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VÍRUS PLANETÁRIO Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça edição nº 27 outubro 2013 Presos políticos_Em pleno 2013, advogados se desdobram para defender manifestantes Com conteúdo do MEDIA FAZENDO nº27 O professor de jornalismo e ex-editor chefe da revista Caros Amigos fala sobre as perspectivas da mídia alternativa ENTREVISTA INCLUSIVA: Hamilton Octávio de Souza Após 84 dias de ocupação, parque é desocupado brutalmente Fortaleza Resistência popular em defesa da natureza Parque do Cocó Empresa de armas menos letais vence o prêmio Nobel da paz. O Sensacional Repórter sensacionalista EDIÇÃO DIGITAL Greve dos educadores do Rio luta por dignidade há 2 meses e arrasta população para as ruas. Polícia endurece repressão

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Edição 27 (outubro 2013) da revista Vírus Planetário completa

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Page 1: Edição 27

Vírus PlanetárioPorque neutro nem sabonete, nem a Suíça

edição nº 27

outubro2013

Presos políticos_Em pleno 2013, advogados se desdobram para defender manifestantes

Com conteúdo do

MEDIAFAZEN

DO

nº27

O professor de jornalismo e ex-editor chefe da revista Caros Amigos fala sobre as perspectivas da mídia alternativa

EntrEvista INclusiva:

Hamilton Octávio de Souza

Após 84 dias de ocupação, parque é desocupado brutalmente

Fortaleza

Resistência popular em defesa da natureza

Parque do Cocó

Empresa de armas menos letais vence o prêmio Nobel da paz.

O Sensacional Repórter sensacionalista

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educação na ruaGreve dos educadores do Rio luta por dignidade há 2 meses e arrasta população para as ruas. Polícia endurece repressão

Page 2: Edição 27

36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Reivindicamos:Reajuste de 20%. Eleições diretas para Diretores das escolas.

Carga horária de 30 horas para os funcionários administrativos.

1 matrícula em 1 escola para o professor

Que nenhuma disciplina tenha menos de 2 tempos de aula por semana.

1/3 de carga horária para planejamento.

Suspensão dos processos contra o sindicato.

Fim das perseguições aos profissionais e do inquérito administrativo contra o professor Mauro.

Abono funcional dos dias de greve no governo Cabral.

Os motivos da greve na educação do Rio de Janeiro

Por que a rede estadual está em greve?

Page 3: Edição 27

www.seperj.org.br

Reivindicamos:Um plano de carreira elaborado com a participação da

categoria.

A imediata reabertura de negociações da prefeitura com o SEPE

Que a prefeitura elabore e divulgue um plano de construção de novas escolas e a diminuição de alunos por turmas.

Que a prefeitura cumpra a lei que prevê a imediata climatização das salas de aula.

A imediata construção de um plano de reformas e melhorias da estrutura física das escolas, creches e EDI’s, e suas instalações.

O reconhecimento de nossas colegas que manipulam alimentos em nossas escolas

Que seja garantida a diversidade no ensino de língua estrangeira em nossas escolas com a permanência de ensino

de espanhol e frânces na grade escolar.

O fim do professor polivalente. O professor deverá lecionar apenas para as disciplinas para as quais possui uma formação

específica.

O fim da meritocracia. Uma educação de qualidade não pode se pautar prêmios e bônus conseguidos a partir do

cumprimento de metas estabelecidas fora da realidade de cada unidade escolar.

Autonomia pedagógica. Cada unidade escolar precisa ser independente na preparação de seu projeto político pedagógico assim como no estabelecimento de metas e objetivos de acordo

com a realidade de seu aluno e sua comunidade escolar.

Imediato cumprimento da lei que garante ao professor 1/3 de sua carga horária para a realização de atividades de

planejamento.

Redução da carga horária dos funcionários para 30 horas.

Por que a rede municipal está em greve?

À esquerda, manifestação do dia

15 de outubro, dia do professor, que levou

mais de 40 mil pessoas ao centro do Rio.

Abaixo, profissionais em passeata. Mesmo embaixo de chuva, categoria não cede

na luta!

Page 4: Edição 27

GestãoMobilização Docentee Trabalho de Base

www.aduff.org.brfacebook.com/aduff.ssind

Já está no ar!

fique ligado !

youtube.com/virusplanetario | facebook.com/virusplanetario

w w w. t v .v i r u s p l a n e t a r i o . n e t

Vírus

Page 5: Edição 27

Por Julia de Faria Veja mais em:

www.thinkolga.com

traço li

vre

Por Adriano Kitani Veja mais em:

www.pirikart.tumblr.com

Page 6: Edição 27

ExPEDIEnTE:Rio de Janeiro: Alexandre Kubrusly, Ana Chagas, André Camilo, Artur Romeu, Bruna Barlach, Bruno Costa, Caio Amorim, Camille Perrisé, Catherine Lira, Chico Motta, Débora Nunes, Eduardo Sá, Joyce Abbade, Julia Campos, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Marcelo Araújo, Mariana Gomes, Mariana Moraes, Matheus Lara, Miguel Tiriba, Raquel Junia e Seiji Nomura | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Duna Rodríguez, Gustavo Morais, Jamille Nunes, Jéssica Ipólito e Luka Franca | Brasília: Alina Freitas, Edemilson Paraná, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias | Ceará: Iorran Aquino, Joana Vidal, Livino Neto, Lucas Moreira e Rodrigo Santaella | Piauí: Nadja Carvalho | Bahia: Mariana Ferreira | Paraíba: Mariana Sales | Mato Grosso do

Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez Diagramação: Caio Amorim Foto capa: Erick Dau / Oilo

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do

Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ)

Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principal-

mente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas

necessária para os virgens de Vírus Planetário:

Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é

nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso

estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcia-

lidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim,

parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas exclu-

ídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opres-

são. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível

gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor

é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas

batalhas do cotidiano.

Afinal, o que é a Vírus Planetário?

Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716#Impressão:

www.virusplanetario.com.br

Anuncie na Vírus: [email protected]

Siga-nos: twitter.com/virusplanetario

ComuniCação e editora

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem

o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a

humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acredi-

tamos que com mobilização social, uma sociedade em que

haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendome-dia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.

Correio

>Envie colaborações (textos, desenhos, fotos), críticas, dúvidas, sugestões, opiniões gerais e sobre nossas reportagens para

[email protected]

Queremos sua participação!

Viral

Page 7: Edição 27

Editorial

Novos cotidianos

A cada dia que passa, acordamos para maior certeza de que 2013 não é um ano qualquer, nem muito menos fácil de ser interpretado. A dinâmica das movimentações sociais dá um ritmo complexo ao nosso cotidiano, que não é/será mais o mesmo. E os discursos da mídia grande não chegam nem perto de dar conta disso.

Por isso a Vírus, em tempos como esse, tem uma responsabili-dade redobrada na sua tarefa de comunicar diferente, de dialogar, de construir a pluralidade de vozes e apontar os novos e possíveis rumos de nossa sociedade, que pode e deve ser livre - no sentido mais concreto que essa palavra representa. É com esse sonho prestes a saltar de nosso peito que buscamos refletir aqui, nas próximas páginas, sobre os recentes acontecimentos que dizem respeito a todos nós, que transformam nossas vidas, todo dia. Porque notícia não é rotina.

As greves e ocupações vem ganhando força como estratégia política dos setores da população explorados pelo Estado bur-guês e pela sociedade do Capital. A greve dos professores no Rio de Janeiro e a ocupação do Parque do Cocó em Fortaleza são exemplos disso. Do outro lado as consequências do estado de exceção que está instaurado se desnudam quando voltamos nosso olhar aos presos políticos do último período.

Nesta edição também temos a entrevista inclusiva com o jornalista Hamilton Octávio de Souza, demitido da Caros Ami-gos por participar da greve de abril que orgulhosamente se une ao coletivo que constrói a Vírus Planetário e com sua experiência debate o novo momento da mídia alternativa, suas perspectivas e potencialidades.

sumário

8 Direitos Humanos_Reforma

Agrária e Fome

11 Ceará_Parque do Cocó

14 Direitos Humanos_Visibilidade

por Direitos

16 Fazendo Media_

Democratização da TV

22 Entrevista Inclusiva_Hamilton

Octáviko de Souza

26 CAPA_Educação na Rua

30 Política_Manifestos de um Novo

Cotidiano

34 Bula Cultural_É Coisa de Louco

38 O Sensacional Repórter

Sensacionalista

Page 8: Edição 27

Durante as manifestações de ju-nho muitas necessidades foram co-locadas em pauta, mas as reivindica-ções do meio rural não apareceram com a mesma intensidade. Será que, como diz a mídia tradicional, a refor-ma agrária não tem mais sentido? E a fome, desapareceu no Brasil? Para falar sobre o assunto, nos inspiramos nos pensamentos de Josué de Cas-tro, intelectual brasileiro que dedicou sua vida a esses temas. E por este motivo foi condenado ao esqueci-mento.

Ele teve seus livros traduzidos em dezenas de países, direção na Orga-

nização das Nações Unidas para Ali-mentação e Agricultura (FAO), foi o deputado federal mais votado à épo-ca em Pernambuco, deu aula em uni-versidades renomadas no mundo, foi exilado pelo regime militar de 1964 e condicionado ao esquecimento pela educação e história formais. Morreu, segundo dizem, de saudade do Brasil em 1973.

Ainda assim, muitos dos seus pen-samentos permanecem atuais. No seu programa com 10 pontos para vencer a fome, já mostrava intensi-ficação da policultura nas pequenas propriedades como alternativa. Só

reforma agrária e fome

nos anos 2000 foi aparecer o termo agroecologia como ciência e mo-vimento social em busca de outro modelo de desenvolvimento, respon-dendo a essa necessidade por ele apontada. Se por um lado a agroe-cologia avança no Brasil, por outro o modelo industrial das tecnologias da revolução verde é hegemônico: fer-tilizantes, agrotóxicos, transgênicos, dentre outros, endividam as famílias agricultoras, e geram malefícios so-ciais e ambientais.

É a civilização do lucro, segundo o ensaísta, onde o capitalismo pre-valece sobre os valores humanos:

“Fome e subdesenvolvimento são a mesma coisa” Josué de Castro

Por Eduardo Sá

direitos humanos

na pauta do dia

Vírus Planetário - outubro 20138

Page 9: Edição 27

“ Metade da humanidade não come; e a outra

metade não dorme, com medo da que não come”

“Multiplicam-se os produtos inúteis, estimulando o consumo para além das necessidades reais, mas, em compensação, descuidando das ne-cessidades essenciais”, sentenciava. “A economia do tipo colonial per-manece viva”. Fato que se traduz no atual modelo de produção agrícola brasileiro, ancorado na exportação de matérias primas, chamadas de commodities. Até feijão já estamos importando por conta dessas es-colhas políticas. Daí a necessidade de retomar a questão da fome, ainda que políticas compensatórias

tenham tirado milhões de pessoas da miséria, como o programa Bolsa Família.

Fome não é, como explicava o professor, apenas a morte por inanição. Existe também a fome crônica ou parcial, “que corrói silenciosamente inúmeras populações”. Morre-se lentamente de fome, apesar de se comer todos os dias. A falta de determinados nutrientes no organismo também resulta em morte por doenças tratáveis, devido à baixa imunidade do cor-po; incapacidade física para o trabalho ou de criatividade para o exercício intelectual; abalos psicológicos; etc.

Não podemos falar de fome sem relacioná-la à questão agrária. Sem terra não é possível produzir alimentos, e no Brasil o cenário é alarmante e com profundas raízes históricas. As oligarquias que dominam o interior de nosso país e estão entranhadas no Congresso Nacional. Não à toa que nos últimos 25 anos se formou o maior movimento social da América

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Vírus Planetário - outubro 2013 9

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Latina, o Movimento dos Trabalha-dores Sem Terra (MST), e os índios e quilombolas vêm sofrendo covarde-mente os impactos dessa estrutura. “Nada será possível enquanto 80% da terra pertencer a 5% da população”, denunciava Josué.

Embora o Censo de 2006 do IBGE diga que a agricultura familiar é res-ponsável por 70% da produção dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros, o que predomina é o agro-negócio de exportação. Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST, em entrevista recente, in-dicou que, segundo dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), há mais de 180 mi-lhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva no país. Atualmente, 85% das terras agri-cultáveis no Brasil cultivam soja, en-quanto a agricultura familiar fornece 70% dos alimentos mesmo com 15% das terras agricultáveis. A agroecolo-gia via agricultura familiar, que gera 9 empregos por hectare, é a base para o desenvolvimento do campo, con-clui.

“Crescer é uma coisa; desenvol-ver, outra”, alertava Josué, apontan-do para uma reconversão do tipo de desenvolvimento. No interior do nor-

deste, sua terra natal e onde a con-centração de terras é brutal, dizia: “O problema é da cerca e não da seca”.

Mas nem só de denúncia se estru-turava seu pensamento, era um ho-mem de ação. Reivindicava também pesquisas, sociológicas e antropológi-cas, não apenas técnicas, para encon-trar soluções para os problemas. Uma educação popular para libertação do homem, por exemplo, pois acreditava que com instrução se poderia con-ter o alto índice de natalidade entre os miseráveis, fato muito discutido à época, e capacitaria a produção ali-mentícia: “Dirigir a produção de forma a satisfazer as necessidades dos gru-pos humanos e não deixar o homem se matando estupidamente para sa-tisfazer os insaciáveis lucros de pro-dução”. Criticava também o “jornalis-mo tendencioso ou sensacionalista”, o mesmo cujas empresas hoje estão atreladas política e comercialmente

às multinacionais do agronegócio e seus interesses. Criticava as indús-trias bélicas defendendo a transfe-rência dos investimentos da guerra para o combate à fome, pauta que pode se somar à reivindicação dos movimentos em defesa da desmilita-rização da polícia.

Para ele, o mundo era um orga-nismo vivo interligado, e exigia do homem uma responsabilidade ética para com os outros: “Desde que uma dessas partes sofra de fome e esteja ameaçada de morrer e apodrecer na miséria, todo organismo está amea-çado pela mesma infecção”. Mas não desanimava, lutou até o fim da vida por outros valores e modelo de so-ciedade, tudo balizado por princípios mais humanitários. “Trata-se de uma luta difícil e a longo prazo, mas per-feitamente realizável com as possibi-lidades naturais da terra e os atuais conhecimentos do homem”.

“ No interior do nordeste, sua terra natal e onde a concentração de terras é brutal, dizia:

“O problema é da cerca e não da seca”

Vírus Planetário - outubro 201310

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Depois de 84 dias de ocupação, Parque do Cocó é brutalmente desocupado.

O Parque do Cocó, maior parque urbano da América Latina, está sen-do atacado. Os mandantes do cor-te de 97 árvores para construção de 2 viadutos são os próprios gestores públicos: o prefeito Roberto Cláudio e o Governador Cid Gomes, ambos recém-filiados ao PROS (Partido Re-publicano da Ordem Social).

Depois do anúncio do prefeito sobre a construção dos viadutos em 5 de junho, históricos nomes das lutas sociais no Ceará: Rosa da Fon-

Democracia cercada e destruída

ceará

Por Lucas Moreira, Livino neto e Rodrigo Santaella

Ilustração

: Ram

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Cavalcan

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sêca, Maria Luiza Fontenelle, João Alfredo e outros, já se colocavam ali para defender o “pulmão da cidade”. Os tapumes que encobriam a obra caíram revelando o crime ambiental: as árvores já estavam sendo derru-badas, fora das vistas de todos.

Decidimos ocupar a área. Mobi-lização na internet, universidades, escolas, telefonemas chamando to-das e todos. Aos poucos, chegaram barracas, comida, água e gente de todo tipo. A força coletiva erguia

o #OcupeOCocó. Os tapumes de-ram a estrutura para um barracão comunitário e os troncos recém-cortados se tornaram bancos em círculo, originando um palco de dis-cussões e decisões coletivas e ho-rizontais e intervenções artísticas. Os ocupantes realizavam as tarefas diárias, desde coleta seletiva a pe-dágio no semáforo para compra de almoço.

Em paralelo aos protestos e ao acampamento, a luta em defe-

Vírus Planetário - outubro 2013 11

Page 12: Edição 27

sa do parque caminhou também judicialmente. Advogados populares apontaram ilegalidades, o Ministério Público Federal embargou a obra várias vezes e a Polícia Federal abriu um inquérito para apurar o crime contra a natureza.

A ocupação foi ganhando apoio e repercussão. Em pauta: o modelo de cidade que Fortaleza seria. Um grupo de especialistas, professores, estudantes de engenharia, urbanismo e arquitetura criaram mais de 10 projetos alternativos que não destruiriam nenhuma parte do parque. A prefeitura continuou intransigente.

Desde os primeiros dias, sofremos forte repressão. Várias tentativas de intimidação e ataques ao livre direto de manifestação. Em uma das madrugadas, tivemos nossa faixa levada por cerca de 40 guardas mu-nicipais armados, enquanto carros em alta velocidade jogavam bombas e pedras em direção à ocupação, ferindo manifestantes.

Na madrugada de 6 de agosto, o improvável aconteceu: Cid Go-mes chegou ao acampamento. A aparente tentativa de diálogo logo foi esclarecida frente à negação do governador em considerar qualquer projeto alternativo.

Dois dias depois, o Pelotão Especial da Guarda Municipal do Prefeito Roberto Cláudio, o Batalhão de Choque do Governador Cid Gomes, a Polícia Militar e os Bombeiros formaram uma operação de desocupa-ção. Em ação ilegal, às 4h30min da manhã, sem mandato judicial ou aviso prévio e com extrema violência, fomos acordados com bombas, tiros e arma de choque elétrico. Fomos feridos e jogados na rua, al-guns apenas de roupas íntimas. A polícia rasgou barracas e levou nos-sos pertences, incluindo notebooks, celulares e dinheiro. O restante foi destruído pelos tratores, que avançaram sobre uma parte do parque

muito maior do que a do projeto previsto.

Resistimos o dia inteiro no meio da rua. Mais gente chegava. Es-tudantes das escolas próximas, pessoas que desciam dos ônibus, moradores da área e funcionários de estabelecimentos próximos. De um lado a repressão e a destrui-ção do parque, do outro a força popular reivindicando uma cidade melhor e mais verde.

Às 18 h, conseguimos o embar-go da obra e voltamos a ocupar o Cocó. Duas semanas depois, a Justiça Estadual autorizava mais uma desocupação. A prefeitura e o governo do estado remontaram a operação, mas, minutos antes de a polícia invadir o acampamen-to, a própria juíza Joriza Pinheiro suspendeu a liminar que havia concedido anteriormente. Nova-mente celebramos a vitória da luta do povo.

No dia 4 de outubro, ocorreu um novo processo de desocupa-ção. O #OcupeOcocó teve 84 dias de resistência e muito aprendiza-do para quem passou por aqui. Colocamos em pauta a discus-são sobre que modelos de cidade e mundo queremos. A ocupação construiu um novo jeito de se re-lacionar, de conviver, de aprender com as diferenças. A luta continua, pois a nossa maior reivindicação é a legalização definitiva do Parque Ecológico do Cocó.

“ Depois dos 84 dias de ocupação, a cidade

não é mais a mesma”

ceará

Ação das forças policiais na desocupação | Foto: Livino neto

Vírus Planetário - outubro 201312

Page 13: Edição 27

O clima era de tensão. Pela ma-nhã, havia acontecido uma reunião na Justiça Federal para definir a ação de desocupação do acampamento. Ao meio-dia, um oficial de justiça iria ao acampamento do #OcupeOCocó com o mandato de reintegração de posse, dando duas horas para que todos que lá resistiam a mais de 80 dias se retirassem da área, o que de fato se concretizou.

O TRF de Recife deu a arbitrária ordem para que o juiz da 6ª Vara Fe-deral do Ceará, Kepler Gomes Ribei-ro, realizasse de imediato a reinte-gração de posse com o uso da força policial. Tal determinação atropelava a decisão do juiz Kepler, substituto e ainda em estágio probatório, que condicionava qualquer ação de de-socupação ao esgotamento da pos-sibilidade de diálogo entre as partes e determinava uma audiência de conciliação.

A evidente pressa fez com que, perto de 15 h, o juiz Kepler fosse ao acampamento pedir que os ma-nifestantes se retirassem do local. Um jovem estudante traduziu os anseios coletivos para o juiz: “a gente entende a posição que você ocupa, que, como qualquer tra-balhador, você atende ordens. A gente entende que o Ceará, sob o governo de Cid Gomes, e Fortaleza,

tantes com balas de sal e borracha.

Atrás da linha policial, uma cena ainda mais asquerosa acontecia: homens uniformizados com roupas de marca, que se disfarçam de ci-dadãos, mostravam como é rude a burguesia. Enquanto uns gritavam, “desce a borracha nesses vagabun-dos”, outro postava na rede social “Respirei gás lacrimogêneo como todos que estavam lá, mas sabe qual o cheiro que ele tem? CHEI-RINHO DE VITÓRIAAAA! O COCÓ ESTÁ FINALMENTE DESOCUPADO! QUE VENHAM OS VIADUTOS!”. Esse odor, na verdade, significa apenas mais uma violência deste bárbaro sistema para quem é cotidianamen-te abusado pela repressão, pelos interesses do capital.

À noite, a rua já esvaziada era ocupada por carros ferozes, o fluxo de trânsito normal. Os burgueses, os policiais e o poder público riam. No entanto, idiotamente, não per-cebiam que foram derrotados: de-pois dos 84 dias de ocupação, a ci-dade não é mais a mesma. A lógica fácil das mega obras não consegue mais esconder a sua fragilidade e o que mais temiam aconteceu: o povo organizado e disposto a lutar sabe que tem o poder das urbes em suas mãos.

A última barricada

Desocupações a mando do prefeito Roberto Cláu-dio, têm utilizado de diversas arti-manhas para descumprir a lei. Ilegal estão eles. Nós estamos legalmente lutando por um direito nosso. Nós não estamos aqui pra colocá-lo em situação desconfortável, quem tá colocando o senhor em situação desconfortável é o governador e o prefeito. Então, a nossa função, como manifestantes e por direito, é continuar nosso manifesto. Não queremos comprometer o senhor, acreditamos que tenha vindo em missão de paz, mas a paz começa quando aqueles que tem o poder decidem pela paz e eles decidiram pela guerra, é nós decidimos resistir no Cocó”. A fala foi seguida por pa-lavras de ordem que denunciavam o caráter de classe que a justiça fede-ral assumia naquele momento.

“Formem a linha”, ordenava o comandante do Batalhão de Cho-que. Alinhados, os homens fardados andavam lentamente. Alguns arris-cavam bater no escudo, no maca-bro ritual que marca suas violentas ações. Aquela caminhada parecia nunca acabar e o tempo era eter-no, parado no ar. Um zunido e BUM! A primeira bomba de gás lacrimo-gêneo papocava. Tudo voltou a ser real. Pedras vindas do parque res-pondiam ao estrondo, enquanto os policiais enchiam a mata e o asfalto de fumaça e alvejavam os manifes-

Abaixo, as árvores cortadas, à direita, manifestante se revolta e fica nu em protesto contra a violência do estado | Fotos: Livino neto

Vírus Planetário - outubro 2013 13

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O dia da visibilidade lésbica e bissexual já passou - foi dia 29 de Agosto-, no entanto, tornar visível a bissexualidade e a lesbiandade que muitos repudiam, não deve se ater a somente uma data.

Ao longo de todo o ano, nós lésbicas& bissexuais, somos esque-cidas. Nossas pautas, nossas revin-dicações são deixadas de lado para dar MAIS espaço à heteronormati-vidade. Essa palavra, que tem como conceito a norma heterossexual regendo as relações humanas, se-jam elas afetivas, sexuais, relações de amizade, no âmbito do trabalho e ambientes de convivência. Enfim, tudo partindo do pressuposto de que toda a base da sociedade é hé-terossexual!

Dia 29 de Agosto não foi esco-lhido por acaso, num relapso qual-quer de uma pessoa qualquer. Não. Essa data foi construída em meio ao I Seminário Nacional de Lésbi-cas (Senale) em 1999. Desde então, a cada ano, fazemos movimentações para que a data tenha seu apogeu

e consiga atingir a visibilidade que tanto lutamos.

Nós lutamos para que nossa orientação sexual seja respeita-da tal qual se é respeitada a heterossexualidade. Não mais queremos ser alvos de violências lesbofóbicas, nem queremos temer andar de mãos dadas com nossa companheira na rua. Foi preci-so estipular uma data na tentati-va de que, pelo menos uma vez ao ano, a sociedade se lembre que nós existimos e persistimos. Somos re-sistentes. Mulheres que, apesar de toda coação que anula a vivência de cada uma, continuamos firmes.

Não deixaremos de ir às ruas para manifestar nossos desconten-tamentos e exigir mudanças políti-cas. Não permitiremos que nossas vidas sejam enfiadas numa caixinha

direitos humanos

que cumpre a heteronormativi-

dade.

Aqui estamos. Nossas vozes eco-am cada vez mais alto. Não quere-mos tolerância. Queremos nosso espaço respeitado de fato, garantido. Por esses e outros motivos é que fa-lamos tanto em visibilidade. Porque nós existimos mas não somos re-presentadas, na mídia, por exemplo. E quando somos, é de uma maneira que só propicia o fomento à lesbofo-bia. Não queremos, não permitiremos!

visibilidade por direitosA luta pela visibilidade lésbica e bissexual no centro das lutas

Por Jéssica Ipólito

Que visibilidade é essa?

Vírus Planetário - outubro 201314

Page 15: Edição 27

Durante o 9º En-contro Internacional da MMM, também foi celebrada a data do dia 29 de Agosto. Na tenda montada para abrigar o debate sobre o dia, mulheres lésbi-cas e bissexuais es-tavam em peso para confraternizar ideias e fomentar o debate acerca dos desafios que permeiam a bissexualidade e a lesbianidade de cada dia junto com o feminismo.

Mulheres de vários estados e países estavam presentes, fazen-do com que o debate fosse rico e muito inspirador. As mulheres bissexuais e lésbicas, deixaram sua marca registrada neste grande encontro internacional e também seguiram pras ruas, batucando e cantando suas alegrias. Todas as manifestações deste ano em prol de uma visibilidade que nem deveria ser reivindicada, caso não fossemos alvos constantes de violência e negligência no que tange nossos direitos, foram um importante marco na nossa luta.

Enquanto ainda somos condicionadas à uma exclusão históri-ca, seguimos em luta, lado a lado, somando forças para quebrar com o patriarcado & CIA. Eventos como este só mostram o quão em luta permanecemos, de onde não pretendemos sair até que sejamos vistas como tal: mulheres, trabalhadoras, bissexuais, lés-bicas, mães! Mulheres que não vão sucumbir aos desejos pa-triarcais de submissão e silêncio.

9º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres e a visibilidade lésbica

Mesa de debate sobre visibilidade LÉS.BI Foto: Geilane Oliveira

Ilustração: Pedro Lucena

Esse foi o título do evento que, cujo objetivo era reunir mulheres lésbicas e bissexuais para atividades culturais no dia 29 de Agosto. A ideia do evento partiu de mulheres co-muns que sentiram a necessidade de um novo formato de evento e se dispuseram a construi-lo. Apro-ximadamente, com 2 meses de an-tecedência do dia 29, as reuniões já começaram. Marília Pacios, 26, analista de negócios, foi uma das

organizadoras do Lesbozonas. Para ela, o necessário é que “Sejamos sensatas: o preconceito dentro do movimento LGBT é algo latente e que tem vários viéses. Aquele que eu gosto de chamar de “higienista” descaracteriza como válida qualquer manifestação política, artística e cultural do viado “pão com ovo”, da “bichinha do Arouche”, da “sapatão caminhoneira” e todos aqueles que moram e/ou frequentam lugares que saem da rota paulista/jardins. Como a questão é a busca por visi-bilidade, decidimos ocupar as quatro zonas da cidade, aí o nome “Les-bozonas”. E nessa perspectivas, as atividades seguiram na Zona Sul, Zona Leste e Zona Oeste (Zona Norte não rolou por falta de quórum), com debates, conversas descontraídas, música.

“Lesbozonas - Estamos em todos os lugares”

Vírus Planetário - outubro 2013 15

Page 16: Edição 27

Outubro de 2013 | Ano 10 | Número 110 | www.fazendomedia.com | [email protected]

MEDIAFAZEN

DOa média que a mídia faz

Demo-crati-zação da TVCanal da Cidadania permite que municípios brasileiros tenham duas faixas de conteúdo comunitário na TV Digital aberta

O Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) prevê um conjunto de canais explorados pela adminis-tração pública e por entidades das comunidades locais. O Canal da Ci-dadania será um deles e utilizará a tecnologia digital para executar uma multiprogramação de faixas de con-teúdo. Quatro faixas de programa-ção serão divididas entre o Poder Público municipal, estadual e outras duas para associações comunitárias.

O Canal da Cidadania está em fase de implantação. Um cronogra-

ma foi estabelecido pelo Ministério das Comunicações, que prioriza, até junho de 2014, a solicitação de outor-ga do canal por parte dos municí-pios. Emissoras educativas ligadas a governos também podem pedir au-torização à multiprogramação neste período. Em seguida será a vez dos Estados.

Por fim, serão publicados avisos de habilitação para selecionar as as-sociações comunitárias que ficarão responsáveis pela programação em cada localidade. Isso quer dizer que

movimentos sociais e outras organi-zações poderão levar a programação de sua escolha para a TV aberta.

Segundo informação disponível na página do Ministério das Comu-nicações, apenas 120 municípios de pequeno e médio porte solicitaram autorização para exploração do Ca-nal da Cidadania. Para fazer o pedi-do, os governos municipais tem que apresentar, entre diversos documen-tos, certidão negativa de débito com a união e projeto técnico para insta-lação do sistema irradiante de acor-

Por André Camilo

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Vírus Planetário / fazendo media - outubro 201316

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Para a democratização da TV ser iniciada de fato, será necessária pressão popular por parte dos movimentos sociais, mídias indepen-dentes e associações comunitárias. A articulação é necessária devido a importância da abertura de espaço na programação da TV, que hoje é dominada pelo capital privado, sob interesse de poucas famílias com ligações políticas duvidosas. Além de unir forças, a sociedade civil preci-sa se organizar para conquistar a oportunidade e atender os requisitos estipulados pelo Governo.

O fato é: uma porta foi aberta. Para descobrir se o Canal da Cida-dania atenderá os objetivos que levaram à sua criação, é necessário o engajamento. Poderemos constatar que o caminho começará a virar realidade quando assistirmos na TV aberta a liberdade de troca de informação vista hoje na internet, que já está sob risco de censura.

A Venezuela pode ser considerada uma precursora da democrati-zação da TV na América do Sul. Hoje, o país vive uma mudança de câmbio político, chamado de Revolução Bolivariana. Se os meios de comunicação tem papel importante neste processo, a TV aberta tem um papel essencial, pois foi através deste meio que a parcela mais desfavorecida da população passou a ter informação de qualidade e adotou outro ponto de vista a cerca da sociedade.

Antônio Lisboa, chefe do Parque Nacional do Viruá, situado no Esta-do de Roraima, vive próximo à fronteira com a Venezuela há mais de

Ativistas em São Paulo denunciam relação do senador Fernando Collor de Melo com a Globo e pedem aprovação da ADPF 246, do-

cumento que questiona a outorga e a renovação de concessões de radiodifusão a pessoas jurídicas que possuem políticos titulares de

mandato eletivo como sócios ou associados. | Fonte: Página “Ocupe a Mídia” no facebook

do com norma técnica específica para a TV Digital.

Apesar de ser uma proposta tardia e longe do necessário para consumar a democratização da TV brasileira, o Canal da Cidadania pode ser encarado como uma boa oportunidade. A mídia indepen-dente terá maior alcance, gerando reflexão social em escala ampliada e levando o debate visto na in-ternet para uma parcela maior da sociedade.

Anualmente, serão abertas chamadas públicas pela página do Ministério das Comunicações (www.mc.gov.br) para habilitação de entidades civis interessadas em explorar a faixa de conteúdo reservada às associações comu-nitárias. Os interessados terão 60 dias para responder às chamadas cumprindo uma série de requisi-tos, como: explicar a finalidade da programação, não estar vinculada a governos, não ter fins lucrativos e assegurar direitos de participa-ção a demais pessoas físicas da comunidade que está inserida.

A norma que regulamenta o Ca-nal da Cidadania está disponível, na íntegra, na página do Ministério das Comunicações. Uma das op-ções do menu da página direciona para Perguntas Frequentes, onde o interessado pode tirar suas dúvi-das de forma mais simples e des-cobrir as exigências estabelecidas.

“ Canal da Cidadania pode

ser encarado como uma oportunidade

para mídias independentes”

Engajamento

Democratização da informação na América Latina

Vírus Planetário / fazendo media - outubro 2013 17

Page 18: Edição 27

uma década. Segundo o geógrafo, o parque capta o sinal da TV aberta venezuelana. Nas visitas que fez ao país, julgou que a população tinha elevada consciência política. Ele recorda que crianças com menos de dez anos brincavam com ele por ser bra-sileiro e, consequentemente, alienado pelo O Globo, assim como os argentinos eram alienados pelo Cla-rín. “Se perguntarmos para qualquer criança se hoje eles são socialistas ou capitalistas, eles dirão que são capitalistas em transição ao socialismo e que vivem uma democracia representativa em transição à de-mocracia protagônica ou participativa”.

Dos nove canais da TV aberta na Vene-zuela, quatro deles são estatais: o Telesur de jornalismo internacional; o VTV, canal oficial do governo focado em debates políticos; o Vive, produzido por mais de 30 TV’s comu-nitárias com programação voltada para a ju-ventude, baseado em ideologia revolucionária; e o TVES, um canal educativo.

Durante os programas dominicais ao vivo da VTV, Antônio declara ter assistido o ex-presidente Hugo Chávez lendo em rede nacio-

MEDIAFAZEN

DO

“ A Rede Globo foi desenhada pela Time Life e pela CIA para ser um

canal de dominação cultural”

Um outro olhar

épossível!

Vírus Planetário / fazendo media - outubro 201318

Page 19: Edição 27

queiros. “O poder midiático é mui-to maior que o poder político. São meios de comunicação dedicados a defender interesses privados. O mundo precisa entender o que se passa na América Latina”, respon-deu Correa após ser questionado sobre a nacionalização dos meios de comunicação durante entrevista à Wikileaks.

Pouco se ouve na grande mídia a respeito da iniciativa do Canal da Cidadania justamente por que aqueles que detém o monopólio dos meios de comunicação não tem o menor interessse na demo-cratização desses meios.

Dentre outras iniciativas de in-tegração entre a América Latina e o Caribe, Chávez criou a Televisión del Sur (Telesur), uma rede de tele-visão multi-estatal sem fins lucra-tivos com o lema “Nuestro Nuerte es el Sur”. A iniciativa recebeu apoio de países como Argentina, Bolívia, Cuba, Equador, Paraguai e Uruguai. O conteúdo é produzido por corres-pondentes em 12 países, inclusive no Brasil. O canal pode ser aces-

sado gratuitamente através de sua página (http://www.telesurtv.net/) e também em canais locais de al-guns países de língua espanhola.

Antes do lançamento do satélite Simón Bolivar, em 2008, houve um grande debate na Venezuela em re-lação à abrangência da transmissão do sinal. A maior parte do governo e do povo venezuelano queria que o satélite cobrisse o extremo norte da América do Sul, direcionado ao Golfo do México e, consequente-mente, o sul dos Estados Unidos. Hugo Chávez direcionou o sinal para que cobrisse principalmente o Brasil.

Apesar de o sinal ser enviado ao Brasil, o governo brasileiro desconsi-derou o feito e não autorizou o sinal da Telesur para a TV aberta. Antô-nio Lisboa acredita que a transmis-são do Telesur não foi aprovada pelo impacto que causaria ao ce-nário político atual e pela ligação política entre a Rede Globo e o go-verno americano. “A Rede Globo foi desenhada pela Time Life e pela CIA para ser um canal de dominação cultural responsável por promover o mais intenso processo de alienação televisiva do mundo, que é o que a gente vive no Brasil há décadas.

Telesur

nal trechos de livros de Nietzsche, Noam Chomsky, entre outros pen-sadores. “Fui algumas vezes à Ve-nezuela. Quando voltava ao Brasil, me sentia atravessando um abismo, como se estivesse me mudando de continente, tamanha a diferença de consciência que a massa tem em relação à nossa”.

Segundo Antônio, se a proposta televisiva da Venezuela funcionas-se hoje no Brasil, os debates públi-cos, as manifestações provenientes do mês de junho, estariam sendo transmitidas ao vivo para toda a população. “A TV Vive existe na Venezuela para isso, para o proces-so revolucionário. Se existisse aqui transmitiria ao vivo debates que acontecem hoje nas ocupações país a fora”.

Um processo parecido ocorre no Equador, onde um terço da TV terá concessão privada, outro terço será comunitária sem fins lucrativos, e a outra parte pública. Segundo o presidente Rafael Correa, o intuito do governo equatoriano é demo-cratizar os meios de comunicação e enfrentar a oposição feita pelos proprietários das empresas de co-municação, em sua maioria ban-

Durante 2º Grande Ato Contra o Monopólio da Mídia, manifestantes atiram esterco na fachada da sede da Rede Globo, em São Paulo por conta do envolvimento da emissora com o Golpe Militar de 1964 | Fonte: Página “Ocupe a Mídia” no facebook

Vírus Planetário / fazendo media - outubro 2013 19

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Vamos BARRAR

o Leilão de Libra!

21 de outubro é o Dia da Traição Nacional.

Em 1995 FHC chamou o Exército para ocupar as refinarias e calar a voz dos petroleiros. Em 2013 Dilma Rousseff convoca as Forças Armadas para garantir o leilão de Libra.

A Presidência da República se volta contra o povo e abdica da soberania nacional para garantir os interesses das grandes corporações empresariais.

A Constituição foi rasgada. Respeitar a vontade do povo e assegurar a soberania são princípios constitucionais aviltados neste momento.

Leiloar Libra, o maior campo de petróleo do Brasil, uma riqueza estimada em 1,5 trilhão de dólares, é trair o Brasil.

LUTO PELO BRASIL!

Page 21: Edição 27

Vamos BARRAR

o Leilão de Libra!

www.tinyurl.com/leilaonaoNotícias da campanha:

www.apn.org.br www.tvpetroleira.tv

Participe do abaixo-assinado:

Brasileiras e brasileiros, no dia 21

de outubro vamos manifestar nossa

indignação. Vá para as ruas com a Bandeira do Brasil,

vista-se de preto, coloque fitas pretas nos carros e panos

pretos nas janelas, em sinal de luto pelo Brasil.

Não ao leilão de Libra!

Page 22: Edição 27

EntrEvista INclusiva:

Hamilton Octávio de Souza

Hamilton Octávio de Souza é jornalista com mais de 40 anos de profissão. Trabalhou na construção da mídia alternativa desde o início de sua carreira, ainda estudante, ao mesmo tempo em que trabalhava na mídia grande. Hoje professor da PUC-SP, o ex-editor chefe da Caros Amigos, começa a integrar a equi-pe da Revista Vírus Planetário de São Paulo e neste mês é nosso entrevistado numa conver-sa sobre o papel da mídia, o desenvolvimento da mída contra-hegemônica e seu papel na transformação da sociedade.

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Quais são as perspectivas da mídia contra-hegemô-nica?

Nós estamos numa fase que a gente poderia chamar de “retomada” da mídia contra-hegemônica, ligada aos movimentos sociais e lutas populares, depois de um lon-go período de refluxo. Se a gente analisar essa mídia, ela é bastante antiga. Você tem a mídia contra-hegemônica no Império, já depois do começo do século XX. Uma imprensa muito forte, ligada às lutas anarquistas, socialistas, comu-nistas do começo do século XX. Teve imprensa alternativa mesmo na ditadura de Vargas. Alguns veículos ligados aos socialistas e comunistas circulavam. Depois, no período di-tadura militar de 64 a 85, a mídia contra-hegemônica - que na época se chamava “nanica” - foi muito forte. Você tinha

“ Nós só conseguiremos

um novo sistema de comunicação num

processo revolucionário

Por Jéssica Ipólito e Jamille nunes

*Confira a íntegra da entrevista em nosso site:

www.virusplanetario.com.br

Vírus Planetário - outubro 201322

Page 23: Edição 27

jornais ligados às frentes políticas pela democratização, pelas liberdades democráticas; tinha jornais ligados à grupos anarquistas, à luta das mulhe-res, vários jornais feministas e depois, no período pós-constituinte de 88, nos anos 90, houve um refluxo dessa mí-dia alternativa, com o domínio quase absoluto do pensamento neo-liberal. A grande imprensa corporativa em-presarial disseminando e propagando com total domínio e total liberdade os pensamentos neoliberais, as pro-postas do Consenso de Washington, aquilo que em determinados momen-tos chamava-se de pensamento único. E a mídia contra-hegemônica quase desapareceu nesse período; alguns poucos veículos foram lançados e conseguiram ter atuação. Nos últimos anos, com a crise do neoliberalismo e o avanço das lutas sociais, dos movi-mentos, da reorganização de setores mais oprimidos e explorados da socie-dade, tem surgido uma série de veícu-los novos. Principalmente na internet através de sites, blogs, mas também veículos impressos, em várias partes, que cumprem papel importante. O que eu vejo é que a perspectiva é boa, na medida em que você tem ligado à mídia alternativa, um avanço das lutas populares e sociais. Ela sempre funciona junto com setores da socie-dade que se opõem ao pensamento dominante, ao capitalismo, à socieda-de de mercado.

Como você vê a relação da mídia com os acontecimentos políticos da atualidade, como as manifestações e os atos?

É nesse momento que se vê a im-portância de uma imprensa alterna-tiva, porque você tem um verdadeiro levante da população em vários luga-res, demandando algo que as pessoas consideram importantes pra sua vida, e é preciso que exista uma mídia que reflita essas lutas. A imprensa alter-nativa cumpre duas funções básicas: 1) ajuda as pessoas a organizar aquilo que é a agenda e pauta dos movimen-tos sociais, então ela tem papel orga-nizador. E ao mesmo tempo, deve ser a que reflete, expõe e dá visibilidade às lutas populares e lutas sociais: cobrir os movimentos dos trabalhadores, a luta dos estudantes, a luta dos sem-terra, dos sem-teto, dos sem-univer-sidade; abrir espaço para aqueles que não são respeitados e bem-tratados na sociedade capitalista e de mercado. Ela dá vazão às lutas desses setores e ao mesmo tempo funciona como or-ganizador da luta, na medida em que ela aglutina pessoas afinadas com es-ses movimentos.

Em relação às redes sociais, como elas podem transformar o significa-do tradicional da mídia?

As redes sociais possibilitam que haja uma participação muito ampla e democrática de todo mundo, em inúmeros debates, questões que an-tes ficavam restritas apenas às pes-soas que tinham acesso a um veícu-lo de comunicação. Na medida que o acesso às redes é muito mais fácil, tranquilo, e essas redes tem uma co-nexão bastante ampla na sociedade, então a participação das pessoas, pra colocarem a sua opinião, visão e inter-

ferir de forma direta, é muito grande. Eu procuro fazer uma distinção entre aquilo que é a participação individual das pessoas, ou de pequenos grupos, daquilo que é uma organização com características de um veículo de co-municação. Porque o veículo cumpre alguns papéis a mais do que uma simples participação individual ou de um pequeno grupo numa rede. Os ve-ículos costumam debater aquilo que é relevante pra sociedade, fazer uma pauta de produção dos materiais, cos-tumam produzir materiais abrindo espaço para a opinião de pessoas, in-clusive para colocar as contradições ou divergências, e fazendo com que esse material chegue aos seus leitores como um material estimulante para reflexão e entendimento de determi-nada realidade. É diferente da opinião de uma pessoa ou de um grupo que não trabalha com essa lógica de um veículo de comunicação. O veículo é mais completo, demanda um trabalho direcionado, tem a ver com uma sele-ção e escolha de temas, de fontes, de pauta, que normalmente na rede, isso não aparece, pelo menos na comuni-cação direta.

E que perspectivas teríamos para que as mídias alternativas conse-guissem transformar essa realida-de?

Acho que temos uma perspectiva de construção de veículos, fazer com que isso seja apropriado pelos setores oprimidos da sociedade. Mas tem uma questão central nisso, que é o papel do Estado. Por exemplo, na concessão do sistema de radiodifusão. Você não

“ Ligado à mídia alternativa, há um avanço das lutas populares e sociais”

Vírus Planetário - outubro 2013 23

Page 24: Edição 27

“ Acho que a Vírus tem um papel importante

a cumprir nesse momento”

EntrEvista INclusiva_Hamilton Octávio de souza

consegue estabelecer o mínimo de disputa ideológica, se você não tiver um sistema de informação mais democrático. Há uma concentração dos veícu-los da radiodifusão, sendo que é papel do Estado estabelecer essas conces-sões.

E como você vê a imparcialidade pregada pelas mídias grandes? É um discurso vazio, sem sustentação, porque basta você pegar qualquer

emissora, rádio e revista, e olhá-los, você percebe que tá faltando a impar-cialidade, na medida que uma parte da sociedade não é ouvida, não tem canal de expressão. Os interesses estão todos ligados ao consumo, ao pro-duto industrial, à mercadoria, sempre ligado ao lucro e não ao bem cultu-ral e direito de informação. A sociedade tem direito à informação e produz bens culturais que poderiam ser socializados e compartilhados. Mas nesses veículos, tudo o que é produzido pela sociedade, é transformada em merca-doria e em lucro. Isso impede que se faça uma comunicação equilibrada e imparcial.

Existe alguma forma de transformar as mídias grandes que negam informações preciosas aos povo, em mídias que cumpram sua função social? Como?

Eu defendo um novo sistema de comunicação. Agora nós só conseguirí-amos um novo sistema num processo de transformação da sociedade, um processo revolucionário. Se você não tem uma transformação radical, va-mos fazer reformas e estabelecer alguns parâmetros melhores que os de hoje. Por exemplo, se pode estabelecer um limite máximo de número de emissoras por empresa, e não o caso de uma empresa ter cento e tantas emissoras na mão. A nova lei da Argentina estabelece 6 canais de televisão. Nos EUA, tem restrição ao máximo de audiência. As redes não podem ter mais de 35% da audiência, senão representa monopólio. Pode-se ter esta-belecimento de horários para segmentos da sociedade que são importantes de terem seu espaço garantido nos veículos. Por exemplo, no setor de canais à cabo, foi estabelecido que tenha um canal comunitário e universitário. O canal universitário funciona, talvez não atendendo todas as universidades, mas existe um espaço estabelecido por ele. Você pode colocar isso de uma forma mais ampla: canal ligado ao movimento dos Sem Teto, dos Sem Terra, dos Trabalhadores, dos camponeses, estudantes. Isso daí muda o sistema de uma maneira profunda? Não. Mas cria espaços mais democráticos.

De que maneira as manifestações de junho podem ter ajudado nisso?A imprensa corporativa-neoliberal-burguesa não é totalmente alheia aos

acontecimentos, ao contrário, ela é muito bem sintonizada, acompanha

tudo que acontece, faz suas escolhas e suas seleções. Ela tem uma capa-cidade de mutação bastante forte também. É uma mutação no sentido de incorporar aquilo que ela percebe que ajuda a manter o seu publico-leitor-ouvinte-telespectador; aquilo que ela pode incorporar, trazendo para dentro da sua areá de controle de influência. Então, é ilusão imagi-nar que tenha uma separação tran-quila nessa questão, que não haja trânsito.

Exemplo concreto: a Globo, tem-pos atrás, criou programas que colo-cavam ela em contato com as peri-ferias do Rio de Janeiro. Lembram-se da da Regina Casé fazendo matéria no morro, ouvindo a comunidade?! Mesmo aqui em São Paulo, temos os jornais da Globo daqui, onde tem um espaço que vai nos bairros da perife-ria ouvir os problemas dos morado-res.Trabalham no sentido de manter audiência porque audiência significa faturamento.

Como foi o processo da greve na redação da Caros Amigos, entre você e toda a redação que fez greve e foi demitida? Como se dava a re-lação de trabalho lá dentro?

Quando houve o pedido de corte da redação, rompeu-se o dialogo, e nós fizemos a greve pra forçar uma negociação e a resposta foi a demis-são coletiva. Rompeu-se uma rela-ção que a gente vinha conseguindo manter de forma bastante tranqui-la. O que nós tínhamos consciência é que numa revista pequena, com poucos recursos, alternativa, é lógico que você tem que ter uma postura diferente de um outro emprego em qualquer empresa capitalista. Nós contribuímos durante vários anos pra que a revista continuasse em pé. Por exemplo: nós tivemos atrasos de salário de dois meses e não fizemos nenhuma reclamação trabalhista.

Vírus Planetário - outubro 201324

Page 25: Edição 27

Havia um espírito de que nós estávamos trabalhando num veículo diferenciado, mas tudo isso também tem um limite. Na hora em que se pede pra cortar uma re-dação pela metade, de 10 pessoas ficar 5, cria-se uma situação de violência principalmente antes de se nego-ciar alternativas. Nós poderíamos ter negociado: ao in-vés de demissão, uma redistribuição dos salários, havia várias alterativas. Eu acho que a postura do dono da editora foi muito intransigente e irredutível. Se nós tra-balhássemos numa revista cooperativa dos trabalha-dores, ou que fosse uma sociedade em que todo mun-do é sócio, provavelmente, teríamos encontrado uma saída satisfatória. Ficou claro pra nós é que de um lado você tem um dono e do outro você tem os trabalhado-res, aí o conflito de classes aparece mesmo, não tem como evitar. O dono quer sempre defender o capital, o investimento o lucro dele e nós estávamos defendendo muito mais a revista, preocupados com o papel politico dela e ele mais preocupado com a situação econômica, principalmente em relação ao fato dele ser o dono. São conflitos que acabam acontecendo nesse tipo de orga-nização empresarial.

Você quer deixar alguma mensagem final?Acho que a Vírus tem um papel importante a cum-

prir nesse momento. Um veículo alternativo tem que ser sustentado pelos leitores. Não dá pra depender de governo, de empresa, de grupo econômico, de mecenas. Tem que depender dos leitores pra ter independência, compromisso com os leitores. É importante que os lei-tores que tem contato com o site, a TV Vírus e a revista impressa deem força pra revista. Comprando os veícu-los impressos, dando audiência no site e na TV, apoian-do e ajudando a colaborar com a sustentação finan-ceira. É isso que uma boa parte do público brasileiro ainda não tem consciência. Um veículo independente precisa da sustentação daqueles que gostam do veícu-lo. Se você gosta do veículo, ajude a sustentar o veículo. Não deixe ele morrer. E eu acho que a Vírus tem um tremendo papel a cumprir, porque fala uma linguagem jovem, atinge setores da juventude, gente que tá num processo de formação política, se politizando, conhe-cendo as lutas. Então eu aposto na revista, eu acredito que a revista vai crescer nos próximos meses e anos com muita força. Há espaço pra isso. E há uma neces-sidade de ter veículos com visão crítica, que possam se contrapor ao pensamento neoliberal a essa força de mercado, a essa sociedade interessada apenas no lucro e no consumo das mercadorias. Nós temos um papel importantíssimo com essa publicação. E eu espero que ela consiga crescer e se multiplicar.

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Vírus Planetário - outubro 2013 25

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política

Educação na rua

Greve dos educadores do Rio luta por dignidade há 2 meses e arrasta população para as ruas.

Polícia endurece repressão

Vírus Planetário - outubro 201326

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Nas manifestações que acontece-ram durante junho em todo o Brasil, como relatado na matéria “Amanhã será maior” da edição 25 da Vírus, algumas palavras de ordem se des-tacaram nos gritos da multidão. Os “Da Copa eu abro mão! Eu quero mais dinheiro pra saúde e educação!” e “Ah! Professor vale mais que o Ney-mar!” junto com cartazes de “Quero educação padrão FIFA!”, denotam o quanto a educação é importante para o povo brasileiro. A educação pública, “coisa de comunista”, que já foi bastante atacada pelas elites conservadoras se tornou anseio co-mum. Seja de direita ou de esquerda, conservador ou progressista, é con-senso na sociedade atual que sem educação pública de qualidade um país não tem futuro.

De acordo com o censo escolar de 2013, o Brasil possui cerca de 40 milhões de estudantes na rede pú-blica nos ensinos infantil, fundamen-tal e médio. E em quais condições encontram-se as escolas onde 20 por cento da nossa população pas-sa metade do dia? A precariedade das escolas por todo o país possui características semelhantes: profes-sores mal pagos, sucateamento, cur-rículo engessado, carga horária baixa, desvalorização e terceirização de funcionários públicos (chamados de funcionários de apoio: merendeiros, porteiros, zeladores e demais que atuam na infraestrutura de uma es-cola), falta de professores, falta de material didático, salas abarrotadas de gente e falta de democracia (elei-ções diretas para a direção nas esco-las). Aprender alguma coisa num ce-nário deste...só sendo muito sinistro mesmo!

Não bastasse toda a crise do sis-tema educacional brasileiro, vivemos ainda uma ilusão: de que a qualidade do ensino das nossas escolas pode ser medida a partir da nota que se tira no IDEB (Índice de Desenvolvi-mento da Educação Básica). Este ‘índice’, baseado no PISA (Programa Internacional de Avaliação do Estu-dante), tenta comparar a educação

Por Camille Perissé, Débora nunes, Julia Campos, Mariana

Moraes e Matheus Lara

em vários países. A meta do governo federal é que a educação brasileira atinja até 2021 a mesma avaliação que os países desenvolvidos tinham em 2003. A princípio isso pode pare-cer uma coisa boa, mas ter um ín-dice idêntico ao dos países europeus não significa que a educação seja como a de lá.

De acordo com Daniel Cara, coor-denador geral da campanha nacional pelo direito à educação e também membro do Fórum Nacional de Edu-cação, “(o IDEB) é um instrumento válido, mas dá uma fotografia muito distorcida. Precisa ser aperfeiçoado, com a construção de um sistema nacional de avaliação da educação básica que inclua outros elementos, como variáveis socioeconômicas dos alunos, o lugar onde as Escolas fun-cionam e os insumos que existem em cada Escola”. Os exames do IDEB, aliados à política da meritocra-cia, formam uma mistura explosiva com potencial de transformar esco-las em meros cursinhos pré-ideb.

Não é raro ver estados e muni-cípios que reduzem ou cortam dis-ciplinas que não são avaliadas pelo exame para que professores cum-pram com as metas estabelecidas pelo governo. Para a informação do leitor, o IDEB leva em conta apenas exames de Português e Matemáti-ca. Ler, escrever e fazer contas, será que essa é a única função da escola? Mesmo que fosse, todas as crianças são iguais, com realidades idênticas para serem assim avaliadas?

A meritocracia tem sido a tônica da escola pública no município do Rio de Janeiro. Ao invés de pagar melho-res salários, o prefeito resolve pagar por produtividade e joga a responsa-bilidade da educação no profissional e não na gestão pública. Enquanto isso, os professores são obrigados a planejarem suas aulas sem remune-ração e se veem obrigados a utilizar cadernos pedagógicos impostos. Em audiência pública, realizada no dia 21 de maio, a professora Suzana Gutier-rez, diretora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (SEPE/RJ), ressaltou que “em muitas escolas de boa qualidade não é esse, o tipo de material ofere-cido às crianças”. A professora ainda pondera que “o maior problema tem a ver com a discussão da autonomia pedagógica, porque cada realidade dos alunos é bem diferente”.

O piso salarial do município é de R$ 1.147 (22,5 horas de trabalho) e a Rede Municipal não possui um plano unificado de cargos e salários. En-quanto isso, o prefeito Eduardo Paes cria o Ginásio Carioca (GC), que pre-tende habilitar professores de uma disciplina a dar aula de outras. Em tese, nada impede que o professor de matemática dê aula de portu-guês. Paes argumenta que o profes-sor só fará o GC por vontade própria, mas um profissional que recebe R$ 1.147 tem muita escolha?

Apesar de terem conquistado um plano de carreira com muita luta

A educação no Rio de Janeiro

“ Ler, escrever e fazer contas, será que essa é a única função da escola?”

Ato dos profissionais da educação no dia 23/08 na Av. Presidente Vargas, centro do Rio Foto: Alexandre Kubrusly

Vírus Planetário - outubro 2013 27

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A greve

política

na histórica greve de 89 dias em 1988, a Rede Estadual não está em con-dição superior. O Governador Sérgio Cabral não realiza concursos públicos para funcionários das escolas e terceiriza as funções de Servente, Me-rendeira, Vigia e Zelador. De acordo com o Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), a empresa Facility detém R$ 531 Milhões em contratos com o Estado para a prestação desses serviços nas escolas. O governo estadual deixa de realizar concurso para contratar empresas privadas. Freixo afirma que “o que está em jogo não é só um debate pedagógico, o debate é de grana, de interesse financeiro. Os contratos com a Facility são de meio bilhão”.

Tendo a carga horária de diversas disciplinas reduzida, os professores não têm tempo de planejar aulas e sofrem sanções de diretores esco-lhidos pelo Governador. Em termos de salário, os professores conquista-ram na década de 80 um piso de 5 salários mínimos e os funcionários 3,5. Os educadores querem ter seus salários atualizados, o que acarreta em pisos de 3 e 2 mil reais, respectivamente. Nesse ano os educadores conseguiram a aprovação da lei “uma matrícula, uma escola” para que o professor não seja mais um andarilho. Mas Cabral passou por cima da decisão dos deputados e derrubou a lei.

Nessa situação, depois de inúmeras tentativas de estabelecer um diá-logo com Cabral e Paes, as redes municipal e estadual decidem ir para a Greve. Sem dúvidas, a greve da educação no Rio em 2013 ficará marcada na história das mobilizações pró-educação no Brasil. Principalmente pela reação violenta do Estado.

As greves das redes municipal e estadual do Rio iniciaram-se no dia 8 de agosto e surpreenderam ao mobilizar 80% da categoria no estado. No dia 23 de agosto, o prefeito Eduardo Paes, em reunião com o SEPE/RJ, se comprometeu a elaborar um plano de carreira em conjunto com a categoria.

Com base nessa promessa, a rede municipal interrompeu a greve. No entanto, Eduardo Paes enviou, sem consultar a categoria, um plano

golpista em caráter de urgência à Câmara Municipal. O plano deixa de contemplar 93% dos educado-res. Após ser traída, a rede muni-cipal, voltou à greve no dia 20 de setembro.

Nesse dia, os professores decidi-ram ocupar o 13° andar da prefeitu-ra, visando a retirada do caráter de urgência do plano de carreira, mas saíram dali apenas com a promes-sa de uma audiência com o secre-tário Pedro Paulo para a segunda seguinte, 23/09. No dia combinado, a prefeitura cancelou a reunião e publicou nota informando que não negociaria com categoria paralisa-da. A revolta aumentou.

Na quinta-feira (26/09), quan-do estava prevista a votação do novo Plano de Cargos e Salários do município. Cerca de cem grevistas e apoiadores ocuparam o plenário da Câmara Municipal, impedindo a votação. A intenção era permane-cer ali até terça (dia 1º de outubro), para quando foi remarcada a vota-ção.

O dia mais marcante na luta dos profissionais da educação foi também o mais triste. Na noite de sábado (28), a Polícia Militar reti-rou ilegalmente os professores que

O Governo presenteia os professores:

Única resposta às reivindicações dos educadores têm sido a forte repressão policial. Ilustração: Laíssa Gamaro

Vírus Planetário - outubro 201328

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ocupavam a Câmara. Atos de violência e covardia foram diversos: agarrões, tapas, uso de cassetetes, gás de pi-menta, bombas de estilhaço, gás lacrimogêneo, até o uso de armas de choque. Resultado: 2 professores pre-sos e vários hospitalizados.

Os dias 29 e 30 também foram marcados por muita violência. No dia 1º/10 a FAETEC, que já estava em greve, resolve unificar as forças com o SEPE. Neste dia aconte-ceria a votação do Plano Golpista.

A Câmara foi completamente cercada por policiais e bombas foram lançadas até do alto da Casa Legislativa, atingindo todos os seres vivos que passassem pelas ruas naquela tarde. As portas da Câmara estavam fechadas para a população. Mesmo assim, o Plano foi aprovado, com 36 votos a favor e 3 contra.

Retiraram-se do plenário a bancada do PSOL - Rena-to Cinco, Eliomar Coelho, Paulo Pinheiro, Jefferson Mou-ra (Rede); Verônica Costa e Marcio Garcia do PR; Brizola Neto (PDT); Reimont (PT) e Teresa Bergher (PSDB).

No último dia 7 de outubro, aconteceu uma nova manifestação, que ocupou a Avenida Rio Branco com cerca de 50 mil pessoas. Como de praxe foi reprimida violentamente ao seu final e atacada pela mídia grande com acusações de “vandalismo”. No dia seguinte, Eduar-do Paes confirma que cortaria o ponto dos profissionais e abriria processos administrativos.

Diante dos absurdos, as mobilizações têm cres-cido cada vez mais. No feriado de 15 de outubro, dia do professor, foi realizada outra grande manifestação que saiu da Candelária em direção à Cinelândia. Cer-ca de 40 mil pessoas foram repudiar a forte violên-cia que os educadores que estão lutando por me-lhorias na educação estão sofrendo. Ao final, do ato, uma das repressões mais fortes por parte da PM desde o início dos protestos em junho. Mais de 200 pessoas foram detidas aleatoriamente, apenas por es-tarem sentadas nas escadarias da Câmara Municipal. Mais de 60 foram autuadas pela Polícia Civil e permane-cem presas até o momento do fechamento da edição (16/10), a maioria foi acusada de formação de quadrilha.

Acompanhe as atualizações em nosso site: www.virusplanetario.com.bre na nossa página no facebook: www.facebook.com/virusplanetario

“ Professores não têm tempo de

planejar aulas e sofrem sanções

de diretores escolhidos pelo Governador”

Profissionais da rede de educação e aposentados usam de criatividade para protestar contra o vice-governador Pezão e a secretária municipal de educação Claudia Costin Foto: Matheus Lara

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Manifestos de um novo cotidiano

Andar pelo Centro do Rio de Ja-neiro após um dos grandes protestos das jornadas de junho ou da greve pela educação é uma experiência estranha. No dia seguinte, trabalha-dores encontram agências bancárias em cacos e monumentos tatuados com “A”s de Anarquia e com denún-cias contra abusos de poder.

Para quem participou e participa das manifestações, há dificuldade em voltar ao “teatro” da rotina. Já quem não pôde ou não quis comparecer tenta entender como, de repente, centenas de milhares de pessoas se puseram nas ruas, ocupando calça-das e brandindo cartazes e bandeiras – comparecendo novamente depois,

Por Seiji nomura

apesar do cansaço, do gás lacrimo-gêneo e da dificuldade de transporte. Perguntava-se, também, que diabos isso teria a ver com “nosso dia-a-dia”.

O tipo de discurso mais difundi-do pela imprensa grande tem sido a separação entre manifestantes pa-cíficos e vândalos. E de que polícia tentava, no lado oposto, manter a or-dem, mas teria “cometido excessos”, sobretudo ao se voltar contra jorna-listas que cobriam as manifestações.

Durante minha experiência nas ruas, pude observar algumas ques-tões. Mesmo considerando que po-dem existir infiltrados, há também aqueles que picham monumentos e símbolos do poder, ou depredam

bancos e grandes lojas, tendo como ímpeto, uma revolta. No dia 17 de Ju-nho, por exemplo, um dos rapazes que quebravam caixas eletrônicos do Itaú me dizia: “Tô fazendo isso, eu e uma galera, porque um amigo da gente morreu na fila da UPA. A gente não se conforma”. Outros res-pondiam aos gritos de “sem vandalis-mo” com “sem moralismo”. No mes-mo dia, alguns não deixaram os mais revoltados invadirem uma banca de jornal, bradando: “Jornaleiro também é trabalhador”. Os que arrebentaram as portas das farmácias saíram dis-tribuindo remédios comuns. Muitos que não quebraram nada se anima-ram a dançar em torno do fogo que foi feito com as cadeiras.

política

Em pleno 2013, advogados se desdobram para defender presos políticos das manifestações desde os grandes protestos de junho

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As opiniões se encontraram divi-didas dentro e fora dos movimentos. Há os que argumentam que atos mais radicais tiram o foco das de-mandas, enquanto outros defendem que um protesto bem-comportado não vai a lugar algum. Também há os que afirmam que manifestantes só se defendem da ação da polícia; entre vários outros pensamentos possíveis.

A atuação da polícia também é alvo de controvérsias. A própria ins-tituição admite “excessos” em sua atuação, embora argumente estar atuando em prol da ordem. Em nota divulgada pelo Instituto de Defenso-res de Direitos Humanos (DDH), há menção a acusações de “casos de formação de quadrilha e corrupção de menores de pessoas detidas a esmo, sem um motivo fundamenta-do, e que nunca se viram na vida”. Além disso, a polícia reconhece rojões de São João, cabeção de nego, garra-fas de plástico, garrafas com vinagre, tesouras escolares e estilingue como se fossem objetos de alta periculosi-dade que ensejasse manter alguém preso por oferecer um perigo emi-nente à ordem pública e à paz social. Vídeos divulgados em redes sociais e depoimentos comprovam cada vez mais uma atuação criminosa da polí-cia, como a do policial que planta um

rojão na mochila de um manifestante e em seguida acusa “flagrante”.

De qualquer maneira, ficam as questões: quando se está fazendo um protesto, seja contra o poder, um governo ou medidas deste, de que maneira as leis decretadas são um limite para o que se pode ou não fazer? Quando a força policial e os tri-bunais agem, qual é a diferença entre a repressão e a garantia de ordem? E o que acontece quando o Estado não obedece às suas próprias leis?

Para o Tenente Coronel Claudio Costa, a Polícia Militar trabalha para “garantir” o direito democrático de protestar. “A PM sempre trabalhou dando segurança para que possam fazer as manifestações”, diz. Ao per-guntar sobre as acusações de prisões arbitrárias e abuso de autoridade policial, fui acusado de ter sido ten-dencioso. “O que acontece é que há

uma manifestação democrática e legítima, sem violência. Mas há um grupo de vândalos que, infiltrados, depredam órgãos públicos, quebram bancos, saqueiam lojas e incendeiam lixeiras, espalhando a destruição. Eles têm agredido policiais com Coquetel Molotov e pedras, e há a resposta a isso com o equipamento menos le-tal”, argumentou.

Já o delegado Orlando Zaccone, conhecido por posições libertárias, defende a instituição com outro tipo justificativa. “Em situações de forte clamor publico, esperar que manifes-tantes e polícia ajam dentro do estri-to comportamento legal é querer um outro mundo. Cabe uma intervenção que não é policial, é política”, argu-menta. E conlcui: “Não é justo botar toda a repressão que está ocorrendo na conta da polícia. Como um ativista carioca disse uma vez, isso é como colocar a culpa da escravidão nos capitães do mato. A polícia não cria ordem, ela mantêm”.

A opinião de um dos administra-dores da página do facebook Black Bloc é a de que essa tática não pos-sui nada ligado à incitação. “Obede-cemos a um ideal coletivo, do povo”, ressalta. Segundo ele, o Black Bloc internacional se dá de outra maneira, mas no Brasil está sendo usado para a defesa do direito de se manifestar.

Ele e outros black blocs foram pre-sos em ação da polícia pouco antes dos protestos de sete de setembro. “Chegaram seis horas da manhã na minha casa, vieram todos equipa-

“ E o que acontece quando o Estado não obedece suas próprias leis?”

Pichações no ponto de ônibus e na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em protesto do dia 7/10 Foto: Erick Dau / Oilo

Manifestante é enforcado por PM no protesto do dia 1/10 no Rio | Foto: Erick Dau / Oilo

Vida de “Vândalo”

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política

dos com armas de grosso calibre, seis a oito pessoas cercaram todos os lados, pareciam que estavam caçando criminoso internacional”, conta.

Outro manifestante, conhecido pela alcunha de Baiano, foi detido diver-sas vezes. “Uma vez um PM me tacou no chão e pisou no meu pescoço”, relatou. “Não quebro bancos nem nada do tipo, mas apoio quem faz. É muita revolta do povo. Até porque a violência que aconteceu aqui é muito pior nas favelas”, explica. Em uma das suas façanhas mais conhecidas, o Baiano resistiu a uma tentativa de prisão que considerou injusta. “Um poli-cial chegou com aquela arma de choque, taser, e eu tava com uma cerveja na mão. Eu vi que ele ia usar em mim, desviei e taquei a cerva nele. O cara começou a levar choque, e outros policiais foram ajudá-lo e o taser pegou neles também”, contou com orgulho.

Alguns dos detidos nos protestos contaram suas experiências em en-trevista coletiva organizada pelo DDH e pela Vírus Planetário. Quase todos eram negros ou pardos. Bruno Ferreira Telles foi preso por supostamente portar mochila com coquetéis molotovs. Ele estava nos protestos para fazer imagens para um laboratório da UERJ. Com ajuda dos seus vídeos e

os de outras pessoas, foi compro-vado que a mochila não era dele. “Não taquei explosivo, não taquei pedra. Fui protestar e fui preso. Não acho mais outra justificativa. Passei por todo o procedimento de um presidiário, de um criminoso, de um bandido. Apareci na televisão sem roupa, de qualquer jeito”, afirma.

A questão jurídica nas manifes-tações

Diversos grupos participam, de forma majoritariamente voluntária, na defesa dos detidos e da tentati-va de garantir uma democracia nas manifestações. A atuação se dá de duas formas: há os advogados que acompanham os protestos e aque-les que fazem plantão nas delega-cias de polícia aguardando possíveis detidos. Apesar de a maioria deles atuarem sob a alçada do Grupo Ha-beas Corpus, existem semelhanças e diferenças ideológicas internas quanto ao que se pensa ser o “li-mite” dos protestos e como estes se relacionam com a ordem insti-tucional.

Todos compartilham o repúdio a certos atos policiais que passariam do limite democrático, embora o façam de maneiras um pouco dis-tintas. O Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Chal-réo, conta: “Foram atingidos hos-pitais, residências, escolas, bares e restaurantes. A ação da polícia foi truculenta, extremamente excessi-va, absurdamente autoritária. Pren-deram até pessoas que estavam em pontos de ônibus ou saindo de bares. E, por conta disso, ocorre também um revide por parte dos manifestantes”. Para Chalréo, essa atitude não é nova, pois a ação da polícia seria autoritária no cotidiano, sobretudo em confrontos nas fave-las. Quanto aos manifestantes, o advogado considera que as atitudes mais radicais são de uma minoria inexpressiva. “Foram grupos muito pequenos, inclusive há denuncias de que partiram de policiais milita-

Apesar de, no contexto das manifestações, o DDH e a OAB atuarem de manei-ra cooperativa, a origem do primeiro é ligada a um episódio de divergência pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, então presidida por João Tancredo, um dos criadores do DDH. Em 2007, essa comissão decidiu fazer uma perícia independente da OAB da ocupação policial no Morro do Alemão, devido a sus-peitas de que o número de mortos e feridos divulgados oficialmente havia sido manipulado, bem como as causas dos incidentes. A iniciativa levou Tancredo a ser exonerado do seu cargo e grande parte de seus colegas renunciou em so-lidariedade. “Em busca de uma atuação mais independente, foi criado o DDH”, explica Thiago Melo, um dos advogados do instituto. Confira em nosso canal no youtube, entrevista com João Tancredo, presidente do DDH:www.youtube.com/virusplanetario

>> DDH e OAB

Manifestante é abordado de forma truculena em protesto do dia 23/07 no Rio Foto: Erick Dau / Oilo

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res infiltrados com o objetivo de de-sencadear repressão mais forte sobre os manifestantes”, declara.

Já o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) se posiciona de maneira um pouco diferente. “Fa-lar que a polícia é despreparada não é bem exato, porque ela foi preparada justamente para manter uma ordem desigual e autoritária”, aponta o ad-vogado Thiago Melo. “No decorrer da história, essa instituição foi res-ponsável por atos como a captura de escravos. É responsável por um tratamento discriminatório contra as classes populares. Isso é um reflexo da própria ordem injusta que a polícia deve defender. Seu papel não é criar a ordem, mas mantê-la”, completa.

O DDH não faz uma distinção maniqueísta entre “vândalos” e ma-nifestantes. “Nosso papel é garantir os direitos de liberdade de expressão e de manifestação. É evidente que há atos que podem extrapolar esse âmbito, como um homicídio arbitrá-rio”, esclarece. “Um dos casos que provocou discussão no instituto foi a agressão a um policial no dia 17 de Junho. Ele teria caído no chão e al-gumas pessoas tentaram dar socos e pontapés. Mas um grupo maior da própria manifestação foi impedir que

isso acontecesse. Existem redes de solidariedade dentro dos protestos”, explica.

Há ainda um terceiro alinhamento de advogados, mais minoritário por sua radicalidade. Percebi a diferença durante um dos plantões que acom-panhei nas delegacias, na figura do advogado André De Paula, membro da Frente Internacionalista dos Sem Teto (FIST). Portando um adesivo do grupo no paletó, ele se prontificava a defender que advogado também pode ser militante. “Não aceitamos, por exemplo, o acordo penal, ao con-trário do DDH. Essa solução, embora restabeleça a primariedade do réu e garanta sua liberdade, faz com que este se coloque como culpado. O verdadeiro responsável é o Estado, portanto não podemos aceitar isso”, afirma.

O grupo que De Paula representa é conhecido por fazer ocupações de prédios para a moradia de sem-tetos. “Como nos diz Santo Ambrósio, a terra é de quem nela vive e trabalha. Terra sem função social não merece proteção jurídica”, explica.

Curioso sobre como alguém tão contra a ordem institucional atual poderia ser advogado, perguntei por que ele se preocupa em recorrer aos tribunais. “O sistema judicial é viciado e capenga, mas ainda é menos con-trolado pelo poder econômico do que a via eleitoral”, defende. Contou que na FIST as decisões são tomadas por um tribunal popular. “Os juízes deve-riam ser eleitos e controlados pelos trabalhadores”, acredita.

“ Não taquei explosivo, não taquei pedra. Fui protestar e fui preso”

Rebeldia em chamas no protesto do dia 7/10 no Rio | Foto: Luiz Baltar

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bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Por Marcelo Araújo

Eis que um amigo me fala sobre o Hotel e Spa da Loucura. Pensei logo: Já gostei do nome! Então ele disse que era um hospital psiquiá-trico que fazia um tratamento di-ferenciado, voltado arte e poesia. Nossa, aí minha cabeça deu mil giros! Fui pesquisar mais sobre o evento que ia rolar no dia seguinte, o Sarau Tropicaos. Sem pestanejar, me comprometi de ir lá conferir. Procurei saber onde é, como chegar e tudo mais.

Peguei um ônibus da Tijuca e parti para o Engenho de Dentro. Desci no final da Dias da Cruz e es-

tava perdido… Tão perdido quanto meu celular, que na semana ante-rior me deixou e foi vagar por aí. Sem, portanto, o google maps para me salvar. Porém, sempre em men-te que antes desse aplicativo ou até mesmo do GPS existir, existia o “quem tem boca vai à Roma”! Fui perguntando. Alguns sabiam o que era o antigo Hospital Pedro II, outros sabiam o que era o Hotel da Lou-cura. No final, me achei. Ou quase…

Meu primeiro pensamento ao chegar na frente do lugar foi: como eu entro aí? Tudo apagado, as gra-des cercam um complexo que se vê

abanado e completamente escuro. Mal vejo a entrada… fui caminhan-do um pouco mais e vi a entrada de carros, mais iluminada. Perguntei para os funcionários, “Hotel da Lou-cura, onde é?” eles, “Segue aquele casal ali!”. O casal estava quase su-mindo no breu, e nessa hora, outro pensamento: você vai seguir pesso-as no escuro em um manicômio? (…) É, eu segui! Por esse caminho:

Sigo o casal, pelo caminho, eles já adiantados, entram em um prédio mais iluminado. Ufa! vou seguindo as vozes, e parece que eles também. E finalmen-te cheguei! Hotel e Spa da Loucura!

Hotel e SPA da Loucura na zona norte do Rio de Janeiro ressignifica os sentidos

É coisa de louco!

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Foto: Marcelo Araújo

Gustavo Erlach, um artista que conheci também em alguns trabalhos noturnos e que tinha sua exposição também em exibição.

Assim foi minha aventura por esse lugar mágico, que todo mês faz seu Sarau e traz te faz pensar sobre o que é a loucura, sobre como vivemos e como tratamos uns aos outros. Tudo isso só foi possível pela iniciativa do coletivo Norte Comum. Carlos Meijueiro, articulador do coletivo, diz que o objetivo é uma emancipação artística e cultural da Zona Norte em relação ao Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro. E define a atuação do Norte Comum no Hotel da Loucura da seguinte forma:

“O Hotel é uma ocupação cultural ali dentro daquele caos. Foi cons-truído ano passado para receber os participantes do encontro anual de psicologos, artistas, medicos e pessoas interessadas em pensar

“ Faz pensar sobre o que é a loucura, sobre como vivemos e como tratamos uns aos outros”

Minha cabeça gira umas 10 mil vezes com as obras nas paredes, as frases e tudo o que dá pra ver nas fotos. Deixei as voltas da mi-nha cabeça trabalhar com a câ-mera. Não falei com ninguém, esse é o meu processo fotográfico: o silêncio e a observação (ou autis-mo, como alguns amigos dizem). Uma mistura de cores, formas e perspectivas que fazem qualquer fotógrafo se emocionar com as possibilidades. Depois encontrei

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*Confira mais fotos aqui: www.tinyurl.com/loucura123

bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

a transformação no mundo através da arte e do afeto cha-mado OCUPA NISE. Ele é pensado como um tumor do bem pra matar o hospício.”

Os detalhes sobre o funcionamento do

hospital são bem distantes da nos-sa atuação ali. Hoje o Norte Comum está lá sediado e fazendo essa ges-tão da ocupação. Articulamos gru-pos, artistas e interessados em pro-duzir algo por lá, ou só participar desse lugar de encontros. A ideia é que até a virada do mandato da Prefeitura o trabalho lá esteja mara-vilhoso, para não corrermos risco de ser expulsos. E isso a gente só faz se geral chegar junto.

Rua Ramiro Magalhães, 521 – Casa do Sol 3º andar – Engenho de Dentro (Instituto Municipal de As-sistência a Saúde Nise da Silveira)

Fotos: Marcelo Araújo

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ingerir em caso de marasmo

ingerir em caso de repetição cultural

ingerir em caso de alienação

POSOLOGIA

manter fora do alcance das crianças

nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico

extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica

bula cultural algumas recomendações médico-artísticas

Contraindicações“Compra coletiva” (Porta dos Fundos)

Por que não ver graça numa troca de mer-cadorias onde “o que” se vende é o corpo ou a relação sexual oferecida por uma prosti-tuta? Por que não achar graça de uma mu-lher jogada na sarjeta, tendo que recusar a “obrigação” de fazer sexo num momento em que aparenta estar tentando se recuperar de tudo que passou pela noite? Por que não rir de toda uma caracterização sobre uma ativi-dade profissional que acarreta em situações de exploração que não temos nenhum pouco de noção? No fim, será que esse “consumidor” conseguiu esse “produto” a força? Que tal ten-tar responder essas perguntas e dar um “não gostei deste” no link:

www.tinyurl.com/compraporta

IndicaçõesAnarkoFunk

“No meio dessa fúriaBuquê de flor de açoPedra portuguesaGranada de palhaçoEmbrulhada no poemaSurgida da fumaçaEmanada dos dedosDá um beijo na vidraça”

Essa é uma das letras do grupo anarquista que faz funks politzados e os levam para as manifestações no Rio de Janeiro. Ouça a música do grupo: www.soundcloud.com/anarkofunk

Tv Vírus

Está no ar a WebTv da Revista Vírus Planetário! Foi lançada no mês passado e já tem 12 vídeos online no YouTube e mais de 12.000 visualizações. A proposta é ser um canal gratuito com conteúdo audiovisual variado, que seja primordialmente crítico da lógica capitalista. Acesse o canal, deixe seu comentário, crítica e sugira conteúdo! www.tv.virusplanetario.net www.youtube.com/virusplanetario

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Marina silva entra para o movimento nacional dos

coxinhas.

Reportagem por Jailson Bolsonazi

Após o fracasso do partido REDE, quais serão os próximos passos de Ma-rina Silva? A ex-ministra, ex-defensora do meio ambiente, ex-petista, ex-alguma-coi-sa-do-pv, decide entrar para o Movimento Nacional dos Coxinhas (MNC) e defender o anti-partidarismo. Em entrevista ex-clu-siva, Maycon Freitas, grande liderança do movimento de massas que hoje conta com 10 membros, disse que é um prazer estar no mesmo grupo que Marina Silva.

O ex-líder das Jornadas de Junho (de acordo com a Revista Veja) descreve a estrutura do MNC para novos membros. A primeira etapa, apelidada de “fazer a massa”, é quando os associados ao movimento acumulam suas pautas priori-tárias, que são o fim do voto eletrônico, redução de impostos e que os médicos cubanos voltem para Havana. A segunda fase, apelidada de “rechear” é a fase de ser contra partidos políticos, dizer que não existe esquerda nem direita e ser ra-dicalmente contra o Chavismo no Brasil.

Freitas ainda pondera que Marina ainda não está pronta para liderar, “Ela tá co-meçando a fazer a massa, já tá rechea-da, mas falta empanar”. De acordo com o MNC, o “empanamento” é uma das fa-ses mais importantes. Esta consiste em pintar o rosto de verde e amarelo, usar camisa branca e a bandeira do Brasil en-quanto sai gritando nas ruas e alertando as pessoas sobre a Ditadura Comunista que está sendo implementada no país.

Marina Silva crê que, associada a esse movimento, ela pode ocasionar uma mudança no Brasil e promover uma reedição de 1964, quando o movimento liderou a Marcha dos Coxinhas com Deus e pela Liberdade. E a parceria já rendeu frutos. O ex-jogador Romário, que apoiou

Eduardo Paes (PMDB) para prefeito do Rio em 2012, já encorpa o movimento junto com a ex-freira, trazendo também o Pastor Silas Malafaia como grande apoiador.

Dentre os quadros de mais respaldo, depois de Marina, o grande nome do neo-MNC é o futuro ex-governador Eduardo Campos. Eduardo considera Maycon uma das principais forças militantes do

país e diz que as ruas deveriam se inspi-rar nele e nada de fazer desse outubro um Outubro Vermelho, mas um Outubro Branco. Campos é um pioneiro, foi o pri-meiro a proibir o uso de máscaras, tem uma das polícias mais violentas do país e não mede esforços em agregar todos os empresários que apoiam Marina em seu projeto.

Por Carlos D Medeiros / Veja mais em: facebook.com/fucalivro

*Improvável, mas não impossível.

Marina Silva declarou publicamente seu amor-de-coraçãozinho-com-a-mão aos Coxinhas

“Uma das pautas prioritárias do movimento é a de que os médicos cubanos voltem para Havana”

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Empresa de armas menos letais vence o prêmio nobel

da paz.

Reportagem por Robélio Marinho

A grande vencedora é a Condor, mesma empresa que fabrica as armas menos letais, aplicadas sem qualquer critério desde junho no Brasil. Carlos Erane de Aguiar, presidente da Condor Tecnologias Não Letais, empresa que aumentou consideravelmente seu faturamento nos últimos meses, declara que ela hoje é um orgulho nacional, principalmente da população do Rio de Janeiro “O Brasileiro sente orgulho do gás lacrimogêneo brasileiro e não aceita gás e spray de empresas estrangeiras. Quan-do a polícia vem, todos pedem gás e balas de borracha da Condor. Os educadores do Rio de Janeiro hoje são o nosso maior público”

A Condor é mundialmente famosa, tendo sido importantíssima para conter as revol-tas na Grécia e na Turquia, mas não era tida como favorita. Com as Jornadas de Junho e o surgimento do Outubro Vermelho, a empresa da baixada fluminense foi conside-rada como a grande mantenedora da paz e garantidora da realização de olimpíadas e copa do mundo.

A empresa tem tido um sucesso financei-ro incrível. Vendendo cada bomba de gás lacrimogêneo a R$800, a empresa só de Junho para cá já aumentou seu faturamen-to em 50 milhões de reais, todo ele com

investimento público. “É o dinheiro do povo brasileiro cons-truindo o melhor gás lacrimogêneo do mundo”, diz a

presidenta Dilma, que escolheu a Con-

dor como maior par-ceira de seu Governo.

A demanda no mercado nacional veio com a dificuldade dos governos em lidar com a situação. “Afinal,

quando trabalhadores e estudantes, socia-listas e anarquistas, pessoas organizadas e independentes resolvem ir para as ruas, o que o Estado deve fazer?”, questiona o democrata defensor dos Direitos Humanos e futuro ex-governador, Geraldo Alckmin (PSDB).

O ex-presidente Lula fala sobre sua in-tervenção no RJ, “o Sérgio queria tratar os manifestantes como faz com o pessoal da favela, matando mesmo. Ponderei que tinha um monte de gente de classe média, daí ficamos em um impasse”. O futuro ex-governador complementa que “a empresa evitou um massacre, se não fosse por eles a gente ia ter que matar todo mundo. E ainda iam dizer que era culpa do Estado”. Lula diz que isso só foi possível porque “o Sérgio é pura emoção” (como lembra aqui - www.tinyurl.com/sergiopura )

Perguntado sobre a decisão, o presiden-te dos EUA disse que já sabia “da mesma forma que na Petrobras, também temos escutas na Fundação Nobel, coisa de pra-

xe da NSA”. Obama diz que a empresa Condor será vital para garantir a realiza-ção do Leilão do Campo de Libra, maior reserva de petróleo já encontrada no Bra-sil, “é natural que o povo brasileiro não queira aceitar vender reservas de US$ 1,5 trilhão por apenas R$15 bilhões, mas tenho certeza que minha Dilma vai com-prar mais armamento para conter as pes-soas que pedem mais dinheiro para saúde e educação, garantindo que as empresas americanas possam explorar os campos brasileiros”.Confira em nosso site a entrevista com

o presidente da Condor ao Sensacional Re-pórter Sensacionalista:

Acesse: www.tinyurl.com/nobelcondorPrêmio O Grobo

de Ditadura

Antes de ganhar o Nobel da Paz,

a Condor já tinha recebido em 2013, o prêmio faz diferença

do jornal O Grobo

“Vendendo cada bomba de gás a R$800, a empresa

tem tido um sucesso financeiro

incrível.“

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A transformação só vem pela educação

de qualidade!

Estamos em greve contra a precarização da educação doRio de Janeiro.!

Uma educação de qualidade só vem com a valorização do

educador e com infra-estrutura.

Confira notícias sobre a greve e a luta da educação:

www.seperj.org.br

36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro