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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 22 DE JULHO DE 2012 Vida A21

PLANETA● Questão de vida

PAULO LIEBERT/AE

Tânia RabelloESPECIAL PARA O ESTADO

A modéstia permeia as declara-ções da engenheira agrônomaAnaPrimavesi quando ela se refe-re ao One World Award – o prin-cipal prêmio da agricultura orgâ-nica mundial, conferido pela In-ternational Federation of Orga-nic Agriculture Movements(Ifoam). Neste ano, foi ela a esco-lhida para receber a homena-gem, na Alemanha.

“Eles distribuem o prêmio en-tre os vários continentes. Agora,foi a vez da América do Sul”, co-menta uma das precursoras domovimento orgânico no Brasil.“Estão me premiando por todaparte... Não sei para que isso”,acrescenta, quase encabulada.

E ouve, em seguida, que a ho-menagem que receberá no dia 14de setembro, com a participaçãode mais de mil pessoas, entreelas a vencedora do prêmio No-bel Alternativo da Paz, a indianaVandana Shiva, é mais do que me-recida, pelo trabalho que vem fa-zendo, há 65 anos, pela agricultu-ra ecológica, auxiliando lavrado-res a tornarem suas terras produ-tivas e limpas, em harmonia como ambiente, eliminando o uso deagrotóxicos e adubos químicos.

“Pois é... Pelo jeito...”, sorriAna Primavesi, que arremata:“Dizem que eu inventei a agricul-tura orgânica. Conscientemen-te, não. A gente sempre traba-lhou dessa forma”.

Impactos positivos. Instituídoem 2008, o One World Award éconferido a cada dois anos a ati-

vistas da agricultura orgânica nomundo. São pessoas cujo traba-lho impacte positivamente a vi-da dos produtores rurais.

Em 2008, quem ganhou o prê-mio foi o veterinário e professoralemão Engelhard Boehncke,por suas práticas e estudos emrelação à criação orgânica de ani-mais. Há dois anos, foi a vez doindiano pioneiro em agriculturaorgânica Bhaskar Salvar, que, lo-go no início da década de 1950,contrapôs-se à Revolução Verde– que inaugurou o uso de adubossintéticos e agrotóxicos nas la-vouras –, ensinando agroecolo-gia aos produtores, com o uso defertilizantes orgânicos, a manu-

tenção da vida no solo e o fortale-cimento das plantas por meio deum ambiente equilibrado.

Neste ano, Ana Primavesi seráa agraciada. Aos 92 anos, austría-ca naturalizada brasileira, forma-da pela Universidade Rural deViena, é Ph.D. em Ciências Agro-nômicas e especializada em vidados solos. Publicou vários arti-gos científicos e livros sobre oassunto, mas um deles, ManejoEcológico do Solo (Editora No-bel, 552 páginas, reeditado maisde 20 vezes), é uma das bíblias daprodução orgânica e leitura obri-gatória nas faculdades de Agro-nomia do País.

A obra é citada no livro Plantas

Doentes pelo Uso de Agrotóxicos,de Francis Chaboussou, no qualprova que pragas e doenças nãoatacam plantas cujos sistemas es-tejam equilibrados. E que são osadubos químicos e os agrotóxi-cos que atraem os parasitas, ge-rando um ciclo de dependência,com nefastas consequências pa-ra o planeta.

Preservação. Desde 1947, quan-do iniciou sua vida profissional,e por meio de aulas na Universi-dade Federal de Santa Maria(RS), Ana Primavesi vem baten-do na tecla da preservação da vi-da no solo. Em aulas, palestras,conferências, debates, assistên-

cias técnicas diretas aos produto-res rurais e a suas associações, aengenheira agrônoma repete fra-ses que se tornaram mantras.

E quem as coloca em práticavê os resultados na produção, napreservação e na saúde de quemplanta e de quem consome os ali-mentos agroecológicos: “O se-gredo da vida é o solo, porque dosolo dependem as plantas, aágua, o clima e nossa vida. Tudoestá interligado. Não existe serhumano sadio se o solo não forsadio e as plantas, nutridas.”

Observação. Tanto que a pri-meira coisa que ensina aos agri-cultores que a procuram é olhar

para a terra. “Se o solo tem umaboa estrutura, o agricultor temgrande chance de modificá-lo econvertê-lo para a agricultura or-gânica”, diz. “Terra com boa es-trutura forma grumos, que nadamais são que o entrelaçamentode microrganismos que confe-rem vida ao solo e saúde às plan-tas, além de permitirem a infiltra-ção da água. Em solos compacta-dos e sem vida, água vira enxurra-da e provoca erosão.”

Ana Primavesi lembra queuma planta precisa de no míni-mo 45 nutrientes para se desen-volver e produzir de forma saudá-vel. “A agricultura convencionaldá, no máximo, 15 desses nutrien-tes para as plantas. E nem sem-pre esses 15 nutrientes são inte-gralmente ministrados às lavou-ras convencionais”, diz.

O resultado são plantas defi-cientes nutricionalmente e frá-geis aos ataques de pragas e doen-ças, dependentes, portanto, douso de agrotóxicos.

É justamente a maneira de de-volver esses nutrientes ao soloque Ana Primavesi ensina aosagricultores. Ela lembra de agri-cultores na cidade de Diamanti-na, em Minas Gerais, que há cer-ca de 15 anos a procuraram por-que já não conseguiam produzircom o pacote convencional.

“Eles estavam a desanimados,quase falindo, porque a cada anoa terra respondia menos às adu-bações”, conta. “Começamos amelhorar o solo e a qualidadedos nutrientes, passando a apli-car adubações orgânicas”, conti-nua. “Demorou uns quatro a cin-co anos, mas agora eles produ-zem com fartura. Há uns anosvoltei lá e vi como estavam feli-zes com a produção orgânica”,conta Ana, ressaltando que a re-compensa sempre vem. “O pro-blema é que ela não é rápida, emuitos desistem.”

Um laboratório vivo de agroeco-logia e manejo ecológico dos so-los. Ou, simplesmente, um sítio.O sítio de Ana Primavesi, situa-do em Itaí, região de Avaré (SP),a 300 km da capital.

Quando Ana Primavesi o com-prou, há 32 anos, o solo estavadegradado, infértil, cheio de vo-çorocas – a erosão em seu maisalto grau. E sem nenhuma nas-cente. Reportagem de 28 de outu-bro de 1980, no Jornal da Tarde,do jornalista Randau Marques,noticia quando Ana adquiriu o sí-tio de 96 hectares: “A doutoraAna Primavesi está deixando SãoPaulo por um pedaço de terra ári-da e marcada pela erosão. É a ter-ra que ela transformará numa fa-zenda rica e produtiva, gastandopouco e sem usar agrotóxicos”.

Dito e feito. Ao longo de trêsdécadas, vivificou o solo, elimi-nou voçorocas e recuperou matanativa e nascentes. “Hoje temoscinco nascentes ali”, orgulha-se.

Numa região cercada por cana epasto, o solo vivo do sítio se des-taca. “O café produzido ali, orga-nicamente, atrai vários compra-dores, que dizem que os grãosdão uma bebida especial”, co-menta a filha de Ana, a psicopeda-goga Carin Primavesi Silveira.

Ali a agrônoma produziu, comfartura, milho e café, além decriar gado. Tudo organicamen-te. Em 25 de janeiro deste ano,porém, mais por questão de ida-de do que de saúde, Ana teve dedeixar o sítio onde provou na prá-tica todos os seus ensinamen-tos. “Hoje o solo do sítio está vi-vo”, garante ela, que voltou paraSão Paulo, ao bairro do CampoBelo, na casa que construiu e mo-ra com Carin e família.

Futuro. Agora, sem condiçõesde seguir o cuidado desenvolvi-do no local, a família optou por

colocar o sítio à venda. E, sendo apropriedade um legado da agroe-cologia, há várias pessoas embusca de uma solução que permi-ta a preservação e a continuida-de do trabalho. Em especial, umgrupo de 20 pessoas ligadas aomovimento orgânico no Brasil,que tem se reunido para encon-trar uma solução. A ideia quemais tomou corpo foi a da cria-ção da Fundação Dra. Ana MariaPrimavesi, que daria conta de ge-rir o sítio e torná-lo um polo difu-sor de agroecologia.

“Para tanto, precisamos de in-vestidores, sejam pessoas físicasou jurídicas, a fim de adquirir apropriedade”, diz o professorManoel Baltasar, da Agroecolo-gia da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar) e um dosmembros do grupo de discussão.

Também foi criado um blog(anaprimavesiana.blogspot.com.br) para difundir tudo o quese relacione ao trabalho de donaAna. Espera-se, em breve, queele possa divulgar a atuação dafundação no sítio. O e-mail deCarin ([email protected]) es-tá aberto a contatos e mais infor-mações. Sobre o sítio, Ana repe-te a todos que só quer uma coisa:manter o seu solo vivo. / T.R.

ANA PRIMAVESIENGENHEIRA AGRÔNOMAESPECIALIZADA EM SOLOS“Se o solo tem boa estrutura, oagricultor tem grande chancede convertê-lo para aagricultura orgânica. Terraboa forma grumos, que sãoo entrelaçamento demicrorganismos que dão vidaao solo e saúde às plantas,além de permitir a infiltração daágua. Em solo compactado esem vida, água vira enxurradae provoca erosão.”

O sítio, legado do cultivolimpo, está à venda

Um prêmio à pioneira da agroecologiaA agrônoma Ana Primavesi luta há 65 anos pela vida dos solos; em setembro, receberá o principal prêmio mundial da agricultura orgânica

TÂNIA RABELLO

Legado. Aos 92 anos, Ana Primavesi, pioneira em agricultura orgânica no Brasil, é referência nas faculdades de Agronomia

Transformação. Quando foi comprado, há 32 anos, o sítio estava degradado e era infértil

● Sócia número 1Ana Primavesi é a sócia número 1da Associação de Agricultura Or-gânica-SP, diz a presidente Ondal-va Serrano. “Temos a honra deter privado do trabalho desta difu-sora da agroecologia.”

Ana Primavesi nãoquer, porém, destinar aqualquer pessoa umaárea onde provou, naprática, suas teorias

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