aqueles mencionados anteriormente: os múltiplos tipos de binarismos e os problemas de tradução. O primeiro passo poderia ser traçar uma estratégia indisciplinar de estudos, em que as fronteiras entre disciplinas já estabilizadas fossem repensadas em função de novos modos de organização de projetos/processos como sistemas, cujo foco estivesse voltado para as mediações ao invés das compartimentações habituais, impregnadas, não raramente, pelas regras da empregabilidade e da arrogância.

Este será o nosso desafio futuro: lidar com o que o filósofo Juliano Pessanha aponta como necessário e intransponível.

Sustentar a dor do mundo, passar do estágio kafkiano para o estágio ativo da denúncia. Tentar deslocar o homem que ainda está fixado como subjetividade e vontade. Lembrá-lo do arrebatamento. É isso o caminho de migração, do voltar para casa. (2009, p. 86).

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Referências AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Trad. de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. ______. O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Unichapecó, 2009. BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003. GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. JOHNSON, Max. The meaning of the body. Chicago: The University Chicago Press, 2008. MARTIN-BARBERO, Jesús. La educación desde la comunicación. Enciclopedia Latinoamericana de Sociocultura y Comunicación. Bogotá: Norma, 2003. PESSANHA, Juliano. Instabilidade perpétua. São Paulo: Ateliê, 2009. SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000. Recebido em 20 de novembro de 2010. Aprovado em 25 de maio de 2011.

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Abjetos flutuantes

Magda Bellini* Resumo: O modo como é abordada terminologicamente a questão da deficiência e dos deficientes neste trabalho necessita de alguns esclarecimentos, por se tratar de uma questão da linguagem, mas não necessariamente de um discurso “politicamente correto”. O objetivo está em evidenciar o problema e canalizar a discussão como significado e sentido cultural de uma representação de um modelo biológico da deficiência centrado no indivíduo. Palavras-chave: Abjeto. Anormal. Cultura. Deficiência.

Floating abjects Abstract: The way how is terminologically addressed the issue of disability and disabled people in this job needs some clarification, because it is a matter of language, but not necessarily a ‘politically correct’ speech. The aim of this paper is to highlight the problem and focus on the discussion as meaning and cultural sense of a representation of a biological disability model focused on the individual. Keywords: Abject. Abnormal. Culture. Disabilities.

Abyectas flotantes Resumen: ¿Cómo es terminológicamente abordó el tema de discapacidad ya las personas con discapacidad en esta tarea necesita alguna aclaración, porque es una cuestión de lenguaje, pero no necesariamente una “corrección política”. El objetivo es poner de relieve el problema y orientar la discusión y el significado como una representación cultural de un modelo biológico de la discapacidad centrada en el individuo. Palabras clave: Abyecta. Anormal. La cultura. Discapacidades.

* Magda Bellini é professora nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Educação Física e no curso de Fisioterapia da Universidade de Caxias do Sul. Coordena o Grupo ArticulAções, do Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano, do Centro de Ciências da Saúde — CECS — e o Programa UCS/Apadev (uma parceria da Universidade de Caxias do Sul com a Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais de Caxias do Sul).

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Eu reduzida a uma palavra? Porém, qual palavra me representa? Uma coisa sim que eu sei é que eu não sou meu nome. Meu nome pertence aos que me chamam. Porém meu nome íntimo é zero. É um eterno começo que interrompe sem parar minha consciência de começo. (Um sopro de vida, Clarice Lispector).

Introdução

Precisamos abandonar todas as ideias comuns do que seja ver1 e a convicção de que o ato de ver envolve apenas o reconhecimento de uma imagem mental interna produzida pelo cérebro. Nesse contexto, indivíduos cegos não produzem imagens mentais visuais; mas, de acordo com o neurologista português António Damásio,

Estes indivíduos possuem os mecanismos sinalizadores de toda a nossa estrutura corporal — pele, músculos, retina, etc. — ajudam a construir padrões neurais que mapeiam a interação do organismo com o objeto. Os padrões neurais são construídos segundo as convenções próprias do cérebro, e são obtidos transitoriamente nas diversas regiões sensoriais e motoras do cérebro que são apropriadas ao processamento de sinais provenientes de regiões corporais específicas, digamos, pele, músculos ou retina. A construção destes padrões neurais baseia-se na seleção momentânea de neurônios e circuitos mobilizados pela interação. Em outras palavras, os tijolos da construção existem no cérebro, estão disponíveis para serem manipulados e montados. (2000, p. 405).

O movimento e a percepção estão no centro das atividades

humanas. Nesse sentido, eles constituem a nossa expressão e a nossa relação com o mundo e com os outros. O corpo cego como uma realidade e a observação do comportamento do ser humano

1 Diferentemente do que Maturana (2002) assinala, “o próprio fato de aceitarmos um dado fenômeno como fenômeno da visão, nós implicitamente aceitamos uma resposta a essa pergunta que permeia tudo o que fazemos, mesmo na vida cotidiana. O que raramente fazemos, no entanto, quer como neurobiólogo quer como pessoa comum é indagar sobre os fundamentos conceituais de nosso perguntar a respeito da visão, talvez porque tal indagação necessariamente nos levaria a questionar as bases ontológicas e epistemológicas de nossas certezas sobre a percepção e a cognição. De fato, a resposta à pergunta O que é ver? e O que é conhecer?”, ao contrário do ensaio do autor, em “A ontologia da realidade”, esta pesquisa não indagará sobre as bases ontológicas e epistemológicas de nossas certezas perceptivas.

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(“comportamento” no seu sentido etiológico original, que significa movimento) nos permitem inferir sobre os níveis de complexidade das manifestações corporais fraturadas dos indivíduos cegos congênitos, dentro de diferentes realidades (físicas, somáticas, cognitivas e emocionais), que se alteram constantemente, permanecendo estável apenas o suficiente para voltar a modificar-se.

Muitos pesquisadores têm conseguido libertar-se da visão aristotélica e lockeana2 sobre a superioridade e a necessidade da visão. Uma quantidade de trabalhos tem surgido, mostrando a potencialidade e a capacidade de os cegos congênitos desempenharem tarefas, antes só pensadas aos videntes, ou aos que tiveram alguma experiência visual antes da cegueira adquirida.3

O modo como é abordada terminologicamente a questão da deficiência e dos deficientes nesta pesquisa necessita de alguns esclarecimentos, por se tratar de uma questão da linguagem, mas não necessariamente de um discurso “politicamente correto”. O objetivo está em evidenciar o problema e canalizar a discussão como significado e sentido cultural de uma representação de um modelo biológico da deficiência centrado no indivíduo. Desse modo, é importante nunca examinar um problema, um sintoma ou um fenômeno isoladamente. Portanto, a análise deve ocorrer dentro de um contexto mais amplo, como parte do indivíduo, de seu padrão de vida e do seu contexto social. Decisões metodológicas

A desvantagem imposta pela deficiência visual congênita refere-se ao valor dado à condição da pessoa quando se afasta da norma, caracterizado pela discrepância entre as aspirações e as expectativas,

2 Visão aristotélica e lockeana: para a tradição lockeana, o homem é considerado um ser passivo, um receptáculo de impressões sensoriais que irá constituir seu intelecto. Essa é a teoria do white paper de Locke, que faz seu o axioma aristotélico de que “nada há no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”. Assim, o ser humano seria um ser passivo atuando e se constituindo de acordo com os estímulos recebidos, sendo por eles, portanto, governado. A expressão tabula rasa origina-se do latim medieval tabula rasa. Em geral, é atribuída ao filósofo John Locke (1632-1704). “[...] Locke estava mirando as teorias de ideias inatas, segundo as quais as pessoas nascem com idéias matemáticas, verdades eternas e noção de Deus.” (PINKER, 2004, p. 23). Para mais detalhes sobre essas duas visões, consultar esse autor. 3 Cegos adventícios.

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dela ou do grupo ao qual pertence. Portanto, a desvantagem representa a expressão social de uma deficiência ou incapacidade, e reflete consequências culturais, sociais, econômicas e ambientais, que tornam difícil para a pessoa desempenhar “funções de sobrevivência”. Assim, a norma4 pode ser compreendida como uma “medida que simultaneamente individualiza, permite individualizar incessantemente, e ao mesmo tempo torna comparável” (EWALD, 1993, p. 45); como “um princípio de comparação, de comparabilidade, de medida comum, que se institui na pura referência de um grupo a si próprio, a partir do momento em que só se relaciona consigo mesmo” (1993, p. 45); contaminam ambientes e levantam questões epistemológicas sobre condição e situação.

As práticas de identificação, classificação e conceituação de um objeto de estudo podem ser entendidas como recursos acadêmicos para a delimitação deste. De outro ângulo, implicam relações de poder,5 que nos mostram sintomas dispersos e confusos de nosso mundo igualmente (disperso e confuso) e da confusão que existe em nós.

Skliar (2003, p. 34) afirma que “precisamos voltar a olhar bem àquilo que nós representamos como alteridade deficiente”. Voltar a olhar bem no sentido de perceber, com perplexidade, como esse outro foi produzido, governado, inventado, traduzido:

Talvez, então, para voltar a olhar bem, poderíamos recorrer àquilo que em língua inglesa foi denominado Disability Studies. É evidente que Disability Studies não pode nem deve ser traduzido como Estudo sobre

4 “À primeira vista, normas e valores pertencem a famílias de diferentes noções. Nas ‘teorias das normas’, tratam-se das regras, razões, princípios, deveres, direitos, obrigações etc. Nas ‘teorias dos valores’, fala-se mais sobre o bem, o mal, o pior etc.” (RAZ, 1990, 11, p. 200-2001). “Todavia poder-se-ia constatar, pela reflexão, que não é ilegítimo ignorar, em certo nível de análise, as distinções entre normas e valores, ou de supor que existem, entre estas duas noções, relações tão enredadas que seria absurdo tentar separá-las sem reservas.” (CANTO-SPERBER, 2003, p. 255). 5 “Por toda a parte, a Nova Ordem intelectual segue os rumos abertos pela Nova Ordem mundial. Em todas as partes, a desgraça, a miséria e o sofrimento dos outros se converteram em matéria-prima e na cena primitiva. A vitimização variada dos direitos do homem como única ideologia fúnebre. Os que não a exploram diretamente e em seu próprio nome o fazem pelo poder, e não faltam mediadores que, de passagem, cobram sua mais valia financeira ou simbólica. O déficit e a desgraça, da mesma forma que a dívida internacional, negocia-se e revende-se no mercado especulativo, neste caso o mercado político intelectual, que equivale ao complexo militar-industrial de sinistra memória.” (BAUDRILLARD, 1993).

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as Deficiências ou Estudo dos Deficientes. Os Disability Studies (DS, daqui em diante) constituem um campo necessariamente irregular dos estudos filosóficos, literários, políticos, culturais, etc. que se propõe inicialmente descolonizar e desconstruir o aparato de poder e de saber que gira em torno daquilo que naturalizamos como o outro deficiente. A origem dos DS está intimamente relacionada ao surgimento dos Estudos Culturais (que, continuando com a lógica do esclarecimento anterior, não se trata de Estudos sobre a Cultura); ou com os Estudos de Gênero (que não são Estudos sobre a Mulher); ou com os Estudos Negros (que não são Estudos sobre os Negros); ou com os Estudos Surdos (que não são Estudos sobre os Surdos) etc. E é preciso esclarecer rapidamente que não há aqui um DS, mas vários DS, assim como não há um Estudos Culturais, mas diferentes tradições, muitas delas inclusive contrastantes, como aquela da tradição anglo-saxã ou aquela de inspiração pós-estruturalista etc. — para esta última questão, ver, entre outros: Alfredo Veiga - Neto e Maria Lúcia Wortman (2001); Marisa Costa (2000) e Tomaz Tadeu da Silva. (2003, p. 36).

Ainda que qualquer identidade6 jamais seja fixa nem mesmo

estável, ela se tornou uma das questões centrais nas investigações e pesquisas, nos estudos culturais, no ponto em que eles “examinam os contextos dentro dos quais e por meio dos quais tanto os indivíduos quanto os grupos constroem, negociam e defendem sua identidade ou autocompreensão”. (EDGAR; SEGDWICK, 2003, p. 169).

Beirando ao estranho7 (unheimlich) de Freud, e antagonizando a concepção do mal de Jameson, como “tudo que é radicalmente diferente de mim”, a questão do abjeto como algo desprezível, desprezado ou negligenciado, encontra em Kristeva (1982, p. 143) sua

6 “Os estudos culturais usam muito as visões do problema de identidade que questionam o que pode ser chamado de avaliação ortodoxa e identidade. A ortodoxia supõe que o self seja algo de autônomo (estável e independente de todas as forças externas). Os estudos culturais valem-se das interpretações que defendem que a identidade é uma resposta para algo externo e diferente dela (um outro).” (EDGAR; SEGDWICK, 2003, 116). Um trabalho excelente sobre este assunto — Self autobiográfico, identidade e individualidade — foi descrito pelo neurocientista português António Damásio no seu livro intitulado O mistério da consciência; com tradução de Laura Teixeira da Motta e publicado no Brasil pela Companhia da Letras. 7 O tema do estranho (unheimlich) relaciona-se com o que é assustador — com o que provoca medo e horror; a palavra nem sempre é usada num sentido claramente definível, de modo a coincidir com aquilo que desperta o medo em geral. Traduzir unheimlich por estranho é trair sua ambiguidade fundamental e originária. Para argumentos mais detalhados, ver The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud; translated from the German under the General Editorship of James Strachey in collaboration with Anna Freud. Volume XVII (1917-1919)/ An Infantile Neurosis and Others Works, p. 219-52. London: The Hogarth Press.

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mais sutil definição — se é que podemos falar em sutileza quando ressaltamos o caráter de tamanha irracionalidade. Segundo a autora, “a abjeção é aquilo que não respeita fronteiras, posições, regras, aquilo que revela a fragilidade da lei, é o lugar no qual o significado entra em colapso”.

Por meio de forças de rejeição8 e exclusão, o abjeto é provido de uma identidade concreta e ocupa um lugar, quer esse lugar seja uma prisão, um gueto, um reformatório, um centro de refugiados, seja qualquer outra zona de inabitabilidade a ser construída. Em suma, na percepção de Weiss (1999, p. 43), “um lugar onde a sociedade descarta o seu excremento”.

Não somente a rejeição, mas o verdadeiro processo de rejeição9 deve ser enterrado, reprimido e negado. De acordo com Grosz:

A rejeição é a base do simbólico. É o que o simbólico deve rejeitar, cobrir, conter. O simbólico exige que a fronteira separe ou proteja o sujeito do abismo que lhe acena e assombra: a rejeição seduz e atrai o sujeito sempre mais para perto de sua beira. É uma insistência na relação necessária do sujeito com a morte, com a animalidade e com a materialidade, sendo o reconhecimento ou recusa do sujeito sua corporalidade? A rejeição demonstra a impossibilidade de fronteiras bem definidas, linhas de demarcação, divisões entre o limpo e o não limpo, o adequado e o inadequado, ordem e desordem. (1990, p. 90).

As atuais intersecções turbulentas e não lineares, relacionadas com

estratégias biológicas e políticas de sobrevivência, permitem a discussão das relações e da fragilidade dos vínculos em todas as esferas da vida cotidiana, sejam comunitárias, ideológicas, partidárias, sejam

8 O monstro sempre escapa porque ele não se presta à categorização fácil. “[...] Essa recusa a fazer parte da ordem classificatória das coisas” vale para os monstros em geral: eles são híbridos que perturbam, híbridos cujos corpos externamente incoerentes resistem a tentativas para incluí-los em qualquer estruturação sistemática. E, assim, o monstro é perigoso, uma forma — suspensa entre formas — que ameaça explodir toda e qualquer distinção.” (SILVA, 2000, p. 41). 9 Numa entrevista de 1980, Júlia Kristeva oferece-nos uma descrição comovente dessa força de exclusão e rejeição: “Um sentimento extremamente forte que é ao mesmo tempo somático e simbólico, e que é acima de tudo uma revolta da pessoa contra uma ameaça externa que se quer manter à distância, mas que se tem a impressão que não é só uma ameaça externa, mas que pode ameaçar-nos do interior. Então, é um desejo por separação, por se tornar autônomo e também um sentimento de uma impossibilidade de assim fazê-lo — daí o elemento de crise que a noção de rejeição carrega consigo. Levado as suas consequências lógicas, é uma montagem impossível de elementos, com a conotação de um “limite frágil”. (KRISTEVA, 1988, p. 135).

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sociais, e demonstram que os parâmetros antigos que definiam uma comunidade não se sustentam mais. A essência de uma comunidade como uma unidade homogênea tornou-se ficção. O que se apresenta hoje são comunidades extremamente heterogêneas, que desacreditam aquele corpo soberano10 protagonizado em Foucault11 — pois, após o século XVII, o poder soberano deixava de simbolizar uma potência de morte e passava a se ocupar da administração, do controle e da sujeição dos corpos, além da gestão calculista da vida.

Na verdade, o biopoder, isto é, o poder que se imprime sobre o corpo, avança em conjunto com as mesmas anormalidades que as tecnologias do poder e do conhecimento dizem eliminar. Dessa forma, todo e qualquer conhecimento está sempre imbuído de poder, de tal forma que um não pode ser dissociado do outro. O conhecimento é um elemento definidor e catalisador do poder, tal como hoje acontece na civilização ocidental.

Os conceitos de poder soberano e biopoder foram, durante muito tempo, utilizados para legitimar uma determinada posição frente a um indivíduo ou à população, sempre entre a vida e a morte. O racismo, como uma espécie de justificativa científica, para permitir o domínio de alguns sobre outros, e a utilização de formas de poder sobre os mais fracos, foi o efeito aglutinador desses dois conceitos.

Segundo Foucault, o biopoder, diferentemente do poder soberano, faz viver e deixar morrer, é uma espécie de poder regulamentador que intervém para fazer viver, controlando possíveis acidentes, para aumentar o tempo de vida. Trata-se, mais uma vez, da tentativa de categorizar e apartar experiências de fato marcadas por forte ambivalência.

De acordo com Varela, Thompson e Rosch (2003, p. 180), “uma das atividades cognitivas mais fundamentais que todos os organismos

10 “Na política: diz-se da pessoa, individual ou coletiva, a qual pertence por direito o poder do qual derivam todos os outros. Esta pessoa pública, que se forma assim pela união de todas as outras, tomava outrora o nome de cidade, e toma agora o de república ou de corpo político, o qual é chamado pelos seus membros Estado, quando é passivo; soberano quando é ativo, potência quando comparado aos seus semelhantes.” (LALANDE, 1996, p. 822). 11 Ao realizar uma reflexão sobre a questão do homem e do conhecimento, a partir da obra de Michel Foucault, deve-se, necessariamente, compreender o que esse autor entende por poder, genealogia, história e verdade. Portanto, trata-se de uma operação complexa sobre a qual não nos debruçaremos nesta pesquisa. Mas creio ser necessário realizar algumas descrições à medida que for destacando pontos relevantes a este estudo.

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realizam é a categorização”. Dessa forma, “a qualidade única de cada experiência é transformada no conjunto mais limitado de categorias12 aprendidas e significativas às quais os humanos e outros organismos respondem”. (p. 180).

Das amplas generalizações aristotélicas às especificidades contemporâneas dos processos, sempre houve um critério de seleção específico para categorizar: a presença ou ausência de propriedades ou pontos em comum, dentro dos conjuntos relacionados às coisas para o entendimento do mundo. Dessa maneira, categorizamos o mundo o tempo todo. A maioria dos processos de categorização é automático e inconsciente como nossos relacionamentos ou nossas emoções. Se mudarmos nosso conceito de categoria — de como as coisas se organizam no mundo — estaremos mudando nosso conceito do que se constitui um corpo. No entanto, se abrirmos novas possibilidades de categorizar os elementos que se apresentam a nós no mundo, estaremos ampliando nosso sentido, no que se refere ao corpo, à cognição e à própria cultura.

Em uma série de experimentos, Varela, Thompsin e Rosch e colaboradores descobriram que os níveis básicos de categorização são os níveis mais abrangentes nos quais os membros das categorias:

(1) são utilizados ou interagem por ações motoras semelhantes; (2) têm formas semelhantes e podem ser imaginados; (3) têm atributos humanamente significativos identificáveis; (4) são categorizados por crianças pequenas; e (5) têm prioridade linguística (em diversos sentidos). (2003, p. 180).13

Se, como pressuposto, considerarmos que o normal para a espécie

humana é ver e falar, os cegos serão sempre uma diversidade,

12 “Desde a época de Aristóteles, estas práticas de nomear, definir, categorizar têm sido submetidas à investigação filosófica. Em meados deste século, certa posição havia se estabelecido firmemente como a ‘maneira certa’ de pensar sobre categorias, conceitos e classificações (um trio de termos que empregarei aqui como sinônimos). No entanto, nos últimos trinta e cinco anos, exatamente no mesmo período de predominância da ciência cognitiva, essa visão de como categorizamos o mundo sofreu o ataque mais severo, e hoje virtualmente ninguém mais a sustenta em sua forma pura. [...] Hoje não é exagero dizer que a visão clássica de conceitos foi substituída por uma visão natural de conceitos.” (GARDNER, 2003, p. 360). 13 ROSCH, E. et al. Basics objects in natural categories; Rosch: Principles of categorization; Rosch: Wittgenstein and categorization research in cognitive psychology; Mervis and Rosch: Categorization of natural objects.

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subconjuntos relacionados com o tipo de reflexo na incidência de uma luz vermelha14 no olho, em um teste de oftalmologia ou em um gráfico de pontos de uma campimetria.

Conviver com a cegueira e com a deficiência é conviver com esse estranho — ao mesmo tempo tão familiar. É onde podemos ver operar a dupla instância do poder disciplinar e do biopoder. Por um lado, o indivíduo cego, fora da norma, é aquele que percorre o mesmo caminho que eu, porém necessita de auxílio para ele próprio se locomover. Até aqui a convivência torna-se possível. Mas existe o outro lado, o do indivíduo cego que se constitui em um estranho, aquele que carrega um pouco de cada um em si mesmo, sendo, no entanto, outro — a alteridade estrangeira. E, então, a convivência já não é mais a mesma. Vemos, assim, operar a tecnologia do biopoder e o exercício de um estigma silencioso, um preconceito que opera contra o diferente e que, ao mesmo tempo, é visto como o inferior.

Ao nos permitirmos admirar as linhas paralelas que compõem as abordagens foucaultiana e psicanalítica, em suas singularidades explicativas, inevitavelmente irrompe a questão: O que o estranho teria a ver com o anormal? De acordo com Souza e Gallo (2002, p. 42), “do ponto de vista teórico, julgamos que estas entidades não possuem a mesma natureza”. E, talvez, o melhor que tenhamos a fazer “é deixá-las em seus próprios campos de fabricação discursiva.” (p. 42)

Os (a)normais fazem parte, de modo surdo, de uma mesma geometria. São elementos conhecidos, sempre explicáveis e demarcáveis na superfície de um território localizável e familiar — a norma. No espaço da norma não há exterioridade: tanto o anão como o gigante, tanto o retardado como o superdotado, tanto o deficiente visual como o vidente lhe são necessários, a fim de que possa completar toda uma série de medidas, ascendentes ou descendentes, a partir das quais cada indivíduo é posicionado e classificado em termos de proximidade ou desvio. A

14 Os bebês nascidos em hospitais públicos ou conveniados com o SUS deverão fazer o “Teste do Olhinho” antes de ir para casa. O procedimento deve ser feito nas primeiras quarenta e oito horas de vida — hoje, em metade dos casos os defeitos são descobertos quando o bebê já está cego. Estima-se que 80% dos casos de deficiência visual possam ser evitados com o teste. Até este momento, poucas cidades do País, como São Paulo e Rio de Janeiro, oferecem o “Teste do Olhinho” como rotina das maternidades. A lei (no RS) deve ser regulamentada pelo Poder Executivo para começar a ser aplicada. Dentre as doenças que este teste vai prevenir estão: a Catarata (um caso para 200 nascidos); o Glaucoma (um para cada 10 mil nascidos) e o Tumor Ocular ou Retinoblastoma (um para cada 15 mil nascidos). Nota do autor.

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norma permite, finalmente, que cada um possa ser o juiz e o pastor de si mesmo. Por princípio lógico, o estranho jamais é assimilável (quando o é, deixa, obviamente, de sê-lo); mantém-se lá. [...] E, por isso, quando pressentimos no exterior, habitando corpos lésbicos, surdos ou do Barbeiro de A, incomodamo-nos tanto com ele: o repudiamos, o amamos, o desejamos intensamente e o odiamos na medida (ambivalência), ou, finalmente, empenhamo-nos em torná-lo membro de família no espaço tranquilizador e fraterno da norma. (SOUZA; GALLO, 2002, p. 47).

O igual contém em si o diferente, o mesmo, o outro. Com o

unheimlich,15 Freud assinala, junto a toda uma literatura ficcional de fundo fantástico,16 para a possibilidade da existência de uma zona de intersecção, uma fronteira, um limite ou uma região de indeterminação na constituição das subjetividades, composta de algo que lhe é familiar e ao mesmo tempo alheio.

Conforme afirma Canguilhem (2002, p. 101), “a norma é a referência de uma ordem possível, que permite e exige uma contestação (contra-norma) para se fazer norma”.

Se analisarmos as principais contribuições de alguns teóricos da Sociologia e da Psicologia (e.g: FOUCAULT, 1975, 1998, 2002; CANGUILHEM, 1982; SKLIAR, 2003; AZEVEDO et al. 2000; LAROSSA; SKLIAR, 2001; JAGGAR; BORDO, 1997; ROGERS; SWADENER, 2001; FONSECA, 1987), sobre as concepções de normalidade e patologia17 e suas implicações com a educação, teremos diante de nós uma abordagem pertinente sobre o tema, que ratifica a importância e a ênfase de uma interdisciplinaridade para a análise do objeto desta pesquisa.

A relação de atributo e estereótipo está impregnada em nossa sociedade na visão afunilada de que corpos fisicamente (a)normais (ver BAUMAN, 1999; FOUCAULT, 2002) comportam pensamentos também defeituosos. O indivíduo em questão torna-se estigmatizado e

15 Ver nota 7. 16 São muitos os monstros e os livros sobre monstros na literatura. O médico e o monstro, de Stevenson; Frankenstein, de Mary Shelley; Drácula, de Bram Stoker; Hannibal lecter, de Thomas Harris, Vlad Drácula, de Elizabeth Kostova; Gregor Samsa em A Metamorfose, de Kafka, entre outros. Ver também Naruyama (2000), Bondeson (2000), Tucherman (1999), Garcias (2002) e Silva (2000). 17 Ramo da Medicina que se ocupa da natureza e das modificações estruturais e/ou funcionais produzidas pela doença no organismo.

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categorizado no que se refere ao seu status social, ignorando-se seu potencial como ser humano integral. Existe uma ideia de que o que é diferente é patológico. Não há uma tendência à análise do que existe de compensatório em um indivíduo (a)normal, ou quais são os aspectos produtivos de sua personalidade. A presença quase intolerável, no meio educacional, de uma concepção cartesiana, que continua a menosprezar o indivíduo como um todo, vem prejudicando, de maneira assustadora, nossa tentativa de deixar menos excluídos (dentro de sua exclusão) os indivíduos portadores de deficiência visual entre outros tantos (a)normais.

Por outro lado, o darwinismo mais clássico, com sua teoria da adaptação, introduziu na biologia uma “normalidade”, que, segundo Perbart (2003), “não é de se surpreender que desde cedo este darwinismo tenha inspirado uma normatividade social”. Assim, “embora a norma não seja fixa, a capacidade de se adaptar, sobreviver e conseguir garantir a descendência na luta pela existência está inscrita na natureza” (2003, p. 83). Essa é uma questão a ser aprofundada. Na esteira do darwinismo clássico, podemos enfrentar a questão do vivo no contexto contemporâneo e o modo como a evolução de uma espécie pôde impulsionar a evolução de outra. A questão da “utilidade” ou da utilização de um determinado aparato corporal, por determinada espécie, é resultado de um processo complexo dentro da evolução. Não estamos determinados a escrutinar os meandros evolucionistas; porém é notório, no trabalho desenvolvido por alguns pesquisadores, dentre os quais os psicólogos evolucionistas Roger Fouts (1998) e Steven Pinker (1998), os neurologistas e neurocientistas Oliver Sacks (1995-98, 2003, 2007, 2011), António Damásio (1996, 2000) e V.S. Ramachandran (2004), pelas ciências cognitivas com Varela, Thompsom e Rosch (2003) e Gardner (2003) ou pela neurociência com Kandel, Schwartz e Jessell (2000), Bear et al. (2006) e Roberto Lent (2004), que, mesmo “uma deficiência pode ser da maior utilidade no momento em que esta passa a estimular outros órgãos”.

Ainda sobre a questão do vivo, permitam-me citar-lhes alguns parágrafos que ilustram a ideia das concepções de Darwin18 a respeito

18 É comum a ideia equivocada de que a mais importante contribuição de Charles Darwin foi a descoberta da evolução. Não foi assim. A grande contribuição de Darwin foi fornecer o mecanismo adequado, que ele chamou de seleção natural. Para um apanhado das teorias da

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do organismo e do ambiente. Para criar a sua teoria da evolução, Darwin teve de dar um passo revolucionário nas concepções de organismo e ambiente. De acordo com Lewontin:

Até então não havia uma demarcação clara entre processos internos e externos. Na concepção pré-moderna da natureza não havia uma separação nítida entre vivo e morto, animado e inanimado. O morto poderia reviver, as estátuas de marfim poderiam transformar-se em mulheres vivas. A teoria da evolução de Lamarck supunha a herança de características adquiridas. Ou seja, circunstâncias externas ao organismo podiam ser a ele incorporadas de maneira permanente e herdável por ação da vontade do próprio organismo. Darwin promoveu uma ruptura profunda com essa tradição intelectual ao alienar o interno ao externo: ao estabelecer uma separação absoluta entre os processos internos que geram o organismo e os processos externos, o ambiente em que o organismo deve operar. (2002, p. 47).

Análise e discussão

A questão sobre o que é ser ou o que não é ser humano é uma questão ontológica. Os critérios que distinguem humanos, não humanos e seres humanos (que, culturalmente, identificamos conosco) fazem parte de um contexto evolucionário (que instaura a codependência de quem sobrevive e de quem não sobrevive) e da história do vivo (que se faz com aquilo que já não está mais aqui e com a questão de que o ausente também faz parte). O ponto principal, aqui, talvez seja que os humanos são, acima de tudo, seres sociais, de modo que “o que os humanos são”, segundo Foley (2003), “vincula-se estreitamente não com os humanos como indivíduos, mas como os humanos como parte da humanidade como um todo”. (p. 17).

Para o autor:

Se não pudermos desemaranhar a linguagem do comportamento social e econômico, talvez venhamos a ser levados à ideia básica de que o que nos torna humanos é a cultura. Os antropólogos usam o conceito de cultura numa miríade de sentidos, mas o cerne de todos eles é a ideia de

evolução: Dictionaire du darwinisme et de l’evolution. Coordenné par Patrick Tort. Paris: PUF, 1996. Traz esclarecimentos sobre os mecanismos e as principais teorias, e estende a reflexão iniciada aqui. Para integrar outras informações ver também Dawkins (1998, 2005); Dennett (1994, 1997, 1998); Foley (2003); Lewontin (2002); Stanford (2004); Watson (2005); Zimmer (2004).

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um gabarito cognitivo sobre o qual é formada toda a estrutura do comportamento humano. Seu elemento crucial é que ela fornece a flexibilidade que permite que todos os tipos de comportamentos, pensamentos e ações sejam modificados, e que as ações mais díspares sejam integradas. O homem, como animal-portador de cultura, pode substituir e abranger todos os aspectos da humanidade, da tecnologia à política e à estética. (2003, p. 18).

Para sobreviver, um corpo precisa operar dentro de alguns

parâmetros. Em comparação com o ambiente que o rodeia, o estado interno do corpo deve permanecer relativamente estável. Desde a regulação básica da vida, até a razão superior, passando pelas emoções e pelos sentimentos, é possível perceber um mesmo continuum integrado. O projeto de Damásio que, num primeiro momento, em O erro de Descartes (1996), era sobre os fundamentos neurobiológicos da razão e da emoção, no seu segundo livro O mistério da consciência (2000) coloca em voga um problema complexo: a própria consciência — o sentimento de sermos o que somos. Contudo, é Em busca de Espinosa (2004), que amplia sua busca, ao “estender a chave da homeostasia19 ao governo da vida social”. Para Damásio:

As convenções sociais e as regras éticas podem ser vistas em parte como extensões da homeostasia no âmbito da sociedade e da cultura. O resultado da aplicação de convenções e regras eficazes é precisamente o mesmo de dispositivos como metabolismo ou de apetites: um equilíbrio no processo da vida que permita a sobrevida e o bem-estar. As constituições que governam um Estado democrático, as leis propostas de acordo com essas constituições e a aplicação dessas leis num sistema judicial são dispositivos homeostáticos. Todos eles são ligados por um longo cordão umbilical a outros níveis de regulação homeostática básica. Certas organizações mundiais que tiveram o seu começo no século XX, como por exemplo, a Organização Mundial da Saúde e as Nações Unidas, fazem parte dessa tendência humana de estender a homeostasia a uma escala cada vez maior da humanidade. É bem sabido que tais organizações têm conseguido alguns bons resultados, mas que também sofrem imperfeições que apenas revelam a sua

19 Homeostase: manutenção da constância e estabilidade fisiológica. Este é (segundo Claude Bernard, que introduziu o conceito) o propósito de todos os controles fisiológicos e “a condição de uma vida livre”. Em caso de doença, ocorre um distúrbio na homeostase, e com essa diminuição da estabilidade sobrevém uma correspondente redução da liberdade de atividade. (SACKS, 1996).

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menoridade. Apesar disso, vejo a sua presença como sinal de progresso. (2004, p. 182).

Ser humano e ser hominídeo não é, de modo algum, a mesma

coisa. Diferentes critérios serão utilizados por diferentes pesquisadores para determinar se uma população específica cruzou ou não a linha que a transforma em humana. Podemos apenas afirmar que as diferenças entre humanos e o restante do mundo biológico são vastas e incluem um longo período de tempo. Humanos são seres simbólico-culturais, mas a origem de sua mente é a mesma dos animais e, de acordo com o paleontólogo Stephen Jay Gould (1999, p. 67), “tornamo-nos, por força de um glorioso acidente evolutivo chamado inteligência, os administradores da continuidade da vida na Terra. Não pedimos esse papel, mas não podemos abjurá-lo. Podemos não ser talhados para ele, mas aqui estamos nós”. Referências

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Corpomídia e mídia: duo necessário

Carlos Alberto Pereira dos Santos* Resumo: O corpo contemporâneo que dança é ambiente de criação de informações, de elaboração de pensamentos. Esse corpo, mídia de si mesmo, permite novas e recorrentes aproximações ao leitor crítico dessas manifestações, o jornalista cultural. Na elaboração da crítica jornalística, importa mediar essas trocas entre criador/intérprete e leitor/público. Assim, novas trocas se engendram, elevando significativamente a mediação entre o corpomídia e a mídia, pois criticar é selecionar e replicar informações, forjando novos ambientes de reflexão e criação. Palavras-chave: Corpo. Dança. Jornalismo. Crítica.

Corpomídia and media: duo necessary Abstract: The body of contemporary dance that is environment information creation, elaboration of thoughts. This body, the media it self, allows new applicants and approaches to critical reader of these demonstrations, cultural journalist. In the preparation of journalistic criticism, it mediate the seex changes between creator/artist andreader/audience. Thus, new flows are engendered, significantly raising the mediation between corpo mídia and the media, because to criticize is to select and replicate information, for ging new environment sforreflection and creation. Keywords: Body. Dance. Journalism. Citicism.

Corpomídia y medios de comunicación: duo es necesario Resumen: El cuerpo de danza contemporánea que es la creación de entorno de la información, la elaboración depensamientos. Este organismo, los propios medios, permite a los solicitantesy enfoques nuevos para el lector crítico de estas manifestaciones, periodista cultural. En la preparación dela crítica periodística, que medianestos intercambios entrecreador/artistay ellector/audiencia. Por lo tanto, nuevos flujosse engendran, aumentando de manera importante la mediación entre corpo mídia y los medios de comunicación, porque para criticares seleccionar y e producir información, forjar nuevos ambientes para la reflexión y la creación. Palabras clave: Cuerpo.La danza.El periodismo.La crítica.

O jornalismo cultural tem uma tarefa instigante quando desafiado a falar sobre dança contemporânea, manifestação artística que elabora

* Historiador e jornalista. Mestrando em Educação, no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade de Caxias do Sul — UCS.

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e problematiza questões em torno do corpo e do movimento, na forma de produção de conhecimento, protagonizada por seus intérpretes. Em busca de uma nova coreografia para esse segmento artístico, jornalistas e criadores da área precisam acertar o passo. Tendo como entendimento que os meios de comunicação são justamente os meios, não o fim de um processo comunicativo, certas práticas devem ser revistas, para que se estabeleça uma nova possibilidade de diálogo entre produção artística contemporânea e jornalismo cultural.

Nesse aspecto, a pesquisadora Cremilda Medina alerta que “não há narrativa nem matéria jornalística que não seja produção cultural, o que se diz da realidade à nossa volta é representado simbolicamente no discurso jornalístico”. (MEDINA, 2007, p. 33).

Portanto, entender o processo de criação, o contexto de cada criador, as referências que o mobilizam, as possibilidades e tentativas que vêm fazendo, no decorrer da produção de um tipo de pensamento artístico: suas aproximações; seus aportes e inferências, talvez seja mais frutífero, para o jornalista e seus leitores, do que a simples descrição do que é levado ao linóleo, palco ou espaço cênico. Contexto e ambiente são conceitos fundamentais para essa revisão processual. Entende-se por contexto, o momento sociocultural vivido por determinada comunidade, suas relações, seus embates e suas questões estético-filosóficas. Já para falar de ambiente de produção de significados artístico-estéticos, invoca-se a figura da rede, que propõe e estabelece relações entre fenômenos culturais, grupos sociais e manifestações artísticas.

Em Redes da criação — construção da obra de arte, a pesquisadora Cecília Almeida Salles aborda os processos que envolvem a criação da obra de arte, focando instrumentos para a crítica de processos. Partindo do conceito de redes de criação, Salles aponta que “muitas questões de extrema importância para se discutir a arte em geral e aquela produzida nas últimas décadas, de modo especial, necessita de um olhar que seja capaz de abarcar o movimento, dado que leituras de objetos estáticos não se mostram satisfatórios ou eficientes”. (SALLES, 2006, p. 52).

Assim, estar próximo dos produtores das obras artísticas e dos referenciais com os quais se relacionam esses criadores; manter uma proximidade com o universo sobre o qual escreve ou critica; ater-se ao

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cotidiano dos artistas e de suas obras, é tarefa sistemática que cabe ao jornalista de cultura. Só assim ele estará apto a perceber as complexidades e a dinâmica de sua área de atuação.

A hora, portanto, é de entrecruzar diálogos e promover a aproximação desse mosaico de informações gestadas pela contemporaneidade, elaborando novas percepções. Um dos suportes oportunos para esse entendimento parece ser mesmo o corpo da dança e suas mediações com o mundo do jornalismo, cultural inclusive.

Nesse sentido, para chegar a uma compreensão mais próxima do pensamento acerca de arte, estética e representação simbólica, vale investigar o corpo com o conceito de corpomídia.

O corpo não é (mais) um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em cruzamento, e não um lugar onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de mídia de si mesmo que o corpomídia1 lida, e não com a idéia de mídia pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o corpo (KATZ; GREINER, 2005, p. 131).

Sob o clichê de ser a dança uma linguagem universal do corpo,

muitas e infrutíferas laudas de jornais e revistas são gastas. O interesse aqui é lidar com a dança como um componente fundamental para o pensar coletivo, para o homem contemporâneo em seu cotidiano.

Corpos humanos são observados em suas variações de fluência, espaço, peso e tempo, segundo Rudolf Laban.2 A partir de tais parâmetros, entende-se a dança como uma ação física humana, que ora pode se apresentar na forma de um espetáculo, ora como produto do estar no mundo. Mas que, quando se organiza na forma de um espetáculo, performance ou intervenção, pede um texto especializado a seu respeito. Um texto que reconheça, na materialidade do que está

1 Corpomídia, na teoria de Christine Greiner e Helena Katz, é o corpo que é mídia de si mesmo, ou seja, carrega seu código próprio de informações, que são constitutivas de sua natureza específica e em constante fluxo de ressignificação. Aqui a mídia não é mais vista sob o conceito de veículo de transmissão de informação, mas como o próprio corpo que se enuncia quando enuncia a coleção de informações que o constitui. 2 Considerado o teórico da dança moderna, o bailarino austríaco Rudolf Laban desenvolveu uma trajetória de pesquisa e notação dos movimentos, o Labanotation, que compreende que o movimento humano é sempre constitutivo dos mesmos elementos, seja na arte, seja nas ações cotidianas, num processo com ênfase em aspectos fisiológicos e psíquicos.

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sendo dançado, a coleção de informações que compõem aquela dança.

A compreensão do corpo no seu espaço, e em seu tempo, exige um olhar minucioso sobre a narrativa ou o percurso do ser humano no mundo. Desse enfoque, brotam constantes reapropriações, num moto-contínuo de novas contaminações de informações.

Quando se fala na necessidade de modificar a informação com a qual o jornalismo cultural lida, vale recorrer ao conceito de meme, desenvolvido pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins,3 para ser capaz de avaliar a importância de uma requalificação dessa informação, justamente por conta do contágio que poderá promover.

O novo caldo é o caldo da cultura humana. Precisamos de um nome para o novo replicador, um substantivo que transmita a idéia de uma unidade de transmissão cultural, ou uma unidade de imitação. “Mimeme” provém de uma raiz grega adequada, mas quero um monossílabo que soe um pouco como “gene”. Espero que meus amigos helenistas me perdoem se eu abreviar mimeme para meme. Se servir de consolo, pode-se, alternativamente, pensar que a palavra está relacionada a “memória”, ou à palavra francesa ‘même’ (DAWKINS, 1989: p. 330).

Dawkins se refere aos memes como entidades replicadoras de

informação, capazes de promover a preservação do contexto sócio-histórico mediante sua transmissão. Assim, tudo aquilo com o que se entra em contato, tem a possibilidade de nos contaminar, nos transformando em novos transmissores desses memes. Jornais, revistas, sites, blogs — todos os meios de comunicação são potentes difusores de memes.

É nesse sentido que o impacto da redução do espaço para o jornalismo cultural pode ser avaliado: sem a possibilidade de disseminar informações/memes sobre dança, o público leitor perde a oportunidade de encontrar esse tipo de informação, deixando de ser um replicador. Ao longo do tempo, se for mantida essa situação, a

3 Natural do Quênia, Richard Dawkins é um biólogo evolucionista, professor da Universidade de Oxford, criador do conceito de meme, que derivou na memética, e também responsável pela elaboração da teoria do efeito fenotípico, cuja ação não se limita ao corpo de um organismo, mas também ao seu ambiente.

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tendência é a de que tais informações se enfraqueçam, trazendo consequências graves para a dança.

Os pensamentos organizados pelo corpo que dança também podem ser lidos como meios de difusão dos memes. E é também relevante salientar que, dependendo de qual tipo de fazer artístico encontra espaço na mídia, são os seus memes que ganham oportunidade de se tornarem evidência e, então, continuarem gerando novos processos de contaminação, de replicação de informação.

Não é preciso procurar capacidades convencionais de sobrevivência biológica em aspectos como a religião, a música ou as danças rituais, embora isso possa verificar-se. Uma vez que os genes tenham adotado as suas máquinas de sobrevivência de cérebros aptos para a imitação rápida, os memes assumirão automaticamente o comando. Nem sequer temos que postular uma vantagem genética para a imitação, não obstante isso certamente nos ajudasse. Basta que o cérebro seja capaz de realizar a imitação: então os memes que explorarem ao máximo essa capacidade evoluirão. (DAWKINS, 1989: p. 341).

Ao entender o poder viral da informação, o jornalismo cultural, na

área da dança, deve passar a zelar pelas escolhas editoriais que faz. A compreensão da abrangência do conceito de Dawkins fornece novas abordagens para o trabalho cotidiano no jornalismo cultural. O registro dos processos culturais faz do relato jornalístico um dos recursos que contempla a dimensão histórica do homem em seu tempo.

Esse procedimento sofre oscilações devido à cultura da imitação prosaica dos releases nas redações. Prática recorrente para instaurar o diálogo entre artista e jornalista, o release deveria se manter apenas como um instrumento de provocação dessa comunicação. Nele, o criador apresenta seu trabalho, enuncia suas intenções, opções estéticas, procedimentos. Trata-se de um convite ao desvelamento, de olho claro na possibilidade de chegar ao público, intermediado pelos meios de comunicação.

Atualmente, diante das mudanças ocorridas nas redações, reduziram-se o número de jornalistas, o que acarretou muito mais trabalho cotidiano, além da quase impossibilidade de o jornalista se especializar em algum segmento da cultura. Assim, muitos desses releases viram texto final. A falta de conhecimento específico das áreas, que deve acompanhar transforma o profissional da imprensa em um

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consumidor de releases. Essa cultura parece sinalizar um pacto de conformação da mídia com tais expedientes. Procedimentos como esses comprometem a produção ou o fomento de um pensamento crítico e pactuam mediocridade ou compadrio na relação do jornalismo com determinados setores da produção artística — notadamente a chamada indústria cultural. O resultado é uma reflexão pobre, pouco instigante.

Claro que a muitos desses articuladores, produtores, diretores ou criadores interessa mais a reprodução de seu discurso do que a problematização ou a reflexão crítica sobre seus procedimentos. Mas, aos poucos, há uma relativização dessa fórmula, com um filtro sobre os discursos prêt-à-porter de certos setores da imprensa. Essa crítica tem surgido entre os próprios consumidores de informações, como cita o jornalista cultural e crítico Pizza:

Mesmo os leitores pouco habituados a textos menos curtos e superficiais, a estilos marcados pela força da inteligência crítica, e com repertório cultural mais limitado (seja por escolha própria, seja por ignorância a respeito de outros repertórios), percebem que o jornalismo cultural de hoje, na maioria das vezes, beira o fútil e leviano. (PIZZA, 2003, p. 63).

Para nos fazer entender melhor o papel do jornalista cultural hoje,

vale lembrar que o que a crítica de dança Katz escreveu em sua tese de doutorado, Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo (FID Editorial, 2005), a respeito do sujeito dos nossos tempos. Katz situa o novo universo de produção ou ressignificação de informações “como um fluxo de interações e não de essências eternas”. (2005, p. 35). Assim, no trânsito entre a precisão e imprecisão de novos conceitos, “o observador desapaixonado da ciência clássica foi substituído pelo conhecedor-participante”. (KATZ, 2005, p. 35).

Esse conhecedor participante pode ser o jornalista atuante. A ele cabe observar que a dança contemporânea exige aproximações em série. Não para a conclusão de um absoluto imutável, uma vez que estar-sendo-ter-sido parece ser a condição incontinente do pensamento do corpo, transmutado em dança. O esforço desse jornalista deverá ser o de “varrer para debaixo dos tapetes dos lugares por onde se deve

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evitar circular os para mim que encabeçam tantos discursos sobre a dança” (KATZ, 2005, p. 54, grifo da autora).

Para adentrar no entendimento de que a dança é o pensamento do corpo, Katz insiste que “conceitos precisos derrubam achismos”. (KATZ, 2005, p. 63). É hora de a mídia começar a entender a sua posição de difusora de memes, como a de um agente capaz de estimular mudanças a partir do que escolhe publicar.

Quem sabe seja pertinente compreender que todo corpo troca informações com os ambientes por onde circula, e que essa troca o modifica, bem como aos ambientes — como nos propõe a Teoria Corpomídia, (KATZ; GREINER, 2005). Dessa forma, começaremos a rever a abordagem sobre dança contemporânea no jornalismo cultural brasileiro. Isso instigará o leitor a praticar o exercício de buscar o pensamento daquela obra na sua manifestação material, olhando para os corpos em movimento como a organização, na forma de dança, de uma coleção de informações.

Experiências perceptivas anotadas em páginas de jornal podem acionar compartilhamento de ideias pelo público. A abordagem dessas informações como herança e memória de um processo evolutivo, sendo a dança uma das produtoras de conhecimento na contemporaneidade, inaugura outras frentes no cotidiano do jornalismo cultural. Assim, entenderemos também que, na produção contemporânea de dança, cresce o número de produtos coreográficos que se constituem como processo, fruto de investigações com novas abordagens. Espetáculos vêm se tornando instâncias transitórias, não definitivas da construção de um pensamento sobre, com, e derivado da dança. A replicação desse outro entendimento do papel do jornalista cultural de dança pode inaugurar nas páginas dos jornais e revistas um jornalismo cultural inovador.

Corpo que dança mostrado na mídia, jornalismo cultural descobrindo que todo corpo fala da coleção de informações que dele faz parte, que cada corpo tanto replica informações como é por elas contaminado. O duo desses dois intérpretes-criadores forja um ambiente propício para o debate em torno da importância e do poder da crítica jornalística nessa área de produção artística.

No contexto da crise de produção do jornalismo cultural e da diminuição dos espaços dedicados a esse segmento, a crítica

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jornalística também sofre instabilidade. Nos últimos anos, esse formato diminuiu sensivelmente sua inserção na discussão sobre a produção contemporânea dos diversos tipos de arte.

A reflexão sobre a arte tem tomado diferentes rumos e alcançado novos suportes. Mas é no corpo do jornalismo cotidiano que ela deveria ter seu espaço privilegiado, abrindo diálogo com o público, propondo não polêmicas, mas reflexões em torno dessas manifestações de produção cultural, mosaico cada vez mais multifacetado na contemporaneidade.

Os estudos sobre a relação entre corpo e poder são oportunos para traçarmos uma leitura da produção jornalística sobre dança contemporânea, tendo como pressuposto a “docilidade” da fórmula de certas resenhas, na tentativa de dialogar/dançar com os corpos contemporâneos.

É preciso atentar que o corpo que dança terá diferentes valorações, numa variação que depende de quem o observa e de que lugar isso se dá. O corpo disciplinado tem, aos poucos, dado lugar ao corpo que pensa, vetor de signos inovadores na contemporaneidade.

Michel Foucault elabora sua teoria sobre os corpos dóceis analisando a formatação das disciplinas como fórmulas de dominação do corpo humano no decorrer dos séculos XVII e XVIII:

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma anatomia política, que é também igualmente uma mecânica do poder, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. (FOUCAULT, 1983, p. 127).

Esse procedimento forjaria corpos submissos e exercitados, com

potencialidades físicas, porém fragilidades políticas, uma vez que foram moldados para a subserviência. Essa anatomia política é produto de uma multiplicidade de processos que forjam um método específico, vinculado a um determinado contexto histórico.

Assim, na ótica de Christine Greiner:

O corpo deixa de ser, portanto, um lugar onde ocorre a construção do sujeito. A resistência aparece como efeito do poder, como parte do

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poder, e como a sua auto subversão. O sujeito, para Foucault, não é produzido instantaneamente após tudo isso. Ele está em processo de produção o tempo todo .(GREINER, 2005, p. 91).

Greiner frisa que, mesmo em condições de submissão, o corpo

continua gerando signos. Essa abordagem deveria redimensionar as narrativas jornalísticas em torno do corpo contemporâneo que dança. É com essa perspectiva que o pesquisador Coelho faz uma crítica a determinados comportamentos do jornalismo cultural brasileiro:

O jornalismo cultural tem que dialogar com os valores novos vigentes e não com os que uma ideologia velha de 20, 40 ou 150 anos ainda insiste em apresentar como válidos. Não se trata de cada um achar os seus valores próprios, uma vez que os valores que de fato orientam um grupo social, ainda que equivocados, são coletivos. Mas, é preciso que o jornalista cultural reveja os valores habituais e busque sintonizar-se com as reais tendências atuais, aquelas que manifestam na prática e na vida cotidiana das pessoas. Para tanto, é preciso ser capaz de detectar as orientações culturais do seu tempo. O bom jornalista cultural deve assumir como ponto de partida a idéia de que é preciso pensar sempre de outro modo, que é preciso ver uma questão sempre pelo outro lado, pelo lado que não está sendo visto, pelo oposto do hábito cultural. Nada pior em cultura do que o hábito cultural. E o jornalismo cultural brasileiro ainda está cheio de hábitos culturais. A cultura pode ser feita de hábitos culturais. O jornalismo cultural, não. (COELHO, 2007, p. 25).

O corpo passa por ressignificações culturais. Ele pode ser

entendido como um corpo-sistema que, como já foi dito, propõe mediações com o ambiente o tempo todo. E a dança contemporânea abre-se, assim, como um campo significativo para a leitura dessas novas formulações sobre arte, pensamento e conhecimento. Nesse contexto, a crítica jornalística desponta como uma instância privilegiada para o exercício da reflexão sobre esses novos procedimentos. Para tanto, há que se valorizá-la em sua especificidade, a despeito dos que insistem na morte da crítica, como analisa o filósofo Osório:

Percebo um misto de arrogância e defesa de território embutido nessa nostalgia que insiste no fim da crítica. A crise da crítica ressoa na crise da política, de um espaço comum, múltiplo e pautado pelas diferenças, onde se negociam expectativas e anseios. É como se as obras, em nome de uma falsa liberdade, não fossem mais passíveis de ser julgadas. Não

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havendo mais nada a ser julgado, tudo é possível e ninguém deve ficar ditando regras. É justamente contra este tipo de reducionismo que devemos defender a crítica, contra essa vinculação entre julgar e condenar ou enquadrar. (OSORIO, 2005, p. 9).

Diante de um contexto em que insiste em relativizar a importância

da crítica na mídia, ou olhá-la como pouco significativa, é preciso redimensionar o alcance da sua comunicação, dando vigor a ela no corpo dos veículos de informação.

Comunicar é, assim, um novo movimento cognitivo: “Ao comunicar algo, há sempre deslocamentos: de dentro para fora, de fora para dentro, entre diferentes contextos, de um para outro, da ação para a palavra, da palavra para a ação e assim por diante.” (KATZ; GREINER, 2005, p. 131).

Considerada a crise da crítica como uma crise também política que atinge os meios de comunicação, a perspectiva é fazer dela um recurso de produção de novas metáforas.

O conceito metafórico representa um modo de estruturar parcialmente uma experiência em termos de outra. [...] Nessa perspectiva, o ato de dançar, em termos gerais, é o de estabelecer relações testadas pelo corpo em uma situação, em termos de outra, produzindo neste sentido, novas possibilidades de movimento e conceituação. (KATZ; GREINER, 2005, p.132).

Novas metáforas, novos conceitos e novos movimentos

reconfiguram o corpo na dança da contemporaneidade. A docilidade domesticada pela disciplina dá lugar à permeabilidade das novas significações em torno do corpo e da cultura. A comunicação contaminada pelo meio e este em constante reinvenção, em movimento, evidenciam o poder do corpo (que dança) e da crítica (que reflete sobre ele).

Se o jornal é um espaço em crise diante da especialidade requerida pelos jogos de linguagem da arte contemporânea, é fundamental por um lado, abrir novos espaços de reflexão, por outro, experimentar uma escrita mais ligeira, mas não por isto banal, que crie novas interlocuções com o público anônimo e plural que ainda não substitui o jornal diário. É função primordial de a crítica procurar compreender as transformações da arte, seus novos processos e materializações, dando voz a manifestações poéticas ainda indefinidas e hesitantes. [...] Cabe à crítica,

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acima de tudo, responder às demandas de sua época, adaptando-se sem maiores temores e com um mínimo de ousadia, aos espaços que lhe são concedidos, procurando abrir e disseminar, de dentro destas regiões de ressonância, novos espaços de produção e circulação para a arte. (OSÓRIO, 2005, p. 13).

Eis que os expedientes de gosto e de senso estético também

transitam, agora, nesse novo ambiente. Tecer considerações pautadas pelo gosto não pode sequer ser

entendido como um pensamento crítico, pois quando o gosto opera, o objeto do discurso não está, de fato, sendo observado na sua singularidade. O gosto fala mais sobre o dono do gosto do que do objeto sobre o qual parece estar observando. Portanto, para a escrita de uma crítica, faz-se necessário outro tipo de aporte e de conhecimento, que capacite o crítico a, de fato, lidar com o objeto propondo uma reflexão.

Na tangência do universo da dança contemporânea, confluem-se os conceitos de corpo, mídia e poder. E, se o modo como esses três fatores se relacionam é fundamental na produção dessa área, também o será para a elaboração da crítica sobre as obras que povoam esse segmento. Nele, cada vez mais, os conceitos de belo, bom ou ruim, deixam de ser o termômetro determinante.

Para muitos, criticar determinada produção ainda é estabelecer diferentes graus de censura, como um discurso que vai limitar as obras e cercear seus criadores no seu “livre exercício da criação”. Essa perspectiva, embora equivocada e rasa, tem construído um universo densamente povoado por egos de pseudocriadores, nada dispostos à reflexão a respeito das suas obras.

Trabalhar com responsabilidade no desenvolvimento de uma argumentação sobre determinada obra de arte significa tratar essa obra como produto de uma experiência ímpar, carregada de fenômenos, sentidos e propriedades específicas. Todas negociadas com seus respectivos ambientes, definidores de novos sentidos, desdobrados em outros tantos. Uma experiência autônoma, portanto, e irredutível às habituais categorias de apreciação ou definição de um tipo de “juízo de valor”, reduzido ao bem dançado/maldançado ou bonito/feito. Afinal, as trocas intermitentes entre determinada obra/corpo com seu meio/contexto, rearranjam uma nova condição da própria crítica.

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Não cabe tentar convencer o público empregando um determinado discurso apoiado nesses valores, mas, sim, estimulá-lo a desenvolver a sua possibilidade de leitura, para que essa atitude possa ser praticada também com outras obras. A “nova” crítica pode nos ensinar a pensar de outra maneira e, ao mesmo tempo, dada a efemeridade de muitas certezas, reforçar a necessidade do estabelecimento de novos parâmetros para lidar com a obra de arte.

Diante desse novo panorama, Osório argumenta:

Entre o tudo pode ser arte e qualquer coisa não se tornar necessariamente arte, abre-se um espaço a ser preenchido pela capacidade de julgar e pela crítica, entendida aqui como estratégia de deslocamento e negociação de sentido para uma arte sempre afrontada com a ameaça do não-sentido e da não-arte. (OSÓRIO, 2005: p. 24).

A crítica de arte atua, também, numa dimensão política ao abrir

espaço para a compreensão de que uma obra coreográfica é a exposição, na forma de dança, de certa visão de mundo. Claro que vale aproximá-la de famílias estéticas, buscando as referências e mediações que ela sugere, mas sempre tentando adentrar à lógica que a organiza, dialogando, por meio de um pensamento crítico, com o que ela propõe e com as escolhas que fez.

Em A partilha do sensível: estética e política, o filósofo francês Rancière4 faz uma aproximação entre os conceitos de política e estética, permeados pelo mundo sensível: “A política ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis do tempo.” (RANCIÈRE, 2005, p. 17).

Nessa perspectiva, o fazer artístico ganha eco no fazer político, proporcionando a visibilidade das artes: “As práticas artísticas são ‘maneiras de fazer’ que intervêm na distribuição geral das maneiras de fazer e nas suas relações com as maneiras de ser e formas de visibilidade.” (RANCIÈRE, 2005, p. 17).

4 O filósofo Jacques Rancière é professor emérito de estética e política na Universidade de Paris VIII, tendo publicado no Brasil, entre outros títulos, O mestre ignorante; Políticas da escrita, O desentendimento e A partilha do sensível.

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Cresce, por esse viés, a pertinência do fazer crítico no sentido de produzir, por meio de seu discurso, mais substantivos do que adjetivos. Novamente, Osório observa:

O que importa não é se a universalidade vai se dar de fato, mas que ela se dê de direito, e é essa pretensão que leva, em parte, à existência da crítica no sentido de desenvolver um vocabulário e uma argumentação pública na direção de uma negociação aberta sobre os sentidos da experiência dos fenômenos. (OSÓRIO, 2005, p. 26).

Importa, portanto, compreender a crítica como uma fala pública,

dotada de um vocabulário com alcance em um número significativo de outros leitores. Tendo inserção e reverberação nos lugares e espaços de um comum partilhado, ela passa a ter, também, ação política e ideológica, fruto de uma competência para ver e qualidade para dizer: “A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce.” (RANCIÈRE, 2005, p. 16).

Parte da incompreensão em relação à função da crítica talvez se deva à falta de clareza sobre a sua ação na sociedade, sua capacidade de construir um discurso distante da avaliação do certo/errado, bem-feito/malfeito, bonito/feio, atuando como uma colaboradora na difusão do fenômeno artístico, na intermediação de contextos.

A diferença entre a antiga ideia de crítica jornalística e essa nova perspectiva está na habilidade de escrever a partir de argumentos fundamentados, em diálogo constante do resenhador com o objeto artístico, ou discorrer sob a égide dos “para mim”, “eu acho que”. A escolha entre uma das duas posturas é fundamental, justamente por causa do aspecto político imbricado pelo alcance da crítica e sua repercussão como uma fala pública. E, sendo uma fala ou escrita pública, outra vez promove trocas e contaminações que são determinantes para a difusão da arte na sociedade. Afinal, não é só o artista que sabe falar sobre sua criação. A sua fala e a fala do crítico têm naturezas distintas, cada qual com um papel diferente da outra, construída sob um determinado ponto de vista, assim como a fala do espectador-participante. Nos pontos que se entrelaçam dessa rede, caminhos inovadores:

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cabe ao futuro reendereçar as obras, encontrar modos inteligentes e sensíveis de atualizá-la com a integridade que lhes é de direito. A crítica aí é determinante, ocupando todos os espaços que lhe forem possíveis, adaptando sua linguagem e seus focos de interesse. É natural que a crítica jornalística, na sua crise atual, sofrerá de uma limitação de espaço e profundidade que a diferencia da ensaística, mas pode, ainda, viabilizar uma reverberação própria a esta superficialidade. (OSÓRIO, 2005, p. 63).

É da condição da arte contemporânea o não enquadramento à

condição de cânone. Ela se vale do próprio estatuto da crítica, que lhe atribui a natureza de experiência singular, não reduzida apenas a uma validação histórica, mas favorecida pela possibilidade de construção de novos juízos e valores para si e para o mundo. A produção de arte e a reflexão sobre essa produção devem caminhar em sintonia. E é esse movimento que redimensiona o duo entre corpomídia, mídia e os ambientes culturais da contemporaneidade. Referências COELHO, Teixeira. Outros olhares: Rumos [do] jornalismo cultural. São Paulo: Summus: Itaú Cultural, 2007. DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989. ______. O rio que saía do éden: uma visão darwiniana da vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. FOUCAULT, Michael. Os corpos dóceis. In: ______. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 117-142. GREINER, Christine. As dramaturgias do corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. p. 72-93. KATZ, Helena; GREINER, Christine. Por uma teoria do corpo mídia. In: GREINER, Christine (Org.). O corpo: pistas para estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. p. 125-133. KATZ, Helena. Um dois três: a dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: FID, 2005. MEDINA, Cremilda. Leitura crítica: rumos [do] jornalismo cultural: São Paulo: Summus: Itaú Cultural, 2007. OSÓRIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2005. PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. São Paulo: Contexto, 2003. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Eixo Experimental; Ed. 34, 2005. SALLES, Cecília de Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006.

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SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2009. ______. Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes, 2002. Recebido em 12 de março de 2011. Aprovado em 25 de maio de 2011.

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Um lugar para o corpo [POÉTICO] sensível na Educação Física da UCS (RS)

Sigrid Nora*

Resumo: Entendendo o corpo humano como um território biocultural, este texto discute o modo como o corpo vem sendo compreendido na Educação Física. Aponta articulações de domínio de outros saberes com as práticas da Educação Física, apresentando a experiência da implantação do plano-piloto Grupo ArticulAções nos cursos de Educação Física da UCS (RS), como uma possibilidade de agregar conhecimentos das práticas corporais artísticas à formação desse profissional e sua consequente qualificação para a atuação no mercado de trabalho. Palavras-chave: Corpo. Práticas corporais artísticas. Educação Física. Grupo ArticulAções.

A place for the sensitive [POETIC] body in UCS (RS) physical education Abstract: Understanding the human body as a biocultural territory, this paper discusses the way how the body can be understood in Physical Education. It has also pointed out some domain articulations from other knowledge to Physical Education practices, by presenting the implementation experience of the pilot plan ArticulAções group in Physical education courses at UCS (RS); as an opportunity to add knowledge of artistic body practices to professional training and his consequent qualification to work in the job market. Keywords: Body. Artistic body practices. Physical Education. ArticulAções group. Un lugar para el cuerpo [POÉTICO] sensible en la educación física de

la UCS (RS) Resumen: Comprendiendo el cuerpo humano como siendo un territorio biocultural. El presente monográfico analiza la manera como el cuerpo está siendo discutido en la educación física. Determina articulaciones entre otros conocimientos con las actividades de la Educación Física, presentando la práctica de la implantación del proyecto piloto Grupo ArticulAções en la Educación Física de la UCS (RS) como una posibilidad de abarcar conocimientos de las prácticas corporales artísticas hacia la formación educativa y su consecuente cualificación para la labor profesional. Palabras clave: Cuerpo. Prácticas corporales artísticas. Educación Física. Grupo ArticulAções.

* Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2005). Pós-Doutoranda em História/Políticas da Escrita da Imagem e da Memória pela UFSC (2011). Na UCS (RS) é docente nos cursos de Bacharelado e Licenciatura em Educação Física; coordenadora do Núcleo de Pesquisa Ciências e Artes do Movimento Humano e do curso de Especialização Corpo e cultura: ensino e criação.

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Introdução

Práticas corporais são expressões culturais de caráter lúdico, tais como os jogos, as ginásticas, os esportes, as artes marciais e as acrobacias, entre outras práticas compostas por técnicas, que se manifestam prioritariamente no plano corporal, conforme Mauss1 (1974), antropólogo contemporâneo. Assim, a dança, a performance e a arte viva são poéticas do corpo que também integram esse roll de possibilidades.

Para Daólio (2009) todas as práticas corporais do ser humano, quer sejam de natureza educativa, recreativa, reabilitadora, quer expressivas, devem ser pensadas como representações de valores e princípios culturais, a fim de considerar o homem como sujeito da vida social. Esses fenômenos constituem o acervo daquilo que vem sendo chamado de cultura corporal.2 Esses fazeres constituintes da corporalidade humana, e alguns deles, em particular os de identificação poética, podem e vêm sendo objeto de estudo especialmente no espaço acadêmico das Ciências do Movimento Humano.

Os estudos apontam prioritariamente para reflexões sobre a possibilidade de incorporação dessas práticas ao conteúdo de ensino dos cursos de graduação em Educação Física, ou para discussões sobre a necessidade, ao menos, de implantação de ações interdisciplinares, a fim de conectar saberes de outras áreas de conhecimento específico (como a dança, por exemplo), para a construção de uma perspectiva diferenciada em termos de educação do corpo e trato com o movimento, ou seja, a favor de uma educação corporal mais abrangente. É nesse sentido que Mauss (1974) afirma a importância de o homem ser considerado como um ser total, que nunca é encontrado dividido em faculdades.

No campo da Educação Física, e em especial naquele aplicado na escola, a questão central em relação a esse tipo de pensamento e, sobretudo, na sua relação com a dança, se evidencia principalmente na

1 Técnicas corporais: “Maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos.” (MAUSS, 1974, p. 211). 2 Cultura corporal compreendida como o conjunto de manifestações do corpo de determinado grupo social. Contraposição à ideia de atividade física como sinônimo de gasto de energia.

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falta de preparo dos profissionais envolvidos. E, mesmo que algumas universidades venham inserindo esse tipo de atividade nos currículos da graduação em Educação Física, essa inclusão ainda é muito recente e bastante incipiente para que a oferta de profissionais qualificados corresponda de maneira adequada à demanda existente. O que se percebe é a não apropriação desses conhecimentos. A simples falta de capacitação da maioria dos profissionais, que atua nesse âmbito e a fragilidade, oriunda da preparação para esse conteúdo, por meio de cursos livres com pouca qualidade são os dois principais fatores responsáveis por tal ocorrência. Fato que se agrava ainda mais por conta de outro determinante: o preconceito dos professores de Educação Física com a dança.

Miranda (1994) reforça a questão da superficialidade, e discute também sobre a impropriedade da dança no curso, dadas suas características estruturais e a necessidade de carga horária adequada para a abrangência e o devido aprofundamento que o conteúdo requer.

Embora consideradas áreas afins, torna-se pertinente sublinhar que a Dança e a Educação Física são reconhecidas pelo Ministério da Educação, em campos distintos. As Diretrizes Curriculares para Cursos de Graduação (1999) rezam que a Dança se enquadra no campo das Artes Cênicas, ou seja, das Ciências Humanas, cultural e social, enquanto a Educação Física pertence ao campo das Ciências Biológicas e da Saúde.

Nesse sentido, entendemos como Barbosa (1991, p. 6), quando diz: “Assim como a matemática, a história e as ciências, a arte tem um domínio, uma linguagem, uma história. Se constitui, portanto, num campo de estudos específicos e não apenas em mera atividade.”

Porém, muito embora a criação de cursos de graduação, licenciatura ou bacharelado em Dança, nas faculdades de Artes tenha crescido vertiginosamente nos últimos anos, devemos também considerar que ainda não formam profissionais suficientes para atender principalmente à demanda que se instalou a partir de 1971, quando a legislação estabeleceu a aplicação desse conhecimento em aulas de Educação Física e Educação Artística/Arte Educação. Determinação que recentemente se tornou ainda mais explícita no que se refere ao Ensino Fundamental e Médio, segundo as orientações do Ministério da Educação por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais.

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Enfim, exposto brevemente o panorama vigente, não pretendemos aqui entrar numa discussão de domínio territorial, a fim de saber a quem pertence esse espaço de intervenção, mas, sim, nos atermos a possíveis ações que contribuam para a qualificação dos futuros profissionais da Educação Física da UCS. O grupo articulAções — um plano-piloto

Ciência e Arte sempre foram atividades consideradas, até relativamente pouco tempo, como estanques e nada tendo em comum. Na verdade, são formas de conhecimento que partilham um núcleo comum, aquele que envolve os atos de criação. Tanto artistas quanto cientistas só conseguem ser efetivamente produtivos quando o ato de criação libera-se em meio a todas as dificuldades, que podem ser externas, provocadas por perturbações no meio ambiente, ou interna, associada ao perfil e história psicológicos dos criadores. (VIEIRA, 2006, p. 47).

Há tempos temos nos detido na investigação acerca dessa

articulação entre as práticas corporais artísticas e a Educação Física, entre Arte e Ciência. Fugindo de um ideário meramente teórico e com o intuito de abrir espaço para uma vivência que busca esse cruzamento entre ambas, reduzindo o espaço entre as fronteiras de uma e outra, foi criado em 2009, na Universidade de Caxias do Sul (RS), o programa Ciências e Artes do Corpo, uma experiência pioneira rumo à tentativa de provocar uma discussão que se desloque das técnicas e táticas pautadas apenas na ciência do treinamento desportivo, que há anos dita as normas a serem seguidas, para estabelecer um diálogo entre as poéticas artísticas do corpo e a educação física, a fim de melhor compreendê-las nas suas especificidades e na sua complexidade.

Trata-se, portanto, de uma proposta distinta daquela que tem sido privilegiada há anos na área da Educação Física. O interesse central do programa é verificar a possibilidade de incorporação e/ou ao menos de convivência entre aquilo que aparentemente se mostra avesso ou excludente, em favor de um trabalho mais “completo”, em termos de educação do corpo. E, assim, como uma operação responsável, o que orientou o surgimento dessa iniciativa partiu da ideia de que, para incorporar ou rejeitar, é preciso antes conhecer. Nesse sentido, não é suficiente “passar” informação, é preciso possibilitar o entendimento

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do significado por meio da vivência dessas práticas sintonizas com os interesses desejados. A cognição depende da experiência que acontece na ação corporal.

A implantação desse programa de intervenção sobre o corpo deu origem, dentre outras ações, ao Grupo ArticulAções. Um grupo que não aspira à formação acadêmica na área da dança nem mesmo tem a pretensão de desenvolver um modelo para que seja reproduzido. O que se pretende é que essa experiência passe a intervir na formação de alguns profissionais dos cursos de Licenciatura e Bacharelado em Educação Física da UCS (RS), como um alargamento do conhecimento e consequente melhora da atuação desses profissionais no mercado de trabalho, como prática pedagógica da dança na Educação Física escolar e nas competências específicas da área em favor da relação com a Dança, seu direito legítimo. Trata-se de um plano-piloto, uma proposta de combate às potências musculares, em busca de um realinhamento entre corpo, mente e ambiente, inverso ao pensamento cartesiano3 cuja concepção de corpo centra-se no corpo-objeto (máquina), na divisão do todo em partes para serem estudadas separadamente, o que na Educação Física se revela como a fragmentação do saber lógico e sensível, em que as práticas corporais são geralmente comandadas pela lógica do controle, do rendimento e do desempenho: uma abordagem corporal prioritariamente tecnicista. “Tomar a parte pelo todo, separar a teoria da prática, o saber do fazer, o sujeito do objeto e o corpo da mente são alguns desses equívocos cognitivos que acabam por comprometer nossa forma de entender o mundo e a nós mesmos.” (ALMEIDA, 2002, p. 45).

Coube principalmente a Nietzsche e a Merleau-Ponty, filósofos contemporâneos, o confronto dessa visão dualista que, ao longo da História do ser humano, assumiu diferentes formas desde Platão até Descartes. Precursores de novos patamares epistemológicos, os quais apontam a (re)ligação entre natureza e cultura, ocasionaram no século XX uma reviravolta na concepção da própria ciência. Alicerçado pelo pensamento de Ponty (1999), surge o corpo-sujeito, que rompe as linhas demarcatórias de pensamentos binários e as ideias de

3 O método cartesiano do filósofo francês René Descartes (1596-1650), considerado “Pai do Racionalismo”, tinha visão analítica do universo, ou seja, o universo era composto de partes articuladas, como um relógio.

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motricidade e corpo-próprio,4 desenvolvidas pelo filósofo e que desfazem a divisão entre os níveis físico e psíquico, afirmando o corpo como resultado do entrelaçamento entre os mundos biológico e cultural. Assim, se o corpo pertence a este tipo de configuração, os comportamentos dele procedentes derivam dessa mesma ordem, o que significa dizer que todo movimento e gesto acontecem da mesma forma, são bioculturais. Essa indistinção entre ambiente físico e cultura quebra limites e passa a operar a partir de um pensamento recíproco sob forma de copertencimento, em que o corpo, sujeito dessa relação e lugar de proximidade e continuidade entre ambas, adquire um novo status. Pensamento que encontra eco nos estudos de Katz e Greiner (2002, p. 89), que se traduzem em “como pensar em corpo sem ambiente se ambos são desenvolvidos em co-dependência?”

A fenomenologia de Merleau-Ponty tem como base a integração do corpo e da mente, dos territórios físico e cultural, maneira diversa da que a Educação Física tem lidado com as possibilidades do movimento humano. Apoiada nas ciências do esporte e na objetividade e quantificação, como principal suporte, baseia-se em resultados matemáticos provenientes da relação “se isso, então aquilo”, no movimento como um ato puramente físico, controlado unicamente por leis mecânicas, e, portanto, norteada por um entendimento reducionista, pois desconsidera as dimensões sociais e principalmente as subjetivas (estético-expressivas) do ser humano, como corpo situado num contexto histórico, que atua, modifica e é modificado pelo mundo em que vive.

4 “Merleau-Ponty compreende que não é porque há espaço, objetivo, que meu corpo se movimenta, mas porque me inscrevo em um meio-humano (o verdadeiro espaço) é que há espaço. Assim, não tenho um corpo movendo-se no espaço, mas é meu próprio corpo, enquanto histórico, isto é, enquanto vivido e vivendo nas relações que o afetaram e o afetam, que me faz aderir espacialmente ao mundo e que me ensina comportar-me motoramente. Isto é, não sou um aparelho ou uma máquina que se movimenta por si em um espaço, mas uma motricidade, portanto, uma espacialização graças à dialética dinâmica, alimentada nas relações inter-humanas. O corpo-próprio é o corpo-vivido, e não o corpo que a ciência observa por abstração. A ciência do corpo, seja a biologia, a medicina, a psicologia corporal, etc., procura conhecer o sistema de leis e os processos de comportamento. Este corpo, que se comporta segundo as regras capazes de serem cientificamente registradas, não é o corpo-próprio, senão na medida em que ele é também o centro das sensações e das ações. Isto quer dizer que o corpo-próprio é conhecido somente por aquele que faz ele próprio a experiência de experimentá-lo (senti-lo) e de produzir: ela não se dá apenas com um indivíduo, mas unicamente com uma vida comum de vários indivíduos.” (DENTZ, 2009, p. 31-34).

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Tendo em vista a possibilidade de criar diferentes formas de intervenção sobre o corpo e o movimento, pensamos que é hora de a Educação Física promover outras leituras das práticas corporais, fundamentadas na expressão e comunicação da complexidade dos sujeitos. Para Merleau-Ponty a apreensão das significações se faz pelo corpo. “Sistema de potências motoras ou de potências perceptivas, nosso corpo não é objeto para ‘eu penso’: ele é um conjunto de significações vividas que caminha para seu equilíbrio.” (MERLEAU-PONTY, 1945/1999, p. 212).

Muito tempo ainda será preciso até que o corpo possa ser investigado como uma arquitetura de processos, ao mesmo tempo estável e adaptativo, individual e geral. Nele, a dança acontece como um fenômeno peninsular, não insular, que jamais prescinde da ligação com o continente ao qual pertence. Que se faz em teia e, portanto, pede conhecimentos plurais para ser investigada. A dança é o que impede o movimento de morrer de clichê. (KATZ, 2003, p. 273).

Para a compreensão de outras possíveis maneiras de lidar com as

práticas corporais para além dos limites das quadras, o entendimento do tripé formado pelos conceitos de corporeidade, esquema corporal e consciência corporal5 é imprescindível. E, o Grupo ArticulAções surge como uma dessas possibilidades de entendimento, da pesquisa no terreno do sensível e da emoção em contraposição à lógica e à racionalidade. Por meio da experiência estética, do exercício da consciência corporal e da valorização das habilidades individuais, busca a produção de novos vocabulários e novas organizações do movimento humano.

5 Conforme Olivier (1999): “A capacidade de o indivíduo sentir e utilizar o corpo como ferramenta de manifestação e interação com o mundo chamamos de corporeidade. É a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo. Se constrói no emaranhado das relações sócio-históricas e traz em si a marca da individualidade, não termina nos limites que anatomia e a fisiologia lhe impõem. Portanto, a corporeidade é a inserção de um corpo humano em um mundo significativo, a relação dialética do corpo consigo mesmo, com os outros corpos e com objetos do seu mundo. Esquema Corporal: imagem esquemática do próprio corpo, que só se constrói a partir da experiência do espaço, do tempo e do movimento. Consciência Corporal: reconhecimento, identificação e diferenciação da localização do movimento e dos inter-relacionamentos das partes corporais e do todo.” Disponível em: <http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_1039.html>. Acesso em: 22 fev. 2011.

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Voltado preferencialmente para a investigação, o experimento explora as diversas formas expressivas do corpo nas áreas de performance, dança, atividade rítmica, instalação, pantomima, improvisação, representação e intervenção urbana em combinação com outras linguagens do conhecimento humano e mediante parcerias com outros programas locais e nacionais alinhados ao viés exposto.

O elenco do Grupo é formado por 10 acadêmicos dos cursos de Bacharelado e de Licenciatura em Educação Física, escolhidos a partir de inscrição e seleção dos interessados. Os candidatos selecionados recebem bolsa de incentivo da UCS sob forma de desconto nas mensalidades relativas à graduação a que pertencem. Tal benefício perdura pelo tempo de permanência do candidato no programa e/ou encerra com a conclusão de seu curso na Universidade. Os critérios que determinam a escolha dos inscritos seguem, além das normas gerais da Instituição, aspectos voltados ao desejo de ampliar os horizontes do pensar e do fazer.

Também integram a equipe do programa profissionais especializados como coreógrafos, professores de dança, instrutores de preparação física, técnicos em produção, teóricos, dramaturgistas, atores, etc., além de participações especiais de artistas, mestres do saber popular e demais eventuais convidados, quando o desenvolvimento dos trabalhos assim o solicitar.

As atividades são diárias, de segunda a sexta-feira, das 13h30min às 16h30min nas dependências da UCS. Com uma carga horária diária de 3 horas, estendidas para além da graduação escolhida, os estudos são voltados para a prática e teorização, da dança contemporânea, da dança de salão, do balé, das artes marciais, da filosofia e história da arte, da composição coreográfica, do contact-improvisation,6 do teatro,

6 Contact-improvisation é uma técnica de dança em que os pontos de contato físico fornecem o ponto de partida para a exploração do movimento através da improvisação. O Contato Improvisação é uma das mais conhecidas e características formas de dança pós-moderna. O primeiro trabalho reconhecido como Contato Improvisação é Magnésio (1972) realizado por Steve Paxton e estudantes de dança no Oberlin College. Contato Improvisação é utilizado tanto como uma prática de dança em si, como um método de pesquisa de dança para a criação coreográfica. A prática se dá geralmente em forma de duos, mas também pode ser realizado em grupos ou solo, usando ou não, objetos físicos como o ponto de contato.

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de técnicas aéreas circenses e do clown,7 da arte viva e da arte popular, além de noções musicais.

A manutenção do corpo docente e os custos relativos à criação e produção de obras, espetáculos, encontros, debates, oficinas e demais ações desenvolvidas são responsabilidade da coordenação do programa, mediante a elaboração de projetos cujos recursos são provenientes de patrocínios obtidos através da renúncia fiscal via Leis de Incentivo nas suas diferentes naturezas e instâncias. A estrutura física necessária para o desenrolar das atividades é competência da Instituição.

Entendendo que a divisão em partes pode retirar propriedades essenciais do todo, o trato com o corpo, nas suas potencialidades mais abrangentes que a Educação Física da UCS, assume, mediante a implantação dessa proposta, adquire um contorno próprio, quer em termos de formação profissional, quer da prática pedagógica. Trata-se de uma busca sustentada pelos contrários preconizados pela área geral da Educação Física, sem, contudo, restringir-se a isso. Embora recente, essa nova política já mostra resultados positivos. O Grupo tem servido de objeto de pesquisa para trabalhos de conclusão de curso; vem contribuindo com ações socioculturais na comunidade e em atividades institucionais, além de participações em mostras e eventos acadêmicos de instituições de nível superior, em diferentes cidades do País, a fim de expor e debater sobre o projeto instalado. Seja de forma individual ou coletivamente, os integrantes do ArticulAções têm somado conquistas significativas. Dentre elas merece ênfase o convite do Sesc-SP, em fevereiro de 2010, para participação no projeto “O Primeiro Passo”, que apresenta e discute propostas inéditas da produção artística nacional. Também a recente aprovação em fevereiro de 2011 de dois projetos apresentados por integrantes do grupo a fundos de fomento à

7 Conforme Otávio Burnier, Clown e palhaço são termos distintos para se designar a mesma coisa, as diferenças ficam por conta das linhas de trabalho adotadas. O clown ou palhaço tem suas raízes na baixa comédia grega e romana, com seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell'arte. A técnica de clown faz com que o ator se revele. Clown não é personagem. O clown não representa: ele é. Todo ser humano esconde aspectos de seu ser, para se proteger e para poder conviver na sociedade. O clown não esconde. E sua técnica é a de revelar essas fragilidades. Disponível em: <http://www.grupotempo.com.br/tex_burnier.html>. Acesso em: 24 fev. 2010.

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cultura, por meio do Financiarte, da Secretaria Municipal da Cultura de Caxias do Sul, é outro exemplo igualmente importante. Finalizando...

Sabe-se que toda atividade humana, mesmo que condicionada a determinismos biológicos e mecanismos fisiológicos, os quais produzem e fornecem a energia psicossomática necessária para que a ação aconteça, associados aos padrões socioculturais que desempenham a função essencial de diferenciar os humanos entre si, estão as nossas decisões, as quais implicam escolhas entre uma pluralidade de opções possíveis acompanhadas de todas as decorrências oriundas, sejam elas políticas, jurídicas, sejam morais, etc., e que são elas que inevitavelmente modificam a relação de codependência entre o homem e o ambiente. Expandindo a ótica de que o corpo produz e carrega seu tempo,

[...] todos e qualquer um inventam, na densidade social da cidade, na conversa, nos costumes, no lazer — novos desejos e novas crenças, novas associações e novas formas de cooperação. A invenção não é prerrogativa dos grandes gênios, nem monopólio da indústria ou da ciência, ela é a potência do homem comum. Cada variação, por minúscula que seja, ao propagar-se e ser imitada torna-se quantidade social, e assim pode ensejar outras invenções e novas imitações, novas associações e novas formas de cooperação. Nessa economia afetiva, a subjetividade não é efeito ou superestrutura etérea, mas força viva, quantidade social, potência psíquica e política. (PELBART, 2003, p. 23).

O Grupo ArticulAções é isso, uma escolha que aposta na condição

corpórea e sensível do ser humano, no trabalho criativo, num espaço aberto ao diálogo entre arte, ciência e demais saberes. Uma tentativa de trilhar caminhos investigativos que conduzam a novos modos de compreensão para o movimento humano, estudado pela Educação Física.

Encontramos em Katz e Greiner (2004, p.13) uma afirmação de Sodré, pesquisador que sonda como acontecem as modificações no terreno das normas e dos valores de sociabilidade e no próprio pensamento humano, que entendemos explicar claramente o propósito deste projeto que a Educação Física da UCS (RS) oferece aos seus graduandos: “Para que o campo da comunicação se constitua, de fato,

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como aquele que se debruça sobre os vínculos humanos e, portanto, atravessa o corpo, será necessário investigá-lo com uma lógica nascida das conexões.” Referências ALMEIDA, Maria da Conceição. Borboletas, homens e rãs. Margem, São Paulo, v. 1, n.01, p. 41- 56, 2002. BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 1991. BURNIER, Luís Otávio. O Clown. 2001. Disponível em: <http://www.grupotempo.com.br/tex_burnier.html>. Acesso em: 24 fev. 2010. DAÓLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 2009. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Educação Física (1999). Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/2004/pces058_04.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2010. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Dança (2004). Disponível em: <http://www.semesp.org.br/portal/index_ant.php?p=historico/corpo_res3_8_3_04>. Acesso em: 20 fev. 2010. DENTZ, René Armand. A motricidade do corpo-próprio em Merleau-Ponty. Prometeus Filosofia em Revista, Aracaju, ano 2, n.4, p. 27-36, jul./dez. 2009. OLIVIER, Giovanina Gomes Freitas. O esquema corporal, a imagem corporal, a consciência corporal e a corporeidade. 1999. Disponível em: <http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_1039.html>. Acesso em: 22 fev. 2011. KATZ, Helena. A dança, pensamento do corpo. In: NOVAES, A. (Org.). O homem-máquina. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 261-273. KATZ, Helena. GREINER, Christine. A natureza cultural do corpo. In: PEREIRA, R.; SOTER, S. (Org.). Lições de dança 3. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2002. p. 77-99. ______. O meio é a mensagem: porque o corpo é objeto da comunicação. In: NORA, S. (Org.). Húmus 1. Caxias do Sul: Lorigraf, 2004. p. 13-19. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Edusp, 1974. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad. de C. Moura. São Paulo: M. Fontes, 1999. Texto original publicado em 1945. MIRANDA, Maria Luiza de Jesus. A dança como conteúdo específico nos cursos de educação física e como área de estudo no ensino superior. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 3-13 jul./dez. 1994. PELBART, Peter Pál. Vida capital: ensaios de biopolítica. São Paulo: Iluminuras, 2003. VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do conhecimento e arte. Fortaleza: Expressão, 2006. Recebido em 1º de março de 2011. Aprovado em 30 de maio de 2011.

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Resenha

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Contextualizando a dor

Maria Helena Calcagnotto* Resumo: O livro Dor: contexto interdisciplinar foi uma proposta da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (Sbed), órgão representante da International Association for Study of Pain (Iasp) e assumida por notáveis pesquisadores integrando 126 profissionais das áreas da saúde de diversas universidades do Brasil. A obra com 834 páginas, apresenta 70 capítulos que abordam estudos científicos sobre a dor em diversos contextos. Iniciando com a evolução histórica dos conhecimentos, seguindo com a epidemiologia geral da dor, das cefaleias, da dor orofacial com tipos e dores prevalentes. Aborda também o desenvolvimento do sistema nociceptivo e supressor da dor, anatomia e fisiologia das unidades nociceptivas e supressoras da dor, indiferença congênita à dor, fisiopatologia da dor neuropática e visceral e psicopatologia da dor. Do ponto de vista da abordagem diagnóstica, abrange aspectos como mensuração da dor, qualidade de vida e avaliação psicológica do doente com dor, o enfrentamento da dor, e a eletromiografia no diagnóstico da dor muscular da face. Esse livro descreve várias síndromes dolorosas tais como: a síndrome complexa de dor regional, dor mantida pelo simpático, dor aguda, síndrome dolorosa miofascial, fibromiálgica, distúrbios ósteo-musculares relacionados ao trabalho, dor no doente com câncer, dor neuropática, dor do membro amputado, mielopatias, cefaleias e algias craniofaciais, dor ocular, dor da cavidade oral e disfunções temporomandibulares, cervicalgias, lombalgias, dorsalgias, dor torácica, abdominal e pelviperineal. Inclui também aspectos da dor de acordo com a faixa etária desde neonatos até o idoso. Descreve os princípios do tratamento farmacológico da dor, e os vários medicamentos usados para analgesia em cada caso. Além do tratamento medicamentoso, aborda outras terapias para a dor, tais como mesoterapia anátomo-clínica na dor músculo-esquelética, reabilitação e acupuntura em dor crônica, radioterapia no tratamento das metástases ósseas, tratamento psicológico da dor na infância, psicanálise, analgesia preemptiva, bloqueios anestésicos, cirurgias, sistemas implantáveis para infusão de fármacos, com finalidade analgésica no líquido cefalorraquidiano e estimulação elétrica do sistema nervoso. Sem dúvida, os profissionais que trabalham com pessoas que sofrem por causa da dor irão encontrar esclarecimento na sua área específica de atuação na leitura dessa obra.

Contextualizing pain Abstract: The book Pain: interdisciplinary context was a proposal of the Brazilian Society for the Study of Pain (SBED), a representative of the International Association for the Study of Pain (IASP) and accepted by 126 outstanding health science researchers in various Brazilian Universities. The book with 834 pages has 70 chapters about scientific studies on pain in different contexts, starting with the historical evolution,

* Mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora na Universidade de Caxias do Sul (UCS).

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following by epidemiology of pain in general, headaches, orofacial pain and prevalent types. It also outlines the development, anatomy and physiology of nociceptive system and suppression of pain, the congenital indifference to pain, the pathophysiology of neuropathic and visceral pain and the psychopathology of pain. It covers important aspects for diagnoses, such as measurement of pain, quality of life and psychological evaluation of patients with pain, coping with the pain, and electromyography in the diagnosis of facial muscular pain. This book describes various pain syndromes, such as, the complex regional pain syndrome, sympathetic maintained by the pain, acute pain, myofascial pain syndrome, fibromyalgia, osteo-muscular disorders related to work, pain related to cancer, neuropathic pain, limb pain amputated, myelopathy, craniofacial pain and headaches, eye pain, oral cavity and temporomandibular disorders, neck pain, back pain, chest pain, abdominal and pelviperineal. It also includes aspects of pain according to age, from neonate to elderly. This book describes the principles of pharmacological treatment of pain, and various drugs for analgesia in each case. In addition to drug treatment, it addresses other therapies for pain, such as, mesotherapy for muscle pain, rehabilitation and acupuncture for chronic pain, radiotherapy for bone metastases, psychological treatment of pain in childhood, psychoanalysis, analgesia preemptive, local anesthetic infusion, surgery, infusion of analgesics in the cerebrospinal fluid and electrical stimulation of the nervous system. Professional of different areas of expertise working with people who suffer from pain will find this book very useful.

Contextualizano el dolor Resumen: El libro El dolor: contexto interdisciplinario fue una propuesta de la Sociedad Brasileña para el Estudio del Dolor (SBED), un órgano de representación de la International Association for Study of Pain (IASP) y aceptada por 126 destacados investigadores de el área de la salud en diversas universidades Brasileñas. El libro con 834 páginas consta de 70 capítulos que abarcan los estudios científicos sobre el dolor en diferentes contextos. A partir de la evolución histórica, sigue con la epidemiología general del dolor, los dolores de cabeza, dolor orofacial y tipos predominantes. También se describe el desarrollo del sistema nociceptivo y la supresión del dolor, la anatomía y la fisiología de las unidades de suprimir el dolor nociceptivo y la indiferencia congénita al dolor; la fisiopatología del dolor neuropático y visceral y la psicopatología. Desde el punto de vista del enfoque diagnóstico, cubre aspectos a respecto de la medición del dolor, calidad de vida y evaluación psicológica de los pacientes con dolor; el dolor facial, y la electromiografía en el diagnóstico de dolor muscular facial. Este libro describe varios síndromes del dolor, como por ejemplo, el síndrome de dolor regional complejo, el dolor simpática, el dolor agudo, síndrome del dolor miofascial, fibromialgia, trastornos osteomusculares relacionados al trabajo, enfermos con dolor oncológico, el dolor neuropático, la integridad física amputadas, mielopatía, dolores de cabeza y dolores craneofaciales localizados, dolor ocular, dolor en la boca y trastornos temporomandibulares; dolor de cuello, de espalda, en el pecho, abdomen y pelviperineal. También incluye aspectos sobre el dolor de acuerdo a la edad, desde recién nacidos hasta los ancianos. Describe los principios del tratamiento farmacológico del dolor, y diversos medicamentos utilizados para la analgesia en cada

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caso. Además del tratamiento con drogas, trata de otras terapias para el dolor, como la mesoterapia en el dolor musculoesquelético, la rehabilitación y de la acupuntura en el dolor crónico, la radioterapia para el tratamiento de las metástasis óseas, el tratamiento psicológico del dolor en la infancia, el psicoanálisis, la analgesia preventiva, el bloqueo anestésico, la cirugía, la infusión de drogas analgésicas en el líquido cefalorraquídeo y la estimulación eléctrica del sistema nervioso. Sin duda, los profesionales que trabajan con personas que sufren de dolor, tendrá beneficios, mediante la lectura de este trabajo. Introdução

Dor: contexto interdisciplinar foi uma proposta da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (Sbed), representante da International Association for Study of Pain (Iasp) assumida por notáveis pesquisadores. Integrando-a 126 discentes e docentes da área da saúde de diversas universidades do Brasil, inclusive da UCS. É coordenada por Manoel Jacobsen Teixeira, professor-doutor no Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP e da Unifesp.

A obra, com 834 páginas, apresenta 70 capítulos que abordam estudos científicos sobre a dor em diversos contextos. Iniciando com a evolução histórica dos conhecimentos, seguindo com a epidemiologia geral da dor, das cefaleias, da dor orofacial com tipos e dores prevalentes. Aborda também o desenvolvimento do sistema nociceptivo e supressor da dor, anatomia e fisiologia das unidades nociceptivas e supressoras da dor, indiferença congênita à dor, fisiopatologia da dor neuropática e visceral e psicopatologia da dor.

Do ponto de vista da abordagem diagnóstica, abrange aspectos como mensuração da dor, qualidade de vida e avaliação psicológica do doente com dor, o enfrentamento da dor, e eletromiografia no diagnóstico da dor muscular da face.

Esse livro descreve várias síndromes dolorosas tais como: a síndrome complexa de dor regional, dor mantida pelo simpático, dor aguda, síndrome dolorosa miofascial, fibromiálgica, distúrbios ósteo-musculares relacionados ao trabalho, dor no doente com câncer, dor neuropática, dor do membro amputado, mielopatias, cefaleias e algias craniofaciais, dor ocular, dor da cavidade oral e disfunções temporomandibulares, cervicalgias, lombalgias, dorsalgias, dor

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torácica, abdominal e pelviperineal. Inclui também aspectos da dor, de acordo com a faixa etária desde neonatos até o idoso.

Apresenta os princípios do tratamento farmacológico da dor, e os vários medicamentos usados para analgesia em cada caso. Além do tratamento medicamentoso, aborda outras terapias para a dor, tais como mesoterapia anátomo-clínica na dor músculo-esquelética, reabilitação e acupuntura em dor crônica, radioterapia no tratamento das metástases ósseas, tratamento psicológico da dor na infância, psicanálise, analgesia preemptiva, bloqueios anestésicos, cirurgias, sistemas implantáveis para infusão de fármacos, com finalidade analgésica no líquido cefalorraquidiano e estimulação elétrica do sistema nervoso. Discursando sobre a dor

É interessante apresentar um breve panorama dos textos ubíquos que integram o livro, de forma a situar o leitor acerca da riqueza das pesquisas estabelecidas pelos autores e colaboradores.

Contextualizando a dor na História da humanidade, Teixeira e Okada (2003) iniciam pela Pré-História onde a dor era entendida como sendo causada por espíritos malignos, e o tratamento era feito por xamãs, feiticeiros e curandeiros, que exorcisavam o doente, além de utilizarem ervas, pedras, trepanações e magias para auxiliar na cura.

Na Antiguidade, a dor era entendida como forma de punição por interferência dos deuses ou demônios, pelo pecado advindo de gerações, e a cura estava nas mãos dos sacerdotes-médicos que tratavam com plantas, lavagens, bandagens, imobilizações, fazendo orações, exorcismo e sacrifícios. Ainda na China, a dor era vista como causa do desequilíbrio das energias entre Yin e Yang e tratada com terapia de acupuntura, moxibustão, exercícios físicos e regimes dietéticos. Durante a civilização grega, surgiram os primeiros médicos que abordavam a dor com analgésicos derivados de plantas, com banhos quentes/frios e eletroterapia, utilizando peixes elétricos do rio Nilo. A dor foi estudada por Sócrates, Aristóteles e Platão, época em que surgiu a primeira história médica organizada, De res medica, escrita por “Cícero da Medicina”, com referências a comprimidos e analgésicos.

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A Idade Média foi conhecida como a “era da superstição”, pois o conceito de atribuir à dor e à doença a culpa por transgressões às leis divinas foi reforçado. Ainda assim, a Medicina foi a única disciplina ensinada em academias, escolas, bibliotecas filiadas a mesquitas, hospitais, mas dominada pela Igreja. O farmacêutico, como profissão independente, estabeleceu-se, aumentando o número de drogarias. Surgiram as primeiras universidades.

No Renascimento, houve a descoberta de novos métodos científicos de manejo dos doentes com dor.

Chegando ao século XX, a dor passou a ser analisada sob o conceito interdisciplinar, surgindo assim as sociedades médicas para o estudo da dor.

Em seguida, Teixeira, Teixeira e Kraychete (2003) conceituam dor aguda e dor crônica, abordando a dor na população em geral, em unidades assistenciais, sendo a mais frequente em consultas médicas; a dor decorrente de afecções do aparelho locomotor em todas as faixas etárias, dor neuropática principalmente em unidades hospitalares, dor no doente com câncer e outras causas de dor.

Rabello (2003) trata das cefaleias, classificando-as em grupos, desde a enxaqueca sem aura, enxaqueca com aura, cefaleia do tipo tensão crônica, até a prevalência e a epidemiologia das cefaleias.

Os autores Kosminsky e Goes (2003) continuam com a epidemiologia da dor orofacial e tipos de dores mais prevalentes até a dor de dente e as disfunções temporomandibulares tão tratadas nos dias de hoje.

Já Okada e Teixeira (2003) explicam sobre o processo de desenvolvimento do sistema nociceptivo e supressor da dor, desde o desenvolvimento anatômico, neuroquímico, os receptores e neurotransmissores, desenvolvimento do sistema neurovegetativo e funcional, as bases neurobiológicas do desenvolvimento psicológico na infância, desenvolvimento dos dois aos três meses de vida extrauterina e mudanças no desenvolvimento dos sete aos nove meses de vida extrauterina, passando pelas mudanças no desenvolvimento durante o segundo ano de vida, o desenvolvimento do cérebro, até a percepção da dor pela criança em todos os seus estágios.

Dando continuidade, Teixeira (2003) descreve a anatomia e fisiologia das unidades nociceptivas e supressoras da dor, que deve ser

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estudado por todos os profissionais que trabalham com pacientes com dor, a fim de entender seus mecanismos de ação e modulação nesses pacientes.

Okada, Teixeira M. e Stump (2003) abordam sobre a indiferença congênita à dor em doentes sem capacidade de perceber sensações dolorosas, desde as controvérsias no diagnóstico, a classificação e os aspectos clínicos dessa doença até a fisiopatologia ainda desconhecida em alguns casos.

Novamente Teixeira (2003) apresenta vários estudos, datando desde 1906 sobre a fisiopatologia da dor neuropática em doentes com lesão sediada no Sistema Nervoso Periférico, medula espinal, tronco encefálico e /ou encéfalo, ou seja, de acordo com a International Assossiation for the Study of Pain (Iasp), aquela que é causada por lesão primária ou disfunção do sistema nervoso. Lepski e Teixeira (2003) continuam com a fisiopatologia tratando sobre a dor visceral ou somática e a difusa ou referida.

As autoras Sousa, Pereira, Giuntini, Sant’ana e Hortense (2003) apresentam pesquisas com animais e seres humanos explicando os instrumentos e procedimentos para a mensuração da dor, desde as escalas e os questionários até os descritores de dor, muito utilizados por vários profissionais da saúde no tratamento e na evolução do paciente com dor.

Seguindo, Barros (2003) fala sobre a qualidade de vida no paciente com dor, e Loduca e Samuelian (2003) focam os estudos desenvolvidos com a avaliação psicológica do doente com dor, sobre o adoecimento, o corpo doente, o sofrimento, o significado e o convívio da dor, a partir da história de vida do paciente, estados emocionais, recursos para a avaliação e intervenção do psicólogo.

Portnoi (2003) mostra conceitos e trabalhos científicos na adaptação, aprendizagem, nas avaliações e estratégias para o enfrentamento da dor nas pessoas doentes.

Bérzin (2003) descreve pesquisas científicas sobre a utilização da eletromiografia ou eletroneuromiografia no diagnóstico da dor muscular da face, muito utilizada por odontologistas, fisiatras, psicólogos, cinesiologistas, biomecânicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, otorrinolaringologistas e ortopedistas.

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Os pesquisadores Yeng, Godinho e Teixeira (2003) expõem a respeito da Síndrome complexa de dor regional, com os sinais e sintomas, a fisiopatologia, mecanismos aferentes e eferentes periféricos, mecanismos centrais, testes diagnósticos, tratamentos como a terapia física com simulações das atividades de vida diária (AVDs), farmacoterapia, procedimentos anestésicos e neuromodulação, apresentando ainda um estudo realizado e utilizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) sobre tratamento protocolar com medidas farmacológicas e medicina física, para ganho da atividade funcional do membro afetado dentro das AVDs dos pacientes acometidos.

Braun Filho (2003) trata da dor mantida pelo simpático, como a herpes-zoster, dor fantasma, neuropatias metabólicas, neuralgias, com estudos em experimentos animais e humanos, as intervenções simpáticas, lesão nervosa e os efeitos encontrados. No segmento, Teixeira e Valverde Filho (2003) apresentam e discutem sobre a dor desde a fisiopatologia, as síndromes dolorosas somáticas ou psicogênicas, a epidemiologia e os fatores relacionados à sua ocorrência, em vítimas de acidentes de causa externa, as repercussões da dor aguda com as complicações e agravamento, avaliação da dor pós-operatória, tratamentos farmacológicos, medicina física com a estimulação percutânea, massoterapia, acupuntura, termoterapia; os procedimentos psicoeducativos desde o relaxamento até a auto-hipnose; dor aguda em pediatria, em idosos e outras situações especiais.

Yeng, Kaziyama e Teixeira (2003) tratam de duas síndromes reumatológicas muito encontradas em pacientes nos dias atuais: a Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM) e a Síndrome Fibromiálgica (SFM) iniciando com o conceito, a epidemiologia, fisiopatologia e as pesquisas sobre diagnóstico e tratamento das mesmas. Yeng, Teixeira, Romano, Picarelli, Yuan e Greve (2003) apresentam os distúrbios ósteo-musculares relacionados ao trabalho (Dort) como as bursites, tenossinovites, epicondilites, SDM, SFM, cistos sinoviais, dedo em gatilho e outras condições músculo-esqueléticas; síndrome do desfiladeiro torácico, síndorme do pronador redondo, síndrome do túnel do carpo (STC), entre outras, com exame físico, diagnóstico, evidências científicas, estratégias de tratamento e reabilitação.

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Teixeira (2003) relata os estudos sobre dor do doente com câncer, passando pela fisiopatologia, síndromes dolorosas, etiologia da dor oncológica, reações comportamentais desencadeadas pela dor, avaliação desses doentes e tratamento, concluindo com uma frase do autor: “O tratamento paliativo domiciliar está indicado quando a doença é incurável e quando a família e o doente aceitam as propostas de tal tratamento.”

Teixeira e Okada (2003) mostram o que acontece no caso da dor neuropática em seus aspectos clínicos, radiculopatias, mononeuropatias tronculares como a STC, neuropatias pelo vírus da herpes-zoster e outras, polineuropatias periféricas, plexopatias, síndromes dolorosas, avaliação do doente e tratamento. Já a dor no membro amputado fantasma (DMAF) segundo os autores, Godinho e Teixeira (2003), é entidade rara; contudo alguns estudos indicam prevalência de 60 a 80% dos casos. Ela tem caráter e localização, mecanismos periféricos e centrais, reorganização cortical, fatores psicológicos; tratamento cirúrgico e reabilitação. Rogano e Teixeira (2003) citam que a dor crônica, decorrente de lesões da medula espinal (LME) ou mielopatias, é tida como complexa. Aqui os autores apresentam a epidemiologia, a ocorrência, as etiologias, características, a classificação e o tratamento apresentando diversos estudos publicados.

Para Oliveira e Teixeira (2003) a dor central encefálica (DCE) é causada pela lesão do encéfalo ou medula espinal. A doença-cérebro vascular é a principal causa de DCE com alta incidência e morbidade no mundo moderno. Os pesquisadores apresentam a epidemiologia, etiologia, o quadro clínico, diagnóstico, a localização, fisiopatologia e o tratamento ainda impreciso. Guertzenstein (2003) aborda a psicopatologia da dor, já que ela é um fenômeno neurológico e psiquiátrico, além de ser um sinal para o indivíduo de que sua integridade está sendo ou foi ameaçada. Leva a transtornos psiquiátricos, de depressão, ansiedade, somatomorfes, de somatização, dismorfofobia, hipocondríaco, da dor psicogênica, transtorno conversivo, psicoses, transtorno factício, devido a uso de substâncias psicoativas, de ajustamento e ainda simulação.

Abordando as dores localizadas na cabeça, como cefaleias e algias craniocefálicas (TEIXEIRA; GALVÃO, 2003); dor ocular (ALMEIDA; KATTAH;

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CAVALCANTI, 2003), dores da cavidade oral (SIQUEIRA; CHING; NASRI; SIQUEIRA, 2003) e as disfunções temporomandibulares (SIQUEIRA; CAMPARIS; SAVIOLI; CONTI; KOGAWA; SILVA; SILVA, 2003), os autores dissertam a classificação, etiologia, aspectos clínicos, a profilaxia, o tratamento e as pesquisas sobre aspectos físicos, emocionais e sociais relevantes do ponto de vista da saúde pública.

Quanto às cervicalgias apresentadas por Teixeira, Barros Filho, Yeng, Hamani, e Teixeira (2003); as lombalgias (BRAUN, 2003) e as dorsalgias (STUMP; TEIXEIRA; FORNI, 2003), iniciam com exames, seguindo com as afecções músculo-esqueléticas, etiopatogenia com diversas origens, diagnóstico e as síndromes clínicas.

Já Gal, Teixeira, Braga, Terra, Nasi e Bergel (2003), Kraychete e Guimarães (2003), Yeng, Teixeira, Ungaretti Junior, Kaziyama e Boguchwal (2003) abordam as dores viscerais localizadas no tórax, onde está alojado o coração, iniciando com as algias torácicas mais frequentes e o diagnóstico; avaliação pneumológica do doente, a dor neuropática, músculo-esquelética e por transtornos psíquicos. Continuam conceituando doença gastrintestinal, critérios diagnósticos e tratamentos terapêuticos. Seguindo com etiologias da dor pelviperitoneal, território de distribuição da dor referida das estruturas pélvicas e abdominais, a dor decorrente de afecções do aparelho locomotor mais frequentes em indivíduos do sexo feminino e sua classificação, as decorrentes de neuropatias, as causadas por doenças sistêmicas, concluindo com a avaliação e o tratamento.

Barbosa, Guinsburg e Balda (2003) citam várias pesquisas sobre o tema “dor em pediatria”, desde a avaliação da dor, as causas mais frequentes e sem tratamento, analgesia, dor na criança com câncer, características e abordagem terapêutica, no doente queimado, as relacionadas às doenças mais comuns em pediatria e medicamentos mais utilizados. Além da avaliação neonatal, analgesia, medidas terapêuticas ambientais e comportamentais.

Teixeira e Valle (2003) apresentam os princípios do tratamento farmacológico da dor, a fase farmacêutica, a farmacocinética e os medicamentos empregados no tratamento e/ou na profilaxia da dor.

Na dor em idosos, Márquez e Souza (2003) apontam as síndromes dolorosas que mais acometem os idosos, sendo a dor muito presente nessa faixa etária, tendo em vista o aparecimento de doenças

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incapacitantes e degenerativas que tendem a limitar as atividades desses doentes. Continuam com a fisiologia do envelhecimento e dor, a mensuração, a farmacologia, concluindo com o tratamento.

O tratamento medicamentoso da dor, com sua classificação, nome farmacológico e comercial, apresentação, propriedades, indicação e recomendações, dosagem, locais e mecanismo de ação, efeitos colaterais, efeitos adversos e intoxicação, é muito bem embasado pelos autores Teixeira, Jales Júnior, Grotta, Dias, Olavo, Truite, Fortini e Lauretti (2003), nos capítulos 43 a 52. Mais adiante, Cavalcante, Rocha e Teixeira (2003), no capítulo 57, continuam com os estudos sobre agentes anestésicos e a toxina botulínica no tratamento da dor, suas possíveis complicações e reações alérgicas. Seguindo nessa linha, ainda Lara Júnior e Teixeira (2003), no capítulo 69, falam dos sistemas implantáveis para a infusão de fármacos, com a finalidade analgésica no líquido cefalorraquidiano e como é feita a seleção de pacientes para o procedimento. No capítulo 60, Garcia, Sakata e Issy (2003) destacam a analgesia preemptiva como método empregado para diminuir o desenvolvimento da memória da dor no Sistema Nervosos Central (SNC), embasando-a com estudos experimentais e clínicos. Os bloqueios anestésicos, diagnósticos, prognósticos e terapêuticos, locais em nervos periféricos nos doentes com dor, com indicações, técnicas e complicações são relatados por Posso et al. (2003), no capítulo 61. Finalizando com Lara Júnior e Teixeira (2003), no capítulo 69, com a estratégia terapêutica de sistemas implantáveis para a infusão de fármacos com finalidade analgésica e citando a sua utilização há 23 anos, desde a publicação deste livro, no Centro de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (CDHCFMUSP).

No tratamento terapêutico da dor, Metsavaht L., Metsavaht O. e Metsavaht R. (2003) apresentam a mesoterapia anátomo-clínica na dor músculo-esquelética, desde as primeiras intervenções, estudos desenvolvidos, a técnica de aplicação, as vantagens do método, a farmacologia, os resultados nos estágios da dor, contra-indicações nas doenças sistêmicas e a fisioterapia. Seguidos por Yeng, Teixeira M., Greve e Yuan (2003), com a utilização da medicina física e a reabilitação em doentes com dor crônica, quais as modalidades, os meios físicos e as escolas da coluna. Ainda na medicina física, a acupuntura no tratamento da dor crônica, com seus mecanismos

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analgésicos e indicações é aprofundada no capítulo 55 por Pai et al. (2003).

Moura e Melo (2003) explicam a importância da radioterapia como analgesia no tratamento de doentes com metástases ósseas, as técnicas empregadas, a irradiação, os radioisótopos e resultados de pesquisas internacionais empregando a técnica.

Outras técnicas utilizadas no tratamento de dor, em casos mais avançados, são apresentadas por Santos e Teixeira (2003), cap. 62, sobre a simpatectomia que consiste na remoção ou destruição dos gânglios simpáticos paravertebrais torácicos rostrais e caudais, lombares, pelo procedimento percutâneo, endoscópico ou cirúrgico. Também Almeida (2003), com as técnicas de desnervação percutânea das facetas articulares, resultados e complicações. Oliveira Júnior (2003) continua com métodos ablativos, como as rizotomias espinais no tratamento da dor. A seguir, Teixeira, Pina e Pedroso (2003), com a tratomia de Lissauer e a lesão do corno posterior da medula espinal que consiste da lise por radiofrequência, procedimento que reduz a hiperatividade nociceptiva. Ainda nessa linha de tratamento, Nóbrega e Teixeira (2003) discorrem sobre as cordotomias e mielotomias para alívio da dor, o procedimento cirúrgico, as indicações e complicações, abordando ainda a talatomia, a mesencefalotomia e os procedimentos neurocirúrgicos comportamentais. Concluindo no capítulo 68 com Carvalho, Souza e Dellaretti Filho (2003), sobre o tratamento da dor causada por metástase, pela hipofisectomia química ou neuroadenólise, explicando sobre os resultados, as complicações e o mecanismo de analgesia.

Quanto ao tratamento psicológico da dor na infância (TENGAN, 2003), e a psicanálise utilizada para lidar com as questões relativas ao sofrimento do ser humano (BÉJAR, 2003), respectivamente nos capítulos 58 e 59, os autores explicam os métodos e as técnicas utilizadas, abordando sobre corpo-mente, as linhas de tratamento, a natureza da dor e os diversos efeitos devastadores sobre o aparelho psíquico.

O livro encerra com o capítulo 70, quando Teixeira (2003), aborda sobre a estimulação elétrica do sistema nervoso periférico e central com eletródios implantados, citando estudos e concluindo ainda haver falta de consenso sobre o papel dessa técnica no tratamento da dor,

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pois pode aliviar a dor de origem somática, mas não a dor por desaferentação.

Com esta resenha, pode-se concluir que profissionais prestam atendimento a pessoas que sofrem por causa da dor; que irão encontrar esclarecimento na sua área específica de atuação por meio da leitura desta obra (Dor: contexto interdisciplinar), é considerada um clássico na literatura sobre a dor. Referências TEIXEIRA, Manoel Jacobsen (editor), BRAUM FILHO, José Luciano; MARQUEZ, Jaime Olavo e YENG, Lin Tchia (co-editores); ABRAMAVICUS, Samuel; ALMEIDA, Daniel Benzecry de; ALMEIDA, Denizio Dantas de; ANDRADE, Márrcia Pavan de; ARACAVA, Motomu; ASHMAWI, Hazem Adel; BARBOSA, Sílvia Maria de Macedo; BABÁ, Carlos R.; BALDA, Rita de Cássia Xavier; BARROS, Newton; BARROS FILHO, Tarcísio de; BASSIT, Elenice K.; BÉJAR, Victoria Regina; BERGEL, Rubens Hirsh; BÉRZIN, Fausto; BOGUCHAWAL, Betty; BRAGA, Ana Maria; BRAUN, Wellington; CAGNOLATI, Daniel; CAMPARI, Cynara; CARLOS, Ricardo Vieira; CARVALHO, Gervásio Teles C.; CAVALCANTE, Valberto de Oliveira; CAVALCANTI, Ronald Fonseca; CHING, Lin Hui; CONTI, Paulo César Rodrigues; DELLARETTI FILHO, Marcos Antônio; DIAS, Sidarta Zuanon; FORNI, José Eduardo Nogueira; FORTINI, Ida; FREIRE, George Góes; GALVÃO, Antonio Cesar Ribeiro; GARCIA, João Batista Santos; GODINHO, Fábio Luiz F.; GOMES, João Pereira; GAL, Patrícia Liliane Maria; GIUNTINI, Patrícia Bodnar; GLOZE, Caio César Diza; GREVE, Júlia M. D’Andrea; GOES, Paulo Savio A.; GUERTZENSTEIN, Eda Zanedtti; GUIMARÃES, Ana Cristina; GUINSBURG, Ruth; HAMANI, Clement; HORTENSE, Priscilla; HOSOMI, Jorge Kioshi; ISSY, Adriana Machado; JALES JÚNIOR, Levi Higino; KATTAH, Marisa Zamora; KOGAWA, Evelyn Michaela; KAZIYAMA, Helena Hideko Seguchi; KRAYCHETE, Durval Campos. LARA JÚNIOR, Nilton; LAURETTI, Gabriela Rocha; LEPSKI, Guilherme; LESSA, Sergio M. R.; LODUCA, Adriana; LOBO, Hermano Augusto; KOSMINSKY, Maurício; MELO, Inês Tavares Vale e; METSAVAHT, Leonardo; METSAVAHT, Renato; METSAVAHT, Oskar; MOURA, José Fernando Bastos de; MUNHOZ, Wagner César; NASI, Ari; NASRI, Cibele; NÓBREGA, José Cláudio Marinho da; OKADA, Massako; OLIVEIRA JÚNIOR, José Oswaldo de; OLIVERIA, Rogério Adas Ayres de; PAI, Hong Jin; PEDROSO, Alessandra Gorgulho; PEREIRA, Liliam Varanda; PICARELLI, Helder; PINA, Marco Aurélio; PORTIOLLI, Célia Y.; PORTNOI, Andréa G.; POSSO, Irimar de Paula; ROCHA, Roberto de Oliveira; RABELLO, Getúlio Daré; ROGANO, Luiz Augusto; ROMANO, Miriam Aparecida; STUMP, Patrick; SAKATA, Rioko Kimiko; SALES, Charlize Kessin de Oliveira; SANTOS, Alexandre Maria; SANT’ANA, Roberta Paula de; SAVILOI, Cynthia; SILVA, Rafael dos Santos; SILVA, Renato Ferreira Oliveira da; SIQUEIRA, Silvia Regina D. Tesserolli; SIQUEIRA, José Tadeu Tesseroli de; SMAUELIAN, Claudio; SOUZA, Ângela Maria de; SOUZA, Atos Alves de; SOUZA,

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Fátima Aparecida Emm Faleiros; SOUZA, Maurício Cândido de; SUANON, Sidarta; SUDA, Esmeralda; VILARINS, Andreza; TEIXIERA, William Gemio Jacobsen; TENGAN, Sérgio K.; TERRA, Mário; TRUITE, Luciano Valente Rodrigues; UNGARETTI JÚNIOR, Arthur; VALLE, Luiz Biella S.; YAMAMOTO, Ricardo; YUAN, Chen Chieng; ZAKKA, Telma M. (colaboradores). Dor: contexto interdisciplinar. Curitiba, maio 2003. 834p. Recebido em 10 de junho de 2011. Aprovado em 5 de julho de 2011.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

DO CORPO: ciências e artes

A revista Do Corpo: ciências e artes é uma publicação do Núcleo de Pesquisa Ciência e Artes do Movimento Humano da Universidade de Caxias do Sul, a qual tem por objetivo divulgar pesquisas sobre o corpo humano e sua interface com as artes e as ciências da saúde, sociais e humanas em seus aspectos didáticos, pedagógicos, científicos e filosóficos.

Compõe-se das seguintes sessões: ARTIGOS ORIGINAIS: são trabalhos resultantes de pesquisa científica que

apresentam dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais de característica filosófica, social, cultural e pedagógica e inclui análise descritiva e/ou inferência de dados próprios. Sua estrutura é a convencional e traz os seguintes itens: introdução, decisões metodológicas, análise e discussão.

ENSAIOS: revisão ou reflexão sobre um determinado tema, apontando para possíveis conclusões e/ou novas interpretações.

RESENHA: resenha de livros recentemente lançados e que tenham relação com a política editorial da revista.

Estrutura dos trabalhos: Os artigos deverão ser redigidos em Times New Roman 12, espaço 1,5, não

devendo exceder 20 páginas e que constem: • título que identifique o conteúdo em português, inglês e espanhol. • nome completo do(s) autor(es), seguido(s) de titulação, local de atividades, e-

mail e endereço para correspondência, indicação dos financiamentos relacionados ao trabalho a ser publicado;

• resumo informativo em português, inglês e espanhol com até 100 palavras cada;

• palavras-chave (palabras-clave, keywords) constituídos de até quatro termos que identifiquem o assunto do artigo em português, inglês e espanhol, separados por ponto.

Elementos pós-textuais: • referências: documentos citados no texto, observando-se a NBR 6023; • a lista de referências deve ser ordenada alfabeticamente, alinhada na margem

esquerda, colocada no fim do artigo, citando as fontes utilizadas. Para uma melhor compreensão e visualização, a seguir são transcritos exemplos de referências de diversos tipos.

– Livros com 1 autor:

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• AUTOR. Título. Edição. Local: Editora, ano. Exemplo: MORAES, João Pena. Introdução ao estudo de filosofia da Educação Física e dos Desportos. Brasília: Horizonte, 1987. – Livros com 2 autores: • AUTORES separados por ponto e vírgula. Título. Edição. Local: Editora, ano. Exemplo: GOMES, Mauro Ramos; CASTRO, José Pena. História e organização da Educação Física e Desportos. Rio de Janeiro: Annablume, 1999. – Livros com 3 autores: • entrada pelos três autores, separados por ponto e vírgula. Exemplo: XAVIER, Ricardo; ALMEIDA, Bruno; SILVA, Pedro Otaviano. O fenômeno esportivo: ensaios crítico-reflexivos. 4. ed. São Paulo: Argos, 2005. 250 p. – Livros com mais de três autores: • entrada pelo primeiro autor, seguido da expressão et al. Título. Local: Editora, ano. Exemplo: VIEIRA, G. et al. Educação corporal: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 2001. – Livros com organizadores, coordenadores: ORGANIZADOR ou COORDENADOR, etc. (nota) Título. Local: Editora, ano. Exemplo: CRUZ, Isabel et al. (Org.). Os jogos olímpicos. 4. ed. São Paulo: Porto, 2008. 150 p. (Coleção Arte e Movimento). – Partes de livros com autoria própria: • AUTOR da parte referenciada. Título da parte referenciada. Referência da publicação no todo precedida de In: localização da parte referenciada. Exemplo: GOELLNER, Silvana. Mulher e esporte no Brasil: fragmentos de uma história generificada. In: SIMÕES, A. C.; KNIJIK, Jorge D. O mundo psicossocial da mulher no esporte: comportamento, gênero, desempenho. São Paulo: Aleph, 2004. p. 359-374. – Dissertações, teses, trabalhos de conclusão de curso: AUTOR. Título. Ano. Paginação. Tipo do documento (dissertação, tese, trabalho de conclusão de curso), grau entre parênteses (Mestrado, Doutorado, Especialização em...) – vinculação acadêmica, local e ano da defesa. Exemplo: SILVA, Bruno. O futebol no Rio Grande do Sul: uma análise do processo de mudanças ocorridas no período de 1999 a 2002. 2005. 400 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Educação Física, Departamento de Educação Física, UFRGS, Porto Alegre, 2005. – Trabalhos de eventos: AUTOR. Título do trabalho de evento. Referência da publicação no todo precedida de In: localização da parte referenciada. Paginação da parte referenciada. Exemplo: SILVA, Bruno. O futebol no Rio Grande do Sul: uma análise do processo de mudanças ocorridas no período de 1999 a 2002. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 14., 2005, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, 2005. – Artigos de revistas/periódicos: AUTOR do artigo. Título do artigo. Título da revista, local, v., n., páginas, mês, ano. Exemplo: SANTOS, Maria. Mulheres no

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Esporte: corporalidades e subjetividades. Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-29, jan./abr., 2006. – Artigos de jornais: AUTOR do artigo. Título do artigo. Título do jornal, local, data (dia, mês e ano). Caderno. Exemplo: SILVEIRA, José Maria Ferreira. Sonho e conquista: o Brasil nos Jogos Olímpicos do século XX. Correio do Povo, Porto Alegre, p. 25-27, 12 abr. 2003. – Leis, decretos, portarias, etc.: LOCAL (país, estado ou cidade). Título (especificação da legislação, n. e data). Indicação da publicação oficial. Exemplo: BRASIL. Decreto n. 60.450, de 14 de abril de 1972. Regula a prática de Educação Física em escolas de 1º grau. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, v. 126, n. 66, p. 6.056, 13 abr. 1972. Seção 1, pt. 1. – Documentos eletrônicos online: AUTOR. Título. Local, data. Disponível em: <...>. Acesso em: dia, mês, ano. Exemplo: LOPEZ RODRIGUEZ, Alejandro. Es la Educación Física ciencia? Revista Digital, Buenos Aires, v. 9, n. 62, jul. 2003. Disponível em: ... (site). Acesso em: 20 maio 2004. HERNANDES, Elizabeth Sousa Cagliari. Efeitos de um programa de atividades físicas e educacionais para idosos sobre o desempenho em testes de atividades da vida diária. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 2, n. 12, p. 43-50, 5 jun. 2004. Quadrimestral. Disponível em: ... (site). Acesso em: 5 jun. 2004. – Ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, tabelas, etc.) devem ser numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e citadas como figura. As fotografias devem ser colocadas em folhas soltas, acompanhadas de legenda na parte superior. As ilustrações devem permitir uma perfeita reprodução. No caso de cópia, indicar a fonte, no pé da ilustração, fonte 10. – Tabelas devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e encabeçadas por seu título. Idem quanto à fonte. Avaliação:

Os artigos encaminhados à revista DO CORPO: ciências e artes serão avaliados por dois pareceristas do Conselho Editorial ou pareceristas Ad hoc. Para essa tarefa, utilizar-se-á o sistema duplo-cego na emissão dos seguintes conceitos: aprovado para publicação; aprovado com correções; e rejeitado para publicação. Caso o artigo receba um parecer aprovado para publicação e outro rejeitado para publicação, será encaminhado a um terceiro parecerista que emitirá um juízo definitivo sobre o mesmo. O artigo que receber um parecer aprovado com correções e outro rejeitado para publicação, será rejeitado pelos editores. O artigo que receber um parecer aprovado com correções e outro aprovado para publicação, ou ainda, dois pareceres aprovados com correções, será encaminhado ao autor para que providencie as alterações solicitadas pelos pareceristas. Os trabalhos não aceitos não serão devolvidos, e o autor será comunicado da decisão.

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Poderão ser publicados artigos escritos por outros especialistas, desde que os mesmos sejam de interesse da área dos estudos do corpo e sua interface com as artes, ciências da saúde, sociais e humanas.

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Os editores se reservam o direito de selecionar os artigos para publicação; ouvir parecer de especialista para averiguar a qualidade do trabalho; proceder à revisão gramatical dos textos e fazer correções desde que não alterem o conteúdo.

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