escala bohlen-pierce: concepção macrotonal

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Processos acústicos e psicoacústicos envolvidos na produção desta nova escala musical macrotonal.

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  • 1

  • 1. INTRODUO

    Esta pesquisa tem por objetivo inicial analisar o projeto de desenvolvimento da escala Bohlen-Pierce, tanto em suas implicaes fsicas e psicofsicas como filosficas e culturais. Seu objetivo final proporcionar o uso de um nova escala, bem como um novo material bibliogrfico a respeito do mesmo.

    Dividido em quatro partes, consideradas seus eixos principais, o presente estudo busca apresentar, inicialmente, seus atores principais, Heinz Bohlen e John Robinson Pierce, por meio de curtas biografias seguidas de explanaes acerca de suas teorias. Bohlen e Pierce, o primeiro em 1978, o segundo em 1984, publicaram o mesmo produto atingido por diferentes mtodos. Bohlen de maneira mais terica, com base nas fundamentaes de nossa escala ocidental comumente utilizada e Pierce a partir de escalas experimentadas por um companheiro seu, de onde surgiu um teste de opinio acerca de uma destas. Ambos teorizaram o que a hoje conhecida escala Bohlen-Pierce, 13 graus cromticos em um intervalo limitador de uma 12J, razo 3/1, chamado tritava.

    Traados os dois caminhos pelos quais a escala veio surgir, v-se um choque entre as teorias, uma juno e complementao de ambos os lados. A comunidade musical posiciona-se e passa a estudar e participar ativamente da construo do novo sistema, no que diz respeito a seus aspectos harmnicos, meldicos, instrumentais e at matemticos.

    Com o grande impacto alcanado, vem acontecer o I Simpsio Bohlen-Pierce, onde seus diversos pesquisadores puderam compartilhar seus conhecimentos e estudos a respeito da escala.

    Esta pesquisa vem direcionada a demonstrar, acima de tudo, a que direes apontam estudos de novos sistemas, principalmente, micro e macrotonais, no que tange desde seu processo intelectivo racional seus resultados prticos.

    O objetivo proporcionar uma nova tica sobre este tipo de criao baseada no projeto de confeco da escala Bohlen-Pierce e sugerir um modo de pensar o conceito macrotonal, no apenas enquanto alargamento dos intervalos cromticos presentes em nosso atual sistema, mas como capacidade de expanso e abertura emergente msica contempornea.

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  • 2. HEINZ BOHLEN

    2.1. Biografia

    Heinz Bohlen nasceu na cidade de Krefeld (ou Crefeld) em 1935. Situada a noroeste de Dsseldorf, capital da Alemanha, na regio do baixo Reno, Krefeld pertence ao estado da Westflia do norte.1 Seu pai era eletricista formado e trabalhava em sua rea at que, por conta da Grande Depresso de 1929, teve de abandonar o emprego e abrir uma mercearia com sua esposa. Os primeiros anos de Bohlen na escola foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial (1939 1945), mas em 1961 gradua-se na Universidade Tcnica de Aachem2 com ttulo equivalente a Mestre em Engenharia Eltrica. At 2004 trabalhou para diversas empresas nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido com dispositivos de vcuos eltricos nos cargos de cientista e engenheiro gestor. conhecido internacionalmente como pesquisador de vcuos eletrnicos de alta frequncia e detm diversas publicaes como autor e co-autor, principalmente sobre clstrons e vlvulas de sada indutiva, possuindo numerosas patentes nesta rea.

    Music entered Bohlen's life through the backdoor.3 No incio dos anos 1970, quando j estava casado e pai de trs filhos, um amigo seu, que passou a ser estudante da graduao da Escola de Msica e Drama4 de Hamburgo, apresentou-o a seu professor de composio, Diether de La Motte5, e a outros membros da turma (dentre eles, Christian Brunnert, Helmut W. Erdmann, Clemens Khn e Peter W. Schatt). Eles precisavam de algum que aceitasse gravar seus concertos sem receber nada em troca e acharam que Bohlen serviria para o trabalho apesar de seu pouco contato com a msica.6 Bohlen no pde dizer no a seu amigo e aceitou o

    1 North Rhyne-Westphalia ou Nordrhein Westfalen (NRW)2 Rheinisch-Westflische Technische Hochschule Aachen (RWTH)3 4 Hochschule fr Musik und Theater (HfMT)5 Diether de La Motte (1928 2010) foi msico, compositor, crtico e musiclogo alemo

    reconhecido internacionalmente por seus livros de teoria que incluem um dos mais respeitados Tratados de Harmonia dos dias atuais, publicado sobre o nome Harmonielehre em 2004.

    6 H um flyer de uma apresentao do grupo disponvel no site oficial da escala Bohlen-Pierce (esta

    3

  • convite. Em um documento seu divulgado junto com os slides utilizados em sua leitura no Simpsio Bohlen-Pierce ele declara:

    The whole story started at some time in 1971. It was not that I had nothing better to do that year. I had a wife and three kids. The house had become too small, so I was planning to have a larger one built. The energy crisis was looming at the horizon, thus my occupation in the vacuum electron tube business kept me busy with the development of devices featuring higher energy efficiency.

    But when a friend, who was a graduate student at the Hamburg University for Music and Theater (the very institution that Georg Hajdu and Manfred Stahnke are presently teaching at), came to ask me to make recordings of the concerts of the composition class he was attending, I simply couldnt say no.7

    V-se claramente que sua inteno no era exatamente a de se envolver com esse tipo de trabalho naquele momento, sendo ele no-remunerado, pois era de sua vontade construir uma casa maior para a famlia que havia aumentado e havia uma crise energtica que dava indcios de estourar. Porm, sua nova atividade comeou a lhe conquistar, chegando Bohlen a dedicar-lhe tempo extra, gravando o coro de sua igreja, por exemplo:

    ...spending hours on end sampling voices of my friends church choir and painstakingly assembling tracks on my tape recorders.8

    O repertrio do grupo de Motte abarcava basicamente a msica ocidental, desde Canto Gregoriano at composies dos prprios alunos, prtica frequente nesta poca. Isso no fez somente com que Bohlen abrisse seus ouvidos para a

    pgina faz parte do site da Fundao Huygens-Fokker ) onde aparece o nome de Bohlen ao lado da indicao Tonband-Direktion (direo de udio), datado de 23 de Junho de 1972.

    7 BOHLEN, Heinz. An early document on a novel scale. Boston: Bohlen-Pierce Symposium, March 7-9, 2010, p. 3.

    8 Idem, p. 4.

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  • msica, mas tambm o confrontou com uma questo fundamental sobre esta: todo o material utilizado nesta parecia ser composto de uma simples escala que consistia em 12 graus de ordem exponencial divididos igualmente no intervalo de uma oitava (razo de 2:1). With a universe of pitch steps available, why being so selective? 9 questiona-se, pensando em como tudo o que tivera ouvido e gravado at aquele momento poderia ser reduzido (em suas prprias palavras) s tais 12 notas. A princpio, pensou, lhe parecia fcil obter resposta sua pergunta, pois tinha contato constante com msicos profissionais. I only had to ask.10 Mas como diz a mxima de Igorevich:

    There is a general principle that one stupid person can ask such questions to which one hundred wise men would not be able to answer. (Vladimir Igorevich Arnold a estudantes)

    Seus amigos lhe disseram que a maioria dos msicos estavam preocupados em utilizar este material e no em saber sua origem. Na poca no havia internet, mas Hamburgo era uma cidade universitria e possua timas bibliotecas cientficas, onde Bohlen deu incio sua pesquisa.

    Procurou, primeiramente, quais eram as relaes matemticas que regiam os fundamentos da escala 12-ET11 ocidental, chegando funo exponencial

    f n / f 0 =Kn /s , onde f 0 a frequncia do tom fundamental, f n a frequncia de um tom qualquer da escala, n sua ordem, s o total de graus que a escala possui e K sua base. De acordo com esta funo, segundo ele, a escala adquire um carter que convm ao que ele chamou de natural euphony (eufonia natural) e que serviu de ponto de partida para seu estudo e consta presente na primeira pgina de suas anotaes.12

    9 Ibidem, p. 5.10 Idem.11 Do ingls Equal Temperament diviso de um intervalo em x partes iguais (x-ET). Utilizam-se

    comumente as abreviaes TET (de Tone Equal Temperament) e EDO (Equal Division of the Octave), sendo este ltimo restrito diviso do intervalo de oitava em x partes iguais (x-EDO). Nesta pesquisa ser utilizada a primeira forma.

    12 BOHLEN, Heinz. Manuscrito a lpis, sem ttulo, 24 pginas. Hamburgo, sem data compndio das notas tomadas por Bohlen durante sua pesquisa inicial, na primavera de 1972.

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  • So oferecidos trs exemplos de uso desta funo que demonstram esta fase inicial de seus estudos:

    Exemplo: K= 2 (sistema de oitava) e s=12 onde f n / f 0=2n /12 , sistema de afinao temperada de 12 graus.2. Exemplo: Krenek, Oratrio Pentecostal Spiritus Intelligentiae, Sanctus

    onde f n / f 0=2n /13 com 330Hz como tom central.3. Exemplo: A escala rabe Saba seria, de maneira temperada, abordada

    f n / f 02 .4n/30 .13

    Mas somente uma sequncia exponencial de graus no seria suficiente para a obteno de uma escala harmnica, pensou ele, e foi quando Helga de la Motte-Haber14 lhe indicou o livro Unterweisung im Tonsatz de Paul Hindemith.15 O primeiro volume deste livro tem por objetivo antecipar o estudo da harmonia e melodia (captulos IV e V) por meio das noes acsticas necessrias a estas (captulos II e III). Bohlen deteve-se, em grande parte, no captulo III que trata de sria harmnica e das combinaes de tons chegando em suas implicaes na nossa percepo das consonncias e dissonncias, pontos abordados nas pginas 2 e 3 de seu Manuscrito. Na pgina 4 ele comenta sobre a dificuldade de reconhecimento de intervalos a partir de 1000 Hz (da 6 oitava pra cima, pelo sistema ocidental), por conta da distante relao entre os harmnicos com sua fundamental, considerando que, quanto mais agudo o registro, mais o intervalo frequencial aumenta. Contudo, nas pginas 5 e 6 ele parte para a derivao de uma escala que teria de guardar semelhanas entre harmnicos de diferentes graus, obedecendo funo qf x=pf 0 , onde p1 e 0

  • e o de 4J possuem o 4 harmnico, os intervalos de 4J, de 5J e 6M possuem o 3 harmnico e assim por diante, seguindo a observao sobre a semelhana destes graus.

    Bohlen critica, neste caso, a demanda por harmnicos consonantes, prximos de seu tom fundamental, sendo que os 2 e 7 graus no obedecem a este princpio. As pginas 8 e 9 so dedicadas derivao de uma escala por combinao de tons, resultando na escala cromtica. Ele observa, tambm, a criao de uma escala temperada tendo por base um desvio de, no mximo, 1% de suas notas. Da metade pra frente, ele desenvolve o projeto de obteno de uma escala que satisfaa estas leis.

    Seu prximo manuscrito, intitulado Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall 16 e datado de 25.7.72 apresenta um aprofundamento e refinamento de suas ideias iniciais, contendo j uma ideia de notao e planos para a construo de um rgo eletrnico. Ao final deste segundo manuscrito, ele apresenta uma pequena bibliografia, incluindo, alm do livro de Hindemith, Allgemeine Musiklehre de Hermann Grabner.17

    Dando continuidade, Bohlen escreve um resumo (Zusammenfassung) introdutrio ao que produziu at o momento e o intitula Versuch ber den Aufbau eines tonalen Systems auf der Basis einer 13-stufigen Skala.18

    O ltimo documento escrito seu artigo de 1975, 13 Tonstufen in der Duodezime, publicado em 1978 na revista Acustica, vol. 39 no.2.

    Este ltimo ser objeto de uma anlise aprofundada daqui em diante, onde alm de carregar todo o desenvolvimento descrito at ento, assenta suas bases e se solidifica em um projeto final, mesmo que em quantidade reduzida por se tratar de um artigo.

    16 BOHLEN, Heinz. Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall, 57 pginas. Hamburgo, 25 de Julho de 1972.

    17 GRABNER, Hermann. Allgemeine Musiklehre. Kassel: Brenreiter-Verlag, 1963 edio utilizada por Bohlen.

    18 BOHLEN, Heinz. Versuch ber den Aufbau eines tonalen Systems auf der Basis einer 13-stufigen Skala, 7 pginas. Hamburgo, 2 de Dezembro de 1972 h ainda uma segunda verso deste com 9 pginas de Julho de 1974.

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  • 2.2. 13 Tone Steps in the Twelfth19

    Grundlage der gesamten abendlndischen Musik und eines Groteils der orientalischen dazu ist ein Tonmaterial, das sich in der 12-stufigen den Raum einer Oktave umfassenden Skala zusammenfassen lt.

    (i.e. A base de toda a msica ocidental e de grande parte da oriental constituda pelo sistema tonal de 12 notas, distribudas dentro de uma oitava.)20

    Mesmo com a gama imensa de afinaes e temperamentos que surgiram ao longo da histria, h, desde Pitgoras, uma preferncia pelo pensamento de uma oitava dividida em 12 notas, mesmo que seus acidentes possuam mais de uma altura, como por exemplo, no teclado apresentado por Zarlino em seu tratado Instituzioni armoniche de 1589, onde tm-se diferenciados os intervalos enarmnicos Db-C#; Eb-D#, Gb-F#, Ab-G#, Bb-A#, alm de uma tecla a mais entre E-F e B-C para utilizao de acordo com sua tonalidade. Assunto de grande polmica, Bohlen defende que este sistema ocidental j foi por demais explorado e deve ser ampliado de forma que no fiquemos presos s velhas twelve black and white bars in front of musical freedom (Harry Partch).

    Atravs do conceito de dissonncia sensorial, tericos como William Sethares (1955, Massachusetts, EUA) provaram ser possvel manipular a percepo de consonncia atravs do espectro sonoro. H uma srie de implicaes no processo de desenvolvimento de uma escala, como sua concretizao por meio de embasamento terico quanto harmonia, exploraes meldicas funcionais e, dentre outros, a confeco de instrumentos que atendam a estas necessidades.

    Segundo Igor Stravinsky (1882-1971) em seu livro Memories and Commentaries, pitch will comprise the main difference between the 'music of the future' and our music.

    19 BOHLEN, Heinz. 13 Tone Steps in the Twelfth. Rev. Acustica, Stuttgart, v. 87, n. 5, p. 617-624, set./out. 2001 Traduzido ipsis litteris do original em alemo por conta da crescente utilizao de seu artigo nas publicaes de lngua inglesa (Traduo de Heinz Bohlen, Mountain View, USA, e B. Stockwell, Menlo Park, USA).

    20 Versuch ber den Aufbau eines tonalen Systems auf der Basis einer 13-stufigen Skala, p.1.

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  • a) Sistema Auditivo

    Primeiramente, consideremos a percepo sonora como forma de mediao entre o universo musical e nosso corpo, partindo para uma anlise fisiolgica da escuta. A capacidade de escuta do ser humano compreende o intervalo que vai dos 20 Hz at 20 kHz, podendo diminuir at cerca de 16 kHz com o tempo, no diferindo muito dos chipanzs (100 Hz 30 kHz) ou dos gatos, (30 Hz 45 kHz)21 que, ainda sim, possuem uma capacidade frequencial maior de escuta. O nosso grande diferencial comparado a estes e outros animais se d, contudo, no que diz respeito percepo musical, ao trabalho do crebro em resposta ao estmulo sonoro. Segundo Oliver Sacks, neurologista britnico, nenhum outro animal tem a capacidade de ouvir e analisar sons complexos, com tons, semitons, ritmos, palavras. Essa habilidade especificamente humana (entrevista concedida para o jornal O GLOBO, feita por Roberta Jansen). Sacks acredita que esta habilidade representa uma caracterstica evolutiva de nossa espcie e afirma existirem diversas regies do crebro que justifiquem isto, no tendo apenas uma nica parte para suas manifestaes.

    Antes de uma informao sonora chegar ao nosso crebro, ela passa por diversos caminhos em nosso sistema auditivo. O som atinge, primeiramente, o ouvido externo, entrando por um canal de aproximadamente 25 mm de comprimento por 7 mm de dimetro, conhecido como canal auditivo. Este canal leva membrana timpnica, ou tmpano, que possui forma cnica, achatada e semitransparente.

    Quando o som chega orelha, uma parte transmitida para dentro e a outra, refletida para fora. O formato da orelha ajuda este som a achar o seu caminho, por assim dizer, e um exemplo disso que, quando queremos ouvir algum falando de longe, tendemos pr a mo aberta ao lado da orelha para facilitar a escuta, como uma extenso de nosso corpo.

    A orelha funciona, assim, como uma espcie de funil ou filtro, coletando a energia sonora que chega ao ouvido a partir de sua rea e canalizando essa

    21 Desconsidera-se aqui o limiar de audibilidade humana relacionado intensidade por sua falta de importncia ao exemplo.

    9

  • energia para uma rea bem menor...22

    Seguido ao ouvido externo tem-se o ouvido mdio, constitudo pelo tmpano, a janela oval e a janela redonda. O tmpano funciona como uma membrana percussiva onde o som vai bater e, consequentemente, fazer vibrar. Por ser justamente uma membrana e possuir maior sensibilidade variaes de presso no ambiente, e o prprio som o , como Plomp diz, a periodic variation of air pressure23, o tmpano absorve maior quantidade de energia.

    Se um som chegasse diretamente entrada do ouvido interno, menos de 1% de sua energia passaria pelo orifcio da janela oval para dentro do ouvido interno. O restante seria refletido de volta para fora do ouvido, devido s nfimas dimenses dessa portinha de entrada.24

    As vibraes que chegam ao tmpano so transmitidas janela oval por meio de trs ossculos que se encontram no meio do caminho: o martelo, a bigorna e o estribo. Eles agem como uma a srie de alavancas que repassam estas vibraes com o dobro da presso. Considerando que a janela oval, pelo seu tamanho (aproximadamente 25 vezes menor que o tmpano 3 mm), eleva em 25 vezes a presso recebida, a presso final que ser processada pelo ouvido interno 50 vezes maior do que a presso exercida sobre o tmpano.

    Tambm conhecido por labirinto, o ouvido interno ir processar e enviar toda a informao vinda ao crebro. Uma parte do ouvido interno, os canais semicirculares, dedicada ao controle de nosso equilbrio e a outra, a cclea, ao sentido da escuta propriamente dito. A cclea parece um tubo com cerca de 35 mm de comprimento e tem forma espiralada ascendente. Este tubo tem em torno de 2 mm de dimetro na base e estreita-se at sua outra proximidade. aqui que a informao vinda do ouvido mdio processada para a percepo do que chamamos altura. Segundo a ANSI (American National Standards Institute), Altura o atributo auditivo do som, de acordo com o qual, sons podem ser ordenados em uma escala do grave ao 22 MENEZES, Flo. A Acstica Musical em Palavras e Sons. Cotia, SP: Ateli Editorial, 2003, p. 67.23 PLOMP, Reinier. The Intelligent Ear: On the Nature of Sound Perception. Mahwah, New Jersey:

    Lawrence Erlbaum Associates, 2001, p. 13.24 MENEZES, Flo, op. cit., p. 69.

    10

  • agudo.Na parte superior do tubo que constitui a cclea encontramos, dentre suas

    partes, a membrana basilar. Esta membrana contm uma superfcie ciliada que comporta cerca de 30.000 fibras nervosas, formando o rgo de Corti, responsvel pela transmisso dos impulsos nervosos ao crebro. H acima destas fibras nervosas a membrana tectorial que desliza por cima da membrana basilar quando esta flexiona-se em decorrncia da vibrao presente. Com isso, os clios tocados emitem impulsos eltricos que so comunicados ao crebro.

    b) Princpio da Equidistncia

    The non-linearity of the human auditory system in its entirety is assumed here as a principally known and recognized phenomenon. There are a number of reasons to consider this property as mainly concentrated in the basilar membrane and the organ of Corti.25

    Vimos anteriormente o pensamento processual desenvolvido por Bohlen para a obteno de sua escala. Ele parte dos fundamentos de nossa escala temperada e, em seu artigo, utiliza seus princpios de equidistncia e consonncia para uma anlise desta. Comearemos por seu princpio da equidistncia e sua relao com a fisiologia do ouvido, comeando por observar mais a fundo o funcionamento da membrana basilar e do rgo de Corti.

    Em 1960, o biofsico hngaro Bksy Gyrgy (1899-1972) descobriu, analisando cadveres humanos e provando que as reaes eram as mesmas em um ser humano vivo, o que acontece na nossa membrana basilar quando ouvimos um tom senoidal26, and a travelling wave was found.27 Ele obsevou que os estmulos na membrana se davam na forma de ondas, onde em seu pico constava a localizao de cada som em que,

    25 13 Tone Steps in the Twelfth, nota de rodap, p. 1.26 Onda sonora mais simples que existe. Seu nome advm de sua representao grfica, idntica a

    de uma funo seno. tambm chamada onda pura, som senoidal, senide, dentre outras.27 Discurso autobiogrfico de Bksy.

    11

  • ...for high frequencies, the maximum of the travelling vibrations was near the entrance to the inner ear and for low frequencies, it was far away.28

    Vemos, pela figura seguinte, como Bksy analisou, que o prprio formato da membrana basilar diferencia os estmulos do agudo, perto da janela oval, para o grave, perto do helicotrema (extremidade oposta janela oval). Mesmo sua pesquisa sendo feita com base em sons senoidais, a anlise de outros tipos de sons d-se pela observao individual de seus componentes espectrais. Com isto, tm-se uma teoria espacial da discriminao de frequncias, pois que, o crebro assume o papel de discriminar as altura de acordo com a flexo da membrana causada pela vibrao sonora em determinado ponto de sua superfcie.

    [Campbell & Greated]29

    Da obtm-se, tambm, a teoria de banda crtica, no qual um intervalo entre dois sons, conforme diminuido, percebido por fibras nervosas muito prximas, causando uma confuso na interpretao do crebro.

    Baseado na pesquisa de Bksy, Donald D. Greenwood props uma equao que relaciona a frequncia ouvida com seu posicionamento na membrana basilar,

    descrita por f=A (10axK ) , onde f a frequncia caracterstica do som, em Hz;

    28 Ibidem.29 CAMPBELL, Murray; GREATED, Clive. The Musician's Guide to Acoustics. New York: Oxford

    University Press, 2001, p. 54.

    12

  • A uma constante entre a frequncia caracterstica e o limite superior de

    audibilidade da espcie; a a inclinao da curva na poro linear da posio da frequncia na membrana basilar; x a posio do pico de estmulo na membrana em relao ao seu final, prximo ao helicotrema; e K uma constante que representa a divergncia da natureza logartmica da inclinao da curva descrita pelo pico de estmulo e determinada pelo limite mnimo de audibilidade da espcie.

    Aplicada aos seres humanos, temos: f=165 . 4(102 .1x / L0.88) , onde x a posio do som na membrana e L seu tamanho.

    Utilizando esta frmula, temos que o L central de 440 Hz estimula um ponto localizado a cerca de 9.2 mm do fim da membrana, enquanto sua oitava superior (880 Hz) realiza a 13.2 mm, a prxima (1760 Hz) a 17.7 mm, e a seguinte (3520 Hz) a 22.4 mm. Vemos que, conforme a frequencia aumenta, o pico do estmulo fica mais distante da extremidade do helicotrema.

    Se utilizarmos a frmula de Greenwood para expressar a distncia xn x0 de

    dois pontos estimulados referentes s frequncias f n e f 0 , onde 0 e n so

    graus de uma escala, temos: f n / f 0=102 .1(x n x0)/ L

    . Se compararmos esta equao,

    baseada em dados emipricos e fisiolgicos, com a funo que descreve a

    equidistncia cromtica na escala ocidental 12-ET, f n / f 0=2n /12 , observamos que

    2n/12=102.1(xnx0)/ L

    .

    A isto equivale dizer que a excitao entre dois pontos frequenciais quaisquer da membrana basilar est diretamente relacionada com a noo de altura, onde, neste caso, os 12 graus da escala possuem intervalos iguais de 1 semitom.

    O princpio da equidistncia, prova ento, que o crebro reconhece como iguais os intervalos de uma escala exponencial.

    c) Princpio da Consonncia

    Vimos que o som percorre um longo caminho em nosso sistema auditivo, desde o momento em que chega ao ouvido externo, produz oscilaes de presso que movimentam a membrana timpnica e fazem vibrar os trs ossculos do ouvido

    13

  • mdio, enviando uma onda atravs da janela oval para a cclea. Esta onda toca a membrana tectorial nos pontos de pico, onde as fibras nervosas vo enviar ao crebro a informao da localizao exata destes para que os percebamos enquanto atividade sonora.

    Neste processo todo uma distoro involuntria ocorre, independente da produo dos sons desejados.

    The signal becomes distorted in such a way that additional components, not presents in the external sound wave, are aded by the ear. These ear-generated sounds are passed on to the brains along with the original signal.30

    Acreditou-se por muito tempo que este fenmeno se dava no ouvido mdio, onde o movimento do estribo na janela oval era idntico ao da membrana timpnica apenas para nveis pequenos de loudness31, porm, acrescentam Campbell e Greated que

    ...the stirrup motion is a faithfulcopy of the eardrum at all normal levels of loudness. On the other hand, the point on the basilar membrane at which the amplitude envelope peaks has been shown to behave in non-linear way: as the stirrup vibration increases in amplitude, the membrane vibration does not increase in proportion.32

    Combinao de Tons

    Os tipos mais comuns de distores que ocorrem em nosso ouvido so as combinaes de tons, em seus diferentes nveis, dados por pf 1qf 2 , onde p e q

    so nmeros inteiros e f 1 e f 2 so as frequncias fundamentais. neste ponto que retornamos Hindemith, quando Helga de la Motte-Haber indicou a Bohlen o livro Unterweisung im Tonsatz. Nele, seu autor diz:

    30 CAMPBELL, Murray; GREATED, Clive, op. cit., p. 62.31 Loudness um termo psicoacstico em ingls relativo atividade perceptiva da intensidade

    sonora.

    32 Idem.

    14

  • They [the combination tones] are thee third point of a triangle whose other two points are in the sounding interval, making possible for the ear a sort of trigonometry by which it is enable to form a judgement of the purity of an interval.33

    Hindemith demonstra, por seu comentrio, compartilhar de uma ideia cientfica errnea, considerando que as combinaes de tons de primeira ordem que formam as combinaes de segunda e assim por diante, ao passo que, em verdade, quaisquer combinaes de ordem superior esto ligadas apenas com os tons primrios.

    [Heinz Bohlen]

    Neste grfico34 Bohlen esboa as combinaes de tons dadas as frequncias fundamentais f 1 e f 2 , sendo Dmn os tons subtrativos (difference) tais que mf 1nf 2 e Sm n os aditivos (summation) mf 1 +nf 2 . As variveis m e n

    33 HINDEMITH, Paul, op. cit., p. 58.34 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 2.

    15

  • determinam a ordem de cada harmnico. Temos ento que as combinaes de tons entre dois sons harmnicos35 do-se por pmf 1qnf 2 , dependentes, portanto, das frequncias fundamentais, das parciais de cada som e dos inteiros que relacionaro ambos. Em seu artigo, ele ainda cita a possibilidade da presena de tons tais que 2f 2 f 1 e 3f 1 f 2 .

    Due to their immediate vicinity to the primary tones, the combination tones exert a strong influence on the perception of the sound (in the sense of gestalt psychology).36

    Veremos agora como os princpios da psicologia da Gestalt explicam a atuao destas combinaes de tons e, consequentemente, a percepo de consonncia e dissonncia.

    Psicologia da Gestalt

    Tambm chamada de psicologia da forma, pela traduo da palavra alem gestalt que, apesar de compreender um significado mais amplo, no interfere em nossa interpretao, tem como ponto de partida a ideia da percepo do todo como sendo mais importante que as partes.

    No final do sc. XIX e incio do sc. XX a Psicologia se consolidou como ramo da Filosofia e limitava-se, pois, a estudar o comportamento (behaviorismo), as emoes e percepes. At este momento a tendncia corrente era a de uma anlise atomista, onde o todo era buscado atravs da observao de suas partes. Em oposio a esta que nasce a Teoria da Gestalt, ligada incialmente s formas enquanto aspectos visuais dos nossos sentidos. Porm, no decorrer dos tempos sua teoria veio dar conta de explicar muitos outros campos sensveis, tornando-se uma verdadeira corrente de pensamento filosfico. A Gestalt prope explicaes daquilo que, segundo ela, no so nada mais, nada menos, do que a natureza de como nosso crebro funciona. Seus pensadores identificam no objeto sentido, enquanto 35 Tons complexos, em oposio a tons senoidais, que possuem um espectro com parciais

    harmnicas, ou seja, mltiplas de nmeros inteiros positivos de sua fundamental.36 Idem.

    16

  • um todo, uma percepo primeira de mundo. H um instante entre o momento em que nosso corpo sente um objeto e que o nosso crebro o identifica e o transforma em matria intelectiva e deste momento que trata a Gestalt. Um fundamento seu se d de forma clara na analagia de que A+B no simplesmente (A+B), mas sim um terceiro elemento C que possui caractersticas prprias e leis que regem a sua essncia.

    Um dos princpios da Gestalt a Lei da Prgnanz proposto por Max Wertheimer, um dos principais psiclogos idealizadores desta corrente. Segundo Koffka,

    Esta lei pode ser sucintamete formulada da seguinte maneira: a organizao psicolgica ser sempre to boa quanto as condies reinantes permitirem. Nesta definio, o termo boa indefinido. Abrange propriedades tais como a regularidade, a simetria, a simplicidade...37

    Esta boa organizao de que fala Wertheimer, citado por Koffka, a tendncia natural de nosso crebro a simplificar a informao que nos chega, como se todos os ingredientes de um bolo, em nossa cabea, j constitusse o bolo com a finalidade de tornar o objeto perceptvel.

    ...that perception, like other mental activity, is a dynamic process of organization, in which all elements of the perceptual field may be implicated in the organization of any particular part.38

    Assim como Lerdhal e Jackendoff em seu livro, tomaremos aqui a msica como uma mentally constructed entity,39 ao passo que o material utilizado em sua produo minuciosamente tratado e escolhido.

    Um dos conceitos mais ligados escala harmnica ocidental refere-se ao princpio do fechamento. As reas fechadas parecem constituir organizaes 37 KOFFKA, Kurt. Princpios de Psicologia da Gestalt; traduo de lvaro Cabral. So Paulo: Editora

    Cultrix/Editora da Universidade de So Paulo, 1975, p. 121.38 LERDHAL, Fred; JACKENDOFF, Ray. A Generative Theory of Tonal Music. Cambridge,

    Massachusetts: The MIT Press, 1983, p. 303.39 Ibidem, p. 2.

    17

  • estveis, auto-suficientes...40, onde a oitava faz-se exemplo, como um sistema que se fecha e que ainda refora sua capacidade gestltica repetindo-se continuamente, visto que nosso sistema auditivo percebe esta repetio como igual, conquanto ela seja de ordem exponencial. Outro fator que demonstra esta capacidade gestltica de nossa escala d-se com este material exponencial, percebido, dentro desta oitava, como 12 graus igualmente divididos.

    Any contiguous sequence of pitch-events, drum beats, or the like can constitute a group, and only contiguous sequences can constitute a group.41

    Esta percepo sucessiva de eventos sonoros constitui um incrvel artifcio de nossa 12-ET, pois qualquer transposio feita ou qualquer ponto da escala que se escolher, pode-se tomar como partida para uma seguinte boa continuidade que, principalmente, guarda relaes distanciais com quaisquer outros pontos escolhidos como iniciais.

    H, por trs de todas estas concluses, um cenrio scio-cultural presente, utilizado pela prpria Gestalt como exemplo de forma, concatenando o que chega at ns. No exemplo de nossa escala temos que este pano de fundo cultural concretiza-se em experincias sucessivas de experimentao de um mesmo contedo e assimilao deste em diversos contextos e esferas de nossa vida, tornando fcil seu processo organizacional em no crebro. Como bem diz Plomp, what we hear depends on what we expect to hear42, como se houvesse uma espera pelo que se ouvir e quanto maior for o afastamento da nossa cultura, mais difcil ser a recepo da nova ideia.

    H ainda uma explicao gestltica acerca da percepo da consonncia e dissonncia, baseado na combinao de tons. Bohlen nos oferece dois exemplos retirados de seu grfico nos quais observa, primeiramente que, para f 2=3/2f 1 (5J) tem-se uma quantidade maior de coincidncias nas combinaes de tom do que para f 2=8/5f 1 (6m ptolomaica).

    40 KOFFKA, Kurt, op. cit., p. 161.41 LERDHAL, Fred; JACKENDOFF, Ray, op. cit., p. 37.42 PLOMP, Reinier, op. cit., p. 7.

    18

  • Contrary to the case of the fifth where the combination tones in a sense create a logical enhancement of the interval, the minor sixth becomes rather blurred; the gestalt of the interval is much less concise.43

    O filsofo e psiclogo alemo Carl Stumpf (1848-1936) criou uma teoria da Fuso Tonal (Verschmelzung), onde a percepo de dois tons consonantes seriam tidos como apenas um.

    Veremos no prximo subitem o porqu desta teoria de Stumpf no poder justificar a diversidade de sensaes provocadas pelo nosso crebro e sua aplicao dentro do conceito da Prgnanz gestaltista, analisando mais de perto os fenmenos psicoacsticos da consonncia e dissonncia.

    Dissonncia Sensorial

    Stumpf realizou um experimento com indivduos sem treinamento musical e utilizou pares de ondas senoidais. Ele buscou analisar a sua Teoria da Fuso Tonal perguntando a estas pessoas se elas estavam ouvindo um ou mais sons. A maior quantidade de respostas erradas (um som) determinaria o mximo grau de consonncia. Os resultados obtidos foram os seguintes:

    Intervalo Oitava Quinta Quarta Tera Trtono Segunda% de Erro 75% 50% 33% 25% 20% 10%

    A teoria de Stumpf foi aceita por muito tempo e serve, ainda hoje, a muitos modelos musicais, porm, logo viu-se a relatividade destes resultados e ele prprio comeou a mudar sua viso do que havia proposto.

    Quando falamos em consonncia e dissonncia, lidamos diretamente com conceitos psicoacsticos, ao invs de apenas acsticos. Um deles que vale citar a sensao de Rugosidade (do ingls Roughness), percepo primeira destes sons no momento de sua interao. A teoria de Stumpf se encaixa aqui aliada ao conceito da Prgnanz gestaltista, ao passo que nosso crebro tende a perceber o todo em sua relao e no somente o comportamento fsico separado deste. Esta explicao

    43 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 2.

    19

  • serve ainda a esclarecer o porqu de um tom complexo ser tido, por ns, como um nico som que contm caractersticas prprias, onde o conjunto resultante destas chamamos timbre.

    Os estudos de Plomp e Levelt (Amsterdam, 1938), publicados sob o ttulo de Tonal Consonance and Critical Bandwidth no Journal of the Acoustical Society of America (vol. 38, pp. 548-560, 1965), revelam as diferenas de percepo relacionadas s sensaes de rugosidade e sua relatividade:

    [William A. Sethares]44

    The plot shows how the sensory consonance and dissonance change depending on the frequency of the lower tone.45

    Este grfico mostra a relao entre pares de senides e afere, sobretudo para a oitava, nveis perceptivos de dissonncia.

    Atualmente, o conceito de dissonncia sensorial prev clculos a partir destes nveis de dissonncia considerando a totalidade espectral do som produzido, ou seja, para cada harmnico so calculadas suas relaes com os outros. Com isto, temos que a manipulao de determinado espectro pode benefiar certos graus de conssonncia e dissonncia, resultando, por fim, em uma verdadeira relatividade, contrria a experincia inicial de Stumpf, onde qualquer intervalo pode adquirir caractersticas de roughness ou no, provado por Sethares em seu livro citado.

    Contudo, Bohlen discorda desta teoria, considerando overtones and beats as neutral regarding consonance impression; they contribute only to the timbre of the

    44 SETHARES, William A., op. cit., p. 47.45 Idem.

    20

  • sound.46 Ele se baseia nos experimentos de Hans-Peter Reinecke (1926-2003), musiclogo, onde a consonncia e dissonncia adviriam, assim, da percepo gestaltica da combinao de tons (desconsiderando seus harmnicos), onde pessoas declararam que alguns intervalos puros eram dissonantes.

    Consequncia

    Complex models are rarely useful, except for those writing their dissertations. (Vladimir Igorevich Arnold)

    Desta grande anlise acerca de nosso sistema temperado ocidental, das concepes de consonncia e dissonncia e o trabalho gestaltico de nosso crebro, temos, resumidamente, a seguinte tabela, como resultado das premissas construo de uma escala tonal e harmnica:

    Organizing principle Principle of Consonance Principle of EquidistanceLocation of origin Middle ear & inner ear Inner ear

    Responsible organsTympanic membrane, middle ear

    ossicles & basilar membraneOrgan of Corti

    Deciding physiological organ property

    Amplitude non-linearityExponencial frequency

    sensitivity

    Resulting psycho-acoustical sensation

    Gestalt enhacement through combination tones results in sensation of consonance & compatibility of intervals and

    chords

    Exponencial sequency of pitches appears to be

    equidistant

    Consequent demand on scale structure

    Accommodation of a maximum of compatible intervals

    Approximately exponencial sequence of pitches

    f n / f 0 Kn/N

    Result of combined principles

    Scales usable for harmonic and tonal music (if limitations posed by sensory dissonance are respected)[Bohlen-Pierce Site]

    46 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 3.

    21

  • b) Escala de Bohlen

    Segundo as premissas at agora estabelecidas, o prximo passo de Bohlen escolher o material utilizado na confeco de sua escala. Ele opta por utilizar todos os intervalos consonantes no presentes na escala 12-ET. A tabela abaixo mostra um ranking com os 20 intervalos mais consonantes obtidos segundo seu critrio:

    [Heinz Bohlen]47

    Observamos que a escala ocidental 12-ET faz uso dos intervalos 1/1(1), 2/1(2), 3/2(4), 4/3(6), 5/3(7), 5/4(8), 6/5(12), 8/5(15), criticando o fato de se desconsiderar consonncias como 5/2(5), 8/3(11) e 9/4(14). neste ponto que ele pe em questo a problemtica da oitava (2/1), dizendo:

    ...it is predestined as the framework of a scale especially for the reason that, based on the timbre of natural tones, the auditory system clearly recognizes the image of the original sound in a sound shifted upward by this ratio.48

    47 Ibidem, p. 4.48 Idem.

    22

  • Bohlen analisa ainda a importncia da trade maior de nossa escala construda sobre as relaes de 5J (3/2) e 3M (5/4), donde obtm-se, junto 8J (2/1) as demais relaes: 3/2 x 5/4 = 15/8 (7M); 3/2 : 5/4 = 6/5 (3m); 2/1 : 3/2 = 4/3 (4J); e assim por diante.

    Com isso, temos que, de suma importncia so: um intervalo cclico delimitador e uma trade como ponto de partida. Qualquer outra soluo pode ser obtida, fazendo-se bom uso das propriedades de novos intervalos e de suas possibilidades e relaes.

    Seu primeiro passo consiste em eleger seu intervalo cclico delimitador, a 12J, de razo 3/1, the next larger possible proportion.49 A razo 7/3 (9 lugar no ranking) o prximo intervalo mais consonante no utilizado da lista, sucedido pelo 5/3, j usado, porm guardando semelhanas harmnicas com seu novo delimitador, tambm. Possumos, neste ponto, uma trade (3:5:7, substituta da ento 4:5:6), que segundo Bohlen nos bastante worthy (i.e. Digna, ipsis litteris).

    [Heinz Bohlen]50

    Neste grfico, temos f 1=1/1 , f 2=7/3 e f 3 variando entre f 1 e 3f 1 . A 49 Ibidem, p. 5.50 Idem.

    23

  • escala 12-ET claramente baseada em consonncias no-lineares de ordem par (fugindo regra apenas o intervalo de sexta, 5/3), ao passo que, nesta nova proposio, so preferidos intervalos de harmnicos mpares.

    Bohlen, portanto, inicia a combinao dos tons mpares para a gerao dos intervalos constituintes:

    [Heinz Bohlen]51

    Pondo em ordem crescente, dentro de nosso intervalo delimitador (3/1), temos a seguinte escala, por enquanto: 1/1, 9/7, 5/3, 9/5, 15/7, 7/3, 3/1. Considerando algumas diferenas entre as notas j geradas, obtemos alguns intervalos caractersticos que nos sero de grande utilidade:

    [Heinz Bohlen]52

    51 Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall, p. 19.52 Idem.

    24

  • de suma importncia observar os semitons criados entre '9/5 : 5/3 = 27/25' e entre '7/3 : 15/7 = 49/45'.

    Consequently, the remaining gaps are bridged with already available material aiming at approximate equidistance...53

    [Heinz Bohlen]54

    Vemos que esta aproximao se d com o uso dos semitons gerados anteriormente e que a escala caminha para uma formatao simtrica. Em seu artigo ele apresenta outro caminho, neste momento, utilizando, assim como no caso da razo 7/5 que foi invertida e transposta tritava55 acima, o mesmo procedimento com 27/25 e 25/21, aps perceber a relao gestaltica de semelhana entre estes, o harmnico de nmero 25. No primeiro caso, ele inverte e transpe tritava abaixo, ficando com 25/9 e no segundo caso, inverte e passa tritava acima, obtendo 63/25.

    No fim das contas, estes caminhos no influenciam em muito seu pensamento. Parece-nos que ele preferiu utilizar em seu artigo, diferente de suas anotaes, um caminho mais simples, percebendo, sem dvida alguma, que dariam no mesmo lugar. Temos por fim o seguinte produto final:

    53 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 6.54 Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall, p. 20.55 Termo criado para designar o intervalo cclico delimitador de nossa escala, 3/1. O tri refere-se ao

    fato de esta nova 'oitava' compreender a extenso do 3 harmnico, 12J acima da fundamental.

    25

  • [Heinz Bohlen]56

    [Heinz Bohlen]57

    V-se, portanto, que o processo em suas notas se deram atravs dos semitons e da aproximao de uma escala simtrica e temperada58, ao passo que, em seu artigo publicado 6 anos aps, ele pensa nas funes gestalticas de semelhana e formao tridica, de inverso e transposio destes intervalos.

    Anlise

    Besides a perfectly symmetrical form, the scale features a number of interesting properties.59

    Primeiramente, no que diz respeito aos intervalos, h alguns que, devido 56 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 6.57 Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall, p. 20.58 Temperamento um sistema de afinao baseado em intervalos temperados, ou seja, retirados de

    sua posio natural. No caso citado, estamos tratando de temperamento igual que, como visto anteriormente, a diviso de um certo intervalo em x partes iguais.

    59 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 6.

    26

  • sua incompatibilidade com a escala 12-ET, no foram utilizados. So eles: o trtono de Huygens 7/5; a 7m natural 9/5; e uma 3M um tanto alta de 9/7.

    Alm do mais, h alguns intervalos bastante semelhantes com o de nossa escala 12-ET, que podem assegurar um carter mais consonante escala, devido relao passada adquirida. 25/21 (301.8 cents60), por exemplo aproxima-se enormemente de nossa 3m temperada (300 cents); h, tambm, uma tima aproximao de nossa 10M na razo 63/25 (1600.1 cents); alm, claro, dos intervalos j presentes na escala maior Ptolomaica 5/3 (6M) e 3/1 (12J).

    H ainda a possibilidade de um bom temperamento, sem muito desvio de seus intervalos naturais, com um total de 13 graus representado pela funo

    f n =f 0 3n /13 , anloga expresso da escala 12-ET.Assim como a utilizao dos harmnicos 3:5:7 para a gerao da escala, este

    acorde servir como ponto de partida construo dos modos da nova escala. Esta trade foi chamada por Bohlen de triad (i.e. Trade Delta), tida como a mais consonante da escala, anloga 4:5:6 da 12-ET. Temos ento uma funo tnica de uma cadncia . Em sequncia temos enquanto dominante 9/7-5/3-25/9 e subdominante 9/7-15/7-3/1. Ficamos, portanto com:

    Funo Tnica (T) Subdominante (S) Dominante (D)Razo 1/1-5/3-7/3 9/7-15/7-3/1 9/7-5/3-25/9

    Grau na Escala 1-6-10 3-9-13 3-6-12[Cadncia Delta ()]

    A inverso da trade gera uma triad (i.e. Trade Gama), 1/1-7/5-7/3, tnica de uma cadncia , de D 9/7-5/3-25/9 e S 9/7-9/5-3/1. Esquematicamente, temos, portanto, com esta segunda cadncia:

    Funo Tnica (T) Subdominante (S) Dominante (D)Razo 1/1-7/5-7/3 9/7-9/5-3/1 9/7-5/3-25/9

    Grau na Escala 1-4-10 3-7-13 3-6-12[Cadncia Gama ()]

    60 Medida logartmica criada por Alexander J. Ellis, como medida para simplificar a comparao entre intervalos, onde a oitava possui 1200 cents, ficando cada semitom com 100.

    27

  • Estas duas cadncias possuem quase todos os graus cromticos da escala, dos quais podemos extrair duas escalas diatnicas:

    [Heinz Bohlen]61

    H uma grande semelhana de propriedades harmnicas e meldicas, derivadas da metodologia utilizada na criao da escala, bastante prxima de nossa 12-ET. Nas palavras de Bohlen em seu artigo:

    Due to the analogy in construction, transpositions from the 12-step system are possible, for instance in accordance with the following rule of the game: In traditional music scores each note possesses a certain position within the cadence of the related mode. A transposition is now achieved by transferring each note to its corresponding position in either the or the cadence. Of course, this should not be done simply mechanically in each case: if a note has a melodic rather than a harmonic meaning it has to be transferred in this spirit. Transpositions in this or a different way appear to be necessary to permit getting used to the new harmonies prior to attempting compositions.62

    Bohlen termina seu artigo com a proposio de um teclado, uma possvel notao e a atribuio de letras do alfabeto para as notas, bem como algumas inferncias quanto realizao musical partindo de sua escala.

    Ele v como principal problema o fato de no existirem instrumentos aptos a

    61 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 7.62 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 6.

    28

  • comportarem sua escala. Este um dos motivos pelos quais as escalas criadas atualmente no so amplamente divulgadas, mas j h uma certa movimentao em direo a isto. H, cada vez mais, luthier's capacitados e prximos a este universo musical contemporneo que vem surgindo para poder suprir sua necessidade.

    H ainda o fato de sua escala assentar suas bases em distores mpares de nosso ouvido, portanto, instrumentos com harmnicos pares sugerem uma quantidade excessiva de dissonncias por conta de seu espectro, favorecendo, por exemplo, o uso e produo de clarinetes (hoje em dia, bastante frequente a utilizao de clarinetes nesta afinao) que, por sua forma possui apenas harmnicos mpares.

    Bohlen ainda termina seu artigo comentando sobre a maior de todas as dificuldades a ser enfrentada que a nossa cultura j solidificada e acostumada a escutar h tanto tempo a escala 12-ET:

    An essential difficulty in confronting the new sounds is the inertia of established hearing habits, which try to force the listener again and again to perceive the novelty as a flawed reproduction of the well-known.63

    63 13 Tone Steps in the Twelfth, p. 8.

    29

  • 2.3. Bibliografia

    BOHLEN, Heinz. Manuscrito a lpis, sem ttulo, 24 pginas. Hamburgo, sem data.______. Die Bildungsgesetze des 12-stufigen Tonsystems und ihre Anwendung auf einen Sonderfall, 57 pginas. Hamburgo, 25 de Julho de 1972.______. Versuch ber den Aufbau eines tonalen Systems auf der Basis einer 13-stufigen Skala, 7 pginas. Hamburgo, 2 de Dezembro de 1972______. 13 Tone Steps in the Twelfth. Rev. Acustica, Stuttgart, v. 87, n. 5, p. 617-624, set./out. 2001______. An early document on a novel scale. Boston: Bohlen-Pierce Symposium, March 7-9, 2010.

    CAMPBELL, Murray; GREATED, Clive. The Musician's Guide to Acoustics. New York: Oxford University Press, 2001.

    HINDEMITH, Paul. The Craft of Musical Composition: Book I, Theoretical Part. New York: Associated Music Publishers, 1945.

    KOFFKA, Kurt. Princpios de Psicologia da Gestalt; traduo de lvaro Cabral. So Paulo: Editora Cultrix/Editora da Universidade de So Paulo, 1975.

    LERDHAL, Fred; JACKENDOFF, Ray. A Generative Theory of Tonal Music. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1983.

    MENEZES, Flo. A Acstica Musical em Palavras e Sons. Cotia, SP: Ateli Editorial, 2003.

    PLOMP, Reinier. The Intelligent Ear: On the Nature of Sound Perception. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2001.

    SETHARES, William A. Tuning, Timbre, Spectrum, Scale. 2. ed. USA: Springer, 2005.

    30

  • 3. JOHN ROBINSON PIERCE

    3.1. Biografia

    Filho de Harriet Ann Pierce e John Starr Pierce, John Robinson Pierce nasceu no dia 27 de maro de 1910 na cidade de Des Moines, estado de Iowa, ao norte dos Estados Unidos da Amrica (EUA).

    Seu pai era vendedor de chapus e passava a maior parte do tempo fora de casa. Sua criao provm muito mais de sua me, de onde herdou tambm o Robinson, nome de solteira dela. Ele passava bastante tempo na casa de seu av em Cedar Falls, cerca de 150 km de onde nasceu:

    My grandfather had a large house on a large lot there, with a barn with a horse and a buggy.64

    Pierce lembra-se, ainda nesta entrevista, de seus 5 ou 6 anos quando havia morado em dois apartamentos em Saint Paul, Minnesota. Aps isto, seu pai teria comprado um bungalow (i.e. Bangal, modelo de casa) para sua famlia.

    Foi em Saint Paul onde iniciou, tambm, seus estudos. Seus primeiros anos na escola se deram durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), portanto, em condies no muito favorveis, considerando uma educao tpica destes tempos. Nesta poca seu pai deixou o emprego na chapelaria Strong & Warner's, onde trabalhava, para iniciar uma parceria com seu irmo, Bill, que era um timo empresrio e possua diversas chapelarias abertas.

    Seus ltimos anos na escola primria e dois anos de seu ensino mdio ele cursou em Mason City (200 km de Saint Paul), voltando no seu ltimo ano para Saint Paul para, em seguida, com seu pai j aposentado, mudarem-se para a California.

    Em seu perodo escolar demonstrou gande declnio pela leitura e pelas cincias, no geral. Gostava muito de fico cientfica, tendo lido Jules Verne (1828-1905) e George Wells (1866-1946), ao mesmo tempo em que lia sobre o funcionamento de motores eltricos e coisas do gnero. Era um jovem muito curioso

    64 Entrevista com Andrew Goldstein.

    31

  • em saber o porqu das coisas estarem ali e de como elas funcionavam daquela forma. Em suas palavras, I suppose that science looked to me the magic of like the magic of the day.65 Alm de ler, Pierce escrevia bastante, reflexo do que viria a ser seu pseudnimo literrio J. J. Coupling. Em 1929 ele construiu um planador e publicou seu primeiro livro, intitulado How to Build and Fly Gliders ($1 por exemplar), reflexo de suas duas atividades de interesse.

    Seus pais no tinham cursado o ensino superior, mas achavam que seu filho deveria procurar uma faculdade, pois ele no se interessava muito pelos negcios do pai, mas tirava boas notas no colgio.

    I discovered the California Institute of Technology, which fitted my high school education better than any of the others did and sounded like a good thing. I really knew nothing about it. They had an entrance examination. I took the entrance examination, and I got in.66

    Seu objetivo era, primeiramente, o de ingressar nos cursos de literatura e histria, mas sabia que, de alguma maneira, acabaria por se encontrar na engenharia. Ele pensou tambm em seguir na carreira de qumico, mas segundo ele, um calouro do curso o desanimou da ideia.

    A Caltech uma instituio privada e, mesmo no sendo fundada com este propsito, detm uma antiga tradio no ramo cientfico, tendo sido ponto de partida para a carreira de Pierce. Sua famlia sempre foi de classe mdia, porm com os investimentos de seu pai e seu tio e, depois, com alguns empreendimentos imobilirios, conseguiram pagar seus anos na Caltech e suprir ...a lot of crazy things that I wanted to do.67

    Porm, pouco tempo passado e ele j sentia necessidade de ganhar o seu prprio dinheiro, trabalhando confeco de peas para rdios. Este primeiro contato com o direcionamento prtico dos estudos lhe foi bastante importante, pois o ensino em sua faculdade era, em grande parte, terico, no visando tanto a aplicao dos conceitos. Terminou por desenvolver uma tese baseada em uma ideia de Fred

    65 Entrevista com Harriet Lyle, p. 2.66 Entrevista com Andrew Goldstein.67 Idem.

    32

  • Kroger que, na poca, trabalhava na Radio Corporation of America (RCA), um oscilgrafo de amostragem. Concluiu seu bacharel em 1933 (BS Bachelor of Science) e conquistou em 1934 seu mestrado (MS Master of Science), terminando com um PhD (Doctor of Philosophy, mximo ttulo de ps-graduao) em sua rea no ano de 1936:

    I graduated in 1933 with a BS, and again in 1934 with an MS [and in 1936 with a PhD]. There werent many jobs around that time, and I was not a very well-oriented young person; I wasnt very good at looking for jobs. In 1936, I got a job at Bell Laboratories.68

    Mesmo tendo feito entrevista na RCA, Pierce passou, ento, a trabalhar na Bell Telephone Laboratories. Inicialmente como um laboratrio independente (Volta Laboratory), foi fundada com um prmio de 50 mil francos recebido por Alexander Graham Bell (1847-1922) do governo francs por sua inveno do telefone. Atualmente tambm chamada de Bell Labs, tinha como principais objetivos a anlise, gravao e transmisso de som. L, ele desenvolveu pesquisas com: multiplicao de eltrons, considerando os rudos produzidos neste processo; tubos de vcuo de alta transcondutncia; clstrons refletores; dentre outras. Estas pesquisas foram utilizadas na construo de radares de banda X na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), radares estes capazes de detectar uma rea de maior alcance contendo maior resoluo da informao captada.

    Participando de um Comit de Desenvolvimento de Vlvulas, na Inglaterra em 1944, Pierce conheceu o trabalho de Rudolf Kompfner (tambm chamado de Rudy, 1909-1977) que, na poca, havia descoberto como amplificar ondas eletromagnticas, possibilitando a construo de um tipo de tubo de vcuo que transmitiria informaes a qualquer distncia. Em 1951 Kompfner veio juntar-se Bell Labs e, trabalhando com Pierce durante um longo perodo, vieram sugerir a ideia do lanamento de um satlite em forma de balo para tentar estabelecer comunicao com o mesmo. Apenas em 1960, aps grande relutncia da NASA e da troca de presidente da Bell Labs (Mervin Kelly por James Fisk), que o satlite passivo Echo foi lanado. Com o sucesso deste ltimo, em 1962 foi lanado um

    68 Entrevista com Harriet Lyle, p. 8.

    33

  • satlite ativo, Telstar.

    Echo reflected a voice signal from the West Coast to the East Coast. Facsimile pictures were sent by Echo also. T. Keith Glennan, who was then the administrator of NASA, visited the Holmdel [New Jersey] site, Crawford Hill, on September 22, 1960. We sent a picture via the Echo satellite while he was there, to Stump Neck, Maryland, and then over a phone line. When Glennan saw the picture sent by satellite during his visit, he was rather astonished, because everything worked. Maybe we should have been astonished, too.69

    Sem dvidas este foi um grande passo para a nossa atual era digital. A possibilidade de se enviar e receber informaes de qualquer lugar do mundo refletiria, com certeza, na carreira de Pierce. Em vista disto, hoje ele conhecido como o one of two fathers of the communications satellite.70

    Em 1971 foi-lhe oferecida uma vaga para trabalhar na Caltech. A ideia de voltar pra California (a sede da Bell Labs era em Nova Jersey) lhe pareceu bastante interessante, ficando 10 anos neste cargo. Aps isto, foi convidado a ministrar algumas aulas no Center For Computer Research in Music and Acoustics (CCRMA) da Universidade de Stanford.

    Pierce sempre teve um gosto especial pela msica. Estudou piano enquanto ainda era graduando na Caltech e instalou um pequeno rgo de tubos em sua casa perto da Bell Labs. Este interesse instigou sua pesquisa na rea quando conheceu Max Mathews.

    Max Vernon Mathews (1926-2011) estudou engenharia eltrica na Caltech e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), saindo com ttulo de doutor (DS - Doctor of Science) em 1954. Em 1957, trabalhando na Bell Labs, comeou a desenvolver uma sria de programas intitulados MUSIC. Foi um dos primeiros programas de gerao de som para computador e o primeiro a ser aceito pela comunidade musical cientfica da poca. Uma srie de upgrades foram feitos ao

    69 Ibidem, p. 19.70 Junto com Harold A. Rosen, segundo Arthur C.

    Clarke.

    34

  • longo dos anos, chegando a ter aproximadamente 10 verses depois do original. O atual Csound um descendente do MUSIC11 e bastante utilizado nos dias de hoje.71 Em 1962 a Bell Labs lanou um LP intitulado Music From Mathematics com peas compostas em um computador IBM 7090, sendo 5 destas de Mathews, 6 de Pierce e as outras 7 que completam o disco, de outros pesquisadores da Bell Labs desta poca. Estas peas tem contedo bastante experimental, explorando caractersticas do som e sintetizao de timbres por meio destas.

    O envolvimento de Pierce com a msica, porm, vem de antes, desde seu trabalho com rdios. Mas seu interesse pela acstica e psicoacstica sonora se deu, de fato, com o trabalho junto a Mathews. Em 1966 publicou um artigo no Journal of the Acoustical Society of America intitulado Attaining Consonance in Arbitrary Scales, onde defende a possibilidade de se conseguir harmonias consonantes com sons no harmnicos.

    Indeed, you do have very nice sounds, gongs and bells, in which the overtones are not harmonic. The trouble with gongs and bells is that two sounded at once dont go together very well.72

    Ele acrescenta que, para que esta harmonia baseada em sons no-harmnicos se d de forma eficaz, teria de aumentar a oitava, esticar os intervalos de nossa atual escala. The idea is to stretch the whole octave.73 Um estudante de Stanford, segundo ele, aplicou esta ideia e conseguiu algumas boas harmonias, porm, alguns acordes realmente no soaram bem. Seu ponto de partida foi pensar em uma lei bsica da psicoacstica, a Banda Crtica. J mencionada anteriormente, esta prev que intervalos muito prximos tendem a excitar reas prximas de nossa membrana basilar, portanto, se esticasse a oitava poderia obter nveis maiores de consonncia. A ideia bastante coerente, porm, algumas implicaes foram desconsideradas como, por exemplo, o fato de que, tratando-se de sons no-harmnicos, pode haver, assim mesmo, choque entre suas parciais que incidam em uma banda crtica. Contudo, este foi apenas um estudo inicial que levou em conta

    71 Vide 72 Entrevista com Harriet Lyle, p. 37.73 Idem.

    35

  • poucas variantes.Pierce lanou em 1974 seu livro Almost All About Waves onde discute as

    ondas como unificao dos conceitos da fsica, considerando ondas sonoras, ondas mecnicas, ondas do mar, etc. Em suas palavras: I had an insight it was various aspects of waves. Ele chegou a dar aulas sobre o contedo deste livro na Caltech. Seu estudo sobre ondas lhe foi bastante til para as futuras pesquisas sobre consonncia e dissonncia e melhor entendimento de livros que contivessem questes tericas sobre msica.

    Em 1979 recebeu um prmio de $25.000 da Marconi Society (Marconi International Felowship) por suas descobertas e pesquisas cientficas, principalmente nas que dizem respeito aos desenvolvimentos da comunicao por satlite. Em seu site, em espaos destinados aos, at ento, premiados, a Marconi Society homenageia Pierce com a seguinte frase:

    To recognize outstanding advances in space and satellite technologies relevant to improving world communications.74

    Com este prmio, ele financiou a publicao de seu livro The Science of Musical Sound em 1983, j com estudo mais aprofundado sobre, como diz o prprio ttulo do livro, o carter cientfico do som musical.

    Desde 1982 estudando a criao de novas escalas com Mathews, publica em 1984, no Journal of Acoustical Society of America, o artigo Four new scales based on nonsuccessive-integer-ratio chords (i.e. Quatro novas escalas baseadas em acordes de razes inteiras no-sucessivas), seguido de seu seminrio ministrado na Music Acoustics Committee of the Royal Swedish Academy of Music em 1987. O compndio dos diversos seminrios ministrados neste ano foram organizados por J. Sundberg. Estes dois ltimos sero nossos objetos de anlise a partir de agora, buscando mostrar o mtodo de Pierce para obteno de sua escala.

    74 Vide

    36

  • 3.2. Four new scales based on nonsuccessive-integer-ratio chords

    Modern composers have a large appetite for new musical materials.75

    Esta a frase que abre os escritos do seminrio de Pierce na Sucia, junto Mathews e L. A. Roberts.

    Atualmente, e isto se deu principalmente aps a Segunda Guerra Mundial, vemos um crescente avano tecnolgico, diferente de outra pocas. Esta diferena se d no que diz respeito ao tempo. Aps a guerra muitos pases necessitaram reeguer-se rapidamente, como o Japo, a Alemanha e os EUA. Esta necessidade fez com que houvesse, na segunda metade de nosso sculo XX, um boom tecnolgico, uma exploso cientfica dentro de um curto espao temporal. Vimos na carreira de Pierce grandes exemplos, quais a comunicao por satlites, e o surgimento do computador. Estes avanos permitiram uma srie de pesquisas, inclusive no campo musical, como apresentado, e estas pesquisas, desenvolvidas tanto por msicos como por no-msicos possibilitaram a experimentao de coisas novas antes de sua real aplicao. Portanto, quando Pierce diz que os novos compositores j tem uma predisposio a novos materiais musicais, em grande parte, isto se deve possibilidade de experimentao deste novo material por meio de algum veculo tecnolgico.

    Acerca deste panorama, Pierce diz:

    ...computers have provided ways of generating completely general test sounds; data analysis and multidimensional scaling methods to understand the experimental results have been created. Can we use these scientific techniques to design new musical materials which have prespecified properties?76

    Ele inicia sua reflexo questionando: Is it possible to design new scales

    75 MATHEWS, Max V.; ROBERTS, L.A.; PIERCE, John R. Harmony and new scales. Harmony and Tonality. 1987. 100 f. Seminrio - Music Acoustics Committee of the Royal Swedish Academy of Music, Sucia, p. 59.

    76 Idem.

    37

  • which are different from diatonic scales but do have perceptible and rich underlying harmonic structures?77

    Diante da supremacia de nossa escala ocidental h tantos sculos presente, faz-se difcil a aplicao de experimentos com qualquer material tonal que se proponha. Em seu processo, Pierce trabalhou com pesquisa de opinio, expondo pessoas a eventos sonoros e lhes fazendo perguntas. Estas respostas serviram de base para uma fundamentao psicoacstica confeco de sua escala.

    Para isto, foram feito trs estudos. O primeiro prope sua ideia de "intonational sensitivity" as a measure of the validity of a chord to form the harmonic basis of a scale.78 Esta sensibilidade seria a capacidade do ouvinte de perceber ou no se um acorde est afinado. O segundo partir para a proposio de novas escalas tendo por base dois acordes com sensibilidades de entonao semelhantes trade maior de nossa escala diatnica (este estudo no ser aqui enfatizado). Por fim, o terceiro estudo objetiva a criao de uma escala esticando-se os intervalos da nossa, bem como a distncia entre as parciais dos timbres que, possivelmente, tocaro esta.

    a) Intonational Sensitivity

    Este estudo foi desenvolvido atravs da apresentao de pares de acordes aos ouvintes, pedindo-lhes que dissessem qual dos dois eles preferiam. Esta preferncia caracterizou, segundo Pierce, a sensibilidade de entonao. Para tanto, foram utilizados quatro diferentes acordes. As trades maior (4:5:6) e menor (10:12:15) tradicionais e outras tambm trades, porm, formadas sobre as razes 3:5:7 e 5:7:9.

    A escolha destes dois acordes se deu por comparao aos acordes tradicionais. Primeiramente, eles envolvem frequncias no presentes nas escalas usuais, pois, como j vimos, estas utilizam-se, em grande parte, de parciais pares. Em segundo lugar, eles possuem um padro de coincidncia de parciais superiores, bem como um claro baixo fundamental, importante atributo psicoacstico para ns. Acerca deste ltimo, o compositor e terico musical francs Jean-Philippe Rameau 77 Ibidem.78 Idem.

    38

  • (1683-1764), em seu Tratado de Harmonia de 1722,79 escreve:

    The essence of composition, for harmony as well as melody, lies principally, especially at present, in that bass we call fundamental.

    A ideia e Rameau era fundamentar a harmonia no baixo dos acordes, como se fosse uma funo primria de nossa audio. Recentemente, Ernst Terhardt expandiu esta teoria com sua concepo de virtual pitch80. Pierce apenas utiliza estes autores para fundamentar melhor seus experimentos, citando tambm o fsico alemo Hermann von Helmholtz (1821-1894) que defende a consonncia a partir das semelhanas harmnicas entre os acordes. No caso de nossa trade (4:5:6) maior, o 5 harmnico da primeira nota coincide com o 4 harmnico da segunda. No caso do acorde 3:5:7, o 5 harmnico da primeira nota coincide com o 3 da segunda, e assim por diante. Acerca da ideia de baixo fundamental, partindo da teoria da altura virtual de Terhardt, temos um baixo fundamental de razo 1/4 da nota mais baixa do acorde, no primeiro exemplo, e de 1/3 no segundo. Em relao ao acorde menor (10:12:15) Pierce comenta esperar algum resultado diferenciado por conta de sua fundamental dar-se na razo de 1/10 e suas coincidncias harmnicas em parciais bastante superiores.

    Nestes acordes, portanto, foram feitas alteraes das notas intermedirias, desviando-se 15 e 30 cents acima e abaixo de sua afinao pura (relao de nmeros inteiros com a fundamental). Estes valores foram escolhidos tomando por base o desvio mximo da escala Ptolomaica para o nosso temperamento, ficando a 3M de aproximadamente 386 cents com 400 (desvio de 14 cents), e a 3m de aproximadamente 316 cents com 300 (desvio de 16 cents).

    Com cada pessoa, o experimento foi feito atravs de 80 julgamentos. Cada julgamento contou com 2 acordes, onde o mais agradvel teria de ser escolhido. Cada acorde foi tocado em um espao de tempo de 1 segundo, separados tambm

    79 RAMEAU, Jean-Philippe. Treatise on Harmony. 2. ed. USA: Dover Publications, Inc., 1971, p. 206. Recente edio americana usada para consulta.

    80 i.e. Altura Virtual: em um espectro incompleto (e.g., 400 Hz, 600 Hz, 800 Hz) natural que se oua sua fundamental ausente, no caso, 200 Hz. Esta distoro gerada por nosso crebro foi cunhada por Terhardt por virtual pitch.

    39

  • por 1 segundo de silncio. Aps a audio, foram dados 5 segundos para anotarem sua preferncia. Com cada pessoa, a sesso durou aproximadamente 15 minutos. Estes acordes foram gerados por um computador, usando o programa de sntese sonora MUSIC V (Mathews, 1969). Para se ter uma ideia do som ouvido, Pierce comenta:

    The timbre can be described as a typical bland electronic organ timbre.81

    Segue abaixo uma tabela com os acordes utilizados. Foi adotado o d central (262 Hz) como a nota mais baixa destes acordes:

    [John Pierce]82

    Os participantes ouviram, antes do teste real, cada um dos 20 acordes listados. Logo aps, cada acorde em particular foi apresentado a outros 8 de mesma

    81 Harmony and Tonality, p. 61.82 Idem.

    40

  • qualidade (e.g., maior) e, assim sendo, o participante teve de apontar qual achava mais afinado.

    Resultados

    Os participantes foram 13 voluntrios da sede da Bell Labs, em Murray Hill, Nova Jersey. Dentre estes, as relaes com a msica variavam desde estudados at inteiramente leigos.

    [John Pierce]83

    Temos nestes grficos, sendo um para cada participante, a pontuao mdia dos acordes no eixo das ordenadas e seu desvio indicado nas abscissas. Primeiramente importante notar que todos os participantes distinguiram as

    83 Ibidem, p. 62.

    41

  • diferentes entonaes dos acordes e nos forneceram dois padres claros de opinies: padres M, onde acordes com desvio de +15 ou -15 cents so considerados mais afinados; e padres de V invertidos, mostrando-nos que as entonaes justas so preferidas.

    Tomando os resultados separados para os 9 participantes M e os 4 V, temos as seguintes mdias por tipo de acorde:

    [John Pierce]84

    Para os acordes maiores, 5:7:9 e 3:5:7 dos dois padres, os resultados so bem semelhantes entre si comparados com seus acordes menores, visto que os ltimos so preferidos claramente com suas teras a -15 cents da entonao pura, ou seja, mais prximos ao nosso sistema temperado. Mesmo no padro V em que a tera natural ainda atinge maior pontuao, h uma grande inclinao tera temperada.

    Pierce declara haver duas possveis explicaes para a explcita diferena entre os 2 grupos de ouvintes: a primeira de que os ouvintes de padro V no gostam de batimentos e os de padro M sim; a segunda de que os de padro M gostam de acordes de nosso temperamento, considerando que os de padro V o seguem somente quando diz respeito ao acorde menor.

    84 Ibidem, pp. 64-65.

    42

  • Mais importante ainda ressaltar os resultados para os acordes no-tradicionais 3:5:7 e 5:7:9, obtendo sensao de entonao bastante parecida com o acorde maior e these nontraditional chords are appropriate both for experimental studies of harmony and for new compositional systems.85

    Pierce Scale (P3579)

    The traditional diatonic scale can be constructed from three major chords, the tonic, the dominant, and the subdominant chords. Using analogous techniques with the new chords, we have constructed four new scales which we call the M579, M357a, M357b, and the P3579 scales.86

    Deterei-me em tratar da escala P3579, homnima escala de Bohlen. A escala de Pierce baseia-se no tetracorde 3:5:7:9 e possui como intervalo delimitador a razo 3:1, que ele chamou de tritava (anloga oitava 2:1 de nosso sistema ocidental). Apesar de citado tambm na parte destinada a Bohlen, o termo tritava para designar este intervalo foi primeiramente usado por Pierce: We have chosen to call this 1:3 ratio, the tritave.87

    Ele cita o fato de que esta escala permite timas aproximaes, utilizando o exemplo das teras temperadas que possuem erro mdio e aproximado de 15 cents, enquanto em sua escala o erro mximo fica entre 6 e 7 cents. Em seus clculos, o erro mdio de todos os desvios da natural para a temperada, sua escala fica com 4.4 cents enquanto a nossa fica com 10.4, ou seja, as aproximaes desta escala so melhores, no ficando muito distante de sua verso natural.

    O fator acima citado foi de suma importncia para a criao da escala. Segundo Pierce, a tritava foi fornecida pelo seu prprio tetracorde 3:5:7:9 e a quantidade de graus, que compreenderiam sua escala cromtica, foi concebida por tentativa e erro, considerando a aproximao com um possvel temperamento:

    The 13th root was chosen by trial and error from a series of integer roots. This

    85 Ibidem, p. 65.86 Journal Acoustical Society of America, Virginia, v. 75, 7 mai. 1984. Issue S1, p. S10.87 Harmony and Tonality, p. 66.

    43

  • root just happens to approximate the chord well and to produce an appropriate number of tones in the tritave.88

    Aps a escolha de um intervalo delimitador e da quantidade de graus que assumiria seu cromatismo, ele decidiu selecionar 9 tons para designar um modo de um tom particular. Segundo ele, esta escolha foi to arbitrria quanto as anteriores, porm consciente de sua potencial importncia harmnica e modulatria.

    [John Pierce]89

    Esta uma representao em crculo da escala contendo a marcao dos graus que formam seu primeiro modo. Este modo consiste na alternncia entre passos cromticos e no-cromticos, salva exceo na tnica. O que a caracteriza justamente a presena de dois graus cromticos, anterior e posterior, como duas sensveis que atraem a gravidade ao seu grau tonal. As outras tonalidades so conseguidas com as 12 posies restantes da tnica.

    Trades

    Sua trade maior faz-se justamente sobre seu acorde original 3:5:7, agora representados pelos graus I-V-VIII de sua escala diatnica. A outra trade faltante

    88 Ibidem.89 Idem, p. 68.

    44

  • 5:7:9 seu acorde menor principal, formado sobre os graus I-IV-VIII, anlogo ao procedimento de nosso sistema para a mudana maior-menor, com o abaixamento do grau intermedirio. Com estes dois modelos de acordes, obtm-se diatonicamente outros 5 acordes maiores e menores, podendo qualquer grau deste modo assumir tanto a funo maior como menor, evidentemente em alguns casos, invertida:

    [Pierce]90

    H ainda a possibilidade, semelhante ao nosso sistema, de se modular para dois tons adjacentes, mudando-se as posies dos dois graus cromticos tnica.

    Experimentos

    Diante de seu resultado, Pierce busca uma validao de sua escala atravs de novos experimentos auditivos. Desta vez vez eles sero divididos em duas partes: em um primeiro momento os ouvintes sero expostos a todas combinaes de trades possveis; o segundo diz respeito percepo de seus acordes e suas inverses, buscando o reconhecimento de suas semelhanas. Ele reconhece que este est longe de ser um mtodo realmente vlido para a assimilao e entendimento do novo material, porm, oferece retornos iniciais de seu primeiro pblico.

    O primeiro teste foi realizado com 12 msicos e 12 pessoas no-treinadas. Os msicos so graduandos ou j formados da Juilliard School of Music de Nova Iorque e possuem, no mnimo, 10 anos de estudo musical. Os outros so membros da Bell

    90 Ibidem.

    45

  • Labs e nunca tiveram contato formal com a msica. Esta pesquisa consiste na audio de cada uma das 78 possibilidades de trades com a classificao atravs de uma pontuao de 1 a 7, onde 7 designar a mxima consonncia e 1 a mxima dissonncia. Sero feitas trs baterias deste teste, cada qual com uma ordem diferente dos acordes, sendo tocados em um intervalo de tempo de 1 segundo e seus participantes dispondo de 5 segundos para anotar sua opinio. O som foi gerado por um computador contendo o programa de sntese sonora CMusic (F. Richard Moore) e consistiu apenas de hamnicos mpares e fundamental de 175 Hz. Segue abaixo uma lista com os resultados dos 8 mais consonantes e dissonantes:

    [John Pierce]91

    A primeira observao que Pierce faz quanto aos resultados a apario de uma gama muito diversificada de pontuaes para ambas as respostas. Uma segunda interpretao foi a de que os acordes dissonantes esto diretamente ligados graus cromticos harmonicamente e, em terceiro lugar, ele leva em conta o fato de os acordes maiores e menores desta escala serem relativamente mais consonantes.

    O segundo teste se deu de maneira bastante semelhante, salvo pelo fato de que os participantes foram em nmeros de 10 cada grupo e a pontuao poderia variar entre 1 e 9. A pesquisa se deu atravs da comparao entre dois acordes sugeridos para que seu grau de similaridade fosse apontado. Os resultados foram to variados que Pierce no mostrou nenhuma concluso concreta sobre estes.

    Em suma, Pierce reconhece em sua escala uma alternativa ao nosso sistema ocidental temperado h tempo em vigor. Seus motivos so a quantidade grande de 91 Ibidem, p. 70.

    46

  • semelhanas entre o seu sistema desenvolvido com a nossa 12-ET, como o estabelecimento de acordes maiores e menores mudando-se apenas seu grau intermedirio, a grande possibilidade modulatria existente, dentre outras.

    Ele prev como fator delimitante a implicao de apenas poderem tocar sua escala instrumentos com espectro mpar, preferenciando claro, os computadores.

    47

  • 3.3. Bibliografia

    MATHEWS, Max V.; ROBERTS, L.A.; PIERCE, John R. Four new scales based on nonsuccessive-integer-ratio chords. Journal Acoustical Society of America, Virginia, v. 75, 7 mai. 1984. Issue S1, p. S10. ______. Harmony and new scales. Harmony and Tonality. 1987. 100 f. Seminrio - Music Acoustics Committee of the Royal Swedish Academy of Music, Sucia.

    PIERCE, John R. Entrevistado por Harriet Lyle para o Archives California Institute of Technology, Pasadena, California, USA, 16, 23 e 27 de Abril de 1979.______. The Science of Musical Sound. rev. sub. ed. USA: W. H. Freeman & Company, 1983.______. Oral-History: John Pierce, entrevistado por Andrew Goldstein para o IEEE History Center, Rutgers University, New Brunswick, NJ, USA, 19-21 de Agosto de 1992.

    RAMEAU, Jean-Philippe. Treatise on Harmony. 2. ed. USA: Dover Publications, Inc., 1971.

    48

  • 4. Bohlen-Pierce

    4.1. Bohlen-Pierce scale

    A primeira publicao de Bohlen de 1972 gerou um certo agito no meio acadmico musical europeu. Bohlen recebeu diversas cartas que variavam desde uma aceitao cautelosa at uma total objeo sua pesquisa. Entre estas correspondncias, tm-se nomes de Jrgen Meyer (1973, PTB Braunschweig, primeira carta recebida), Rudolf Haase (1978, Hans-Kayser-Institut, Vienna), Heinrich Kuttruff (RWTH Aachen), Fridemar Pache (Dortmund University), Hans-Peter Reinecke (Federal Institute for Music Research, Berlin), Martin Vogel (Bonn University), Rudolf Wille (TH Darmstadt), e especialmente Ernst Terhardt (TU Munich). Percebe-se que, inicialmente, este crculo acadmico foi oriundo apenas da Alemanha, estendendo-se California aps o envolvimento de Pierce com sua publicao em 1984 sobre o assunto.

    Aps esta publicao, Pierce logo ficou sabendo da pesquisa desenvolvida por Bohlen, citando-o em seu documento Harmony and new scales, explicitando o fato de que seus resultados foram atingidos por caminhos totalmente diferentes:

    ...Bohlen's derivation was primarily theoretical and ours was primarily experimental. We find it heartening that we arrived at the same result from a completely different direction.92

    Em um artigo posterior, publicado na Journal Acoustical Society of America, Pierce j se refere escala como Bohlen-Pierce scale no prprio ttulo.93 Ainda assim, em conversas particulares, ele passou o resto da vida referindo-se a esta por Pierce scale. No tardou a aparecer uma primeira composio em BP e os tericos direcionarem olhares mais atentos s recentes descobertas.

    Em 1993, Bohlen foi para a California e chegou a ter uma longa discusso por

    92 Harmony and Tonality, p. 66.93 MATHEWS, Max V.; ROBERTS, L.A.; PIERCE, John R.; REEVES, Alyson. Theoretical and

    experimental explorations of the BohlenPierce scale. Journal Acoustical Society of America, Virginia, v. 84, 1988. Issue 4, pp. 1214-1222.

    49

  • telefone com Pierce a respeito de micro-ondas, mas sem saber ainda de seu envolvimento com a escala.

    Em e-mails trocados com Bohlen, perguntei-lhe sobre sua relao com Pierce e obtive a seguinte resposta:

    There is not much to report about my relationship with John Robinson Pierce: We met only once in 1993 in Palo Alto, California, on the occasion of a paper that he read on a psycho-acoustic issue, and at that time I wasn't aware yet of his involvement in the scale. About the same time, we had an extended phone conference on a microwave technology matter. Later, after I had learned about his contributions to the scale, I tried several times to contact him by phone as well as by e-mail, but I never got a response. I think he knew at that time that he was suffering from Alzheimer's, and he didn't want to let people know about his condition.94

    John Robinson Pierce morreu no dia 2 de Abril de 2002 e no chegou a conhecer Bohlen pessoalmente.

    Com a escala recentemente criada e o meio acadmico musical cada vez mais envolvido com suas questes, logo as discusses a respeito desta tornaram-se prticas. Tericos trataram de propor uma notaes, estudar sua harmonia, principalmente no que diz respeito s possibilidades modulatrias, outros dedicaram-se confeco de instrumentos e estudo de timbres que soassem consonantes para esta escala e alguns j at propuseram novas escalas partidas desta. William Sethares diz que:

    The Bohlen-Pierce scale really is fundamentally different, and requires a fundamentally new music theory...This theory is not trivial or obvious.95

    Em Julho de 1987, Pierce e Mathews enviaram uma proposta de pesquisa National Science Foundation (NSF) para um estudo a longo prazo sobre conceitos prticos da escala. Adiante ser detalhada esta proposta e um exemplo de sua aplicao pela professora da New York University (NYU) e conceituada estudiosa em 94 Anexo I e-mail trocados com Heinz Bohlen.95 SETHARES, William, op. cit.

    50

  • BP, Elaine Walker.

    4.2. The Acquisition of Musical Percepts with a New Scale96

    A pesquisa prope que sejam selecionados alguns sujeitos, os quais recebero treinamento musical em BP durante longo perodo para que saiam capacitados, sobretudo, a transcrevem melodias no novo sistema. Estas aulas sero dadas de forma semelhante aos mtodos tradicionais de ensino de percepo. Os participantes sero ento testados em diversos quesitos, como percepo de modulao, similaridades de acordes (incluindo inverses), sensibilidade cadncias e algumas progresses, dentre outros. O estudo parte de dois eixos principais: 1) an exploration of learning in the context of a new musical language based on a new scale and 2) techniques for designing new musical scales which have interesting perceptual and musical properties.97

    Seus autores ressaltam a dificuldade da proposta devido ao fato de que qualquer sistema musical novo que passe por um estudo onde outras pessoas so envolvidas, como neste caso, ter de ser aproximado. Isto se d porque nascemos ouvindo o que os nossos antepassados nos deixaram e o que herdamos culturalmente de nosso povo. No caso da cultura ocidental, o material bsico da escala 12-ET, j citada.

    Os testes publicados por Pierce e Mathews no mesmo ano de 1987 em Harmony and Tonality partiram de indivduos no treinados e tinham por objetivo obter de seus participantes uma primeira impresso a respeito da escala, com resultados a curto prazo.

    Como dito, este estudo parte de um treinamento a longo prazo (1 hora por dia durante 1 ano ou mais) onde os participantes consigam transcrever fragmentos do que so ou poderiam ser msica em BP. Como um primeiro resultado, o participante no apenas ter aprendido a transcrever notas, mas algumas regras do estilo, ou como em nossa msica tradicionalmente ocidental, alguns padres que so

    96 PIERCE, John R.; MATHEWS, Max V. The Acquisition of Musical Percets with a New Scale. Stanford University, California: Center for Computer Music Research in Music and Acoustics, Departament of Music, 1987.

    97 Idem, p. 3.

    51

  • comumente repetidos. Sobre este ponto, os autores dizem:

    We conjecture that he may even learn to like music that follow the rules and reject music that does not.98

    Dividindo-se em dois grupos, um deles ser ensinado, racional e arbitrariamente, sobre algumas regras fixas que regero o novo estilo musical. Dentre estas, importante que contenham o conceito de que existem 9 tonalidades escolhidas dentre as 13 da escala cromtica, que representam, analogamente ao nosso sistema 12-ET ocidental, as tonalidades brancas (referente s teclas brancas do piano). Destas 9, uma ser a mais importante (anloga nota D de nosso sistema) e ter 2 tonalidades mais prximas, qual o nosso ciclo de quintas.

    O treinamento enfatizar a importncia dos acordes maiores e menores, trazendo audies de melodias harmonizadas apenas com acordes maiores e outras somente com menores.

    As cadncias com carter de finalizao sero utilizadas sempre aos finais das frases ou anteriores a alguma modulao. As caractersticas de uma cadncia no novo sistema proposto so iguais ao do 12-ET e as modulaes sero usadas para afirmar o conceito de tonalidades adjacentes.

    Antes mesmo do estabelecimento de nosso sistema temperado 12-ET, a oitava j era usada na msica ocidental como intervalo cclico. Um dos maiores desafios de Pierce e Mathews com estes testes estabelecer a percepo de um novo intervalo com esta funo, a tritava. Sero, para tanto, utilizadas algumas estratgias, quais nomear uma nota e sua tritava acima de mesma forma e fazer uso de melodias que apresentem um tema repetido tambm nesta regio.

    O segundo grupo funcionar como grupo de controle e ser dividido em dois subgrupos. Um destes ser far um treinamento perceptivo aleatrio, sem nenhuma restrio, salvo os exerccios estarem em BP. Um segundo possvel subgrupo haver apenas a restrio relativa escala diatnica presente no primeiro grupo.

    A ideia principal desta diviso sistemtica de grupos analisar, aps os treinamentos, como os participantes respondem escala quando expostos a ela. esperado que o primeiro grupo obtenha maior sensibilidade nos quesitos 98 Ibidem, p. 9.

    52

  • desenvolvidos do que os grupos de controle.

    4.3. Elaine Walker

    Elaine Walker graduou-se em Produo de Snteses Musicais pela Berklee College of Music (Escola Berklee de Msica) em 1991 e trabalhou como monitora nos laboratrios de msica eletrnica at 1999. Aps sua graduao, fundou a banda ZIA, segundo ela, para executar peas compostas em sua graduao:

    When I graduated from college in 1991 (I majored in electronic music production) I wanted to get a band together to perform the music I had been writing. I had written a bunch of music and just needed band members.99

    Walker utiliza, basicamente, em suas canes controladores MIDI e escalas microtonais. interessante citar que, apesar de estarmos falando dos EUA, na Europa bastante comum que os novos compositores sejam iniciados no estudo de novas escalas e as incorporem em suas obras. Acerca disto, diz o compositor Grard Grisey (1946-1998):

    In France, ... most of the young composers use microintervals now. Almost all of them, so that the musicians from their youth are not so afraid of it

    any more. And it's very easy to train the ear.100

    Walker obteve seu ttulo de Mestrado em Tecnologia da Msica pela New York University em 2001. Sua tese era sobre o uso do cos matemtico na realizao de interpretaes e composies musicais. Ela