Universidade Federal do ABC
Programa de Pós-Graduação em Energia
Paulo Guilherme Seifer
A relação entre Usinas Hidrelétricas e Territórios para além da
geração de energia : os casos das Usinas Hidrelétricas de Sobradinho -
BA e de Machadinho - RS
Tese
Santo André – SP
2017
Paulo Guilherme Seifer
A relação entre Usinas Hidrelétricas e Territórios para além da
geração de energia : os casos das Usinas Hidrelétricas de Sobradinho -
BA e de Machadinho - RS
Tese
Tese apresentada ao Curso de Pós-graduação Universidade Federal do ABC, como
requisito para obtenção do grau de Doutor em Energia.
Orientador: Arilson da Silva Favareto
Santo André – SP
2017
Resumo
A literatura voltada à construção de Usinas Hidrelétricas (UHEs) é ampla, mas peca por
normalmente tomar o território que a recebe como um agente passivo no processo de
sua entrada, tendo seu foco em grande parte nos impactos negativos e, mais
recentemente, buscando compreender de que modo esta infraestrutura pode influenciar
em seu desenvolvimento. Esta pesquisa apresenta uma abordagem na qual o território é
compreendido não como um agente passivo, mas sim capaz de refratar e absorver
determinados efeitos desta infraestrutura, ou seja, busca-se compreender de que forma
se dá a relação entre o território e a UHE. O princípio que norteia esta pesquisa é o de
que a forma como o território reagirá à entrada da UHE dependerá do quão inclusivas
ou extrativas são suas instituições locais, e em última instância, de como se dá a
distribuição de poder local, sendo que quanto mais inclusivas as instituições em um
território, maiores as chances de formação de coalizões amplas, de modo a gerir melhor
os efeitos da entrada da UHE, e que estas ações conduzam ao aumento de liberdades dos
agentes locais e à maior coesão territorial. No outro extremo, em um território com
poder mais concentrado, há a tendência de que a entrada seja guiada por interesses de
grupos menores, e que os agentes de menor poder sofram o ônus no processo,
resultando em privação de liberdades. A pesquisa foi conduzida nos territórios do Sertão
do São Francisco, onde está instalada da UHE Sobradinho, e no Alto Uruguai, onde está
a UHE Machadinho. A escolha destes territórios se deu pelo fato de que suas propostas
de entrada de UHE ocorreram em um período muito próximo, e por possuírem
trajetórias profundamente distintas. Foram realizados um movimento diacrônico, com
vistas a caracterizar a configuração de cada território antes da entrada de sua UHE,
como seu deu esse processo, e a configuração atual de cada um destes territórios, e um
movimento sincrônico, com o propósito de comparar os resultados dos processos de
entrada das UHEs entre os territórios. Os resultados indicam que no caso do Sertão do
São Francisco, onde a configuração territorial era de grande concentração de poder,
houve a formação de coalizões restritas, sendo a participação social dos atingidos
suprimida, resultando na apropriação das oportunidades econômicas, sociais e políticas
por parte de pequenos grupos, e o ônus sofridos pelos agentes com menor poder. No
outro extremo, no Alto Uruguai a configuração territorial apresentava uma maior
desconcentração de poder, o que permitiu a formação de uma ampla coalizão, o que
tendo como resultados a diminuição dos efeitos negativos, e as oportunidades
econômicas, sociais e políticas menos concentradas.
Palavras-chave: Desenvolvimento Territorial, Instituições, Usinas Hidrelétricas,
Abordagem de Capacidades
Abstract
The scientific production about the construction of hydropower plants (HPPs) is broad,
but it often fails by considering the territory that receives the infrastructure as a passive
agent in the process of its entry, focusing on the negative impacts and, more recently,
seeking to understand how this infrastructure can influence its development. This
research presents an approach in which the territory is understood not as a passive
agent, but rather capable of refracting and absorbing certain effects of this
infrastructure, that is, it seeks to understand how the relationship between the territory
and the HPP occurs. The guiding principle of this research is that the way the territory
will react to the entrance of the HPP will depend on how inclusive or extractive are its
local institutions, and ultimately, how the local power distribution occurs, that is, the
more inclusive the institutions in the territory are, the greater the chances of forming
broad coalitions, to better manage the effects of the entrance of the HPP, and to increase
the freedoms of the local agents and the territorial cohesion. At the other extreme, in a
territory with more concentrated power, there is a tendency for the entry to be guided by
the interests of smaller groups, and for the agents with less power to suffer the burden of
the process, resulting in deprivation of liberties. The research was conducted in the
territories of the Sertão do São Francisco, where it is installed the Sobradinho HPP, and
in Alto Uruguai, where the HPP Machadinho is located. The choice of these territories
was due to the fact that their proposals for the construction of the HPP occurred in a
very near period, and because they have trajectories with deep differences. A diachronic
movement was carried out in order to characterize the configuration of each territory
before the entrance of its HPP, how this process occured, and the current configuration
of each one, and a synchronic movement, with the aim of comparing the results of the
processes of entry of the HPPs between the territories. The results shows that in the case
of the Sertão do São Francisco, where the territorial configuration was of a big
concentration of power, there was the formation of restricted coalitions, with the social
participation of those affected being suppressed, resulting in the appropriation of
economic, social and political opportunities by small groups, and the burden suffered by
agents with less power. At the other extreme, in the Alto Uruguai the territorial
configuration presented a bigger deconcentration of power, which allowed the
formation of a broader coalition, which results in the reduction of negative effects, and
the less concentrated economic, social and political opportunities.
Keywords: Territorial Development, Institutions, Hydropower Plants, Capability
Approach
Lista de ilustrações
Figura 1.1 - Framework sobre a dinâmica de mudanças instituições 20
Figura 2.1 - Localização dos territórios do Sertão do São Francisco e do Alto Uruguai 35
Figura 3.1 - Variação do IDH do Território do Sertão do São Francisco para o período
de 1991 a 2010 64
Figura 3.2 - Distribuição de renda no Território do Sertão do São Francisco no ano de
2010 67
Figura 3.3 - Distribuição fundiária no Sertão do São Francisco 72
Gráfico 3.1 - Total de capitais dos grupos analisados no Sertão do São Francisco 78
Gráfico 3.2 - Total de capitais dos grupos analisados e por município no Sertão do São
Francisco 81
Gráfico 3.3 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e
econômico no Sertão do São Francisco 83
Figura 4.1 - Variação do IDH no Território do Alto Uruguai no período de 1991 a 2010 98
Figura 4.2 - Distribuição de renda no Território do Alto Uruguai no ano de 2010 101
Figura 4.3 - Distribuição fundiária no Alto Uruguai 107
Gráfico 4.1 - Totais de capitais por grupos analisados no Alto Uruguai 113
Gráfico 4.2 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e
econômico no Alto Uruguai 114
Gráfico 4.3 - Totais de capitais por grupos analisados e por município no Alto Uruguai 115
Lista de Tabelas
Tabela 3.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus
posicionamentos sobre o desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE
Sobradinho
78
Tabela 4.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus
posicionamentos sobre o desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE
Machadinho 109
Tabela 5.1 – Comparativo entre a percolação ocorrida no Sertão do São
Francisco e no Alto Uruguai 127
Sumário
1. Introdução 8
2. As hidrelétricas e os territórios 34
2.1 A literatura sobre Usinas Hidrelétricas e seus impactos 36
2.2 Usinas hidrelétricas e sua relação com regiões interioranas 44
Síntese do capítulo 1 52
3 O Sertão do São Francisco 54
3.1 A formação social do Sertão do São Francisco 54
3.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho 59
3.3 Indicadores socioeconômicos do Sertão do São Francisco 63
3.4 As metamorfoses no território e o papel da UHE 68
3.5 Balanço do capítulo 85
Síntese do capítulo 2 84
4. O Alto Uruguai 89
4.1 A formação social do Alto Uruguai 89
4.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Machadinho 93
4.3 Indicadores socioeconômicos do Alto Uruguai atual 97
4.4 As metamorfoses no território e o papel da UHE 102
4.5 Balanço do capítulo 118
Síntese do capítulo 3 119
5. Conclusão 121
Referências 134
Anexo I 144
Anexo II 169
Anexo III 189
8
1. INTRODUÇÃO
Por que estudar as relações entre hidrelétricas e desenvolvimento territorial?
Desde o ano de 2004, momento da reformulação do marco regulatório do setor elétrico
brasileiro, vem-se retomando no país a prática da construção de empreendimentos
hidrelétricos (Usinas Hidrelétricas, ou UHEs)1. Ocorre que, segundo o Plano Nacional
de Energia, 70% do potencial hídrico brasileiro se encontra na região Amazônica e no
Cerrado (PNE, 2007), regiões que, ao lado do Nordeste, ainda concentram mais baixos
indicadores de desenvolvimento humano como saúde, mortalidade infantil, saneamento
e acesso a fontes melhoradas de água, renda, pobreza e desigualdade (IBGE, 2011;
FAVARETO et al., 2014; ARRETCHE, 2015). Além disso, estes são biomas
fortemente ameaçados e com grande presença de populações tradicionais, o que
aumenta a controvérsia sobre o quão são estes empreendimentos desejáveis. Apesar das
controvérsias e do intenso debate público que elas mobilizam, a relação entre a presença
de uma UHE e a dinâmica do território - para além dos efeitos deletérios como
deslocamento de populações tradicionais e inundação de áreas para a formação do lago -
ainda é pouco estudada em uma perspectiva de longo prazo. Produzir conhecimentos
que contribuam para suprir esta lacuna é a motivação inicial desta pesquisa2.
O objeto deste estudo são os empreendimentos de Machadinho, na região conhecida
como Alto Uruguai3, no Estado do Rio Grande do Sul, e Sobradinho, no Sertão do São
1 A partir de agora as Usina hidrelétricas serão denominadas como UHE. Das possíveis formas de
aproveitamento hídrico para a geração de energia elétrica, o que interessa a essa tese é o que implica
na construção do reservatório para acumulo de água. Nesse caso, é o reservatório em si, ou a
barragem, quem produz os impactos mais pertinentes, que serão discutidos na sequência deste texto.
Em função do fato da barragem ser o principal elemento de modificações no meio, algumas
referências aqui citadas tratam de barragens para outros fins que não o de geração elétrica. Para uma
revisão dos tipos de hidrelétricas, ver Egré e Milewski (2002), e sobre uso e potencial hídrico no
mundo, Bartle (2002).
2 Esta pesquisa é parte do projeto “Mudanças de longo prazo e metamorfoses de dominação nas regiões
rurais ou interioranas do Brasil”, realizada de forma conjunta entre RIMISP, Centro Brasileiro de
Pesquisa (CEBRAP), e Universidade Federal do ABC (UFABC), com apoio do CNPq.
3 Formalmente, os municípios de Machadinho e Maximiliano de Almeida fazem parte da região
fisiográfica do Campo de Cima da Serra, no entanto, este mesmo nome é utilizado pelo governo do
Rio Grande do Sul para definição de região turística que não inclui estes municípios. Uma alternativa
para nomear o entorno que engloba Machadinho e Maximiliano de Almeida seria designar pelo seu
nome como Conselho Regional de Desenvolvimento, que é a COREDE Nordeste, mas isso poderia
9
Francisco, Estado da Bahia. Idealizadas no fim da década de 1960, ambas envolveram
anos de planejamento e acirradas disputas em torno de sua construção. Além disso,
foram planejadas dentro de um mesmo contexto político, mas tendo gerado conflitos
distintos a ponto de um empreendimento ser construído ainda na década de 1970, e o
outro apenas no fim da década de 1990.
Apesar das similaridades, há diferenças significativas. A UHE Sobradinho foi uma das
principais obras realizadas durante o período ditatorial no Brasil. Construída ainda na
década de 1970, traz na sua história elementos particulares que merecem atenção. Dos
municípios atingidos, Pilão Arcado, Casa Nova, Remanso e Sento Sé, tiveram suas
sedes deslocadas em função do enchimento da barragem. Sobradinho, por sua vez, antes
uma pequena vila de Juazeiro, passou por um processo de explosão demográfica em
função do alojamento do pessoal migrante associado à realização da obra (SIGAUD,
1986), sendo depois emancipada, tornando-se município em 1989. A UHE Machadinho,
por sua vez, sofreu forte resistência social à sua construção, e fez surgir movimentos
organizados que tiveram atuação significativa durante o processo influenciando
decisivamente seus contornos (SIGAUD, 1986), a ponto de modificar o local de
construção da barragem (originalmente prevista para o município de Marcelino Ramos,
e depois reorientada para Maximiliano de Almeida), e retardar sua construção até
meados da década de 1990.
Outra diferença fundamental diz respeito à própria formação destes territórios e o tipo
de instituições e relações sociais ali predominantes. A região do Sertão do São
Francisco, bem como grande parte do Semiárido nordestino, se desenvolveu em função
do litoral açucareiro. Nessa região prevaleceu a pecuária e a concentração de terras em
grandes fazendas, o que conduziu a uma estrutura social extremamente desigual,
marcada especialmente por relações de mando típicas daquilo que Nunes Leal (1948)
caracterizou como coronelismo em seu livro clássico, Coronelismo, enxada e voto. Já a
região do Alto Rio Uruguai foi colonizada tardiamente e com base em um modelo de
resultar em confusão com a região do Sertão do São Francisco. Por razões históricas será utilizado o
nome Alto Uruguai, visto que esta é a região que engloba o desenho original deste empreendimento.
10
organização social completamente distinto. Nela prevaleceu uma estrutura fundiária
mais desconcentrada, baseada em pequenas propriedades em mãos de produtores livres,
com população predominantemente imigrante, o que geraria uma estrutura social mais
diversificada e menos verticalizada.
Tanto Sobradinho como Machadinho são de um período em que as UHEs eram
festejadas por constituir fonte renovável de energia primária para a produção de energia
elétrica, e ocuparam lugar de destaque na retórica desenvolvimentista do Brasil dos anos
setenta, marcada por Grandes Projetos de Investimento (GPI). Com o tempo, no
entanto, a maior visibilidade dos impactos socioambientais resultantes do processo de
construção, especialmente do reservatório, motivou críticas a esta forma de
empreendimento (OUD, 2002). Sims (2001) observa que a demora em tomar a questão
social como algo relevante na construção de hidrelétricas se deu por circunstâncias
históricas, marcadas especialmente pela alta capacidade política de mobilização de
suporte às prioridades do Estado em um contexto ditatorial, mas de expansão
econômica.
A partir dos anos oitenta, com o recrudescimento da questão social (CASTEL, 1998) e
com a importância crescente da questão ambiental, ocorreu o aumento da sensibilidade
para os conflitos gerados com grandes investimentos e uma busca intensa por
mecanismos de mitigação de impactos4. No caso das UHEs, pode-se destacar os
relatórios da World Commision of Dams (WCD, 2000)5 e da International Energy
Agency (IEA, 1999)6, no fim da década de 1990. Neles, há avaliações distintas acerca
dos impactos resultantes da construção destes empreendimentos, sendo o relatório da
4 As estratégias de mitigação envolvem, tipicamente, a indenização e a construção de novas residências
para a população atingida, além de infraestrutura, ações de desenvolvimento local que podem ser
voltadas apenas para os atingidos, ou também para o município, e uma compensação financeira
recebida pelo município pelo uso do recurso natural (no Brasil, Compensação Financeira pela
Utilização de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica).
5 Formada em 1997 pelo Banco Mundial e pela World Conservation Union, possuindo representantes
da sociedade civil, setor privado, governos e academia. Teve como base Barragens em países
distintos: Brasil, EUA, Noruega, Paquistão, Tailândia, Turquia, Zimbábue e um projeto piloto da
WCD, além de mais dois estudos por país, realizados na Índia e China.
6 Desenvolvido pelo grupo de trabalho Implementing Agreement for Hydropower Technologies and
Programmes, da IEA. Os países que tiveram mais UHEs avaliadas são: Noruega, Finlândia, Canadá e
Japão.
11
WCD mais pessimista quanto aos seus possíveis benefícios7. Como consequência, ao
processo de avaliação de impactos ambientais (Environmental Impact Assessment no
exterior, ou Estudo de Impacto Ambiental no Brasil, ambos EIA), agregou-se o estudo
de impactos sociais (Social Impact Assessment, ou SIA)8. Desde então o foco na
literatura internacional tem sido o aprimoramento deste tipo de ferramentas9. Hoje a
construção das grandes UHEs conforma uma das principais controvérsias
socioambientais no Brasil contemporâneo. Para seus críticos, os efeitos negativos são
maiores que os possíveis benefícios, principalmente os efeitos associados a impactos
ambientais derivados do alagamento de grandes áreas, ou os sociais, decorrentes do
deslocamento de populações tradicionais que habitavam as áreas destinadas ao
empreendimento (ACSELRAD, 2004; VAINER 2007; ZHOURI, 2008; FAVARETO e
MORALEZ, 2014).
O resultado da aplicação destes instrumentos voltados a melhor gerir os conflitos
socioambientais é, na melhor das hipóteses, algo difuso, ainda que signifique um grande
avanço por permitir que se questione os efeitos sociais e ambientais destas obras e
tragam participação pública para o processo. Podem ser observados na literatura
estrangeira alguns casos vistos como sucesso, indicando melhoria na condição de vida
das populações atingidas. Esses resultados seriam, de forma geral, fruto do tratamento
igualitário dado aos atingidos, e ao trabalho dedicado de equipes voltadas à aplicação
dos processos de mitigação (TRUSSART et al., 2002; EGRÉ e SENÉCAL, 2003; TILT
et al. 2009). Os resultados negativos, por outro lado, indicam um ponto importante que
é o da distância entre os interesses e a discrepância de poderes nos conflitos entre os
agentes envolvidos, o que acaba implicando em menor atenção aos impactos sociais,
7 Por diversos motivos o relatório da WCD teve mais receptividade (GAGNON e KLIMPT, 2002), mas
muito pouco deste relatório foi efetivamente assimilado na construção UHEs posteriores à sua
publicação (FUJIKURA e NAKAYAMA, 2009).
8 No Brasil os Estudos de Impactos Ambientais se tornaram instrumentos obrigatórios neste tipo de
infraestrutura a partir do ano de 1986 (CONAMA, 1987).
9 Rossouw e Malan (2007) observam que a metodologia dos SIA normalmente se baseia em
questionários padronizados, carecendo de embasamento teórico, e limitando temporalmente o
acompanhamento dos impactos e dos resultados dos instrumentos de mitigação. Outro problema
relacionado ao SIA é apontado por Egré e Senécal (2003), mas este voltado às dificuldades de
aplicação do instrumento, visto que dado o caráter negativo associado às UHEs, os profissionais que
os aplicam acabam "concorrendo" com outros agentes (normalmente ONGs), normalmente anti-
barragem.
12
especialmente no caso do Brasil (PINHEIRO, 2007)10
.Estas análises entram em
consonância com o observado por Elinor Ostrom e colaboradores, em estudo voltado à
construção de megaprojetos em países emergentes, em que indicam que parte do
sucesso de projetos de infraestrutura depende, justamente, do comprometimento dos
envolvidos com o desenvolvimento local (OSTROM et al., 1993)11
.
Na maior parte dos casos a literatura destaca problemas comuns que acabam por limitar
a compreensão dos efeitos das estratégias de mitigação: é o caso da pequena janela de
tempo para análise (ROSENBERG et al., 1997) ou do foco quase exclusivo nas
populações diretamente atingidas12
. Com relação à janela de tempo, tipicamente curta
(análises realizadas pouco tempo após a construção), isso implica pouco tempo para que
se estabeleça uma nova dinâmica com a presença do empreendimento, como por
exemplo, no caso ambiental, em que praticamente é desconsiderado o processo de
adaptação ao novo bioma (THOMAS e ADAMS, 1999). Já com relação ao foco no
atingido, normalmente se observa aqueles que foram atingidos diretamente no processo
de construção da UHE, especialmente os reassentados, ignorando que há efeitos
indiretos para o entorno do empreendimento e de mais longo prazo que teriam que ser
tomados em conta.
No que diz respeito ao longo prazo, e ao território além da área da barragem, algumas
pesquisas buscam estabelecer alguma relação entre a presença de uma UHE e o
desempenho em indicadores selecionados. Nessa direção, algumas apontam a melhora
em indicadores sociais em locais que têm UHEs (GOMES e KHAN, 2003; NERES,
10 Há de se destacar que, mesmo quando o poder maior (o Estado) tem, em tese, alinhamento com as
questões sociais colocadas no campo sobre a construção de uma UHE, a distância entre os poderes
dos agentes e o descaso resultante dela podem persistir (CAETANO da SILVA, 2013).
11 A pesquisa de Ostrom e colaboradores analisa infraestruturas financiadas por organizações
internacionais desenvolvidas especialmente como forma de estímulos ao desenvolvimento, e o porquê
do fracassa, tanto na meta de desenvolvimento, como na construção da própria infraestrutura, ser o
resultado mais comum. Tomando como base a Economia Institucional, aponta o conjunto de
incentivos que se apresenta aos agentes, nos diversos estágios relativos à infraestrutura, como os
elementos fundamentais para o fracasso ou sucesso destas empreitadas.
12 Outro problema poderia ser o caráter relativo da melhora, como demonstram Egré e Senécal (2003),
ao observar que as melhoras ocorridas em Urra (Colômbia) podem ser, em parte, creditadas ao fato
das comunidades atingidas viverem em condições extremamente ruins. Assim, um acréscimo, ainda
que pequeno, à sua condição de vida significará uma melhora, mas não significará que, de fato, os
atingidos estejam em boas condições de bem-estar.
13
2008), outras apresentam resultados positivos para indicadores que refletem a
compensação financeira recebida pelos municípios (SILVA, 2007)13
. Estas pesquisas,
no entanto, não oferecem uma explicação sobre qual foi a influência das UHEs nos
territórios analisados, ou, mais precisamente, não tratam da forma como as UHEs
afetaram os elementos estruturais e a dinâmica dos territórios, de modo a influenciar, ou
mesmo conduzir, a esses desempenhos destacados.
O que se nota na literatura voltada à relação entre UHEs e territórios é um grande e
consolidado conhecimento centrado nos impactos diretos da UHE, normalmente
voltados ao curto prazo, e cuja abordagem está mais voltada a compreender o processo
de desterritorialização e reterritorialização de grupos específicos, como as comunidades
reassentadas. Pouco se produziu sobre os efeitos de longo prazo de UHEs, e ainda,
considerando-se o território como um todo. Menos ainda considerando a importância do
próprio território na moldagem dos resultados da entrada da UHE. É este espaço,
justamente, que esta pesquisa pretende explorar: o da compreensão sobre a forma como
a entrada de uma Usina Hidrelétrica afeta a dinâmica do território que a recebe. Isto é, o
que acontece com o território, para além do que se passa com as populações deslocadas?
Para além dos royalties, o que muda na estrutura local? Como o próprio território reage
à entrada da UHE? Aqui a unidade de análise é o território e não especificamente um
segmento da população local, e a entrada da UHE é compreendida com um fator
exógeno de impacto em sua dinâmica. É importante destacar, porém, que isso implica
em dar valor ao território como uma unidade que possui valor por si só, que possui
características particulares que o distingue de outros territórios. Pode soar evidente esta
afirmação, mas a compreensão de que o território e suas características próprias
importam especialmente quando associadas com a ideia de desenvolvimento é
razoavelmente recente (FAVARETO, 2014).
13 Silva (2007) tem sua pesquisa centrada em Tucuruí (PA) e Neres (2008) nas UHEs construídas no rio
Madeira (PA) (aqui incluída Tucuruí).
14
Qual teoria14
?
Se o intuito maior da pesquisa é discutir as articulações entre grandes investimentos, em
especial a construção de UHEs, e o desenvolvimento territorial, então é inevitável
começar pela própria definição de desenvolvimento15
. Esta pesquisa tomará como base
para tal a Abordagem de Capacidades, formulada pelo economista e filósofo Amartya
Sen. Mais especificamente, desenvolvimento é, naquele autor, compreendido como o
processo de aumento das liberdades substantivas dos indivíduos. A Abordagem de
Capacidades16
busca compreender a condição do indivíduo, o seu bem-estar, não por
aquilo de que dispõe17
, ou por suas posses, mas sim pelo que consegue obter desta
utilidade, ou seja, das realizações que a funcionalidade de tal utilidade lhe
proporciona18
.
Este enfoque se notabilizou nas últimas três décadas por oferecer um contraponto às
visões tradicionais sobre desenvolvimento, nas quais é a renda, no âmbito individual, e
o produto bruto ou o crescimento econômico, no âmbito agregado, o que se toma como
medida do desenvolvimento19
. A Abordagem de Capacidades não nega a renda como
algo com valor instrumental para a busca do indivíduo por aquilo que valoriza, mas
14 Este segmento tem como base o artigo Territórios importam - Bases conceituais para uma
abordagem relacional do desenvolvimento das regiões rurais ou interioranas no Brasil, de Favareto
et al. (2015), sendo realizadas adaptações para que se atendam as demandas desta pesquisa.
15 O senso comum costuma associar desenvolvimento econômico com diminuição da pobreza e da
desigualdade, porém esta relação ainda é motivo de muita controvérsia. No caso do desenvolvimento
local Collier e Dollar (2001, 2002), Olavarria-Gambi (2003) e Cougneau e Naudet (2004),
argumentam que a diminuição da pobreza depende de outros fatores, além do crescimento
econômico. Já Medeiros (2003) aponta para uma relação inversa entre crescimento e desigualdade. E
a relação entre pobreza e desigualdade é questionada por Sen (1983).
16 Há certa divergência na tradução do termo "capability", uma vez que esse teria sido cunhado por Sen
para significar "capacidade" e "habilidade" ("capacity" e "ability"), e não somente capacidade, por
isso alguns autores utilizam o termo capacitação para tal diferenciação. Por simplicidade, será
utilizado o termo capacidade
17 De fato, a Abordagem de Capacidades foi concebida como uma alternativa à Ética Utilitarista, dentro
da Filosofia, e depois se expandindo para a Economia. Ela difere da Ética Utilitarista em diversos
aspectos fundamentais, e para uma melhor compreensão ver Sen (1985)
18 Tomemos como exemplo uma commodity como a bicicleta. Ter a posse da bicicleta não caracteriza o
bem-estar do indivíduo, mas sim o que ele consegue obter dela. Ainda, mesmo tendo como uso mais
trivial o de transporte, uma pessoa com certa deficiência pode ter um aproveitamento desta
commodity diferente do de uma pessoa em plenas condições físicas, implicando em uma
funcionalidade distinta entre estes dois indivíduos (SEN, 1987).
19 Ora, se o comportamento deve ser guiado pelo prazer, ou pela felicidade, e esta é a utilidade como
impõe a Ética Utilitarista, e a felicidade é obtida através de bens e serviços, então a renda indica a
capacidade de acesso à utilidade, enquanto o PIB indica, grosso modo, a felicidade em termos
agregados.
15
entende que a renda não tem valor intrínseco no bem-estar individual. Dois indivíduos
com mesma renda não gozam, necessariamente, das mesmas condições de vida. Por
exemplo, a Ilha dos Lençóis, no norte maranhense, e pertencente ao município de
Cururupu, fica a aproximadamente quatro horas de barco, em seu trecho mais curto, do
município mais próximo que é Apicum-açu, e conta apenas com um posto de
enfermagem para atender a comunidade local. Tomemos dois indivíduos que tenham
rendas idênticas, um em Apicum-açu e o outro na Ilha dos Lençóis. Em caso de
emergência médica, o indivíduo no continente conta com o hospital local próximo,
enquanto o da ilha depende de conseguir o transporte de barco, de condições favoráveis
de navegação, situação que evidencia a diferença destes indivíduos em termos de bem-
estar, ou ainda, sua liberdade de gozar de boa saúde. Logo, a liberdade está em poder
dispor de algo que necessite, no momento em que necessita, para gerar algo que lhe
tenha valor, ou sua capacidade. Aumentar as liberdades, ou desenvolver, consiste no
aumento das possibilidades de satisfação de necessidades do indivíduo.
Além disso, esta abordagem considera que o indivíduo deve ser capaz de agir segundo
seus interesses, segundo aquilo que valoriza, ou seja, aqui se valoriza a agência, a sua
condição de agente (SEN, 1985). Para Sen, o desenvolvimento vem, justamente, do
aumento das liberdades, ou seja, do aumento de suas capacidades, e das condições que
lhe garantem a agência (SEN, 1999). Mais que isso, o aumento das liberdades é também
o meio para o desenvolvimento. Sen elege cinco liberdades instrumentais que ajudam o
indivíduo a promover seu bem-estar, que são as (1) liberdades políticas, (2) facilidades
econômicas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência, e (5) segurança
protetora (IBID., p. 25). Dessa forma, o desenvolvimento não é compreendido como
crescimento econômico, mas sim pelas diversas condições instrumentais que permitem
o incremento no bem-estar.
Mas como seguir no sentido de ampliação das liberdades dos indivíduos? Como já
destacado, renda e produto interno bruto não servem como indicador para o bem-estar
dos indivíduos. E isto porque, ainda que um determinado país possua bons valores para
estes indicadores, é o arranjo institucional que o governa que vai definir como se dá a
distribuição de bem-estar: instituições podem restringir ou ampliar as capacidades de
16
indivíduos (JOHNSON, 2009). Em um ambiente onde as instituições restrinjam a
participação dos indivíduos às decisões políticas, a liberdade de participação política
fica comprometida, e seu acesso desigual.
As instituições são as regras do jogo, são as mediadoras das interações entre os agentes,
sejam elas formais ou informais, incentivando ou desincentivando formas de
comportamento (OSTROM, 2005), e seu papel no que diz respeito ao crescimento
econômico, já foi muito estudado (NORTH, 1991). Uma defesa ampla do papel das
instituições sobre o desenvolvimento, aqui tratando tanto do crescimento econômico,
mas também do bem-estar20
, é encontrada em dois trabalhos recentes: "Violence and
Social Orders", de Douglass North, John Wallis e Barry Weingast (2009), e "Porque as
Nações Fracassam", de Daron Acemoglu e James Robinson (2012). Neles os autores
argumentam em favor da qualidade das instituições, aqui mais especificamente as
políticas e econômicas, como determinantes para que um país tenha crescimento
sustentado e democracia estável.
A ideia central de suas teses é que instituições que garantam a propriedade privada, que
sejam impessoais, e que garantam a possibilidade de participação de mais amplos
segmentos sociais nas estruturas política e econômica, permitem a formação de
coalizões mais amplas, o que diminui a chance de apropriação de rendas por elites,
resultando numa melhor divisão dos resultados do crescimento e legitimando a ordem
social vigente. Além disso, trazem em seu bojo a possibilidade de incentivos para a
inovação, em um processo schumpeteriano de destruição criativa, tanto no âmbito
político como no econômico. O incentivo à inovação não é algo determinístico, mas
esse processo de renovação por meio da inovação tem como um dos reflexos o próprio
crescimento econômico, que mesmo que não seja grande, deve ser regular e sustentado,
uma vez que em um caso extremo como os momentos de crise econômica, abre-se
espaço para a renovação.
20 Nos dois casos os autores utilizam a ideia de bem-estar de uma maneira mais relaxada, com relação a
uma definição precisa, mas a aderência com relação à Abordagem de Capacidades é grande, como se
demonstrará na sequência do texto.
17
Os autores têm nas elites e nas coalizões um dos elementos centrais de suas teses. É
pelo controle das instituições, especialmente as políticas, que as elites buscam manter
seus ganhos sobres os recursos vindos da estrutura econômica (ACEMOGLU e
ROBINSON, 2008). Outro ponto importante é a prevalência das instituições políticas
sobre as econômicas, na medida em que estas são moldadas em função das primeiras.
Para Acemoglu e Robinson é possível a coexistência entre instituições econômicas
inclusivas e políticas não tão inclusivas. É possível, por exemplo, que uma ditadura
cresça economicamente em função de instituições econômicas mais democráticas que
suas instituições políticas (2008, 2012). Já North, Wallis e Weingast (2009)
argumentam em favor da relação dinâmica entre essas instituições, pelo que se define
como duplo balanço, onde a inclusividade de um conjunto de instituições é tributário da
inclusividade do outro.
Essa sutil nuance entre as duas abordagens encerra uma diferença mais significativa.
Acemoglu e Robinson têm como foco de análise as instituições, e as classificam em
dois tipos, inclusivas e extrativas. As inclusivas são aquelas nas quais o acesso à
participação na ordem social por ela regida é garantido a amplos segmentos, de forma
impessoal, enquanto as instituições extrativas são aquelas que restringem o acesso,
garantido apenas a determinados grupos. Instituições econômicas extrativas restringem
o acesso ao mercado e aos recursos. Instituições políticas inclusivas são a base para a
democracia. É por esta tipologia que os autores inferem a relação entre os tipos de
instituições que países possuem e seus desempenhos em termos de crescimento
econômico e bem-estar.
Já North, Wallis e Weingast têm nas instituições um instrumento para a interpretação da
forma de organização social. Os autores apontam que as sociedades que atingiram um
maior grau de desenvolvimento são aquelas que conseguiram controlar melhor a
violência, dentro do princípio weberiano de que o Estado detém o seu monopólio. As
instituições então estariam diretamente ligadas aos incentivos para o controle da
violência, e este sim, ligado ao crescimento econômico e ao bem-estar21
. Para tanto, são
21 Esta diferença entre a abordagem dos autores é sutil, e não carrega dilemas para sua aplicação nesta
pesquisa, mas alguns pesquisadores a consideram significativa. Para uma crítica mais apurada, ver
Voigt (2012) e Glaeser et al. (2004).
18
sociedades que oferecem maior liberdade política e econômica, além de possuir
instituições e incentivos que organizam o próprio sistema político contra o uso ilegítimo
da violência.
Os autores não estratificam as instituições, mas sim a forma de ordem social, sendo hoje
mais evidentes duas formas, que são a Sociedade de Acesso Limitado e Sociedades de
Acesso Aberto. A Sociedade de Acesso Limitado é o tipo de ordem social que imperou
até aproximadamente a Revolução Industrial, especialmente caracterizada pela
dominação de elites e suas coalizões, que tinham acesso aos recursos e às rendas22
, e
cujo equilíbrio na distribuição destes era o que garantia o controle da violência. Aqui as
relações são pessoalizadas, e mesmo a constituição de organizações é restrita àqueles
que detêm o poder. As Sociedades de Acesso Aberto, por sua vez, passam a operar a
impessoalidade. Nelas, as leis devem ser aplicadas também às elites, e as organizações
são caracterizadas pela impessoalidade, sendo sua existência não dependente de uma
pessoa, e são instrumentos efetivos de ação coletiva. Ainda, o Estado detém o controle
da violência, que não é mais dividida entre grupos dentro da elite, e a própria aplicação
da violência pelo Estado é restrita23
.
Aqui cabe mais uma ligação com a Abordagem de Capacidades, quando Sen toma a
liberdade como elemento central para o processo de desenvolvimento, pois “a realização
do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição de agente das pessoas”
(SEN, 1999, p.8). A inclusividade política e econômica são relativas também às
oportunidades de expansão das liberdades de agência e bem-estar. Ter acesso às
oportunidades de mercado é um instrumento para a ampliação destas liberdades. Ter
acesso às oportunidades de escolha social, à participação política, é um instrumento para
que se busque aquilo que o indivíduo tem razões para valorizar. Nesta direção, é
22 Renda, aqui, no sentido rentista, ou, como definem os autores, como o excedente sobre os custos de
oportunidade, obtido a partir de alguma operação realizada com um ativo (NORTH et al. 2006).
23 Hoje são poucos os países considerados Sociedades de Acesso Aberto, como os Estados Unidos,
Canadá, países da Europa Ocidental e o Japão, que conseguiram desenvolver um crescimento
econômico regular e menor desigualdade por meio de uma democracia sólida, que viabiliza esse
desempenho especialmente por meio da inovação, ou da destruição criativa, de Schumpeter. Países
como Chile e Coreia do Sul estariam em um patamar intermediário, ou na Doorstep Conditions, para
se tornar países deste grupo, ao atingirem as condições de transição, que são a aplicação das leis às
elites, a possibilidade de desenvolvimento de organizações impessoais, ou Perpetually Lived
Organizations, e o controle pelo estado das forças armadas (NORTH et al., 2012).
19
fundamental a distribuição de poder político e econômico. A desigualdade na
distribuição de poder político compromete a capacidade de participação nos processos
de escolha social, assim como a desigualdade econômica pode tanto impor barreiras
para esta mesma participação, como na participação no mercado, ou no aproveitamento
de oportunidades econômicas (DRÈZE e SEN, 2002).
Ainda que esta abordagem tenha como o foco o indivíduo, a constituição de
organizações, ou mesmo coalizões, são instrumentos que trazem mais força aos agentes,
por meio de formas de ação coletiva, na luta pelos seus interesses comuns24
. Para North,
Wallis e Weingast, "organizações são, em parte, ferramentas: ferramentas que
indivíduos usam para aumentar sua produtividade, para buscar e criar contatos e
relações, para coordenar ações de muitos indivíduos e grupos, e para dominar e coagir
outros"25
(NORTH et al., 2009, p. 7). Organizações têm maiores condições que o
indivíduo de conseguir atingir interesses específicos, e a liberdade e os meios para a
constituição de organizações são elementos que caracterizam as sociedades que têm as
melhores condições de bem-estar, e o maior número de organizações; características das
Sociedades de Acesso Aberto em comparação com as sociedades menos abertas
(NORTH et al., 2009).
Então, se pensamos na inserção de uma hidrelétrica em um território, o que temos é a
entrada de um elemento que pode promover mudanças radicais em termos de condições
de vida no local que a recebe, tanto em termos negativos, pela diminuição de bem-estar,
como positivos, pela criação de oportunidades, especialmente econômicas. A forma
como ocorrerão estas mudanças fica intimamente ligada à qualidade das instituições
locais, uma vez que quanto mais extrativas, menores as condições de ação coletiva
contra os seus efeitos negativos, e maiores as chances da apropriação das mudanças
positivas por uma elite dominante. No outro extremo, quanto mais inclusivas as
instituições, maiores as chances de que grupos que potencialmente possam perder
24 Existe uma certa controvérsia com relação à ideia de “coletivo”, dentro da Abordagem de
Capacidades, em especial quando se trata de capacidades coletivas. Para aprofundamento nesta
discussão, ver Deneulin (2008).
25 Tradução livre do original: "Organizations are, in part, tools: tools that individuals use to increase
their productivity, to seek and create human contact and relationships, to coordinate the actions of
many individuals and groups, and to dominate and coerce others".
20
condição de bem-estar se organizem para evitar tal situação e, ainda, maiores as chances
de que outros grupos, para além das elites locais, tenham condições de explorar as
oportunidades geradas pela infraestrutura.
Mas se a qualidade das instituições políticas e econômicas é um elemento fundamental
para o desenvolvimento, como mudar instituições, e mais, como mudar na direção de
instituições mais inclusivas, tanto as políticas como as econômicas? A mudança nas
instituições pode ocorrer de forma gradual e por motivações endógenas, por meio de
choques exógenos ou pelo atrito entre instituições conflitantes. A chave para
compreender a mudança institucional, estaria em compreender o caráter distribucional
dos resultados das instituições. A manutenção destas estaria fundada no equilíbrio de
poder entre as coalizões. As mudanças, tanto de natureza endógena como exógena,
seriam motivadas por desequilíbrios nestas relações (MAHONEY e THELEN, 2010).
Um ponto importante aqui diz respeito ao poder político, que não necessariamente é
sempre de jure, ou fruto de atribuição resultante da aplicação das instituições políticas
(como eleições, por exemplo), mas também pode ser de facto, ou exercido por agentes
que disponham de capitais e possam influenciar as ações na estrutura política
(ACEMOGLU et al., 2005). Estas duas formas de exercício do poder são capazes de
modificar as instituições políticas e econômicas, influindo assim na performance
econômica e na distribuição de recursos. Isto é proposto no framework desenvolvido por
Acemoglu et al. (2005)
Figura 1.1 – Framework sobre a dinâmica de mudanças instituições
Fonte: (ACEMOGLU et al., 2005
21
Dessa forma, uma mudança na distribuição de recursos, como por exemplo, com o
desenvolvimento de novas formas de obtenção de renda, ou ainda a mudança nos
agentes portadores de poder político de facto, provocariam um desbalanço nos
resultados das instituições, o que pode induzir a mudanças. Neste sentido, a ascensão de
organizações ora excluídas da distribuição dos recursos, pode provocar um desbalanço
na distribuição de poder de facto, e obrigar as elites ora portadoras deste poder a fazer
concessões, induzindo assim a mudanças nas instituições. Por outro lado, quanto mais
distribuído o poder político, menores as chances de que poucos grupos induzam
mudanças institucionais que beneficiem a si próprios. Aqui, a UHE pode atuar
induzindo a mudança institucional especialmente pela mudança nas formas de obtenção
de renda, que por sua vez, podem provocar o desbalanço na distribuição de poder, e daí
resultar um novo arranjo institucional que equilibre a nova condição dos agentes.
Esta revisão, até o momento, fundamenta em grande parte a análise que se propõe nesta
tese, mas alguns pontos ainda carecem de subsídios de uma teoria social. Quando
trazemos uma análise com o centro no indivíduo, por meio da Abordagem de
Capacidades, devemos ter em mente que muitas das aspirações, ou mesmo aquilo que o
indivíduo valoriza, é fruto de interações sociais (SEN, 1999; BOWMAN, 2010; HART,
2012). Mais que isso, a forma como o indivíduo atingirá determinadas capacidades, ou
liberdades, pode ser (e normalmente é) dependente não somente da renda, mas sim de
seu nível de educação formal, ou das suas redes sociais, ou mesmo do poder de que
dispõe para o exercício da agência, elementos normalmente dependentes da posição que
este ocupa na sociedade. Como então olhar o indivíduo em sua relação com a sociedade
em que está inserido? Esta lacuna é preenchida aqui a partir do conceito de
configurações, de Norbert Elias, e pelas Teorias do Campos e Habitus, do sociólogo
francês Pierre Bourdieu.
Para Elias (1994), em grande parte, os comportamentos individuais seriam motivados
pela internalização das normas da ordem social à qual o indivíduo pertence, e pelo
autopoliciamento deste indivíduo de modo que seu comportamento seja condizente com
aquele que é esperado. Aqui a punição é interna, auto proferida, como pelo sentimento
de vergonha, por exemplo. Esta relação entre a ordem social, resultado da estrutura
22
social, e os respectivos comportamentos individuais, resultantes da internalização das
normas em conformidade com a ordem social, é definida como configuração.
Já Bourdieu (2008, 2014) fundamenta sua teoria em três conceitos chave, que são o
campo, os capitais, e o habitus. O campo é uma estrutura de posições em disputa, cujos
agentes têm um interesse comum, como por exemplo, o campo econômico, ou o campo
político. Todo campo tem seu senso comum, ou doxa, e seu conjunto de regras, a que
Bourdieu define como nomos, mas, apesar disso, os campos não são autônomos entre si.
Nada impede que um agente acumule trunfos em um campo e o utilize em outro, como
por exemplo, converta seus trunfos obtidos no campo econômico para ingressar no
campo político.
Estes trunfos, definidos como capital, são recursos que o agente dispõe para atuar dentro
do Campo, e não se restringem ao Capital no sentido meramente econômico. As formas
mais comuns de Capital são, além do econômico propriamente dito, o cultural, o
simbólico, o social, e o político, e é a forma como se dá a distribuição destes capitais
que define a posição de um agente no campo. Capitais são conversíveis de uma forma
para a outra, como por exemplo, o acúmulo de capital cultural (especialmente na sua
forma institucional, como no caso de um diploma) pode ser convertido em econômico.
Mais que isso, capitais são trunfos do indivíduo, o que não restringe sua obtenção por
meio de um campo, e utilização em outro, como já destacado.
A forma como o agente atua no campo, o uso dos capitais de que dispõe, suas
estratégias, compõem parte do seu habitus. O habitus são disposições adquiridas pelo
aprendizado gerado na exposição aos constrangimentos sociais. O habitus atua também
como um guia à ação, mas de forma alguma torna as ações mecânicas, ele preserva ao
agente certa liberdade, ele é espontaneamente condicionado e limitado (BOURDIEU,
2006).
Desta forma, extrair funcionalidades de uma commodity depende do estoque de capitais
que um agente dispõe, tanto o econômico, quanto qualquer outro que ele necessite para
poder realizar a conversão desta commodity em funcionalidade. Além disso, suas
23
aspirações são condicionadas ao seu horizonte de possibilidades, que são parte do seu
habitus, por sua vez resultante da sua interação com o meio social em que o agente está
inserido (HART, 2012). Aqui a UHE também pode contribuir para a mudança
institucional, por exemplo, ao possibilitar o acúmulo de capitais por meio de
oportunidades econômicas e sociais, ou ao promover novas aspirações por meio do
conflito que a cerca, induzindo uma mudança no habitus dos agentes para a expansão do
seu horizonte de possibilidades. Em um sentido contrário, pode acabar por mudar as
instituições em uma direção negativa, ao permitir a apropriação das novas
oportunidades por grupos pequenos, ampliando a desigualdade local em termos de
liberdades.
Até o momento buscou-se estabelecer aquilo que se compreende aqui como
desenvolvimento, que é o aumento da liberdade dos indivíduos, além da importância da
mudança nas instituições para que se atinja este aumento, e em como a configuração em
um território constrange tanto o que é compreendido como liberdade, como os meios
para que ocorra a mudança institucional. Mais que isso, buscou-se exemplificar de que
forma a entrada de UHE interage com estes elementos de modo a modificar instituições,
ampliando ou reduzindo liberdades, na medida em que o território absorve ou refrata
determinadas possibilidades.
Mas é possível definir instâncias específicas em um território, cujas características
permitam explicar seu desempenho em termos de bem-estar? Nesse sentido, a pesquisa
desenvolvida pelo Berdegué et al. (2012) traz importantes contribuições26
. Dentro do
contexto da América Latina, e com parte de sua pesquisa realizada no Brasil, foram
analisadas as dinâmicas territoriais de dezenove regiões, em onze diferentes países da
América Latina. Observou-se que, apesar dos notáveis avanços no que diz respeito à
redução da pobreza e ao aumento da renda per capita, ocorre a persistência da
desigualdade na América Latina. Esta persistência pode ser explicada por estruturas
concentradoras e pouco dinâmicas, instituições pouco inclusivas econômica e
26 A pesquisa buscou compreender porque alguns territórios da América Latina (13%, na verdade),
conseguiram obter, no período de 1990 a 2000, melhorias nos indicadores de pobreza, renda e
desigualdade, tendo como hipótese a existência de uma componente territorial para a explicação deste
desempenho. A pesquisa de campo foi conduzida em 11 países, envolvendo mais de 50 organizações,
durante o período de 5 anos.
24
politicamente, e agentes que se beneficiam deste status quo, que concentram seus
esforços para que esta dinâmica se reproduza de forma contínua. Esta situação acaba
induzindo a armadilhas de pobreza e desigualdade que impedem, ou dificultam, a sua
superação (BERDEGUÉ et al., 2015).
De forma um tanto mais estrutural para os casos estudados na América Latina, pode-se
observar empiricamente uma forte ligação do desempenho dos territórios com as
estruturas, instituições e formas de agência em cinco instâncias empíricas, que são (1) a
estrutura de acesso e uso de recursos naturais, (2) o acesso a mercados dinâmicos, (3) a
estrutura produtiva, (4) a relação dos territórios com cidades e (5) a presença de
políticas públicas. Ter maior diversidade e menor concentração de produção aumenta as
possibilidades de que pequenos produtores tenham acesso ao sistema produtivo local,
bem como no caso do acesso aos recursos naturais, o que pode imprimir uma menor
desigualdade. O acesso a mercados permite a entrada de renda externa na economia
local, bem como a presença de um centro urbano dinâmica oferece a possibilidade de
que os agentes locais invistam seus diversos capitais dentro do próprio território. E, por
fim, políticas públicas podem interferir de direta nas instâncias anteriores, concentrando
ou desconcentrando, diversificando ou especializando, enfim, alterando ou reforçando a
dinâmica no território.
Observou-se, também, que as mudanças institucionais que conduziam a uma dinâmica
territorial de aumento de renda e diminuição da pobreza e da desigualdade, ocorreram
nos territórios com maior diversidade de agentes, com visões distintas e diferentes
formas de capital que impliquem em algum poder. A coalizão formada por essa
diversidade de agentes foi definida por aqueles autores como coalizão social
transformadora, e com a formação deste tipo de coalizão é maior a chancede que ações
efetivas que promovam mudanças nas dinâmicas territoriais tenham como objetivo o a
coesão territorial (BERDEGUÉ et al., 2012). Daí:
“Como corolário, num tipo extremo, quanto mais desconcentrado e quanto mais
diversificado é um território (...), maiores são as chances de que se constituam coalizões
amplas e que tenham na valorização do território uma base importante para sua
reprodução social. Enquanto que, no outro extremo, naqueles territórios com estrutura
25
mais concentrada e especializada, as coalizões tendem a se formar reunindo um leque
mais estreito de atores e a orientar-se, sobretudo, para as modalidades de inserção
externa, com menor preocupação com a coesão territorial. Entre os dois extremos outras
combinações entre os cinco fatores são possíveis, e a elas correspondem distintas
composições do desempenho dos territórios em termos de desigualdade, pobreza e
crescimento econômico” (FAVARETO, 2015).
Desta forma, para que a influência da entrada da UHE em um território possa conduzi-
lo à maior coesão, além da evidente mudança nas instituições de modo a torná-las mais
inclusivas (assumindo aqui um cenário negativo), deve também ocorrer nestas
instâncias citadas por Berdegué e colegas. Essa influência na direção de uma maior
diversificação e menor concentração na estrutura de produção e no acesso aos recursos
naturais, por exemplo, pode, por si mesma, ser o elemento de desequilíbrio na estrutura
de poder local e levar às mudanças institucionais, mas a falta de acesso a mercados, ou
mesmo de um centro urbano dinâmico pode limitar a ampliação das liberdades no
território.
Com base na construção deste arcabouço teórico, são definidos aqui dois elementos
analíticos que guiarão a sequência desta tese. O primeiro, configuração territorial, que
toma como base o conceito de configuração, de Norbert Elias, é a unidade de análise
aqui empregada, e que é compreendida como uma unidade espacial dada, estruturada e
dinâmica, que abarca formas de organização social, e assim as formas de dominação e o
exercício da violência e os relativos comportamentos sociais individuais em
consonância com estas formas de dominação. Trata-se de uma unidade processual, uma
vez que deve ser entendido não apenas pelo comportamento social individual, ou pela
ordem social, mas pela sua relação, estruturada e estruturante. A configuração territorial
que a UHE encontra será responsável pela forma como o território reagirá ao processo
de entrada. Ou, mais especificamente, é a amplitude das coalizões formadas, decorrente
da forma como se dá a distribuição de poder local, ou do quanto as instituições políticas
e econômicas locais são mais ou menos inclusivas, que determinará este processo.
26
O segundo elemento trata da relação entre a UHE e a configuração territorial, e é a
percolação. Nela é identificado o quanto uma configuração territorial absorve ou refrata
um choque exógeno, e em que direção se dá esse processo. Trata-se de um processo
permanente, mas pode ser observado em lapsos temporais, por meio (1) da observação
de como o fator que provoca choque se confronta com as estruturas sociais do território,
(2) pela observação de mudanças residuais do choque exógeno, como variação nas
liberdades individuais, no campo de possíveis em que se estrutura a existência social
dos habitantes locais, e mudanças na valorização de recursos. E (3), identificar
mudanças nas estruturas sociais na configuração territorial após a passagem do choque
exógeno. Em se tratando da entrada de uma infraestrutura como uma UHE em um
território, a percolação trata do quanto este processo é capaz de alterar sua estrutura
produtiva, oferecendo ou cortando oportunidades econômicas, do quanto este processo é
capaz de alterar os comportamentos dos agentes e, por fim, a distribuição de poder
local, de modo a mudar a qualidade das instituições locais.
Objetivos, problema e hipótese
À luz do quadro de análise esboçado acima, o objetivo desta pesquisa consiste em
analisar os efeitos da construção de Hidrelétricas sobre a dinâmica de municípios
selecionados do Sertão do São Francisco (BA) e do Alto Rio Uruguai (RS), visando
compreender a estrutura das mudanças resultantes na vida econômica e social local e,
por aí, os resultados de médio prazo da relação entre estes empreendimentos e seus
territórios em termos de desenvolvimento local. Para isto, será utilizada uma abordagem
que busca integrar os efeitos destes empreendimentos em três dimensões específicas: as
alterações na distribuição de poder local, as alterações nas formas de apropriação e uso
dos recursos, e a dinâmica da relação entre os comportamentos e as instituições, formais
e informais, que regulam as dimensões anteriores, e sua modificação com a entrada da
UHE. Ao abordar estas várias dimensões a pesquisa pretende capturar o movimento das
contradições que cercam a dinamização territorial impulsionada por uma obra deste
tipo, de um lado, e os conflitos sociais e suas formas de regulação de outro. Da síntese
27
desta unidade de contrários resulta a dinâmica de desenvolvimento territorial, na qual a
UHE é um elemento forte27
.
Este objetivo geral, por sua vez, se desdobra nos seguintes objetivos específicos:
- caracterizar a distribuição de poder local nestes territórios;
- compreender de que forma se dão as mudanças ou as permanências nos processos de
apropriação e uso dos recursos naturais, a partir da desconstrução do antigo território e a
construção de um novo;
- compreender de que forma as estruturas de poder locais nos territórios se modificam
ou se mantém em função das mudanças ou permanências nos processos de apropriação
e uso dos recursos naturais;
- identificar o papel da UHE neste movimento de metamorfose dos territórios.
Estes objetivos podem ser enfeixados sob a forma de uma pergunta, que os traduz pelo
seguinte problema de pesquisa a ser enfrentado: considerando a UHE um fator exógeno
e que afeta a morfologia de um território, que por sua vez possui características próprias
para absorver tais mudanças em um certo sentido, de que forma a entrada de uma UHE
afeta tais estruturas, características do território e, inversamente, quais são os aspectos
decisivos destas mesmas estruturas que reagem à entrada da UHE, e que respondem
pelos resultados diferenciados da entrada de uma UHE em cada território estudado?
A hipótese que serve de guia à pesquisa é que, longe de ser um processo que depende
somente dos interesses dos agentes responsáveis pela construção da UHE, a
configuração do território tem peso fundamental, uma vez que, quanto mais
desconcentrado o poder local, maior a quantidade de indivíduos com liberdade de
agência, e assim de participação social, e maiores as chances de formação de coalizões
amplas capazes de confrontar o agente externo, resistindo aos riscos gerados por este
grande investimento, ou gerindo melhor os conflitos que surgem com esta nova situação
criada com a realização deste grande empreendimento. Neste caso a percolação desta
27 É importante reforçar que não se trata de observar impactos, como usual na literatura voltada ao tema,
mas sim, de forma mais ampla, como a relação entre a UHE e o território que a recebe moldou estes
efeitos.
28
influência exógena deve se dar num sentido mais favorável ao território, com uma
configuração territorial resultante da entrada da UHE mais favorável a gerar maior
coesão territorial. No outro extremo, numa configuração territorial em que ocorra
grande concentração de poder, as maiores chances são as de que se imponham interesses
pessoais de agentes locais, capturando os benefícios trazidos com este investimento e
imputando os custos sociais aos agentes com menos poder. Nesse caso, a entrada da
UHE resulta numa de percolação cuja configuração territorial resultante não conduz à
maior coesão territorial.
Traduzindo este enunciado geral para o caso concreto em estudo, no caso do Alto Rio
Uruguai, a estrutura de poder local encontrada no início do processo de entrada da UHE
é menos concentrada e com uma diversidade maior de agentes (comparativamente ao
Sertão do São Francisco), reunindo condições favoráveis para a formação de uma
coalizão ampla administrando minimamente os efeitos do investimento planejado no
território. No processo de disputa em torno da entrada da UHE, esta coalizão foi capaz
de reduzir seus efeitos negativos, diminuindo a perda de bem-estar, bem como
direcionar certos potenciais efeitos positivos, especialmente aqueles voltados para a
criação de oportunidades econômicas e ampliação das liberdades. As novas fontes de
renda proporcionaram novas aspirações e permitiram a ascensão de novos agentes com
condições de formação de novas coalizões com interesses próprios, resultando em um
território cuja configuração é mais diversificada que anteriormente à entrada da UHE.
Já no Sertão do São Francisco, a estrutura de poder encontrada era significativamente
concentrada, o que fez prevalecer os interesses de poucos agentes, os quais não incluíam
de maneira central a mitigação dos efeitos negativos derivados da construção da UHE.
Esses efeitos acabaram por ser violentos, resultando no aumento da privação de
liberdades dos agentes atingidos. Ainda, a forma como ocorreu a percolação restringiu a
capacidade de que setores mais amplos da sociedade local pudessem se apropriar de
potenciais efeitos positivos. Estes elementos conduzem a uma certa mudança na
configuração território local, mas que não seguem na direção de uma maior coesão
territorial.
29
Procedimentos metodológicos
Os territórios selecionados para o estudo comparado no âmbito desta pesquisa - Sertão
do São Francisco e Alto Uruguai – foram escolhidos por guardarem semelhanças na
origem contemporânea dos dois projetos de aproveitamento hídrico, e por isso com
trajetórias praticamente equivalentes no que diz respeito à ação do Estado, de um lado, e
pelas diferenças na sua formação histórica, de outro. Isto permite uma análise acera de
como as diferenças nas configurações territoriais locais afetam a forma como o
investimento externo, a construção da UHE, é recebido e absorvido localmente, o que
está na base da hipótese orientadora do estudo. Destes territórios foram selecionados os
municípios de Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, no Sertão do São Francisco, e
Machadinho e Maximiliano de Almeida, no Alto Rio Uruguai. A escolha se deu por
serem municípios diretamente atingidos pela construção das respectivas barragens28
.
Deve-se destacar, também, que esta pesquisa se beneficia de um marco inicial que é a
pesquisa realizada por Lygia Sigaud e colegas, "Efeitos sociais de grandes projetos
hidrelétricos: as barragens de Sobradinho e Machadinho", de 1986, que por meio de
análise documental, estuda o processo de entrada destas UHEs até aquele momento,
visto que a UHE Machadinho entrou em operação em 2002.
Um primeiro movimento realizado aqui foi o de análise diacrônica, iniciado na
formação do território, caracterizado em função da forma como se estrutura o poder
local, mais ou menos concentrado, e daí a reconstrução histórica por meio da
observação das mudanças ocorridas no acesso e uso de recursos naturais, na estrutura
produtiva, no acesso a mercados e na relação com cidades (BERDEGUÉ et al., 2015).
Das mudanças encontradas, procurou-se determinar a contribuição da UHE, seja como
uma relação direta, seja pela exploração de oportunidades econômicas pela formação do
lago, ou indiretas, como por meio de elementos de compensação, bem como os efeitos
da violência resultante do processo de entrada da UHE, e em como estes elementos
afetaram as relações dos agentes na configuração territorial.
28 Por questões logísticas, outros municípios não foram incluídos, como seria o caso de Remanso, no
Sertão do São Francisco, ou de Barracão e Marcelino Ramos, no lado gaúcho do Alto Uruguai, e
evidentemente, os municípios do lado catarinense da barragem de Machadinho.
30
O passo seguinte compreendeu a análise sincrônica do território, buscando analisar a
atual distribuição de poder e dos trunfos necessários ao exercício do poder sobre os
destinos do território e da vida social local. Esta análise ocorreu em dois movimentos,
sendo o primeiro buscando caracterizar as elites locais, e o segundo voltado a
compreender a distribuição de poder local. O primeiro ocorre nos moldes da abordagem
de campos, de Bourdieu, sendo que desta forma, observa-se a distribuição de capitais
entre agentes, bem como a hierarquia de suas posições, destacando como se sustentam
instituições inclusivas ou extrativas, nos termos de Acemoglu e Robinson (2012). Este
movimento foi realizado por meio de entrevista semiestruturada (ANEXO I),
desenvolvida de modo que se permitisse reconstruir a trajetória do agente entrevistado e
de seus antepassados, identificando momentos notáveis e seus significados29
, e
compreender o trânsito de atributos, a saber, os capitais social, cultural, econômico,
simbólico e político, nesta trajetória e como esta composição se altera ao largo do
tempo30
. Foram selecionados agentes representativos dos campos político e econômico,
de famílias tradicionais, e de beneficiários de políticas sociais de alívio de pobreza, ou
de inclusão produtiva.
No segundo movimento buscou-se identificar a forma como se dá a distribuição de
poder no território. Este movimento foi desenvolvido de forma quantitativa, observando
a distribuição fundiária, elemento formador dos territórios analisados e associados à
estrutura de poder, o número de organizações nos municípios analisados, apontadas por
North et al. (2009) como indicador de uma sociedade mais inclusiva (ou de acesso
aberto). Estas informações são utilizadas de forma relacional, de modo a permitir
observar o quanto um território oferece mais acesso à terra que o outro, ou o quanto há
de mais liberdade de organização social em um território que no outro. Como fontes de
informação foram utilizados o Censo Agropecuário do ano de 2006, para a distribuição
29
Por exemplo, a movimentação espacial realizada por conta de reassentamento compulsório, ou a
exploração de oportunidades econômicas abertas no processo de construção da UHE, ou ainda, num
caso extremo, a total desvinculação do agente representativo do território com relação a esta
infraestrutura.
30 No Território do Sertão do São Francisco a pesquisa de campo foi realizada por uma equipe composta
por este doutorando e por mais três doutorandos, tendo em vista o interesse comum de todos neste
território para sua pesquisa individual, haver convergências entre as metodologias a ponto de se
justificar a aplicação do mesmo instrumento, e pelo fato do Sertão do São Francisco ser um campo de
interesse de pesquisa coletiva da qual esta tese tem parte. No caso do Alto Rio Uruguai, o campo foi
realizado exclusivamente por este doutorando.
31
de terras, e a pesquisa do Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do ano de 2010,
para a identificação do número de organizações nos municípios analisados, todas estas
pesquisas conduzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Estas
informações são complementadas com informações colhidas no questionário sobre a
visão dos entrevistados a respeito das forças políticas locais, e de que formas estas se
relacionam.
Ainda que não seja possível contar com dados apropriados da década de 1970 que
permitam comparar quantitativamente a estrutura de poder local no território, a
construção da sua história como proposto, permite uma visão das mudanças desta
estrutura no tempo (FAVARETO et al., 2011). Estas mudanças, no entanto, como já
citado, não são frutos apenas da UHE, mas sim de processos contínuos de percolação
relativos aos fatores exógenos aos quais o território foi exposto.
Os resultados da percolação entre os territórios e suas respectivas UHEs foram
determinados pela observação das mudanças em oportunidades econômicas e sociais31
,
qual o significado destas mudanças para a dinâmica territorial, e como estas se
difundiram entre os agentes do território, modificando suas trajetórias, gerando novas
aspirações, ou comprometendo seu bem-estar, por exemplo, e pela forma como o
processo de entrada afetou sua mobilidade social32
. Por fim, tomando-se estes aspectos,
como a entrada da UHE afetou a distribuição de poder local, resultando assim, em uma
nova configuração territorial.
Por fim, pela comparação da configuração de cada um dos territórios observada antes da
entrada da UHE e dos processos de percolação e as respectivas metamorfoses pelas
quais estas configurações territoriais passaram, foi possível determinar o significado do
território nos resultados obtidos, tanto no Sertão do São Francisco, como no Alto
Uruguai.
31 Criando oportunidades econômicas, ou prejudicando práticas tradicionais, por exemplo. 32 Se hoje o agente está em condição de ascendência, estagnação ou descendência.
32
Estrutura da tese
No capítulo a seguir é apresentada uma revisão bibliográfica que aborda aspectos do
processo de entrada de UHEs em territórios, que vão desde a gênese da questão social
que este processo carrega, os impactos propriamente ditos, a configuração de agentes de
oposição à sua construção, e o que se sabe sobre os efeitos deste processo em termos de
desenvolvimento territorial. Estas informações, a seguir, são confrontadas com a
abordagem teórica proposta neste capítulo para uma interpretação do processo de
entrada à luz desta abordagem, buscando compreender os fenômenos descritos na
literatura, sendo o capítulo finalizado com uma primeira interpretação da hipótese
proposta, à luz da literatura de UHEs.
Os capítulos 3 e 4 seguem a mesma estrutura, e tratam do Sertão do São Francisco e do
Alto Uruguai, respectivamente. Nestes capítulos são apresentadas as análises dos
territórios, sendo sua estrutura iniciada com a reconstrução da formação social e
econômica do território, enfatizando como esta trajetória resultou em determinada
distribuição de poder local e na dinâmica territorial. Na sequência o processo de entrada
da UHE é reconstruído, de modo que seja possível observar a amplitude das coalizões,
bem como seu posicionamento a respeito da UHE e seus efeitos, e como sua entrada
afetou a dinâmica do território. O terceiro momento de cada um destes capítulos é o de
caracterização dos territórios em suas condições atuais onde são apresentados
indicadores relacionados a bem-estar, de modo a situar cada um dos territórios tanto em
nível estadual como nacional. A seguir, os dados primários coletados em campo são
analisados, em conjunto com os dados secundários relativos à distribuição fundiária e
número de organizações, de modo a caracterizar a atual configuração do território,
segundo a participação da UHE, e assim apresentar como se deu o processo de
percolação na relação UHE e território.
No último capítulo as análises construídas nos capítulos 3 e 4 são recuperadas e, por
meio da comparação entre os processos de entradas das UHEs em seus respectivos
territórios, é verificada a importância da configuração territorial anterior à entrada da
33
UHE no processo de percolação, bem como nos resultados posteriores, ou seja, na
configuração territorial que resulta desta entrada.
34
2. AS HIDRELÉTRICAS E OS TERRITÓRIOS
A barragem de Sobradinho tem em suas margens cinco municípios: Pilão Arcado, Sento
Sé, Casa Nova, Remanso e Sobradinho (ver figura 2.1). Casa Nova conta com uma
razoável estrutura de irrigação que alimenta empresas voltadas à vitivinicultura. Sento
Sé já teve projetos voltados à formação de perímetros irrigados, mas nenhum deles
vingou. No caso da barragem de Machadinho, no seu lado gaúcho fazem parte da sua
área de reservatório Maximiliano de Almeida, Machadinho, Barracão e Pinhal da
Serra33
(ver figura 2.1). Esta barragem é mais recente que a de Sobradinho, e os recursos
hoje explorados em Machadinho e Maximiliano de Almeida estão mais relacionados à
relação com o Consórcio Machadinho que com o aproveitamento direto das mudanças
impostas pela infraestrutura. Sobradinho e Machadinho foram pensadas em um mesmo
momento, ambas dentro de um contexto de forte apelo do discurso desenvolvimentista e
voltadas ao aproveitamento hídrico de suas bacias para a geração de energia.
Sobradinho foi construída pouco tempo depois de seu planejamento, e de forma que
qualquer resistência fosse superada de forma avassaladora, já em Machadinho a
resistência foi efetiva a ponto de que sua construção fosse adiada diversas vezes.
33 No lado catarinense da barragem fazem parte da área de reservatório Piratuba, Capinzal, Zortéa,
Celso Ramos, Campos Novos e Anita Garibaldi.
35
Figura 2.1 - Localização dos Territórios do Sertão do São Francisco e Alto Uruguai
A observação destes resultados diversos evidencia o fato de que os efeitos da entrada de
UHE não podem ser associados de forma determinística a processos e resultados. Se a
barragem é a mesma para Casa Nova e para Sento Sé, por que o seu aproveitamento
como recurso para a produção é diferente? Se Sobradinho e Machadinho foram
pensadas em uma mesma época, com a mesma motivação, por que a resistência foi
eficaz em um lugar e no outro não? A resposta, como se pretende demonstrar ao longo
das próximas páginas não está na UHE, mas sim no território que a recebe, e na forma
como este se relaciona com esta infraestrutura, desde o processo de entrada, até sua
construção e posteriores usos.
Este capítulo tem como objetivo apresentar uma leitura da literatura atual sobre UHEs,
de modo a buscar compreender melhor a relação entre estas infraestruturas e os
territórios que as recebem. Para tanto, dois movimentos serão realizados aqui. No
primeiro se busca analisar como a literatura consagrada nos estudos sobre este tema
trata os efeitos relacionados à entrada de uma UHE em um território. O ponto de
chegada deste movimento é a identificação de que há uma certa polarização na
36
literatura, a qual deixa escapar aspectos relevantes para a resposta ao problema de
pesquisa aqui colocado e que consiste em saber porque os efeitos de um
empreendimento deste tipo geramresultados distintos nos diferentes territórios onde ele
se realiza. No segundo movimento pretende-se oferecer uma proposta analítica voltada a
suprir lacunas observadas, moldando o quadro de análise que será aplicado nos
capítulos seguintes, estes de caráter empírico.
2.1 A literatura sobre Usinas Hidrelétricas e seus impactos
Os dois campos escolhidos para a análise que esta tese empreende têm grande valor para
o cenário da construção de grandes empreendimentos hídricos no Brasil. No caso da
UHE Sobradinho, a forma como ocorreu sua construção praticamente inaugurou a visão
crítica sobre estes empreendimentos, tanto em nível nacional, como internacional. Já no
caso da UHE Machadinho, a forma como se deu a resistência à sua construção (e a
outras duas, que fariam parte de um projeto de aproveitamento do potencial da Bacia do
Rio Uruguai), inaugurou a resistência organizada a estes empreendimentos no Brasil34
.
Estas infraestruturas fazem parte do conjunto de Grandes Projetos de Investimentos
(GPI), que tinham como propósito alavancar o crescimento econômico brasileiro e
promover a integração nacional, levando investimentos em infraestrutura para territórios
até então mais isolados, buscando associá-los ao desenvolvimento nacional (VAINER,
2007). Este discurso integrador sobre a construção de UHEs era um tanto contraditório,
visto que algumas foram construídas na região amazônica para a alimentação de
indústrias eletro-intensivas, como as de alumínio (FEARNSIDE, 1999; WERNER,
2012). De fato, Vainer argumenta que naquele período as decisões sobre o
desenvolvimento regional eram tomadas mais pelos planejadores dos macro-setores
(como o energético), do que pelos planejadores regionais (Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, Superintendência do Desenvolvimento do
Amazonas - SUDAM, Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste -
SUDECO) (2007). Como resultado disso, Vainer e Araújo (1992) argumentam que em
34 Isso faz com que estes territórios sejam citados em alguns momentos neste capítulo, mas de forma
geral por preocupações ilustrativas. O detalhamento dos processos relativos à UHE Sobradinho e à
UHE Machadinho acontecerá nos capítulos a seguir.
37
muitos casos estes projetos acabaram se tornando enclaves territoriais, e ao invés da
redução das disparidades, o que houve foi a captura das periferias pelos centros
hegemônicos por meio da associação de capitais envolvidos nos GPI.
Os primeiros desencantos com as Usinas Hidrelétricas
Anteriormente à década de 1970 havia pesquisas esparsas sobre o impacto provocado
pela construção de UHEs, especialmente em projetos de grande porte. O primeiro
movimento na direção de um desencanto por parte de uma instituição de grande porte, e
que realmente colocou a questão dos impactos na agenda se expressa, paradoxalmente,
por meio do Banco Mundial, um típico financiador de projetos desta natureza. Esse
desencanto se materializou, em um primeiro momento no trabalho seminal de Michel
Cernea, Involuntary Resettlement in Development Projects: Policy Guydelines in World
Bank – Financed Projects (1988)35
, que tinha como elemento empírico central a forma
como ocorreu a construção da UHE Sobradinho. Isto teve como motivação o fato de que
esta UHE teve no Banco Mundial um de seus financiadores, e uma sucessão de erros de
projeto, inclusive no que diz respeito ao volume formado do lago, além da violência
com que ocorreu o reassentamento, foram aspectos que provocaram questionamentos
quanto a forma como se davam processos de construção de UHEs. O resultado disso foi
o engajamento do Banco Mundial em uma tentativa de diminuir os questionamentos a
este tipo de investimentos, com especial atenção à melhoria dos processos de
reassentamento.
Um dos desdobramentos mais importantes desse florescimento da questão social em
projetos de infraestrutura são dois relevantes documentos produzidos a respeito dos
impactos da construção de hidrelétricas: Implementing agreement for hydropower
technologies and programmes, da International Energy Agency, (IEA, 1999), e o Dams
and Devlopment, da World Comission on Dams (WCD, 2000), que vieram atender uma
demanda crescente sobre conhecimento a respeito da construção de hidrelétricas.
Amplos, tratam de aspectos sociais, centralmente, e em menor dimensão de questões
ambientais.
35 A título de curiosidade, uma das fotos na abertura do livro é do sítio de construção da barragem de
Sobradinho, ainda chamada de Paulo Afonso IV na época.
38
No caso da IEA, os estudos foram realizados por meio da análise de questionários
aplicados em vinte e oito projetos, predominantemente no hemisfério norte (oito na
Noruega, cinco na Finlândia, quatro no Japão e três no Canadá). No caso da WCD
foram oito estudos de caso, nos EUA, Paquistão, Turquia, Zimbábue, Tailândia,
Noruega, África do Sul e Brasil (UHE Tucuruí). Estes estudos levaram à observação
mais atenta das questões sociais e ambientais, e com isso houve a intensificação da
produção de pesquisas com vistas à compreensão destes impactos, e estes se mostraram
razoavelmente comuns. Pela análise dessa literatura, o que se observa é que há um certo
padrão na incidência dos problemas. Outro ponto comum diz respeito à natureza da
análise, normalmente focada em grupos específicos, e no curto prazo como janela de
tempo para a análise.
Os impactos mais comuns da entrada de uma UHE em um território
Os impactos relatados nos estudos da WCD e IEA são razoavelmente comuns e
relacionados, basicamente, à terra, seja pela perda de posse ou titularidade, ou pela
mudança no fluxo de rios, o que prejudica a agricultura local. O reassentamento forçado
é citado em função da ruptura das redes sociais e também da perda de infraestrutura e do
desemprego decorrente. Há também menções ao impacto econômico por conta da
mudança de uso da terra. E a WCD ainda cita o aprofundamento de problemas
relacionados a gênero, em função do reassentamento forçado. O relatório do IEA, por
sua vez, é um pouco mais otimista com relação à possibilidade de que se concretizem
resultados positivos vindos do processo de construção, e cita como elemento de
mitigação programas de desenvolvimento que envolvam áreas alternativas para a
agricultura e pesca, além de programas de gerenciamento e monitoramento de recursos.
Na literatura geral sobre o tema, o problema mais comum destacado é o do
deslocamento compulsório de populações locais. A população atingida por este impacto
é, normalmente, aquela que se encontra na área que será alagada para a formação do
lago, e tipicamente é constituída de população rural, ribeirinha e pobre (SIGAUD, 1986;
FEARNSIDE, 1999; WCD, 2000; KOCH, 2002; TRUSSART et al., 2002; EGRÉ e
39
SENÉCAL, 2003). Deve-se destacar, também, o impacto em comunidades específicas,
tipicamente minorias, como indígenas, quilombolas, entre outras (FEARNSIDE, 1999;
TRUSSART et al. 2002). A mitigação normalmente ocorre ou pelo ressarcimento
financeiro ou, o que é mais comum, pelo reassentamento do atingido em outra área.
Com o deslocamento compulsório ocorre a desestruturação das relações sociais das
comunidades atingidas e a perda de suas referências territoriais e das suas práticas
tradicionais (SIGAUD, 1986; VIANA, 2003; NOGUEIRA, 2007), e o reassentamento
implica na criação, imposta por um novo território, do estabelecimento de novas
relações, de novas práticas, e com isso ocorrem transformações culturais (SILVA e da
SILVA, 2011). Ocorre, porém, que esta condição nem sempre é aceita (ZHOURI e
OLIVEIRA, 2007; CRUZ e da SILVA, 2010) resultando na tentativa de retorno do
reassentado para seu lugar de origem.
É importante destacar que o ribeirinho não vive o impacto da entrada da barragem
apenas pelo reassentamento. Não são raras as vezes em que ocorre a valorização do
terreno do entorno do lago, seja pela possibilidade de aproveitamento para o turismo
(SILVA, 2012), ou por conta da agricultura irrigada, e as pessoas que não conseguem
comprovar a posse do seu terreno, acabam por sofrer a violência pela ação da grilagem
em suas terras (SIGAUD, 1986)
As alterações no bioma local também são um aspecto significativo relacionado à entrada
da barragem. Isso envolve a mudança nos ciclos dos rios que têm barragens, uma vez
que sua vazão passa a ser controlada, implicando em problemas relacionados à
produção agrícola (VIANA, 2003). Nesse sentido, vale mais uma observação com
relação à importância do acompanhamento em longo prazo dos efeitos das mudanças na
morfologia imposta pela UHE, uma vez que o agricultor pode se adaptar com o tempo à
nova realidade (THOMAS e ADAMS, 1999)36
. Além disso, a formação do lago, se
explorada por grandes produtores agrícolas, pode vir acompanhado uso de produtos
agrotóxicos, o que pode tornar a água do lago imprópria para o consumo, prejudicando a
população local (DUQUÉ, 2010). Por fim, as mudanças ambientais podem resultar
também em graves problemas de saúde em populações locais decorrentes, em especial,
36 Observação estritamente relacionada aos aspectos de produção agrícola.
40
da formação do lago, com a emissão de gases ou proliferação de insetos peçonhentos
(ROSENBERG et al., 1997; FEARNSIDE, 1999; TRUSSART et al., 2002;
ACSELRAD e da SILVA, 2004).
Embora a literatura estrangeira quase não mencione este tema, um problema comum nas
construções no Brasil é o intenso afluxo de pessoas em busca de trabalho no período de
construção da UHE. Nessa situação é comum ocorrer um inchaço no município, que
tipicamente é pequeno e não tem condições de absorver os migrantes, normalmente
resultando em aumento de violência, prostituição, estrangulamento da infraestrutura
pública local que, em geral, já é bastante precária, acarretando problemas relacionados à
saúde pública. Esta situação se agrava após o fim da construção, em função do
desemprego gerado tanto pela obra em si, como por consequência das mudanças de
ocupação durante o processo de construção (p. ex.: aqueles que saem do campo para
aproveitar o comércio, e que depois acabam se tornando desempregadas com o fim da
obra). Também pouco citada é a questão político-administrativa no município que
recebe a UHE, pois em muitos casos “o que ocorre é a captura de determinado espaço
por lógicas e estrutura de poder e de decisão que lhe são estranhas, conformando, em
alguns casos, verdadeiros territórios sob jurisdição do empreendimento" (VAINER e
ARAUJO, 1992, p. 38).
Alguns autores destacam também alguns potenciais impactos37
positivos, como a
mudança na paisagem, que apesar de significar, normalmente, a perda de práticas
tradicionais, pode também trazer a diversificação em novas práticas, e isto é observado,
em especial, no turismo e na piscicultura. Além disso, argumenta-se também como
positivos a infraestrutura, em especial as estradas, muitas vezes construídas para
possibilitar a realização da obra, a regulação do uso d‟água, e os novos empregos diretos
(KOCH, 2002), ou indiretos (FEARNSIDE, 1999).
Ainda que vistos como positivos com relação à entrada de UHE, estes elementos não
necessariamente conduzem a resultados também positivos, em termos distributivos.
37 Talvez soe evidente, mas essas consequências, como o nome supõe, ocorrem após o impacto da
construção, podendo ser consideradas mudanças sociais. Para uma discussão sobre a diferença entre
impacto e mudança social, bem como um review sobre o tema, ver Vanclay (2002).
41
Dados os efeitos já destacados da apropriação dos recursos (grilagem, cooptação
política etc.), o que se observa na literatura é que a partilha dos resultados das novas
oportunidades econômica acaba ainda concentrada, resultando no empobrecimento da
população local e eventual exclusão (SIGAUD, 1986; TRUSSART et al., 2002; SILVA,
2012). E ainda que pouco estudada a questão de gênero, o relatório da World Comission
on Dams, aponta que as mulheres sofrem os maiores custos sociais, sendo muitas vezes
discriminadas no processo de partilha de benefícios (2000). Para Vainer, a entrada da
UHE no território implica na formação de novas dinâmicas socioeconômicas, novos
grupos sociais, novos interesses e novos problemas (2008).
Como forma de diminuir os impactos negativos locais, os instrumentos de compensação
e mitigação são previstos desde a instituição da obrigatoriedade das Análises de
Impactos Ambientais (CONAMA, 1986). Estas medidas são propostas junto aos
Estudos de Impactos Ambientais, e são resultado de análise de equipes
multidisciplinares que procuram compreender de que forma a UHE afetará sua área de
influência. No caso brasileiro, a legislação relativa a este instrumento é criticável, uma
vez que a responsabilidade pelo relatório é da parte interessada na construção
(PIAGENTINI e FAVARETO, 2014). Trussart et al. (2002), por meio da revisão da
literatura sobre impactos, constatam que muito pouco foi produzido sobre a mitigação
dos problemas sociais e ambientais resultantes da construção de barragens. Destacam,
porém, elementos empíricos que foram observados em casos de sucesso na mitigação:
- Distribuir de forma equitativaa participação de organizações locais e regionais;
- Criar fundos gerenciados de forma conjunta de mitigação para impactos
ambientais;
- Desenvolver comitê para o desenvolvimento regional, com stakeholders
econômicos locais;
- Distribuir os contratos de construção de modo que se permita a participação de
pequenas construtoras locais;
- Estimular grandes empresas a utilizar o comércio local para serviços e
suprimentos;
42
- Buscar a contratação de trabalhadores locais para serviços de construção e de
auxílio, e prover treinamento para estes trabalhadores, de modo a aumentar suas
chances de emprego futuro;
- Desenvolver plantas de controle para o fluxo de água onde será construída a
barragem de modo a garantir as necessidades locais;
- Garantir no longo prazo a pesca e irrigação, bem como a infraestrutura de
comércio e serviços associados à barragem;
- Garantir que os atingidos sejam beneficiários das novas formas de
desenvolvimento, garantindo acesso a novas oportunidades de emprego.
A oposição à construção das UHEs
Como oposição direta à construção de UHEs devem ser destacados os movimentos de
atingidos e destes o destaque vai para o Movimento dos Atingidos por Barragens, MAB.
O berço para a formação do MAB foi, justamente, a região do Alto Uruguai, na divisa
entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, quando uma comissão formada por
agricultores locais e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) decidiu pela formação da
Comissão de Barragens38
, com o propósito de defender os interesses dos agricultores
que teriam suas terras submersas pelas UHEs de Itá e Machadinho. Mais adiante esse
movimento daria origem ao movimento organizado em escala nacional. Não é difícil
associar a formação da comissão com a própria Sobradinho e seus impactos, uma vez
que uma comissão local, antes ainda da formação de Comissão de Barragens visitou o
Sertão do São Francisco para compreender o que seria o processo de construção de uma
UHE.
O movimento que deu origem à Comissão de Barragens, no ano de 1979, não é um caso
isolado no período, muito pelo contrário. O período da ditadura militar no Brasil foi de
grande efervescência de movimentos sociais. Vindo em um movimento crescente desde
a década de 1940, especialmente pela atuação do Partido Comunista do Brasil, e pela
formação das Ligas Camponesas e da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas,
na década de 1950 (MEDEIROS, 1989), a luta no campo começou a tomar maior forma.
38 Antes do MAB ainda foi definida como Comissão Regional de Barragens.
43
Em 1975 é criada a Comissão Pastoral da Terra, durante o Encontro de Bispos e
Prelados da Amazônia (vinculada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), com o
propósito de dar suporte à organização dos agricultores (CPT NACIONAL, 2017
Também no começo da década de 1980, surgia o embrião do Movimento dos Sem
Terra. No ano de 1981 centenas de agricultores acamparam em uma região conhecida
como Encruzilhada Natalino, um entroncamento de estradas entre Passo Fundo,
Sarandi, Carazinho e Ronda Alta, no Rio Grande do Sul (MST, 2017)39
. Tanto a
Comissão de Barragens, que depois se tornaria a Comissão Regional dos Atingidos por
Barragens, como o acampamento na Encruzilhada Natalino ficaram marcados como
fortes movimentos de oposição à ditadura.
Esse período da história brasileira foi marcado pela formação e consolidação de
diversos movimentos, especialmente voltados à resistência contra a repressão na
ditadura militar. Movimentos estudantis, o movimento Diretas Já, movimentos rurais e
urbanos, com identidades e demandas próprias, ajudariam a consolidar direitos sociais
logo depois do fim da ditadura, tanto nas demandas destes movimentos como no próprio
direito à participação pública, na constituição de 1988 (GOHN, 2011).
Hoje o MAB apresenta grande diversidade de segmentos representados como
ribeirinhos, pescadores, indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos,
camponeses proprietários ou não de suas terras, e a população urbana atingida pelo
empreendimento, mas que tem na sua identidade, justamente, a relação direta com os
efeitos da UHE (CAETANO DA SILVA, 2012). O MAB atua de diversas formas, mas
destaca-se, em especial, por um primeiro momento de ação contrária à construção da
UHE, usando para tal um repertório que vai de ações para paralisação da obra, até
abaixo-assinados contrários à mesma, passando a atuar pelos direitos dos atingidos
durante e após a construção permanecendo e atuando no município atingido.
A importância da participação dos movimentos é especialmente notada quando se
observa a distância entre os agentes no campo de disputas que é a construção de uma
39 Passo Fundo dista cerca de 84km de Erechim, um dos centros de disputas contra a construção da
UHE Machadinho.
44
UHE. Aqui, os arranjos institucionais, que deveriam promover a ampla participação de
setores da sociedade independente de seu estoque de recursos, acabam por reforçar as
desigualdades estruturais entre estes setores (GALVANESE, 2009)40
. Esta distância
também é evidenciada no processo de participação pública, seja pela racionalidade
diferente entre os agentes, tipicamente ribeirinhos de um lado e representantes do setor
elétrico do outro (ACSELRAD, 2004), ou pelos relatórios elaborados em linguagem
eminentemente técnica, o que pode configurar em instrumento de "limitação de natureza
simbólica" (ZHOURI, 2008), ou ainda, simplesmente pela falta de diálogo entre UHE e
a população que faz uso das águas após sua construção (ROSENBERG et al., 1995;
FAURE, 2003).
Um outro momento de fundamental importância dos movimentos vem quando há
imposição do "nacional" sobre o territorial, ou quando há falta de abertura política, que
pode limitar o processo de participação da população atingida no processo (IP, 1990;
WCD, 2000), ou simplesmente desarticulando-a, ou suprimindo-a, em função do caráter
salvacionista associado a estes empreendimentos (ZHOURI e OLIVEIRA, 2007;
NOGUEIRA, 2007).
Neste sentido, a participação dos movimentos é fundamental, na medida em que oferece
aos indivíduos informação que complementa, ou ainda, que "traduz" as oferecidas pelos
agentes portadores da UHE, bem como promove e dá suporte à participação popular.
Estes dois elementos são fundamentais para que os indivíduos tenham condição de
compreender o significado da entrada da UHE, e para que possam exercer a agência,
buscando aquilo que consideram melhor ante a situação colocada.
2.2 Usinas hidrelétricas e sua relação com regiões interioranas
O estudo da inserção de projetos do porte de UHEs, em territórios, tomados de uma
forma mais ampla, para além do atingido numa perspectiva de longo prazo, constitui um
elemento emergente na literatura mundial. Do que há de produzido, porém, pode-se
40
Magalhães (2009) argumenta, ainda, que o arranjo institucional que rege a construção de UHEs não
responde à questão socioambiental, por incorporar de maneira muito frágil os debates acerca da
construção destas infraestruturas.
45
destacar que, apesar do argumento em favor destas infraestruturas como vetores de
crescimento econômico, não há material empírico que sustente estes argumentos
(FLYVBJERG et al., 2003).
Dentro da literatura nacional alguns trabalhos apresentam evidências positivas da
relação entre indicadores de sociais e econômicos, como o IDH (NERES, 2008)41
, ou
mesmo pelo desenvolvimento de indicadores próprios (FURTADO et al, 2010,
FURTADO e FURTADO, 2011)42
, enquanto alguns buscam estabelecer diretamente
uma relação entre a compensação financeira e o desempenho positivo de municípios
atingidos (SILVA, 2007)43
. Estas pesquisas, no entanto, não oferecem uma explicação
sobre qual foi a influência específica das UHEs nos indicadores verificados, ou, mais
precisamente, não tratam da forma como as UHEs afetaram suas morfologias, de modo
a influenciar, ou mesmo conduzir, aos desempenhos destacados.
É nesse espaço que esta tese pretende se colocar: o de sair das variáveis-resultado, para
a compreensão do processo que leva aos resultados. Ou seja, ao invés de apontar
indicadores relacionando-os com os territórios que possuem UHE, buscar compreender
de que forma a entrada desta influenciou a obtenção destes resultados. Mais que isso,
compreender o papel do próprio território neste processo, ou seja, de que forma sua
morfologia se apropriou do choque, refratando determinadas mudanças e assimilando
outras.
41 Neres (2008) realiza a análise dos impactos ambientais da entrada de hidrelétricas na bacia do Rio
Tocantins, por meio de imagens de satélite, e utiliza dados socioeconômicos e demográficos para
avaliar se houve ou não melhoria nas condições de bem-estar nos municípios analisados. De modo
geral, tomando-se o IDHM de 1991 e 2000, o autor aponta melhoria nestes indicadores nos
municípios, mas esta análise é feita apenas sobre os municípios atingidos, e não envolve a
comparação com outros municípios na região. 42
Os autores desenvolvem o Índice de Desenvolvimento Local Sustentável, dentro do contexto de
pesquisa denominada Avaliação dos Efeitos de Usinas Hidrelétricas sobre o Desenvolvimento
Socioeconômico dos Municípios Diretamente Afetados, e o aplicam para determinar, de forma
comparativa, se os municípios diretamente afetados apresentavam vantagens neste indicador sobre
municípios da mesma região não afetados. Realizaram sua pesquisa com base nas UHEs Tucuruí,
Xingó, Serrada Mesa, Nova Ponte e Itá. Com base neste indicador determinaram que em três dos
cinco casos estudados os municípios diretamente afetados apresentaram melhor desempenho.
43 Silva (2007), por sua vez, analisa a importância da compensação financeira para os municípios
atingidos, e toma como estudo de caso os atingidos pela UHE Tucuruí, usando dados
socioeconômicos do período 1991-2000. A autora, de forma prudente, não conclui em favor da
melhoria dos indicadores em função da compensação, mas apresenta duas constatações importantes,
que são (1) o fato de que os municípios que destinaram a maior parte da sua receita a investimentos
em infraestrutura são os que tiveram melhor desempenho, e (2) onde o peso da compensação
financeira na receita municipal é maior, também é melhor o desempenho nos índices
46
Se o resultado de uma UHE não pode ser determinado de forma direta apenas pela sua
construção, e mais determinante que uma infraestrutura em um território é o conjunto de
instituições que governam as relações neste, como determinar, então, o quanto uma
UHE pode influenciar o desenvolvimento deste território? A resposta está na forma
como a UHE interfere, ou induz mudanças, no conjunto de instituições do território e,
da mesma forma, como estruturas sociais locais interagem com esta indução. Da síntese
deste enfrentamento emergem os resultados efetivos no plano territorial. Se o processo
de entrada desta infraestrutura e sua absorção e redirecionamento pelo território forem
capazes de induzir mudanças institucionais na direção de instituições inclusivas
(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012), e mais, de desconcentrar o poder e diversificar as
atividades, pode-se supor uma razoável chance de que o território encontre caminhos
para usar este choque exógeno como motor de dinamização e coesão territorial. Do
contrário, as chances são pequenas e devem prevalecer os impactos negativos tão
enfatizados pela literatura.
Mas como compreender as interdependências entre a UHE e conjunto de instituições
políticas e econômicas do território? Aqui deve-se ter em conta dois fatores: o fato de
que a UHE é apenas um elemento que contribui com mudanças na morfologia social do
território e que também é apenas um elemento que faz parte de sua dinâmica e, por isso
mesmo, as instituições atuais que governam os territórios são resultado de diversos
fatores além da UHE e exercem papel ativo na forma de receber este choque exógeno.
Em uma palavra, tomar a relação entre UHE e territórios nestes termos significa evitar a
tendência a tomar o território como passivo e, em vez disso, buscar compreender as
relações vivas entre forças sociais e instituições locais e a interferência externa
desencadeada com a chegada destes grandes projetos de investimento.
Os territórios aqui em análise, Sertão do São Francisco e Alto Rio Uruguai, começaram
a sentir as interferências das suas respectivas hidrelétricas ainda na década de 1970.
São, portanto, quase cinquenta anos de vivência do conflito socioambiental
desencadeado com as UHEs e que afetaram a atual morfologia social destes territórios
em direção ainda pouco ou nada conhecida. O primeiro fator neste período,
47
evidentemente foi a retórica desenvolvimentista e seu padrão de intervenção sobre o
território nacional. Mas além destes, outros promoveram significativas mudanças.
As mudanças no contexto nacional
O primeiro movimento a ser destacado veio da Constituição Federal de 1988 (CF/88),
que trouxe mudanças significativas, dentre elas a constitucionalização dos direitos ao
acesso à saúde e à educação, que trouxe para o Estado o dever de prover a todo
indivíduo estas liberdades, o reconhecimento do município como ente da federação, o
que resulta no fato de que os municípios passaram a ter mais atribuições e obrigações
(especialmente relacionadas à descentralização da saúde e da educação), além do acesso
à previdência garantido ao trabalhador rural, à assistência social e, por fim, de forma um
pouco mais específica para a problemática aqui apresentada, a Compensação Financeira
pela Utilização dos Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica.
Um ponto importante da CF/88, que afeta especialmente os municípios que possuem
área alagada pelas UHEs de Sobradinho e Machadinho, é a Compensação Financeira
pela Utilização de Recursos Hídricos para Fins de Geração de Energia Elétrica, que
garantiu aos municípios e estados onde é produzida energia elétrica por meio de
hidrelétricas, ou que foram afetados por barragens, 6% do valor gerado, na forma de
compensação. Em casos como o da UHE de Sobradinho, onde há mais de um município
atingido pela barragem, fixou-se que a parcela recebida por cada um seria proporcional
à sua área alagada. Dos municípios que recebem, o maior valor recebido é o de Sento
Sé, aproximadamente 40%, seguido de Casa Nova e Remanso. Pilão Arcado e
Sobradinho recebem os menores valores, sendo o de Pilão Arcado aproximadamente
9,5%, e Sobradinho, 1,2%. No caso da UHE de Machadinho, do lado gaúcho da
barragem, Machadinho tem percentual de participação de aproximadamente 29,6%,
Barracão, 12,4%, Maximiliano de Almeida, 9,3% e Pinhal da Serra, 1,6%.
A década de 1990 viu, ainda que de forma tímida, o surgimento de programas voltados
à proteção social, como o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER),
PROGER Rural, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
48
(Pronaf), o Programa de Desenvolvimento Energético de Estados e Municípios
(PRODEEM) entre outros.
Uma mudança significativa viria a partir da década de 2000, especialmente pelo
fortalecimento dos programas sociais. Primeiro com o Programa Fome Zero, na sua
sequência com o Programa Bolsa Família e depois com o conjunto de ações que
englobam o Programa Brasil Sem Miséria, houve significativa ampliação na
abrangência de programas sociais, o que resultou em uma impactante diminuição da
pobreza. Além disso, a valorização do salário mínimo, cujo impacto pode ser sentido
positivamente pela população rural em função da previdência social, e o aumento da
oferta de crédito, potencializou os setores de comércio e serviços de pequenos
municípios (FAVARETO et al. 2015)
O sucesso desse processo de aumento de direitos pode ser observado pela expressiva
redução na pobreza em todo território nacional. No que diz respeito à desigualdade,
porém, sua redução foi mais tímida, sendo considerável o número de municípios em que
ocorreu o aumento da desigualdade (FAVARETO et al., 2014). O problema é que esses
indicadores não se distribuíram de forma homogênea, pelo contrário, houve grande
heterogeneidade na forma como se deram estes avanços da década de 2000, e isto tanto
no que diz respeito às regiões brasileiras, com as regiões Norte e Centro-Oeste
apresentando resultados aquém das demais, com relação às regiões rurais também um
tanto aquém das urbanas.
Todos esses fatores influenciam a morfologia social do território, além da própria UHE,
fazendo com que uma medida direta do resultado das instituições locais não reflita
somente a influência desta infraestrutura.
O território, as instituições e a UHE
Como já destacado, uma das formas de induzir o processo de mudança institucional é o
desbalanço na distribuição dos recursos obtidos por meio da estrutura econômica. Este
pode produzir um desequilíbrio na distribuição de poder político de facto, que por sua
49
vez, pode induzir mudança nas instituições na direção de um novo equilíbrio na
distribuição dos resultados econômicos. E a UHE pode provocar o desequilíbrio na
estrutura de poder? Tomando novamente o framework proposto por Acemoglu et al.
(2002) (figura 1.1), a forma mais evidente é pela geração de novas formas de renda, o
que pode implicar em uma nova distribuição dos recursos resultantes da nova estrutura
econômica. Não tão evidente pela leitura do framework, mas um motivo claro pela
leitura dos efeitos da entrada da UHE, é a mudança direta na estrutura de poder político
local, propiciada pela ascensão de novos agentes, e pela formação de novas coalizões.
A mudança na paisagem, em especial pela construção da barragem, significa a perda de
práticas, como a agricultura ou a pesca. Isto implica na perda, tipicamente, da fonte de
renda do atingido, mas não raro, também na fonte direta de alimento. O resultado não é
outro senão a perda de liberdades básicas, como pela fome, ou ainda, a imposição de
limitações ao acesso a mercados. Das mudanças também surgem outras formas de
renda, como o turismo, por exemplo, mas essa mudança não é trivial, e exige dos
agentes envolvidos certo capital, em especial cultural e econômico, indicando que a
apropriação de novas formas de produção pode ocorrer ainda de forma desigual, em
especial por aqueles que possuam maior estoque destes capitais.
Outra forma de incentivo à mudança institucional pode vir das tensões resultantes do
desacordo entre as instituições e o habitus, por exemplo, quando o agente é obrigado a
mudar de lugar, sujeito a um novo meio social, ou ainda, pela modificação do espaço
físico apropriado44
(BOURDIEU, 1977), incentivando o questionamento e o conflito.
Aqui cabe a questão do reassentamento de populações para que possa ser criado o
reservatório da UHE. O território é um espaço físico apropriado, o habitat45
, muitas
vezes um reflexo do que é o próprio campo (BOURDIEU, 2013). O reassentamento
significa a desconstrução dos campos relativos ao território de origem, significa a perda
da posição para os agentes, das relações estabelecidas entre as posições de seus vizinhos
e outros agentes com quem se relaciona e, de certa forma, um abalo para as disposições
44 Espaço físico apropriado, segundo Bourdieu, “é definido […] pela correspondência entre uma
determinada ordem de coexistência dos agentes e uma determinada ordem de coexistência das
propriedades” (BOURDIEU, 2013).
45 Um habitat é um lugar físico socialmente qualificado (BOURDIEU, 2013).
50
relacionadas à antiga distribuição espacial. O novo habitat, representa um novo
aprendizado para os agentes, sendo que a nova distribuição espacial pode implicar em
uma mudança física na proximidade entre agentes, em novos espaços a serem
significados. A nova moradia, por sua vez, pode implicar na origem de novos elementos
de distinção entre classes, e, talvez, na própria relação entre aqueles que residem na casa
(BOURDIEU, 1977). Por esse conflito não são raras as vezes em que reassentamentos
resultam em fracasso, com parte da população reassentada retornando para local
próximo de sua antiga residência.
A migração em massa em busca do trabalho temporário, por sua vez, pode, também,
desconstruir o espaço apropriado nos locais não afetados pela barragem, mas não pela
mudança física do local, e sim pela entrada dos novos agentes e de tudo o que pode
resultar na sua entrada maciça. O aumento na violência, a concorrência pelos serviços,
são elementos que podem inculcar nos agentes locais uma visão negativa da construção
da UHE. Por sua vez, a UHE pode também representar uma troca de capitais,
eventualmente apresentando aos agentes antigos novas aspirações. Um exemplo disso é
a própria prática de comércio temporário, que traz para o agente que a realiza o
aprendizado e as disposições relativas da nova prática, além da possibilidade do
aumento do seu capital cultural e econômico, aqui pela prática. Na saída dos migrantes,
porém, resta um espaço que já não é mais o anterior, que talvez não tenha sido sequer
adequado aos novos agentes, e que será novamente desconstruído, e reconstruído por
aqueles que ficaram.
Também o questionamento de grupos dominados pode prover incentivos para mudança,
sendo que neste sentido mostram-se valiosos os movimentos sociais, as coalizões, e as
redes públicas (BEBBINGTON et al., 2008), em especial pelo inculcamento da
necessidade de mudança desta condição. De fato, por toda a violência simbólica à qual
os agentes são sujeitos, inclusive nas audiências públicas, pode provocar em alguns o
desejo da ação, da luta pelos direitos. Isso pode resultar em incentivo para a formação
de ações coletivas, que por sua vez podem resultar em movimentos sociais, ainda em
associações, cooperativas, que tratem dos interesses específicos dos grupos, sendo
51
possível, inclusive, sua representação em escala política, por meio da luta pelo aumento
do seu capital político46
.
Estas três últimas situações estão intimamente relacionadas ao processo de percolação,
ou o quanto o território refrata ou absorve destas situações, e ainda, nas possibilidades
abertas para mudanças nos comportamentos dos agentes, especialmente pelos conflitos,
pela possibilidade de desenvolvimento de aspirações improváveis antes da entrada da
UHE, como forma de rompimento com o processo de reprodução no qual o agente se
inscreve. E nessa relação entre o território e a UHE é de se esperar que resultem em
mudanças na configuração territorial. A mudança institucional, no entanto, como já
destacado, dependerá do quanto estas mudanças são capazes de impor modificações na
distribuição de poder político de facto no território, ou ainda, mudanças nas
componentes territoriais determinantes para o desenvolvimento apontadas por Berdegué
et al. (2015).
O que se observa pela primeira seção é que mesmo estes elementos não podem ser
entendidos de forma causal, sendo os resultados da entrada da UHE na configuração
territorial diversos, como pela possibilidade da mudança de sua estrutura produtiva, ou
da sua organização social, por exemplo. Mas é justamente essa diversidade que
interessa, e que se propõe que explique a participação das UHEs nos resultados diversos
de desempenho dos seus territórios. Ora, se o território que recebeu a UHE logrou
promover mudanças na sua configuração territorial, de modo a induzir a diversificação
das atividades produtivas, e desconcentrar o poder político local, é natural que ocorrem
também as mudanças institucionais. No entanto, se não houve a diversificação das
atividades produtivas, e ainda houve a manutenção do poder local, é natural que se
mantenha o status quo.
O quanto esta configuração será afetada ou não depende da forma como se dá a
percolação deste território na sua relação com a UHE. E a percolação, por sua vez,
46 Essa relação entre a exploração de recursos naturais, formação de ações coletivas, e a dinâmica
territorial não é muito explorada na literatura, mas seu valor pode ser observado de forma empírica na
exploração de gás natural na Bolívia, mais especificamente em Tarija, onde os grupos de ações
sociais são relevantes e atuantes na sua dinâmica (HINOJOSA, 2012).
52
depende da configuração territorial anterior à construção da UHE. Por isso o que se
defende nesta tese é a importância da configuração territorial anterior ao processo de
entrada da UHE como um elemento determinante para a forma como esta infraestrutura
pode influenciar seus resultados em termos de crescimento e bem-estar. Esta terá papel
fundamental em como se dará o processo de percolação. Ainda, como pode ser
observado na seção anterior, um território normalmente é sujeito historicamente a
fatores exógenos de diversas naturezas, o que significa que seus indicadores de bem-
estar não podem ser creditados exclusivamente à entrada da UHE, portanto defende-se
que aqui o olhar seja direcionado para mudanças na morfologia social do território, bem
como na trajetória dos agentes.
Assim, mais desconcentrada a distribuição de poder, maiores as chances de formação de
coalizões amplas, com condições de influenciar o processo de entrada da UHE, de modo
a que a percolação ocorra de forma positiva ao território, especialmente pela formação
de novas oportunidades econômicas e sociais, proporcionando, inclusive, a formação de
novas aspirações em seus agentes, e seguindo na direção de maior coesão territorial.
Desta forma, o resultado esperado é que a entrada da UHE possa efetivamente
contribuir para a ampliação das liberdades dos agentes locais. No sentido inverso,
quanto mais concentrado o poder local, maiores as possibilidades de que interesses de
grupos reduzidos prevaleça, o que implica em grandes chances de que na percolação os
impactos negativos sejam negligenciados, enquanto aqueles elementos que possam
significar a geração de novas forma de renda podem continuar concentrados em poucos
agentes, ou mesmo perdidos pela pouca condição de aproveitamento das elites locais.
Síntese
Antes celebradas como indutoras do desenvolvimento, as UHEs começaram a passar
por um processo de desencanto a partir da década de 1970, com a observação dos
impactos negativos motivados por negligência e sucessivos erros quando da sua entrada
em um território. A emergência das questões social e ambiental na construção de
barragens motivou o surgimento de uma literatura voltada aos efeitos da sua construção,
que destacaram questões fundamentais sobre o processo de desconstrução e
53
reconstrução dos territórios atingidos, a violência simbólica envolvida no processo, os
impactos no bioma local, e mesmo efeitos potencialmente positivos, entre outros. Deste
processo derivaram, por sua vez, o desenvolvimento de instrumentos com foco na
mitigação de seus impactos, como os Estudos de Impactos Ambientais, bem como o
surgimento de movimentos voltados ao suporte ao atingido.
Essa literatura é ampla e rica no registro e na compreensão de impactos, mas peca por
normalmente limitar seu escopo ao atingido, e tipicamente em momentos imediatamente
posteriores à sua construção. Uma literatura mais voltada para a compreensão dos
efeitos da entrada de uma UHE no desenvolvimento do território ainda é recente. Mais
que isso, essa literatura acaba por buscar relacionar indicadores com a presença da
UHE, sem que se busque compreender qual o papel, de fato, do território nesse
desempenho.
Um olhar sobre essa mesma literatura, agora sob a ótica do referencial teórico utilizado,
permite observar que o território não é um agente meramente passivo no processo de
entrada da UHE, mas é sim capaz de refratar ou absorver determinados efeitos de
acordo com as características de sua configuração, de modo a efetivamente influenciar
os resultados da entrada. Nesse sentido, em uma configuração territorial, quanto menos
concentrada a distribuição de poder, maiores as chances de que se forme uma coalizão
ampla, e que o processo de percolação seja guiado por múltiplos interesses, aumentando
assim as chances de a entrada da UHE contribua para a coesão territorial. No sentido
oposto, no caso em que a configuração apresenta o poder mais concentrado, há a
tendência de que a percolação seja guiada por interesses pessoais, o que aumenta as
chances de que as oportunidades geradas pela infraestrutura sejam apropriadas por
poucos, e que os impactos negativos sejam negligenciados.
54
3. O SERTÃO DO SÃO FRANCISCO
Quando se pensou a barragem de Sobradinho o intuito principal era controlar o fluxo de
água para o complexo de Paulo Afonso. Somente em um segundo momento o projeto
foi adaptado para transformá-la em uma hidrelétrica. Se a hidrelétrica não foi desde o
início algo inteiramente planejado, o impacto de sua barragem, se pode dizer, não era
desconhecido. E não sairia barato. Nem para os atingidos, nem para a história
subsequente da construção de Usinas Hidrelétricas. Por conta da forma como aconteceu
sua construção, Sobradinho virou marco, e referência das más práticas de tratamento de
temas sociais em grandes projetos de infraestrutura.
Neste capítulo é apresentado um olhar circunstanciado sobre a região do Sertão do São
Francisco, no seu lado baiano, e sobre o processo de construção da UHE Sobradinho.
Aqui pretende-se, por meio da reconstrução histórica do território, demonstrar como sua
configuração anterior à construção da UHE foi determinante para um processo de
percolação pouco inclusivo que, apesar de ter afetado as trajetórias sociais de diversos
agentes, não logrou representar oportunidades efetivas para o fortalecimento da coesão
social local.
3.1 A formação social do Sertão do São Francisco
As primeiras investidas portuguesas no território do Sertão do São Francisco ocorreram
por meio das bandeiras, que tinham por objetivo explorar o sertão com vistas à sua
ocupação, captura de mão de obra indígena e descoberta de metais preciosos. A região
era uma concessão à Casa da Torre, da família D'Ávila, e começou a ser explorada, de
fato, a partir de 1640, por meio da pecuária, que constituiu um fundamental setor
inorgânico da economia açucareira, principal atividade produtiva do Brasil Colônia
naquele período47
.
47 Esta subseção, bem como outras partes deste capítulo, se fundamenta no artigo "Metamorfoses da
dominação nos territórios rurais - qual a extensão das mudanças recentes nas regiões interioranas
do Brasil contemporâneo?" (FAVARETO et al., 2015b), que traz reflexão sobre os resultados da
pesquisa realizada no Sertão do São Francisco, da qual este doutorando faz parte. Neste artigo busca-
se compreender o processo de metamorfose no Sertão do São Francisco numa perspectiva ampla,
considerando diversos pontos notáveis na trajetória social deste território, como o desenvolvimento
55
Quem primeiro se estabeleceu na região com esse propósito de exploração foi o
vaqueiro, geralmente indígena catequizado, e dada a forma de organização da pecuária
local, vivia em completo isolamento. A forma de organização da produção, neste
período, foi o da pecuária extensiva, sem delimitação de terrenos, com o gado sendo
criado solto e misturado entre as propriedades, diferenciados apenas pela marca do
ferrão de cada proprietário. No seu isolamento, o vaqueiro levava vida de subsistência,
dispondo de pequenas criações para sobrevivência, mantido sob coação constante do
senhor das terras, nesse caso a Família D‟Ávila, que mantinha um conjunto de currais
da região, mas que era ausente das terras, representados por procuradores
(GONÇALVES, 1997).
Desta forma, aconteceria nesse período a gênese de uma estrutura vertical,
hierarquizada e rígida de dominação, sendo na época constituída por figuras típicas da
vida sertaneja: Senhor (Casa da Torre), fazendeiro-procurador, fazendeiro (eventual e
pequeno que pudesse ter terras no local) e o vaqueiro. Também nessa época começou a
se consolidar um núcleo populacional denominado “passagem do Joazeiro” (este nome
é dado à região em ambas as margens do São Francisco), como importante ponto de
passagem de boiada, surgindo ali pequenos e simples comércios e serviços.
Em 1699, Portugal visando estimular o povoamento, inclusive nesta região, promulgou
Lei Régia que obrigou que as terras que não estivessem efetivamente ocupadas pelos
seus fazendeiros fossem devolvidas. Esta lei foi amplamente desrespeitada pela Casa da
Torre, mas proporcionou as primeiras vindas de migrantes para a região. Estes
migrantes acabaram por viver em situação de isolamento semelhante à do vaqueiro.
Também era constante a rotina de violência na região, com os procuradores da Casa da
Torre se impondo sobre os outros fazendeiros. Já em meados século XVIII ocorreu o
do Polo de fruticultura Petrolina-Juazeiro, o processo de expansão das liberdades iniciado a partir da
Constituição Federal de 1988 e ampliado pela política social desenvolvimentista da década de 2000, e
pela própria UHE Sobradinho. Esta tese, como já destacado, deriva desta pesquisa, mas pretende
analisar a contribuição de um fator exógeno específico no processo de metamorfose do território, por
isso houve uma adaptação do referencial teórico proposto em Favareto et al. (2015a), e o
desenvolvimento de uma metodologia específica para esta pesquisa. Este ponto é importante também
pelo fato de no Alto Uruguai esta pesquisa não conta com uma análise ampla com a mesma proposta
desenvolvida em Favareto et al. (2015b).
56
afastamento da Casa da Torre e a intensificação do poder de seus procuradores. Dada a
distância e a dificuldade em se impor na região, o governador escolhia entre os
fazendeiros mais fortes aqueles que nomearia oficiais, capitão-mor e coronel-mor,
responsáveis pela ordem local (GONÇALVES, 1997)
Com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, e a
concorrência da pecuária com Minas Gerais, começou um longo período de isolamento
na região. Isso resultou no abandono de muitas fazendas. No fim século XVIII e começo
do XIX, começa um novo momento de migração. Também nesse período, iniciou-se a
ampliação da navegação pelo rio São Francisco, consolidando outro importante
elemento da estrutura local, que já contava com os personagens típicos da figura da
fazenda (o coronel, o fazendeiro e o vaqueiro), o morador da margem do rio, o
beradeiro, que aproveitava dos ciclos do rio para a agricultura de subsistência. Este
último participou ativamente do comércio fazendo a troca de produtos dos quais
necessitava por produtos da agricultura que produzia (MELLO, 1989; GONÇALVES,
1997).
As primeiras décadas da República marcaram o reconhecimento em nível nacional da
figura dos coronéis locais como figuras de poder na região, especialmente por sua
participação em confrontos contra a Coluna Prestes e contra o governador eleito, J. J.
Seabra. Nessa época, Pilão Arcado e Remanso estavam sob o controle de uma família
que tinha ramificações em Salvador. O poder em Sento Sé, de família homônima, estava
restrito ao município, se expandindo apenas na forma de coalizões ocasionais, quando
fosse necessário. Casa Nova estabeleceu relações próximas a Juazeiro e, ao contrário
das outras, a família dominante tinha nas soluções jurídicas a estratégia e a preferência
para resolver desavenças. Além disso, as famílias dominantes em Casa Nova foram as
únicas a optar pela diversificação de suas atividades, contanto com investimentos na
pecuária, no comércio e na navegação. Juazeiro, naquela época, não tinha uma família
dominante, mas sim algumas, com força aparentemente equilibrada, o que tornava
necessário buscar alternativas outras que não apenas a violência física para a solução de
conflitos (MELLO, 1989).
57
A região se desenvolveu acompanhada de significativa pobreza, sempre impulsionada
por períodos de seca. Com o desenvolvimento da Comissão do Vale do São Francisco,
em 1948, teve início um ciclo de projetos voltados ao alívio da seca e à irrigação com
fins de produção. Petrolina e Juazeiro já se beneficiaram, ainda que de forma simples,
de sistemas de irrigação na primeira metade do século XX. Apesar disso, a dificuldade
imposta pelo restrito acesso à terra e a dificuldade no escoamento da produção
impediam o desenvolvimento da fruticultura (KAWAMURA et al., 2013).
A SUDENE48
realizou na década de 1960 os primeiros estudos sobre os recursos
naturais na região, o que deu origem aos primeiros perímetros irrigados. A partir da
década de 1970 essa experiência começou a se difundir, especialmente com culturas
como tomate, melancia e também a uva (SILVA, 2001). Destacou-se nesse processo a
participação de agentes externos ligados à agricultura, que exerceram papel importante
na introdução de novos produtos, como a vitivinicultura, trazida por estrangeiros, ou por
descendentes de japoneses que instalaram uma base da Cooperativa Agrícola de Cotia
(KAWAMURA et al., 2013). Como destaca Silva (2003, p.80), a atuação conjunta da
Sudene, Codevasf49
e outros agentes foi a base para a transformação produtiva,
impulsionando a ascensão da hoje conhecida fruticultura local. Em tal processo, resta
evidente o caráter exógeno da dinamização que viria a se estabelecer ali, tornando o
polo de Petrolina e Juazeiro um exemplo das novas formações econômicas nordestinas
do período (BACELAR, 2002).
Ocorre, porém, que estes investimentos se concentraram mais no Polo Petrolina-
Juazeiro, e pouco se difundiram para o entorno destes dois municípios. Daqueles,
apenas Casa Nova aproveitou parte dos projetos de irrigação deste período, fazendo
parte do Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Por lá se desenvolveu a vitivinicultura, a partir
de 1985, trazida para região também por migrantes japoneses.
48
SUDENE, Superintendência para o desenvolvimento do Nordeste.
49 Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Sucedeu a Superintendência do Vale do
São Francisco e, antes desta, a já citada Comissão do Vale do São Francisco. Hoje agrega-se ao nome
"do Paraíba", indicando a sua abrangência de atuação.
58
Pouco após a constituição do Polo Petrolina-Juazeiro veio a construção da UHE
Sobradinho, que será destacada na subseção a seguir. Estes dois investimentos na
região, associados a um processo mais amplo de ampliação de liberdades a partir do fim
do período ditatorial, tiveram influência no território, em sua configuração. Favareto et
al. (2015b), em um olhar amplo sob todo o território do Sertão do São Francisco, aponta
quatro aspectos que indicam sua metamorfose, que são (1) a constituição de agentes
coletivos capazes de espelhar os interesses das populações mais pobres, (2) a radical
diminuição do poder das famílias tradicionais, que é a base tradicional de dominação,
especialmente pelo acesso a direitos e pela geração de novas oportunidades econômicas,
(3) a constituição de novas elites nestes territórios e (4) uma distribuição um tanto maior
dos capitais, antes fortemente concentrados nas elites tradicionais.
Ocorre, porém, que ainda há certa concentração fundiária no território. Este elemento
ainda impede uma plena transformação do território na direção de instituições políticas
e econômicas mais inclusivas, ou de uma Sociedade de Acesso Aberto, nos termos de
North, Wallis e Weingast, na medida em que, sendo um elemento constitutivo do
território, ainda preserva certo poder às antigas elites, e pelo fato de que por não ocorrer
a melhor distribuição fundiária, não se logrou uma transformação na estrutura
produtiva.
Estes elementos, adiantados aqui de Favareto et al. (2015b), constituem o ponto de
chegada para a análise que segue sobre o papel da UHE Sobradinho, em sua relação
com o Sertão do São Francisco, na atual configuração deste território. É o papel da UHE
Sobradinho nessas transformações e permanências, que esta pesquisa pretende
investigar. O caminho percorrido naquela análise será em parte reconstituído aqui,
sendo resgatadas evidências e análises, na medida em que permitem compreender o
processo de percolação entre a entrada da UHE, e sua contribuição para esta atual
configuração territorial.
Para tanto, nas seções seguintes serão apresentados o processo de construção da UHE de
Sobradinho, destacando-se nele a visão das elites locais sobre este processo e de seus
efeitos, além da resistência à forma como ocorreu a entrada, que pouco pode fazer
59
contra seu destino. A atual configuração do território do Sertão do São Francisco, será
analisada na sequência, observando-se o desempenho atual em temos de bem-estar
local, a forma como as elites locais metamorfosearam desde o período anterior à
construção da UHE, bem como a estrutura produtiva local. E, por fim, a participação da
UHE Sobradinho neste processo50
.
3.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho
A visão de “integrador” dada ao Rio São Francisco, na década de 1930, com o tempo
perdeu força e o rio passou a ser visto predominantemente pelo seu potencial de geração
de energia. O primeiro movimento nesse sentido foi a construção do complexo de Paulo
Afonso, no Baixo São Francisco. Essa tendência ganhou força e, de certa forma, virou
diretriz, com a entrada do regime militar, motivado pela crise do petróleo e por uma
tendência na divisão internacional do trabalho, com países desenvolvidos assumindo a
condição de desenvolvedores em empreitadas estratégicas, e países em desenvolvimento
atuando como fornecedores de matéria-prima (ROCHA, 2005).
Apesar dessa tendência, no final da década de 1960, a Codevasf passou a investir em
sistemas de irrigação, tendo desenvolvido áreas experimentais de irrigação (em 1963 e
1964) e dando início à vitivinicultura em 1969. A produção principal ainda era, na
época, o cultivo de mandioca, milho (SILVA, 2001). Esta intervenção envolveu,
inclusive, a desapropriação de terras para a agricultura irrigada, criando “perímetros
públicos de irrigação” (DAMIANI, 2003; DOURADO et al., 2006).
Nesse meio tempo Sobradinho começou a ser planejada e desenvolvida, tendo como
propósito inicial a regulação das águas para alimentação do complexo de Paulo Afonso,
no final da década de 1960. Sua construção começou no ano de 1973. Com o objetivo
de diminuir a dependência do petróleo, o projeto foi modificado em 1974 de modo a
50 Optou-se por essa estrutura, com o resgate de parte da análise anterior, pelo fato de não há análise
equivalente para a relação entre a UHE Machadinho e o Alto Uruguai, e desta forma ficam
padronizados os capítulos relativos a estas UHEs. É importante destacar, porém, que aqui o
município de Canudos não é analisado, como foi feito em Favareto et al. (2015b), sendo a ênfase
dada aos municípios que foram diretamente afetados pela constituição da barragem.
60
acrescentar geradores na barragem, tornando-a uma UHE. O represamento começou em
1976, e a UHE começou a produzir energia em 1979 (SIGAUD, 1986).
Não houve uma consulta ampla à população, participando destas basicamente a
população urbana e alguns agricultores com melhor condição financeira (SIGAUD,
1986), e a construção da UHE teve apoio da maioria dos políticos e das principais
famílias das cidades atingidas. De fato, tanto em Sento Sé como em Casa Nova,
representantes das famílias foram nomeados prefeitos, uma vez que a região se tornou
Área de Segurança Nacional. Em Sento Sé, Demóstenes Sento-Sé foi mantido prefeito e
em Casa Nova Adolfo Vianna de Castro foi nomeado. Além disso, em Sento Sé, Jayro
Sento-Sé era funcionário da CHESF, e Adolfo Vianna de Castro era funcionário da
DERBA, além de ser primo do Senador Luiz Vianna, e irmão do Presidente da
Assembleia Legislativa da Bahia, Honorato Vianna (SILVA, 2009), e ambos
trabalharam ativamente no processo de entrada da barragem51
.
Em Sento Sé o apoio foi total à construção (BRAGA, 2014), já em Casa Nova, Siqueira
argumenta por certa ambiguidade (1992), mas ainda assim, não há registro de oposição
de fato à construção da UHE. A única oposição observada diz respeito ao deslocamento
de reassentados das áreas rurais para outros municípios, mais especificamente para o
município de Bom Jesus da Lapa, para o Projeto Especial de Colonização (PEC) Serra
do Ramalho, mas este seria motivado por conta do Fundo de Participação dos
Municípios, sendo que a perda de população implicaria em prejuízo destes municípios
com relação ao fundo (SILVA, 2009).
De fato, houve pouca resistência por parte da população, em especial rural, com relação
à construção da barragem. A resistência maior, como será destacado a seguir, foi contra
o deslocamento, especialmente pela falta de compreensão dos atingidos com relação aos
efeitos do enchimento da barragem. Parte deste desconhecimento pode ser creditado à
falta ou imprecisão de informações por parte da CHESF. Os atingidos tiveram como
ponto de apoio, basicamente, a igreja católica, por meio da atuação de membros da
Comissão Pastoral da Terra e parte dos funcionários ligados à construção da barragem,
51 Um dos relatos dá conta de que Adolfo Vianna de Castro, inclusive, desenvolveu a distribuição
espacial urbana da nova Casa Nova.
61
que por vezes passavam informações sigilosas, e pelos Sindicatos Rurais, cuja atuação
foi mais de denúncia (SIGAUD, 1986).
O apoio da igreja, no entanto, veio de forma tardia. Ela própria via a construção da
barragem como um vetor para o desenvolvimento. Esse quadro começou a mudar
quando Dom José Rodrigues de Souza assumiu a Diocese de Juazeiro, em 1975, e esta
passou a assumir uma posição crítica com relação ao tratamento dado à população rural.
Em 1977 foi criada a Comissão Pastoral da Terra de Juazeiro, que passaria a atuar em
duas frentes, a do acionamento da justiça contra ações ilegais relativas à terra, e a de
educação com a população rural (SILVA, 2009).
Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, tiveram suas sedes alagadas, precisando
ser deslocadas. Juazeiro e Xique-Xique também foram afetadas, mas em menor escala.
Segundo os dados oficiais da CHESF, o número de deslocados foi de 60.000, enquanto
que para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) esse número
chegava a 72.000. Esse número representava 77% da população local, sendo que 80%
destes se dedicavam à agropecuária (SIGAUD, 1986).
As porções urbanas de Sento Sé, Remanso, Pilão Arcado e Casa Nova, foram
reassentadas em novas sedes, dentro dos próprios municípios. Essa parcela representava
cerca de 20% dos atingidos. Já a porção rural, 80% dos atingidos, teve destino diverso.
O deslocamento foi compulsório, sendo os atingidos deslocados para locais como
Quixaba, na “nova” Sento Sé (LIMA, 2004), ou na PEC Serra do Ramalho, a 700km de
distância (MENDES DA SILVA e GERMANI, 2010). Sigaud (1986) e Mendes da Silva
e Germani (2010), registram que a forma como houve a distribuição dos reassentados,
bem como o discurso do governo, e a forma de condução do projeto, à época, indicam a
visão de que as comunidades locais seriam “cidadãos de segunda classe”, um entrave a
ser superado para o desenvolvimento. Tais mudanças implicaram em transformações
radicais no modo de vida do atingido, não só na produção, tendo em vista que muitos
eram produtores de subsistência, como também na própria estrutura social na qual
estavam inseridos.
62
Sigaud aponta como uma pequena vitória da população rural, o fato de que alguns
conseguiram ser reassentados em agrovilas na borda do lago ao se recusarem a ir para
outro município. Esse processo foi feito às pressas, e direcionado para locais sem
interesse econômico. Aqui, no entanto, pôde-se notar o descaso com os reassentados. A
forma como foi conduzida a remoção resultou em profundas perdas, tanto financeiras
como de suas criações, além disso, os núcleos, em muitos casos, foram invadidos, e
terrenos ocupados. E na pior situação, em duas ocasiões erros na coordenação das UHEs
Três Marias e Sobradinho implicaram no aumento de nível do lago, o que provocou
perdas irreparáveis para os reassentados (SIGAUD, 1986)52
.
O processo de reassentamento foi considerado um fracasso. Realizado sob pressão do
Banco Mundial, investidor na ocasião e que desejava uma solução para os
desapropriados, o plano de reassentamento contou com 70% dos atingidos
permanecendo na vizinhança do lago de Sobradinho, 19% aceitando compensações
financeiras e apenas 8% sendo efetivamente reassentados (HALL, 1994).
Enquanto para a população urbana os efeitos foram minimizados pela reprodução dos
centros urbanos, e ainda por um processo de modernização, como por exemplo com a
chegada de bancos e a melhoria de estradas, a população rural sofreu com os mais
diversos impactos. Desde a dúvida sobre o futuro, especialmente em função da falta de
informação, até a efetiva desconstrução dos tecidos social e econômico (sabe-se que
muitos produtores rurais vendiam seus excedentes nas feiras nos centros urbanos), seu
modo de vida foi profundamente afetado (SIGAUD, 1986).
Além da desapropriação da terra para a construção da UHE, outros 25.000 hectares
também foram desapropriados com o propósito de construir sistemas de irrigação,
buscando mitigar os problemas decorrentes da formação do lago (HALL, 1994).
Também foram amplamente prejudicados os agricultores que não tinham a posse de sua
terra, sendo reservado a estes apenas a compensação por eventuais benfeitorias. Outro
52 Dois agentes entrevistados viveram essa situação. Reassentados em Xique-xique, com o aumento do
nível do lago em 1979 tiveram suas casas destruídas, e retornaram para sua cidade de origem. Há uma
descrição do ocorrido no relato integral do Beneficiário 4, onde cita as perdas por conta do aumento
do nível do lago e a necessidade de viver por três dias em um barco, até seu retorno à sua cidade
natal, abandonando o reassentamento.
63
efeito posterior à construção da barragem, foi o de grilagem das terras próximas ao lago,
que se mostraram interessantes para a agricultura. Nesse processo, muitos dos atingidos
que se recusaram a ir para os locais designados e se fixaram próximos ao lago foram,
muitas vezes, abordados de forma violenta para ceder suas terras a grileiros (SIGAUD,
1986)
Outro resultado da construção da barragem de Sobradinho é a própria constituição de
uma cidade homônima. Sobradinho é o resultado do assentamento de operários para a
construção da barragem, que se deslocavam com suas famílias para o local da obra, que
com o tempo acabou por ganhar certas características urbanas. A vila constituída para a
obra era dividida em três áreas, uma para os engenheiros, outra para o corpo técnico, e
uma para os operários. A parte que cabia aos operários não contava com infraestrutura
alguma, e tinha um alto grau de mortalidade, tanto por conta de homicídios, como por
outras causas, e por isso recebeu o apelido de "Cai-duro". A CPT atuou também em
Sobradinho, especialmente com a educação política dos operários53
. Ao final da obra os
operários se recusaram a sair, e no ano de 1989 parte do município de Juazeiro foi
desmembrada, formando o município de Sobradinho (SOBRADINHO, 2014).
3.3 Indicadores socioeconômicos do Sertão do São Francisco
Nas seções anteriores buscou-se compreender como ocorreu a formação social do
território do São Francisco, quais foram os elementos determinantes neste processo, e
inferir como era a organização social do território antes da entrada da UHE. Na
sequência o processo de construção da UHE Sobradinho é apresentado, desde o seu
momento inicial, até a conclusão da construção da UHE, em 1979. Todos estes
elementos afetam o desempenho do território em termos de bem-estar, uma vez que
configuram o território, e consequentemente, a qualidade de suas instituições.
Esta subseção visa caracterizar o território, situando os municípios em análise ante seus
pares mais próximos, e com relação ao Estado da Bahia e ao Brasil. Estes são
municípios populosos, tendo Casa Nova 64.940 habitantes, Sento Sé 37.425 e
53 Estas informações tomam como base as informações obtidas nas entrevistas realizadas em
Sobradinho, em especial da entrevista com o Representante da Prefeitura de Sobradinho.
64
Sobradinho, o menor entre os três, 22.000 (IBGE, 2010). Tomam-se aqui como
indicadores de desempenho dos municípios no Território do Sertão do São Francisco o
IDH municipal e o índice de Gini para a desigualdade de renda. A escolha destes
indicadores não se dá por acaso, e tem como motivação (1) o fato de que a diminuição
da desigualdade tem uma importante função instrumental no sentido de permitir a
ascensão de agentes, e (2) medidas monetárias não refletem a qualidade de vida, o que
estimula o uso do IDH como uma referência (não perfeita, evidentemente, mas
ilustrativa) para tal.
O crescimento do IDH no território é notável no período 1991 a 2010 (figura 3.1), com
uma média de crescimento superior a 100%. No período 2000 a 2010, o crescimento
médio ainda é bastante significativo, 43,4%. Das figuras 1, 2 e 3, pode-se observar que
desde 1991 Sobradinho e Juazeiro se destacaram em termos de desempenho nos
indicadores de desenvolvimento humano. De fato, numa observação um pouco mais
ampla, estes municípios sempre tiveram desempenho superior ao da média dos
municípios do estado da Bahia (0,593), e Juazeiro sempre superior à média dos
municípios nacionais (0,659), sendo que Sobradinho fica pouco abaixo desta média em
2010.
Figura 3.1 - Variação do IDH do Território do Sertão do São Francisco para o período de 1991 a 2010
Fonte: PNUD Elaboração do autor
65
Pode-se creditar grande parte do crescimento do IDH no território à educação, que saiu
de patamares baixíssimos, para um nível que fica próximo da média dos municípios
brasileiros. O analfabetismo continua sendo um problema, com taxa média de
analfabetos em 24% (uma diminuição de 23,3% com relação a 2000), mas em outros
indicadores, como o acesso ao Ensino Médio, por exemplo, ainda que o acesso seja
inferior à média dos municípios brasileiros (34,9% contra 46,9%), seu crescimento no
território é de aproximadamente 389% (muito acima dos 171% nacionais). Outro ponto
importante é o fato de que o IDH Educação tem como um de seus elementos a
expectativa de anos de estudo, e isso é significativo dentro de um território cujo
histórico de defasagem em educação é enorme.
A longevidade, que é calculada segundo a expectativa de anos de vida, também teve um
aumento expressivo de 2000 a 2010, em 19,8% (sendo 11,2% o aumento médio
nacional). Apesar do aumento, alguns elementos que são caros à vida, como o acesso à
água e saneamento, e a segurança, continuam em patamares ruins. Em termos de água e
saneamento, os valores ainda são apenas razoáveis, com uma média de 30,7% de
municípios com acesso a estes serviços, contra 40,2% de média nacional. Deve-se
destacar também, que enquanto Campo Alegre de Lourdes e Pilão Arcado não contam
nem com 1% de seus domicílios com estes recursos, Sobradinho, Remanso e Juazeiro
ficam acima da média nacional. No que diz respeito à violência, o Mapa da Violência de
2012, construído com dados de 2008, 2009 e 2010, coloca Sobradinho como uma das
cidades brasileiras mais violentas, na posição 244 de seu ranking, assim como Juazeiro,
que se situa na posição 251. Situação próxima está Casa Nova (posição 622), e Curaçá
(posição 510), sendo que os demais municípios do território estão acima da posição
1000 deste ranking.
A componente relativa à renda no IDH não chega a ser expressiva, muito pelo contrário,
tanto o valor de IDH de renda média (0,562) está bem abaixo da média nacional (0,643),
embora a variação no período 2000 a 2010 tenha sido pouco maior (13,04% contra
11,68% de média nacional). Nesta componente nenhum dos municípios se destaca, e
apenas Juazeiro fica acima da média nacional, com um IDH de renda em 0,657. Em
66
termos de pobreza os indicadores acabam resultando piores, dados que o Sertão do São
Francisco apresentava, em 2010, 44% da sua população em condição de pobreza, com
uma queda de 30,2% com relação à 2000, enquanto a média nacional foi de 24,6%, com
queda de 45,7%.
O município Casa Nova é o que mais possuía famílias beneficiárias do Programa Bolsa
Família dentre os analisados no ano de 2015, com 10.372, enquanto em Sento Sé 6.672
eram beneficiárias, e em Sobradinho 3.159, valores que correspondem a
aproximadamente 60%, 70% e 52%, respectivamente, das famílias residentes nestes
municípios em 2010 (IBGE, 2010). O Pronaf também é um recurso muito utilizado
pelos pequenos produtores rurais, e ele reflete bem o que é a pobreza rural local, sendo
que a categoria predominante é o grupo "B", que atende aqueles cuja renda anual não
supera R$ 20.000,00. Nessa categoria, no biênio 2013/2014 Casa Nova tinha
aproximadamente 664 famílias com crédito, enquanto Sento Sé possuía 375, e
Sobradinho registrava apenas 21 famílias.
É importante notar que a administração pública é o setor que mais emprega nos
municípios de Sobradinho e Sento Sé, com valores superiores aos 50% (64,10% e
78,24%), sendo que Casa Nova, dos três municípios analisados é o único onde um setor,
o agropecuário, supera a administração pública, empregando 44,92% da população
economicamente ativa (e com vínculo formal), contra 38,07% do setor público. No caso
do PIB, no entanto, por ser sede da UHE, Sobradinho tem no valor agregado relativo à
indústria 80,56% do seu PIB total, enquanto em Sento Sé e Casa Nova o valor agregado
relativo a serviços é a maior parcela, representando 65,84% e 56,63%, respectivamente,
dos PIBs destes municípios.
Já no caso do índice de Gini de renda, enquanto a média nacional em 2010 foi de 0,49, o
Sertão do São Francisco apresentou a desigualdade de renda na casa de 0,54, com o
agravante de que este valor representa um aumento de 1,7% com relação à 2000 (contra
uma queda de 7% em média nacional). Sobradinho é o único município que apresenta
valor próximo da média nacional (0,49), enquanto todos os outros municípios
67
apresentam valores acima. Vale destacar, também, que apenas Sobradinho, Remanso,
Juazeiro e Curaçá tiveram diminuição nestes valores.
Figura 3.2 - Distribuição de renda no Território do Sertão do São Francisco no ano de 2010
Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010) Elaboração do autor
O olhar conjunto dos indicadores IDH e Gini de renda mostra certa ambiguidade.
Enquanto houve melhoria expressiva em elementos de bem-estar, como a educação e a
longevidade, um olhar mais apurado em algumas variáveis, como o analfabetismo, o
acesso à água e saneamento, e a violência, ainda estão aquém do nível nacional. No que
diz respeito às variáveis monetárias o desempenho é ruim. Tanto as componentes de
renda do IDH como do Gini mostram que o progresso neste critério foi baixo na região,
e no caso do segundo, houve piora.
Além disso, o ritmo de melhoria neste território não permite dizer que houve
diminuição em termos de desigualdade do Sertão do São Francisco com relação ao
restante do Brasil. Este fato, associado ao de que há forte heterogeneidade interna, com
Sobradinho e Juazeiro polarizando os bons indicadores locais, permitem dizer que
avanços oriundos especialmente do polo de fruticultura não chegaram a se irradiar pelo
68
restante do território, fazendo com que o Sertão do São Francisco ainda não tenha
logrado diminuir substancialmente sua defasagem com relação ao resto do país.
Dos municípios com relação direta com a barragem, Sobradinho é o que mais se
diferencia positivamente, e também parte de uma situação diferenciada dos demais.
Apesar de ser um município resultado da construção da UHE, até 2000 contou com uma
CHESF atuante. Isso faz com que o ponto de partida seja realmente diferenciado em
termos de qualidade de vida. Também foi citado por informantes, em mais de uma
ocasião na pesquisa de campo, que Sobradinho não “tem gente rica”, e que “quem puxa
o IDH para cima é o pessoal da CHESF”. De fato, a componente de renda do IDH do
município é superior às dos demais, com a exceção de Juazeiro, mas também é de
Sobradinho o Gini mais baixo, indicando que a diferença de renda não é tão grande
quanto nos demais municípios.
Como destacado anteriormente, estes indicadores não são resultado apenas de um fator,
como a entrada da UHE, ou da constituição do polo de fruticultura, por exemplo, mas
sim de um processo histórico de constituição de uma configuração territorial, processo
este que envolve fatores endógenos e fatores exógenos, sendo que destes fazem parte o
polo e a UHE. Desse processo resulta o conjunto de instituições políticas e econômicas
que regem o território, e este sim é responsável pela qualidade dos indicadores
apresentados. Como se constitui hoje a configuração territorial do Sertão do São
Francisco, especialmente em comparação com a configuração encontrada no território
antes da entrada UHE, e qual a participação desta infraestrutura no processo de
mudanças e permanências nesta configuração, são o foco de análise da seção seguinte.
3.4. As metamorfoses no território e o papel da UHE
Nesta seção discute-se o papel da UHE Sobradinho nas metamorfoses pelas quais
passou o Sertão do São Francisco nos últimos 50 anos. Aqui se analisa o papel da UHE
em três aspectos, que são as alterações na distribuição de poder local, as alterações nas
formas de apropriação e uso dos recursos, e a dinâmica da relação entre os
comportamentos e as instituições, formais e informais, que regulam as dimensões
69
anteriores. Para tanto, serão analisados os resultados dos trabalhos de campo realizados
no Sertão do São Francisco, contrapostos com dados secundários.
Os trabalhos em campo no Sertão do São Francisco ocorreram em abril de 2015, sendo
realizados por um grupo de quatro pesquisadores, dentre estes, este doutorando. As
primeiras entrevistas ocorrem nos municípios de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA),
cidades polo da região, e onde encontramos os primeiros informantes, que foram um
articulador regional, dois representantes do corpo técnico da EMBRAPA - Semiárido e
uma representante da Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Juazeiro. Estas foram
entrevistas não estruturadas, cujo objetivo foi caracterizar o território segundo a visão
destes agentes54
. A escolha destes agentes-chave ocorreu em função da sua posição do
território, que permite uma visão ampla das potencialidades, barreiras e
constrangimentos locais.
Em seguida foram iniciadas as atividades nos municípios selecionados para pesquisa em
campo, Casa Nova, Sento Sé, Sobradinho e Canudos55
. Nestes municípios foram
realizadas entrevistas semiestruturadas com agentes pertencentes a grupos específicos
de interesse desta pesquisa, que são os grupos político e econômico, em função da sua
importância e predominância no território no momento da pesquisa, o grupo relacionado
às famílias tradicionais, ou famílias que historicamente detinham grande poder local, e o
grupo de beneficiários de políticas de inclusão produtiva, o extremo oposto dos demais
grupos, que enfrenta os maiores constrangimentos na tentativa de ascensão local e de
ampliação das próprias liberdades. Esta entrevista teve como objetivo reconstruir a
trajetória social destes agentes e familiares mais próximos, buscando identificar em uma
perspectiva intergeracional as estratégias de reprodução social, aspirações,
constrangimentos, seu bem-estar, e a movimentação de atributos56
durante sua vida,
situando o agente em sua posição no campo do território, em condição de ascensão,
54 É importante destacar que os trabalhos em campos foram conduzidos de modo a conciliar os
interesses de pesquisa de cada um dos pesquisadores envolvidos, e do trabalho coletivo ao qual esta
pesquisa é afiliada.
55 Por não ter sido atingida de forma direta pela UHE de Sobradinho, Canudos não foi incluída nesta
pesquisa. É importante notar que os agentes locais pouco se relacionam com esta UHE, sendo as
barragens mais lembradas durante as entrevistas as de Paulo Afonso e do Açude de Cocorobó em
Canudos.
56 Ou, capitais econômico, político, social, cultural e simbólico.
70
descenso ou estabilidade. Além disso, parte do questionário foi dedicada ao
posicionamento do entrevistado sobre o desenvolvimento recente do território e sobre a
importância dada por ele à UHE e ao polo de fruticultura57
. Para cada grupo foram
selecionados dois agentes, considerados representativos pelo informante local. Quando
possível também foi realizada uma entrevista informal com um agente local, mais curta,
e com o mesmo caráter das realizadas em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).
Estas informações são base para a análise que segue e, associadas a dados secundários,
permitem compor um quadro do Sertão do São Francisco atual, olhando de forma mais
centrada nos municípios aqui analisados, e de que forma a UHE contribuiu, tanto para a
formação deste quadro atual do território, como destes municípios58
. Nesse sentido, a
análise segue em três momentos, que são (1) as mudanças na paisagem do território e as
oportunidades geradas, e também perdidas, por conta da entrada da UHE, (2) as
mudanças nas trajetórias dos agentes e, por fim, (3) as mudanças na distribuição de
poder local e sua relação com a entrada da UHE.
A UHE, as mudanças na paisagem e a dinâmica das oportunidades econômicas e a
terra
Em termos de mudanças territoriais inequivocamente consequentes da entrada da UHE
de Sobradinho, um primeiro ponto a destacar é o deslocamento urbano nos municípios
atingidos em um processo radical de desterritorialização e reterritorialização
(HASBAERT, 2011). Por um lado, esse momento significou um processo rápido de
modernização dos centros urbanos de Sento Sé e Casa Nova, e a melhoria dos acessos
por rodovias (SIGAUD, 1986). Mas com a gradativa deterioração da rodovia que liga
Sento Sé a (agora) Sobradinho59
(e na sequência com Juazeiro), e com o aumento da
57 O questionário encontra-se no anexo I.
58 No desenvolvimento dessa seção serão utilizadas informações coletadas nas entrevistas. Estas
informações estão concentradas no anexo II, e distribuídas da seguinte forma: a primeira parte
contêm uma síntese da discussão realiza com os informantes no território, a segunda contem a síntese
de algumas entrevistas com os agentes no campo, e a terceira uma transcrição de cinco relatos
considerados mais relevantes para a observação das mudanças na dinâmica do território. Na medida
em que informações forem apresentadas na seção, quando relevante serão feitas referências a
entrevistas específicas, ou o resgate de trechos considerados mais importantes.
59 A estrada é a BA-210, e está asfaltada apenas até o distrito de Piçarrão, logo na entrada de Sento Sé.
Todas as outras ligações de Sento Sé com os municípios vizinhos se dão por estradas de terra.
71
distância entre Sento Sé e Casa Nova, que resultou na perda da sua ligação fluvial, o que
ocorreu foi o isolamento ainda maior de Sento Sé. Casa Nova, por sua vez manteve uma
boa proximidade com Petrolina, o que facilitou o escoamento de sua produção agrícola,
especialmente pelo fato de contar com uma boa estrada que liga estes dois municípios.
É importante destacar que a mudança da sede por conta da UHE fez com que a estrada
(BR-235) passasse pelo seu centro urbano.
Das formas de aproveitamento do potencial de geração de rendas da UHE, apenas a
irrigação teve certo sucesso. Este é o caso de Casa Nova, que faz parte do Perímetro
Irrigado Nilo Coelho, cuja criação ocorreu em 1984 (DAMIANI, 2015), e impulsionou
o Polo Petrolina Juazeiro, e onde hoje é explorada a agroindústria, mais destacadamente
a vitivinicultura. Esta mudança trouxe maior dinamismo econômico à Casa Nova, que
tem na agroindústria o seu maior empregador60
, com 44,92% dos empregos formais
locais61
(RAIS, 2010), mas que é explorada por agentes externos ao território62
.
Em um levantamento fotográfico realizado pela Agência Nacional das Águas, o lago
contava com cinco grandes consumidores de irrigação, e uma centena cujo consumo era
insignificante (ANA, 2010)63
. Deve-se observar, no entanto, que a alteração
morfológica da paisagem promovida pela barragem facilitou a irrigação, mas é pouco
provável que a ausência da barragem impedisse seu desenvolvimento, uma vez que
Juazeiro já contava com o perímetro público de irrigação de Mandacaru desde 1973, e
Petrolina (PE), vizinha de Casa Nova, com o perímetro público de irrigação do
Bebedouro desde 1968 (DAMIANI, 2015). Já no caso de Sento Sé ocorreram
oportunidades para a formação de perímetros irrigados, mas que não vingaram, e o
próprio acesso asfáltico do município que se perdeu com o tempo, acabou
inviabilizando o escoamento da produção da fruticultura. Práticas como a pesca e a
agricultura na margem do rio acabaram se perdendo também, sendo a piscicultura muito
60 Segundo os relatos, os empregos gerados atendem também moradores de Sobradinho.
61 Em Sento Sé e Sobradinho a agroindústria é inexpressiva, sendo o maior empregador a administração
pública, com 78,24% e 64,10% dos empregos formais, respectivamente (RAIS, 2010).
62 Casa Nova está entre os maiores produtores do Brasil de Caprinos e Ovinos.
63 A análise desse relatório é visual, já que não há uma tabulação formal desses dados. Outro ponto
importante é o fato de que ele ainda conta com a captação de água pela empresa Frutimag, que já não
está mais em Sento Sé. Por fim, este relatório também registra a grande quantidade de plantações de
cebola, cujo uso de agrotóxicos é intensivo.
72
pouco explorada, e hoje ainda há o problema da qualidade da água, decorrente do uso de
agrotóxicos por produtores (DUQUÈ, 2010; ANA, 2010).
Os relatos apontam que a terra, que é o elemento formador da estrutura social do
território, continua sendo uma questão sensível64
. Os conflitos permanecem,
especialmente em Sento Sé e Casa Nova, onde os relatos, tanto dos beneficiários, como
de um dos informantes, indicam que há pressão sobre as comunidades mais pobres por
parte de empresas de mineração e agropecuária. Ainda há a percepção por parte dos
entrevistados que a terra segue concentrada65
. Isso pode ser observado pela distribuição
fundiária, segundo o Gini de estrutura agrária do Censo Agropecuário de 2006 (IBGE,
2006) (Figura 3.3). Neste sentido, Casa Nova apresenta o melhor indicador de
distribuição, que em 2006 apresentava um índice de Gini de 0,63, valor abaixo da média
de distribuição dos municípios brasileiros, de 0,70 e dos municípios baianos, de 0,74.
Nessa dimensão, Sento Sé e Sobradinho apresentam indicadores piores, com Sento Sé
com uma concentração de terra em torno de 0,85 e Sobradinho de 0,76.
Figura 3.3 - Distribuição fundiária no Sertão do São Francisco
Fonte: Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) Elaboração própria do autor
64 Ver relatos da Representante da CPT, Beneficiário 1 e Beneficiário 2. Os beneficiários vivem o
problema, de fato, pela pressão por conta da mineração, e pela grilagem de terras.
65 Ver relato do Articulador Territorial. O relato dos Representantes da Embrapa - Semiárido dá conta,
também, das grandes propriedades em Sento Sé.
73
Em Sento Sé, apenas onze estabelecimentos, segundo o Censo Agropecuário de 2006
(IBGE, 2006), registram 49,02% de toda a área com estabelecimentos agropecuários no
município. Este número é referente às propriedades com mais de 2.500 hectares66
,
menor área do grupo de grandes propriedades do censo, mas se forem incluídas as
propriedades com área entre 1.000 e 2.000 hectares, o número da concentração sobre
para 58,57%, acrescentando quinze propriedades ao total (1,15% do número de
estabelecimentos agropecuários em Sento Sé). Em Casa Nova este mesmo exercício
apresenta resultados bem distintos, com um total de cinco estabelecimentos com mais
de 2.500 hectares, valor relativo a 11,14% dos estabelecimentos no município, enquanto
que o total de estabelecimentos com mais de 1.000 hectares representa 13,50% da área
total no município. Em Casa Nova prevalecem as propriedades com área entre 20
hectares a 200 hectares, representando 59,64% da área total.
Com relação à terra, o processo de entrada da UHE de Sobradinho foi, sem dúvida,
perverso. Ainda que não seja possível comparar os dados de concentração de terra
anteriores à UHE com os atuais67
, e levando-se em conta que já são cerca de 30 anos
entre o fim da sua construção e a coleta de dados do Censo Agropecuário de 2006, a
literatura já apontava o acentuado processo de tomada de terras às margens do lago,
tanto por meios oficiais, para a constituição de empresas agropecuárias, como pela
grilagem, em função da valorização da área (SIGAUD, 1986), e este aspecto foi
reforçado pelos entrevistados.
66 O Censo Agropecuário não divulga os tamanhos das propriedades, por isso é possível apenas
trabalhar com os dados agregados por grupos de área.
67 De fato, o Censo Agropecuário do VIII Recenseamento Geral de 1970, apontava que os
estabelecimentos agropecuários com mais de 1.000 hectares em Sento Sé ocupavam 47,63% da área
total, enquanto que em Casa Nova, 26,03%, o que indicaria, grosso modo, uma maior concentração
em Sento Sé e desconcentração em Casa Nova desde a UHE (IBGE, 1970). No entanto, a área total
dos estabelecimentos recenseados à época foi de 42.428 hectares em Casa Nova e 36.397 hectares em
Sento Sé, números consideravelmente menores que os 258.640 hectares e 207.520 hectares,
respectivamente, atuais, o que inviabiliza uma comparação precisa. Também não se pode afirmar que
esse aumento de área nos dois municípios (acima de 200%) possa ser creditado somente à UHE, ou se
é consequência de limitações no recenseamento, ou ainda de processos de regularização fundiária
desde 1970.
74
A UHE e as mudanças nas trajetórias dos agentes e as organizações
A tabela 3.1 sintetiza algumas das informações coletadas em campo. Nela é possível
identificar a qual grupo pertence o entrevistado, sua principal atividade, sua trajetória
dentro do campo e a relação desta trajetória com a UHE, e sua posição sobre o
desenvolvimento do território, sobre a UHE e sobre o Polo de Fruticultura Petrolina-
Juazeiro.
Quando se observa as mudanças nas trajetórias dos agentes entrevistados,
primeiramente em Sento Sé e Casa Nova, um primeiro ponto que se destaca é que
poucos ascenderam de forma diretamente relacionada à entrada da UHE (Tabela 3.1).
De fato, com a exceção dos beneficiários de políticas de inclusão produtiva, cuja
ascensão foi indireta, em Casa Nova nenhum dos agentes viveu esse processo. Em
Sento Sé, no entanto, dois passaram por mudanças em suas trajetórias pelas
oportunidades econômicas abertas no momento da construção da UHE, e um de maneira
indireta. Seja ela resultado do aproveitamento do espaço aberto na mudança das sedes
dos municípios, ou por possibilidades relacionadas ao aproveitamento do potencial de
produção da barragem, espaços foram abertos para a entrada de novos agentes68
.
Sobradinho, como já citado, é um caso à parte. Apesar de antes da construção da
barragem se constituir em uma região pouco habitada, quase nada restou desta da
estrutura anterior. Dos entrevistados, nenhum foi elite local, até porque, como já
destacado, o município pertencia a Juazeiro, onde efetivamente estava a elite. Dos que
pertenciam à região antes da barragem, a maioria eram de origem extremamente
pobre69
, com a exceção de um dos agentes.
68 Sobre a ascensão de agentes, o relato integral Elite Econômica 2 traz a trajetória de um agente de
origem pobre, cuja família aproveitou o momento da mudança para a nova sede municipal para
constituir o seu comércio.
69 Um exemplo de ascensão de agentes em Sobradinho é apresentado no relato integral do agente de
Elite Econômica 4, que vivia nesta mesma região, ainda de Juazeiro, de família extremamente pobre,
e que ascendeu pela constituição de estoque de capital social em decorrência das oportunidades
abertas por conta do associativismo local.
75
Tabela 3.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus posicionamentos sobre o
desenvolvimento local e seus vetores, entre eles a UHE Sobradinho. VDR – Vetor de Desenvolvimento
Regional.
Fonte: adaptado de Favareto et al. 2015b.
O momento de emancipação do município, e com a consequente criação de postos de
trabalhos relativos à administração pública, acabou por beneficiar diversos outros
agentes locais, muitos operários e filhos de operários que vieram para Juazeiro para
76
construir a barragem. Também se beneficiaram agentes que já contavam com situação
diferenciada no momento da sua construção, o que permitiu a constituição de uma
pequena elite econômica, que não chegava de fato a ser rica, mas com condições de
bem-estar maiores. Isso permitiu a constituição de uma elite local razoavelmente
diferente das que se encontram em Sento Sé e Casa Nova.
A parte dominada destes municípios pouco se beneficiou da barragem. Na verdade,
mais sofreu o ônus de sua construção que se apropriou dos resultados. De fato, a
violência sofrida na época, a forma como a barragem alterou a pesca e a agricultura
local, e os efeitos da grilagem das terras devolutas são sentidos até hoje. E não chega a
esta parcela as possibilidades da irrigação, ou mesmo o bem-estar decorrente de água
tratada e encanada. Fica claro por conta das entrevistas realizadas, que dois momentos
são determinantes para uma expansão nas suas liberdades, que são a atuação da igreja
na formação de associações tanto no período de construção da UHE como após ele, e as
políticas sociais decorrentes a partir da CF/88 e das políticas de alívio da pobreza e
inclusão produtiva das duas últimas décadas.
Nesse caso, a influência da UHE é determinante, ainda que novamente, por um motivo
negativo. De fato, é o papel da igreja, ao reagir à forma de construção da barragem, que
efetivamente contribui na promoção de mudanças por meio do incentivo à formação de
associações70
. Esse fica expresso em relatos de Casa Nova e Sento Sé, mas é em
Sobradinho que ele se torna mais evidente. E se a formação de organizações é um
elemento fundamental para a ação coletiva (DREZÈ e SEN, 2002) e uma característica
estruturante das sociedades que contam com instituições mais inclusivas (NORTH et al.
2009), o que se observa é uma clara diferenciação destes municípios. No que diz
respeito às organizações de modo mais amplo, segundo o Cadastro Central de Empresas
(CEMPRE) (IBGE, 2010b), que considera o número de empresas e outras organizações,
Sento Sé apresentava um número de 6,44 empresas e outras organizações por mil
habitantes, Casa Nova, por sua vez, registrava 8,85 e Sobradinho, muito à frente, 17,36.
Sento Sé apresenta o pior desempenho no território para este indicador, enquanto Casa
70 A importância da igreja é apontada por muitos beneficiários, mas sua entrada na questão da barragem
é descrita pelo agente de Família Tradicional 2, que teve efetiva participação neste processo,
trabalhando com a CPT.
77
Nova fica à frente de Pilão Arcado (também atingida pela barragem) e Canudos, e
ambas muito abaixo da média dos municípios do Estado da Bahia, que é de 12,22
empresas e outras organizações por mil habitantes. Sobradinho, novamente, se
diferencia estando acima da média do estado, e abaixo apenas de Juazeiro, a cidade mais
dinâmica do território, que registra 20,4971
.
Quando se toma o número de Fundações Privada e Associações sem Fins Lucrativos
(fasfil) (IBGE, 2010c), um recorte do CEMPRE específico para organizações de
sociedade civil72
, o que se observa é um número de 0,88 fasfil por mil habitantes em
Sento Sé, 1,83 fasfil por mil habitantes em Casa Nova e 2,45 fasfil por mil habitantes
em Sobradinho, único município com valor acima da média nacional de 1,98 fasfil por
mil habitantes73
. Sento Sé segue entre os piores do território, se considerarmos as fasfil,
enquanto Casa Nova assume uma posição intermediária, e Sobradinho fica atrás apenas
de Uauá. Ora, se as "organizações são, em parte, instrumentos: instrumentos que
indivíduos utilizam para aumentar sua produtividade, para procurar e criar contato
humano e relacionamentos, para coordenar a ação de muitos indivíduos e grupos, e para
dominar e coagir outros74
" (NORTH et al., 2009, p. 7)75
, nota-se uma grande diferença
entre Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, tanto no número do CEMPRE, como nos
específicos da FASFIL.
71 Todos esses municípios, no entanto, ficam abaixo da média dos municípios brasileiros, que é de
22,00 empresas e outras organizações por mil habitantes.
72 A fasfil inclui organizações de sociedade civil (OSC) não necessariamente de interesse público, o que
inclui, por exemplo, partidos políticos. A diferenciação entre o tipo de OSC é feita pelo IBGE apenas
para os municípios com mais de 50.000 habitantes, o que impede que esta seja realizada para a
maioria dos municípios aqui analisados (é possível apenas para Casa Nova).
73 Evidentemente, o número fasfil não engloba apenas associações de produtores, a maioria destacada
nos relatos, mas esta relação acaba sendo quase direta quando se tomam as informações oriundas dos
relatos e os dados secundários.
74 Tradução livre de "Organizations are, in part, tools: tools that individuals use to increase their
productivity, to seek and create human contact and relationships, to coordinate the actions of many
individuals and groups, and to dominate and coerce others"
75 Pode-se, em um primeiro momento, imaginar que estes valores sejam fortemente marcados pela
diferença nas populações locais, mas isso não é verdade. Salvador, por exemplo, com uma população
de 2.675.656, registrava 21,34 empresas e outras organizações e 0,89 fasfil, ambos por mil habitantes,
já a cidade de São Paulo, com 11.253.503 habitantes, registrava 48,07 e 1,60, respectivamente, e
Porto Alegre, com uma população de 1.409.351, registrava 61,62 empresas e outras organizações e
2,19 fasfil, ambas por mil habitantes (IBGE 2010, 2010b, 2010c).
78
A UHE, e a distribuição do poder local
Como destacado anteriormente, poucos agentes ascenderam de forma direta em Sento
Sé e Casa Nova por conta da construção da barragem. Mais que isso, as mudanças
ocorridas na paisagem local que poderiam induzir mudanças significativas nos
municípios analisados se perderam em Sento Sé, e em Casa Nova prosperaram, mas sob
investimento e exploração de agentes que não estão por lá. Mas, e as relações de poder
local? Houve mudança decorrente da entrada da UHE Sobradinho?
Por meio das entrevistas foi possível determinar como os agentes e seus familiares
movimentaram seus capitais no decorrer de sua trajetória. Essa informação permite
compreender de que forma foram formados seus estoques de capitais, e inferir quais são
os capitais que estes agentes valorizam. No gráfico 3.1 é apresentado o volume médio
de capitais tabulados das entrevistas, segundo os grupos.
Gráfico 3.1 - Total de capitais dos grupos analisados no Sertão do São Francisco76
Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b
A literatura dá conta de que a forma de que as elites tradicionais exerciam forte
domínio, tanto político quanto econômico, em seus municípios. O que se observa, no
76
As siglas apresentadas identificam respectivamente: Ks, capital social; Kc, capital cultural; Kp,
capital político; Ke, capital econômico e Ksi, capital simbólico.
79
entanto é que as famílias tradicionais já não se destacam mais com relação às elites
política e econômica, como sugere a literatura da formação social do Sertão do São
Francisco, especialmente em termos de poder político. Isso se torna ainda mais evidente
quando se tomam os relatos, que retratam o fim da estrutura de dominação do
coronelismo, na sua forma mais tradicional.
Parte desta mudança se dá por conta de que tradicionalmente os membros mais jovens
das elites tradicionais saíam de seus municípios para estudar em outros centros, e depois
retornavam para seus municípios de origem para dar continuidade ao domínio
familiar77
. Ocorre que com o tempo os mais jovens passaram a optar por criar vínculos
em centros mais dinâmicos, não retornando para seus municípios. Isso provocou a
diminuição nas condições das famílias locais de manutenção de poder e abriu espaço
para a ascensão de outros agentes.
A mobilidade física alta é um elemento característico na região, e parte disso é expresso
pelos valores altos de capital social. São muitos os agentes entrevistados que tiveram
experiências fora do território, e também fora do Estado da Bahia. O principal
motivador para tal é a busca por oportunidades, ou por emprego, e essa é a situação
vivida por grande parte dos agentes que ascenderam no território, que tinham na região
Sudeste uma oportunidade de formação de capital, especialmente econômico. Já no caso
das elites tradicionais, o trânsito maior era dentro do próprio estado da Bahia, uma vez
que o emprego não era o motivador, mas sim a educação. Ainda hoje se busca fora
destes municípios recursos que não são encontrados neles, sendo as principais ligações
locais com Juazeiro e Petrolina.
Dos agentes entrevistados muitos tiveram passagens pelo Estado de São Paulo, sendo a
região do ABC a preferência da maioria, onde havia forte pressão por trabalho que
necessitava baixa qualificação de ensino, em especial na indústria, destacadamente nos
anos 1970 e início dos anos 1980. Alguns passaram poucos meses, como o pescador
atingido pela barragem, que passou curto período em Santos, trabalhando no porto,
especialmente buscando "aventura de trabalhar em outro lugar". Mas alguns
77 Um relato exemplar é o do agente de Família Tradicional 3, que permaneceu em seu município, a
despeito do fato de que a maioria de seus parentes já não estão por lá.
80
permaneceram por décadas, como o atual agente do campo da política local, que veio
criança para São Paulo, quando adulto se tornou empresário do ramo alimentício, e
voltou para sua cidade natal, construindo sua carreira política.
O grupo de entrevistados que são beneficiários de políticas públicas é o mais
homogêneo dentre os quatro. Apesar do baixo valor de capital cultural observado nas
suas trajetórias individuais, é quase unânime para estes agentes a importância da
educação como um elemento que pode romper com o ciclo de pobreza no qual vivem,
como um instrumento de ampliação das suas liberdades. Esse grupo reflete, também, a
importância da formação de associações, não só pela oportunidade de renda vinda da
venda para programas como o PAA ou PNAE, mas também como uma forma de
ascensão política, uma vez que alguns deles se candidataram à vereança (sem sucesso
nas eleições).
Os relatos dão conta, também, de uma certa diferenciação entre os municípios de Casa
Nova e Sento Sé. E isso pode ser observado por meio do gráfico 3.2, onde são
apresentadas médias dos capitais tabulados das entrevistas, agora separados por
municípios. Nesse caso é possível observar que tanto o capital simbólico quanto o
econômico e o político dos representantes das famílias tradicionais são maiores em
Sento Sé do que em Casa Nova. Ainda, em termos comparativos com a elite política
local, os capitais simbólico e econômico são maiores, enquanto em Casa Nova ocorre o
contrário. Isso evidencia um diferencial no peso simbólico das famílias tradicionais
nestes dois municípios, o que pode guardar relação com o maior dinamismo econômico
de Casa Nova, comparado com o menor dinamismo de Sento Sé, onde o peso simbólico
da família tradicional ainda é maior. No caso de Sobradinho, por tem sido uma área de
Juazeiro, as elites tradicionais não se encontravam nessa área, e com a emancipação do
município, estes postos acabaram ocupados por pessoas de fora.
81
Gráfico 3.2 - Total de capitais dos grupos analisados e por município no Sertão do São Francisco
Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b
Mas a barragem pode ter tido influência direta na mudança da atuação das famílias
tradicionais? Como já destacado, já ocorria a saída dos membros das famílias
tradicionais, que se deslocavam para outros centros por contas dos estudos. Alguns
voltavam, mas era comum que quem saísse não voltasse. Ficaram aqueles que contavam
com menos condições, ou mesmo com menos prestígio entre aqueles da família,
atuando especialmente como mantenedores da posição política e econômica familiar no
território. Grosso modo, pode-se dizer que a barragem não ofereceu atrativos para que
se mudasse essa relação entre família e território, provocando a permanência desses
membros das famílias tradicionais. Os relatos também dão conta que, ainda que tenham
permanecido apenas membros destinados a manter certa posição das elites tradicionais,
a erosão acabou acentuada por meio de políticas sociais que aumentaram um pouco a
liberdade do pequeno agricultor. Além, disso, como se observa pelos relatos, tanto em
Sento Sé como em Casa Nova nenhum dos agentes da elite política entrevistados teve
sua ascensão ligada de forma direta a barragem. A rigor, um dos agentes de Casa Nova,
82
inclusive, foi afetado negativamente pela barragem quando esta prejudicou o comércio
de sua família78
.
Em Sento Sé pôde-se notar por meio das entrevistas que a Elite Econômica busca certo
distanciamento do envolvimento político. Ainda, seu capital econômico é mais baixo
que o das Famílias Tradicionais. Pelos relatos pode-se evidenciar que esta é uma elite
ainda em formação, onde um agente, de origem pobre, ascendeu por conta da
oportunidade aberta pela mudança da cidade velha para a cidade nova no comércio
aproveitada por sua família, e o outro, vindo de fora e também ascendente, encontrou
oportunidades no comércio local. Essa ausência de elites econômicas com maior capital
no território, também se dá pelo fato de que as atividades mais dinâmicas,
especialmente a fruticultura e a vitinicultura ocorre com agentes externos ao território.
No caso de Sobradinho a Elite Econômica tem forte vínculo com a política local,
especialmente por conta da formação de redes desenvolvidas em função do
associativismo.
O espaço social dos agentes, segundo seus capitais político e econômico pode ser
observado no gráfico 3.3. Neste gráfico os capitais são apresentados em termos
percentuais com relação ao valor máximo de cada um destes no questionário aplicado. É
possível observar como se destacam as famílias tradicionais e as elites políticas em
termos de concentração dos capitais econômicos, enquanto as elites econômicas, em sua
maioria, pouco se destacam em termos de capitas políticos, ficando aquém, inclusive,
do grupo de beneficiários, cujo envolvimento associativo confere aos seus agentes este
capital.
78 Seu comércio era baseado em atividade fluvial, que se perdeu com a barragem, mas esse agente
dispunha de certo capital econômico e simbólico, o que lhe permitiu reconstituir sua atividade de
comércio, e posteriormente, a expandir para serviços.
83
Gráfico 3.3 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e econômico
no Sertão do São Francisco
Fonte: Adaptado de Favareto et al., 2015b
Ainda que o quadro apresentado até aqui aponte para uma diminuição do peso das
famílias tradicionais, com a ascensão de agentes à elite política, também se evidencia,
especialmente pelos relatos, que ainda há certo peso destas famílias, e essa é a base de
formação das coalizões locais. As famílias tradicionais ainda se sustentam pelo seu
estoque de capital simbólico, com o qual se associam aos novos agentes das políticas
locais, mantendo-se assim ainda ligado ao poder político e ajudando a sustentar essa
nova elite. Essa coalizão acaba sendo restrita, uma vez que, como destacado, há certo
distanciamento das elites econômicas, e mesmo os agentes do grupo de beneficiários,
muitas vezes presidentes de associações, que gozam de certo prestígio, tem dificuldade
de penetrar.
Parte deste alinhamento pode ser observado na tabela 3.1, quando uma maioria de
agentes da elite política e das famílias tradicionais tem uma visão positiva sobre o
desenvolvimento recente do território, em contraste com uma visão mais fragmentada,
mas em sua maioria negativa, dos agentes representativos das elites econômicas e dos
beneficiários de políticas sociais. O que se nota claramente é que são entendidos de
84
forma positiva para o desenvolvimento local o polo de fruticultura e as políticas sociais
que incidem neste território, sendo predominantemente os beneficiários de políticas
públicas os mais críticos com relação ao polo.
Com relação à UHE, no entanto, não há consenso entre os grupos. Enquanto o grupo de
representantes das famílias tradicionais veem, na sua maioria, a UHE como um
elemento positivo para o desenvolvimento do território, as elites política e econômica se
mostram mais fragmentadas, enquanto os beneficiários são predominantemente
contrários. Uma explicação para isso pode vir do fato de que as famílias tradicionais, em
sua maioria, deram suporte à construção da UHE, o que significaria uma manutenção
dessa posição ainda hoje. Já com relação aos beneficiários e às elites econômicas,
muitos dos entrevistados viveram os problemas decorrentes da construção da barragem,
e tiveram suas trajetórias sensivelmente transformadas por esse momento, daí o caráter
fragmentado das visões das elites econômicas e predominantemente crítico dos
beneficiários. Já com relação às elites políticas, ainda que alguns tenham vivido os
problemas da construção, o que prevalece, segundo as entrevistas, é o caráter restrito
dos benefícios da barragem, especialmente da irrigação, uma vez que, como já
destacado, os maiores investidores neste tipo de produção são agentes de fora do
território.
Os dados apresentados em cada uma das subseções anteriores, quando vistos de forma
independente, não são suficientes para afirmar o quão mais aberta é a sociedade em um
município com relação a outro, mas a sua análise conjunto permite inferir isto, e esta é a
proposta da próxima seção, a de um balanço das informações apresentadas até o
momento, de modo a caracterizar o Sertão do São Francisco, e mais especificamente
Sento Sé, Casa Nova e Sobradinho, especialmente na sua relação com a entrada da
UHE, observando como o processo de percolação alterou a configuração territorial
local.
85
3.5 Balanço do capítulo
Quando se pensa o processo de percolação ocorrido no território do Sertão do São
Francisco, o que se nota é uma extrema heterogeneidade entre os municípios analisados.
Tanto Sento Sé como Casa Nova passaram por processos similares, com uma radical
mudança na sua morfologia, com um processo de rápida modernização e melhorias de
acesso por vias terrestres (lembrando que as fluviais foram encerradas), e ambas tiveram
certa oportunidade de expansão da sua atividade produtiva por conta do processo de
irrigação. De fato, apenas a produção agrícola foi apresentada como alternativa79
.
No caso de Sento Sé, no entanto, estas oportunidades se perderam, e o município tem na
sua produção agrícola basicamente voltada para o cultivo da cebola, e vive grande
isolamento. Já no caso de Casa Nova, ocorreu a diversificação da produção agrícola,
especialmente pela formação do Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Mas por que em Sento
Sé houve o retrocesso, e no caso de Casa Nova ela ficou restrita? Nem Sento Sé nem
Casa Nova lograram mudanças em suas estruturas de poder na direção de uma
desconcentração de poder. Ainda que não se veja o coronelismo na forma em que ele
moldou o território, o poder político de facto ainda é muito concentrado. Dessa forma
não há possibilidade da formação de coalizões amplas que tenham seus objetivos
voltados à coesão territorial. Casa Nova ainda consegue desempenho um tanto melhor
por conta da formação do perímetro irrigado, e por conta dos investimentos de agentes
externos para o desenvolvimento da fruticultura. Nesse sentido, no processo de
percolação o papel da UHE foi importante, efetivamente alterando a paisagem local pela
própria formação do lago e facilitando o processo de irrigação, mas pouco influenciando
na distribuição de poder local.
Um ponto fundamental de mudança diz respeito à compreensão dos agentes em termos
de sua posição dentro do território. Quando se observa o grupo de beneficiários, a
mudança ocorre de forma radical. Nesse processo a UHE acaba tendo um papel indireto,
79 O turismo relacionado à vitivinicultura é explorado em Casa Nova, mas é incipiente. Houve também
uma tentativa de turismo nas margens do lago, com as praias que se formam ali. A gestão pública
ensaiou algumas iniciativas, mas, com a seca persistente, esta atividade tem sofrido revezes e na
atualidade é praticamente inexistente.
86
e outro agente, a igreja, e todo o seu trabalho que foi desde a oposição à forma como era
dada a atenção à população rural na construção da barragem, até o de auxílio aos
atingidos, acaba por ser o determinante. Esse processo estimulou a luta pelos seus
interesses, a participação social, a busca de melhores práticas de produção e luta pela
formação de associações, que por sua vez se configuram como instrumentos de agência
coletiva. Se antes o controle social era a ferro e fogo, a organização social para luta por
interesses destes agentes passou a ser uma realidade.
De certa forma, o conjunto formado pela violência e a participação da igreja conseguiu
provocar em muitos dos agentes mais pobres a disposição à busca daquilo que se
valoriza, ao invés da resignação e submissão típicas do sertanejo do período do
Coronelismo. Ainda que a liberdade à agência não seja algo forte em Casa Nova e Sento
Sé, é desse grupo que se nota a maior mudança em termos de destas mudanças. Se antes
os beneficiários estariam fadados a uma vida de extrema pobreza com poucas
possibilidades de mudança, por se submeter aos interesses dos grupos dominantes, hoje
buscam ativamente esta mudança, na direção da ampliação de suas liberdades. Ainda
que não tenha ocorrido mudanças na direção de maior desconcentração do poder local, a
mudança na base da pirâmide da dominação implica em uma importante mudança na
estrutura de poder.
Aqui cabe uma nota importante: como já destacado, compreender os efeitos da entrada
de uma UHE de forma isolada não é viável, uma vez que se trata de uma infraestrutura
construída na década de 1970, por isso é importante notar a importância das políticas
socialdesenvolvimentistas da década de 2000. Não seria exagero dizer que a barragem
abriu a porta para condições favoráveis ao aumento de liberdades dos beneficiários, mas
quem deu o impulso para a entrada foram estas políticas.
Em termos de abertura de oportunidades aos agentes e nova aspirações geradas pela
entrada da UHE, os efeitos são heterogêneos. No caso de Sobradinho se torna evidente a
formação de novas aspirações, especialmente pela emancipação do município, que criou
oportunidades sociais e políticas para os agentes locais. Já no caso de Sento Sé e Casa
Nova, o que se nota é que nenhum dos agentes entrevistados teve novas aspirações
87
geradas por conta da UHE e mesmo os que ascenderam por conta da barragem, o
fizeram dentro de seus ramos de atividade. Um dos agentes em Sento Sé, no entanto,
que iniciou no comércio com a construção da UHE, reconverteu seus capitais obtidos
migrando para o campo da política.
Síntese
O território do Sertão do São Francisco, antes da chegada da UHE Sobradinho, era um
território cuja configuração envolvia uma estrutura de poder demasiadamente
concentrada, com a liberdade à ação extremamente restrita, dentro do princípio que
consagrou o coronelismo. Ainda, esta mesma configuração carregava uma estrutura
produtiva muito pouco diversificada, e também extremamente concentrada.
A entrada da UHE -, a literatura é unânime sobre isso -, ocorreu de forma violenta. No
processo de percolação, a UHE impôs drásticas mudanças ao território, e atingindo
grande parte da população ribeirinha. Ainda que tardiamente movimentos,
especialmente ligados à igreja, tenham feito oposição à forma como ocorreria a
construção da UHE, esta resistência acabou não obtendo sucesso. Sobradinho, antes
campo de construção da UHE de mesmo nome, também teve na violência e na ação de
movimentos base da sua formação.
O resultado do processo de percolação é de que a ação da UHE foi demasiadamente
determinante, especialmente pela mudança na paisagem do território e pela apropriação
das oportunidades por pequenos grupos. A configuração territorial resultante ainda sente
o peso de uma estrutura de poder concentrada, ainda que tenha ocorrido uma mudança
nas elites e em suas estratégias, e o território acabou por absorver de forma
extremamente limitada as oportunidades econômicas decorrentes da entrada da UHE.
Destas, a mais notável é a irrigação, que beneficiou pouco Casa Nova pela criação do
Perímetro Irrigado Nilo Coelho. Mas estes elementos pouco se difundiram na direção de
uma maior coesão territorial, com os resultados destes investimentos restritos às agentes
de fora do território.
88
Nos comportamentos dos agentes se nota uma mudança profunda no grupo de
beneficiários de políticas públicas. Aqui menos pela ação da UHE, mas mais pela da
igreja, ou das Comissões Pastorais, que trabalharam com os grupos reprimidos na
direção da formação de associações como instrumento de ação coletiva para a luta pelos
seus interesses. Esse efeito se nota de forma ainda heterogênea, mas pode ser observado
em Sobradinho, município que nasceu da obra, e da violência que a cercou. Esse grupo
deixa de ter postura de submissão aos grupos dominantes locais, e passa a ter atuação
mais ativa e independente na condução de suas vidas.
89
4. O ALTO URUGUAI
A ideia do aproveitamento hídrico para a geração de energia na bacia do Rio Uruguai
ocorre ainda dentro do regime militar brasileiro, na década de 1960, atrelado à ideia de
diminuição da dependência de outras formas combustíveis para a geração de energia.
Na ocasião foram planejadas 22 UHEs ao longo do Rio Uruguai, sendo a primeira a ser
construída a UHE Machadinho, que seria construída no município de Marcelino Ramos,
no território conhecido como Alto Uruguai. O Alto Uruguai, no entanto, é um território
com diferenças marcantes quando contrastado com o território do Sertão do São
Francisco. Tais diferenças imprimiram uma forma muito distinta de relação entre este
território e a UHE ali construída e a que ocorreu entre a UHE de Sobradinho e o Sertão
do São Francisco. Assim como Sobradinho, Machadinho também é exemplar, mas pelo
caminho diametralmente inverso.
Neste capítulo, como no anterior, pretende-se demonstrar como a trajetória do território
foi determinante para a forma como o processo de entrada da UHE Machadinho
ocorreu, resultando aqui em uma percolação diferente da ocorrida no Sertão do São
Francisco, mais guiada à diminuição dos efeitos negativos e à coesão territorial, e que
hoje se fundamenta mais na geração de uma boa relação com o agente externo, a
concessionária, que com o aproveitamento dos resultados diretos das mudanças na
paisagem local.
4.1 A formação social do Alto Rio Uruguai
O Alto Uruguai é uma região de ocupação tardia, diferente da porção mais ao sul do Rio
Grande do Sul, que foi palco de muitas disputas por territórios entre Portugal e Espanha.
O Norte, na porção mais interior do Estado, bem como grande parte de Santa Catarina,
acabaram por receber povoamento para fins de colonização por volta da metade do
século XIX. Mais que isso, de uma forma consideravelmente distinta do formato de
colonização empregado no País até aquele momento, inclusive nas porções litorânea e
sul, do próprio Rio Grande do Sul.
90
O Estado do Rio Grande do Sul foi inicialmente povoado com o propósito básico de
ocupação do espaço e garantia de fronteiras. Na ocasião, a região ocupada foi o litoral
ea fronteira sul e, assim como no interior nordestino, a ocupação principal dos colonos
iniciais era a pecuária. Nesse período, com as fronteiras na região ainda mal definidas, a
população de colonizadores na região era muito baixa, especialmente no interior. A
produção de bovinos na região ganhou destaque com o tempo, chegando a competir
com a produção do interior nordestino e com a mineira. Ainda no século XIX, tropeiros
usavam uma passagem pelo que é hoje o município de Barracão, na época conhecido
como Passo do Pontão, como passagem para gado no século XVIII (BARBOSA, 1981).
As primeiras experiências de imigração com fins de colonização no Rio Grande do Sul
são as da colônia São Leopoldo, de imigrantes alemães, no início do século XIX, ainda
no período monárquico. Esta não é a primeira experiência de colonização no Brasil
(para além da evidente colonização portuguesa), mas é considerada a primeira que teve
sucesso (PETRONE, 1982).
Um ponto importante a se destacar a respeito do processo de colonização por imigrantes
na região Sul do Brasil é que esta se deu com base na posse de fato da terra. Isso a
diferencia, especialmente, da imigração no Sudeste, ou em São Paulo, em meados do
século XIX, onde a colonização ocorreu por meio de parceria com grandes fazendas de
café. Nestas fazendas os colonos atuavam como mão de obra, normalmente em
substituição da mão de obra escrava. Apesar de resistir por certo tempo, as colônias de
parceria não eram bem vistas em função do tratamento que os colonos recebiam.
Acostumados ao uso de trabalho escravo, e sem prática do uso de mão de obra livre, os
fazendeiros dispensavam aos colonos tratamento também violento (PETRONE, 1982).
A forma como ocorreu a colonização na região acabou por ser determinante na
formação da configuração territorial de grande parte dessa macrorregião, e também do
Alto Uruguai. Os colonos, de forma geral, não tiveram apoio do governo, tanto federal,
quanto estadual, e não raras as vezes encontraram terras em condições diferentes
daquelas que haviam sido prometidas. Isso fez com que os colonos acabassem por criar
um forte senso comunitário, e muitas das dificuldades locais foram resolvidas dentro
91
das colônias, por ação dos próprios imigrantes. Dessa forma, para suprir a necessidade
de uma escola na comunidade, os imigrantes se organizavam e contratavam professor
para seus filhos. Da mesma forma ocorria com a igreja, que era construída por eles, e o
padre contratado por todos.
Outro ponto diz respeito ao tamanho das propriedades que os colonos recebiam.
Tratava-se de propriedades de pequena dimensão, variando entre 25 hectares a
aproximadamente 75 hectares, o que permitia uma produção diversificada na
agricultura, mas dificultava, ou mesmo impedia, a divisão do lote para a herança. Isso
fazia com que os descendentes dos colonos buscassem novos terrenos, por vezes
abrindo novas linhas. Dessa forma, o povoamento antes próximo do litoral, começava a
se estender para dentro do Rio Grande do Sul, e levando consigo as características das
colônias originais (PETRONE, 1982).
Esse caso de expansão de colônias é o que ocorreu com os municípios do Alto Uruguai
aqui analisados, sendo que os primeiros municípios, aqueles que seriam a base da
região, foram fundados em meados do século XIX. Em 1857 foi fundado o município
de Lagoa Vermelha, em uma área cujo povoamento começou apenas em 1840, pela
constituição de uma fazenda, que dois anos depois se tornou distrito de Vacaria. Dele se
desmembraram Sananduva em 1954, Machadinho em 1959, Barracão em 1964,
Marcelino Ramos em 1960, Maximiliano de Almeida em 1962 (emancipada de
Marcelino Ramos) e Cacique Doble, em 1964 (BARBOSA, 1981).
Neste processo de expansão interna no Estado, Machadinho recebeu italianos da
primeira onda de migração logo no começo do século XX, e Maximiliano de Almeida,
italianos e portugueses, no mesmo período (BARBOSA, 1981). Nessa região, seguindo
os mesmos princípios da colonização europeia, a distribuição de terras ocorreu de forma
razoavelmente igualitária, resultando na formação de uma economia baseada na
pequena produção. Em torno dessa produção foram desenvolvidos mercados com vistas
a suprir a região em suas necessidades básicas. Dessa forma, resultou na região uma
economia mais diversificada, e menos concentrada (HERRLEIN JR., 2004).
92
A partir da década de 1930 o Rio Grande do Sul começou a passar por um processo de
transição para o modelo de capitalismo industrial80
. Enquanto nas regiões litorânea e
sul, cuja formação se assemelha mais à do Brasil colonial, ocorreu a constituição de
indústrias, isso não aconteceu na região do Alto Uruguai. Sua vocação essencialmente
agrária, com muitas pequenas propriedades, o que garantia bom sustento às famílias
produtoras e uma estrutura urbana baseada em comércio, acabaram por impor
dificuldades à industrialização na região, uma vez que se tornou difícil encontrar mão de
obra (HERRLEIN JR., 2004).
Esse fato foi sentido na região, o que ocasionou seu empobrecimento monetário. Mais
que isso, provocou seu gradativo isolamento. Dessa forma, os municípios mais ao norte
do Estado acabaram ganhando a alcunha de "Volta da Fome"81
. Esta região acabou por
ser identificada como uma das mais pobres do Rio Grande do Sul no início do século
XXI. Em 2001 o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, com vistas a diminuir as
desigualdades regionais no Estado, estruturou o Grupo de Trabalho para Regiões Menos
Desenvolvidas, que selecionou sete regiões prioritárias para sua ação82
, e a região do
Conselho Regional de Desenvolvimento Nordeste83
, onde se situam Machadinho e
Maximiliano de Almeida, foi uma delas. As ações propostas pelo grupo e efetivamente
implementadas foram a constituição de um campus da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul em Sananduva (e ligado a Vacaria), um Polo Tecnológico em Lagoa
Vermelha, ligado à Universidade de Passo Fundo. Houve tentativa de desenvolvimento
do projeto LEADER, mas que acabou por não avançar (CARGNIM, 2014).
80 No Rio Grande do Sul esse processo começou de forma tardia em relação ao resto do Brasil, e
segundo Herrlein Jr. (2004), teve características muito particulares, especialmente pela forma como
se constituiu este estado.
81 A situação de isolamento da região que deu a alcunha de "Volta da Fome" gerou, inclusive, um
movimento de separação desta região do Rio Grande do Sul para anexação a Santa Catarina. Segundo
um dos relatos, não havia, a intenção de separação real do Estado, mas sim de exercer pressão sob o
governo para o desenvolvimento de acesso asfáltico desta com outras regiões do Rio Grande do Sul,
para facilitar o trânsito local, e facilitar o escoamento da produção agrícola. Sobre a "Volta da Fome"
o melhor relato é do agente de Elite Política 2 (ver anexo III), que viveu de forma direta os conflitos
políticos relacionados.
82 É importante destacar que o critério para definição das COREDEs selecionadas foi apenas o PIB.
83 Reforça-se aqui que o uso de Alto Uruguai para a análise do território se dá por razões históricas, e
evitar confusão com o fato da região do Sertão do São Francisco pertencer à região Nordeste.
93
Estes investimentos ocorreram contemporaneamente à construção da UHE Machadinho,
no início da década de 2000, e pouco foi comentado nas entrevistas sobre seus efeitos,
tanto em Machadinho como em Maximiliano de Almeida. De fato, a ligação maior entre
estes municípios se dá mais com Erechim e Passo Fundo, que com Lagoa Vermelha e
Sananduva. Resta então compreender de que forma a UHE propriamente dita
influenciou (e vem influenciando) o território. Para tanto, na sequência será discutida a
forma como ocorreu a entrada desta infraestrutura.
4.2 A construção da Usina Hidrelétrica de Machadinho
Ao contrário de Sobradinho, Machadinho passou por forte resistência à sua forma de
construção, que foi concebida no fim da década de 1960, como a primeira de uma série
de barragens que deveriam explorar o Rio Pelotas, divisa entre os estados do Rio
Grande do Sul e Santa Catarina. Sua construção foi definida no ano de 1982, e deveria
ser realizada no município de Marcelino Ramos, vizinho de Maximiliano de Almeida.
O anúncio formal da construção ocorreu no ano de 1979, e a partir daí começou forte
resistência à forma de construção da barragem (tanto de Machadinho, como de Itá,
hidrelétrica vizinha), por parte da Comissão Pastoral da Terra e dos Sindicatos de
Trabalhadores Rurais, que questionaram a forma como ocorreria o reassentamento da
população atingida. Estes grupos passaram a constituir uma Comissão de Barragem.
Além desta comissão, os prefeitos da região, por meio da Associação dos Municípios do
Alto Uruguai, também expressaram preocupação, ao solicitar garantias a respeito dos
impactos e formas de mitigação do projeto (SIGAUD, 1986; HALL, 1994).
A posição da Comissão de Barragem não era a de oposição à construção da UHE, mas
sim da garantia de um tratamento correto aos atingidos, e a correção dos valores de
indenização, sendo que no desenho original do projeto haveria o deslocamento 11.200
pessoas. E nessa direção buscou diálogo constante com a Eletrosul. Em 1981 a
Comissão consolidou sua estrutura, da qual faziam parte Sindicatos de Trabalhadores
Rurais, representantes das igrejas luterana e católica, e pela CPT, e passou a ser
94
designada como Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB) (SIGAUD,
1986).
Dada a pouca informação disponível na época, e mesmo o fato de que o reassentamento
não era uma prática comum, a comissão formou delegações com o propósito de visitar
os assentamentos realizados para os atingidos na região do São Francisco, visitando
Moxoró, Paulo Afonso e Sobradinho (HALL, 1994)84
. Não havia por parte dos
potenciais atingidos a compreensão da dimensão deste momento em suas vidas, e coube
ao CRAB informar aos colonos, especialmente aqueles das linhas que seriam atingidas,
os efeitos desse processo. Além disso, o CRAB acabou por constituir como um
centralizador das demandas locais e a ponte de diálogo entre a Eletrosul e os colonos85
.
A reação à construção da barragem ganhou grande dimensão, sendo realizados
encontros e marchas para a mobilização dos agricultores, e como pressão contra a
Eletrosul na busca de soluções apropriadas para a questão daqueles que seriam atingidos
pela formação do lago86
. A repercussão da construção da barragem e sua oposição
provocou a formação de uma Comissão Especial de Barragens, no legislativo gaúcho no
anode 1983. O crescente apoio aos atingidos, e a constante recusa da Eletrosul na busca
por uma solução em consenso com os grupos locais, levou a que fossem realizadas
propostas alternativas à construção de UHEs do porte proposto, e levou, inclusive, à sua
total condenação, no mesmo ano de 1983, no Encontro Estadual sobre a implantação de
Barragens na Bacia do Rio Uruguai, promovido pela Comissão Especial de Barragens
(SIGAUD, 1986).
84 A importância do MAB, e também do MST, no sentido de informar os potenciais atingidos, e
também de organizar os reassentamentos, foi reforçado pelos agentes de Família Tradicional 3 e Elite
Política 4, agora no contexto da construção já no segundo eixo, como será descrito a seguir (ver
anexo III).
85 Não se pode dizer, de forma alguma, que o CRAB, na ocasião em plena formação, fosse uma
coalizão com alinhamento perfeito de interesses. Ao contrário, havia por parte dos agentes envolvidos
interesses diversos, e formas diversas de compreender a CRAB, ainda que o resultado final tenha sido
o de oposição à construção da barragem em um primeiro momento, e depois a negociação de formas
de mitigação, quando se percebeu que seria inevitável a sua construção. Sobre isso Aurélio Vianna Jr.
apresenta um trabalho etnográfico que detalhada estes pontos, ver Vianna Jr. (2012).
86 Vale lembrar que no mesmo período ocorriam ações que dariam origem ao Movimento dos Sem
Terra, também no Rio Grande do Sul.
95
No ano de 1984 o movimento ganhou apoio dos governadores dos Estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, que defendiam o fim das obras. Mas nem tudo era
consenso. O relatório da Comissão Especial de Barragens, da Assembleia Legislativa,
apontava alternativas para a construção da UHE, mas não tinha uma posição firme a
respeito da não construção das UHEs de Machadinho e Itá, o que desagradou à CRAB.
Ainda no fim do ano de 1984, a Cooperativa Tritícola de Erechim (COTREL), alguns
presidentes de Sindicatos de Trabalhadores Rurais e prefeitos, formaram a "Equipe
Justiça e Trabalho na barragem de Machadinho"87
, com o objetivo de buscar uma
solução com a Eletrosul sobre a questão dos atingidos (SIGAUD, 1986), também de
forma menos incisiva que a CRAB.
Os enfrentamentos só intensificaram a partir daí. Houve mobilizações, barreiras,
expulsão e "prisões"88
de técnicos ligados às empresas responsáveis pela construção, até
que ocorreu o acordo para a construção da UHE89
em 198790
, com o acordo de que o
reassentamento dos atingidos ocorreria de forma anterior à construção das UHEs, mas o
não cumprimento de ações de mitigação provocou novos protestos em Machadinho e a
construção foi interrompida novamente em 1988 (VIANNA JR., 2012). A solicitação
maior por parte dos atingidos, na sua maioria agricultores, era a de que se deveria trocar
terra por terra, ao invés de indenização, pelo temor de não conseguirem adquirir outras
terras.
Gradativamente ocorreu a mudança dos agentes que construiriam a UHE. Em 1985,
com o fim da ditadura militar e do período de opressão, e o fortalecimento das
instituições democráticas, o agente estatal já não tem mais o mesmo poder para se impor
no território. Mesmo dentro da Eletrosul, já havia a mudança no seu corpo técnico, com
segmentos muitos mais alinhados às questões sociais que permeavam o processo de
construção da UHE. Por fim, com o processo de privatização do setor elétrico, a partir
87 Vianna Jr., define esta equipe como uma concorrente com o CRAB como legítima representante dos
atingidos.
88 Nem todas ações foram realizadas pela CRAB, mas capitalizadas para o movimento. Estas prisões
consistiam na retenção de funcionários ligados à construção da barragem, normalmente por um dia.
Para uma descrição detalhada de uma das prisões, ver Vianna Jr. (2012).
89 Nesse acerto também ficou decidida a construção da UHE Itá, na mesma bacia, que foi efetivamente
construída.
90 O ano de 1986 marca a entrada em vigor da Resolução CONAMA 001/1986, marco da avaliação de
impactos ambientais de grandes infraestruturas.
96
de 1994, muda definitivamente a natureza de quem construiria a UHE, passando de
empresa estatal para consórcio privado (VIANNA JR., 2012).
Em 1996, especialmente em função dos custos envolvidos91
(VIANNA JR., 2012)
houve mudança de eixo da UHE, deslocada em 7km do desenho original, tirando os
impactos de Paim Filho (NÉSPOLI e PIZZATO, 2007), município que concentrou
muitos dos conflitos. Com isso diminuiu consideravelmente o número de potenciais
atingidos, com repercussão no contingente de agentes que constituíam oposição à
construção da barragem. Mais que isso, se concentrava o processo praticamente todo em
dois dos municípios que mais sofriam com o estigma da "Volta da Fome". Ocorre então
um posicionamento diferente entre poder público da época e parte da população local
que ainda se opunha à construção92
. A visão de que a barragem poderia trazer benefícios
à região ainda um tanto isolada se opunha à visão de que a construção dela traria fortes
impactos ambientais e sociais.
Todo o processo de negociação foi finalizado apenas no ano de 1997, quando a
construção foi passada para a iniciativa privada, por meio do Consórcio Machadinho,
que constituiu a empresa Machadinho Energética S. A. (MAESA) para a construção da
barragem. Nesse processo ficou decidido que o município que receberia a barragem
seria Maximiliano de Almeida, e não Marcelino Ramos, o que diminuiu o número de
atingidos potenciais de 11.200 pessoas para aproximadamente 8.000.
Depois da construção da barragem, no entanto, houve certo desencanto. Em reportagem
de encarte especial do jornal A Hora, de fevereiro de 2003, foram entrevistadas diversas
pessoas, representantes do comércio e serviço, sindicato dos trabalhadores rurais, da
câmara de vereadores e de cooperativas e, de forma geral, havia a sensação de que a
barragem não trouxe o que havia sido prometido. Esse sentimento, especialmente
observado no comércio e serviços, veio por conta da diminuição da população por conta
91 Aurélio Vianna Jr. indica que estes custos seriam motivados pela questão social, relativas às
indenizações (2012).
92 O agente de Família Tradicional 2 indica que neste momento os prefeitos já eram a favor da
construção da UHE, enquanto ainda havia oposição do MAB, sendo que os prefeitos passaram a
discutir e argumentar em favor da construção com o movimento.
97
do reassentamento93
, o que gerou impacto na economia local94
. Mas a esperança do
desenvolvimento local estava depositada no parque termal, que na época estava sendo
construído. Havia também a visão das possibilidades abertas pela relação estabelecida
com a Concessionária, que já havia viabilizado a construção do parque termal, e o
desenvolvimento no município de um tipo próprio de erva-mate95
, e poderia viabilizar a
construção de uma fábrica de calçados96
. No caso dos representantes da política local
havia, além da relação estabelecida com a concessionária como positiva, a visão do
benefício da entrada da compensação financeira (A HORA, 2003).
4.3 Indicadores socioeconômicos do Alto Uruguai
Nas subseções anteriores buscou-se compreender como ocorreu a formação social do
território do Auto Uruguai, quais foram os elementos determinantes neste processo, e
inferir como era a organização social do território antes da entrada da UHE. Na
sequência o processo de construção da UHE Machadinho é apresentado, desde o seu
momento inicial, até a conclusão da construção da UHE, em 2002. Todos estes
elementos contribuem para o desempenho do território em termos de bem-estar, uma
vez que configuram o território, e consequentemente, a qualidade de suas instituições.
Assim como no Sertão do São Francisco, esta subseção visa caracterizar o território,
situando os municípios em análise ante seus pares mais próximos, e com relação ao
Estado do Rio Grande do Sul e ao Brasil. Serão tomados indicadores socioeconômicos
para a caracterização do desempenho atual dos municípios do Alto Uruguai. Estes são
municípios com população baixa, assim como os municípios em seu entorno, tendo
Machadinho 5.510 habitantes e Maximiliano de Almeida 4.911, no ano de 2010 (IBGE,
2010). Novamente serão utilizados como base os valores de IDH municipal e suas
93
Boamar (2003) identifica seis formas de mitigação dos atingidos diretos, que são as indenizações, os
reassentamentos, tanto pequenos, como em áreas de remanescentes e determinados casos especiais, o
fornecimento de carta de crédito e remanejamentos coletivos.
94 Houve também a perda de uma ligação que era realizada por balsa entre Machadinho e Piratuba (SC),
o que teria impactado o comércio também, segundo os representantes da ASCAR/EMATER (ver
anexo III).
95 Tipo denominado de Cambona 4, da ervateira Cambona, desenvolvida em conjunto com a Embrapa.
96 A fábrica de calçados acabou não sendo desenvolvida.
98
componentes para os anos de 1991, 2000 e 2010, bem como indicadores que os
complementem, assim como o índice de Gini para a desigualdade de renda.
Um primeiro ponto a destacar é que os municípios deste território vêm gradativamente
perdendo população, e isso não se deve somente à construção da UHE, mas também a
aspectos como o isolamento da região e às circunstâncias que caracterizaram
historicamente o local como"Volta da Fome". Ainda assim, os municípios mais afetados
por esta diminuição foram, justamente, Machadinho e Maximiliano de Almeida, que de
1991 a 2010 perderam 1.828 e 1.578 habitantes, respectivamente. Esse dado é
significativo, uma vez que resulta na perda de força de trabalho e perdas no comércio.
Um efeito analítico que também deve ser considerado é o fato de que parte dessa
população deixou o território por conta da construção da UHE, e se trata de população
essencialmente pobre, o que pode acabar resultando em sensível melhora em
determinados indicadores econômicos, mais pela diminuição dessa parcela pobre, que
por melhorias efetivas na economia local97
.
Figura 4.1 - Variação do IDH no Território do Alto Uruguai no período de 1991 a 2010
Fonte: PNUD
Elaboração do autor
97 Por essa razão esses dados são tratados aqui para fins meramente descritivos, para situar o território
no seu entorno.
99
O desempenho dos municípios do Alto Uruguai, no que diz respeito ao IDH enquanto
componente agregado é bom se comparado ao desempenho médio dos municípios
brasileiros, mas fica um tanto aquém do desempenho da média dos municípios do Rio
Grande do Sul. Enquanto a média nacional para o IDHM de 2010 é 0,659, todos
municípios têm desempenho superior, estando apenas Cacique Doble pouco acima, com
0,662. Já com relação à média estadual, 0,713, apenas Ibiaçá, Sananduva, Santo
Expedito do Sul e São José do Ouro têm desempenho superior. Barracão, um dos
municípios que faz parte da área do lago formado pela barragem, fica muito próximo,
com 0,710, enquanto Machadinho fica em 0,692, e Maximiliano de Almeida, com
0,699, bem abaixo, dentro do que o PNUD define como desempenho médio (valor entre
0,600 e 0,699). No período de 2000 a 2010, no entanto, os municípios que apresentaram
variação maior foram justamente Barracão (25,44%), Machadinho (21,19%) e
Maximiliano de Almeida (24,37%), com aumentos próximos à média nacional, e muito
acima da média do Estado do Rio Grande do Sul.
Assim como no caso do Sertão do São Francisco, é na componente da educação que se
encontra o principal fator de crescimento do IDH dos municípios da região. Os três
municípios sob o lago da barragem são os que apresentam maior crescimento nesta
componente, além de São José da Urtiga e Tupinanci do Sul. Machadinho, Maximiliano
de Almeida e Barracão tiveram crescimento de 45,70%, 45,92% e 62,28%
respectivamente, neste indicador. A taxa de analfabetismo na região é praticamente a
metade da média dos municípios brasileiros, com 8,44% contra 16,25%, sendo
Machadinho (ao lado de Cacique Doble) um dos municípios com maior índice, 10,55%.
No que diz respeito ao ensino médio, as taxas de acesso estão acima da média nacional
para Machadinho (50,83%) e Maximiliano de Almeida (53,27%) e próximas, no caso de
Barracão (42,35% contra 46,9%), mas estes municípios estão abaixo do desempenho
dos demais do território.
A componente longevidade do IDH não teve aumento expressivo na região. Os valores
já eram altos em 2000, sendo que dos municípios sob o lago da barragem, apenas
Maximiliano de Almeida estava abaixo de 0,75 (0,729 na época), sendo a melhora em
100
2010 maior que a média nacional (13,16% contra 11,2%). Em 2010 todos os municípios
contaram com índices acima de 0,8, mas aqui Machadinho é quem apresentava o pior
desempenho, com 0,807.
Se tomamos outros elementos caros à saúde como o acesso à água e saneamento e a
violência, temos que o acesso à água e saneamento apresenta um quadro um tanto
paradoxal, pois enquanto Barracão e Machadinho apresentaram um aumento no número
de domicílios e um aumento considerável nos domicílios com acesso à fontes
melhoradas de água e a saneamento (308,6% e 405,3% de aumento, respectivamente),
Maximiliano de Almeida apresentou aumento no número de domicílios, com redução
nos que tem acesso a tais recursos (que de 57,9% de acesso para 42,6%). Segundo os
relatos em Machadinho, grande parte dessa melhoria vem, justamente, dos
investimentos da empresa concessionária no município, o que não ocorreu em
Maximiliano de Almeida. Ainda assim, os três municípios apresentam acesso superior à
média nacional (40,2%). No que diz respeito à violência, segundo o Mapa da Violência
de 2012, no período entre 2008 e 2010, Maximiliano de Almeida não apresentou
registros de homicídios, enquanto que Machadinho registrou 1 homicídio, e Barracão, 4.
A componente de renda do IDH dos municípios do Alto Uruguai é sempre maior que a
média dos municípios brasileiros, de 0,642, sendo que de Machadinho e Barracão
apresentam valores de 0,711 ambos e Maximiliano de Almeida, 0,699, o que os coloca
em posições intermediárias no território. Os índices de pobreza na região estão todos
abaixo da média nacional (24,62%), mas Barracão e Machadinho estão entre os piores
neste índice, com 18,79% e 15,68% de sua população em condição de pobreza,
respectivamente (Maximiliano apresenta índice de 10,25%).
Já no caso do índice de Gini de renda, Machadinho fica pouco acima da média nacional
(0,49), com uma distribuição de praticamente 0,5, enquanto Maximiliano apresenta um
valor de 0,44. Em comparação com os outros municípios deste território seu
desempenho é apenas mediano, indicando ambos melhores que Barracão e Cacique
Doble, por exemplo, mas com valores piores Sananduva e São da Urtiga (que apresenta
a menor desigualdade de renda, com 0,39).
101
Figura 4.2 - Distribuição de renda no Território do Alto Uruguai no ano de 2010
Fonte: Censo Demográfico 2010 (IBGE, 2010) Elaboração do autor
A agricultura ainda é a principal fonte de riqueza em Maximiliano de Almeida e
Machadinho, especialmente com a produção de soja, mate e trigo. Esse aspecto,
associado ao fato de que há grande quantidade de famílias que produzem, acaba
refletindo no tipo de política pública que mais incide na região, e nesse caso é o Pronaf,
especialmente os dos grupos "A" e "A/C", que apresentam valores maiores de crédito98
.
O escoamento dessa produção não é um problema para a população local que, apesar de
não contar com os melhores acessos, conta com a presença de duas cooperativas, a
Camol – Cooperativa Agrícola Mista Ourense Ltda. – e a Cotrel – Cooperativa Tritícola
de Erechim Ltda. –, além de empresas cerealistas particulares, o que dá certa garantia ao
pequeno produtor familiar.
Apesar deste viés de agricultura familiar os setores de comércio e serviços vêm
ganhando destaque na região, especialmente em Machadinho, por conta da exploração
do turismo. Sua contribuição para a economia local é significativa, mas segundo os
relatos, ainda é muito pontual (se dá mais na época de férias), e ainda apresenta
dificuldades de crescimento especialmente pela dificuldade de acesso a Machadinho,
98 Informação obtida em campo com representantes da ASCAR/EMATER.
102
que ocorre por meio de estradas de terra. A participação do valor adicionado relativo a
serviços no PIB municipal de Machadinho e Maximiliano de Almeida, no ano de 2010,
eram de 53,86% e 55,90%, respectivamente, valores superiores mesmo aos valores
adicionados referentes à agricultura (36,25% e 32,94%, respectivamente).
O que se nota é um território que, de forma geral, apresenta indicadores melhores que a
média dos municípios nacionais, mas com razoável heterogeneidade. Ainda que tenha
ocorrido aumento maior nos valores de IDH de Machadinho e Maximiliano de Almeida
que nos demais municípios, estes continuam mais baixos, assim como são baixos seus
indicadores de educação, e longevidade. Estes fatores colocam Machadinho e
Maximiliano em situação pior relativa a bem-estar com relação a seus vizinhos de
COREDE, o que não surpreende para uma região marcada pelo isolamento.
Resta saber qual a influência da UHE nestes indicadores, ou na possibilidade de
mudança deles, tendo em vista que sua construção ainda é recente, bem como o
processo de percolação na relação entre UHE e território, sendo que, como se observará
a seguir, ainda segue em marcha o estímulo da UHE na mudança da configuração do
território.
4.4. As metamorfoses no território e o papel da UHE
Nesta seção é discutido como vem ocorrendo o processo de metamorfose no território
do Alto Uruguai, que se iniciou ainda no fim da década de 1970, e tem desde então,
uma participação ativa da UHE Machadinho99
. Como já apresentado anteriormente,
reforça-se que mais importante que observar os indicadores de bem-estar e renda, ou
mesmo os investimentos públicos aplicados no território com o tempo, é em quem guia
estes investimentos que está a resposta para compreender o papel da barragem nestas
mudanças. E no caso da UHE Machadinho isso se torna mais evidente, uma vez que os
investimentos diretos decorrentes da construção da barragem, ainda vem acontecendo.
99
Vignatti (2013) e Pritsch e Miranda (2015) apresentam mudanças ocorridas na morfologia dos
territórios do lado catarinese de barragens construídas no Rio Uruguai. Vignatti trata das mudanças
ocorridas nos municípios-sede das UHEs Itá, Machadinho e Foz do Chapecó, enquanto Pritsch e
Miranda focam os municípios na área de influência da UHE Itá.
103
Aqui se analisará o papel da UHE em três aspectos, que são as alterações na distribuição
de poder local, as alterações nas formas de apropriação e uso dos recursos, e a dinâmica
da relação entre os comportamentos e as instituições, formais e informais, que regulam
as dimensões anteriores. Para tanto, serão analisados os resultados dos trabalhos de
campo realizados no Sertão do São Francisco, contrapostos com dados secundários.
Os trabalhos de campo ocorreram em dois momentos, sendo o primeiro em agosto de
2015, e o segundo em outubro de 2016. A primeira visita a campo teve como objetivo
um primeiro conjunto de entrevistas com agentes-chaves, e a realização de um conjunto
de quatro entrevistas semiestruturadas. O foco integral deste momento foi Machadinho,
dada sua importância no processo de entrada da UHE (ainda que construída em
Maximiliano de Almeida).
Um problema identificado em Machadinho diz respeito à condição dos beneficiários de
política públicas. O perfil ideal para a pesquisa é o de pequeno agricultor que acesse
políticas de inclusão produtiva, especialmente o Pronaf B, e o PAA ou PNAE100
. Este
perfil não foi encontrado em Machadinho, onde o Pronaf é acessado em níveis mais
altos. Optou-se por realizar apenas uma entrevista neste momento, e no retorno ao
campo, entrevistar um beneficiário do Programa Bolsa Família, desta forma observando
o extremo entre o acesso a políticas públicas no território.
No segundo momento o foco central foi Maximiliano de Almeida, e a complementação
das entrevistas em Machadinho. Nesse caso também foram realizadas entrevistas com
agentes-chave e entrevistas semiestruturadas com agentes representativos dos grupos de
interesse, o das elites econômica e política, de famílias tradicionais e de beneficiários. É
importante notar que muitos dos agentes selecionados nestes grupos também tiveram
importante papel na construção da UHE, o que significa que em suas entrevistas
também foram registrados momentos da construção, para além de suas trajetórias
pessoais e opiniões sobre o desenvolvimento local recente.
100 Esta questão foi apontada, especialmente, pelos representantes da ASCAR/EMATER, que apontaram
também certa resistência dos Bancos locais em disponibilizar linhas de Pronaf menores.
104
Estas informações são base para a análise que segue e, associadas a dados secundários,
permitem compor um quadro do território atual, olhando de forma mais centrada nos
municípios aqui analisados, e de que forma a UHE contribuiu, tanto para a formação
deste quadro atual do território, como destes municípios101
. Nesse sentido, a análise
segue em três momentos, que são (1) as mudanças na paisagem do território e as
oportunidades geradas, e também perdidas, por conta da entrada da UHE, (2) as
mudanças nas trajetórias dos agentes e, por fim, (3) as mudanças na distribuição de
poder local e sua relação com a entrada da UHE.
A UHE, as mudanças na paisagem e a dinâmica das oportunidades econômicas e a
terra
Um primeiro ponto que se destaca aqui é a perda de população nos dois municípios em
análise. Assim, como nos casos consagrados na literatura, aqui também há a perda de
elementos culturais e de relações sociais, mas deve-se observar que já havia uma
diminuição gradual da população nestes municípios, especialmente por conta do seu
isolamento e falta de oportunidades. No entanto, a construção da UHE acelerou este
processo deslocando muito habitantes de linhas próximas ao lago. Isto, dada a dimensão
dos municípios de Machadinho e Maximiliano de Almeida, implicou também num
problema econômico, uma vez que se perdeu parte do mercado consumidor.
No sentido inverso, o isolamento histórico da região acabou por ser diminuído por conta
da ligação asfáltica com Santa Catarina. Segundo os relatos, essa ligação asfáltica entre
Maximiliano de Almeida e Piratuba, no lado catarinense da barragem não estava
previsto originalmente102
. Acontece que com a mudança da relação entre a construtora e
os municípios da região, que possibilitou a construção da UHE, começaram a ocorrer
diálogos diretos entre ambas as partes sobre investimentos nos municípios. Nestes
101 No desenvolvimento dessa seção serão utilizadas informações coletadas nas entrevistas. Estas
informações estão concentradas no anexo III, e distribuídas da seguinte forma: a primeira parte
contêm uma síntese da discussão realiza com os informantes no território, a segunda contem a síntese
de algumas entrevistas com os agentes no campo, e a terceira uma transcrição de cinco relatos
considerados mais relevantes para a observação das mudanças na dinâmica do território. Na medida
em que informações forem apresentadas na seção, quando relevante serão feitas referências a
entrevistas específicas, ou o resgate de trechos considerados mais importantes.
102 A forma como ocorreu esta ligação é relatada pelo agente de Família Tradicional 2.
105
diálogos, já com a construção em andamento, surgiu a proposta da ligação asfáltica. A
ligação trouxe a possibilidade da ocupação de parte da população local em empregos
(notadamente em fábricas) neste estado. Além disso facilitou o acesso de pessoas de
fora à região103
.
Esse gradativo acerto na relação entre os municípios e a construtora, e depois com a
própria concessionária, também trouxe elementos vistos como benefícios pelos agentes
locais. Estes vieram por meio de investimentos no perímetro urbano de Machadinho, e
agora vem se revertendo em investimentos na recuperação de diversas linhas,
especialmente as próximas à barragem, tanto em Machadinho como em Maximiliano de
Almeida104
.
Longe de serem elementos meramente cosméticos, esses investimentos reforçam uma
tendência que foi viabilizada pela relação com a concessionária, que é o do investimento
no turismo local105
. Ao contrário do usual apontado pela literatura, que seria a própria
barragem o principal elemento atrativo para o turismo, esta relação viabilizou a
construção de um parque termal em Machadinho, que por sua vez vem ampliando o
setor de serviços e de construção, em função da ampliação do setor imobiliário que
cresce em função da construção de leitos para o turismo.
O que se nota na região é a convergência na idéia da diversificação das atividades
econômicas, hoje materializada na busca da consolidação do turismo. É interessante
notar que é comum a visão de que turismo traz "dinheiro limpo" para o município, ou
seja, aumentando a circulação monetária local. Também é importante observar que o
próprio turismo, enquanto atividade econômica de interesse comum aos dois
municípios, reforça a ligação destes como território, tendo em vista que, segundo os
103 Além da ligação para Santa Catarina pela barragem, a ligação com Maximiliano de Almeida acontece
pela ERS-126, ligando com Paim Filho, com más condições de trafegabilidade, por esta mesma
estrada até Erechim, com asfalto, passando por Marcelino Ramos, e com Machadinho pela ERS-208,
com asfalto. Já Machadinho, além da ligação com Maximiliano de Almeida, tem ligação com São
José do Ouro, via ERS-442, com péssimas condições trafegabilidade.
104 Como relatado pelos agentes Elite Política 3 e Elite Política 4.
105 O turismo local é destacado por diversos agentes, mas os mais incisivos sobre seu valor (e também
seus dilemas) são o Representante da ADTM e o Representante Comercial 2. Nesse sentido, um
ponto importante diz respeito à saída do jovem do campo, que foi destacado pelos Representantes da
ASCAR/EMATER e pelo agente de Família Tradicional 3. Neste sentido, o turismo oferece
oportunidades econômicas para quem vem para a cidade.
106
relatos, Maximiliano de Almeida vem buscando alternativas que complementem as de
Machadinho106
. Ao menos duas alternativas foram comentadas durantes as entrevistas.
Uma seria a de construção de um hotel às margens do lago da barragem, a outra seria a
de explorar o fato de que Maximiliano de Almeida conta com duas UHEs (já abriga a
pequena UHE Forquilha, no rio de mesmo nome, em operação desde 1950), e deve
contar no futuro com Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) no rio Forquilha. Sobre a
primeira também foram ouvidas críticas, uma vez que não seria suficientemente distinta
do parque termal de Machadinho. O fato é que o senso comum entre os entrevistados
aponta para a insuficiência dos atuais atrativos para manter uma estrutura turística e,
mais importante que isso, é que os dois municípios podem atuar de forma conjunta e
articulada na direção de melhorias nesta atividade.
Neste sentido, Machadinho segue mais avançada que Maximiliano de Almeida. Por lá
há a formação de uma grande estrutura hoteleira, tanto com a construção do hotel ligado
ao seu parque termal107
, como por diversas pousadas e chalés, além de grande expansão
do seu parque gastronômico e do comércio em geral. O município já conta com dois
museus, um em sua principal igreja, a de Frei Teófilo, e outro o da Alma Campeira.
Esta estrutura, porém, conta praticamente com o sucesso das temporadas de férias, e
esporádicas visitas de grandes grupos. Maximiliano de Almeida, porém, não conta com
atrativos para turismo108
,
Da exploração direta das possibilidades abertas pela formação do lago de Machadinho,
além da possibilidade de uso turístico, vem-se buscando a legalização da produção de
tilápias em tanques-rede no Rio Grande do Sul, atividade hoje proibida no estado em
função deste peixe ser entendido como uma variedade exótica, o que abriria uma nova
possibilidade de exploração de renda. A escolha da tilápia não se dá por acaso, pois seu
valor justifica a prática da cultura em tanques-rede, mas o mais interessante é o fato de
que a proibição desta prática não ocorre no Estado de Santa Catarina.
106 Esta relação emergente entre Machadinho e Maximiliano de Almeida foi apontada pelos agentes Elite
Econômica 1 e Família Tradicional 2.
107 As Thermas Machadinho tiveram sua construção iniciada 2003, após a consolidação da parceria com
a MAESA e finalizada em 2004 (A HORA, 2003). O Park Hotel Thermas Machadinho foi
inaugurado em 2013 (PARK THERMAS MACHADINHO, 2017).
108 Reforçando-se a declaração de um dos agentes sobre a procura de representantes de Machadinho por
atrativos em Maximiliano de Almeida para os turistas.
107
Mas, e com relação à distribuição fundiária, houve mudanças? A terra é um elemento
formador da estrutura social do Alto Uruguai, sendo sua distribuição desconcentrada, e
em pequenos lotes, ter tido forte, senão determinante, influência na forma menos
concentrada de poder, e na forma mais cooperativa de viver (PETRONE, 1982;
SIGAUD,1986). Considerando a literatura e os relatos locais, o que se observa é o
sentimento da população local, especialmente em Maximiliano de Almeida, que há um
grande equilíbrio entre os pequenos produtores. Em Machadinho também há, mas por lá
já é possível encontrar propriedades maiores que a média. E vale destacar, nenhum
agente registrou a existência de conflitos por terra na região. Isso se reflete nos valores
de Gini de distribuição fundiária. Neles, a distribuição em Maximiliano de Almeida é
0,42 e em Machadinho, 0,55. Em ambos os casos a distribuição maior tanto com relação
à média do Estado do Rio Grande do Sul, como com a nacional.
Figura 4.3 - Distribuição fundiária no Alto Uruguai
Fonte: Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2006) Elaboração do autor
Quando são tomados os dados do Censo Agropecuário de 2006 sobre os
estabelecimentos agropecuários e suas respectivas áreas, se confirma a visão dos
entrevistados de que não há concentração fundiária nestes municípios. De fato,
108
Machadinho registrava apenas dois estabelecimentos com dimensão entre 500 e 1000
hectares, com média de aproximadamente 500 hectares cada um (4,48% da área total de
estabelecimentos no município), enquanto os maiores estabelecimentos em Maximiliano
de Almeida, também dois, tinha área média de 235 hectares109
(2,70% da área total de
estabelecimentos no município). Tanto em Machadinho como em Maximiliano de
Almeida, a maior ocupação de área se dá por estabelecimentos entre 20 e 200 hectares.
Dentro do território, apenas Cacique Doble possui um estabelecimento com mais de
4.000 hectares (23,48% de toda a área de estabelecimentos do município), enquanto São
José do Ouro e Sananduva contam com propriedades com área entre 1.000 e 2.000
hectares.
Mas a UHE pode ter tido influência direta na distribuição de terras em Machadinho e
Maximiliano de Almeida? Não há evidências de mudanças para além da área
desapropriada para a UHE110
. Não foram registrados conflitos por terra nas entrevistas,
e quando se confronta os dados atuais com os do Censo Agropecuário de 1995, tem-se
uma distribuição de terras muito próximas da atual, com poucas propriedades acima de
500 hectares em Machadinho, e de 200 hectares em Maximiliano de Almeida, e uma
concentração maior de área nas propriedades menores111
.
A UHE e as mudanças nas trajetórias dos agentes e as organizações
A tabela 4.1 sintetiza algumas das informações coletadas em campo. Nela é possível
identificar a qual grupo pertence o entrevistado, sua principal atividade, sua trajetória
109 Como o Censo Agropecuário não identifica a área total em grupos de área com menos de três
informantes, esses valores foram calculados sobre a área total de todos os estabelecimentos no
município, menos as áreas totais dos grupos com a área registrada.
110 Um ponto importante a esse respeito é o fato de que, segundo os representantes da
ASCAR/EMATER, Comercial 2 e o agente de Família Tradicional 1, as terras alagadas não eram
próprias para a produção agrícola. Sobre isso, o agente de Família Tradicional 2 diz ainda que a UHE
"aplainou os terrenos", o que favoreceu a agricultura (único a citar este fato).
111 É evidente que a própria possibilidade da construção da UHE, na década de 1970, poderia provocar
uma corrida pela compra de terras que poderiam posteriormente ser valorizadas pela presença da
barragem. Mas um olhar sobre o Censo Agropecuário do IX Recenseamento Geral, de 1980, mostra
uma distribuição não muito diferente da atual, sendo as maiores em Machadinho e em Maximiliano
de Almeida, equivalentes às atuais (IBGE, 1980). É muito pouco provável, no entanto, que diferenças
possam ser creditadas à UHE, uma vez que estes municípios já vinham passando por um processo de
saída de seus colonos.
109
dentro do campo e a relação desta trajetória com a UHE, e sua posição sobre o
desenvolvimento do território, sobre a UHE e sobre as políticas sociais.
Tabela 4.1 - Síntese das características dos agentes entrevistados e de seus posicionamentos sobre o desenvolvimento
local e seus vetores, entre eles a UHE Machadinho/VDR – Vetores de Desenvolvimento Regional
Fonte: Pesquisa de campo Elaboração do autor
Dos agentes entrevistados a UHE impactou nas suas trajetórias, de forma direta, em
quatro situações112
. Dos que ascenderam113
, dois o concretizaram em função do
acúmulo de capital simbólico obtido pela luta contra a barragem, um pelo acumulo de
capital social, e um aproveitou a oportunidade econômica aberta para explorar o
comércio em função do turismo. Aqui vale uma ressalva: apesar deste ser um caso único
entre os entrevistados, como já destacado muitos agentes vêm explorando serviços e
112 De fato, apenas um indivíduo foi apontado por agentes e informantes como tendo efetivamente
formado grande capital econômico por conta da construção da barragem, ao explorar o ramo de
transportes na região, mas não possível conseguir contato com ele para a realização da entrevista.
113 Os agentes ascendentes foram os selecionados como o relato integral.
110
comércio em função do turismo, e muitos, apesar de não indicados como elite
econômica, esse tipo de mudança pode ser considerado significativo.
O que se nota em alguns agentes, como citado, é a ampliação de seus capitais,
especialmente o simbólico, em função do seu envolvimento com a luta contra a
barragem. Aurelio Vianna Jr. já havia observado a ascensão política de diversos agentes
em Carlos Gomes. Tanto em Machadinho como em Maximiliano de Almeida o
envolvimento na luta rendeu este acréscimo em capital simbólico, de modo que um dos
agentes foi capaz de convertê-los em capital político, ascendendo no campo político
local, e outro vem buscando esta conversão, mas gozando de boa posição política em
seu partido.
Com relação aos beneficiários, não se notou mudanças em suas liberdades, nem
positivas, nem negativas. Como já destacado, houve sim o processo de reassentamento
que carrega todos os problemas já bem registrados na literatura, e aqui a questão da
desterritorialização e reterritorialização também foram marcantes. Dos entrevistados,
porém, a construção da barragem não chegou a ter efeito. Ainda, sua visão sobre a
construção da barragem não era negativa, a não ser por conta dos valores pagos de
indenização para os que tiveram suas propriedades alagadas. De forma geral, no
entanto, fica por conta dos relatos a impressão de que o capital cultural relacionado à
prática da agricultura tenha sido o determinante para um bom reassentamento, uma vez
que (ainda segundo os relatos) reassentados que tinham o conhecimento da prática da
agricultura conseguiram se reassentar com sucesso, enquanto os que não tinham esse
conhecimento, especialmente os agregados, acabaram por não conseguir se
reestabelecer, venderam suas novas terras, e muitos retornaram a seus municípios de
origem114
.
Por fim, a literatura mostra que a formação de organizações é um elemento fundamental
para a ação coletiva (DREZÈ e SEN, 2002) e uma característica estruturante das
sociedades que contam com instituições mais inclusivas (NORTH et al. 2009), e além
do mais, a formação social do território tem a ação coletiva muito presente (PETRONE,
114 Esta situação foi apontada pelos agentes da Elite Política 3 e Família Tradicional 3. Ambos com
envolvimento muito próximo na questão do reassentamento.
111
1982), e essa ação coletiva foi um elemento determinante para o retardo da construção
UHE (SIGAUD, 1986; VIANNA JR., 2012). Nesse sentido, a própria luta por um
tratamento apropriado aos atingidos gerou uma das mais importantes organizações de
sociedade civil brasileira, que é o MAB. Mas a entrada da UHE pode ter fomentado o
aumento de organizações no território? Esta é uma questão que não é trivial, uma vez
que a partir de 1988 houve expressivo aumento no número de organizações de
sociedade civil no Brasil, além do que o associativismo é uma característica local. Resta
saber se estes municípios se destacam frente aos seus vizinhos.
No que diz respeito às organizações de um modo mais amplo, segundo o Cadastro
Central de Empresas (CEMPRE) (IBGE, 2010b), que considera o número de empresas e
outras organizações, Machadinho e Maximiliano de Almeida apresentam valores muito
próximos, de 39,38 e 40,11 empresas e outras organizações por mil habitantes. Esse
valor coloca estes municípios em uma posição apenas intermediária frente aos demais,
sendo Santo Expedito do Sul e Sananduva os extremos destes indicadores, com 16,65 e
45,92 empresas e outras organizações por mil habitantes. Em comparação com a média
dos municípios no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil, de 36,91 e 22,00 empresas
e outras organizações por mil habitantes, ambos apresentam valores superiores.
Quando se toma a quantidade de Fundações Privadas e Associações sem Fins
Lucrativos (fasfil), (IBGE, 2010c) um recorte do CEMPRE específico para
organizações de sociedade civil115
, em Machadinho um total de 6,17 fasfil por mil
habitantes, número consideravelmente maior que a média nacional (1,98) e também que
a média do Estado do Rio Grande do Sul (3,81) e em Maximiliano de Almeida números
mais modestos, 3,66 fasfil por mil habitantes, este último acima dos nacionais, mas
próximo dos de seu estado. Nestes dois indicadores Machadinho e Maximiliano de
Almeida acabam por se destacar um tanto mais, com Machadinho ficando atrás apenas
de São José da Urtiga, e Maximiliano de Almeida se colocando entre os cinco com
maior número de fasfil por mil habitantes.
115 A fasfil inclui organizações de sociedade civil (OSC) não necessariamente de interesse público, o que
inclui, por exemplo, partidos políticos. A diferenciação entre o tipo de OSC é feita pelo IBGE apenas
para os municípios com mais de 50.000 habitantes, o que impede que esta seja realizada para a
maioria dos municípios aqui analisados (é possível apenas para Casa Nova).
112
Ainda que o número de Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos apresente uma
razoável diferença entre Machadinho e Maximiliano de Almeida, ambos ainda ficam
muito acima do desempenho médio dos municípios brasileiros, e isso se torna ainda
mais evidente no número de empresas e outras organizações. Isso não significa, por si
só, que estes municípios tenham um conjunto de instituições políticas e econômicas
mais inclusivas que a maioria dos demais municípios brasileiros, mas isso será melhor
avaliado com os demais dados116
. Ainda, não é possível definir se a UHE induziu um
aumento no número de organizações locais, e acredita-se aqui que não, uma vez que o
cooperativismo já era uma característica local, e os números de Machadinho e
Maximiliano de Almeida não se destacam sobremaneira aos demais do território, ou
ainda aos do Estado do Rio Grande do Sul.
A UHE e a distribuição do poder local
Como destacado, poucos agentes ascenderam por alguma relação com a UHE
Machadinho. E de modo geral essa ascensão envolveu a reconversão de capitais
adquiridos, especialmente o capital simbólico, decorrente do envolvimento na luta ao
lado do MAB. Em outros casos, envolveu o aproveitamento de oportunidades
econômicas abertas, seja a possibilidade aberta pela composição de um estoque de
capital social, seja pela oportunidade de fato, decorrente de investimentos ligados à
UHE. Resta saber de que forma essa movimentação de agentes, e o que as motivou,
alterou, ou não, a estrutura do poder local.
Por meio das entrevistas foi possível determinar como os agentes, e seus familiares
movimentaram seus capitais no decorrer de sua trajetória. Essa informação permite
compreender de que forma foram formados seus estoques de capitais, e inferir quais são
os capitais que estes agentes valorizam. No gráfico 4.1 é apresentado o volume médio
de capitais tabulados das entrevistas, segundo os grupos.
116 Especialmente na comparação com o Sertão do São Francisco.
113
Gráfico 4.1 - Totais de capitais por grupos analisados no Alto Uruguai117
Elaboração do autor
As elites econômicas e as famílias tradicionais locais são, de fato, aquelas que detêm os
maiores valores em termos de atributos econômicos, e têm grande participação na
política local, por vezes atuando em cargos eletivos, ou na administração pública, mas
mais destacadamente atuando nos bastidores por meio do financiamento de campanhas.
Esse fato é mais destacado em Machadinho, onde os relatos apontam para campanhas
milionárias em eleições municipais. Nem tanto em Maximiliano de Almeida (segundo
os relatos), mas mais em Machadinho, o capital econômico acaba sendo um elemento
importante para a conversão do poder político de facto em de jure. Essa relação entre
campo econômico e o político local pode ser bem observada pelo gráfico 4.2, onde o
espaço social é caracterizado pela maior predominância de agentes da política e da
economia local no que diz respeito ao capital político, e uma maior dispersão entre os
grupos em termos econômicos.
117 Sendo Ks, o capital social, Kp, capital político, Ke, capital econômico, Ks, capital social e Ksi,
capital simbólico.
114
Gráfico 4.2 - Espaço social dos agentes entrevistados, segundo seus capitais político e econômico no Alto
Uruguai
Elaboração do autor.
Um ponto importante a destacar é o fato de que, grosso modo, praticamente todos os
agentes entrevistados são, de fato, de famílias tradicionais, mas de uma perspectiva de
duas a três gerações, dado o fato de que estes municípios são relativamente novos.
Ainda, ou estes agentes foram eleitos para algum cargo eletivo, ou tem parentes que
foram, ou ainda, atuam nos bastidores políticos. Essa é uma condição histórica, segundo
os relatos, e ainda que existam políticos de carreira, a circulação entre os campos é
constante, e o envolvimento na política é amplo.
Os capitais sociais próximos (e baixos), vistos no gráfico 4.1., são um reflexo do fato de
que a circulação da maioria dos agentes locais se dá dentro do próprio território. Paim
Filho, Erechim e Passo Fundo acabam sendo os locais de maior circulação local. No
caso de Erechim e Passo Fundo118
há também um vínculo maior por conta de serviços
que não estão disponíveis nos dois municípios. É comum que fases da vida como a
educação (especialmente o Ensino Médio), o serviço militar (muito comum na
juventude dos entrevistados) e mesmo o mercado matrimonial se deem nos municípios
118 Ainda que muitos agentes tenham destacado este ponto em suas entrevistas, ela foi reforçada pelos
Representantes da ASCAR/EMATER.
115
vizinhos maiores119
. Mas a saída efetiva para outras regiões aconteceu muito pouco, e
como destacado anteriormente, foi com o propósito de saída permanente.
Gráfico 4.3 - Totais de capitais por grupos analisados e por município no Alto Uruguai
Elaboração do autor.
Quando são tomados os capitais organizados por municípios (gráfico 4.3), é que se nota
que a distribuição dos capitais segue equivalente entre os grupos, ainda que seus
volumes sejam consideravelmente distintos. Isso pode ser explicado pelas características
dos agentes entrevistados. No caso da elite política de Maximiliano de Almeida,
encontram-se dois agentes ascendentes, e de origem humilde, diferente dos agentes
políticos de Machadinho, políticos por muito tempo, e com atuação constante nos
bastidores. Já no caso da elite econômica de Machadinho, um agente também
ascendente que, embora seja de um município que pertence ao território, ainda não goza
de capital simbólico e não constituiu carreira política, diferente dos agentes de
Machadinho, cuja atuação na política é mais evidente. Nesse sentido, pode-se dizer que
a influência da UHE nestes grupos é significativa, uma vez que um dos agentes da elite
política de Maximiliano de Almeida e o agente da elite econômica de Machadinho, tem
119 De forma anedótica, dois agentes disseram, em entrevistas distintas, que os homens de Maximiliano
de Almeida iam buscar esposas em Paim Filho, quando comentaram que seus próprios parentes
fizeram isso.
116
sua ascensão diretamente ligada à UHE120
. A título de comparação, as características
das famílias tradicionais entrevistadas nos dois municípios são equivalentes (ver tabela
4.1), o que pode explicar a grande similaridade entre estes grupos nos dois municípios.
É importante destacar, porém, que se a ascensão foi viabilizada pelos capitais adquiridos
e pela abertura de oportunidades econômicas, o fato é que ela foi possibilitada por não
haver maior barreira imposta pela estrutura de poder local. Isso implica no fato de que
se antes da construção da UHE havia uma estrutura de poder não tão concentrada, esta
estrutura ainda guarda estas características.
Um destaque negativo é evidenciado pelos beneficiários nestes territórios. Como
apontado anteriormente, em Machadinho o agente entrevistado é pequeno agricultor,
mas com capital econômico suficiente para acessar níveis de Pronaf mais altos que o B,
aquele destinado ao agricultor que se enquadra no perfil do Brasil sem Miséria, e em
Maximiliano de Almeida, a agente entrevistada tem na sua trajetória familiar formada
como agregada em propriedades rurais, trabalhando como diarista. A diferença entre os
agentes é abissal, mas parece de fato ser uma face marcante da pobreza rural local.
Ainda que não seja uma região pobre, ao menos em termos relativos como restante do
Brasil, ainda preserva parte da população em miséria, e que parece tender a aumentar,
uma vez que segundo o relato da agente já está difícil conseguir a empreita.
A política nestes dois municípios é marcadamente dividida em dois grupos, tanto em
Machadinho, como em Maximiliano de Almeida, como informaram todos os agentes
entrevistados121
. Apesar de a relação familiar ser marcante na região, estes grupos não
são relativos a famílias específicas, ou famílias dominantes, mas sim grupos que
possuem interesses específicos e que por motivos diversos se tornaram rivais. Isso pode
ser observado pela formação de coligações nas eleições municipais, onde as coligações
formadas para a chapa relativa a vereadores são rigorosamente as mesmas para
120 Vale observar que houve resistência de outros agentes ligados à elite econômica local em realizar a
entrevista. Caso fosse possível realizar a entrevista, os valores médios de capitais certamente
mudariam, especialmente o de capital simbólico, mas isto não muda o fato de que há a ascensão de
um agente externo na elite econômica local, e com a influência direta da UHE Machadinho.
121 Esta visão é a predominante entre os entrevistados, e foi reforçada pelos Representantes da ADTM,
Comercial 1 e Elite Econômica 1.
117
prefeitos, e constituídas por poucos partidos. Segundo os relatos, as eleições locais são
marcadas por essa forte rivalidade, não sendo incomuns os atos de violência e a
oposição ao governo vigente acontecer de forma forte.
Essa é rivalidade histórica, que remonta os tempos de disputa entre MDB e ARENA122
,
é quem de certa forma molda a base das coalizões locais. Estas coalizões são amplas,
mas baseadas nessa rivalidade local, e mobilizam agentes locais de diversos campos. O
que é curioso notar é que nenhum dos grupos é portador de uma visão única sobre o
desenvolvimento local, nem em Machadinho, nem em Maximiliano de Almeida, e isto
pode ser observado na tabela 4.1, sobre o posicionamento dos agentes sobre o
desenvolvimento local. Quando se associa esta posição sobre o desenvolvimento com a
sobre as políticas sociais, novamente não há consenso entre grupo algum. Essa posição
muda, e parece guiar para certo alinhamento, quando se trata da evolução nos últimos
anos, e a ligação entre a visão de evolução com a entrada UHE fica evidente quando se
observa que a grande maioria dos agentes toma esta infraestrutura de forma positiva
para o município.
E esse alinhamento é um ponto importante. Nota-se uma mudança radical na estratégia
de condução do desenvolvimento do município de Machadinho. Tendo em vista as
oportunidades abertas pelo turismo, formou-se no ano de 2016 uma coalizão em
Machadinho com o propósito de diminuir os conflitos resultantes dos dois grupos
prevalentes locais. Saíram das vistas os agentes políticos tradicionais, e entrou um novo
agente, sem passado político no local, e que teve suporte dos dois grupos123
. Ainda é
cedo para avaliar resultados deste processo, mas não seria exagero tratar esta coalizão
como social transformadora, como diria Berdegué et al. (2015), dadas suas
características de formação.
122 Hoje expressa por PMDB x PP.
123 Isto foi apontado pelo Representante da Prefeitura de Machadinho e pelo agente Elite Política 1.
118
4.5 Balanço do capítulo
Quando se toma o processo de construção da UHE Machadinho, o que se nota é que o
território teve grande influência no processo de percolação ocorrido. A começar pela
implacável resistência, que resultou no adiamento da obra por anos, e na mudança do
eixo da UHE, o que implicou na diminuição da área alagada e, assim, do tamanho da
população a ser reassentada. Este momento evidencia também a importância da ação
social, e evidentemente, da liberdade de agência, uma vez que uma ampla mobilização,
que envolveu em especial os trabalhadores rurais, foi quem impulsionou essa reação do
território ao fator exógeno. É importante destacar, também, que a importância da ação
coletiva como instrumento de força se apresenta: segundo os relatos só conseguiram a
indenização no formato "terra por terra" aqueles que agiram por meio de uma
organização.
Esse primeiro momento, por si só, já registra um importante ponto relativo à
configuração territorial, uma vez que com a mudança radical do projeto, diminuiu-se em
muito o impacto em termos de paisagem, e a área afetada acabou não significar perdas
na produção agrícola local. Mas mais que isso, no processo de percolação o território
conseguiu uma ligação com outros centros, e a diversificação da sua estrutura produtiva.
O primeiro por conta da ligação com Santa Catarina, e aqui é importante ressaltar que
esta ligação veio por meio de um acesso que foi sugerido em Maximiliano de Almeida,
e não por meio de uma estrada pavimentada para facilitar o acesso à construção, como é
usualmente observado na literatura. O segundo veio pela negociação de Machadinho
com a MAESA para o financiamento do parque termal, o que impulsionou o turismo
local como alternativa de renda124
. Estes dois momentos são consequência direta da
ação do território sobre o fator exógeno, e já são consolidados, mas dois outros
potenciais efeitos, que podem ser creditados de forma indireta à forma como se deu a
percolação, são o fato de que se observa um movimento em Machadinho na direção da
formação de uma coalizão ampla direcionada uma maior coesão territorial, e outro,
124 É importante lembrar que alguns agentes apontaram o problema do envelhecimento do campo pela
vinda dos jovens para a cidade. Isso implica que há, de fato, a necessidade desta expansão nas
atividades produtivas.
119
ainda um pouco mais tímido, que a melhor articulação entre ações entre Machadinho e
Maximiliano de Almeida.
Pode-se observar mudanças nas trajetórias de alguns agentes, que foram afetadas na
medida em que a entrada da UHE deu suporte a outros interesses, apresentando novas
aspirações, como a própria ascensão política e a exploração econômica do turismo. Aqui
a infraestrutura tem um papel mais instrumental que influenciador no que diz respeito
aos horizontes de possibilidades abertos aos agentes locais, por meio de oportunidades
econômicas e políticas. Disso, o destino dado por estes agentes a estas possibilidades
vai mais em direção independente da UHE, de certa autonomia, obtida como destacado
na subseção anterior, por meio da diversificação das atividades produtivas.
Mas aqui deve-se destacar que ocorreu a ascensão de quatro agentes, o que aqui é um
número significativo. Não se pode deixar de notar que isso foi possível porque no
território que se encontraram elites cujo poder não foi suficiente para preservar suas
posições, permitindo assim a ascensão destes agentes. Isso caracteriza um território com
uma estrutura de poder mais desconcentrada, onde a distância entre os agentes não é tão
grande.
Síntese
O Alto Uruguai foi formado como um território de pequenas propriedades rurais, com
colonos e descendentes de colonos, numa estrutura em que associação era necessária
para a superação das dificuldades relativas à ocupação de novas terras. O resultado disso
foi uma configuração territorial com uma estrutura de poder mais distribuída, e uma
estrutura produtiva nem tão diversificada, mas pouco concentrada.
Nesse cenário a Eletrosul encontrou resistência desde a proposta do aproveitamento
hídrico para a geração de energia. Essa só fez crescer, resultando na formação de uma
ampla coalizão que se opôs à construção da UHE Machadinho, e que resultou, inclusive,
na formação do MAB. A construção acabou sendo retardada por um longo período, no
qual a configuração do agente externo, e o próprio desenho do projeto mudaram. A
120
UHE só sai do papel quando houve a convergência de interesses entre o território e sua
construtora.
A percolação na relação entre a UHE e o território acabou por minimizar os efeitos
negativos de construção, diminuindo o número de atingidos, e os efeitos potenciais na
produção agrícola. Mais que isso, muitos dos atingidos conseguiram o que desejavam,
que era a troca de terra por terra. Ainda na percolação, o território conseguiu gerar dois
elementos destacadamente positivos na sua configuração, que é a de uma ligação com
Santa Catarina, e a construção de um parque termal, que significam o acesso da região
outrora chamada de "Volta da Fome" com outros centros, e a possibilidade de
diversificação da sua estrutura produtiva, gerando novas oportunidades econômicas. A
abertura de oportunidades econômicas e políticas, inclusive, resultou na ascensão de
agentes em um número significativo, o que denota um território onde as elites oferecem
menos resistência à mudança, ou ainda, um território com o poder menos concentrado.
121
5. CONCLUSÃO
A literatura voltada a compreender a relação entre UHEs e os territórios que as recebem
é rica no que diz respeito a compreender quais são os efeitos, especialmente os
negativos, decorridos da entrada deste empreendimento em um território. Mais que isso,
normalmente focalizam no grupo de atingidos, e em um curto período de tempo, sem
buscar compreender os efeitos no território como um todo, e depois de longo prazo.
Uma literatura voltada a compreender a relação entre UHEs e territórios, numa visão
mais ampla, tem começado a surgir, mas ainda peca por não compreender quais são os
fatores que levam um território a possuir um bom ou um mau desempenho em seus
indicadores de bem-estar. É nesse contexto que se insere esta pesquisa, o de
compreender quais são as características de um território na sua relação com a UHE, e
que são determinantes para os resultados desse processo de inserção da UHE no
território.
Os objetos de análise aqui foram as Usinas Hidrelétricas de Sobradinho e Machadinho,
não por acaso, uma vez que as duas foram concebidas em períodos próximos, dentro de
um mesmo contexto político nacional e com propósitos muito parecidos, mas resultaram
em processos de entrada absolutamente distintos. E como se buscou demonstrar nos
capítulos anteriores, com resultados consideravelmente diferentes.
Mas se estes territórios estavam sujeitos a um conjunto de fatores muito próximos, por
que tais diferenças ocorreram? A resposta para essa pergunta está no conjunto de
instituições, políticas e econômicas, que governavam estes territórios. Instituições mais
inclusivas implicam em menores constrangimentos à agência dos indivíduos
(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012). Implicam na maior possibilidade de o indivíduo
exercer a participação social, exercer a agência transformadora, em termos de Sen
(SEN, 2009; DRÈZE e SEN, 2012). Mais que isso, instituições mais inclusivas
implicam em maior número de indivíduos com condição de agência, com interesses
mais diversos, e assim na possibilidade de formação de coalizões que resultem na
diminuição da chance de apropriação de um determinado recurso por parte de uma elite,
122
ou ainda, na formação de coalizões que busquem ações que tenham na coesão territorial
o seu foco, ou coalizões sociais transformadoras (BERDEGUÉ et al. 2015).
Lygia Sigaud já apontava, em 1986, para uma diferença crucial entre os dois territórios:
o associativismo marcante no Alto Uruguai, e sua consequente capacidade de
organização, como elemento que diferencia os dois territórios em sua capacidade de
lidar com os impactos da entrada de suas hidrelétricas125
. Nele foi possível a formação
de coalizões amplas que se opuseram com vigor (e por muito tempo de forma eficiente)
contra a forma como seria conduzida a mitigação aos impactos da construção da UHE
Machadinho, enquanto que no Sertão do São Francisco, a principal coalizão, formada
entre as elites locais, não tinha como tema primário esta questão, e a resistência tardia,
especialmente por conta da igreja, acabou não surtindo efeito e não conseguiu impedir a
forma violenta como os impactos atingiram a população rural da região na construção
de Sobradinho. Pode-se afirmar, sem dúvida, que as instituições informais no Sertão do
São Francisco, à época da construção de Sobradinho, eram muito menos inclusivas, ou
melhor, eram extrativas, nos termos de Acemoglu e Robinson (2012), que no Alto
Uruguai.
Essa diferença pode ser compreendida especialmente pela formação dos territórios,
consideravelmente diferentes, tanto em forma, como em motivação. O Sertão do São
Francisco se desenvolveu voltado ao abastecimento do litoral baiano canavieiro,
estruturado à base da posse de grandes extensões de terra, mantida com grande violência
e isolamento, enquanto o Alto Uruguai teve como principal motivador a colonização da
região nordeste do Rio Grande do Sul, estruturada à base de melhor distribuição de terra
para colonos, e fortemente fundado na agricultura familiar e na cooperação para
superação de problemas. Enquanto no Sertão do São Francisco se desenvolve uma
estrutura concentradora de poder e de dependência do pequeno agricultor para o grande
125 Sigaud (1986) e Hall (1994) apontam também para a questão demográfica, onde um território com
maior densidade demográfica, o caso do Alto Uruguai, teria mais facilidade para mobilizar grupos de
ação coletiva, e Sigaud ainda aponta para a questão de que as relações próximas entre as pessoas do
Sul, na sua maioria descendentes de imigrantes, funcionariam para aproximar os interesses dos
envolvidos. Aqui se vai um tanto além, pois ainda que estes elementos tenham influência na forma
como os eventos no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai ocorreram, foi o conjunto de
instituições locais o elemento determinante, uma vez que foi este que garantiu, ou negou, voz às
populações rurais locais, e mais que isso, conduziu a forma com os territórios influenciaram as, e se
apropriaram das mudanças induzidas pela UHE.
123
fazendeiro, no Alto Uruguai se desenvolve uma estrutura de poder menos concentrada, e
com independência considerável maior das famílias pequeno produtoras, donas de suas
terras.
Como apresentado nos capítulos anteriores, são estas as bases das configurações
territoriais que as UHEs encontram, tanto na entrada em Sobradinho, quanto na
proposição de Machadinho. E como observou Sigaud (1986), as características destas
configurações foram determinantes para a forma como se deu o tratamento dos
impactos, e como se pretende demonstrar aqui, mais do que a forma como se responde
aos impactos, estas configurações foram determinantes, inclusive para a forma como
estes territórios reagiram às entradas de suas respectivas UHEs, absorvendo os efeitos
negativos e guiando os positivos de formas distintas. E como isso ocorreu?
Tomando os territórios de forma independente, o que se observa no Sertão do São
Francisco é uma considerável mudança na sua configuração territorial decorrente
entrada da UHE. Em termos espaciais, Sento Sé acabou por se isolar ainda mais, pela
mudança de sua sede, e depois pela perda de seu acesso asfáltico, enquanto Casa Nova
reforçou seus vínculos com as cidades próximas, especialmente Petrolina. Esse
isolamento de Sento Sé acabou implicando, inclusive, na perda de oportunidades
econômicas, como a saída de empresa fruticultora, e por sua vez, na diminuição das
possibilidades e aspirações dos agentes locais. Evidentemente esses efeitos não são
resultantes apenas da configuração territorial anterior, mas também decorrentes do
próprio projeto da UHE de Sobradinho. No entanto, a manutenção da condição de
isolamento de Sento Sé pode ser sim, em grande medida, creditada a sua configuração
territorial, uma vez que houve a possibilidade de ligação asfáltica com outros
municípios, mas que foi perdida posteriormente (especialmente com Juazeiro, via
Sobradinho). Essa junção de elementos contribui para a atual situação do município. No
caso de Sobradinho, a configuração territorial tem gênese direta da construção da UHE.
Seu perímetro urbano ainda guarda as marcas do canteiro de obras e sua violenta
conformação de discriminação espacial entre os espaços destinados aos operários, aos
técnicos e aos engenheiros, e além disso, a violência como aconteceu a construção ainda
marca alguns agentes entrevistados.
124
Das formas de oportunidades econômicas geradas por conta da UHE, a mais evidente é
a irrigação. Ainda que já houvesse a irrigação por meio de perímetros públicos
anteriormente à UHE, após a formação do lago houve a expansão desta prática. Destes,
o maior é o Perímetro Irrigado Nilo Coelho, que abastece predominantemente Petrolina
(PE), mas que tem área irrigada também em Casa Nova. A irrigação, associada a bons
acessos asfálticos, contribuiu para uma maior diversificação da produção local,
implicando em uma maior dinamização do território como um todo, mas com os lucros
desta produção se concentrando mais em Petrolina (PE) e Juazeiro. As entrevistas
evidenciaram o descontentamento local com o fato da irrigação pouco beneficiar Casa
Nova. No caso de Sento Sé houve a tentativa de diversificação da produção agrícola,
mas em decorrência do acesso ao município acabou perdendo-se investimentos, e a
produção hoje é predominantemente de cebola.
A concentração do poder local acabou guiando os efeitos da entrada da UHE por
interesses que não tinham na mitigação dos impactos uma de suas prioridades, o que
implicou numa menor condição do território de refratar os efeitos negativos da UHE, e
na maior privação das liberdades dos atingidos, que perderam terras e práticas de
produção. Mais que isso, a literatura e os relatos deixam clara a prática da grilagem, o
que significa uma apropriação ainda mais concentrada dos ativos na região. A
percolação acabou se dando na direção de uma influência significativa dos efeitos da
UHE, e num sentido que não conduziu à maior coesão territorial.
Pensando a configuração territorial pelos agentes, pelo que se pode observar nas
entrevistas, a maior mudança veio justamente dos impactos negativos na população
mais pobre, que é a disposição à organização social como instrumento de agência. Fruto
da consciência de seu papel na estrutura de dominação local, associada à ação da igreja
e das comissões pastorais, essa disposição tem se mostrado importante para a
contestação das condições de vida da população mais pobre, e para a busca daquilo que
estes agentes valorizam. Isso fica evidente pela forma como o associativismo ganhou
força na região, especialmente no município de Sobradinho.
125
Além disso, o aproveitamento de oportunidades econômicas e políticas abertas no
momento da construção da UHE, em especial no comércio, e depois pela reconversão
dos capitais possibilitada a partir do espaço aberto pelo arrefecimento do papel das
elites tradicionais, permitiu ascensão de novos agentes (econômicos e políticos), num
processo de rompimento de seu ciclo de reprodução social. É importante destacar que
ambos são processos contínuos, com ocorrências desde o início do século XX, mas
ampliados após a instalação da UHE.
É importante ressaltar que estes elementos não são suficientes para explicar o atual
desempenho em termos de bem-estar do Sertão do São Francisco, e mais
especificamente, dos municípios aqui estudados, uma vez que além da UHE, o polo de
fruticultura e a expansão das liberdades decorrentes da Constituição Federal de 1988
também têm forte influência nos seus resultados, mas pode-se dizer que eles formam a
base de uma configuração territorial que acabou se beneficiando, especialmente, de
políticas socialdesenvolvimentistas da década passada de 2000. Isso pode ser observado
tanto pela prosperidade dos agentes econômicos locais neste período, muitos ligados ao
comércio, e pelo impulso dado ao associativismo local por meio das políticas de
inclusão produtiva, o que implicou em certo aumento de liberdades dos agentes locais.
No caso do Alto Uruguai, apesar das mudanças em termos territoriais serem menores do
que no Sertão do São Francisco, alguns elementos vindos diretamente da construção
modificaram o que era o território antes, e isto vem, especialmente, pela ligação
asfáltica de alguns municípios, tanto com outros municípios do estado, como com o
Estado de Santa Catarina, o que gerou oportunidades econômicas para a população
local, efetivamente materializada por meio do emprego em empresas em outras regiões,
algo que é significativo para uma região cujo isolamento lhe rendeu a alcunha de "Volta
da Fome".
De forma indireta, mas possibilitada a partir do Consórcio Machadinho, vem o
investimento no turismo local, especialmente em Machadinho. Por meio da
concessionária, Machadinho conseguiu construir um parque termal que vem
impulsionando o turismo local. Já há estrutura, especialmente hoteleira, e uma tentativa
126
de expansão de atrativos para manter o interesse turístico no local. Essa expansão do
turismo é possibilitada especialmente pelo fato de que a barreira para entrada neste
mercado não é grande, o que permitiu o acesso de muitos agentes. E é do turismo que
derivam dois dos pontos potencialmente mais importantes que podem guiar mudanças
mais significativas na configuração territorial local, levando a um território mais coeso,
que são a formação de uma coalizão ampla com vistas à diminuição das disputas
negativas ao território, e mais guiada ao desenvolvimento local em Machadinho, com o
primeiro passo dado pela eleição de um candidato único entre as tradicionais forças
políticas locais, e também com a tentativa de uma articulação com Maximiliano de
Almeida para a complementaridade entre os dois municípios no turismo, esta ainda em
início.
Os agentes locais tiveram suas trajetórias afetadas basicamente de duas formas, uma em
decorrência do acúmulo de capitais, e posterior reconversão na busca da concretização
de novas aspirações, e pelo aproveitamento de oportunidades econômicas e políticas,
especialmente no turismo. No primeiro caso, o que se observou pelas entrevistas é que o
acúmulo de capital simbólico por parte de alguns agentes envolvidos na resistência à
construção da barragem lhes impulsionou aspirações políticas, e buscaram sua entrada
neste campo pela reconversão dos capitais conquistados. De forma semelhante, o
acúmulo de capital social por um agente permitiu que este alçasse a carreira de
consultor e articulador local.
No segundo caso, o turismo despertou novas aspirações em parte da população local,
antes essencialmente agrícola, mas que agora busca mais o comércio e os serviços. Este
caso é particularmente importante, pois representa a diversificação econômica no
município, o que implica em maior liberdade de acesso ao mercado, já que agora há
maior diversificação na oferta de postos de trabalho. E isso vem em um momento em
que, segundo os agentes entrevistados, ocorre a migração dos jovens do meio rural para
o centro urbano dos municípios.
No fim, a percolação se deu de modo que a entrada da UHE se desse num sentido em
que essa influência fosse positiva em sua configuração territorial, na direção de maior
127
coesão territorial, especialmente pelo diálogo estabelecido com a concessionária.Não
seria exagero dizer o território vê em sua relação com a UHE um recurso para que possa
guiar suas transformações, e não como um instrumento de transformação em
decorrência de mudanças na paisagem local, ou outros efeitos diretos.
Tomando de forma comparativa o processo de percolação ocorrido nos dois territórios,
é possível perceber os elementos determinantes que fizeram com que a percolação
ocorresse de uma forma no Alto Uruguai, e de outra forma no Sertão do São Francisco.
De forma sintética, a tabela 5.1 reúne os principais pontos para comparação.
Tabela 5.1 - Comparação entre a percolação ocorrida no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai
Sertão do São Francisco Alto Uruguai
Formação social com base em grandes
latifúndios; estrutura produtiva pouco
diversificada e altamente concentrada; estrutura
de poder mais concentrada
Formação social com base em pequenas
propriedades rurais e no cooperativismo;
estrutura produtiva pouco diversificada e menos
concentrada; estrutura de poder mais distribuída
Reação à barragem por meio de uma coalizão
restrita que não se opôs à sua construção;
tentativas de oposição infrutíferas
Formação de ampla coalizão que se opôs à
construção da barragem, retardando-a até que
houvesse alinhamento entre as partes
Profundos impactos negativos decorrentes da
violência como ocorreu o processo de entrada da
UHE
Impactos negativos diminuídos por modificações
no desenho do projeto e ao sucesso parcial da
mitigação
Oportunidades econômicas decorrentes do
aproveitamento da irrigação, que impulsionou o
crescimento do Polo Fruticultor, mas cujos
lucros ainda ficam restritos aos grandes
produtores externos ao território
Oportunidades econômicas decorrentes da
negociação com a concessionária para o
investimento no turismo local, impulsionando os
setores de comércio e serviços, e da ligação com
outros centros
Ascensão de agentes em decorrência da
conversão de capitais e possibilitada pelo espaço
aberto pelo arrefecimento das antigas elites;
mudança na visão dos grupos mais dominados
com relação à sua posição no território
Ascensão de agentes em decorrência (1) da
conversão de capitais e possibilitada pela menor
concentração de poder local e (2) do
aproveitamento das oportunidades econômicas
abertas pelo novo mercado do turismo
Em relação ao Alto Uruguai: ainda há forte
concentração de terra, menor número de
organizações, e uma estrutura de poder mais
concentrada
Em relação ao Sertão do São Francisco: há
menor concentração de terras, maior número de
organizações, e uma estrutura de poder menos
concentrada
Elaboração do autor.
128
Quando se toma a relação entre os territórios do Sertão do São Francisco e do Alto
Uruguai em suas relações com suas UHEs numa perspectiva comparada, o que se nota
em primeiro lugar é o caráter muito mais inclusivo das instituições no Alto Uruguai
quanto no Sertão do São Francisco, isto tanto antes da construção das suas UHEs como
depois delas. Ora, se a forma como se dá a distribuição do poder local, bem como a
liberdade de organizar, diferenciam a qualidade das instituições locais, essa diferença se
faz clara nos dois casos.
Quando comparada ao processo da UHE de Sobradinho, não é exagero dizer que no
caso da UHE de Machadinho a política pública foi moldada em função do conflito que
se estabeleceu já no seu projeto. Desde sua proposição foi forte a oposição à construção
na sua forma original, resultando na formação de uma coalizão ampla que envolveu
sindicatos rurais, acadêmicos e políticos locais (SIGAUD, 1986) e impondo resistência
à construção da barragem até conseguir uma solução satisfatória para os que perderiam
suas terras, e desta derivou um importante agente de expressão nacional, o MAB
(CRAB à época). Do período de sua primeira proposição até sua construção mudou o
contexto político brasileiro, mudou o arcabouço legal para sua construção, e mudou,
inclusive, a natureza dos agentes que seriam responsáveis por sua construção, mas ela
só foi possível quando houve uma convergência entre os interesses da maioria dos
agentes envolvidos, resultado da mudança do eixo de construção, o que diminuiu o
número de agentes contrários, e centralizando em agentes que viviam na chamada
"Volta da Fome", e da visão da inevitabilidade da construção da barragem.
Desse processo é possível perceber a dinâmica da formação de coalizões e de interesses.
A participação social não fica restrita a uma elite dominante, mas se estende para
agricultores nas linhas de colonos, que pela associação tem a liberdade de agência
garantida. Fica clara a capacidade de organização de uma coalizão ampla, e com o
interesse comum, o do combate aos impactos da barragem, logo na idealização da sua
construção, e a maneira como mudam as coalizões, e os interesses, à medida que o
processo evolui. Essas mudanças vão desde a resistência ampla no começo, passando à
visão da inevitabilidade da construção, que associada à concordância da Eletrosul em
promover melhor compensação aos atingidos, na base do "terra por terra", diminuiu a
129
resistência à barragem, indo até a diminuição do tamanho das coalizões, fruto da
mudança de seu eixo, e assim a diminuição dos agentes envolvidos pela saída de seus
municípios. Essa diminuição centralizou a luta contra Machadinho a poucos municípios
(no lado do rio-grandense), que por sua vez eram os mais atingidos pelo isolamento, os
municípios da "Volta da Fome", o que fez com que o interesse pela construção da
barragem como indutor para o desenvolvimento local passasse a ser a tônica da coalizão
vigente.
Já no caso do Sertão do São Francisco, não se pode dizer que houve a formação de uma
coalizão ampla propriamente dita a favor da construção da barragem, mas sim o
alinhamento das elites locais com a proposta da construção. Houve tentativa de
resistência, tardia, mas o pouco, ou quase nenhum poder político dos moradores das
áreas rurais deste território não permitiu que qualquer coalizão formada fosse capaz de
se opor efetivamente a Sobradinho (SIGAUD, 1986).
Como já destacaram Dréze e Sen (2002) a desigualdade de poder político é um
elemento que compromete a capacidade de participação no processo de escolha social.
Isso se torna evidente na comparação entre os dois territórios. As duas formações
sociais, distintas, resultaram em uma diferença na concentração de poder, que explica a
participação social nesse processo. A maior liberdade de participação em Alto Uruguai
é decorrente de uma menor distância em termos de poder político, enquanto a
participação social mais restrita no Sertão do São Francisco, condiz com uma maior
concentração do poder local. Se nota no Alto Uruguai instituições mais inclusivas, nos
termos de Acemoglu e Robinson (2012) do que no Sertão do São Francisco, a ponto de
que os agentes locais têm maiores condições de se organizar e buscar algo que
valorizam, ao contrário do Sertão do São Francisco, onde a condição de agência é muito
mais restrita.
A coalizão mais ampla no Alto Uruguai tinha no seu bojo, inclusive aqueles que seriam
os mais atingidos pela construção da UHE, que perderiam suas terras, e também seus
laços sociais, e naturalmente incluiu a diminuição destes impactos na confrontação com
130
a construtora126
. No Sertão do São Francisco, a coalizão formada, muito mais restrita,
não trazia a preocupação de minimização dos impactos para a população rural local,
especialmente a ribeirinha127
. A exclusão de uma grande parcela da sociedade no Sertão
do São Francisco do processo de decisão social, bem como a violência exercida durante
a construção, torna evidente que esta era uma sociedade de instituições mais exclusivas.
Mas as instituições locais são suficientes para explicar a forma como os territórios
reagiram à construção das suas respectivas UHEs? Tomando as características
anteriormente expostas, associadas à forma como foi construída cada uma das UHEs, o
que se observa é um processo de percolação que conduz a uma maior mudança na
configuração territorial em Sobradinho, mas que não conduz a uma maior coesão
territorial, e uma percolação que altere de forma menos negativa a configuração
territorial de Machadinho, e com tendências a uma maior coesão territorial.
Quando se tomam as características atuais dos territórios, o que não é tributário
exclusivamente da construção e presença da UHE, mas de um processo de construção
social da qual a UHE é parte, o que se nota é um Sertão do São Francisco que ainda tem
uma estrutura de poder razoavelmente concentrada, um tanto heterogêneo, com Sento
Sé ainda mais concentrado, Sobradinho menos, e Casa Nova em um patamar
intermediário, enquanto o Alto Uruguai segue menos concentrado. Esta diferença entre
os territórios pode ser observada, pela forma com são constituídas as coalizões locais,
pela forte diferença na distribuição fundiária, elemento formador destes territórios, e
pelo número de organizações, como já destacado por North et al. como um diferencial
entre sociedades mais ou menos inclusivas (2009).
E o resultado disso é um Alto Uruguai que segue na direção de uma diversificação da
sua estrutura produtiva, que pode resultar em uma ampliação da liberdade de
participação no mercado econômico, e com vistas à formação de uma coalizão social
ampla com foco no desenvolvimento local, e assim na direção de uma maior coesão
126 Mais do que diminuir, no começo desejava-se a não construção da UHE.
127 Lembrando que a pressão para que ocorresse o reassentamento veio por parte do Banco Mundial, e
que houve um processo de grilagem e apropriação de terras na região, no processo de construção da
UHE.
131
territorial, enquanto o Sertão do São Francisco tem grande parte dos resultados da UHE
Sobradinho concentrado no Polo de Fruticultura Petrolina e Juazeiro, mantendo-se
assim, um território muito pouco coeso.
Retomando a hipótese desta pesquisa, na sua aplicação específica aos objetos do campo,
é a maior desconcentração de poder, com mais agentes com liberdade para a
participação, que permitiu a formação de uma coalizão ampla, que foi capaz de
administrar os riscos relativos à entrada da UHE Machadinho, no Alto Uruguai. Nesse
processo, o desenho do projeto, bem como os mecanismos de mitigação foram
resultantes da ação do território, a perda em bem-estar foi reduzida, e os efeitos
positivos geraram oportunidades econômicas e políticas e a consequente ampliação de
liberdades. No caso da ascensão de novos agentes, decorrente das oportunidades
econômicas, nesse caso geradas pelo turismo, ela ainda acontece de forma tímida, mas a
formação de uma estrutura ampla voltada a este mercado já vem resultando na formação
de uma ampla coalizão voltada ao desenvolvimento do território, expressa tanto na
coalizão formada pelos grupos dominantes em Machadinho, como pela tentativa de
articulação de atividades turísticas complementares com Maximiliano de Almeida, por
uma melhor sustentação deste mercado.
Por outro lado, também como proposto na hipótese que guia esta pesquisa, no Sertão do
São Francisco, com uma estrutura de poder muito mais concentrada que a do Alto
Uruguai, se fizeram valer os interesses de um grupo restrito de agentes, mesmo com
alguma resistência, que acabou por surtir pouco efeito, o que resultou numa
considerável perda de liberdades especialmente da população rural que se encontrava na
área de formação do lago, e restringindo a poucos as novas oportunidades econômicas
geradas, especialmente pela irrigação.
Estes elementos se alinham também com a hipótese central desta tese ao demonstrar o
peso da configuração territorial na forma de condução da entrada destas infraestruturas
em seus territórios. Naquele com o poder local mais desconcentrado se viu a maior
participação social e uma coalizão mais ampla, e uma percolação cujo resultado guia a
uma maior coesão territorial. No extremo oposto, onde o poder era mais concentrado,
132
houve a imposição dos interesses da elite local, sendo o ônus da construção da barragem
aplicado aos agentes mais pobres, e uma percolação que não foi guiada à maior coesão
territorial.
Esta tese buscou sair da dicotomia que permeia a literatura voltada à relação entre as
UHEs e o território, não se pautando em uma visão de que este empreendimento induz
apenas efeitos negativos quando é construída em um território, e também aquela que
enxerga a sua construção como um indutor natural do desenvolvimento territorial. O
que se procurou mostrar é que o território é um elemento fundamental nesta equação
que envolve duas variáveis independentes, e não apenas uma, a UHE. O território
carrega em si características que podem ser determinantes nos resultados finais do
processo de entrada deste empreendimento. Mais que isso, não bastam elemento de
compensação se o território não é capaz de se apropriar deles. E se essa apropriação
acontecer, mas não for guiada na direção de coesão territorial, não restará
desenvolvimento do processo de construção da UHE.
133
POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO FUTURO
Esta pesquisa não pretende, e nem consegue, esgotar o tema proposto. Algumas
questões derivaram diretamente do fato de que há a possibilidade de ampliação da
pesquisa para outros campos, como Tucuruí, também contemporânea das aqui
analisadas, ou mesmo Belo Monte, cujo histórico de resistência se diferencia do Alto
Uruguai. Outras, no entanto, surgem de acordo com o seu desenvolvimento. Desta
forma, alguns temas para pesquisas futuras são propostos, a seguir.
Um primeiro ponto a destacar é o fato de que aqui se trabalha com dois casos que
podem ser considerados extremos, fica a questão aqui de como se configuraria um caso
intermediário, ou ainda se seria possível quantificar os resultados aqui apresentados de
modo a compor uma métrica para a medida da percolação entre o território e a UHE.
Outra questão que se coloca é o fato de que nos dois casos apresentados os agentes
externos que se opuseram à construção de suas respectivas UHEs ainda estavam em
processo de formação, a CRAB e o CPT. E ainda, no caso da CRAB, foi composta
basicamente por pessoas do local da resistência. Como se dá a participação destes
agentes neste processo, agora que estão mais consolidados?
Alguns dos entrevistados afirmaram que o diferencial entre o sucesso e o fracasso no
reassentamento estaria na condição do reassentado. Aquele que já era proprietário e
produzia, não teve dificuldades em reassentar, enquanto aquele que era agregado, e que
não produzia, normalmente vendia o terreno recebido e retornava à sua cidade. A
questão que se coloca é se é possível compor uma tipologia de reassentados.
Por fim, o acompanhamento da evolução da coalizão formada em Machadinho é um
elemento que pode trazer grandes aprendizados no que diz respeito à dinâmica do
desenvolvimento territorial, visto há a oportunidade de acompanhá-lo em seu pleno
desenvolvimento e estimulado por uma grande infraestrutura como fator exógeno.
134
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144
Anexo I – Questionário aplicado no Sertão do São Francisco e no Alto Uruguai
O questionário a seguir tem como objetivo reconstruir parte da trajetória do entrevistado
e de seu grupo familiar, identificando a forma como movimentou os capitais aqui
analisados (econômico, político, social, simbólico e cultural), sua condição ante o grupo
de interesse nesta pesquisa (se é ascendente, descendente ou estagnado dentro da elite
econômica, por exemplo), sua relação com a UHE, e sua posição sobre temas sensíveis
ao desenvolvimento de seu território.
Este é uma versão modificada do utilizado em Galvanese (2009), e foi utilizado de
maneira mais ampla pelo grupo de pesquisa ao qual esta pesquisa é afiliada, englobando
assim outros tópicos além da relação entre os territórios aqui analisados e suas
respectivas hidrelétricas.
145
Questionário
1. Dados de Controle
1.1. Questionário nº: L_____________
1.2. Data da entrevista:
1.3. Nome do entrevistador:
1.4. Local da entrevista:
1.5. Condições da entrevista [Observações relevantes sobre o local, o momento, forma de acesso ao entrevistado
– rede - e a disponibilidade para a entrevista. Observar reações do entrevistado – desconfiança ou abertura,
colaboração ou resistência, timidez ou desenvoltura, impáfia ou humildade, etc., e comportamento – forma de
cumprimento, hexis corporal (postura, gestos), vestuário (formalidade/informalidade, vestes tradicionais/modernas).
Informações sobre como a situação da entrevista entra no cotidiano do entrevistado – pelo local em que é realizada
(fora da casa/dentro da casa, local público/privado, se interrompida ou não por outros temas e questões].
Início da Entrevista: Término da Entrevista:
146
2. Dados Pessoais
2.1. Nome do entrevistado:
2.2. Fone:
2.3. E-mail:
2.4. Endereço:
2.5. Cidade:
2.6. Idade:
2.7. Ocupação profissional:
a. [ ] agricultor
[ ] trabalha somente em terra própria ou da família
[ ] trabalha também em outra(s) propriedade(s)
[ ] trabalha como assalariado em outra propriedade
[ ] divide o tempo fora da propriedade entre atividade assalariada e outras
[ ] trabalha sem salário em outra(s) propriedade(s)
b. [ ] assalariado do setor privado
c. [ ] assalariado do setor público
d. [ ] autônomo/ profissional liberal
e. [ ] empesário/empregador
f. [ ] dono(a) de casa
g. [ ] desempregado
h. [ ] aposentado/ pensionista público
i. [ ] aposentado/ pensionista privado
j. [ ] outro: ______________________________
Se houver mais de uma: a) qual a atividade que mais ocupa o seu tempo? b) qual sua principal fonte de renda?
3. Origem Familiar [Informações sobre: ancestralidade, condições de vida dos pais e familiares e ambiente familiar
do entrevistado]
3.1. Fale um pouco sobre a origem da sua família. [É crucial relatar a “lógica da memória” – onde começa o
relato, entender porque começa naquela familiar, naquele momento da trajetória do grupo familiar. Relatar o tom
do relato – orgulho, lamento, resignação, vergonha, etc...]
147
3.2. Qual o local de origem de seus pais e familiares próximos?
Familiar Município de origem Região (UF)
Pai
Mãe
Avós maternos
Avós paternos
Filhos
Netos
3.3. Seus pais e avós viveram no mesmo lugar durante a maior parte de suas vidas ou se deslocaram ao
longo da vida? Caso tenham ocorrido deslocamentos, quais foram os principais motivos para isso?
3.4. Seus pais foram criados em regiões predominantemente:
a. [ ] rurais b. [ ] urbanas c. [ ] igualmente em ambas
3.5. Indique a escolaridade, profissão e/ou ocupação dos familiares:
Escolaridade Profissão / (principal ocupação ao longo da vida)
Entrevistado
Pai
Mãe
Tio 1
Tio 2
Tio 3
Tio 4
Avô materno
Avó materna
Avô paterno
Avó paterna
Irmã(o) 1
Irmã(o) 2
148
Irmã(o) 3
Irmã(o) 4
Irmã(o)5
Irmã(o) 6
Filho(a) 1
Filho(a) 2
Neto(a) 1
Neto(a) 2
3.6. Caso possua irmã(os), qual é a ordem de nascimento? [Informação importante é a posição do entrevistado
na fratria: mais velho, caçula, etc].
3.7. Como os seus pais imaginavam o futuro dos filhos? [Expectativas em relação à educação formal; estímulo
para os filhos irem para a escola; valorização da educação; expectativas em relação à profissão que os filhos
deveriam seguir; como os pais interferiram ou tentaram interferir na vida profissional dos filhos; como foi a
transmissão do patrimônio familiar. Valores, investimentos, o que se valoriza e como enxergam o campo de
possíveis].
3.8. Das lembranças que o sr.(a) tem do ambiente familiar, quais eram as principais atividades feitas em
casa nas horas vagas e como era a relação entre pais, filhos e irmãos? [Atentar para as regras, ética, padrões
de comportamento, aquilo que era passível de discussão e negociação na educação recebida dos pais. Entender o
padrão de dominaçãoo mais presente]
3.9. Como era a relação dos seus pais com a religião?
a. [ ] Católicos praticantes
b. [ ] Católicos não-praticantes
c. [ ] Evangélicos praticantes
d. [ ] Evangélicos não-praticantes
e. [ ] Praticantes de outra religião: ________________________
f. [ ] Simpatizantes de outra religião: ______________________
g. [ ] Não simpatizam com nenhuma religião em particular
3.10. Considerando as pessoas abaixo e seus casamentos, é possível dizer que eles casaram com pessoas
de fora da comunidade ou de dentro da comunidade?
Familiar parceiro da mesma
comunidade
parceiro de outra
comunidade
parceiro de outra região, estado, país
149
Pais
Tios
Avós
Irmã(o) 1
Irmã(o) 2
Irmã(o) 3
Irmã(o) 4
Irmã(o) 5
Filho(a) 1
Filho(a) 2
Neto(a) 1
Neto(a) 2
3.11. Seus pais tiveram ocupações variadas ao longo de suas vidas ou sempre se mantiveram dentro do
mesmo ramo de atividade?
a. [ ] Sempre tiveram a mesma ocupação
b. [ ] Tiveram até 3 ocupações diferentes (Quais?)
c. [ ] Tiveram mais do que três ocupações diferentes
3.12. Em relação às oportunidades de trabalho e emprego, seus pais e familiares próximos encontraram
trabalho:
a. Sempre trabalharam na própria propriedade/negócios da família.
b. Próximo ao local de moradia
c. Distante do local de moradia
d. Tiveram que migrar constantemente em busca de novas oportunidades de trabalho
A B C D OUTRO
Pai
Mãe
Irmão 1
Irmão 2
Irmão 3
Irmão 4
3.13. Como era a casa onde você passou sua infância? [Classificar o tipo de habitação (sobrado/mocambo,
casa grande/casebre, situações intermediarias, quais). Notar o tom da descrição (se de nostalgia, de lembrança
150
amarga, ênfase nas restrições ou nas amenidades etc). “Destacar os destaques” – o que marca a descrição (no tom,
na singularidade atribuída pelo entrevistado).Ver onde está a ênfase. Que tipo de diferenciação em relação ao
entorno. Questão simbólica que dá sentido à descrição física da casa. Vizinhança e relação com ela]
Recurso e Serviços a. Fácil
acesso
b. Difícil acesso c. Não tinha acesso
3.13.1. Saneamento básico (fossa séptica,
esgoto)
3.13.2. Água (de qualquer tipo de fonte,
cisterna, ou encanada)
3.13.3. Eletricidade
3.13.4. Transporte público
3.13.5. Serviço de correio
3.13.6. Posto de saúde público
3.13.7. Hospital
3.13.8. Serviço de saúde privado
3.13.9. Escola pública
3.13.10. Escola particular
3.13.11. Acesso a crédito/empréstimo
3.13.12 Acesso a mercados, comércio, venda
3.14. Quais os acontecimentos positivos mais marcantes do tempo que vivia com a sua família (pais,
avós, irmãos)? [Lembranças idilicas, lembranças de solidariedade e cooperação, sucessos familiares ou pessoais,
lembranças relacionadas à mobilidade social, lembranças relacionadas a recompensas por esforços familiares ou
pessoais, etc.Explorar causalidades].
3.15. Quais são suas lembranças dos momentos mais difíceis daquele tempo? Quais foram as maiores
dificuldades enfrentadas durante sua infância e adolescência? [Em não havendo resposta espontânea, induzir o
entrevistado a falar dos seguintes temas: insegurança alimentar (fome), insegurança fundiária (grilagem; roubo ou
ocupação da propriedade familiar; legislação ambiental limitadora), insegurança profissional (desemprego;
trabalho intermitente), violência (doméstica ou local), discriminação (racial ou não), doença grave, falta de
educação formal). Se forem membros das elites locais, a falar dos seguintes temas: riscos, insegurança, incertezas,
reviravoltas no grupo familiar ou nos negócios, acontecimentos políticos ou econômicos marcantes e com
repercussões para a familia].
3.16. Na sua opinião, quais as principais razões dos problemas citados acima?
151
3.17. Como a família enfrentou esses problemas?
3.18. Quais foram as pessoas ou entidades que mais ajudaram sua família ao longo de sua trajetória?
a. [ ] Amigos, vizinhos e membros da comunidade
b. [ ] Igreja
c. [ ] ONGs, Associações, movimentos sociais e/ou fundações
d. [ ] Políticos
e. [ ] Outro: _____________________
f. [ ] Ninguém. A família sempre dependeu mais de si própria
3.19. Considerando os dois atores mais decisivos mencionados acima, explique como eles ajudaram sua
família.
a.___________________________________________________________________________________
___
b.___________________________________________________________________________________
___
c.___________________________________________________________________________________
__
3.20. Quando não estavam trabalhando, o que os membros da sua família costumavam fazer fora de casa?
Quais as principais formas de lazer e diversão? [Possíveis induções: participar de eventos promovidos pela
Igreja (atividades beneficentes, grupos diversos, quermesses), participar de eventos promovidos pelo estado
(prefeitura, Governo, etc.), fazer atividades esportivas ou recreativas em clubes e/ou parques e locais públicos, fazer
atividades culturais (teatro, cinema, exposições)].
3.21. Você acredita que as condições da sua familia hoje são melhores, iguais ou piores do que eram na
sua infância? [Se não for explicitado espontaneamente – Porque pensa isso? Ou: quais os elementos que sustentam
esta afirmação?]
3.22. O que aconteceu com famílias próximas, nas mesmas condições que a sua, com o passar do tempo? [Se for diferente, explicitar as razões da diferenciação. Inferir convergência ou divergência entre a trajetória da
família do entrevistado e do grupo social a que pertencia e as razões em caso de divergência].
4. Trajetória Individual [Informações sobre condições de vida do entrevistado e sua formação social –
queremos saber em que medida a trajetória individual difere da familiar]
152
4.1. Em que cidade o sr.(a) nasceu?
Mun.: _________________________________________ Região: _____________________ (UF:____ )
4.2. Foi lá que o sr.(a) passou a maior parte da sua infância e adolescência?
a. [ ] Sim b. [ ] Não. Onde foi? __________________________________
4.3. Sua criação se deu, predominantemente: [Criação compreende o período de formação e amadurecimento
do entrevistado. Diz respeito à sua infância e parte de sua adolescência pré-profissional].
a. [ ] no meio rural b. [ ] no meio urbano c. [ ] igualmente em ambos
4.4. Durante a sua infância e adolescência o sr.(a) morou:
a. [ ] na mesma moradia durante todo o período
b. [ ] no mesmo bairro/comunidade (mais de uma moradia)
c. [ ] em bairros/comunidades distintos
d. [ ] em municípios distintos
e. [ ] em regiões distintas
f. [ ] em estados distintos
4.5. Descreva, brevemente, os locais em que morou e as razões de suas mudanças. [Classificar o tipo de
habitação (sobrado/mocambo, casa grande/casebre, situações intermediarias, quais), notar o tom da descrição (se
de nostalgia, de lembrança amarga, ênfase nas restrições ou nas amenidades etc).“Destacar os destaques” – o que
marca a descrição (no tom, na singularidade atribuída pelo entrevistado). Notar se a trajetória é ascendente,
descendente ou neutra. Se é linear ou errática. Etc. Relação com o entorno].
4.6. Com quantos anos o sr.(a) saiu da casa dos seus pais?
a. [ ] antes dos 18 anos
b. [ ] entre os 18 e 25 anos
c. [ ] após os 25 anos
d. [ ] ainda mora com os pais (pule a próxima questão)
4.7. Quais os principais motivos para a mudança? [Sempre, junto da informação concreta dada pelo
entrevistado, anotar o tom do relato]
4.8. O sr.(a) é ou foi casado?
153
a. [ ] SIM b. [ ] NÃO (pule a próxima questão)
4.9. Onde conheceu sua esposa e em que circunstâncias? [Se for mais de um/uma, repetir a pergunta para cada
um/uma].
4.10. O sr(a) tem filhos? Caso tenha, como é a sua relação com eles? [Partilham do tempo? Que tipo de
atividade costumam fazer juntos? atentar para conflitos, regras, ética, padrões de comportamento, aquilo que é
passível de discussão e negociação na educação dos filhos].
4.11. Como é a sua relação com a religião?
a. [ ] Católico praticante
b. [ ] Católico não-praticante
c. [ ] Evangélico praticante
d. [ ] Evangélico não-praticante
e. [ ] Praticante de outra religião: ___________________
f. [ ] Simpatizante de outra religião: _________________
g. [ ] Não simpatiza com nenhuma religião em particular
5. Educação [Informações sobre a formação educacional formal e informal do entrevistado – queremos saber
como e onde o entrevistado foi educado e quem foram os personagens que mais influenciaram na sua carreira].
5.1. Qual o seu grau de escolaridade? Comparando com seus amigos de infância e parentes próximos, este
grau de escolaridade é igual, superior ou inferior? [Caso não seja igual, indagar as razões da diferenciação]
5.2. Quais as razões de ter estudado até o grau mencionado?
5.3. Em sua opinião quais foram – ou são – os efeitos dessa experiência escolar na sua vida?
154
5.4. Onde o sr.(a) realizou a maior parte dos seus estudos (relativo ao ensino fundamental e médio)?
a. [ ] escola pública próxima à moradia
b. [ ] escola pública distante da moradia
c. [ ] escola rural comunitária (dentro da própria comunidade/bairro)
d. [ ] escola particular
e. [ ] supletivo
f. [ ] escola técnica
g. [ ] outro: ______________________________
5.5. Onde o sr.(a) realizou seus estudos secundários e/ou superiores (caso tenha feito)? [Considere o estudo
secundário para os que tiverem completado o 2º grau e superiores para os que tiverem nível universitário, mesmo
que incompleto].
Inst.: ____________________________________________________________
Município.: _________________________________ Região: ________________ UF: ______
5.6. Além da escola e/ou faculdade, o sr.(a) realizou outros cursos? Quais? Quando? Como ou por quem
foi levado a fazer esses cursos?
Curso Quando realizou Quem indicou e/ou razões por fazer o curso
5.7. Em que medida o sr.(a) considera que a educação que recebeu foi diferente da que seus irmãos(ãs) ou
parentes e amigos próximos receberam?
a. [ ] muito diferente b. [ ] pouco diferente c. [ ] praticamente a mesma
5.8. Por quê?
5.9. No que se refere à educação, o sr.(a) considera que, ao longo de sua vida:
a. [ ] o sr.(a) aproveitou ao máximo as oportunidades que teve para estudar
b. [ ] o sr.(a) poderia ter aproveitado melhor as oportunidades que teve para estudar
c. [ ] o sr.(a) teve poucas oportunidades e muitas dificuldades para estudar
d. [ ] o sr.(a) não deu muita importância para os estudos
5.10. Por quê?
155
5.11. Além da escola, que outras pessoas ou entidades contribuíram de forma decisiva para a sua
formação? [caso não haja resposta espontânea, citar: parentes próximos? amigos? Igreja? Partido político?
Movimento social? etc. Estimular respostas objetivas e nomes específicos. Até 4 nomes.]
5.12. O que o sr.(a) espera da educação dos seus filhos?
5.13. Como o sr.(a) imagina o futuro dos seus filhos? [Em termos de ocupação, moradia, realizações pessoais,
etc.]
6. Experiências Profissionais [Informações sobre a formação profissional do entrevistado – queremos
saber quais as ocupações e profissões do entrevistado e quem foram os personagens que mais influenciaram na sua carreira].
6.1. Ao longo de sua vida profissional, o sr.(a) procurou: [Assinale a mais importante]
a. [ ] ter ocupações variadas e diversificadas
b. [ ] especializar-se numa atividade profissional
c. [ ] ter um emprego estável
d. [ ] arriscar ao máximo em busca de maiores ganhos
e. [ ] Nenhuma das anteriores
6.2. Por quê?
6.3. Ao longo de sua vida o sr.(a) teve ocupações variadas ou sempre se manteve dentro do mesmo ramo
de atividade?
a. [ ] Sempre teve a mesma ocupação.
b. [ ] Teve 2 ou mais ocupações diferentes.
6.4. Indique quais foram suas principais ocupações ao longo da vida, onde e quando foram realizadas e
como se inseriu na ocupação:
Ocupação Onde foi realizada Quando Como se inseriu (principais contatos)
156
6.5. Caso tenha mudado de ocupação/profissão, explique por que estas mudanças ocorreram:
6.6. Nos momentos em que o sr.(a) precisou de emprego/trabalho, quais foram as principais pessoas a
quem recorreu? [Se forem empresários a vida toda, substituir por: Nos momentos em que seu trabalho ou negócio
precisou de auxílio, a quem recorreu?]
6.7. Em relação às oportunidades de trabalho e emprego, o sr.(a) encontrou trabalho: [Se for empresário,
trocar por oportunidades de negócio]
a. [ ] Próximo ao local de moradia.
b. [ ] Distante do local de moradia.
c. [ ] Sempre trabalhou na própria propriedade. Nunca procurou emprego fora.
d. [ ] Teve que migrar constantemente em busca de novas oportunidades de trabalho.
6.8. No início de sua vida profissional, qual era o seu maior “sonho”? [“ambição profissional”, “expectiva de
realização”. Explorar a justificativa e notar o tom...]
6.9. Como avalia o que se fez desse “sonho”?
6.10. Qual é, aproximadamente, a renda familiar mensal?
a. [ ] Menos de um salário mínimo
b. [ ] De um a dois salários mínimos
c. [ ] De três a cinco salários mínimos
d. [ ] De seis a dez salários mínimos
e. [ ] Mais de dez salários mínimos
f. [ ] Sem renda mensal
6.11. O sr.(a) é o principal responsável pela renda de sua família?
a. [ ] SIM b. [ ] NÃO. Quem é? _______________________
157
6.12. Ao longo de sua vida profissional, as condições de vida do sr.(a) e de sua família:
a. [ ] permaneceram basicamente as mesmas.
b. [ ] sempre oscilaram muito.
c. [ ] pioraram nos último anos.
d. [ ] melhoraram nos últimos anos.
6.13. Quais as principais razões dessas oscilações – caso elas tenham ocorrido – ou da estabilidade nas
condições de vida da sua família? [Basear a pergunta a partir da resposta anterior]
6.14. Dentre as pessoas com as quais o sr.(a) mantém contato (grupo familiar, amigos, vizinhança), quais
seriam as que o sr.(a) considera bem sucedidas? Por quê?
6.15. Dentre as pessoas com as quais o sr.(a) mantém contato (grupo familiar, amigos, vizinhança), quais
as que o sr.(a) considera que não tiveram sucesso? Por quê?
6.16. Considerando a trajetória de seus familiares próximos e amigos de infância, o sr.(a) considera que a
sua trajetória profissional tenha sido:
a. [ ] melhor sucedida do que a deles
b. [ ] pior sucedida do que a deles
c. [ ] tão bem sucedida quanto a deles
d. [ ] não sabe dizer
6.17. Por quê?
6.18. Como o sr.(a) imagina seu futuro? [Em termos de moradia, ocupação, segurança, realizações, etc.]
158
7. Vida Cotidiana [Informações sobre a vida privada do entrevistado – queremos saber quais as atividades
domésticas e extra-profissionais desempenhadas pelo entrevistado e como e com quem se dão as relações cotidianas do mesmo.]
7.1. Como é um dia normal da sua semana? (Atividades regulares que realiza, locais que freqüenta e pessoas
que encontra.)
7.2. Como é um dia normal no seu final de semana? (Atividades regulares que realiza, locais que freqüenta e
pessoas que encontra.)
7.3. Onde o sr.(a) mora hoje? Há quanto tempo mora neste local?
7.4. Como são as relações com seus vizinhos e com a comunidade? (atividades comunitárias, relações de
ajuda ou de apoio entre famílias ou indivíduos OU relações individualizadas, conflitos etc)
7.5. Estas relações estão ligadas ao lazer, religião, à ajuda mutua, ao trabalho, às fontes de renda da
família ou às atividades produtivas? Como?
7.6. Quais são as pessoas mais importantes para o sr.(a) fora da sua família? Pessoas com quem o sr.(a)
sabe que pode contar? [Se possível, pedir para o entrevistado relatar um caso concreto no qual precisou da ajuda
de alguém e foi atendido.]
7.7. Qual a disponibilidade atual dos seguintes recursos e serviços para a sua o sr.(a) e sua família?
Recurso e Serviços Fácil acesso Difícil acesso Não tem acesso
a. Saneamento básico (fossa
séptica,esgoto tratado)
b. Água encanada
c. Cisterna ou outra fonte de
água
d. Eletricidade
e. Transporte público
159
f. Serviço de correio
g. Serviço médico (Posto ou
PSF)
h. Hospital
i. Serviço de saúde privado
j. Escola pública
k. Escola particular
l. Crédito; crediário
m. Comércio (variado)
8. ENVOLVIMENTO ASSOCIATIVO [Informações sobre a trajetória de engajamento em atividades associativas do entrevistado – queremos saber como, onde e quando o entrevistado recebeu sua formação, quais as relações que manteve com associações e grupos de participação etc].
8.1. Quando, como e por que o sr.(a) começou a se envolver com movimentos sociais/associações? O que estava acontecendo na sua vida naquele momento? [Onde estava; quais eram as situações concretas da vida; quais foram as influências decisivas]
8.2 O sr.(a) já participava de atividades dentro da sua comunidade, junto com a Igreja ou em outros espaços de discussão? Em caso afirmativo, explique como eram esses espaços e como o sr.(a) passou a participar deles:
8.3. Em quais movimentos o sr.(a) se engajou (ou sempre esteve no mesmo movimento)? Qual era o seu papel, cargo ou função neste(s) outros movimentos?
Movimento/organização civil Período Cargo/função
160
8.4. Quais pessoas estiveram mais presentes nesta trajetória? Fale um pouco do seu envolvimento com cada uma delas
8.5. O sr.(a) ainda mantém relações com tais pessoas? Como são hoje estas relações em relação a quando o sr.(a) conheceu essas pessoas?
8.6. Ao longo da sua trajetória nos movimentos sociais/associações, houve pessoas ou entidades que impediram a sua atividade? O sr.(a) tem adversários ou inimigos na região? Quem são? Quais os motivos das desavenças?
8.7. Qual o seu papel na entidade/movimento em que está atualmente? Há quanto tempo desempenha este papel? O que o levou a desempenhar este papel?
a. Papel/cargo/função atual: ________________________________________
b. Há quanto tempo: ________________________
c. Motivos que levaram a ocupar o cargo:
_________________________________________________
_________________________________________________________________________________
___
161
8.8. Participa de alguma outra entidade ou movimento?
a. [ ] Não (pule a próxima) b. [ ] Sim
8.9. Se sim, quais?
a. ________________________________
b. ________________________________
c. ________________________________
8.10. Por que o sr.(a) considera importante participar destas entidades/movimentos?
8.11. O sr.(a) é ou já foi simpatizante de ou filiado a algum partido político?
a. [ ] Sim, simpatizante.
b. [ ] Sim, filiado.
c. [ ] Não.
8.12. Por que?
8.13. Se é filiado, qual é ou foi este partido?
a. [ ] PT b. [ ] PSB c. [ ] PTB d. [ ] PC do B e. [ ] PSDB f. [ ] PMDB g. [ ] PFL
h. [ ] PSTU i. [ ] PPB j. [ ] PPS l. [ ] PV m. [ ] Outro:____________________
8.14. Caso tenha se filiado a mais de um partido ou tenha desistido de uma filiação passada, por favor, relate essa trajetória:
8.15. O sr.(a) já se candidatou a algum cargo público?
a. [ ] NÃO (pule a próxima) b. [ ] SIM.
162
8.16. Quando e como foi?
8.17. Quais são, na sua opinião, as principais forças políticas em sua cidade/região atualmente? Por
quê? Essas forças mudaram ao longo do tempo?
8.18. O sr.(a) tem conhecimento de conselhos e fóruns participativos em seu município? Quais? Em caso afirmativo, qual a sua opinião sobre a importância desses fóruns para o município?
8.19. O sr.(a) tem conhecimento de fóruns e colegiados regionais – Comitê de Bacia Hidrográfica, Colegiado Territorial, etc? Em caso afirmativo, qual a sua opinião sobre a importância desses fóruns para a região?[Se possível, coletar informações sobre o perfil dos grupos participantes ao longo do tempo, composição
setorial]
9. Dinamização econômica, bem-estar e recursos naturais
9.1. Como o senhor definiria que vem se dando o desenvolvimento da região? [Identificar estilos,
expectativas, percepção de inclusão ou exclusão].
9.2. Pensando na situação atual da região, quais são, na sua opinião, as atividades econômicas mais importantes e que respondem pela maior produção de riquezas hoje em dia?
163
9.4. O senhor acredita que existam atividades pouco exploradas na região? Por que? Quais e como elas poderiam ser aproveitadas?
9.5. Nos últimos 10 anos, a situação da região:
a) melhorou
b) permaneceu a mesma
c) piorou
9.6. Por que?
9.7. Caso o sr. Fosse eleito para um cargo importante na região (prefeito, vereador, presidente do comitê de bacias, ou mesmo governador do estado), quais as três principais medidas que o senhor tomaria para o bem da região ? Explique.
9.8. Qual o seu posicionamento sobre a barragem de Sobradinho? Explique. [Captar mudanças
importantes e efeitos negativos na vida do entrevistado]
a. a favor
9.3. As principais atividades econômicas da região mudaram nos últimos 10 anos? Por que?
164
b. depende
c. contra
d. não tenho opinião formada
9.9. Qual é o seu posicionamento sobre o polo de fruticultura irrigada regional? Explique. [Captar mudanças importantes e efeitos negativos na vida do entrevistado]
9.10. Na sua opinião, qual o papel das políticas sociais no desenvolvimento recente da região?[Captar mudanças e efeitos na vida do entrevistado]
9.13. Comente as seguintes frases:
a) viver na região era...
b) viver na região é...
c) a barragem gera empregos
d) a barragem destrói os recursos naturais
e) a barragem traz desenvolvimento à região
f) a barragem impede/atrapalha outras atividades econômicas
g) a produção irrigada de frutas na região trouxe melhorias na renda das pessoas
h) a produção irrigada de frutas dinamizou a região
i) o Bolsa Familia faz com que as pessoas não queiram mais trabalhar
j) o Bolsa Família melhorou a economia do município
165
10.A Informações sobre as coalizões e elites políticas regionais [para os entrevistados da elite
política da região]
10.1. O senhor conhece o Plano de Desenvolvimento Territorial? Em que medida esse plano abrange as necessidades da região? [Buscar entender em que medida esse plano integra diferentes políticas. Se possível,
olhar o Plano, seus principais eixos] Interrogar também como ele foi construído e se o entrevistado participou dele..
10.2. Como o senhor enxerga iniciativas de territorialização de políticas públicas? [Como o PPA territorializado, por exemplo] Interrogar se o entrevistado participou e explorar conflitos e complementaridades com a pergunta acima.
10.3. A região costuma eleger deputados estaduais ou federais? Quais e com que frequência? Como estes parlamentares representma a região?
10.4. Informações sobre o consórcio [perfil dos envolvidos]
10.5. Informações sobre o perfil dos prefeitos e sobre a composição da Câmara de Vereadores nas décadas de 60, 80, 2000 e 2010.
166
10. B Informações sobre as coalizões e elites econômicas regionais [para os entrevistados da elite
econômica da região]
10.1.Como o senhor descreveria a Economia do município? [Buscar entender que atividades são vistas como dmoinantes e como subsidiárias, como ascendentes ou descendentes e porque) .
10.2. Como o senhor enxerga a sua posição/do seu negócio, na Economia do município? [Entre os
dominantes ou dominados? Quais são os aliados e os opositores? Por que?)
10.3. Que fatores contribuem ou dificultam o seu negócio? (Explorar fatores históricos e fatores atuais, tentar relacionar com os determinantes históricos da região)
10.4.Qual é a perspectiva futura do seu negócio e o que o condiciona? (futuro imaginado e bloqueios e potencialidades para concretizá-lo)
10.5. Informações sobre o perfil dos membros da associação comercial local e sobre outros empresários que não participam da associação local nas décadas de 60, 80, 2000 e 2010.
10.C Informações sobre os beneficiários do Bolsa Família [para os entrevistados
agricultoresbeneficiários do programa]
167
10.1. O senhor recebe benefícios ligados ao Programa Brasil Sem Miséria? Quais? [Ver quais cita espontaneamente. Se não citar espontaneamente mencionar um a um – Bolsa, ATER, Água (consumo), Água (produção), Crédito de Fomento, Garantia Safra, Crédito Pronaf) .
Os que não recebe, perguntar a razão (não sabe, não procurou, foi informado que não tem direito, outros)
10.2. Como o senhor tomou contato com a possibilidade de receber esses benefícios e acessar essas políticas? [Importante saber se ele foi procurado ou se procurou, identificar os agentes envolvidos) Notar o tom da resposta (agradecimento, direito, surpresa, vergonha, etc).
10.3 Que efeitos esses benefícios tiveram na sua vida e da sua família? (ver o que vem espontaneamente, depois perguntar pontualmente sobre produção, saúde, renda, alimentação, filhos, segurança, dependência) Notar também o tom do relato (orgulho, vergonha, acesso a direito, etc)
Perguntar em geral e depois para cada componente (bolsa, água 1 e 2, ater, fomento, garantia safra, crédito pronaf)
10.4.O senhor comercializa parte da sua produção? Caso positivo, o que, com que regularidade e com quem? Caso negativo, perguntar a razão.
10.5. O senhor participa de programas como o PAA e o PNAE? Caso positivo, como (vendendo o que, como, em que quantidade, com que regularidade, para qual programa, como funciona). Notar o tom do relato. Caso negativo, perguntar o porque (nao conhece, prefeitura não tem o programa, não tem produção, etc).
168
10.6.Como o senhor avalia esses benefícios e programas? (ver o que surge espontameamente, depois induzir a resposta por cada componente – água, ater, etc.
10.7.Como o senhor avalia o futuro desses programas? (deve continuar, deve mudar, em que?) – Explorar aspectos relativos a ele, filhos, comunidade e região.
FINAL DA ENTREVISTA: Muito obrigado pela sua atenção.
169
Anexo II – Entrevistas realizadas no Sertão do São Francisco
Síntese das entrevistas com agentes-chave
O articulador territorial
A irrigação permitiu a diversificação na produção dentro do território, mas dados seus
custos, ainda é concentrada na mão de poucos produtores, sendo que os mais pobres
produzem, predominantemente cebola e melancia. As mudanças vieram a partir do
governo Lula, por conta de políticas públicas, como o acesso à água e luz e programas
como o Programa Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE). Sobre Casa Nova, tem forte presença de caprinocultura,
que substituiu o gado e apenas 1/4 da sua população está na sede do município, demais,
vive em comunidades. Já Sobradinho praticamente não tem produção agrícola, pois sua
população vive mais no perímetro urbano. Na região ainda há grande concentração de
terra, e em Sento Sé ainda se observa resquícios do Coronelismo.
Representantes da EMBRAPA - Semiárido
A estrutura de poder que tinha como centro a figura do coronel foi predominante até as
décadas de 1960 e 1970. Com a minifundização por herança, e politicas de valorização
da Agricultura Familiar como o Pronaf e a Assistência Técnica Rural, esta estrutura
parou de imperar. Sento Sé ainda preserva um pouco dessa estrutura, por conta grandes
propriedades, do vazio demográfico. Lá ainda prevalece a pecuária. Nos demais
municípios da região há a predominância da caprioncultura, que substituiu o gado. Casa
Nova tem recebido investimentos por conta do aproveito eólico para geração de energia.
A irrigação permitiu a diversificação da produção.
Representante da Comissão Pastoral da Terra - Diocese de Juazeiro
A região sofreu profundas mudanças com a chegada da barragem. Foram expulsas entre
70 mil e 72 mil pessoas, e houve muito conflito por terra por conta de grilagem
170
realizada por associados das famílias que ainda dominavam a região. Houve a tentativa
de resistência por parte das comunidades. Destas, a do Riacho Grande resiste até hoje. A
CPT exerceu trabalho de organização sindical e política das comunidades que restaram,
além de realizar outros projetos, como os de cisternas, antes de se tornarem políticas
públicas. Em Casa Nova a irrigação ainda é acessível apenas a médios produtores e
empresas. Os conflitos por terra ainda persistem, sendo que já não são mais as famílias
tradicionais que buscam a tomada das terras das comunidades rurais, mas sim as
grandes empresas de agronegócio, mineração e geração eólica. Considera que hoje a
região está melhor, pois diminuiu a migração, as casas estão melhores, existe comida e
os filhos estão na escola. A juventude rural ainda é o desafio. A concentração de terra e
a estrutura de poder continua, mas as pessoas sabem ler.
Representante da Prefeitura de Sobradinho
Originalmente a CHESF queria derrubar todo o campo de obras e manter somente os
escritórios par a administração da UHE. Com a emancipação do município Juazeiro "se
livrou" do problema social. O bairro de São Joaquim originalmente serviu como
hospedagem aos migrantes que vieram para a obra, ficando fora do acampamento da
CHESF. Por conta dos assassinatos e acidentes constantes, recebeu o apelido de "Cai-
Duro". Ainda é possível ver os muros e as bases das guaritas que separavam as áreas da
construção, entre a área dos engenheiros, a dos técnicos e a dos operários. A maior fonte
de renda para o município é o ICMS, da CHESF, mas a construção de um parque eólico
vem como alternativa para aumento da renda. O município conta com muitos
aposentados, e ainda é muito dependente. O IDH do município hoje é alto por conta dos
funcionários da CHESF. Pela luta dos barrajeiros veio o Projeto de Irrigação Tatauí que
hoje alimenta pouco a agricultura familiar. Sobradinho conta hoje com 12 associações
de produtores articuladas para a obtenção de recursos. Tentam desde 1993 a construção
do Canal Serra da Batateira, que seria a redenção econômica do município pelo seu
potencial de irrigação, mas nunca foi concluído.
171
Trechos selecionados de algumas entrevistas
Agente Elite Política 1
Nascido em Casa Nova, como toda sua família, e passou por sérias privações na
infância, especialmente pela fome.
Mudou-se para São Paulo aos 13 anos para estudar, e onde permaneceu por mais
43 anos, até seu retorno para Casa Nova.
Em São Paulo passou por várias ocupações, até se tornar sócio de um
restaurante. O dinheiro recebido era investido na agropecuária em Casa Nova
(em gado e cebola).
Entrou para a política pelos relacionamentos com outros políticos e foi eleito em
2012 para seu primeiro mandato em um cargo eletivo.
Na sua visão a barragem, por conta da irrigação, trouxe desenvolvimento por
meio da fruticultura realizada por agroindústrias, mas esse é um benefício que
não se estende aos pequenos e médios produtores do município, e nem ao
próprio município, que conta com sérios problemas em temos de água e
saneamento.
Agente Elite Política 2
Sua família era de comerciantes bem-sucedidos da comunidade de Pau-a-Pique,
que tinha no Rio São Francisco uma via de comunicação com outros territórios
para troca de mercadorias, que viu o seu comércio definhar por conta da
construção da barragem.
Sua família era bem-conceituada, e recebeu e abrigou os padres estrangeiros e
Dom José Rodriguez, no período de oposição à construção da UHE.
Participou de diversas associações a partir do ano de 1987, mas não vê com bons
olhos as associações, pois hoje o envolvimento acontece mais por interesses
pessoais que por ideais.
As famílias tradicionais perderam espaço, e hoje apoiam mais do que são
apoiadas.
172
Agente Família Tradicional 1
Um dos últimos de sua família que ficaram em Casa Nova.
Trabalha na prefeitura, está sempre presente nas administrações.
Apesar disso, tem residência e Salvador em Petrolina, onde passa parte do tempo
por não ter que estar o tempo inteiro em Casa Nova. Eventualmente vai para
Salvador.
Além de servido público, também possui fazenda na região.
Considera que a barragem é boa, mas só serve para gerar energia. Na sua visão, a
CHESF não liga para a agricultura.
Agente Beneficiário 1
Os conflitos por terra são permanentes na sua comunidade, por conta da
grilagem de terras há muito tempo.
Ignorada pelo poder público, a associação é a chave para tudo que sua
comunidade conseguiu até hoje.
A barragem trouxe benefícios, como água e trabalho, mas deveria ter vindo de
outra forma.
A educação é a chave para a mudança.
Agente Elite Política 3
Antes da barragem Sento Sé era muito ruim, não tinha opções de trabalho.
Nasceu em Sento Sé, mas passou um período em outro município, retornando
em 1977 para explorar o comércio.
A cidade ia bem até a deterioração da estrada, quando perde a empresa
Frutimag, e perderam-se 3.000 empregos.
Quando não ocupa cargo político, exerce função de secretário.
Em cidade pequena não existe 100% de fidelidade partidária.
173
Agente Elite Política 4
Hoje existem dois grupos dominantes na cidade, e a família Sento Sé se alia aos
dois.
Não há conflitos com entre situação e oposição. A oposição é "light".
É contra a barragem, pois ela só gera energia, sem que exista preocupação com a
agricultura.
Agente Elite Econômica 1
De Salvador, veio para Sento Sé na década de 1990 em busca de oportunidades
para trabalho.
Encontrou espaço no comércio, onde ascendeu e tem forte envolvimento
associativo
Prefere evitar a política para evitar conflitos com sua atividade.
Agente Beneficiário 2
Era de uma comunidade dista cerca de 18km da sede do município. Foi
reassentada dentro de Sento Sé, mas em um local que isolado quando o nível do
lago subia em função da barragem.
A igreja teve forte participação na sua vida, auxiliando nas situações difíceis
vividas no reassentamento [único apoio, segundo ela], e no incentivo à
educação.
Estudou pedagogia e faz pós-graduação [na época da entrevista]. Em um
momento de sua vida chegou a lecionar.
Programas como o Pronaf foram fundamentais para a modificação no
Coronelismo.
Ainda há conflitos por terra em Sento Sé, especialmente motivados pela
mineração.
174
Agente Família Tradicional 2
A entrevistada viveu a questão dos problemas envolvidos na construção de uma
barragem, mas em outro ponto, no município de Rodelas, em decorrência da
construção de Paulo Afonso.
Possui vínculos com associações128
, "[N]o entanto, sua ligação com o tema
começou bem antes, quando estudava e seu marido também e tiveram contato
com o Bispo da Diocese de Juazeiro. Conta que em 1971 com a proposta de
construção da Represa no Rio São Francisco muitas pessoas vieram para
trabalhar. A Chesf entendia que a Vila São Joaquim não fosse necessária e,
portanto, fez dali um acampamento precário. Apenas a Vila de Santana, com
residências maiores e para trabalhadores graduados é que seria necessária.
Havia, inclusive, uma guarita e cerca de arame que não permitiam a entrada de
pobres na área da Vila São Francisco e Santana. Os pobres eram discriminados e
havia segregação social. Diante dessa situação, o Bispo de Juazeiro Dom José
Rodrigues de Souza, implantou, com Leonardo Boff, algumas comissões
pastorais; dentre elas a CPT – Comissão Pastoral da Terra. Os agentes pastorais
tinham por papel um trabalho de conscientização da população em seu papel na
sociedade.
Diante do clima tenso em Sobradinho, o Bispo pediu para que [a entrevistada e
seu marido] viessem à cidade para realizar o acompanhamento das pessoas que
não tinham sido indenizadas pela Chesf e os operários que estavam ali desde a
construção e que seriam despejados. A CPT realizava um trabalho de
permanência do homem a terra, com apoio da Diocese e de verbas da Alemanha.
Criou-se a Associação Agrícola São Joaquim, uma espécie de associação mãe
que agregou os problemas associados à agricultura. As pessoas sabiam criar
animais, que tinham feito ou faziam desde sempre, mas plantar não era realidade
por ali. Criaram-se 22 associações no município e terras devolutas foram
ocupadas por essas associações. Mais adiante se criou a UASA – União das
128 Dada a importância deste trecho do relato, optou-se pela citação direta da transcrição da entrevista. A
entrevista foi realizada e transcrita por Suzana Kleeb.
175
Associações de Sobradinho. Contudo, após esse movimento muitos venderam as
suas terras e se aproveitaram do movimento. Esse foi o resultado ruim, mas,
segundo ela, Sobradinho criou a cultura do associativismo na cidade, com
associações de estudantes, de mulheres, entre outras. A entrevistada vê essa
condição como importante, uma luz no final do túnel que resultou, por exemplo,
na emancipação de Sobradinho de Juazeiro. No entanto, percebeu que em
seguida, a Chesf ficou na posição de se livrar dos problemas sociais: fechou o
hospital, postos de saúde, escolas [..]. E tudo foi municipalizado, mas há pouca
condição orçamentária no município para dar conta de tudo. A municipalização
ocorreu entre 2000 e 2001."
Agente Elite Econômica 2
Pernambucano, veio jovem com a família para Sobradinho na época da
construção da barragem. Seu pai trabalhou como operário.
Começou seu envolvimento associativo na Associação Agrícola de São
Joaquim, e depois criou outras duas associações.
Considera a participação nos movimentos importantes, pois os movimentos têm
construído o Brasil. “Muitas pessoas têm mais chances que uma em prol de um
objetivo".
Por meio das redes formadas pelas associações, alçou carreira política, sendo
eleito vereador em 2008.
Agente Beneficiário 3
Mudou jovem com a família para Sobradinho, mas depois da construção da
Barragem.
Fundou sua associação com suporte de programas de crédito fundiário e com
parte de financiamento do Banco Mundial.
176
Para ele as associações são importantes pois “as pessoas acreditam em você, te
cobram e com isso você vai aprendendo como fazer as coisas, lidar com pessoas
é um aprendizado constante, sempre vai mudando seu jeito de pensar e agir129
”.
Relatos integrais
Agente Beneficiário 4
Nascido e criado em Casa Nova, em uma comunidade de pescadores e com 62 anos,
viveu diretamente o drama da construção da barragem de Sobradinho, e depois, as
consequências da própria barragem: em 1975 viu sua casa ser alagada, sendo deslocado
para Xique-Xique, e em 1979 viu sua casa, agora em Xique-Xique, ser alagada em
função do fechamento das comportas da barragem (fechadas para impedir o alagamento
de Juazeiro). Após a perda de segunda casa, passou 3 dias em um barco, com sua
família, decidindo voltar para Casa Nova, onde se reestabeleceu.
Filho e neto de casa-novenses (todos casados dentro da comunidade), perdeu o pai aos 8
anos (em relato de forte emoção), e viu sua mãe “perder o juízo”, se tornando o homem
da casa nessa idade, ainda que fosse o 4o em um grupo de 6 filhos, sendo as mais
velhas, moças. Da sua família, nem seus pais, nem seus avós estudaram, sendo ele e as
irmãs os primeiros. A irmã mais velha chegou à 2a série, enquanto a segunda completou
o 1o grau. Suas filhas estudaram mais, sendo duas formadas (Estudos Sociais e
Geografia). Completou a formação geral, equivalente à 5 a série, em uma escola pública
próxima à sua casa. Esse grau de instrução faz com que se sinta excluído, pois não pode
ensinar. Apesar disso, sente que sua vida melhorou, pois não se sente excluído no
sentido da comunicação, pois agora pode ler. Isso lhe imprimiu confiança. Ainda que
com pouca edução, considera que aproveitou ao máximo as oportunidades que teve. Em
função da situação vivida pela perda do pai, considera que sua educação foi diferente da
das irmãs. Dos filhos espera a valorização dos estudos, e acredita que vão ter sucesso
por buscar o caminho correto (religião).
129 Citação direta da transcrição da entrevista cedida a, e transcrita por, Rafael Moralez.
177
Quando criança, seus pais não viam outra perspectiva além de serem pescadores,
segundo ele, “sem direito de mudar”. De fato, foram poucas as experiências fora da
pesca, sendo a mais marcante, de 14 anos (1986 a 2001) no SAAE (Serviço Autônomo
de Água e Esgoto), trabalhando com bombeamento, depois retornando para a pesca
(nunca parou com a pesca, diz ele). Essa experiência foi motivada pelo desejo de
conhecer outras atividades, conhecer a vida de empregado. Saiu da SAAE por questões
políticas, já que lá se envolveu com o sindicato. Além disso, em 1973 trabalhou 1 mês
em SP e 3 meses em Santos (períodos diferentes do ano), também motivado por
conhecer outras atividades, outras realidades.
Na infância, sua família possuía duas casas, uma para a pesca, e uma para a lavoura.
Todas de taipa, barro batido. Na sua comunidade as casas cresciam de acordo com os
casamentos, sendo a casa do novo casal construída próxima da dos pais. Lembra-se de
carregar água e lenha nas horas vagas, e tem boas memórias da Festa de Reis, e
emocionado, tem memórias de seu pai e os membros da família que costumavam se
reunir quando estavam fora de casa. A infraestrutura era ruim. A água vinha do São
Francisco, e correio, posto de saúde e hospital eram de difícil acesso. O comércio, por
sua vez, de fácil acesso. Sua irmã, certa vez, sonhou com Padre Cícero indicando o local
onde poderiam encontrar água, e encontraram no local indicado, diz ele. O mais
positivo, dessa época, era o amor, o respeito, a vida em comunidade (diz emocionado),
o que foi dissolvido pela construção da barragem, que levou junto a tradição da Novena.
O sentimento pelas perdas da barragem veio da impotência (não conseguir brigar,
ditadura).
É casado, e tem 3 filhos (1 fora do casamento). Conheceu sua esposa, que foi quem
mais ajudou na sua educação no retorno a Casa Nova. Sua convivência com os filhos é
boa. É católico praticante, e teve na igreja e na família ajuda sempre que precisou (o
primo chegou a ajudar com material de pesca no retorno a Casa Nova). A igreja foi mais
marcante para a fuga dos momentos ruins da vida (e, inclusive, para a sua vida
associativa). Sua renda hoje, segundo ele, é de 1 a 2 salários mínimos, e sua esposa o
ajuda na pesca. Sua situação melhorou ao longo do tempo, com destaque para o pós
2002, em função do crédito para pesca (era DAP B – BSM, mas hoje está enquadrado
178
na DAP V, o que é ruim, segundo ele). Considera que 2002 foi um bom ano também
para as pessoas que conhece, pois não precisavam trabalhar em condição de exploração.
A educação melhorou também. Na sua visão, isso fez com que todos tivessem
condições semelhantes às dele em termos de bem-estar. Seu cotidiano é pesca, a igreja,
e a reunião do Grupo de Casais com Cristo. Considera seus vizinhos, e a comunidade,
como irmãos, e tem na religião (caminho contra o errado) e na ajuda mútua o elemento
forte destas relações. É nos pescadores (e pessoal de Remanso) e padres que tem mais
confiança.
Sua vida associativa começou com a filiação à Colônia de Pescadores, em 1981, onde
candidatou-se a presidente, por desejo de mudanças. Perdeu as eleições. Em 2004 pôs
para funcionar a Associação de Pescadores, onde hoje é presidente, no segundo mandato
(de 3 anos). No meio deste processo, foi filiado ao sindicato da SAAE, por 7 anos,
atuando como representante dos funcionários. Além disso, faz parte da direção da
Associação dos Ribeirinhos de Sobradinho. É motivado, basicamente, por apoiar quem
deseja fazer. Como citado, a igreja foi importante na sua vida associativa, a Comissão
Pastoral da Pesca, onde valoriza todas as pessoas. Não vê “inimigos” na sua trajetória,
pois “pensamento negativo”, e o “não vai dar certo” servem como estímulos para
avançar.
É filiado ao PT desde 2001 e chegou a se candidatar a vereador, apenas para “ocupar
chapa”, mas não foi eleito (não fez campanha). Para ele, como diz, o município é
ausente nas câmaras, o prefeito é ausente, e a política é ausente. Não tem conhecimento
de conselhos ou fóruns participativos no município, mas conhece a APA do Lago de
Sobradinho. Para ele a condição do município é precária, sem grandes empresas. As
principais atividades econômicas são a pesca, a agricultura familiar e a apicultura.
Apesar disso a pesca é pouco explorada, especialmente pela falta de infraestrutura (falta
gelo), e ainda há o atravessador130
. Ele próprio vem realizando experiências de
piscicultura com a construção de um tanque em sua casa.
130 No dia da entrevista, associadas de Remanso ensinavam associadas de Casa Nova a beneficiar o
peixe, via CPP.
179
As atividades econômicas mudaram nos últimos 10 anos, em função da mecanização da
agricultura, mas apesar disso ele considera que houveram melhorias nesse período,
especialmente em função da atuação do Governo Federal. É contra Sobradinho, por tudo
que causou à população ribeirinha (lamenta a morte do São Francisco), e acha que a
riqueza de Casa Nova vai toda para Petrolina (Polo Fruticultor). Vê o desenvolvimento
em função das políticas sociais, pois melhoraram muito as condições de vida, mas acha
que precisa melhorar mais.
A vida na região era boa demais, mas hoje é boa também, diz. A barragem gerou
empregos, mas causou muitos danos ao meio ambiente. Até trouxe desenvolvimento,
mas trouxe muitos problemas, e impede a pesca artesanal. A produção irrigada não
melhorou a renda das pessoas, mas trouxe doenças em função dos agrotóxicos. E o
bolsa família ajuda! Melhorou muito a economia do município. Muitas pessoas
próximas seguiram na pesca, e ele considera que sua melhorou em termos, pois hoje há
liberdade (de expressão, pois antes seguia o coronelismo). Acredita que seguindo a
trajetória atual, sua vida deve melhorar mais ainda. Ele ainda depende do trabalho, mas
segundo sua visão, o governo dá oportunidades, reconhece o pescador. “Precisa bater no
governo para ser ouvido”.
Agente Elite Econômica 3
Comerciante com 42 anos é o 17º filho de um grupo de 21 dos 14 que sobreviveram à
infância. O pai era de Massaroca (Juazeiro), e a mãe de São Pedro. O pai era produtor
rural e comerciante, assim como a maioria de seus ascendentes. Da infância lembra
como momento mais marcante para a família quando o pai comprou uma roça de
mamona, e com os ganhos obtidos dessa roça, comprou um ponto comercial em
Piçarrão (Sento Sé). Nessa época tinha oito anos, e vivia em uma casa mista de taipa e
alvenaria, sem recursos e acesso a equipamentos públicos, a não ser uma escola pública.
Da pobreza na época, lembra-se também da ajuda dada por um primo de Juazeiro, que
lhe mandava roupas e outros auxílios. Seu tio era a única pessoa em sua comunidade
que possuía um carro, e era quem levava a família para Sento Sé, cuja sede fica a
aproximadamente 100 km do distrito de Piçarrão.
180
Passou pouco tempo ali, mudando-se aos oito anos para a região urbana de Sento Sé,
para ajudar um de seus irmãos no comércio. Já era a nova Sento Sé, inaugurada em
1976. Outros irmãos também foram mandados pelos pais para trabalhar em Sento Sé,
mas ele foi o único que permaneceu por algum período. Com o irmão, trabalhou em
Sento Sé até os nove anos, quando se mudou para Senhor do Bonfim, onde trabalhou
por mais três anos com a irmã mais velha. Neste período fazia as cobranças e
aproveitava e vendia “piqueniques” para fazer o próprio dinheiro. O pai (de quem era o
xodó, segundo o próprio), acreditava no potencial do filho para o comércio, e mais do
que estimular a estudar, o instigou a ter seu próprio comércio. Sua infância, afirma, foi
trabalho, sem lazer.
Estudou até o segundo grau [ensino médio], primeiro em uma escola rural, e depois na
cidade de Sento Sé. Tentou o Ensino Superior a Distância em Administração, mas não
gostou do curso e o abandonou. Todos os irmãos estudaram, e alguns chegaram ao
ensino superior. Duas irmãs, inclusive, lecionaram em escolas de Sento Sé.
Os filhos apenas estudam (todos em Petrolina), e, sobre a educação dos meninos, deseja
que seja melhor que a dele, e que consigam algo pelos estudos. Ao longo de toda a vida
foi comerciante, mas hoje também tem pequena atividade pecuária. Com o tempo sua
vida, e a da maioria de sua família, melhorou bastante. Muitos de seus parentes também
viraram comerciantes e, destes, “90% melhoraram bem”. Sua referência para sucesso,
inclusive, é seu irmão mais velho, com que conviveu, e que hoje também tem seu
comércio em Sento Sé.
Procura não se envolver com política, pois “ser comerciante e político não dá certo”, até
pela dedicação que estas atividades exigem. Também tem pouco envolvimento em
associações em Sento Sé ou na região, sendo apenas membro da Câmara de Dirigentes
Lojistas, da qual diz ter participado da fundação. Seu presente mascara um passado
humilde e marcado por dificuldades. Apesar delas, identifica em dois momentos os
marcos de sua trajetória: a compra da roça de mamona e a construção da nova Sento Sé,
com abertura de espaços que logrou aproveitar. Estes momentos e um mínimo de
181
condições materiais se converteram em oportunidades para que a família rompesse
bloqueios da formação territorial local e saísse da condição de pobreza.
Sobre Sobradinho, considera que provocou um estrago ambiental grande, mas não tinha
outro meio de trazer o progresso e a energia. No longo prazo ainda foi pior, pois a
cidade não se beneficia da represa. Sobre as políticas sociais, elas têm seus prós e
contras. São um benefício para quem não precisa, como o seguro-pesca para quem não é
pescador, mas também é mais dinheiro para a população. Na balança, é mais bom, pois
o dinheiro proporciona movimento para o comércio.
Para ele, viver na região era, e ainda é, razoável. A barragem não gera empregos “aqui”,
mas também não atrapalha outras atividades econômicas, e destrói os recursos naturais,
e o único desenvolvimento vem por conta da energia. A Frutimag, como produção
irrigada, trouxe melhoria de renda para as pessoas, e dinamizou a região. Não acha que
o PBF faça com que as pessoas não queiram trabalhar, e acha que o programa melhorou
a economia do município, pois o dinheiro chega na mão de quem gasta, o dinheiro
circula.
Agente Elite Política 5
Com 32 anos, advogado, sua trajetória se inicia com o funcionamento da barragem que
dá nome ao município de Sobradinho. É o mais velho dos quatro filhos de um casal de
engenheiros agrônomos e funcionários públicos que ali se estabeleceram em 1981, para
o exercício de seus cargos na então empresa estadual de assistência técnica e extensão
rural (Emater-BA). Sua mãe, natural de Juazeiro, Bahia, é descendente de árabes e
italianos. Seu pai, natural de Buerarema, também na Bahia, é descendente de espanhóis
que, com a vinda para o Brasil em busca de um clima quente capaz de curar os males de
vesícula da bisavó, dedicaram-se à plantação de cacau na região sul do estado, deixando
terras que foram, posteriormente, herdadas pelo avô. Seus pais foram criados em áreas
rurais e, em decorrência das posses dos avós, tiveram a oportunidade de cursar todos os
níveis do ensino formal, passando por universidades particulares e chegando à pós-
182
graduação, trajetória pouco provável na época para a maioria da população rural do
estado.
Com a emancipação do município de Sobradinho, em 1989, concomitantemente à
transformação da Emater-BA na atualmente também extinta Empresa Baiana de
Desenvolvimento Agrícola (EBDA-BA), sua mãe prestou o primeiro concurso da nova
prefeitura e seu pai entrou na política local, tendo sido eleito prefeito por dois mandatos
consecutivos, em 1996 e em 2000, e elegendo um sucessor em 2004, o que o projetou
como importante figura na cena política do jovem município.
As lembranças de infância são permeadas pela estrutura segregada da cidade, em que se
operava um sistema de intenso apartheid social. Composta por três vilas, a cidade
mantinha separados os segmentos de trabalhadores, técnicos e engenheiros que ali se
estabeleceram por conta da construção da barragem. A Vila São Joaquim era onde
residiam os mais humildes, em grande parte trabalhadores braçais que ali se mantiveram
após o término da obra. A Vila São Francisco era a moradia dos técnicos e operadores,
um pouco melhor em infraestrutura e acesso a serviços básicos. Por fim, a Vila Santana,
onde ele morava, era o local de moradia de engenheiros e ocupantes dos cargos de alto
escalão da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), e tinha uma cota de
casas reservadas para funcionários públicos. Se por um lado isso significava certa
distinção social ao seu grupo familiar – ele reconhece que teve um padrão de vida na
infância muito diferente e sem as restrições materiais e de infraestrutura que marcavam
o restante da cidade –, por outro, o fez ser alvo de preconceitos que muito o
incomodavam. Na época seu pai era funcionário do estado, o que na escola o colocava
em uma posição inferior à dos filhos dos altos funcionários da Chesf. Esse preconceito
velado, ele acredita não existir mais.
A expansão do acesso à educação teria sido a principal responsável por uma maior
igualdade na região, ainda que as desigualdades permaneçam. Ele entende a educação
como único caminho para a liberdade. No seu caso, buscou seguir a trajetória de seu
grupo familiar, cursou direito na Universidade Metropolitana de Salvador e chegou a
iniciar um curso de pós-graduação em direito público, que interrompeu por causa de sua
183
candidatura. Até se eleger prefeito, advogou nas áreas de direito criminal e
administrativo, em prefeituras e câmaras de municípios vizinhos, como Casa Nova.
Assim como ele, os três irmãos têm formação superior; dois deles atuam
profissionalmente como advogados na cidade de Juazeiro e Sento Sé; e um atua como
engenheiro elétrico nos perímetros irrigados da Companhia de Desenvolvimento dos
Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no município de Rodelas.
Nunca havia pensado em se candidatar. Gostaria de ser promotor ou juiz, mas após
entrar na política não sabe se este sonho ainda existe. Considera a política um
sacerdócio e diz ter vontade de galgar passos mais largos, como a Assembleia
Legislativa. Apresenta a gestão coletiva, territorial e integrada como pilar de um
discurso racional sobre o desenvolvimento regional. Com a esposa, historiadora e
professora natural de Pernambuco, teve dois filhos, para quem espera poder
proporcionar as mesmas oportunidades que ele teve, garantindo assim a reprodução de
um grupo familiar que, diferentemente das elites tradicionais cujo poder tinha como
base o controle das terras e da vida social e econômica local, tem no capital cultural seu
trunfo mais estratégico.
Agente Família Tradicional 3
Com 62 anos de idade sua biografia representa um ponto de inflexão na trajetória
familiar, que iniciou o povoamento local em meados da segunda metade do século XIX.
Há muito tempo, a família de seu pai estava por lá e sentiu na pele as transformações
que vinham se estabelecendo no estrato social das famílias tradicionais, as quais, no
sertão do São Francisco, experimentaram um momento importante na década de 1970.
Significativos foram a constituição do lago de Sobradinho e a inundação de grandes
porções de terra; a transferência da cidade para lugar distante da antiga sede; e a
chegada de novas habitantes interessados nas possibilidades econômicas que se
apresentavam com a barragem.
Seu pai, devido às interações políticas da família, que iam além dos limites locais, foi
indicado como prefeito durante o processo de mudança da cidade, ficando no cargo por
184
seis anos. Planejou a nova cidade instalada no eixo da rodovia, entre dois braços do
grande lago; distribuiu as novas moradias; e determinou o lugar dos espaços de
sociabilidade, a praça, a igreja, os poderes constituídos e o mercado. O pai alcançou
êxito em sua atividade política por meio de um tecido familiar ricamente estruturado
sob o abrigo da ordem patriarcal e personalista associado ao poder estadual desde os
primeiros tempos da República. Sua indicação ainda externava, em meados da década
de 1970, traços da cordialidade que marcou a trajetória familiar e local desde fins do
século XIX. Passado esse momento, o pai assumiu um posto de secretário no governo
estadual, e as relações locais se modificaram gradualmente para quem ficou na cidade,
como era seu caso. O respaldo familiar ficou mais restrito, e o reconhecimento por todos
como representante de família de prestígio foi ficando menos intenso.
A chegada de novos habitantes tornou-o mais distante, quase indiferente. Ele também
foi estudar fora, em Salvador, ainda menino. Tentou cursar faculdade de agronomia,
mas não conseguiu. Desistiu, apesar de ser de uma família de „pessoas estudadas‟. Seu
avô estudara advocacia; o pai se formou em engenharia; e seus três irmãos também
concluíram o ensino superior e trabalham na capital. Ele, ao contrário, ficou no ensino
médio. Das quatro irmãs, apenas uma delas fez faculdade; ela é médica em Salvador. As
outras são professoras e reproduziram a tradição: mulheres cuidam da casa e dos filhos.
Com suas avós e sua mãe foi assim.
A mobilidade espacial dos homens rumo à capital ou Juazeiro era intensa. No caso de
famílias da elite, as mulheres, depois dos estudos elementares, em geral voltavam para a
cidade de origem e ali construíam novas famílias lastreadas por interesses de
manutenção ou expansão de poder. Cristalizava-se o poder patriarcal e familiar, que
tinha seu centro no domínio do mundo rural baseado em laços econômicos, controle das
terras e da vida social local. Hoje em dia, para sua filha única não há mais esse destino.
Ela estudou administração e tem um escritório em Petrolina. As relações sociais eram
arranjadas e determinadas muitas vezes na infância. Havia pouca margem para
mudanças. Foi o seu caso. Como não quis estudar mais, retornou a sua cidade para
cuidar das terras da família. Não que isso lhe fosse um peso. Adorava as tardes na
185
fazenda quando, na infância, ajudava a preparar rapadura. Mas não era o destino que seu
pai tinha lhe planejado e no retorno teve que rearticular suas relações.
Talvez pelo tempo decorrido, pela cidade não ser mais a mesma, pelas novas
características socioeconômicas, com o surgimento de novos agentes locais, e
possivelmente por suas características pessoais nas quais a vida política não era a mais
almejada, não converteu o capital político de herança familiar para alcançar um posto de
comando local. Sua posição era ambígua e isso não lhe era confortável. Sempre teve
uma atuação mais discreta. Ocupa pela terceira vez cargo de secretário na prefeitura.
Não importam os interesses ou grupos partidários, ele está lá. São as coligações e os
interesses que o movem, inclusive com outras escalas de poder que estão em jogo. Tem
certeza da importância da agricultura e das novas possibilidades que a fruticultura traz
para a cidade, mas isso é para investimento externo, com grandes recursos financeiros.
Os pequenos proprietários plantam cebola e criam caprinos. É o seu caso, apesar de ter
tentado plantar uvas quando ainda era novidade, mas não deu certo. Hoje, lamenta não
ter estudado, pois seria outra a sua vida.
Agente Elite Econômica 4
Com 44 anos, é de uma comunidade de Juazeiro, que hoje estaria em Sobradinho,
Juacema. Hoje é agricultor, e articulador social na empresa Gestamp, de fontes
renováveis. Assim como tantos, foi realocado em função da barragem. Seu pai também
é de Juacema, sua mãe, de Malhadaria, outra comunidade da região. Seus filhos já são
de Sobradinho. Em Juacema sua família era ribeirinha, de agricultura familiar, mas
trabalhavam também em Malhadaria, em uma fazenda (o pai trabalhou lá).A família
teve pouco estudo, sendo os pais semianalfabetos, o pai vaqueiro, a mãe trabalhou por 8
ou 9 anos, e depois de vir para Sobradinho, a situação ficou difícil. Chegou a produzir
carvão, aos 10 anos, em função das dificuldades. Tem 12 tios por parte de pai, e 5 de
mãe, todos agricultores familiares semianalfabetos, com a exceção de 1, que trabalha
em uma embarcação.
186
Sua família era católica não-praticante, e teve uma vida de muitas dificuldades. Não
tinham lazer, a vida era só estudo e trabalho (de vez em quando, o circo). O pai era
muito esforçado, por isso a família não passava fome. Os pais valorizavam os estudos,
“tem que aprender a ler e escrever”, e era nisso que viam o futuro dos filhos. O
ambiente familiar era o de estudos durante a semana, e a roça e a criação no fim de
semana. Os irmãos, assim como ele próprio, chegaram ao 2o grau. Ele é o 2o de 7
filhos.
Na comunidade em que viveu a infância, sua casa era de taipa, pequena, com 3 quartos,
sala. A comunidade tinha 25 residências, e todos vizinhos tinham boa relação. Uma
relação familiar. Em Sobradinho, por sua vez, a casa era de tijolos, com 3 quartos. O
convívio com os vizinhos também era bom. Nos dois casos, as condições de bem-estar
eram ruins. Em Sobradinho o acesso à água era por chafariz. Sem saneamento, sem
transporte público. Em Sobradinho tinha o serviço de correios e escola pública. Ainda
em Sobradinho, o posto de saúde público e o hospital eram de difícil acesso (o hospital
era da CHESF, e só atendia os não funcionários em casos extremos).
Um momento positivo na infância foi quando a mãe conseguiu o emprego de
merendeira. Ele tinha 11 anos. Apesar disso, mesmo depois do emprego da mãe, a
família continuou com o carvão, como garantia de uma renda extra. Ele credita esse
momento da vida à falta de empregos, de oportunidades, ao que superaram fazendo
carvão, e depois com o plantio na beira do rio.
Com o 2o grau completo (1o grau em Sobradinho, 2o o em Juazeiro, sempre em escolas
públicas), técnico em Administração, tentou também o EAD em Administração. Boa
parte de seus amigos fez faculdade, mas considera que para ele faltaram oportunidades.
Foram poucas oportunidades e muitas dificuldades. Considera também que “faculdade
maior é a vida”, e argumenta que não tem dificuldades de comunicação (com
engenheiros, cita). Apesar das dificuldades em comparação com amigos, com relação
aos seus irmãos a educação foi praticamente a mesma. O apoio na educação sempre
veio da própria família, inclusive por tios, por meio de estímulo aos estudos.
187
Quando começou sua vida profissional, almejava ter um emprego estável. Tinha como
sonho ter casa própria, ter uma vida, uma vida social que garantisse condições de
sobreviver e criar os filhos. Hoje considera que 80% do que imaginava aconteceu, mas
não 100%. Trabalhou na construção civil (em Teixeira de Freitas, década de 1990), com
associações (em Sobradinho, em 1997), na ânsia de busca por irrigação para
assentamentos (trabalhou com 4 núcleos de assentados). Acabou presidente da
Associação Agrícola São Gonçalo. Depois foi presidente da UASA, de 1998 a 2000.
Considera o maior estímulo para a participação de movimentos as dificuldades da
infância.
Trabalhou também na indústria de polpa (2000 a 2004). Foi secretário da agricultura, e
agora trabalha com a energia eólica (em contato conseguido por meio do prefeito).
Todos os trabalhos foram conseguidos por meio de busca direta. Considera que as
condições de sua família melhoraram muito nos últimos anos. Isso um pouco por tudo,
diz. Com base na formação não tem o que falar. O início da vida ativa foi muito ruim
(época de Collor). Quando jovem, no alistamento obrigatório, tentou continuar militar,
pela estabilidade. Suas condições melhoraram com a oportunidade na prefeitura, e
depois com a parceria público-privada eólica, que lhe dá sustentação.
Sobre o futuro, diz que “estabelece coisas na vida”. Tentou e não conseguiu a política.
Agora tenta a estabilidade com a eólica, e depois expandir os negócios. Além disso, tem
foco também no agronegócio. Com flexibilidade de tempo, trabalha em novos projetos
de eólica e agronegócio. Em decorrência disso, passa 2 dias por semana em Salvador.
Sobre o desenvolvimento da região, considera que a agricultura precisa de atenção. A
energia eólica tem potencial O desenvolvimento deve vir a partir da agricultura. Na sua
visão, a pesca e a agricultura são quem mais responde pelas atividades econômicas de
Sobradinho, e a pesca, além de ter potencial, foi que mudou nos últimos 10 anos. Sobre
os últimos 10 anos, ainda, o fato de muita gente trabalhar nos arredores fez com que a
situação da região melhorasse. Sobre a barragem, é a favor, pois permitiu que os povos
pudessem ter acesso melhor à educação, saúde e à infraestrutura.
188
Os empregos da barragem vêm pela irrigação; por ela, é pouco. Hoje a barragem não
destrói recursos naturais, trouxe desenvolvimento e não atrapalha outras atividades. A
produção irrigada trouxe melhoria de renda e dinamizou a região. Antes era contrário ao
bolsa família, hoje vê como benéfico. “Amenizou a fome”. Permitiu a compra de
alimentos. Compreende programas como este como um investimento no NE. Antes o
“investimento era mais no café com leite, e não no NE”, “desigualdade regional, o NE
esquecido”. O PBF ameniza desigualdade. Complementa com “sem a barragem daria
para estudar? ” A economia do município precisa ser melhor trabalhada a partir da
agricultura. Falta despertar. Não tem indústria. “Sobradinho não tem nenhum rico”, diz.
Isso vem da falta de apoio do poder público. A perspectiva de futuro vem do
agronegócio bem administrado e mais trabalhado. Vai ser incentivo para maior
produção de frutas. “Alguns agricultores já têm irrigação de gotejo”. “Falta órgão
federal botar programa de irrigação”.
189
Anexo III – Entrevistas realizadas no Alto Uruguai
Síntese das entrevistas com agentes-chave
Representante da Associação de Desenvolvimento Turístico de Machadinho - ADTM
O município é dividido em dois grupos políticos fortes e opostos. Há oposição é grande
e chega a gerar violência física em períodos de eleição. O balneário onde foi construído
o parque termal era público, com os investimentos passou a ser privado, do grupo
Thermas Machadinho. O município evoluiu por causa disso, sendo que o turismo gerou
empregos e crescimento cultural. Houve aumento da construção civil, e hoje falta mão
de obra. A população local não apoia o turismo, sendo que a Prefeitura busca cursos de
capacitação, mas pouca gente participa. A população foi muito bairrista, "Machadinho
pertence aos machadinhenses", mas essa visão está mudando por conta do turismo [o
representante da ADTM é de outro Estado]. Apesar do crescimento do turismo, a
atividade principal ainda é a agricultura.
Representantes ASCAR - EMATER
A barragem veio para Maximiliano para diminuir o número de atingidos, e não pegou
áreas agriculturáveis, por isso não há necessidade de estrutura de irrigação por lá. Ela
trouxe a ligação com Santa Catarina, que antes ela acontecia por balsa. Para a
construção das termas houve uma doação de R$ 3.000.000,00. Hoje Machadinho tem
mais vínculo com Erechim, mas questões mais complicadas de saúde ainda são
resolvidas em Passo Fundo. Hoje o problema no campo é de sucessão na Agricultura
Familiar em geral. Especialmente pela diminuição do número de escolas, o campo só
está envelhecendo, sendo que hoje ocorre a migração dos jovens do rural para o urbano.
A agricultura familiar é mecanizada, com recursos obtidos pela prefeitura e governo
federal. Para o gado de leite há ordenhadeiras. O Pronaf mais comum é o V. No caso do
Pronaf B há resistência dos bancos em operacionalizá-lo, em virtude da baixa demanda.
Há baixa inadimplência. As atividades principais são a Soja (com área plantada de
11.500ha), o gado de corte e leite, e a avicultura. Há o investimento para a
190
diversificação da produção investindo na erva-mate, sendo que foi desenvolvido o tipo
Cambona 4 para o município. Há três cooperativas que atendem o município, Cotrel,
Camol e Cotrigo, além de duas cerealistas particulares. A Camol faliu há 4 anos, em
função de conflitos internos, mas cooperados continuaram unidos mesmo com o
fracasso da cooperativa.
Representante do comércio local - 1
A barragem foi boa para alguns e ruim para outros [referente às compensações
financeiras aos atingidos]. Em 2008 fizeram barricadas exigindo melhoria nas
compensações financeiras. O município e a região têm forte rivalidade partidária, "de
vez em quando sai briga aqui". A forma como o turismo é gerenciado agora é ruim, já
foi melhor. Na última temporada [2015, na época da entrevista] ocorreu pouca visitação.
O poder público sabe que existem problemas nas redondezas da terma. É puro barro o
acesso das cabanas.
Representante do comércio local - 2
As mudanças foram para melhor. As terras da barragem eram improdutivas. O vínculo
com a barragem foi bom. Dos atingidos, poucos voltaram. Nesse ano de 2002 [ano em
que entrou para o comércio, e que foi concluída a obra da UHE] o município começou a
andar. 2003 e 2004 foram anos bons. O turismo desenvolveu por conta da barragem.
Turismo é uma boa fonte de renda, mas falta organização. A sociedade não está
preparada.
Representante da prefeitura de Machadinho
Por conta da rivalidade, perdiam-se muitas oportunidades, e as eleições acabavam
ficando caras demais para os padrões de uma cidade pequena. Representantes dos dois
191
grupos políticos se reuniram, e decidiram lançar um candidato único, para mudar esse
cenário. Foi escolhida uma pessoa querida no município, e sem passado político131
.
Trechos selecionados das entrevistas
Como muitos representantes de Maximiliano de Almeida estiveram ligados diretamente
com a construção da barragem, na sua entrevista relativa à trajetória foi realizada
também uma parte mais extensa relativa ao momento da construção. Estas informações
são apresentadas separadamente.
Agente Elite Política 1
Nascido em Paim Filho, foi ainda novo para Machadinho.
Quando jovem quis estudar, fazer direito, mas o pai não deixou, pois tinha que
ficar na roça.
Primeiro cargo eletivo em 1978, sendo eleito 3 vezes prefeito.
Agora vem tentando a formação de uma coligação PMDB e PP132
, para diminuir
os problemas políticos.
Sobre os conflitos
No começo houve muito problema no rio Pelotas. Os Colonos não deixavam
nem [a EletroSul] entrar.
Depois seguiu par o rio Forquilha, o novo Machadinho.
Muitos eram contra, por não saber o que era. Ele era a favor.
Machadinho cresceu mais pela barragem e pelo turismo. Receberam da
concessionária R$ 3.000.000,00 para as termas.
Na época o prefeito conseguiu sistema de armazenamento para leite.
131 Na ocasião da entrevista, final de outubro, houve a tentativa de contato com o candidato eleito,
Hamilton Centeleghe, mas este se encontrava afastado, segundo o informante, por conta do choque
emocional que foi a disputa pela eleição em Machadinho. O candidato deveria representar uma chapa
única na eleição, mas o PT se recusou a apoiar o grupo (segundo o informante por determinação do
diretório estadual), resultando em uma chapa que representou os grupos dominantes representados
pelo PMDB e pelo PP.
132 Esta entrevista foi realizada em 2015, antes da concretização da coligação que lançou candidato único
entre estes grupos para a eleição para prefeito em 2016.
192
Agente Elite Política 2
Nasceu e esteve toda a vida em Machadinho.
Pai era rigoroso, queria que os filhos estudassem, e o apoiou na abertura de sua
sala e contabilidade [a única até pouco tempo em Machadinho].
Entrou para a política em 1977 e teve seu último cargo eletivo em 1994.
Sobre a Volta da Fome
A região começou a ficar isolada em 1964, com o fechamento da ferrovia de
Marcelino Ramos [que ligava a Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul].
Reuniu grupo de prefeitos da região para negociar com o então Governador
Alceu Collares a ligação asfáltica entre os municípios (especialmente em
Erechim, a cidade polo da região), e as coisas só começaram a andar quando
ameaçar solicitar a separação da região do Rio Grande do Sul, e a anexação ao
Santa Catarina.
A ligação asfáltica com Maximiliano de Almeida só ocorreu 2 mandatos depois,
com o Governador Olívio Dutra (já no período de construção da UHE).
Sobre o processo de negociação para a entrada da UHE
Prefeito, era a favor, mas ainda houve desentendimentos [não quis entrar em
detalhes].
Conseguiu indenizações maiores.
As negociações no Rio Grande do Sul não tinham relação com as Santa
Catarina.
Agente Elite Econômica 1
Nascido em São João da Urtiga, viveu pouco em Machadinho, e desde os 7 anos
vive em Maximiliano.
Tentou, mas não conseguiu a agricultura. Foi mecânico por muito tempo, e hoje
tem comércio e é funcionário público (desde 2009).
Tem vínculo com a associação comercial.
As principais atividades em Maximiliano de Almeida são a agricultura de grãos
e o leite.
193
O município só tem propriedades pequenas.
O turismo e a criação de peixes em tanque deveriam ser mais explorados.
A região melhorou nos últimos 10 anos, em especial pela ação da prefeitura e da
EMATER.
Entrou para a política a 16 anos, mas nunca quis se candidatar. Prefere atuas nos
bastidores.
A política em Maximiliano de Almeida é polarizada em dois grupos. Um dos
grupos foi o prevalente por anos, e substituído nos dois últimos mandatos.
Sobre a relação com a UHE de Maximiliano de Almeida
A relação com a concessionária nas gestões anteriores não era boa.
Pessoal de Machadinho já procurou Maximiliano de Almeida para ver o que
tinha no município para mostrar para os turistas.
O município vem buscando, e conseguindo, a reaproximação com a
concessionária.
Maximiliano de Almeida deve receber quatro novas PCHs no rio Forquilha.
Uma delas já está nos passos finais para o início da construção.
Agente Elite Econômica 2
Nasceu em Machadinho, mas com um ano sua família se estabeleceu em
Maximiliano de Almeida.
É agricultor e comerciante, e esteve por pouco tempo na administração pública
[ainda está envolvido com a política].
Por ação da EMATER, formou com outros agricultores uma cooperativa de
citricultores, a Coocimax, 1996. A cooperativa abriu uma loja de frutas na
cidade, da qual se tornou responsável. Com a desistência de diversos
cooperados, a cooperativa passou a ser associação.
Considera que o desenvolvimento de Maximiliano de Almeida é fraco,
especialmente pela falta de estradas, o que gera pouco interesse a empresas.
Entrou para a política pelo desejo de sair da loja de frutas [mas não saiu]. Foi
eleito prefeito interrompendo logo ciclo no poder de um dos grupos dominantes
no município.
194
Em comparação com Machadinho, as terras em Maximiliano de Almeida são
menores e com menos condições de agricultura.
Nos últimos 10 anos considera que a situação melhorou, apesar da diminuição
da população, o que é ruim para o comércio.
Agente Elite Política 3
Nascida em Paim Filho, veio para Maximiliano de Almeida após o casamento.
Teve infância muito difícil, especialmente relacionada à violência familiar.
Entrou para a política quando apareceu uma oportunidade para se candidatar. O
prefeito convocou um funcionário do setor (trabalhava na área da saúde) em que
ela trabalhava para se candidatar a cargo eletivo, e ela topou.
Municípios vem tendo um desempenho melhor por conta do acesso asfáltico.
O desenvolvimento deveria vir por meio de pequenas agroindústrias familiares.
Sobre os reassentados
Muitos das famílias que vendaram seus lotes tinham convivência de uma forma
de que não tinham a visão de que deveriam ter a propriedade para trabalhar. Na
maioria eram diaristas.
Alguns estão muito bem em reassentamentos.
Agente Família Tradicional 1
Nascido em Maximiliano de Almeida, passou a juventude circulando dentro do
território, estudando contabilidade em Marcelino Ramos, e depois Letras, em
Erechim.
Foi contabilista por pouco tempo. A partir dos 25 anos lecionou em Maximiliano
de Almeida.
A prática da herança quando ainda era jovem, era de que o filho recebia a terra e
a filha, mobiliário.
Para ele Maximiliano de Almeida vem desenvolvendo por conta das melhorias
técnicas na agricultura.
195
A UHE Machadinho foi boa para a região. Aplainou a terra, e agora é possível
produzir. Quem vivia nas linhas próximas vivia mal e porcamente. Os impactos
negativos são como efeitos colaterais de remédios.
Agente Beneficiário 1
Toda a sua família é da região Maximiliano de Almeida X Machadinho. E
sempre viveram como agregados em propriedades, tendo uma pequena roça para
o sustento.
Analfabeta, assim como a maioria de sua família.
Da sua geração, apenas um irmão está fora da roça, empregado na indústria. E
dos filhos, também apenas um, que está no comércio.
O momento mais difícil da sua juventude foi quando a mãe partiu para a
empreita sem comer, e desmaiou. O proprietário do terreno lhe ofereceu comida
depois disso.
Ela mesma tentou o trabalho na indústria, em Vacaria, mas teve que retornar por
conta de doença.
Hoje vive na cidade, e aguarda os produtores solicitarem o serviço do diarista,
mas está mais difícil conseguir empreitas. Parte disso vem do uso de veneno
[agrotóxicos] por parte dos produtores.
Foi uma das primeiras pessoas a receber o Fome Zero no município, em 2005, e
foi bom, porque com a vinda dos filhos não poderia trabalhar na empreita. O
programa também foi bom pelo acompanhamento dos filhos.
Considera que o PBF é baixinho, mas ajuda.
Ela nunca ouviu do PAA e do PNAE.
Sobre a UHE Machadinho, diz apenas que antes não tinha eletricidade.
196
Relatos integrais
Agente Família Tradicional 2
Sua família é pioneira em Maximiliano de Almeida. Seus avôs materno e paterno se
estabeleceram por lá vindos das terras velhas de Nova Prata. A família, de maioria de
agricultores, poucos estudaram. Seus pais mesmo, só tiveram o professor leigo. Um tio
conseguiu se formar advogado, e uma tia professora. Das suas irmãs, uma é educadora
física e a outra fez o curso técnico profissionalizante. Seus filhos foram além, dois são
dentistas e um é arquiteto. Ele mesmo estudou no internato em Erechim, fez técnico
agrícola. Queria ser engenheiro mecânico (gosta de mexer nas máquinas), mas por conta
de casamento e trabalho, não conseguiu.
Ele nasceu no pé da barragem, 59 anos atrás, mas por problemas de saúde, relacionados
à pressão atmosférica, teve que se mudar, indo para mais perto da sede do município.
Desde pequeno gostava de mexer no trator, e de ouvir o pai tocar violão. Não tinha
muito lazer em Maximiliano de Almeida naquela época. Aliás, não tinha recursos
também. Seu gosto pelo maquinário era tanto, que o momento positivo mais marcante
de sua infância aconteceu quando seu pai comprou o primeiro trator automotriz.
Na época das escolhas, seus pais deixavam que os filhos escolhessem o que queriam de
profissão. Mas não foi bem assim. Ele queria ir para o norte, para o Mato Grosso,
trabalhar com agricultura, mas a mãe não deixou. Tentou mais vezes, em outros
momentos de sua vida, ir para o norte do país, mas alguma coisa sempre o impedia.
Depois do colégio começou a trabalhar em uma granja ainda na década de 1970. No
final da década de 1970 foi convidado para administrar o posto da COTREL, em
Faxinalzinho. Quando surgiu uma oportunidade em Maximiliano para se realocar na
cooperativa, aproveitou. Saiu da COTREL po r problemas de saúde em 1985. Montou
uma agropecuária, que tocou de 1987 a 1994. Pela agropecuária fazia serviços de
colheita com a automotriz até fora do Estado. Nesse período perdeu seu pai, vítima do
câncer. Em 1998 entrou no serviço público, como secretário da administração, onde
197
ficou até 2004. A cidade, aliás, é polarizada em dois grupos políticos, com o PT em
menor escala.
No período em que esteve na administração pública, participou ativamente da ligação
entre os atingidos, a prefeitura e a construtora. Aprendeu muito nesse período. E com
esse aprendizado, e por meio das atividades desenvolvidas nesse período, ampliou suas
redes, e viu uma oportunidade. Quando saiu da administração pública passou a atuar
como consultor para o desenvolvimento de projetos para os municípios.
Hoje sua vida é tranquila. Tem um bom convívio com os vizinhos, apesar de já não se
fazer mais filó. E a família é a fiel de sempre, com quem sempre pode contar. Seu dia-a-
dia é basicamente trabalhar nos projetos, com contatos e despachos, mas no final de
semana descansa e trabalha nas coisas da casa. E no futuro espera viver um pouco mais
solto.
Sobre o território, considera que o seu desenvolvimento ainda está a deseja. A
agricultura, que é um dos carros chefe do município ao lado do comércio, já não
desenvolve mais. A saída é o turismo. Ele pode desenvolver o município. Aliás, não
houve mudança na economia nos últimos 10 anos, em sua visão. E pior, o pequeno
produtor vem enfrentando o problema da saída dos jovens do campo. A população rural
está diminuindo e a urbana aumentando.
Por outro lado, de forma geral a situação melhorou nos últimos 10 anos. A cidade
melhorou por conta da pavimentação, e pela Unidade Básica de Saúde. Mas ele mesmo,
se pudesse, investiria no turismo, na vinda de uma indústria, e em programa agrícola.
Para ele, a UHE Machadinho é opção de futuro, e cita como exemplo de mudança
significativa a ligação com Santa Catarina.
Sobre a construção da barragem
Antes do início da construção, o MAB fazia forte oposição, mas os prefeitos,
que eram a favor da construção, buscavam convencer da importância da UHE.
198
A prefeitura chegou a contratar os serviços da Universidade de Passo Fundo
para determinar a dimensão dos impactos da barragem, e definiram que estes
seriam mais socioculturais que ambientais. Foi solicitada uma contrapartida da
MAESA, que não reconheceu o relatório. A prefeitura foi para Brasília, no
IBAMA, mas a situação não progrediu.
No período da construção conseguiram a ligação asfáltica com Santa Catarina,
que não estava prevista. Originalmente as turbinas para a UHE seriam
compradas em São Paulo, mas com a proposta de Maximiliano de Almeida de
aproveitar a barragem como ponto de ligação com Santa Catarina, as turbinas
foram compradas no Rio Grande do Sul [a casa de máquinas fica em Piratuba
(SC), motivo pelo qual, inclusive, Maximiliano de Almeida não recebe ICMS
pela produção de energia].
Na época era conhecido como "Volta da Fome", e chegou a ocorrer um
movimento para mudar a região do Rio Grande do Sul para Santa Catarina.
As coisas começaram a mudar com a barragem.
A ligação asfáltica foi fundamental, mudou a visão da região.
Gradativamente, segundo ele, a prefeitura mudou sua relação com a construtora,
e agora com a concessionária, e busca uma relação de parceria.
Maximiliano hoje busca alternativas que se complemente com as de
Machadinho.
Está se buscando a liberação da produção de tilápias para a piscicultura, o que é
proibido no Rio Grande do Sul. E isto é curioso, pois do lado de Santa Catarina
existe essa produção.
Agente Elite Política 4
Dos avôs conheceu pouco. Sabe que tinham origem italiana, mas não sabe de onde
vieram, ou o quanto estudaram. Já os pais dela são de Maximiliano de Almeida, a mãe,
e de Paim Filho, o pai. Hoje com 44 anos, foi a segunda filha mais nova de um grupo de
14 filhos, todos criados no interior de Maximiliano de Almeida. Assim como os pais,
que estudaram pouco, seus tios também, e mesmo seus irmãos só conseguiram chegar
ao ensino fundamental I.
199
A vida naquela na sua infância foi muito boa. Toda semana tinha o trabalho braçal, mas
no final de semana era só diversão. Não tem um momento positivo que marque, porque
todo o conjunto era bom. Sua casa era boa, mas era uma casa de interior, sem muitos
recursos de bem-estar. O que era realmente ruim, para ela, era a questão do crédito.
Quando ia com seu pai tratar de crédito, tinha vergonha de levantar a cabeça e olhar.
Mas ainda não deixa de dizer que viveu tempos maravilhosos.
Os estudos só vieram para ela depois de casada, aos 25 anos. Fez o ensino médio (EJA)
em Capinzal (SC), para onde ia com pessoal de Machadinho. Concluiu o curso em 2
anos. Um dos professores, nesse período indicou a ela fazer o concurso para merendeira,
ela passou, e passou a exercer função. Depois ainda decidiu realizar o curso superior,
que era seu grande sonho. Fez o EAD em São João da Urtiga. O curso durou quatro
anos, e em 2015 se formou. Isso foi muito bom para sua autoestima. Hoje, dos 3 filhos,
um já está formado, em administração, e trabalha fora, em outro município. Dos demais
espera que estudem, que todos tenham curso superior, pois o mundo exige isso hoje.
Aliás, do futuro dos filhos, espera que o mais velho fique em Maximiliano de Almeida,
tocando a propriedade, acredita que o filho do meio, que é muito inteligente, deve sair, e
da filha ainda criança, espera que seja alguma coisa na vida. Quando ela era a criança, a
prática era a de que os filhos recebessem lotes, e as filhas, máquinas de costura.
Lembra com tristeza do problema de saúde da mãe, quando ainda era criança. Sua mãe
teve um problema no coração, mas o sistema de saúde não deu suporte à sua família. Ela
ficou um longo período internada em Erechim.
As condições de sua família sempre oscilaram muito, mas começaram a se estabilizar
quando começaram uma pequena carvoaria, que agregaram à agricultura e à pecuária de
corte como suas atividades. Apesar disso, a vida era boa. Ela considera como uma
pessoa bem-sucedida uma pessoa que acorda de manhã de bom humor, cumprimenta as
pessoas sorrido, que é positiva. Malsucedida é a pessoa negativa, mal-humorada.
200
Se envolveu, antes da construção da barragem, com o clube das mães, uma iniciativa da
EMATER para a integração das mulheres das comunidades de Maximiliano de
Almeida. Mas o seu envolvimento mais importante foi com o MAB, durante a
construção da barragem. Foi por conta desse envolvimento com movimentos sociais que
resolveu se filiar ao PT, e depois se candidatar vereadora. Na verdade, a candidatura
veio por um pouco de acaso. Seu marido iria se candidatar, mas por problemas diversos
não pode, e ela prontamente se colocou no lugar dele. Foi eleita em 2012, e agora em
2016, eleita Prefeita.
Acaba tendo uma vida corrida. Trabalha fora, dá atenção aos filhos, recebe a diarista
duas vezes por semana, e ainda faz o almoço. Isso porque se licenciou da escola em que
é merendeira para exercer um cargo eletivo.
Sobre Maximiliano de Almeida, acha que muita coisa melhorou. Hoje a cidade é bonita,
e tem creches, o que melhorou a vida das mães. O município ainda tem na agricultura
familiar sua força, mas faltam empresas para gerar emprego e renda. A indústria e o
turismo são as atividades que deveriam ser mais exploradas. Hoje a UHE Machadinho é
uma parceira do município, e ela vê nela uma entidade que pode dar suporte às metas
locais. Ao contrário da maioria dos seus conterrâneos, ela não acha que o PBF faça com
que as pessoas não queiram trabalhar, mas sim serve como suplemento da renda.
Sobre a resistência à barragem
Município perdeu muito com a barragem. Perdeu-se toda a cultura dos atingidos.
Que foi indenizado e soube comprar, comprou, mas muitos vieram para as vilas
por não se adaptar às casas novas.
A linha do Bertiolo (sua colônia) perdeu metade da comunidade por conta da
área de proteção da barragem.
As mulheres eram mais felizes antes. O Clube de Mães antes conseguia reunir
40 mulheres, hoje não chega a 10.
Hoje a concessionária está reconstruindo a infraestrutura das comunidades.
201
O MAB conseguiu com a CONAB cestas básicas para auxiliar os atingidos. As
cestas eram retiradas em Porto Alegre, e o trabalho de entrega era porta a porta,
e era voluntário [ela participou]. Hoje Machadinho ainda recebe as cestas.
O MAB e o MST participaram da organização dos reassentamentos,
especialmente em Barracão.
A coordenação era realizada pelo MAB em Erechim. O grupo de Maximiliano
de Almeida lotava ônibus, e ia gente da cidade também. Machadinho também
tinha suas lideranças.
Até o Bispo de Vacaria veio apoiar os protestos.
Agente Família Tradicional 3
Seus avós vieram clandestinos da Itália para o Brasil, e logo se estabeleceram em
Machadinho. E foi em Machadinho que nasceram seus pais. Aliás, seus tios e seus
irmão também. Mas ela, hoje com 54 anos, acabou nascendo em Piratuba, Santa
Catarina. Seu pai trabalhava como carpinteiro e agricultor, mas no período de seu
nascimento, teve que ir para Santa Catarina, para trabalhar em uma olaria. Com
oportunidades surgindo em Machadinho, acabou voltando, e a famílias se estabeleceu
na linha Polo.
Apesar de ser uma época de muito trabalho, tem boas lembranças. Fala com carinho da
casa construída pelo pai, com a porta ornamentada, como nos casarões italianos. Mas
esse período durou pouco. O pai não teve estudos, mas queria que os filhos estudassem,
por isso a família se mudou para a cidade quando ela tinha 11 anos. Por um curto
período moraram de aluguel, mas logo o pai conseguiu comprar uma casa. Esse também
é um período marcado por um momento de profunda tristeza. O pai não se adaptou bem
à nova vida, e também por decepção com os outros filhos, acabou se entregando ao
alcoolismo. Depois de casar, ela acabou levando o pai e o marido para os Alcoólicos
Anônimos, a quem tem profunda gratidão.
Estudou pedagogia, o que para ela foi um sonho realizado. Lutou muito por
oportunidades como a de estuda. Da 1a a 5a série tinha que andar 7km a pé. Fez o
202
magistério em Júlio de Castilhos, nas férias. O superior teve que fazer em Passo Fundo,
na UPF, também como curso de férias. Lecionou em uma escola do estado, na linha do
Coqueiro, por quase toda vida, e agora está se aposentando.
Não teve envolvimento associativo formal, mas participou intensamente das ações do
MAB durante a construção da barragem. Na luta da barragem aprendeu muito, aprendeu
a ter posicionamento por lutas de direito. Aprendeu com o MAB. Seu irmão foi um dos
líderes locais, e sua casa foi ponto de encontro. Por esse histórico de luta decidiu entrar
para a política. Por paixão pelo Lula, que considera um exemplo de político, se filiou ao
PT, de onde é vice-presidente em Machadinho faz quatro anos, e por onde se candidatou
como vice-prefeita nas últimas eleições.
Para ela o desenvolvimento em Machadinho se dá de forma bastante lenta, pela falta de
ligação asfáltica, com acesso seria muito diferente, daria para gerar emprego e renda. Vê
a agricultura e o turismo como principais atividades locais. O turismo, inclusive, é a
única mudança na economia local nos últimos 10 anos. Mas a agricultura vem sofrendo
o problema da saída do jovem do campo. É necessário investimento para manter o
jovem no meio rural.
Para ela a UHE tem seu lado positivo e negativo. Positivo pois trouxe crescimento
econômico, mas o saldo negativo, com a perda das relações, ainda é maior. Não vê o
PBF como um incentivador para que a pessoa não trabalhe, aliás, o programa traz
benefícios para o comércio local.
Sobre a resistência e a indenização pela luta
Quando começou o processo de entrada da barragem ninguém entendia do que
se tratava. O trabalho do CRAB foi fundamental para a conscientização.
Em Machadinho os maiores conflitos começaram na década de 1990.
O irmão foi do MAB, e foi reassentado em Campos Novos (SC). Considera que
o ressarcimento foi bom. Os terrenos são melhores para a agricultura, são mais
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produtivos. Quase toda a vizinhança da linha Polo está lá. Batizaram o
reassentamento como Nova Machadinho.
Muita gente não valorizou o terreno, e vendeu a preço de banana (conta
aproximadamente 20 famílias).
Os atingidos que aderiram ao MAB conseguiram melhores resultados, por meios
de bons reassentamentos. Os que não aderiram só conseguiram cartas de crédito.
Agente Elite Econômica 3
Seus pais eram produtores rurais em Cacique Doble (seu pai e avô paterno eram de
Nova Prata). Eles estudaram somente até a 4a série, e viviam da agricultura. Da família
do pai, apenas um tio se formou no ensino médio. Apesar da família ser predominante
de agricultores, um tio segui a carreira militar. É o mais novo de um casal de filhos,
com 34 anos.
Teve uma infância boa. Lembra das brigas com a irmã, das rodinhas de chimarrão. Da
boa convivência com os pais. Na folga gostava de jogar bola. Os vizinhos se visitavam
muito. Essa era a vida do interior. Não lembra de te momentos ruins. Mas do dia mais
feliz se lembra, que foi quando recebeu a notícia que tinha passado no colégio. A mãe
estava muito emocionada, mas não sabia como fazer para pagar o colégio.
Dessa forma, saiu de casa cedo para estudar no colégio agrícola, com 13 anos. Quando
terminou o colégio seus pais não cobraram seu retorno para Cacique Doble, pelo
contrário, o estimularam a procurar emprego fora.
Começou sua vida profissional na COOPERIO, onde entrou como estagiário. Por conta
disso morou em Joaçaba (SC) por três anos, visitando muito Herval D'oeste. Em
Joaçaba, aliás, conheceu sua esposa, mas ainda não tem filhos. Abriu unidades da
empresa em 12 municípios. Em 2004 veio para Machadinho, onde ficou 1,5 anos e
depois partiu para Varjão. Voltou para Machadinho em 2006, onde se estabeleceu. Com
6 meses no município mudou para o Sicredi, por ver chances de crescimento. Trabalhou
lá por 7 anos, e em paralelo começou suas atividades no comércio.
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Investiu na carreira fazendo o curso de Administração de Empresas, por EaD, e depois
pós-graduação de Gestão em Negócios e Pessoas, em Passo Fundo. Também participou
da Associação para Desenvolvimento Turístico de Machadinho, chegando a ser
presidente, pela qual queria desvincular a necessidade das ações públicas, focando nas
iniciativas privadas.
Hoje a economia da agricultura é maior que o comércio, e o Turismo representa 30%
desta parte. A UHE serviu como um pontapé inicial para isso, mas hoje faltam projetos
relacionados. A exploração do turismo em Machadinho é baixa, se comparada com a
estrutura que tem Marcelino Ramos (RS) e Piratuba (SC). Apesar disso, a situação na
região melhorou nos últimos 10 anos, pois não aconteceu a estiagem, e teve boa oferta
de crédito.